novos formatos para a tv digital no brasil
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Este artigo contextualiza a produção de novos formatos2 para a televisão digital e os desafios pedagógicos decorrentes das demandas de formação profissional e técnica de desenvolvedores de aplicativos multiplataforma. Problematiza também a falta de conceitos claros que orientariam a regulação e o estímulo à pesquisa de novos usos, serviços e desenhos criativos da tecnologia, bem como a ampliação do domínio e acesso desse novo dispositivo pelos cidadãos.TRANSCRIPT
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Novos formatos para a TV digital no Brasil 1
Regina Mota
Resumo: Este artigo contextualiza a produção de novos formatos2 para a televisão
digital e os desafios pedagógicos decorrentes das demandas de formação profissional e técnica de desenvolvedores de aplicativos multiplataforma.
Problematiza também a falta de conceitos claros que orientariam a regulação e o
estímulo à pesquisa de novos usos, serviços e desenhos criativos da tecnologia, bem
como a ampliação do domínio e acesso desse novo dispositivo pelos cidadãos.
Palavras-chave: TV digital, linguagem audiovisual, novos formatos.
1. Introdução
Passado um ano do início das transmissões da televisão digital no Brasil, em dezembro
de 2007, não parece ter havido um real desenvolvimento de produtos, linguagens e serviços
que justifiquem investimentos na mudança de tecnologia representada pela digitalização do
espectro eletromagnético. O número de teledigitalizados é algo insignificante, se
considerarmos os mercados já atingidos pelos sinais digitais nas principais capitais do país3.
Até o momento, as emissoras que estão transmitindo digitalmente se preocuparam em
veicular alguns de seus programas em alta definição, em um aparente upgrade na
programação que pode incrementar a exportação de produtos em HD4. Isso decorre do
modelo de negócios estabelecido para o setor de radiodifusão, que continua apostando na
dualidade fonte-única de emissor/para todos os receptores como campos opostos,
1 Este artigo é parte da pesquisa “Novos Formatos para Redes Móveis e Mídias digitais”, financiado pelo CNPq,
edital CNPq 14/08. 2 O termo formato é usado aqui numa acepção que considera o dispositivo digital, a multiplicidade de novos
usos e a importância do desenho da programação como condicionantes para a formação técnico-profissional,
para o entendimento da transformação dos modelos de negócio do setor e para indicar parâmetros para a
regulação e as políticas públicas que possam se beneficiar da televisão digital. 3 Hélio Rotenberg, presidente da empresa Positivo Informática, líder em vendas no mercado de receptores, diz haver, no máximo, 20 mil famílias recebendo o sinal na Grande São Paulo. Esse número corresponde a menos
de 1% na audiência do Ibope. Folha On Line, 07/06/2008. 4 São três as possibilidades de qualidade de imagem no novo sistema: SD – Standard Definition, ED – Enhaced
Definition e HD – High Definition. Na utilização dos 6 MHz da faixa de espectro com transmissão digital, seria
possível a veiculação de seis a oito canais em SD, três ou quatro em ED e de um a dois em HD, já que nesse
formato a compactação é bem menor, garantindo maior qualidade da imagem.
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imutáveis, em que o primeiro se orienta pelas regras de demanda e oferta para atender ao
segundo.
O exemplo da Internet, a partir da World Wide Web, nos permite observar a construção
de novas relações comerciais, científicas e comunicacionais, que transformou o lugar do
receptor em usuário, como co-autor e colaborador do processo, tensionando a relação
comunicacional e multiplicando, em escala geométrica, o número de produtores. Esse cenário
era impensável há 15 anos, no início da popularização da www. Como afirmava McLuhan
(1969), quando uma mídia atinge o máximo do seu desenvolvimento, ela permite a
compreensão dos aspectos fundamentais da mudança e a transformação da percepção, da
sensibilidade e das novas configurações nas relações sociais, artísticas e culturais.
A rede se caracteriza, atualmente, pela horizontalidade das conexões e pela
descentralização dos fluxos, que permitem a comunicação em via de mão dupla: dois
movimentos que se complementam e se realizam no conceito de redes sociais, formadas por
comunidades sem centro determinado, que hoje predominam nos acessos à Internet, em sites
como Wiki, Orkut, My space, Facebook e Craiglist, entre outros.
