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O acesso à justiça e a obrigatoriedade da submissão prévia das demandas individuais trabalhistas à comissão de conciliação Walfredo Bento Ferreira Neto Publicado em 11/2009. Elaborado em 11/2008. Resumo: A inclusão do art. 625-A ao H, na CLT, feita pela Lei n.º 9.958/2000, trouxe a obrigatoriedade de submissão das demandas individuais trabalhistas à Comissão de Conciliação Prévia, nos locais em que esta for instituída. Parte da doutrina e da jurisprudência considera que consiste em uma condição da ação ou um pressuposto processual, enquanto que para a outra se trata de verdadeira afronta ao Princípio da Inafastabilidade de Acesso à Justiça. O debate transcendeu a instância das Varas e dos Tribunais Trabalhistas, alçando os fóruns do Tribunal Superior do Trabalho e da própria Corte Suprema do País – o STF. Pelo confronto entre princípios e regras, e sob o manto da proporcionalidade e da razoabilidade, este estudo conclui que este dispositivo deve ser facultativo, sob pena de dificultar ainda mais o acesso à Justiça por parte daquele que merece maior proteção do Estado Democrático de Direito. Sumário: 1. Introdução. 2. Do debate constitucional. 2.1 Da Comissão de Conciliação Prévia: breve histórico, natureza jurídica e finalidade. 2.2 Da declaração de tentativa de conciliação como condição da ação ou pressuposto processual. 2.3 Do Princípio da Inafastabilidade do Acesso à Justiça. 2.3.1 Dos significados do acesso à Justiça. 2.4 Da obrigatoriedade da submissão da demanda individual trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia e o Princípio da Inafastabilidade do Acesso à Justiça: discussão doutrinária. 2.5 Sob a ótica da jurisprudência. 3. Considerações finais. 4. Referências. 1. INTRODUÇÃO

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O acesso à justiça e a obrigatoriedade da submissãoprévia das demandas individuais trabalhistas àcomissão de conciliação

Walfredo Bento Ferreira Neto

Publicado em 11/2009. Elaborado em 11/2008.

Resumo: A inclusão do art. 625-A ao H, na CLT, feita pela Lei n.º 9.958/2000,trouxe a obrigatoriedade de submissão das demandas individuais trabalhistas àComissão de Conciliação Prévia, nos locais em que esta for instituída. Parte dadoutrina e da jurisprudência considera que consiste em uma condição da açãoou um pressuposto processual, enquanto que para a outra se trata de verdadeiraafronta ao Princípio da Inafastabilidade de Acesso à Justiça. O debatetranscendeu a instância das Varas e dos Tribunais Trabalhistas, alçando osfóruns do Tribunal Superior do Trabalho e da própria Corte Suprema do País –o STF. Pelo confronto entre princípios e regras, e sob o manto daproporcionalidade e da razoabilidade, este estudo conclui que este dispositivodeve ser facultativo, sob pena de dificultar ainda mais o acesso à Justiça porparte daquele que merece maior proteção do Estado Democrático de Direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. Do debate constitucional. 2.1 Da Comissão deConciliação Prévia: breve histórico, natureza jurídica e finalidade. 2.2 Dadeclaração de tentativa de conciliação como condição da ação ou pressupostoprocessual. 2.3 Do Princípio da Inafastabilidade do Acesso à Justiça. 2.3.1 Dossignificados do acesso à Justiça. 2.4 Da obrigatoriedade da submissão dademanda individual trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia e o Princípioda Inafastabilidade do Acesso à Justiça: discussão doutrinária. 2.5 Sob a ótica dajurisprudência. 3. Considerações finais. 4. Referências.

1. INTRODUÇÃO

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O presente estudo versa sobre o acesso à Justiça e a obrigatoriedade dasubmissão das demandas individuais trabalhistas à Comissão de ConciliaçãoPrévia (CCP).

Apresenta como escopo verificar a constitucionalidade da exigência da tentativade conciliação prévia extrajudicial, trazida pela Lei n.º 9.958, de 12 de janeiro de2000, à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT, arts. 625-A a H), em face,sobretudo, do Princípio Constitucional da Inafastabilidade do Acesso à Justiça,insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República Federativa doBrasil de 1988.

Tal discussão mostrou-se salutar à formação profissional após análises feitasnos bancos escolares da Universidade Estácio de Sá, no Campus Resende, maisespecificamente durante a realização das disciplinas de Direito Processual doTrabalho II, ministrada pelas professoras Maria Inês Gerardo e Érika Machadode Almeida, e a de Tópicos de Direito Constitucional, lecionada pelo professorRogério Madureira Stefano.

Durante o curso, evidenciou-se que o tema em tela demanda grande polêmica eintenso debate constitucional, não só despertando grande interesse por parte doautor, como vasta discussão doutrinária e jurisprudencial que, até o momento,são bastante divergentes.

Junto a isso, procurou-se enfatizar essa discussão devido ao confronto entreprincípios insculpidos na Carta Constitucional, permeando-se assuntos do ramotrabalhista e do ramo constitucional, portanto interdisciplinar, tornando vasto ocampo de estudo, proporcionando alcançar um maior conhecimento sobre aciência do Direito e sua repercussão na sociedade.

Para se atingir a plenitude do objetivo, primeiramente, no desenvolvimento,será demonstrado o debate constitucional sobre o tema.

Em seguida, será dado um enfoque sobre o instituto da conciliação prévia,trazendo-se um breve histórico, sua natureza jurídica e finalidades para a qualfoi criada.

No momento seguinte, abordar-se-á o Princípio da Inafastabilidade do Acesso àJustiça, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna. Para tanto, serárealizada uma digressão aos conceitos de princípio, de norma jurídica e deregra, assim como seu posicionamento dentro do sistema.

A fim de confrontar a exigência infraconstitucional da submissão das demandasindividuais trabalhistas à conciliação prévia extrajudicial, realizada nas CCP,com o Princípio da Inafastabilidade do Acesso ao Judiciário, na próxima etapa

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se discutirá o que a doutrina e a jurisprudência têm trazido como entendimentoe lições.

Para isso, essa fase foi dividida em duas: a primeira, condizente com osensinamentos doutrinários e, a outra, dizendo respeito aos posicionamentosjurisprudenciais não só dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), comotambém do Superior (TST), alcançando-se, inclusive, o entendimento do próprioSupremo Tribunal Federal (STF), que, até o momento, é divergente.

Após este minucioso estudo, na busca de uma compreensão mais detalhadasobre a situação-problema anunciada, reservou-se a última parte àsconsiderações finais da pesquisa. Nela, serão pesados e valorados os argumentosaté então abordados e se indicará a posição em que se acredita existir um maiorbenefício, tendo como parâmetro não só a sistemática do ordenamento jurídico,como também a busca da Justiça social.

Para viabilizar este trabalho, realizou-se uma pesquisa aplicada, de formasistemática, obedecendo-se aos postulados científicos que visarão a responder ahipótese levantada na situação-problema. O método da pesquisa seconsubstanciou na pesquisa bibliográfica e documental, baseando-se em fontestais como a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional afim, livrosde renomados autores das áreas trabalhista, constitucional e filosófica, e artigoscientíficos publicados em revistas especializadas de Direito.

Ampliando-se o horizonte acerca da discussão, efetivou-se uma busca sobre oposicionamento dos Três Poderes da República. Quanto ao Judiciário, ainvestigação se deu por meio de sites dos Tribunais Regionais do Trabalho, doTribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal, buscando-seposicionamentos em acórdãos e enunciados. No tocante ao Executivo, o site doMinistério do Trabalho e Emprego foi de grande valia. Finalizando, com relaçãoao Poder Legislativo, a procura se deu em Projetos de Lei, nos quais sedesvendou o pensamento atual do Poder Legislativo acerca do tema.

2. DO DEBATE CONSTITUCIONAL

A Lei n.º 9.958, de 12 de janeiro de 2000, trouxe uma inovação à CLT(Consolidação das Leis Trabalhistas): incluiu os arts. 625-A ao 625-H, versandosobre as Comissões de Conciliação Prévia e sua aplicabilidade no Direitoprocessual trabalhista brasileiro.

Dentre as implementações, destaca-se a constante do art. 625-D, maisespecificamente no §2º, in fine, que trouxe a exigência da tentativa deconciliação entre empregado e empregador antes do ajuizamento de qualquer

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demanda individual trabalhista.

De tal tentativa, podem surgir duas consequências: 1 - no caso de êxito doacordo, a conciliação será reduzida a termo e servirá como título executivoextrajudicial, com eficácia liberatória geral para as partes (art. 625-E, parágrafoúnico, CLT). 2 - No caso de insucesso, será fornecida ao empregado e aoempregador uma declaração da tentativa frustrada, que deverá ser juntada àeventual reclamação trabalhista (art. 625-D, §2º, in fine, CLT).

A doutrina e a jurisprudência discutem acerca da natureza dessa declaração quedeverá ser juntada à demanda laboral, no caso de não haver acordo. Para umacorrente, a declaração é compreendida como pressuposto processual (BRASIL,2008a). Para outra linha, este documento é uma condição da ação (ALMEIDA,2006; MARTINS, 2007).

