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Aspirante(FN) Murilo Nogueira Rocha Aspirante Bruno Francesco Farignole Dall'Antonia Aspirante(IM) Raquel Moura de Souza Aspirante Luis Guilherme Tosta Montez Aspirante Rafael Maganha Ribeiro Novos desafios acerca da securitização do Atlântico Sul Instituição de Ensino: Escola Naval

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Page 1: Novos desafios acerca da securitização do Atlântico Sul · também econômica. O país utilizou-se dos ... aprimoramento da força naval sul ... além das jurisdições nacionais

Aspirante(FN) Murilo Nogueira Rocha

Aspirante Bruno Francesco Farignole Dall'Antonia

Aspirante(IM) Raquel Moura de Souza

Aspirante Luis Guilherme Tosta Montez

Aspirante Rafael Maganha Ribeiro

Novos desafios acerca da securitização do Atlântico Sul

Instituição de Ensino: Escola Naval

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1 Apanhado histórico do Atlântico Sul durante e após a Guerra Fria

Realizando uma análise histórica da importância do Atlântico Sul quanto as questões

internacionais, observamos, no contexto da Guerra Fria, que a sua mais importante

contribuição foi no que diz respeito ao transporte de recursos econômicos, à ligação

comercial entre os países da região e à prospecção de recursos naturais, principalmente o

petróleo. Nesse caso, entendemos o porquê de tamanha estima desde sempre dada pelos

países do hemisfério norte ao Atlântico Sul. Desde aquela época, os benefícios que este mar

fornecia sempre foram almejados por países do norte, em especial pelos Estados Unidos da

América (EUA) e pelo Reino Unido. Com isso, inúmeras foram as ferramentas utilizadas por

estes para estender suas respectivas esferas de influência sobre os países do sul. Como

exemplos, podemos citar o TIAR, o OTAS, o “Simonstown Agreement” e a Guerra das

Malvinas.

1.1 O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca

Os EUA, baseado na política de “boa vizinhança”, criada por Roosevelt, e na ideia de

serem os defensores das Américas, propuseram o TIAR, ou Tratado Interamericano de

Assistência Recíproca, que tem como fundamento básico o apoio mútuo entre todos os países

do continente americano. Se algum dos países da América fosse atacado por um Estado

externo, este obteria apoio bélico imediatamente. Porém, ao analisarmos a fundo o que

realmente foi o tratado, concluímos que só um lado foi beneficiado com ele.

No decorrer dos anos após o firmamento do tratado, somente os EUA foram

auxiliados pelo restante dos países do continente e não somente de forma militar, mas

também econômica. O país utilizou-se dos recursos dos outros Estados americanos para

fortalecer a própria economia e o poderio militar. Isso fica claro no relatório do secretário de

Defesa, escrito para o Conselho de Segurança Nacional em 31 de agosto de 1949: “a

segurança do hemisfério ocidental e nosso [EUA] acesso aos recursos do hemisfério, que

sejam essenciais a qualquer projeção transoceânica de um maior poder ofensivo dos Estados

Unidos”.

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Uma breve análise aos eventos e cooperações realizados após a criação do TIAR,

demonstram que este atuou de maneira incessante como instrumento de ampliação e garantia

da esfera de influência estadunidense sob o continente americano e o oceano Atlântico. De

fato, o Tratado atendeu muito mais aos interesses de Washington D.C. do que aos dos demais

países. Tal exposição se exemplifica na situação vivida pela Argentina durante a Guerra das

Malvinas em 1982 (a qual será descrita posteriormente neste artigo).

1.2 O Tratado de Simonstown

Este tratado foi assinado em 1955 entre África do Sul e Inglaterra e possuía termos

parecidos com o tratado descrito anteriormente. O Reino Unido iria auxiliar no

aprimoramento da força naval sul-africana e produziria navios para estes. Por sua vez, a

Inglaterra, basicamente, obteria acesso ao território africano para montar suas bases militares,

ampliando sua influência no Atlântico Sul. Além disso os ingleses conseguiram um

comprador fixo para suas embarcações.

Os termos acordados se faziam válidos tanto durante períodos de paz como em

períodos de guerra, porém não legislavam sobre a existência de auxílio de defesa mútuo entre

ambos no caso de um ataque contra um dos Estados. A explicação para isto deve-se ao

desinteresse inglês em acordar termos que em um curto e médio prazo poderiam resultar em

mais preocupações do que conquistas para a política externa britânica. Mostra-se

notoriamente que o Tratado de Simonstown, tal como o TIAR para os Estados Unidos,

demonstra sua importância para o Reino Unido como instrumento de extensão de sua zona de

influência sobre o Oceano Atlântico.

1.3 OTAS

A Organização do Tratado do Atlântico Sul foi uma proposta Argentina, levantada em

1977, de organização de um sistema de defesa integrado do Atlântico Sul, visando uma

integração entre os países dessa região. A proposta recebeu um forte apoio norte-americano,

os quais estabeleceram as bases teóricas do projeto, com as divisões dos setores de

patrulhamento e proteção. Porém, os EUA não se viam dispostos a auxiliar mais do que isso,

pois não forneciam aos seus parceiros uma assistência naval suficiente, que lhes permitisse

cumprir as determinações confiadas. Por isso, mais uma vez tinha-se a visão de que os EUA

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somente buscavam expandir sua área de influência, mantendo-se como a potência marítima

local às custas das outras nações. O Brasil refutou a proposta, defendendo a ideia de que a

Organização levaria a uma corrida armamentista na região, além de deixar claro que não

teriam como mantê-la no contexto global da época sem o apoio integral dos EUA. Com o

início da disputa pelas Ilhas Malvinas, a organização logo se desmantelou, porém a ideia da

OTAS logo viria a gerar frutos futuros, com a criação, por parte do Brasil, da Zona de Paz e

Cooperação do Atlântico Sul(Zopacas), que será abordada futuramente.