O desejo do usuário de se fazer presente publicamente, seja aderindo a um site ou
participando de espaços de compartilhamento e de comunidades, demonstra uma mudança de
comportamento e de modelo comunicacional que reverte e transgride as fronteiras entre
emissores e receptores. Na rede hoje, potencialmente, somos todos produtores e veiculadores,
bem como consumidores de informação. Essa situação, de fato, desfaz os limites entre os que
produzem e circulam a informação e os que recebem e consomem produtos e serviços. Essa
fratura dos campos evidenciou-se de maneira ainda mais radical com o surgimento do
Youtube, que incluiu na rede o broadcast, antes exclusivo às ondas eletromagnéticas e aos
sistemas satelitais centralizados nas redes de televisão aberta, a cabo e por assinatura.
Poderíamos ainda nos perguntar se existem, em campos distintos, o público da TV
aberta e o público das outras mídias. O primeiro, no cálculo da migração digital, continuaria a
esperar pelos produtos da TV digital, fazendo economias para adquirir um televisor
compatível com a tecnologia. O segundo, já infiel e tendendo ao uso de dispositivos
multiplataforma5, não causaria impacto significativo na audiência, base para os investimentos
da receita publicitária das emissoras.
5 O termo multiplataforma refere-se ao uso combinado de Internet, celulares e ipods para acesso a blogs, sites de
compartilhamento, redes sociais, comunidades Wiki, grupos de discussão, Google maps etc.
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Aparentemente, o problema da paralisia no desenvolvimento de uma nova linguagem
audiovisual para a radiodifusão digital pode estar localizado no receptor de sinais, que ainda
não está equipado com um midleware6, tecnologia que permitirá outras funcionalidades à
televisão. Os atuais set top boxes7 disponíveis no mercado apenas executam a decodificação
do sinal digital e alguns, mais sofisticados, a gravação da programação. Mesmo as operadoras
a cabo, que tentam pegar impulso no veio da mudança de plataforma e da proliferação de
produtos em alta definição, não inovaram seus serviços ao lançar o novo decodificador
digital. Acesso a menus, informações interativas na tela, páginas de anúncios e compras de
programas parecem ser as únicas alternativas de uso da nova tecnologia.
Outra questão mais evidente foi o atraso das transmissões da TV digital para telefones
celulares, que ainda não deslancharam completamente por razões de disputa de mercado e
que dizem respeito também aos direitos de quem produz e de quem veicula. As teles
atrasaram o lançamento de celulares para a recepção da TV digital porque queriam saber duas
coisas: se poderiam produzir, comprar conteúdo, etc., e como lucrar com a inovação. As
emissoras que apostaram no padrão de modulação ISDB-T japonês para transmitir seus sinais
diretamente para celulares querem exclusividade de transmissão de conteúdo para os mobiles.
Sem normas claras e a definição de uma política que pudesse ferir interesses
inconciliáveis na ocasião, em julho de 2006, desde quando foi emitido o decreto (nº 5.820, de
29/06/2006) e a portaria (nº 652, de 10/10/2006) que criou regras mínimas para a transição da
TV digital brasileira, os embates se dão sem publicidade entre interesses quase sempre
privados representados no Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital8.
Esse é o cenário no qual parece impossível pautar o tema deste artigo – como pensar,
desenhar, criar novos formatos para a televisão digital, a não ser como possibilidade. Isso por
6 Midleware é a camada de software que possibilita o processamento de aplicações, identificação, autenticação,
autorização, diretórios e gerenciamento de conexões de entrada e saída que será utilizada no set top box. No
Brasil, o programa definido para o SBTVD-T, o Ginga, foi desenvolvido pelas universidades da Paraíba (UFPB)
e do Rio de Janeiro (PUC-RJ). 7 O terminal de acesso pode ser, potencialmente, um incrível elo de redes e de interfaces de entrada e saída de
sinais, além de poder gravar, guardar e processar qualquer tipo de informação (sinais elétricos e dados). Nada
impede, tecnicamente, que se conecte a ele qualquer aparelho que passar por uma rede elétrica (banda larga, impressora, computador, televisão, telefone, DVD ou um ipod, entre outros). 8 O Fórum do SBTVD foi criado para definir políticas gerais de ação, estratégias e prioridades, aprovar os
resultados dos trabalhos por ele executados e encaminhá-los ao Comitê de Desenvolvimento do Governo
Federal. Ele é formado por representantes nomeados pelo Governo Federal, por membros eleitos e por
associados observadores, sem direito a voto. O atual conselho deliberativo é composto por quatro pesquisadores
(USP, UNICAMP, UFPB e PUC-RJ), treze representantes de fabricantes nacionais e multinacionais, sete
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uma razão simples: parece que ninguém se interessa pelo assunto, incluindo aí as televisões
não-comerciais.