Em que pese a importância dessa diferenciação sobre a natureza jurídica –pressuposto processual ou condição da ação –, o que se discutirá com maiorintensidade neste trabalho, e que também é discutido por outra grande parte dadoutrina e da jurisprudência, inclusive dos Tribunais Superiores, é aconstitucionalidade dessa exigência prevista na lei supracitada, sobretudo frenteaos Princípios Constitucionais da Inafastabilidade do Acesso à Justiça e doDevido Processo Legal (art. 5º, XXXV, e LIV, da CRFB/88, respectivamente).

Não obstante a alteração na CLT ter sido formulada por uma lei – a de nº9.958/00 –, a qual possui a presunção de ser constitucional, por seguir o devidoprocesso legislativo (art. 59, CF/88), e sancionada pelo Executivo (art. 66,CF/88), também é verdade que, no caso concreto, a aplicação da Lei cabe aoPoder Judiciário, sendo esta sua função precípua.

E ao Judiciário caberá fazer essa análise sob a ótica do que de maior há emnosso sistema democrático de direito: a nossa Carta Constitucional. Por meio deuma interpretação sistemática, histórica e sociológica da Carta, e inspirando-seem princípios e valores constitucionais, deverá o operador do Direitocompreender – e aplicar – o mens legis na busca do que Aristóteles denominoude mesotes (justo meio) (ARISTÓTLES, 2002).

Convém destacar que, dentro desta filtragem constitucional, o fenômeno daconstitucionalidade emerge nos Estados Democráticos de Direito não como ummodismo ou uma simples onda, mas, pelo contrário, representa um novo passorumo à concretização da Justiça social.

Ora, se para os diversos campos do Direito é importante essa nova abordagem,quiçá na área do Direito do Trabalho, na qual, como é sabido, historicamentemais representa a evolução dos direitos e das garantias do Homem.

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Em um dos eixos de estudo que aborda tal discussão, o da AntropologiaJurídica, em muito se respalda esta posição. Para esse eixo, existiriam duasteorias do Direito: aquela que a lei estabelece e aquela que ocorre na prática. Éjustamente sobre esta que este estudo ora investiga.

Mister destacar, antes de se chegar a alguma conclusão, que, no campo dosconflitos individuais, um trabalhador não possui as mesmas condições que seuempregador. Daí surgir a ideia de hipossuficiência, da vulnerabilidade e,consequentemente, o mais importante princípio trabalhista: o da Proteção(SÜSSEKIND, 2003). Aliás, assevera este renomado autor trabalhista: "Anecessidade de proteção social aos trabalhadores constitui a raiz sociológica doDireito do Trabalho." (SÜSSEKIND, 2003).

Destarte toda essa garantia ao trabalhador já erigida aos pilares constitucionais,constata-se, por outro lado, um aparente choque entre regra e princípios. Emface dessa discussão, é preciso buscar o que leciona a doutrina atual e o que vemaplicando a jurisprudência dos tribunais.

2.1 DA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA: BREVE HISTÓRICO,NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE

O instituto da conciliação no Direito do Trabalho encontra assento no âmbitointernacional, por meio da Recomendação n. 92 da Organização Internacional doTrabalho, (OIT), de 1951, a qual prevê dois tipos: a judicial e a extrajudicial.

No Brasil, a experiência com a heterocomposição no Direito do Trabalho, na suaforma conciliação, pode-se remontar à Lei n. 1.637, de 5.11.1907, que previu acriação dos Conselhos Permanentes de Conciliação e Arbitragem.

Bem verdade que a Constituição de 1824, portanto ainda no Império, previa, emseu art. 161, a necessidade de negociação como uma condição para o ajuizamentode ações. Assim constava: "Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio dareconciliação, não se começará processo algum." (PISCO, 2008, p. 88).

Já Evaristo de Moraes Filho (2003, p. 714) considera que "coube ao governoWashington Luís instituir no Estado de São Paulo os primeiros organismos deuma autêntica justiça do trabalho, os chamados Tribunais Rurais, pela Lei n.1.869, de 10.10.22.", nos quais funcionaria uma espécie de composição deconflitos trabalhistas.

Em 1932, por meio do Decreto n. 21.396, foram criadas as Comissões Mistas deConciliação e, no mesmo ano, instituídas as Juntas de Conciliação e Julgamento,com a finalidade de decidir os conflitos individuais de trabalho.

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De se destacar que a Justiça do Trabalho no País, como organismo judiciário,especial, só se instalou em 1939, por meio do Decreto-Lei n. 1.237. No ato dacriação essa Justiça foi dividida em 3 níveis. Conforme Moraes Filho (2003),tratavam-se dos seguintes: 1) as Juntas de Conciliação e Julgamento; 2) osConselhos Regionais de Trabalho; 3) o Conselho Nacional do Trabalho.

Foi no primeiro desses níveis que se previu, como o próprio nome sugere, oinstituto da conciliação como meio de resolução dos dissídios individuaistrabalhistas. As Juntas de Conciliação e Julgamento possuíam a competênciapara conciliar e julgar os dissídios individuais.

Todavia, fora com o advento da Lei n. 9.958, sancionada em 12 de janeiro de2000, que houve a inserção na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) - arts.625-A ao 625 H - da previsão das Comissões de Conciliação Prévia (CCP) comoforma de heterocomposição dos conflitos trabalhistas, de natureza extrajudicial.

Amador Paes de Almeida (2008), acompanhado por outros, entende que aconstituição dessas comissões é de caráter facultativo. Assim diz o próprio art.625-A, CLT: "As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões deConciliação Prévia (...)".

Em consequência, a obrigatoriedade de a questão trabalhista ser submetida àComissão de Conciliação só ocorrerá se esta existir na localidade da prestaçãode serviços. É o que ratifica o art. 625-D, CLT.

Consoante menciona Sérgio Pinto Martins (2008), a natureza jurídica dasComissões de Conciliação Prévia é de mediação, pois são órgãos privados, desolução de conflitos extrajudiciais, e não público. Sendo assim, ainda conformeeste autor, trata-se de um meio de resolução de conflitos trabalhista com aintervenção de terceiro, daí a denominação de heterocomposição.

Nas palavras de Evaristo de Moraes Filho (2003, p. 712), "a heterocomposiçãodo conflito toma lugar da autocomposição ou a substitui quando impossível estaou não realizada. A solução do conflito é transferida para uma pessoa estranhaàs partes (...).".

Há duas formas de intervenção de terceiros no conflito trabalhista: a primeira,suave e tênue, sem poder coercitivo, uma vez que a decisão final cabe às partes,como a conciliação e a mediação; a outra forma será a arbitragem ou a própriaintervenção judicial.

Pode-se dizer, então, que a conciliação ou sua tentativa realizada pelas CCPsitua-se a meio caminho entre a autocomposição e a heterocomposição, eis queas partes possuem papel decisivo no seu êxito.

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Mas o porquê da criação dessa Comissão? O que o legislador pretendia (epretende) com a aplicação do instituto da conciliação no âmbito trabalhistanacional?

Já em 1951, a OIT previu como objetivo dos organismos de conciliaçãovoluntária a prevenção e a solução dos conflitos do trabalho entreempregadores e trabalhadores (Recomendação n. 92).

Amador Paes de Almeida (2008) diz que foi com grande expectativa que osjuslaboristas e os órgãos sindicais viram a criação das Comissões no Direito doTrabalho. Acreditavam ser um esforço no sentido de modernização dessa JustiçaEspecializada, tendo como característica principal, talvez, a possibilidade dedescongestionar os vários órgãos da Justiça do Trabalho.

Continua o renomado autor supracitado afirmando que "as comissões deconciliação prévia devem ser vistas como inegável esforço no sentido dedesafogar a Justiça do Trabalho e acelerar as soluções dos conflitos trabalhistasindividuais." (ALMEIDA, 2008, p. 522).

Sérgio Pinto Martins (2008, p. 53) também comenta essa mudança na CLT: "Ofator positivo da norma é que o conflito pode ser resolvido na própria empresae não irá para a Justiça do Trabalho, sendo uma espécie de filtro. Pode diminuiro número de processos na Justiça do Trabalho em razão do efetivofuncionamento das Comissões.".

O Tribunal Superior do Trabalho também se posicionou no tocante ao objetivodas Comissões em tentar aliviar a sobrecarga de processos submetidos aoJudiciário Trabalhista.

Na análise do Recurso de Revista n.º TST-RR-924/2005-491-01-00-8, 1ªTurma, versando sobre o tema, o Ministro Relator Vieira de Melo Filho assimpronunciou: "A previsão constante do art. 625-D tem por escopo facilitar aconciliação extrajudicial dos conflitos, com vistas a aliviar a sobrecarga doJudiciário Trabalhista (...)." (apud PISCO, 2008, p. 95).