1.4 Guerra das Malvinas

O evento confirma quanta importância os países do norte davam às regiões próximas

ao Atlântico Sul. Em 1982, a Argentina, alegou que as Ilhas Malvinas pertenciam a ela desde

1800 devido à acordos bilaterais da época. Esta decide tomar para si o domínio das ilhas e

aproveita a escassez de atuação inglesa na região para invadi-las.

Após verem os danos que teriam no que tange à influência no Atlântico Sul, a

Inglaterra, rapidamente, envia um grande contingente de meios navais para realizar a

retomada das ilhas. No final, a nação britânica consegue recuperar seu território, mantendo

sua área de influência. Importante relembrar que os EUA apoiam o Reino Unido,

desprezando o que foi acordado no TIAR, o que deixa claras as intenções de ambas as

nações. No jogo político, influência é poder.

2. Atuação brasileira na defesa do Atlântico Sul

O Brasil é o país com a maior costa voltada para o Atlântico Sul, o que tem direta

consequência em sua respectiva economia e relacionamento com outros Estados. Como

consequência de nossos 7,4 mil km de costa, angariamos a enorme responsabilidade de zelar

por essa enorme região, se quisermos continuar a realizar tanto a prospecção de seus minerais

como praticamente todo o nosso comércio marítimo (aproximadamente 95%). Este comércio

tem se tornado cada vez mais restrito ao Atlântico, visto que as antigas Linhas de

Comunicação Marítima, mais especificamente os canais do Suez e do Panamá, não suportam

mais as grandes embarcações de carga, assim como os enormes petroleiros.

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Sendo assim, temos o Atlântico Sul emergindo cada vez mais no cenário político

internacional. Consequentemente, aquele que possuir grande influência neste, poderá dominar

todo o comércio local. Tendo essa informação em mente, já observamos a nação norte-

americana articulando suas forças para o sul, com a reativação da IV Frota, o que contribui

para o sentimento de insegurança do Brasil e de muitos outros países. Dessa forma, a

exigência de uma Marinha forte torna-se cada vez maior, visto que são necessárias ainda mais

ações de patrulhamento da região, mesmo que seja somente de forma dissuasiva. Porém,

adverso a isso, temos a política, articulada pelo Brasil, da ZOPACAS.

A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul foi criada em 1986, principalmente,

como forma de negar a viabilização de acordos bilaterais e projetos que surgiram com o final

da 2° Grande Guerra, sendo uma importante ferramenta de expansão da influência brasileira e

fortalecimento político na região do Atlântico. Porém, todo esse planejamento esbarra em um

ponto crucial da política brasileira acerca da ZOPACAS, que é quanto ao seu discurso de não

militarização do Atlântico Sul. Torna-se impraticável pensar em manter uma hegemonia sobre

uma região tão vasta sem possuir a disposição uma força militar preparada. Não se deve

buscar os conflitos armados, mas o investimento em poderio bélico, de forma a dissuadir

possíveis tentativas de alocação de forças navais estrangeiras em nossas proximidades,

apresenta-se como uma necessidade.

Essa política afeta diretamente as perspectivas brasileiras de obtenção dos recursos

minerais existentes neste mar. Com o avanço de nossas tecnologias e o investimento nos

setores de prospecção, fomos capazes de encontrar novas fontes de petróleo em nossa costa, a

chamada camada de pré-sal. Com isso, mais olhos se voltavam para essa região, no intuito de

também aproveitarem uma parcela destes recursos. Por isso é tão importante possuirmos uma

força militarizada preparada e eficaz. Não se pode mais contar com as boas intenções de

nações vizinhas, já que, quando se trata da sobrevivência, a "boa vizinhança" torna-se

obsoleta e os jogos político-militares entram em cena.

Nesse intuito, o Brasil já vem buscando garantir seu espaço legal através de meios não

belicosos, por intermédio da Convenção das Nações Unidas para o Direito no Mar. Neste

contexto, a nação brasileira solicitou à Organização Marítima Internacional (OMI) a

ampliação de seu território marítimo, provando com argumentos geológicos que nossa

Plataforma Continental se expande além de nossa Zona Econômica Exclusiva. Com isso, o

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Brasil está no caminho para se garantir contínua extração de recursos, a qual, relembra-se,

tornar-se-á impraticável, caso não se tenha meios de protegê-los e mantê-lo.

Mais voltado agora para o desenvolvimento interno com foco em ampliação da

influência nacional externa, podemos citar, rapidamente, 3 outros projetos da Marinha do

Brasil, que são, basicamente, o tripé de sua política desenvolvimentista para a atuação no

Atlântico Sul: o Programa Nuclear da Marinha (PNM), o Núcleo de Poder Naval e o brilhante

SisGAAz,

O PNM foi iniciado em 1979 e tem como foco aprimorar as tecnologias nacionais,

capacitando-nos à exploração das fontes de energias nucleares existentes em abundância no

nosso território. O programa atua em 2 vertentes principais, que são a produção de

combustível e de energia elétrica. Já o Núcleo de Poder Naval visa a aquisição e

modernização das capacidades operativas e meios navais brasileiros, o que ampliará a

capacidade de emprego do Poder Naval para a salvaguarda dos nossos interesses nas áreas

marítimas sobre nossa responsabilidade. É visível que a aplicação prática desses programas,

na questão da segurança no Atlântico Sul, materializa-se na produção dos submarinos

nucleares, meio naval que nos vai colocar em um patamar mais alto no que tange ao setor de

defesa.

Quanto ao Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul,(termo cunhado pelo

Almirante de Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, o qual se refere à Zona Econômica

Exclusiva brasileira) consiste de "um conjunto de sistemas que tem como objetivo ampliar a

capacidade de monitoramento e controle das águas jurisdicionais e das regiões de busca e

salvamento sob responsabilidade do Brasil". Ou seja, as ações da Marinha do Brasil tornam-

se completas, visto que passamos a atuar nas 3 possíveis frentes de ação no que diz respeito

ao Atlântico Sul: no monitoramento, na proteção e no incentivo à prospecção de recursos.