A meu ver, o sucesso do formato alcançado pela televisão analógica brasileira se dá por
um processo semiótico, responsável pela introjeção de um valor cultural compartilhado
nacionalmente. Ela produz a imagem que garante uma espécie de “normalidade” do país e
por isso ninguém tem coragem de bulir com nenhum dos seus fundamentos: a verticalidade
de sua estrutura – a tirania da cabeça de rede e de uma programação que é feita por quem
sabe o que é melhor, de um para todos; a construção de um padrão de qualidade –
decorrente do acerto de parâmetros estéticos capazes de unir o gosto popular e a cultura
média, num acordo tácito entre as emissoras que já conquistaram os quesitos e as que
desejam atingi-lo; a produção de uma unidade comunicacional e linguística a partir do
Sudeste – todo o país ouve e vê, ao mesmo tempo, os acontecimentos e suas interpretações.
Ainda hoje, o Jornal Nacional da Rede Globo é o programa de maior audiência no país e
atinge índices de quase 50%, contra os 14% do Jornal da Record, que ocupa o 2o lugar; a
criação de uma imagem de sucesso televisual independente das condições culturais e sociais
do país – temos a melhor telenovela e o melhor telejornal e inúmeros prêmios que atestam
sua unanimidade; e ainda uma grade de programação que sintoniza um país inteiro às
condições da veiculação, organizando, de segunda a domingo, a vida do cidadão brasileiro,
principalmente daqueles que só têm acesso à televisão aberta. Some-se a isso o fato de a
televisão ser um dos serviço que mais atinge os domicílios brasileiros (96,3%)9 e o único
meio de acesso à informação da grande maioria da população do país.
Potencialmente, a convergência tecnológica prefigurada na TV digital, que possibilita
uma real e efetiva interoperabilidade entre a tevê, o telefone, o computador e a Internet, fere
todos esses princípios, ao transferir poder de deliberação e escolha ao usuário e ao diluir a
prevalência de um uso sobre o outro, indiferente à qualidade da imagem ou à quantidade de
bits necessários a cada operação. A televisão digital é um novo dispositivo midiático que
pode servir de escola, posto de saúde, museu interativo e leitura de jornal, bem como para se
ver filmes, telenovelas e telejornais na hora que cada um quiser. Como sugere Cosete Castro,
a tecnologia ainda “possibilitará que as audiências se comuniquem entre si (usuário-usuário),
dirigentes de emissoras privadas e ainda um representante da área de software. (Fonte:
http://www.forumsbtvd.org.br/) 9 Segundo o IBGE, apenas 68,7% da população têm acesso a saneamento básico e 91,9% a rede de canalização
de água. (Fonte: Síntese de Indicadores Sociais. Relatório do IBGE – 2007)
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sem que ocorra apenas a já conhecida relação entre produção–recepção” (CASTRO, 2005,
p.310).
A previsão do acesso à interatividade para 2009, com a inclusão do midleware Ginga
nos receptores, obriga as emissoras a imaginarem novos usos, como esse sugerido pela
diretora de engenharia de transmissão da Rede Globo, Liliane Nakonechnyj:
Estamos pensando em sistemas em que a telespectadora poderia armazenar as
receitas da Ana Maria Braga, em vez de só ver enquanto a receita é transmitida ao
vivo... Outra possibilidade é usar o sistema nas votações de programas como o
“BBB”, em que atualmente os espectadores usam telefone, Internet e SMS para
eliminar um candidato.
Ela conclui afirmando que "deve ser algo mais voltado para o público jovem. Acho
difícil que a minha mãe vá querer ficar mexendo nesse tipo de coisa", diz Nakonechnyj
(MUNIZ, 2008).