O Poder Executivo, por intermédio do Ministério do Trabalho e Emprego(MTE), corrobora o entendimento com relação à finalidade: "As Comissões deConciliação Prévia contribuem para diminuir a enorme carga sobre a Justiça doTrabalho. Com isso, ganha o trabalhador que busca proteção, (...), e ganhatambém o empregador, hoje onerado pela necessidade de manter uma estruturajurídica complexa e pelos custos de sucumbência." (BRASIL, 2007, p. 1).

Explana ainda o MTE que já foram criadas até o momento 1.233 Comissões deConciliação Prévia em todo o país, sendo a grande maioria formada porcomissões intersindicais (73%).

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Pelo que se percebe, seja pela doutrina, seja pelos Poderes Constitucionais, afinalidade da Comissão de Conciliação Prévia é de desafogar o Poder Judiciáriodas raclamações trabalhistas individuais, eis que muitas podem ser resolvidaspor via da composição. Estimula-se, portanto, a resolução dos conflitos deforma extrajudicial. Garante-se, ainda, uma maior celeridade na solução e, comisso, uma economia de ambas as partes – empregador e empregado.

Convém destacar que, desde 2002, o MTE, por meio da Portaria n.º 264,articulou-se com o Tribunal Superior do Trabalho, com o Ministério Público doTrabalho, com as Centrais Sindicais CGT, SDS e Força Sindical, com aAssociação Nacional dos Sindicatos da Micro e Pequena Indústria, e com asConfederações Patronais CNC, CNT, CNF e CNA, surgindo desse encontro acriação de um Termo de Cooperação Técnica, assinado também em 5 de junhode 2002, para promover o aprimoramento do instituto das Comissões deConciliação Prévia.

2.2 DA DECLARAÇÃO DE TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO COMOCONDIÇÃO DA AÇÃO OU PRESSUPOSTO PROCESSUAL

Grande discussão existe, ainda hoje, acerca da natureza da declaração detentativa de conciliação prévia no seio da Justiça Laboral. Ora se vê tal objetocomo condição da ação, ora como pressuposto processual.

Sérgio Pinto Martins (2008), dentre outros, afirma ser a declaraçãocomprobatória de tentativa da conciliação uma condição da ação.

Como fundamento alega o autor que os pressupostos processuais de existênciade um processo são a jurisdição, o pedido e as partes. Já os de validade doprocesso são a competência, a ausência de suspeição, a inexistência de coisajulgada e de litispendência, a capacidade processual dos litigantes, aregularidade da petição inicial e da citação.

Outrossim, indica o mesmo autor que o art. 267, VI, do CPC - que trata sobre aresolução do processo sem julgamento do mérito - traz as condições da ação deforma meramente exemplificativa, daí a conjunção "como", no dispositivo.

Em sua análise pormenorizada sobre o tema, MARTINS (2008) elenca que aCLT, em seu art. 625-D, emprega o verbo "será" no imperativo, indicando que oempregado terá de submeter sua reivindicação à comissão antes de ajuizar aação na Justiça do Trabalho.

Não obstante, o §2º do mesmo artigo também usa o verbo "dever" noimperativo, obrigando, portanto, o empregado a juntar com a petição inicial dareclamação trabalhista a declaração frustrada da tentativa de conciliação.

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Amador Paes de Almeida (2008) também afirma ser a declaração de tentativade conciliação prévia uma condição da ação. Esse autor indica que o direito deação não é absoluto e para a consecução de tal direito existem algumascondições: as comuns a todo o processo, que seriam a legitimidade para a causa,o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido, e a específica doprocesso trabalhista no dissídio individual, qual seja, a prévia submissão dareivindicação à comissão de conciliação.

Ainda enfatiza o insigne professor: "A conciliação prévia como condição da ação.Conquanto facultativa a criação de comissão de conciliação prévia, tanto noâmbito da empresa como no intersindical, uma vez criada e instalada, torna-seobrigatória a submissão a ela de qualquer demanda trabalhista". Esse, aliás, é opreceito do art. 625-D, da Consolidação.

Parte da jurisprudência, favorável a tese de constitucionalidade da Lei n.º9.958/00, assegura ser a declaração de tentativa de conciliação um pressupostoprocessual. Esse é o entendimento, verbi gratia, dos seguintes julgados: TST-RR-237/2005-061-01-00-8; TST-RR-1.044/2003-461-02-85.2; TST-RR-362/2003-315-02-00.4; TST-RR-1.016/2001-009-04-40.9, todos do TribunalSuperior do Trabalho (TST) (BRASIL, 2008, p. 2-3).

Recentemente, no Tribunal Superior do Trabalho, por meio do acórdão TST-RR-528/2003-095-15-00.5, em sede de recurso de revista, o Ministro AloysioCorrêa da Veiga inovou o entendimento acerca da natureza da declaração detentativa. Para ele, não passaria de um requisito da petição inicial, conforme oart. 284 do CPC, restando ao autor, ora empregado, a oportunidade de emendá-la, não acarretando a extinção do processo sem a extinção do feito.

Complementa o Ministro do TST que se não ocorrera a conciliação no âmbitojudicial, nem em 1ª, nem em 2ª instância, ultrapassada está qualquer tentativade acordo no âmbito extrajudicial. Provado está que o empregador não temnenhuma proposta a ser oferecida. Extinguir o feito nessa fase seria contrariarinúmeros princípios, tais como o da celeridade, o da economia processual, dainformalidade, o da instrumentalidade e o caçula do art. 5º da CartaRepublicana, o da razoável duração do processo.

Sendo assim, vislumbra-se que encarar a regra do art. 625-D da CLT comoobrigatória, de caráter impositivo, e não como mera faculdade, estar-se-ia indode encontro à finalidade procurada pelo legislador, pelo administrador público epelos juslaboristas. Os efeitos almejados por esses estar-se-iam "saindo pelaculatra", ou seja, o que se tem verificado quanto à prática forense é uma moramaior no processo, ferindo a celeridade, a economia processual, a informalidadee o mais novo dos direitos fundamentais estatuídos pela Constituição: o daRazoável Duração do Processo (art. 5º, LXXVIII, CF/88).

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Ademais, fere-se o próprio fim do instituto da conciliação extrajudicial: aprevenção ou a solução espontânea, voluntária e opcional dos conflitos dotrabalho entre empregadores e trabalhadores, evitando-se o abarrotamento deprocessos no âmbito do Judiciário.

2.3 DO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA

O Princípio da Inafastabilidade do Acesso à Justiça encontra assento no TextoConstitucional de 1988, localizando-se no TÍTULO II - DOS DIREITOS EGARANTIAS FUNDAMENTAIS, mais precisamente no famoso e transcendentalartigo 5º, em seu inciso XXXV. Diz a Carta: "A lei não excluirá da apreciação doPoder Judiciário lesão ou ameaça a direito.".

Todavia, esse princípio – e a garantia nele contida - não é inédita noordenamento jurídico Pátrio. A Carta Magna de 1946 trazia esse princípio emuma redação quase idêntica a da atual: "A lei não poderá excluir da apreciaçãodo Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual.".

Para Celso Ribeiro Bastos (1999), este princípio já poderia até mesmo serencontrado na Primeira Constituição Republicana, a de 1891, porque estavaimplícito na sistemática constitucional adotada.

Igualmente ao autor supracitado, a Juíza Claudia de Abreu Lima Pisco (2008)discorre, acrescentando que, durante certo tempo, o sistema brasileiro previu anecessidade de negociação prévia como uma condição para o ajuizamento deações. Foi durante a vigência da Constituição do Império – 1824 – a qual traziano art. 161 tal exigência: "Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio dareconciliação, não se começará processo algum.".

Todavia, continuando sua observação sobre esta exigência do art. 161, daConstituição do Império, Pisco (2008) traz a seguinte informação: "(...) oDecreto n. 359, de 1890, de acordo com as idéias da época, aboliu a exigência."(PISCO, 2008, p.88). A Constituição de 1891 seguiu esse entendimento e não fezconstar qualquer exigência de prévia tentativa de conciliação para o ajuizamentode ação.

Celso Ribeiro Bastos (1999) menciona que foi em 1891 que se deu a filiação doBrasil ao sistema da tripartição dos Poderes de maneira desenganada (aConstituição do Império continha um Quarto Poder, o Poder Moderador). Destafeita, inspirou-se a partir de então na Constituição norte-americana. E é devidoa esta influência que se consegue explicar o motivo pelo qual sempre "coube orecurso último para todas as lesões de direito, provenham de onde provierem,ao Poder Judiciário." (BASTOS, 1999, p. 214).

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Entende Bastos (1999, p. 214) que "é certo que a lei poderá criar órgãosadministrativos diante dos quais seja possível apresentarem-se reclamaçõescontra decisões administrativas", mas também afirma que "estes remédiosadministrativos não passarão nunca de mera via opcional.".

Isso se torna possível afirmar, uma vez que a qualquer que seja a lesão, oumesmo a ameaça, surge imediatamente o direito subjetivo público de ter, oprejudicado, a sua questão examinada por um dos órgãos do Poder Judiciário.