3. Riquezas minerais do Atlântico Sul

Uma das maiores riquezas minerais existentes na bacia hidrográfica brasileira, o

petróleo possui imensa importância na economia de qualquer país. Sendo assim, imensa

importância assume também o Atlântico Sul nesse contexto, dada a descoberta das camadas

de pré-sal pelas agências de prospecção brasileiras. Esta descoberta fez com que, de 2010 a

2014, a média de extração brasileira de petróleo aumentasse 12 vezes, nos aproximando dos

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prospectores de petróleo do Oriente Médio. Porém, ainda assim, inúmeros embargos sempre

acabam sendo impostos, que dificultam a obtenção desses recursos, sejam eles discursos de

ambientalistas ou de outras nações, dizendo também possuir direitos de coletar esses

recursos.

Exemplo da situação descrita acima é a relação entre o governo brasileiro e a

Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (International Seabed Authority - ISA), órgão

vinculado à ONU responsável pelo leito marinho e a exploração deste. Segundo o ISA, o

assoalho marinho, além das jurisdições nacionais de cada país deve ser considerado como

parte do patrimônio da humanidade. Desta maneira, a utilização por parte do Estado

brasileiro da chamada Elevação do Rio Grande, a 1500 quilômetros da costa brasileira, não

seria possível. Todavia, a constatação feita pelo Serviço Geológico do Brasil sobre a

existência de rochas continentais na região da Elevação, abriu margem para a requisição

brasileira de exploração da área, sob o pretexto de se tratar de uma possível continuação da

plataforma continental brasileira. Então, em 2014, a proposta brasileira sobre a exploração do

Elevado sobressaiu-se perante as demais, devido à integração entre os setores políticos,

ambientais e geológicos, acarretando na permissão da ISA permitiu ao Brasil a exploração

mineral dessa área no decorrer de 15 anos.

Esse é só um dos exemplos da atuação brasileira quanto à prospecção mineral no

Atlântico Sul, porém, nas últimas décadas, temos formulado um plano estratégico de

exploração destes recursos. Nossa principal medida foi a criação do LePlaC, ou

Levantamento da Plataforma Continental, que deu origem ao Programa de Prospecção e

Exploração do Atlântico Sul e Equatorial(PROAREA), que tem como principal finalidade a

identificação e avaliação da potencialidade mineral de áreas com importância econômica e

político-estratégica para nosso país. Além disso, também providencia informações técnicas,

econômicas e ambientais necessárias para desenvolver atividades de exploração mineral e

gestão ambiental. Também serve como ferramenta de ampliação da presença brasileira no

Atlântico Sul, visto que o Elevado tem sido visitado por nações estrangeiras, como Alemanha

e Rússia, o que não vem a ser uma novidade.

Isso só comprova, novamente, como a atuação das nossas forças militares é

necessária. Seja em questões políticas, econômicas, ambientais ou outras, uma nação que não

investe nas suas Forças Armadas não consegue levar adiante planejamentos que envolvam

políticas externas.

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4. A questão do Golfo da Guiné

Durante a crise do petróleo, na década de 1970, os países árabes exportadores da

commoditie aumentaram abruptamente o preço do hidrocarboneto como forma de pressionar

nações ocidentais parceiras de Israel durante a guerra do Yom-Kippur. O prejuízo causado por

esse episódio fez com que os importadores buscassem novas fontes, tentando fugir do

monopólio que o Golfo Pérsico possuía sobre a exportação do produto.

Com o desenvolvimento de novas tecnologias dentro da indústria petrolífera, foi

possível descobrir grandes reservas em altas profundidades. Esse avanço favoreceu países

como o Brasil – com a descoberta da camada pré-sal – e os da costa ocidental da África,

principalmente aqueles banhados pelo Golfo da Guiné, onde o petróleo descoberto é

considerado de boa qualidade, ou seja, leve e com baixo teor de enxofre, além de ser

compatível com as características das principais refinarias da Europa e da América do Norte.

Esses dois fatores contribuíram de sobremaneira para uma grande escalada da

importância da região do Golfo da Guiné no cenário geoestratégico global. Ela seria a

alternativa que os países importadores do hidrocarboneto buscavam após a crise, e a

qualidade do minério de lá extraído serviria como um grande facilitador para sua

comercialização. O mundo passou, dessa forma, a observar a África Ocidental com novos

olhares. O que antes era visto como local de grande riqueza mineral em terra – como sua

grande reserva de diamantes – agora seria palco de disputas empresariais para a exploração

de seu território marítimo.

Os desafios, porém, vêm se impor sobre a região. Os países locais, assim como a

grande maioria das nações subsaharianas, enfrentam graves desafios socioeconômicos e

políticos, que ameaçam a realização da lucrativa atividade. O cenário de pobreza extrema,

aliado da instabilidade política e do baixo nível de desenvolvimento humano gera um alto

risco para os investimentos a serem feitos. Diversos episódios de pirataria e roubo armado

são registrados desde o início da exploração extensiva das riquezas desse golfo – foco deste

artigo –, além da ameaça causada pela presença de grupos extremistas dentro das fronteiras

de Estados costeiros, como o Boko Haram, na Nigéria.

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4.1. Perigos iminentes

Desde a década de 1990, com a descoberta de uma alta quantidade de riquezas

minerais nas águas do Golfo da Guiné, a exploração petrolífera na região vem tendo

significativo crescimento. Essa atividade, ao longo dos anos, demonstrou-se fundamental

para as economias locais, e o maior exemplo disso é a Angola – um dos maiores exportadores

locais de petróleo e membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) –,

que teve um crescimento anual do PIB estimado em cerca de 27% no período compreendido

entre 1996 e 2008, de acordo com o Banco Mundial. Essa taxa veio a estagnar com a queda

do preço do barril de petróleo no cenário internacional entre 2009 e 2011, quebrando as

receitas do Estado angolano, e voltou a subir com a retomada do aumento dos preços do

hidrocarboneto em 2012, permitindo que o governo saldasse sua dívida e registrasse um

excedente global de 8,6% de suas riquezas totais.