2. Refazenda
O desenvolvimento de novos formatos para a televisão digital diz respeito também à
invenção de mecanismos de compartilhamento das descobertas e de criação solidária,
radicalmente oposta às noções de autoria e de propriedade, apesar do movimento contrário
dos proprietários da tecnologia e da exploração broadcast. A emergência de novos conceitos
para denominar essas articulações, tais como Creative Commons10
, copyleft, wiki, blogs,
comunidades em rede e inspiradas no movimento do software livre, entre outros, sugere uma
tendência rumo à formação de coletivos cujos liames não estão estratificados, movendo-se no
sentido inverso ao dos monopólios verticais e centralizadores dos meganegócios da
informação (Microsoft, IBM, Telefônica, etc.).
A autorização de uso legal de obras dentro de novos protocolos (licenças de CC) seria
um estímulo à recriação das já existentes, procedimento recorrente nos sampleamentos e
remixagens (spoofs), e de formatos eletrônicos de textos, vídeos, jogos e músicas, cuja
circulação é franqueada na web por recursos como a Wikipedia, YouTube, Ning, entre outros
que se constroem com a colaboração dos usuários, em redes sociais.
10 Segundo Sérgio Amadeu, o termo commons não tem um sentido preciso. Pode significar aquilo que é comum
ou espaços e coisas que são públicas, bem como comunidades ou produção compartilhada entre pares. O CC é o
licenciamento flexível de obras de arte, música, livros, filmes etc., assim como a assinatura de copyleft permite a
reprodução, sem ônus, dos mesmos (SILVEIRA, 2006, p.8).
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Esse tipo de operação é o que permite o surgimento de uma expressão, que é em si
mesma a superação, a assimilação e a recusa das referências pressupostas nos apelos
massivos, globalizados e padronizadores das formas culturais contemporâneas. Formas que
aparentemente nada oferecem de novo, mas que têm inúmeras possibilidades de
recombinações, amplamente permitidas pelos meios digitais, transformadas em bits e
rearranjadadas em outras configurações. Além disso, a proximidade da criação intelectual e
de expressão estética se dá hoje como nunca, facilitada pela tecnologia, e não intimida o
desejo de criação/destruição, mesmo quando protegida por caixas pretas que só seriam
acessíveis a especialistas. Esse compartilhamento pressupõe diálogo entre diferentes
abordagens e técnicas, para compor novas disciplinas entre arte, ciência e desenvolvimento
tecnológico.
A formatação dos programas inclui uma contrapartida do leitor/jogador/criador atuando
nas escolhas e possibilidades de entrada na narrativa. Cada ação de um usuário das novas
mídias pode levar a caminhos diversos para o aprofundamento ou descarte, a ampliação de
referências, críticas, sugestões e novas configurações. O desenvolvimento de uma
metodologia colaborativa, de autoria coletiva no processo de produção, é consequência desse
ensaio metalinguístico, cujas marcas são incorporadas ao produto final.
Experiências colaborativas radicais, a exemplo da Wikipédia, a maior enciclopédia da
Internet, problematizam e colocam em discussão os lugares sagrados da certificação, da
verdade e, sobretudo, da autoridade. O debate constante, a criação de consensos e a assunção
da transitoriedade das afirmações são alguns dos desafios da comunidade engajada,
coprodutora e responsável coletivamente pelos conteúdos, conformando uma ação que
registra a memória da construção de conhecimento colaborativo e da circulação de
informações, no século XXI.
O Brasil é um dos principais colaboradores da enciclopédia e representa 30% dos
usuários totais de suas informações. Segundo Jimmy Wales11
, a criação da WIKIBrasil foi
uma consequência dessa atuação e a abertura para a possibilidade de incluir também as
línguas e os grupos indígenas brasileiros como colaboradores. Os mecanismos coletivos de
controle, associados ao desenvolvimento de algoritmos e à tecnologia, têm conseguido
11 Em entrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, em 19/01/2009. Ver também:
http://wikibr.org/wikibrasil-conhecimento-colaborativo-em-debate.
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manter de fora as entradas mal intencionadas varridas pelo Wikiscanner, capaz de localizar os
IPs de arruaceiros e bloqueá-los imediatamente.
Esses exemplos ilustram o tipo de desafio e de demanda de tratamento de conteúdos em
rede, de forma descentralizada e de criação coletiva.
3. TV digital e convergência tecnológica
A pesquisa de desenvolvimento de novos formatos para mídias digitais visa o domínio
do caráter interativo e da mudança de papel dos usuários em face desses diversos suportes e
das possibilidades de sua apropriação para fins educacionais, culturais e informacionais.