José Afonso da Silva (2007, p. 219) discorrendo sobre o Princípio do Acesso àJustiça, inclui nesse o mandamento da Igualdade, dizendo que "formalmente, aigualdade perante a Justiça está assegurada pela Constituição, desde a garantiade acessibilidade a ela (art. 5º, XXXV).".

Contudo, ressalva o autor que "realmente essa igualdade não existe. Acreditaque tratar como igual sujeitos com diferenças econômicas e sociais não é outracoisa senão ulterior forma de desigualdade e Justiça." (SILVA, 2007, p. 219).

Mas esclarece José Afonso da Silva (2007, p. 431) que "a Constituição Federal(CF) protege o cidadão, inclusive, quando se sentir simplesmente ameaçado,possibilitando o ingresso em juízo". Continua o autor demonstrando que a CFampliou o acesso ao Judiciário, antes mesmo da concretização da lesão.

Se se chama atenção para esse caso, de modo indistinto a todos os ramos doDireito, quanto mais se preocupa no tocante à Justiça do Trabalho, quereconhecidamente convive com as maiores desigualdades reais/substanciaisencontradas no seio social.

Para Fernando Capez et al (2004), a Constituição Federal traz um núcleo denormas intangíveis, as denominadas cláusulas pétreas – art. 60, §4º, IV – dasquais os direitos e as garantias fundamentais fazem parte.

Diz o autor supra que, neste caso, pelo gozo dessa posição constitucional, essesdireitos só poderão vir a ser ampliados, nunca restringidos, nem por emendaconstitucional, quanto mais por lei ordinária.

Continua Capez et al (2004), mais especificamente quanto ao art. 5º, incisoXXXV, da CF, que esse condiz com a indeclinabilidade da prestação jurisdicionale que, por sua vez, é uma derivação do Princípio da Isonomia (direito àigualdade).

Assevera que do Princípio da Igualdade decorrem, dentre outros, o "princípio daigualdade perante a Justiça, que se traduz na garantia de acessibilidade a ela(art. 5º, XXXV) e na assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados (art.5º, LXXIV)." (CAPEZ et al, 2004, p. 61).

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Paulo Bonavides (2008) ratifica esse pensamento, denominando essas garantiascomo garantias constitucionais qualificadas ou de primeiro grau. Explica queessas regras constitucionais são protegidas simultaneamente contra doislegisladores: o ordinário e o próprio constituinte, que poderia vir a emendar aConstituição.

A garantia constitucional de 1º grau – como, verbi gratia, a do art. 5º, inc.XXXV – protege o espírito da Carta constitucional, portanto está fora do poderde emenda, livre do poder de alteração que tente suprimi-lo ou restringi-lo.

Qualquer modificação dessas garantias significaria supressão ou mudança daessência, da natureza e da própria razão de ser da Lei Suprema.

Paulo Bonavides (2008, p. 549), para ilustrar tal vislumbramento com essasegurança, indica o seguinte: "Nunca houve, no constitucionalismo brasileiro,(...), uma defesa constitucional tão rígida de dois princípios supremos do velhoEstado de Direito do liberalismo: a separação dos Poderes e os direitos egarantias individuais.".

Intrinsecamente ligado ao acesso à Justiça, o Princípio do Devido ProcessoLegal – art. 5º, inc. LIV, CF – também prevê, além da elaboração regular ecorreta da lei, a sua razoabilidade e o enquadramento nas preceituaçõesconstitucionais. Foi o que se consolidou como devido processo legal em sentidomaterial ou substancial.

Aliás, PISCO (2008), inspirando-se nos ensinamentos de Ada PellegrineGrinover, diz que o Princípio da Proteção Judiciária, ou da Inafastabilidade doControle Judiciário, é uma regra que se prende na cláusula do due process oflaw (art. 5º, inc. LIV, CF/88).

Alexandre de Moraes (2006) entende que sempre que houver violação dodireito, mediante lesão ou ameaça, deverá ser chamado a intervir o PoderJudiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao casoconcreto.

Continua o livre-docente alegando que "o Poder Judiciário é obrigado a efetivaro pedido de prestação judicial requerido pela parte, pois a indeclinabilidade daprestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição." (MORAES, 2006, p.71).

Alerta Moraes (2006) que toda violação de direito corresponde a uma açãocorrelativa, independentemente de lei especial que a outorgue.

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Idêntico raciocínio é o do já citado mestre José Afonso da Silva (2007), poismenciona que no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88 já está inserido o direito deinvocar a atividade jurisdicional, como direito público subjetivo. Assegura-se,neste caso, o direito de agir, o direito de ação.

Como exemplo cristalino, de se ver que a Constituição de 1988, diferentementeda anterior, afastou a obrigatoriedade de esgotamento da instânciaadministrativa para que a parte possa acessar o Judiciário.

Este procedimento, até então vigente, era tido, por uns, como jurisdiçãocondicionada ou instância administrativa de curso forçado (MORAES, 2006) e,por outros, como contencioso administrativo ou jurisdição dúplice (PISCO,2008), o que lembraria bem o art. 161, da Carta Imperial já transcrito,traduzindo-se, portanto, em um retrocesso.

Alexandre de Moraes (2006, p. 72) ressalvou apenas um único caso admitidopela CF/88 desse tipo de contencioso: "A Constituição Federal exige,excepcionalmente, o prévio acesso às instâncias da justiça desportiva, nos casosdas ações relativas à disciplina e às competições desportivas reguladas em lei(art. 217, §1º, CF)".

Por conseguinte, apenas com relação ao objeto mencionado no art. 217, §1º, daCarta, há a necessidade de se recorrer à administração, antes de se dirigir aoPoder Judiciário, e só.

Todavia, mesmo assim, diz o próprio Texto Constitucional que, se em sessentadias o processo administrativo não estiver concluído, a lide poderá ser levada aoJudiciário.

Se esse afastamento temporário do acesso direto se dá nos assuntos ligados aosdesportos e competições previstas em lei, não é igualmente verdadeiro afirmarque em outros casos poderá o legislador impor ou criar óbices no acesso àJustiça, quiçá, ainda mais, quanto aos créditos trabalhistas, que gozam denatureza especial e alimentar.

Ademais, há que se destacar que a conciliação, como trazida pela Lei n.º 9.958,de 12 de janeiro de 2000, não é nem realizada em órgãos administrativospúblicos, como o é na Argentina (Lei n.º 24.635, 1996). Conforme a Juíza doTRT 1ª Região Claudia de Abreu Lima Pisco (2008) trata-se de meio alternativode solução de conflitos de interesse, inter partes, ocorrendo extrajudicialmente.

2.3.1 DOS SIGNIFICADOS DO ACESSO À JUSTIÇA

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Mauro Cappelletti e Bryant Garth (apud ALVIM, 2003, p. 1) reconhecem que aexpressão "acesso à Justiça" é de difícil definição. Porém, indicam pelo menosduas finalidades nela contidas. A primeira é o entendimento que o sistemajurídico deve ser igualmente acessível a todos. A segunda diz que esse sistemadeverá produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.

Concluem, nesse aspecto, que: "Sem dúvida, uma premissa básica será a de que aJustiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe oacesso efetivo." (apud ALVIM, 2003, p. 1).

Dentro desta perspectiva já dizia Miguel Reale (1998, p. 379), no tocante à ideiade Justiça que esta "implica constante coordenação racional das relaçõesintersubjetivas, para que cada homem possa realizar livremente seus valorespotenciais visando atingir a plenitude de seu ser pessoal, em sintonia com os dacoletividade". Tudo isso, insta salientar, entendendo a Justiça como "concretaexperiência histórica, isto é, como valor fundante do Direito ao longo doprocesso dialógico da história." (REALE, 1999, p. 379).

Segundo Cappelletti e Garth (apud ALVIM, 2003, p.1), pode-se compreender oacesso à Justiça, historicamente falando, em três fases, ou em "três ondas".

A primeira onda diz respeito à assistência judiciária gratuita aos menosfavorecidos. Na ordem jurídica nacional, a ideia proveniente dessa onda seconsubstanciou por meio da Lei n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950,salvaguardada pela Carta Magna de 1988 – art. 5º, inc. LXXIV.

A segunda trata da representação dos interesses coletivos (lato sensu). Nessamaré inserem-se direitos, como por exemplo, ao meio ambiente sadio (art. 225,CF/88) e as ações coletivas (art. 5º, XXI, CF), a ação civil pública (Lei n.º 7.347,de 24 de julho de 1985) e o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de11 de setembro de 1990). Nessa onda, também fora muito prestigiado o Parquetcomo legítimo representante da sociedade no pleito dos direitos difusos.

Contudo, é na 3ª onda que se deve concentrar mais atenção. Junto a ela, ex vi, oinstituto da conciliação, ou melhor, o incentivo às soluções alternativas deconflito de interesse. Vem ainda a concretude dos Juizados Especiais e apossibilidade do jus postulandi, isto é, quando a própria parte postula seusdireitos em Juízo, sem a necessidade de patrocínio por advogado.