Essa grande dependência que economias do Golfo da Guiné possuem do petróleo fez

com que a atividade tornasse-se um alvo para roubos armados e para a pirataria, facilitados

pelos mais diversos problemas político-sociais existentes ao longo de seus territórios. A

ocorrência de ataques no ano de 2012, de acordo com o International Maritime Bureau's

(IMB) Piracy Reporting Centre, foi registrada em 58, incluindo 10 roubos na Nigéria, país

mais afetado, apesar de possuir a maior marinha entre as nações da região, com cerca de

15000 militares.

Os ataques a navios no Golfo da Guiné aumentaram consideravelmente com as ações

efetivas tomadas para combater a pirataria no Golfo de Áden, na costa da Somália, como a

EUNAVFOR. Entre 2003 e 2011, a região mais ocidental contava cerca de 30% dos casos no

continente, e esse número aumentou consideravelmente após a implantação da operação no

chifre da África. A pirataria realizada no Atlântico, porém, possui consideráveis diferenças

em relação à realizada próxima de Suez. Enquanto o foco dos piratas somalis era o sequestro

da tripulação de navios mercantes para se pedir um alto valor por sua liberação, o dos piratas

da porção marítima a Oeste é o roubo da carga – no caso petróleo – para venda no mercado

negro – com o refino sendo realizado por refinarias artesanais instaladas nos próprios países

de origem do produto. Além disso, percebe-se a ocorrência de questões secundárias mas não

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menos importantes, como a pesca ilegal – cerca de 40% do pescado local é realizado na

ilegalidade – que diminui a oferta de alimentos para as populações carentes das nações

costeiras, muito dependentes dessa atividade para o seu sustento.

Esse novo alvo dos ataques causa um desafio a mais: a segurança das tripulações dos

navios atacados. Enquanto na Somália elas eram a garantia de que o pirata teria sucesso em

seu objetivo, no Golfo da Guiné elas não possuem essa característica, desvalorizando a vida

do pessoal embarcado. Os Grupos de Ação Pirata (Pirates Action Group, em inglês) mostram,

ao longo dos anos, uma alteração do seu modus operandi. Antes trabalhavam com curtos

sequestros e eram poucos os relatos de óbices nessas ações. Agora já há registro de pessoas

cativas por dois anos e algumas mortes durante a rendição da tripulação. Esses novos

acontecimentos aumentam a preocupação com a segurança dos tripulantes dos navios que

trafegam pelo Golfo da Guiné, tendo em vista a postura cada vez mais agressiva e violenta

adotada pelos criminosos.

Uma preocupação constante entre os países e empresas que marcam presença na

exploração mineral da região é a localidade onde os ataques vêm sendo realizados. De acordo

com dados de 2014, divulgados em uma reunião do Conselho Europeu acerca da questão do

Golfo da Guiné, dos 551 ataques ocorridos na última década, a grande maioria foi registrada

dentro de águas jurisdicionais dos Estados litorâneos, sendo somente 20% registrados em

águas internacionais. Esses dados revelam um grave problema que se abate sobre a segurança

marítima da região: a incapacidade dos países realizarem a devida patrulha que lhes cabe

como nações soberanas sobre tais parcelas territoriais marítimas. Une-se a isso a

responsabilidade que esses países possuem sobre a salvaguarda da vida humana no mar,

estabelecida pelo Safety of Life At Sea (SOLAS), documento internacional que regulamenta

medidas e delega responsabilidades a serem tomadas por indivíduos e Estados acerca desse

assunto. Esses fatores aumentam os custos da exploração devido aos riscos que o

investimento – que deveria ser mais baixo que em outras regiões do globo devido a qualidade

do minério extraído – apresenta, causados pelas questões securitárias.

4.2. Medidas para combater a atuação de piratas

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Levando em consideração essa incapacidade por parte dos países litorâneos do Golfo

da Guiné de garantirem a segurança para a exploração dos recursos minerais depositados nos

leitos marinhos, nações ao redor do mundo vêm tentando prover auxílio a esses parceiros

comerciais. Desde acordos para a formação de pessoal militar – como ocorre no Brasil, com a

presença de aspirantes e cadetes angolanos e nigerianos, além de praças dessas

nacionalidades compondo tripulações de navios brasileiros como forma de estágio – à venda

de equipamento militar e realização de exercícios conjuntos.

Os Estados Unidos da América já vinham buscando aumentar sua presença no

continente africano desde a década de 90, com o crescimento da ameaça terrorista na

Somália. Ataques a embaixadas norte-americanas foram ligados ao grupo terrorista Al-Qaeda,

responsáveis pelos atentados de 11 de Setembro de 2001, aumentando a preocupação com a

escalada do terror na África. Em 2006, o General Bantz Craddock afirmou que o continente

se colocava como o maior desafio de estabilidade na questão de segurança para o United

States European Command (EUCOM) e, em resposta a essa mentalidade, foi criada, no ano

seguinte, a United States Africa Command (AFRICOM). Em um primeiro momento após a

criação dessa unidade de comando, a visão geral dos Estados e organizações africanas sobre a

ação estadunidense foi negativa, incluindo uma oposição explícita por parte dos governos de

Nigéria e África do Sul, duas das maiores potências do continente. Porém, com o passar do

tempo e o aumento das importações de petróleo por parte do país norte-americano, a

AFRICOM passou a realizar exercícios conjuntos com atores locais envolvidos na segurança

marítima e a equipar as forças africanas para que pudessem conduzir a garantia da paz e

realizar apoio humanitário.