Portanto, além do trabalho específico de criação de conteúdo audiovisual e multimídia, essas
experiências visam uma dimensão de inovação tecnológica e de capacitação para as mídias
digitais de pesquisadores e colaboradores.
Em várias oportunidades de debate dessa matéria com especialistas, engenheiros e
mesmo com defensores intransigentes da convergência tecnológica, é possível perceber ainda
a permanência da lógica da TV analógica dominando o imaginário do modelo para a
migração digital, reafirmando aquilo que parece tranquilizar a cadeia produtiva do setor: a
possibilidade de mudar sem mudar. Foi o temor à mudança que impediu que a pesquisa do
Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD) chegasse aos processos de criação com o
envolvimento de músicos, artistas plásticos, realizadores de vídeo, VJs e DJs, rappers,
roteiristas, criadores de games, de sites e webdesigners, que poderiam ter contribuído para a
apropriação e o desenvolvimento da nova tecnologia.
Esse desafio tem sido assumido pelo Labmídia (Laboratório de Mídia Eletrônica -
UFMG), envolvendo alunos em experimentos que utilizam a conexão entre as diversas
mídias digitais, permitindo ensaiar possíveis desenvolvimentos da linguagem para a TV
digital, a despeito da existência concreta dos equipamentos e da adesão das emissoras de
televisão. Focando os aspectos da interatividade e da descentralização da produção, os
projetos em desenvolvimento propõem uma horizontalidade dos fluxos de comunicação
como operações centrais dos novos dispositivos.
O primeiro produto desenvolvido tomou como objeto a efeméride dos 80 anos do
Manifesto Antropófago, do escritor e pensador Oswald de Andrade, lançado na Revista de
Antropofagia nº 1, em maio de 1928 (ANDRADE, 1995). A proposta identificou as
constantes antropofágicas na expressão artística brasileira das últimas oito décadas, prestando
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uma homenagem aos seus criadores. O projeto de produção das vinhetas, a partir dos
aforismos do Manifesto, foi desenvolvido pelos alunos do Curso de Comunicação Social da
FAFICH/UFMG12
.
A apropriação e a recriação de obras gráficas, artísticas e audiovisuais fazem
homenagem explícita aos criadores originais dos trechos de filmes, fotos, quadros e músicas
utilizados e passados pelo fator crítico do grupo para a sua reinvenção. Por isso, foi proposto
também um sacrifício, como aquele que regia o ritual da guerra de vingança dos índios
Tupinambá, no qual Oswald de Andrade se inspirou. As vinhetas podem ser baixadas e
recriadas criticamente, para novamente circularem pela Internet ou na televisão. Os
procedimentos de livre download e upload são operacionalizados por meio da plataforma de
interatividade do projeto (site http://www.fafich.ufmg.br/manifestoa), que possibilita o
contínuo processo de transformação do “tabu em totem”, como queria Oswald de Andrade.
Os vídeos foram postados em alta resolução e licenciados em CC13
para todos os usos e
apropriações não-comerciais e inclusão da assinatura do projeto (Manifesto Antropófago – 80
anos. Devore e faça o seu). Qualquer emissora de televisão, pública ou privada, que quiser
veicular as vinhetas pode fazer o mesmo, sem requerer autorização prévia dos participantes
do projeto.
O experimento propõe um novo esquema de produção/veiculação, revendo as noções
de formato de programa, equipe de produção, de autoria, comercialização e de público. Além
do site, as vinhetas foram postadas no youtube14
, onde circulam livremente, como pode ser
atestado pelo registro dos seus inúmeros acessos.
A página do projeto traz também outras informações que ampliam o conteúdo, com
textos relacionados a antropofagia cultural, outras imagens e, principalmente, instruções de
como participar, fazendo um convite à interatividade real.