No Direito, como traz Pisco (2008), existem os métodos alternativos de soluçãode conflito de interesses (MASC) ou, como denomina o direito norte-americano,o alternative dispute resolution, representado pela sigla ADR. Também, nesse

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esteio, veio ao ordenamento a Lei n.º 9.307/96, instituindo e disciplinando aarbitragem, pela qual se favorece a solução dos litígios por meio de uma espéciede justiça privada.

Todas essas ondas, na verdade, significam a procura de uma Justiça commelhores condições para garantir a rapidez e a eficácia do processo. Diz o Exmo.Dr. Juiz Carreira Alvim (2003, p.10-11) que "hoje o problema do acesso àJustiça não pode ser visto mais sob a ótica da "entrada" da ação, mas sim sob aapreensão da mora na "saída" de seus efeitos, pois poucos conseguem obter oresultado dentro de um prazo razoável.".

Desta feita, não há mais que se falar em óbices, além dos já previstos, que visema dificultar o acesso ao Judiciário. Deve-se procurar atingir a maior celeridadepossível do processo, a fim de garantir a prestação jurisdicional em um razoáveltempo. Considerando-se a declaração de tentativa de conciliação como condiçãoda ação (ou pressuposto processual) e extinguindo-se o feito sem a resolução domérito, mais uma vez estar-se-ia condenando à inépcia todos os princípioscontidos nos métodos alternativos de solução de conflitos.

Quanto mais por se tratar de uma relação litigiosa na qual não há igualdadeentre as partes. Incabível de se imaginar que um processo seja extinto, semjulgamento do mérito, com fulcro no art. 267, IV (ou VI) do CPC, porque não sedemonstrou a declaração de tentativa de conciliação. Um dos objetivos daJustiça, segundo "ondas cappellettianas", é justamente de tentar conciliar aspartes. Por outro lado, imaginar que um processo que alcançou o TST sejaextinto por esta causa, no mínimo é sufocar qualquer ideia de razoabilidade.

2.4 DA OBRIGATORIEDADE DA SUBMISSÃO DA DEMANDAINDIVIDUAL TRABALHISTA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA EO PRINCÍPIO DA INAFASTABILIDADE DO ACESSO À JUSTIÇA:DISCUSSÃO DOUTRINÁRIA

A discussão doutrinária acerca do instituto da conciliação extrajudicial, naforma trazida pela Lei n.º 9.958/2000 à CLT (art. 625-A a H), está longe de seruníssona. Vários posicionamentos divergentes surgiram - e vem surgindo - arespeito do tema.

Para uns, a exigência legal constante do art. 625-D da CLT é mero requisito dapetição inicial, o que traria a possibilidade da emenda logo no início do trâmiteprocessual – art. 284, CPC, solucionando-se o impasse imediatamente,conforme as palavras do Ministro TST Aloysio Corrêa da Veiga (BRASIL,2008b).

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Outros entendem ser a exigência um pressuposto processual ou uma condiçãoda ação, o que representaria um obstáculo ao prosseguimento do processo,ocasionando a extinção do feito sem a resolução do mérito, consoante o art. 267,IV ou VI, do CPC, respectivamente.

Em outra linha, há aqueles que garantem ser tal exigência uma verdadeiraafronta ao Princípio Constitucional da Inafastabilidade da Justiça ou daGarantia de Acesso à Justiça, consagrado no art. 5º, inciso XXXV, daConstituição Federal de 1988 (PISCO, 2008).

Ex vi, exemplificativamente, essas posições: para Sérgio Pinto Martins (2007, p.55), o procedimento instituído pelo art. 625-D da CLT "representa condição daação para ajuizamento da reclamação trabalhista." Diz ainda esse doutrinadorque "não se trata de pressuposto processual". Os pressupostos processuais doprocesso são jurisdição, pedido e partes. Os de validade são a competência, aausência de suspeição, a inexistência de coisa julgada e de litispendência, acapacidade dos litigantes, a regularidade da petição inicial e da citação. Sendoassim, o rol quanto aos pressupostos processuais é taxativo, numerus clausus,na visão deste autor.

Todavia, no tocante ao art. 267, inc. VI, do CPC, há um rol meramenteexemplificativo pelo que se apreende do próprio texto legal. Diz tal preceito queo processo é extinto sem resolução do mérito quando não concorrer alguma dascondições da ação, "como". Por essa conjunção, Martins (2007) fundamenta seuposicionamento. Para o autor, isso demonstraria que o rol das condições daação previsto no CPC não se restringe apenas à possibilidade jurídica do pedido,à legitimidade das partes e ao interesse processual.

Finaliza o doutrinador asseverando não ser inconstitucional a exigência do art.625-D, da CLT, pois as condições da ação devem ser estabelecidas em lei e nãose está privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente a conciliação,previamente.

Acompanhando esta tese, Almeida (2008, p. 533) afirma: "Na existência de CCPna localidade da prestação do serviço, o empregado deve, obrigatoriamente,submeter sua reivindicação à comissão, como condição prévia à propositura daação trabalhista."

Também afirma este autor, ao encontro de Martins (2007), que "tal imposiçãonão se nos afigura inconstitucional" (ALMEIDA, 2008, p. 533), acarretando-se ojulgamento conforme o art. 267, inc. VI, do CPC, extinguindo-se o feito sem aresolução do mérito.

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Mas, ao mesmo tempo, data vênia, até certo ponto dualista, Almeida (2008)também diz que a Justiça do Trabalho no Brasil tem por fim solucionar osconflitos de interesse entre patrões e empregados, bem como processar e julgaras ações oriundas das relações de trabalho. Alerta o autor que o direitoprocessual do trabalho, mais do que o processual civil, tem a finalidade pública,cuja função social é acentuada, assumindo especial relevo.

A Juíza Claudia de Abreu Lima Pisco (2008) rechaça a posição de Almeida(2008) sobre a imposição da tentativa de conciliação ser uma condição da ação ede sua obrigatoriedade estar dentro dos parâmetros de constitucionalidade.Lembra a d. Juíza que esta condição deverá ser observada dentro do binômionecessidade/adequação. É isto que comprovará o interesse de agir ou ointeresse processual. A condição estará presente quando a parte demonstrar terhavido lesão (ou a simples ameaça) do direito material. Com a lesão encontrar-se-á presente o interesse material e, por conseguinte, o processual.

Carlos Henrique Bezerra Leite (2006) entende que o art. 625-D da CLT, deveser interpretado consoante o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição, em função deque o trabalhador tem a opção de formular sua reclamação trabalhista perante aCCP ou, se preferir, ajuizar diretamente a sua demanda perante a Justiça doTrabalho.Continua o autor dizendo que "a CCP nada mais é do que meioalternativo de acesso à Justiça, tal como preconizado por Mauro Cappelletti,como terceira onda de acesso a uma ordem justa." (LEITE, 2006, p. 283).

Busca Leite (2006) lições contidas no próprio art. 114, da Carta Magna, queversa sobre a Justiça do Trabalho, e que prevê como prestação dessa Justiçaespecializada a competência para processar e julgar, vindo a ser contraditória ahipótese de negativa dessa jurisdição por ausência de tentativa de conciliaçãoextrajudicial.

Enfatiza o autor supracitado que "se a Justiça Especializada pode o mais(processar e julgar), evidentemente que pode o menos (conciliar)." (LEITE,2006, p. 283).

Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados: "TRT 2ª Região, processo RS01-01514-2003-026-02-00, julgado em 13.01.2004. Rel. Min. Fernando AntonioSampaio da Silva; TRT 17ª Região: RO 01168.2002-004-17-00.5, julgado em23.10.2003. Rel. Juíza Annabella Almeida Gonçalves" (LEITE, 2006, p. 283).Nesta última decisão, assim se posicionou a Juíza Annabella Gonçalves: "(...) aausência de passagem pela CCP deve ser admitida como expressão de vontadedo jurisdicionado, que fica suprida pela tentativa conciliatória judicial, pois olivre acesso à jurisdição é assegurado pelo inciso XXXV, do art. 5º, daConstituição Federal de 1988." (LEITE, 2006, p. 283).

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Constata-se, portanto, que a posição de Carlos Henrique Bezerra Leite (2006)se coaduna com os ensinamentos do mestre Miguel Reale (1999). Para este,pode-se concluir que a compreensão do Direito somente poder ser atingidagraças à correlação unitária e dinâmica de suas três dimensões – o fato, o valore a norma. Proclama o ilustríssimo autor: "(...) esses elementos ou fatores nãosó se exigem reciprocamente, mas atuam como elos de um processo de tal modoque a vida do Direito resulta da integração dinâmica e dialética dos trêselementos que a integram." (REALE, 1999, p. 65).

Em artigo científico publicado pela Revista LTr., a Juíza do TRT da 1ª RegiãoClaudia de Abreu Lima Pisco (2008, p. 95) lembra que "todo o ordenamentojurídico deve ser interpretado de forma harmônica, dada sua unidade jurídica."Alerta ainda que "(...) as leis ordinárias devem receber uma interpretação deforma que se adaptem às garantias constitucionalmente asseguradas.".

Dentro dessa ótica, a submissão das demandas individuais trabalhistas às CCPdeve ocorrer voluntariamente, e não de forma obrigatória. Uma vez nãoocorrida, ou não tentada, não se pode retirar do autor, reclamante, o direito deação.