Em 2011, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se após um apelo por

parte do Presidente do Benim. Os eventos de pirataria haviam deslocado-se para a costa do

país, que sofreu um grave revés na economia, demonstrado claramente pela queda abrupta de

movimentação no porto de Cotonou, que gera 65% das riquezas do Estado. A taxa, que era de

150 navios por mês, passou para apenas 30. Nessa reunião, foi acordada uma cooperação com

as forças nigerianas para o combate a esses incidentes, conseguindo alcançar o objetivo de

afastar os piratas das águas do Benim, porém aumentando o índice de incidentes nas águas do

Togo, que sofreu 18 ataques em 2012, sendo que encontrava-se livre dessa situação até então.

Em 2011 e 2012, as Nações Unidas chegaram a duas resoluções acerca da questão do Golfo

da Guiné, ambas tendo como foco a importância de se prover treinamento, equipamento e

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recursos para o combate à pirataria, além de incentivar a cooperação regional como forma de

diminuir a incidência de ataques.

Entidades locais, como a Economic Community of West Africa States (Ecowas), e a

Economic Community of Central Africa States (ECCAS) também têm buscado estabelecer

linhas de ação que favoreçam o combate ao crime que tanto prejudica o comércio exterior de

seus Estados-membros. A organização dos países da África Ocidental vem desenvolvendo a

ECOWAS Integrated Maritime Strategy (EIMS), enquanto a da África Central possui o plano

mais desenvolvido acerca de segurança marítima, aprovado desde 2008. Já a Maritime

Organization of Western and Central Africa (MOWCA) possui um objetivo mais ambicioso,

visando a criação de uma rede integrada das guardas costeiras da região.

A União Europeia também vem adotando estratégias para a região do Golfo da Guiné,

visto que muitos de seus membros possuem fortes relações com a exploração mineral da

região. Tentando combater o cerne do problema, os países europeus afirmam auxiliar o

desenvolvimento socioeconômico das nações litorâneas, promovendo o reforço das

instituições internas desses países através de programas regionais e bilaterais. A pesca

também é abordada pelas políticas europeias para o golfo. A UE vem registrando atividades

de pesca ilegal e, dessa forma, contribui para a regulamentação da pesca local e,

consequentemente, para o desenvolvimento da atividade.

Durante reunião do G8, no ano de 2011, foi criado o Group of Friends of Gulf of

Guinea (FOGG), buscando maximizar o apoio internacional a medidas antipirataria na

região. Esse grupo visa incentivar a cooperação entre os Estados locais e os Estados e

empresas que desejam explorar as riquezas da região, e fomentar a mentalidade de que o

desenvolvimento de um sistema político e judiciário responsáveis para com suas atribuições é

algo fundamental para se alcançar o objetivo de reduzir a pirataria.

Além de todas essas medidas, outras nações também vêm agindo de maneira bilateral

com os países banhados pelo Golfo da Guiné. Entre eles podemos citar Brasil, China, Índia e

África do Sul, todos com acordos para o desenvolvimento de políticas para um fortalecimento

institucional. Na Escola Naval brasileira, por exemplo, fazem o curso de formação de

oficiais, juntamente aos aspirantes brasileiros, 4 angolanos, 1 nigeriano, 5 senegaleses, entre

outros aspirantes de nacionalidades africanas que podem ser incluídos como parte do projeto

de reforço das instituições dos Estados costeiros da África Ocidental.

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5. A importância de uma integração regional

A importância que todas essas medidas possuem para o combate à pirataria a ao roubo

armado na região do Golfo da Guiné é irrefutável. Melhores condições de vida para as

populações locais, busca de incentivos para a região, gerando mais oportunidades de emprego

e a existência de Marinhas mais bem equipadas, capazes de promover e manter a paz nas

águas dos países costeiros e de exercer suas responsabilidades sobre a salvaguarda da vida

humana no mar, são imprescindíveis para que o cenário do Oeste africano torne-se mais

propício à exploração de seus recursos minerais sem por em risco as pessoas que lá estarão

realizando essa atividade. Todas elas são medidas que devem ter um reflexo muito positivo

para a região em um período de médio a longo prazo, porém, devido à relevância da

exploração de hidrocarbonetos nos leitos marinhos dos Estados costeiros para nações ao redor

do mundo que veem nessa área uma alternativa para o combustível importado de países e

localidades historicamente conflituosas – como é o caso de Rússia e Oriente Médio,

principalmente – a situação de ameaça que o cenário da África atlântica oferece para os

navios e plataformas que lá instalam-se exige ações eficazes no sentido de garantir a

segurança para a realização das atividades de explotação, comércio e navegação.

5.1. Empecilhos para a atuação estrangeira na região

O petróleo extraído do Golfo da Guiné vem representando uma maior parcela das

importações do minério em diversos Estados. Muitos deles têm a região como sua maior

parceira comercial quando se trata do combustível fóssil, e esse cenário cobra que medidas de

curto prazo também sejam pensadas e executadas. Poucas opções se apresentam no campo

diplomático ao se pensar em ações a serem tomadas de forma mais acelerada, surgindo,

assim, a necessidade da presença de meios militares nas águas jurisdicionais dos países do

golfo, podendo-se estender a águas internacionais em casos de ameaças a rotas marítimas.

Os Estados litorâneos possuem diversas limitações em seus poderes navais, seja

devido a quantidade de meios disponíveis para a realização de patrulhas navais, seja pela

baixa autonomia dos navios das Marinhas locais, em sua maioria pequenos navios de patrulha

para operações de curta duração. Somando-se todos os navios que elas possuem, menos de

uma dezena é composta de belonaves de grande porte – como fragatas, destroyers e corvetas

– capazes de permanecer mais tempo em atividade no mar, com a missão de patrulhar uma

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enorme área marítima compreendida dentro das duzentas milhas náuticas de cada um dos

países – região prevista como zona econômica exclusiva do país costeiro de acordo com a

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).