12 Os alunos que participaram da elaboração do projeto, produção das vinhetas e da homepage foram: Bernard Machado, Bruno Oliveira, Bruno Fabri, Daniel Santos, Débora Rodrigues, Felipe Correa, Glauciene Lara, João
Vitor Leal, Laura Guimarães, Marcelo Graciano, Maria Cristina Barbosa, Maria Tereza Dias, Mariana Congo,
Nara Vargas, Nicole Fischer e Tatiana dos Santos Silva. 13 Licença de Creative Commons, que autoriza copiar, distribuir, exibir e executar a obra, bem como criar obras
derivadas (Fonte: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.5/br/). 14 Disponível em: http://www.youtube.com/user/manifesto80anos
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O circuito interoperacional foi desencadeado pela veiculação broadcast15
, que remete
ao site, que por sua vez permite a apropriação do conteúdo e serve de canal de retorno à
equipe e à emissora, bem como de espaço de compartilhamento de informações com a
comunidade ning, criada a partir do projeto. Caso o experimento contasse com as tecnologias
necessárias – terminal de acesso com interatividade e canal de retorno, adicionado de um
programa de edição de uso livre –, os usuários poderiam recriar os aforismos do Manifesto e
reenviá-los diretamente ao servidor da emissora, para seleção e veiculação. O que interessa
nesse experimento é sua lógica de produção, que modifica e redireciona o circuito
comunicacional horizontalmente, ampliando sua dimensão e alcance.
O mesmo esquema poderia ser utilizado, por exemplo, numa campanha contra a
dengue, na qual os telespectadores seriam convidados a criar pequenas histórias ou
documentários, a partir de sua perspectiva do problema, para serem veiculados na TV,
postados no youtube ou transmitidos para telefones celulares pelas emissoras públicas. O
circuito poderia contar com a retroalimentação de respostas, denúncias e debates, o que,
certamente, poderia levar a novas ações para o combate da epidemia.
O ensaio de produção de vinhetas a partir do Manifesto Antropófago serviu de base
para a produção de um programa-piloto para uma série de televisão, supondo níveis
aprofundados de interatividade, que serão permitidos pelo uso de terminal de acesso equipado
com o midlleware Ginga, previsto para 2009. A série Tupi or not Tupi – antropofagia na
cultura brasileira será estruturada em oito episódios que supõem a ação e a participação do
espectador na reconstrução das constantes antropofágicas das expressões culturais e artísticas
da música, da literatura, das artes plásticas, do cinema, do teatro e da dança no Brasil. O
ponto de partida é a adequação da reflexão sobre a barbárie tecnizada, proposta por Oswald
de Andrade, plenamente identificável em muitos dos procedimentos da cultura
contemporânea, permitidos pelo acesso, uso e compartilhamento das tecnologias digitais.
4. Novas ferramentas para TVD
A realização do programa-piloto da série teve como intuito avançar no domínio do
dispositivo da televisão digital, considerando os elementos e as etapas do seu processo de
criação, no qual a fase de roteiro e produção não se distingue da definição de design,
15 As vinhetas estão sendo veiculadas na Fundação TV Minas de Televisão - Redeminas, desde novembro de
2008, e na TVE Bahia (IRDEB), no mesmo período (Fonte:
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arquitetura, navegação e programação. O ambiente de autoria Composer, voltado para a
criação de programas NCL (Nested Context Language) para TV digital interativa, possibilita
a construção de programas audiovisuais com menos conhecimento de linguagem de
programação. Essa ferramenta de hipermídia foi desenvolvida pelo Laboratório de Telemídia
do Departamento de Informática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O Composer permite elaborar um programa a partir da definição de modos que
simulam um tipo específico de edição (estrutural, temporal, layout e textual). Esses modos
funcionam de maneira sincronizada, a fim de oferecer um ambiente integrado de autoria,
subtraindo do autor parte da complexidade de programação do aplicativo para rodar com o
Ginga. Os resultados da investigação da linguagem NCL e das possibilidades oferecidas pelo
Composer serviram para uma compreensão mais precisa dos limites e das resistências ao
desenvolvimento de um programa interativo de televisão, orientando a sua própria
idealização e o planejamento. A ajuda veio da própria base de dados da comunidade NCL16
,
com documentação da linguagem e da ferramenta Composer, de tutoriais e exemplos de
aplicações oferecidos pela página do Clube NCL.
A relativa similaridade da ferramenta com softwares tradicionais de edição de conteúdo
audiovisual – tais como Final Cut Pro e Adobe Premiere – e com alguns programas de
autoração de DVDs interativos – a exemplo de DVD Studio Pro e Adobe Encore – foi
também um atrativo para os participantes que já dominavam alguns desse softwares,
facilitando o processo de transição da lógica já no processo de roteirização.