Ao pensar de outra forma, continua a magistrada, "estar-se-ia condicionando oexercício desse direito em total afronta aos termos da Carta Magna, já que esseestá amplamente garantido no inciso XXXV do art. 5º da Constituição daRepública, sem qualquer ressalva." (PISCO, 2008, p. 96).

Fábio Konder Comparato (2006, p. 528), ao se referir sobre as possíveis lacunasda lei ou a aparente antinomia, ensina que: "(...) é de justiça interpretá-la numsentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma genérica à hipóteseem questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que à letra da lei.".

Convém trazer à tona, dentro desse posicionamento, que por meio de trêsProjetos de Lei que tramitam na Câmara dos Deputados - PL 498/03, deautoria da Deputada Drª. Clair (PT/PR); PL 1974/03, originário da AssociaçãoNacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA), e PL 2483/03, de autoriado Deputado Carlos Nader (antigo PFL/RJ) – busca-se a alteração da CLT, como substitutivo que tira a obrigatoriedade da submissão do conflito trabalhista àscomissões, antes do ajuizamento da ação.

O Projeto de Lei 498/03 foi aprovado, em 08 de agosto de 2007, pela Comissãode Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dosDeputados, seguindo-se os outros dois apensados.

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Segundo Cláudio José Montesso, Presidente da ANAMATRA, que é entidadeautora de um dos PL, o projeto resgata "a verdadeira vocação das comissõespara efetivamente compor conflitos existentes entre empregados eempregadores." (ANAMATRA, 2007, p.1).

Reforçando esse entendimento, Renato Henry Sant’Anna, Diretor de AssuntosLegislativos da ANAMATRA, afirma que "fica claro que a diminuição daquantidade de processos na Justiça do Trabalho não pode ser obtida a qualquercusto, dificultando o acesso ao Poder Judiciário." (ANAMATRA, 2007, p.1).

Contudo, a discussão doutrinária prossegue...

2.5 SOB A ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA

Não diferentemente da doutrina, persiste ainda hoje nos tribunais a discussãoacerca da exigência trazida pelo art. 625-D da CLT. Não constitui, aliás,privilégio apenas dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), alcançando-se já ainstância superior, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, extrapolando aesfera trabalhista, no âmbito da própria Corte Suprema da República – oSupremo Tribunal Federal (STF).

Com tamanha divergência, em todos os graus de jurisdição, torna-se inequívocaa polêmica sobre o assunto e o quão sensível se faz a sua análise em sedejurisprudencial, uma vez que, daí, de uma decisão ou acórdão, poderão surgirinúmeras consequências, sobretudo no cotidiano social.

Neste capítulo buscou-se trazer à tona os mais recentes e elucidativos julgadossobre o tema em questão, a fim de possibilitar uma análise e discussão maisepistemológica sobre o assunto, dentro do que preconizam os mandamentos dahermenêutica.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região entendeu que o comparecimentodo reclamante (empregado) perante a Comissão de Conciliação Prévia (CCP),para a obtenção de título extrajudicial (CLT, art. 625-E, parágrafo único), éfaculdade, não constituindo, portanto nem condição de ação, nem tampoucopressuposto processual (BRASIL, 2008b, p. 2).

Com essa decisão, o Egrégio Tribunal da 15ª Região desconsiderou a tesepreliminar, em sede de recurso interposto pela reclamada, que pleiteava aextinção do feito sem julgamento do mérito, baseada na falta de condição daação.

A tese do TRT da 1ª Região, convergindo com o da 15ª Região, é de que asubmissão dos litígios trabalhistas à CCP, quando instituída, não pode constituirobstáculo à propositura da ação, sob pena de ferir o Princípio Constitucional da

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Inafastabilidade da Jurisdição, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da ConstituiçãoFederal (BRASIL, 2008a, p. 1-2).

Já no TST, o Ministro Ives Gandra Martins Filho, quando relator do processo nº237/2005-061-01-00.8 TST-RR, analisando tal decisum supracitada, expôs queimportará em extinção do feito sem resolução do mérito, com base no art. 267,IV, do CPC, a reclamação trabalhista (RT) que for ajuizada sem a observância dodisposto no art. 625-D, §2º, da CLT, sem justificar o motivo da não-submissãoda controvérsia à CCP (BRASIL, 2008a, p. 2-4).

Entende o relator Ministro que tal previsão não fere o Princípio da Legalidade,do Acesso ao Judiciário, do Direito Adquirido e do Ato Jurídico Perfeitoinsculpidos no art. 5º, inc. II, XXXV e XXXVI, da CRFB/88, pois a passagem pelaCCP, diz o Ministro, "é curta, de apenas 10 dias (CLT, art. 625-F), e a parte podeesgrimir eventual motivo justificador da impossibilidade concreta do recurso àCCP (CLT, art. 625-D, §4º)." (BRASIL, 2008a, p. 2).

O Ministro Relator Ives Gandra trouxe, ainda, ao acórdão proferido, outrosjulgados do TST que vão ao encontro de sua tese: TST-RR-1.044/2003-461-02-85.2, Rel. Min. João Oreste Dalazar, 1ª Turma, DJ de 22/09/06; TST-RR-362/2003-315-02-00.4, Rel. Min. Carlos Alberto, 3ª Turma, DJ de 11/10/07;TST-RR-1.016/2001-009-04-40-9, Rel. Juiz Convocado Cláudio Couce deMenezes, 3ª Turma, DJ de 25/02/05; TST-RR-464/2002-023-04-00.8, Rel.Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DJ de 19/10/07. (BRASIL, 2008a, p. 2-3)

Nesse acórdão (237/2005-061-01-00.8 TST-RR) os Ministros da Egrégia 7ªTurma do TST acompanharam o voto do Ministro Relator Ives Gandra (BRASIL,2008.a, p. 4). Isso em 28 de maio de 2008.

Por outro lado, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, analisando um recurso derevista interposto em face da decisão do E. TRT 15ª Região, acordou da seguinteforma: reconheceu o recurso, em sede de revista, por divergênciajurisprudencial - que é uma das condições recursais exigidas pela CLT e CPC(BRASIL, 2008b, p. 1).

Passou, a seguir, a analisar o mérito dos fundamentos alegados pela reclamada,quanto à falta de condição da ação, logo, falta de um requisito preliminar àformação do processo, pelo fato de existir na localidade uma CCP, e não ter oreclamante (empregado) tentado realizar o acordo extrajudicial (BRASIL,2008b, p. 2).

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Antes de adentrar especificamente no exame da matéria, o Min. Veiga efetuouuma verdadeira digressão acerca dos motivos que fizeram entrar em vigor noprocesso do trabalho a regra da submissão prévia do empregado à CCP(BRASIL, 2008b, p. 3).

O Relator, de fato, ministrou uma aula sobre a CCP no Direito Pátrio. Elencouseu fundamento legal – art. 625-D, caput, e §3º, da CLT, inserido pela Lei n.º9.958/00; explicou a natureza jurídica e a finalidade, assim como debateu sobrea constitucionalidade ou não da exigência da declaração da tentativa de acordocomo condição da ação frente aos Princípios da Inafastabilidade de Acesso aoJudiciário, do Direito de Ação e, até mesmo, o da Separação dos Poderes, poisvislumbrou que, em tese, a lei infraconstitucional criou um obstáculo de acessoà justiça (BRASIL, 2008b, p. 3-5).

O Ministro Relator reconheceu que, anteriormente, entendia a submissão dademanda à Comissão de Conciliação Prévia uma condição da ação que, quandonão atendida, determinava a aplicação do inciso VI do art. 267 do CPC, com aconsequência de extinção do processo sem julgamento do mérito (BRASIL,2008b, p. 4).

Atestou o Min. Aloysio Corrêa da Veiga que "tal pensamento, todavia, decorriaexatamente da preocupação com o reconhecimento das comissões como soluçãofavorável à resolução dos conflitos extrajudicialmente, e como medida adotadacom o fim (...), que é o desafogamento do aparelho judiciário, além do estímuloda prática da conciliação prévia entre empregados e empregadores." (BRASIL,2008b, p. 4).

Esse entendimento, aliás, não é exclusividade dele no TST. Quando relator emum Recurso de Revista (RR), o Ministro Vieira de Mello Filho também sepronunciou no sentido de que "(...) a intenção do legislador foi de desafogar aJustiça do Trabalho, e só. Na verdade, trata de uma faculdade do interessado.Tanto o é que nem as CCP foram criadas obrigatoriamente, nem a lei vislumbraqualquer obrigatoriedade." (BRASIL, 2008c, p. 2).

Assevera o Ministro Vieira de Mello Filho que extinguir o processo, semjulgamento do mérito "seria ofender o art. 5, LXXVIII, da Constituição Federal(...).". Ademais, evoca o referido Ministro que: "O art. 5º, XXXV, da ConstituiçãoFederal não pode ser restringido por qualquer diploma legal, por se constituirem garantia individual, nos termos do art. 60, §4º, CF." (BRASIL, 2008c, p. 4).