Tendo em vista essa situação, o apoio por parte de países de fora da região passa a ser

preciso em áreas práticas, como a presença de meios dessas nações parceiras auxiliando na

realização de missões de patrulha que visem impedir, combater e punir a ação de criminosos

dentro e fora das águas territoriais dos Estados da região. Parcerias com os países do Golfo da

Guiné são das mais diversas, como já demonstrado anteriormente, porém, são poucas as que,

atualmente, estariam dispostas a prover esse auxílio e teriam sua presença militar bem aceita

na região.

O cenário mundial vive um grave momento de tensão entre grandes potências

militares. Dentre elas, estão praticamente todos os atores que possuem interesses na questão

marítima do Oeste africano. Estados Unidos da América, República Popular da China e

União Europeia, fortes investidores na atividade de exploração de riquezas minerais no local,

passam por situações que demandam um alto nível de atenção e preparação dos

departamentos de defesa e segurança internos. O país da América do Norte, juntamente de

seus parceiros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), tem convivido com

questões que levantam enormes preocupações em diversos aspectos, como econômico,

humanitário e, principalmente, securitário. Entre eles, dois merecem maior destaque: a Crise

na Síria, e a situação no Leste Asiático.

A guerra no Oriente Médio, que vem se prolongando sem uma previsão para término,

passa por frentes diversificadas. A maior e, talvez, a mais ameaçadora para o mundo como

um todo é o conflito entre o governo de Bashar al-Assad, apoiado pela Rússia, e rebeldes que

pedem a saída do governante, apoiados, ao menos num primeiro momento, pelos EUA e pela

UE. Recentemente, um cessar-fogo foi acordado e um cenário de esperança para o fim das

hostilidades foi criado, porém, em pouco tempo, ele foi rompido com um bombardeio aéreo.

A partir desse episódio, Moscou e Washington aumentaram o tom das acusações – incluindo

acerca do referido bombardeio que rompeu com o acordo – e já não demonstram otimismo

sobre um possível novo arranjo pacífico. A comunidade internacional vem aparentando muita

preocupação sobre esse conflito, materializado no principal objetivo do novo Secretário-

Geral da ONU, o português Antônio Guterrez: a paz na Síria. As escaramuças na península

Arábica, porém, não se resumem à questão síria. A presença do grupo terrorista Estado

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Islâmico (EI), responsável por atentados que aterrorizaram o mundo, como os de Paris, no

fim de 2015, representa outra ameaça para os países da OTAN, que formou uma coalizão para

bombardeios de alvos do grupo na Síria e no Iraque. Há conflitos também no Iêmen,

resultantes da constante guerra entre sunitas e xiitas dentro do mundo islâmico, somada ao

movimento que ficou conhecido como Primavera Árabe – origem também da Guerra Civil

Síria. Todos essas situações agravam uma outra crise que vem trazendo enormes desafios

para a Europa: a crise dos refugiados, que, buscando fugir dessas ameaças, põem a própria

vida em risco para tentar chegar ao velho continente.

A República Popular da China, por sua vez, vem aumentando significativamente o

tamanho da Marinha do Exército de Libertação Popular. O Estado com a segunda maior

economia do mundo possui grandes reivindicações de soberania sobre áreas marítimas e ilhas

no Mar do Sul da China, região de imensurável importância para a navegação e comércio

internacional, visto que mais da metade da frota mercante mundial passa por ele anualmente,

além de possuir grandes reservas de recursos minerais. A China argumenta que foi a primeira

nação a exercer soberania sobre as ilhas e águas em questão e que, ao fim da Segunda Guerra

Mundial, na ocasião em que os territórios chineses foram devolvidos pelo Japão, essas áreas

estavam entre eles. Esse argumento, entre outras alegações históricas, vem acompanhado do

maior crescimento da Marinha chinesa em toda a história. O país demonstra uma enorme

capacidade de construção naval, lançando ao mar diversos meios combativos em curtos

intervalos de tempo, e erguendo ilhas artificiais em porções marinhas em disputa. Em

resposta a isso, os EUA reforçam sua presença no Pacífico e a 7ª Frota, sediada no Japão,

vem realizando exercícios constantes com parceiros na região. Nesse cenário, vale ressaltar a

questão das Filipinas, onde o atual presidente, Rodrigo Duterte, vem afastando-se da

tradicional aliança com os norte-americanos, gerando ainda mais preocupação para

Washington.

Ainda na Ásia, surge outra grande ameaça para a segurança internacional. A Coreia do

Norte, do ditador Kim Jong-Un, vem realizando testes de armamentos nucleares, gerando um

grande temor por parte dos países vizinhos, principalmente a Coreia do Sul, histórica rival do

Estado comunista. Mísseis, supostamente lançados por ela em um de seus testes, caíram não

muito distantes da costa japonesa, e a reação que os EUA e seus parceiros na região vem

tendo é a realização de diversos exercícios militares conjuntos, como sinal de prontidão para

um possível enfrentamento.

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A comunidade internacional vem enfrentando diversos desafios em um momento de

extrema importância para todas as nações ao redor do globo. O momento pode ser

considerado como chave para a definição de uma ordem mundial mais adequada ao século

XXI, e diante de todas essas ameaças à balança de poder atual, a questão do Golfo da Guiné,

por mais importância que tenha para os principais atores dessa ordem, vive uma necessidade

de maior atenção e cuidado por parte de todos os interessados em suas riquezas. É nesse

cenário que cresce a importância de um parceiro próximo geograficamente, com contato

direto com todas as nações do golfo e com capacidade prática para ajudar na garantia da

segurança local.