Um dos principais problemas encontrados na utilização do programa foi a falta de
documentação para uso de canal de retorno, que possibilitará futuramente um nível maior de
interatividade do aplicativo. Essa questão complexa depende de definições não apenas
tecnológicas (redes de wi-fi, telefonia celular e fixa, rede elétrica, rede de fibra ótica, etc.),
mas de decisões que envolvem a regulação de frequências ou a liberação de uso de infra-
estrutura do Estado. Por isso, o conceito de interatividade que orientou a realização do piloto
teve como ponto de partida a não-linearidade do percurso do usuário e a possibilidade de uma
multilinearidade (SACRINI, 2005), com acesso aos conteúdos disponibilizados a partir da
sua escolha, o que permite a cada espectador criar o seu próprio roteiro.
http://www.abepec.com.br/noticias/index.asp?id=40). 16 Clube NCL – A liberdade de desenvolver e compartilhar conteúdo interativo:
http://clube.ncl.org.br/?q=taxonomy/term/34
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5. “Só podemos atender ao mundo orecular”
Como parte da metodologia de criação de novos formatos para a televisão digital e
mídias móveis, o registro e a descrição de cada etapa permitem o compartilhamento vertical
com os futuros pesquisadores que participarão dos novos desenvolvimentos, bem como o
compartilhamento horizontal com especialistas e centros de pesquisa envolvidos na criação
das ferramentas para a programação de aplicações para rodar em ambiente Ginga.
O aforismo acima, retirado do Manifesto Antropófago, dá nome ao piloto da série,
dedicado aos aspectos intrínsecos da operação antropofágica na tradição da música popular
brasileira, tema do programa. Quatro instrumentos foram escolhidos para permitir a entrada
do espectador no “mundo orecular”17
e a navegação pelas pilhas da caixa (interface), que
guarda o segredo da nossa polifonia. A percussão, o canto, as cordas e o sopro funcionam
como eixos temáticos apresentados em loop de sons e imagens representativos de cada
segmento. A repetição desses conteúdos cria um ambiente polifônico, em que é possível
visualizar e ouvir os quatro instrumentos que se encontram dentro da caixa. É diante dessa
tela que o espectador iniciará seu papel interativo na construção do programa. A ele estão
disponibilizados quatro caminhos e somente a partir de suas seleções o programa se realizará
diante dele.
Ao optar por um dos instrumentos, selecionando-o pelo controle, inicia-se um
movimento de aprofundamento por três camadas, em perspectiva, para o interior da caixa. A
tela é novamente transformada quando o vídeo respectivo à opção do espectador passa a ser
exibido, ocupando-a inteiramente. Durante a exibição do vídeo, outras possibilidades de
interação poderão ser oferecidas ao usuário. Selecionando uma dessas opções durante a
projeção, ele poderá acessar links que trazem breves textos, referências bibliográficas,
endereços de sites, dicas e comentários explicativos que ampliam o conteúdo do vídeo.
Ao final do segmento, retorna-se à tela dos quatro eixos, já desfalcada do trecho
assistido e rediagramada pelo novo loop do nível abaixo. A tridimensionalidade dos quadros
destaca a noção de profundidade e explicita um deslocamento por parte do usuário, ao qual se
reivindica uma escolha. O loop do segundo vídeo do eixo escolhido inicialmente refaz a
17 O neologismo orecular, criado por Oswald de Andrade, remete ao poder da escuta como agente cosmológico
acionado por flautas, tambores, chocalhos e cantos indígenas, promotores dos ritmos de guerra e paz entre os
Tupinambá. Essa exigência - só podemos atender -, do ponto de vista modernista, diz respeito também ao papel
do texto ou da palavra escrita, cuja sonoridade deve convidar o leitor ao seu compartilhamento e/ou à sua
adesão.
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composição e a polifonia com os outros três eixos daquela tela, reconfigurando o ambiente a
cada momento, resultado da escolha precedente.
Com a repetição dessa dinâmica, o espectador poderá caminhar segundo suas
predileções, aprofundando dentro do mesmo eixo ou assistindo, de forma variada, ao
conteúdo contido na caixa. Ao fim das três camadas existentes em cada eixo, uma base
começará a ser descoberta aos poucos, na medida em que os outros quadros desaparecem. Por
ocupar todo o fundo da caixa e não apenas um quarto, essa última tela será revelada ao
espectador em recortes, participando na renovação sonora, como seus acordes.
Quando conclui o percurso que esvazia a caixa, assistindo ou não aos vídeos, o
espectador poderá ver, em tela cheia, o trecho de encerramento do programa, uma espécie de
apoteose antropofágica musical. O clip do concerto da banda Sepultura com a participação de
pajés Xavante provoca a reflexão final e, simbolicamente, refaz o ritual de devoração do
inimigo sacro.