Almejando um estudo com maior profundidade sobre o tema sensível ora emtela, o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga se utilizou, a posteriori, do ponto-de-vista de alguns renomados doutrinadores sobre o assunto. Dentre eles, constamno acórdão os mestres Moacir Amaral Santos e Valentin Carrion.

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Também, como embasamento teórico-argumentativo, o Min. Veiga se debruçounos exames de Ministros da Corte Suprema do País, uma vez que o E. STF,embora não tenha decidido definitivamente sobre a questão, já vem analisandoa inconstitucionalidade do art. 625-D da CLT.

O Ministro Marco Aurélio, verbi gratia, abriu divergência ao Min. Rel. do STFno sentido de que se deve dar interpretação consoante à Constituição Federal,passando a tratar como facultativa a submissão à Comissão de Conciliação.Complementou o Ministro Marco Aurélio que, caso não seja assim, "é possívelque o procedimento por ela (CLT) previsto signifique verdadeira condiçãoprévia do processo que impeça o exercício do direito de ação desses titularesantes do esgotamento da frustração dessa nova fase." (BRASIL, 2008b, p. 4).

Nesses termos, também, pronunciaram-se os Excelentíssimos SenhoresMinistros Sepúlveda Pertence, Cármem Lúcia, Eros Grau e RicardoLewandowski. Pediu vista regimental aos autos o Min. Joaquim Barbosa, a fimde realizar um estudo pormenorizado (BRASIL, 2008b, p. 4).

O Ministro Relator do TST Aloysio Corrêa da Veiga, para enriquecer seufundamento no acórdão, buscou apoio da opinião manifestada pelo Exmo JuizJorge Luiz Souto Maior, que disse, resumidamente, não considerar a passagemdo empregado-reclamante pelas CCP sequer uma condição da ação. "Não deve ojuiz, diante de uma reclamação trabalhista, extinguir o processo sem julgamentodo mérito e ponto, caso não seja tentada a solução extrajudicial". Sob a ótica dodireito mais justo, asseverou o Juiz Souto Maior, "não se faz bem se acomodarcom o mal menor." (apud BRASIL, 2008b, p. 5).

Prossegue o Juiz que o art. 625-D, da CLT, não previu nenhuma sanção oupenalidade que justificasse esse procedimento de extinção do feito. Paracorroborar, acrescentou que no projeto da Lei 9.958/00 até existia tal previsão,mas que não fora aprovada com esta redação.

Compartilhando desse argumento, o Ministro Vieira de Mello Filho, do TST,também afirma que "a submissão à CCP era prevista no projeto de lei comocondição da ação trabalhista, mas não foi aprovado" e, ainda, "o legislador nãoimpôs qualquer penalidade àquele que recorre diretamente à Justiça doTrabalho." (BRASIL, 2008c, p. 2).

Aliás, trata-se de princípio de hermenêutica a noção de que as regras derestrição de direitos não se interpretam ampliativamente; além de que"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão emvirtude da lei." (CF, art. 5º, inc. II).

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O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga considerou, por fim, a ausência desubmissão à CCP como um requisito da petição inicial, cabendo ao juizdeterminar sua emenda, afastando o entendimento de que se trata de condiçãoda ação não cumprida, "eis que o interesse de agir é evento que demandaprincipalmente a utilidade da jurisdição, e que não se demonstra tão-somentepela não-submissão à CCP." (BRASIL, 2008b, p. 5).

Por conseguinte, entendeu o d. Min. Rel. supramencionado que "não é possível aextinção do processo, sem julgamento do mérito, sem a possibilidade de oempregado sanar e juntar o documento essencial disposto na regra do art. 625-D, da CLT." (BRASIL, 2008b, p. 5).

Tudo isso, respaldou o Ministro, atendendo aos Princípios da Instrumentalidadee da Razoável Duração do Processo. Ademais, continua proferindo no acórdão,que "no processo do trabalho, é necessário que a questão seja examinada maisprofundamente com base nos princípios antes citados, pois o fator tempo, útil enecessário em razão da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, é elementodo qual não pode se divorciar o julgador." (BRASIL, 2008b, p. 4).

Corroborando tal preocupação quanto aos créditos trabalhistas, o Min. Vieirade Mello Filho enfatiza que seria impossível não ponderar a natureza dessescréditos, uma vez que se destinam ao suprimento das necessidades materiaisbásicas não só do empregado, mas de toda sua família.

Acrescenta o Ministro Mello Filho que, caso ocorresse a extinção do feito sem aresolução do mérito, devido a um posicionamento favorável à falta de condiçãoda ação ou de um pressuposto processual, significaria um verdadeiro retrocessoda marcha processual, o que iria postergar ainda mais a pretensão de um direitomaterial que já encontra respaldo pleno (BRASIL, 2008c, p. 5).

Acordaram com o Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga todos os demais Ministrosda Colenda 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade. Isso,em 04 de junho de 2008 (BRASIL, 2008b, p. 5).

Percebe-se, claramente, que o tema em tela gerou - e vem gerando – grandecontrovérsia. Nota-se que tal discussão não se resume aos assentos acadêmicos,aos escritórios de advocacia, às instituições ligadas às funções da justiça e aossindicatos. Não! Vai além, transpondo as Varas do Trabalho, chegando aosTribunais Regionais de todo o País, alcançando as portas do Supremo TribunalFederal, que também debate o tema e de maneira divergente.

Salientando-se tamanhas e inúmeras controvérsias, basta verificar que, dentrode um espaço de menos de dez dias, no corrente ano, o Egrégio TST seposicionou de forma divergente apreciando o tema. As 6ª e 7ª Turmas, em

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discussão sobre dois recursos de revistas, tendo como responsáveis pelarelatoria os Ministro Ives Gandra Martins Filho e Aloysio Corrêa da Veiga,manifestaram entendimentos divergentes (BRASIL, 2008a, p. 5 e BRASIL,2008a, p. 5).

Não muito distante, em 30 de maio de 2007, a 1ª Turma desse SuperiorTribunal, por meio da relatoria de um recurso de revista sob responsabilidadedo Ministro Vieira de Mello Filho, já havia se pronunciado em sentido muitoparecido com o acordado pela 6ª Turma, de 04 de junho de 2008. Todavia, peloque se apreende da pesquisa, essa tese ainda não é uma unanimidade.

Mister explanar que tamanha reflexão se faz necessária devido às inúmerasconsequências que possam advir, caso seja declarada a inconstitucionalidade oumesmo a constitucionalidade das alterações da CLT acarretadas pela Lei n.º9.958/00.

Se, de um lado, se presenciar a declaração de constitucionalidade, muitosprocessos que tramitam na Justiça do Trabalho que versam sobre o assunto e seenquadram no caso, serão, de fato, declarados extintos sem resolução do mérito,por força do art. 267, CPC, por falta de condição da ação (inc. VI).

Sendo assim, alguns princípios constitucionais, possivelmente, ficarão à margemdessa solução, como o da própria Inafastabilidade de Acesso ao Judiciário (art.5º, XXXV, CF), o do Direito de Ação (art. 5º, XXXIV, CF), do Devido ProcessoLegal (art. 5º, LIV, CF) e, dependendo do caso, o da Razoável Duração doProcesso (art. 5º, LXXVIII, CF).

Por outro lado, caso seja declarada a inconstitucionalidade dessa exigênciainfraconstitucional, ou dada uma nova redação, tornando facultativa asubmissão prévia às CCP dos conflitos individuais trabalhistas (e não maisobrigatória), as Comissões de Conciliação perderão, provavelmente, a razão ou afinalidade para serem instituídas, pois não raramente os empregados preferirãoacionar diretamente o Judiciário, devido ao fato de acreditarem em uma maiorimparcialidade desse órgão.

Também advirão consequências, tais como o possível abarrotamento deprocessos trabalhistas no Judiciário, acarretando a diminuição na celeridadeprocessual e, indiretamente, afetando também o Princípio da Celeridade e daRazoável Duração do Processo.

Todavia, nesse caso, mister ressaltar, serão respeitados os Princípios daInafastabilidade da Jurisdição, do Devido Processo Legal, do Direito de Ação eoutros afins, tornando possível a prestação jurisdicional garantida na CartaConstitucional, dando-se um enfoque dentro do que hoje se denomina visão pós-

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positivista, de interpretação segundo a Constituição, realizando-se uma"filtragem constitucional", isto é, interpretando-se o ordenamento jurídico pormeio de uma "lente" constitucional.

Escolhe-se o ensinamento, mais uma vez recordando, do Exmo. Senhor Juiz LuizSouto Maior que soberana e oportunamente afirma: "(...) Sob o ponto de vistada luta por um direito mais justo, não sou muito a favor de se acomodar com omal menor, ou seja, de se acatar o entendimento de que a tentativa de acordonas comissões de conciliação constitui uma condição da ação (...)." (apudBRASIL, 2008b, p.5).