5.2. A presença brasileira e investimentos para o futuro

A política brasileira para o Atlântico Sul é facilmente compreendida ao se observar a

organização multilateral com Uruguai, Argentina e os países do litoral Oeste da África: a

Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. Ela foi criada na década de 1980 como resposta

a uma possível Organização do Tratado do Atlântico Sul (Otas), pensado pela Argentina ao

fim da Guerra das Malvinas e com forte apoio dos EUA. Brasil e Nigéria não apoiavam a

ideia de uma militarização da região, propondo, então, a criação de uma zona de paz e

cooperação, visando evitar a presença de armamentos nucleares na porção Sul do oceano e

minimizar a presença militar de países estrangeiros. Com esse ideal, a organização foi criada

em 1986 e sete reuniões ministeriais aconteceram. Desde a primeira, em 1988, até a

penúltima, em 2007, as diretrizes eram sempre em relação formas cooperação entre os

Estados-membros. Isso mudou na última, em 2013, no Uruguai, onde foram discutidos temas

acerca de novas ameaças, como terrorismo e pirataria, além do Brasil ter oferecido dividir

seus conhecimentos acerca de operações search and rescue (SAR), patrulha marítima e

pesquisas na plataforma continental – ressaltando que o Brasil é pioneiro na pesquisa sobre

uma possível extensão dela, com o Plano de Levantamento da Plataforma Continental

Brasileira (Leplac) – que, se provado seu prolongamento para além das duzentas milhas

náuticas previstas na CNUDM, pode aumentar os limites da zona econômica exclusiva do

país costeiro.

O Atlântico Sul tornou-se uma área de grande importância estratégica para o Brasil – sendo

comparado com a Amazônia ao se criar o conceito de Amazônia Azul, área que compreende a

soma do mar territorial, da zona contígua, da ZEE e do pleito de extensão da ZEE junto a

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Organização Marítima Internacional (OMI). A II Política de Defesa Nacional (PDN), de

2005, e a Estratégia Nacional de Defesa (END), de 2008, o caracterizam como espaço

prioritário para a defesa nacional, baseando-se na proteção das diversas riquezas minerais

presentes na ZEE brasileira e nas pretensões do Brasil de se portar como ator global. Dessa

forma, a Zopacas e todas as políticas brasileiras para a costa atlântica da África ganharam

uma nova dimensão, estreitando os laços de cooperação militar entre os dois continentes

unidos pelo oceano. A Embraer – empresa do campo de aviação e a brasileira com mais

investimentos na área de defesa – vendeu aeronaves do tipo EMB 314 “Super Tucano” para

Angola, Burkina Faso e Mauritânia. Com a Nigéria, o Brasil assinou um acordo onde o país

africano demonstrava interesse em adquirir navios produzidos pela estatal brasileira Empresa

Gerencial de Projetos Navais (Emgepron). São Tomé e Príncipe – país integrante da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) – recebeu, recentemente, uma missão

naval brasileira, com o objetivo de auxiliar o país a construir sua Marinha e a realizar

pesquisas relativas a sua plataforma continental. Outra medida de apoio é a realização de

exercícios conjuntos com Marinhas africanas, tendo como principal exemplo a operação

Ibsamar, envolvida numa cooperação trilateral entre Índia, Brasil e África do Sul (Ibas).

Todos os exemplos apresentados reforçam o aumento da presença do Estado sul-

americano nas proximidades da costa oeste africana. Nesse cenário, o mais ambicioso projeto

da Marinha do Brasil possui um papel muito importante. Desde a década de 1970, é o poder

naval que investe no desenvolvimento de tecnologia relativa a energia nuclear, e, com esse

foco no progresso tecnológico, foi possível, juntamente à França – representada pelo apoio da

francesa DCNS – elaborar o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (ProSub). Esse

projeto prevê a construção de quatro submarinos convencionais, baseados na classe francesa

“Scorpène”, e um com propulsão nuclear – que colocará o Brasil no pequeno grupo de países

que operam esse tipo de navio – além de uma base para essas belonaves na cidade de Itaguaí,

no estado do Rio de Janeiro. O lançamento dessas armas ao mar incluirá um enorme poder de

negação do uso mar ao país, e o submarino de ataque movido à propulsão nuclear, com sua

grande autonomia e capacidade de ocultação, será um grande incremento da presença

brasileira no Atlântico Sul.

Essas medidas de parceria sul atlântica, porém, retomam a questão do médio a longo

prazo para surtirem efeito. O novo cenário de risco que as porções de água mais a Leste do

oceano apresentam requerem uma atuação que impeça a ação de criminosos num curto prazo,

o que traz de volta a importância de uma presença militar na região. Como demonstrado

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anteriormente, os países africanos banhados pelo Golfo da Guiné não vêm conseguindo

garantir a segurança regional por seus próprios meios, mas um auxílio por parte dos

principais investidores na atividade extrativista na região não se mostra possível devido às

diversas preocupações que elas possuem ao redor do globo. É nesse momento que o Brasil

surge como a mais forte opção de amparo à situação perigosa por que passa o local, e são

diversos os aspectos que favorecem uma ação brasileira na região. A ausência de conflitos

pela parte brasileira coloca o país em posição privilegiada para prover a ajuda necessária; as

boas relações políticas possibilitam o apoio dos Estados africanos a possíveis operações

conjuntas de garantia da segurança; e a experiência existente na nação sul-americana em

operações desse porte são os exemplos mais claros de como o Brasil surge como principal

opção de apoio à região.

A nação brasileira é conhecida no cenário internacional como uma das mais pacíficas

do mundo. Ela não participa de um combate desde a II Guerra Mundial, e, desde então, vem

ganhando a confiança da comunidade internacional através do apoio dado a missões de paz.

Esse cenário faz com que o Atlântico Sul seja o grande foco brasileiro na questão de defesa,

algo altamente favorável quando se fala sobre a necessidade de apoio mais incisivo aos países

banhados pelo Golfo da Guiné. Enquanto grandes investidores na região estão preocupados

com conflitos ao redor do mundo, a situação no oeste africano continua instável, e um país

que esteja com suas atenções voltadas para o oceano em questão aparece como forte

esperança de auxílio no combate a esses desafios.