Esse vídeo cria um contraponto com o segmento inicial do programa, que introduz
didaticamente o espectador à temática do piloto, por meio de trecho do documentário O povo
brasileiro, no qual o antropólogo Darcy Ribeiro explica o ritual antropofágico Tupinambá,
ilustrado por imagens e sons, seguido de uma fala de Gilberto Gil, resumindo as
características antropofágicas da música brasileira18
.
Ao vivenciar a experiência do programa, o espectador assume um papel diferenciado
do que ocorre diante da programação atual da TV analógica. Ele age como roteirista do
programa e suas opções lhe permitem acessar ou não dados disponíveis em paralelo ou
transversal. Mesmo que o usuário não possa ainda enviar sua colaboração por meio de um
canal de retorno físico, é ele a figura central do programa, visto que a dinâmica de ações
depende dele e, sem suas escolhas, o programa é apenas uma potencialidade. A noção de
tempo e de duração televisual é dominada pela ação do telespectador no espaço da tela,
determinando o corte, a repetição e a suspensão de cada segmento. Se visto linearmente, o
material tem aproximadamente duas horas de duração, que podem se transformar em trinta
18 Os trechos dos vídeos utilizados para os experimentos foram retirados da série Música do Brasil, concebida e
dirigida por Belisário França com roteiro de Hermano Viana e protagonizada por Gilberto Gil. A série foi
exibida no canal da MTV em 2004. A qualidade da imagem é de baixa definição já que foram derivadas de fitas
de vídeo gravadas da televisão, e cumprem um papel de informar a exemplo do que se poderia produzir. O
protótipo é apenas um demo que virtualiza as possibilidades da interação entre técnica e linguagem.
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minutos, em quatro ou mais horas, dependendo do interesse e da navegação de cada
espectador.
Mais do que elaborar produtos, os protótipos desenvolvidos pelo Labmídia - UFMG
buscaram tratar conteúdos, metodologia e produção, na perspectiva de uma mudança para a
televisão que modifica o papel do usuário/cidadão, que passa a ocupar o centro do processo.
O sentido ficaria, então, submetido ao desejo e à ação sobre o programa por parte do
teledigitalizado. Essa perspectiva permite pensar novos e inúmeros usos prefigurados nas
possibilidades de combinação de tecnologias, formatos e formas de veiculação da Internet, da
radiodifusão e da telefonia.
Na criação desses processos, a colaboração é central para os acertos de competências
que ainda não estão claras para a demanda de domínio técnico e conceitual das novas mídias.
Uma equipe de criação de um aplicativo para TVD demanda qualificação de informática, de
design digital, de tratamento digital de sons e imagens e de roteirização para ambientes
interativos, efetivando um campo transdisciplinar. Outras ferramentas disponíveis na Internet
(grupos de discussão, Google docs, etc.) permitem que parte do trabalho seja feita à distância,
o que facilita a comunicação e o compartilhamento de ideias e o envolvimento dos
participantes em todas as etapas e na resolução coletiva de problemas.
A mesma abertura do processo de criação de um aplicativo para televisão digital pode
ser pensada para sua veiculação, continuamente recriada ou finalizada pelo público de
interessados.
As experiências aqui relatadas ainda não foram suficientemente testadas, discutidas e
compartilhadas com outros pesquisadores, de forma a permitir sua análise de inteligibilidade
e real interatividade. Os protótipos adaptados poderão ser testados em 2009, com a chegada
dos terminais de acesso equipados com o Midlleware Ginga ao mercado, ampliando o
interesse pelo domínio das ferramentas e pelo desenvolvimento de produtos, serviços e
linguagem para a televisão digital.
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Minicurrículo: Regina Mota é professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação
Social e do Departamento de Comunicação Social da FAFICH/UFMG. Atuou como pesquisadora para o CPqD
na elaboração das diretrizes para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital – SBTVD em 2004 e foi responsável
pelo projeto TVD.gov – A Rede Minas no cenário das políticas públicas do Estado de Minas Gerais, para a
Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais, em 2007/2008. Desenvolve, juntamente com outros
pesquisadores, o projeto de pesquisa “Novos Formatos para Redes Móveis e Mídias digitais, financiado pelo
edital CNPq 14/08. [email protected]