Sob esta ótica, entende-se que é de grande valia a aplicação do Princípio daProporcionalidade, dentro da concepção de que este tem origem no processo deafirmação concreta dos direitos fundamentais, refletindo-se em uma sistemáticado novo constitucionalismo, que busca a otimização de seus mandamentos(ARAÚJO, 2002).

É um princípio de natureza jurídico-dogmática, independente e aberta, cogentee vinculante, e que goza de dignidade constitucional, de conteúdo imanente aoEstado de Direito, e que serve, dentre outros, como restrição ao poderdiscricionário do legislador e do aplicador da norma.

Hoje, por sinal, esse princípio vem sendo muito utilizado pelo E. STF na análisee na investigação de uma solução mais justa para os conflitos de interesse. Aliás,crê-se piamente que a questão objeto deste estudo receberá uma certa pitadadesse ingrediente de hermenêutica constitucional quando de seu desfecho.

Acredita-se que, para o caso em tela, deve-se buscar a resolução do impassedentro de um modelo ou sistema que mescle a segurança das regras jurídicas e aoportunidade de aprimoramento e aplicação ao caso concreto das normascalcadas nos princípios constitucionais.

Foge-se, assim, dos dois extremos: 1. do sistema jurídico fechado, no qual asregras são as únicas fontes de resolução dos conflitos (no caso, aobrigatoriedade de submissão prévia das demandas individuais trabalhistas àCCP, antes do ajuizamento das RT), o que poderia acarretar ricos dearbitrariedade; 2. de um sistema jurídico totalmente aberto, baseadoexclusivamente em princípios, pois daí decorreria grande risco para a segurançajurídica. "O melhor sistema é o que contém regras e princípios como normasjurídicas, aquelas dando uma certa estabilidade ao sistema, e estespossibilitando o seu aprimoramento, atuando como mandamentos de integraçãoe de otimização normativa" (ARAÚJO, 2002, p. 17).

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Nas palavras de Willis Santiago Guerra Filho (apud ARAÚJO, 2002, p.55) "Oprincípio da proporcionalidade permite concretamente a distribuiçãocompatível dos direitos fundamentais.".

Ou como indica Francisco Fernandes de Araújo (2002, p. 9, 43 e 54) "o que éproporcional é esteticamente belo e substancialmente justo", ao estudar osPrincípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade, assim como suas aplicaçõesno Direito na busca de uma melhor Justiça social.

Contudo, o debate sob a ótica da jurisprudência prossegue...

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O instituto da conciliação prévia na Justiça do Trabalho, conforme estatuídapela Lei supra, trata-se de uma forma de heterocomposição dos conflitostrabalhistas, de natureza extrajudicial. Tal instituto fora incentivado, no ramotrabalhista internacional, a partir da Recomendação n. 92, da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT), datada de 1951.

Visa este instituto, conforme posicionamento dos Três Poderes da República eorientação da OIT, à diminuição da sobrecarga de demandas individuais naJustiça do Trabalho, por meio do incentivo à resolução de conflitos de formaextrajudicial – nas Comissões de Conciliação Prévia (CCP).

A criação da CCP, insta salientar, não é obrigatória. Porém, no local onde tiversido instalada, prevê a CLT que se torna um dever a tentativa de conciliação.Somente com a anexação da declaração de tentativa, caso não prospere oacordo, é que o empregado poderá acionar a jurisdição estatal para resolver oconflito.

Para parte da doutrina a natureza jurídica desta declaração de tentativa deacordo junto à CCP é de condição da ação. Entendem que sem este requisito areclamação trabalhista não poderá prosperar, tendo como consequência aextinção do feito sem a resolução do mérito, com fulcro no art. 267, inciso VI, doCPC.

Por outro lado, outra corrente doutrinária e jurisprudencial emiteposicionamentos divergentes quanto à sua natureza: ora a entendem comopressuposto processual, ora como simples requisito da petição inicial. Para oprimeiro entendimento, o feito também seria extinto sem resolução do mérito,com base no mandamento do art. 267, inciso IV, CPC. Todavia, para o segundo,haveria uma oportunidade da parte (empregado) emendar sua inicial, o que, porconseguinte, não acarretaria a extinção do processo.

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A mais recente jurisprudência dos Tribunais Regionais do Trabalho e do próprioTribunal Superior do Trabalho, há muito divergentes nessa questão, iniciam ummovimento mais intenso a fim de afirmarem que a declaração que comprova atentativa de conciliação prévia é de caráter facultativo, não impedindo oempregado, trabalhador, de acessar a Justiça sem a sua obtenção. Caso assimnão seja, a regra contida no art. 625-D da CLT é passível de ser atingida pelofenômeno da inconstitucionalidade.

Surge esse entendimento após se constatar que o objetivo da criação desseinstituto – descongestionar o Poder Judiciário – termina por afetar umprincípio erigido ao pilar constitucional – o da Inafastabilidade do Acesso aoJudiciário (art. 5º, inciso XXXV). Defrontaram-se os Senhores Juízes,Desembargadores e Ministros trabalhistas com um conflito entre regra eprincípios previstos na Carta Magna de 1988: de um lado uma regra que visaalcançar, dentre outros, o Princípio da Razoável Duração do Processo,insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, e, do outro, o que garante o Acesso aoJudiciário e, por conseguinte, o corolário Devido Processo Legal (art. 5º, incisoLIV, da CF/88). De se destacar que esse debate também chegou à alçada doSupremo Tribunal Federal, o qual vem encontrando dificuldades em chegar auma solução.

Como forma de resolver esse aparente impasse, pode ser muito útil osensinamentos contidos na hermenêutica do Direito, assim como nos ditames daproporcionalidade e da razoabilidade. Entre dois princípios constitucionais nãohá em que se falar na regra do "tudo ou nada". Pelo contrário, caberá, aí, apesagem dos valores, a ponderação dos custos e dos benefícios envolvidos.

Na prática atual da Justiça Laboral tem-se que extinguir o processo semresolução do mérito, por falta da declaração de tentativa de conciliação, não iráatender ao objetivo de criação dessa forma extrajudicial de solução de conflitos.Não. Caso venha ser adotado esse posicionamento, a duração do processo seráainda mais lenta para aquele empregado e não desafogará a jurisdição, uma vezque, primeiro, a reclamação já foi processada, depois, porque há a oportunidadede recursos, como se denota facilmente nos informativos e revistas editadaspelos tribunais.

Junte-se a esse entendimento o status das partes litigiosas no Direito doTrabalho: de um lado, o empregado, sem o aparato ou o arcabouço deinformações jurídicas adequadas, e, do outro, a empresa (o empregador), comuma situação e estrutura mais propensas a garantir seus direitos. Não é à toaque o Princípio da Proteção é reconhecidamente o mais importante dosprincípios trabalhistas, daí se derivando as ideias de vulnerabilidade e dahipossuficiência do empregado em relação ao seu patrão.

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É dentro desse enfoque que converge a tendência atual de se solucionar estaquestão, por meio de um olhar constitucional, levando-se em consideração atotalidade do ordenamento jurídico e não apenas suas partes, de formaestanque. Nesse caso, caberá ao operador do Direito realizar uma de suasfunções sociais: a efetivação da Justiça.

Em que pese a parte processual que envolve a discussão acerca daobrigatoriedade de submissão prévia à Comissão de Conciliação e a consecuçãoda declaração de tentativa como condição da ação (ou pressuposto processual ourequisito da Inicial), não se pode deixar à margem da decisão os direitosfundamentais contidos em princípios constitucionais, eis que estes sãoverdadeiras normas jurídico-materiais que servem de base para as regras, e quepossuem caráter impositivo e vinculante, considerados, inclusive, cláusulaspétreas – art. 60, §4º, IV, da Constituição Federal.

Comemorando-se os 20 anos da Carta Constitucional da República Federativado Brasil e parabenizando-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos daOrganização das Nações Unidas pela passagem de seus 60 anos, salutar observarque o Judiciário e a sociedade brasileira iniciam um processo pelo qual se buscaa otimização do Direito e da Justiça, por meio de mandamentos reflexos de umnovo constitucionalismo, uma nova forma de se solucionar os conflitos deinteresse, sob uma ótica para além do jusnaturalismo e do restrito positivismo -mas aproveitando-se de seus ensinamentos -, interpretando-se o ordenamentojurídico através da lente constitucional, respeitando-se, contudo, a lição de KarlLarenz, contida na expressão: "direito extra legem, porém, intra jus", ou seja, odireito que vai além da letra da lei, mas que permanece limitado pelosprincípios e valores que conformam a ordem jurídica como um todo. Trata-se,portanto, do fenômeno da constitucionalização do Direito.

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Walfredo Bento Ferreira Neto(http://jus.com.br/956088­walfredo­bento­ferreira­

neto/publicacoes)

Pós-graduando em Direito Público e em Direito Militar.Bacharel em Direito. Licenciado em Geografia. Professor deGeografia na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN)

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Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT):

FERREIRA NETO, Walfredo Bento. O acesso à justiça e a obrigatoriedade dasubmissão prévia das demandas individuais trabalhistas à comissão deconciliação. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2335, 22 nov. 2009.Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/13888>. Acesso em: 14 fev. 2014.