A instabilidade dos Estados africanos é um grave problema que assola a região

historicamente. Com índices de corrupção altíssimos, o continente africano sofre com a perda

de credibilidade da classe política. O apoio brasileiro, porém, consegue contornar essas

questões que seriam altamente prejudiciais para uma ajuda marcada pela presença física nos

territórios marítimos desses países. As boas relações mantidas entre Brasil e os países

africanos voltados para o Atlântico mantêm-se independente de reviravoltas no campo da

política, e isso reforça o fato de que uma presença brasileira garantindo a segurança na região

não teria grandes contestações por parte de seus parceiros transatlânticos.

A Organização das Nações Unidas, recentemente, estabeleceu a primeira missão de

paz marítima em seu âmbito: a Força Tarefa Marítima da Força Interina das Nações Unidas

no Líbano (FTM-UNIFIL). Com a missão de retirar as forças israelenses do Sul do Líbano e

de auxiliar na retomada de autoridade sobre a região por parte do Estado libanês, essa força

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está sob o comando brasileiro e têm em uma fragata da Marinha do Brasil seu navio

capitânia. Essa experiência com uma força-tarefa marítima capacita o país a operar no mar

em conjunto com outras nações em prol de um objetivo comum, e isso é completamente

adaptável para a questão do continente africano. Liderados por meios brasileiros, uma força

composta por integrantes da Zopacas seria capaz de garantir a paz e a segurança necessárias

para a realização das atividades econômicas locais, incluindo-se a pesca e o extrativismo

mineral.

5.3. Vantagens para o Brasil no cenário internacional

O Brasil possui uma grande aspiração por uma reformulação da forma como são

tomadas as decisões na comunidade internacional. A organização pós II Guerra Mundial que

a Organização das Nações Unidas traz consigo como expoente de decisões para o cenário

mundial está, desde sua criação, com o mesmo formato, basicamente. A questão do Golfo da

Guiné, de enorme importância para os principais atores do globo, é uma grande oportunidade

para o Brasil mostrar sua capacidade de provedor da paz e da segurança para seus parceiros e

para o mundo, e chamar a atenção para a necessidade de se atualizarem os meios decisórios.

Ao se portar como provedor da paz em uma parcela significativa do globo terrestre,

um país alcança grande reconhecimento e respeito ao redor do mundo. Sua palavra ganha

importância em debates acerca do assunto e ele passa a ser visto como capacitado para a

tomada de decisões sobre a questão de segurança. É nesse papel que entraria o Brasil ao

liderar a estabilização do Golfo da Guiné e, consequentemente, do Atlântico Sul, tudo isso

dentro do comportamento pacífico pelo qual o país é conhecido internacionalmente.

A proposta da Zopacas de reduzir a presença militar estrangeira na região possui o

apoio de países-chave do cenário africano, principalmente a Nigéria. A situação pela qual o

Golfo da Guiné vem passando ameaça esse objetivo quando põe em risco a segurança de

trabalhadores de empresas europeias, americanas e chinesas lá instaladas. Dessa forma, faz-se

necessário mostrar para esses países que as nações sul atlânticas são, de fato, capazes de

garantir a segurança em suas águas, e o Brasil, como maior marinha do Hemisfério Sul e

principal ator do grupo, deve assumir essa liderança.

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6. Conclusão

Em um cenário mundial onde os combustíveis fósseis ainda são a grande fonte

energética, um espaço cheio de riquezas minerais como o Atlântico Sul ganha grande

relevância. As recentes descobertas de reservas de hidrocarbonetos em ambos os lados do

oceano aumentaram o interesse da comunidade internacional sobre a região, historicamente

deslocada do principal eixo de relações entre os maiores atores globais. Essa mudança trouxe

altos investimentos, fazendo economias crescerem e parcerias serem firmadas,

principalmente no âmbito econômico.

As ameaças, porém, surgem na forma de um inimigo conhecido e perigoso: a pirataria

e o roubo armado. O aumento das tensões na região é bastante preocupante para os países

locais, que já sofrem com diversas questões humanitárias, somando-se, com a nova situação,

riscos econômicos e ambientais. Dessa maneira, muitas medidas vêm sendo tomadas, tanto

localmente, como internacionalmente, entretanto todas visam a resolução do problema num

período de médio a longo prazo.

Num cenário onde vidas são ameaçadas a cada ataque, ações a curto prazo capazes de

detectar, impedir e punir a atuação de criminosos na região fazem-se necessárias, mas os

grandes investidores na região não conseguem conceder a atenção devida ao caso, pois

passam por um momento de enorme tensão em outras áreas do planeta, trazendo a

necessidade de uma forte integração regional. Ainda assim, os países da costa oeste africana

não demonstram capacidade de garantir a segurança para as atividades de exploração da

região, necessitando de um apoio externo mais direto, que não se restrinja ao campo

diplomático e comercial.

O Brasil, então, surge como grande opção de provedor desse apoio capaz de garantir,

de fato, a estabilização da região. Suas ótimas relações com as nações africanas, somadas à

experiência em forças marítimas internacionais e à sua preocupação que os crimes possam

atrair a presença militar de nações estrangeiras, o colocam nessa posição tão favorável para

conseguir alcançar esses objetivos. As consequências dessa ação seriam de extrema

importância para a política externa brasileira, pois aumentariam a relevância do país no

cenário mundal, aproximando-o de seu grande objetivo de se portar como ator global e de ser

reconhecido como tal.

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O Atlântico Sul vem ganhando dimensões inesperadas. Suas riquezas recém-

descobertas e as ameaças que se impõem sobre a sua exploração fizeram com que o mundo

olhasse mais atenciosamente para a região. O Brasil tem o dever e a oportunidade de mostrar

para o mundo que essa porção do oceano é um espaço de paz e crescimento, defendida por

seus próprios Estados costeiros, tendo a nação verde e amarela como o principal líder na

provisão da segurança local.

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