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Novembro de 2019

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Novembro de 2019

Recuperação doméstica em curso, mas os desafios persistem

Conforme previsto em edições anteriores do Boletim Macro IBRE, tudo indica que o desempenho da economia brasileira tem melhorado no segundo semestre, levando o crescimento do PIB de 2019 para perto de 1% (1,1%, pela projeção do FGV IBRE). Confirma-se, assim, que a retomada cíclica da economia brasileira está em curso e deve se estender pelos próximos trimestres.

Na contramão dos indicadores brasileiros, o cenário para a economia mundial é de desaceleração. No ano passado, o PIB mundial cresceu 3,6%. Este ano, segundo estimativas do FMI, deve crescer menos, na faixa dos 3%. Acreditamos que 2020 deve ter uma expansão ligeiramente maior que a deste ano. Mas ainda existe muita incerteza sobre a intensidade da desaceleração, pois há muita heterogeneidade nos dados econômicos divulgados. Por um lado, a desaceleração do comércio mundial, do setor industrial e dos investimentos é expressiva, mas, pelo outro, observa-se uma maior resiliência no setor de serviços e no consumo das famílias.

Trata-se, em certa medida, de uma crise gerada pela guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, crise que tem mostrado algum arrefecimento nas últimas semanas. Embora um acordo completo entre EUA e China seja improvável, um acordo parcial, denominado Fase 1, cuja negociação está em curso, reduzirá significativamente o risco de novas tarifas, pelo menos até a próxima eleição nos EUA. A China deve aumentar as importações de produtos agrícolas dos EUA, assegurar a propriedade intelectual e não intervir para depreciar o yuan, entre outros pontos. Em troca, o governo americano deve remover as tarifas mais recentes, de 15%, em vigor desde 1º de setembro, sem aumento de outras tarifas, e considerar oficialmente que a China não é um país que manipula a sua moeda.

Além disso, ficou menor o risco de um Brexit sem acordo, enquanto os dados americanos mostram que o risco de recessão nos EUA diminuiu. Há, também, sinais de estabilização do crescimento na Europa, mesmo que em um patamar baixo. E, na China, o processo de desaceleração continua, mas tem sido gradual.

Em parte, a economia mundial tem se beneficiado da flexibilização da política monetária global em 2019. Essa tem evitado uma desaceleração mais intensa da atividade, ainda que tenha se mostrado insuficiente para elevar o crescimento de maneira significativa. A flexibilização da política monetária global este ano também deve ter um efeito positivo na atividade industrial global em 2020, contribuindo para uma melhora do cenário. Mas, mesmo assim, ainda há muitas incertezas, o que tem contribuído para conter o investimento em escala global, diminuindo o potencial de crescimento em diversas regiões.

Na América Latina, as últimas semanas foram bem adversas. Eventos domésticos têm impedido a recuperação econômica da região: protestos no Chile, eleição na Argentina, embates políticos no Peru, incertezas políticas no México e conflitos na Bolívia.

Porém, no Brasil, pelo menos, os dados divulgados seguem consistentes com nossa expectativa de uma recuperação econômica gradual. Projetamos crescimento do PIB de 0,4% no terceiro trimestre deste ano e de 0,9% no último, este impulsionado pela forte alta do consumo das

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famílias, decorrente, em grande medida, da liberação das contas do FGTS. Para 2020, revisamos o crescimento de 1,8% para 2,0%, devido a um melhor desempenho esperado para a indústria, de 1,4% para 2,4%, com revisões nos principais segmentos: extrativa, construção e indústria de transformação. Pelo lado da demanda, esperamos uma aceleração da demanda interna de 1,7% em 2019 para 2,4% em 2020, com a demanda interna privada acelerando de 2,1% para 2,8%.

Sem dúvida, os principais fatores por trás da aceleração da atividade econômica são a queda da taxa de juros e a retomada do crédito privado. No entanto, ainda não esperamos uma retomada mais forte para 2020. Entre os motivos, como discutido acima, temos um cenário externo ainda desafiador, com a Argentina em recessão, dificultando uma recuperação mais expressiva da indústria de transformação, em que pese estarmos com câmbio competitivo.

Apesar de esperamos um crescimento do consumo das famílias de 2,6% em 2020, ante 2,0% este ano, metade desta alta decorrerá do elevado carregamento estatístico para 2020, de 1,3%, indicando que a expansão na margem será mais moderada do que sugere o indicador para o ano. Isso reflete o fato de que, mesmo com a recuperação econômica, a taxa de desemprego continuará elevada, recuando de 12,0% (média do ano) para 11,8%, com uma aceleração modesta do crescimento da renda habitual real, de 0,4% para 0,6%. A elevada informalidade é um fator que contribui para o baixo aumento da renda. Outro ponto que também limita a alta da renda é a inflação de alimentos, que acelerou neste último trimestre e deve continuar subindo até meados do ano que vem, corroendo o poder de compra das famílias. Esses fatores também limitam um crescimento mais expressivo da construção civil em 2020.

E, por fim, mesmo com a redução da incerteza econômica em outubro, esta segue em patamar muito elevado, reduzindo o ímpeto dos investidores. Ainda assim, avaliamos que o investimento deve acelerar de alta de 2,8% em 2019 para uma expansão de 4% no próximo ano. Lembrando que o aumento do investimento em 2019, excluindo as importações de plataformas de petróleo, deve ser um pouco mais fraco, de 2,4%.

De fato, para crescermos a taxas mais elevadas, temos que superar os desafios fiscais e elevar os ganhos de produtividade da economia. Ainda há muito a ser feito.

No mais, esta edição do Boletim Macro IBRE inclui os seguintes destaques:

1) Na seção sobre atividade econômica, discute-se que os principais indicadores da atividade reagiram em setembro, confirmando as expectativas registradas no Boletim Macro de outubro. Estimamos crescimento de 0,4% TsT (0,9% AsA) no terceiro trimestre. Além disso, a expectativa é de aceleração no último trimestre do ano. Para o ano de 2019, nosso cenário base é de crescimento de 1,1%. O cenário atual, de inflação controlada, taxa básica de juros em patamares historicamente baixos e em queda, expansão do crédito e consequente melhora das condições financeiras, cria condições favoráveis para o avanço da atividade econômica. As condições devem ficar ainda mais favoráveis com a entrada adicional de recursos neste fim de ano, por conta dos saques do FGTS. Por outro lado, a confiança segue em níveis baixos e o desemprego elevado impede avanço consistente da renda das famílias. Esses são alguns entraves ainda presentes na economia brasileira. (Seção 1)

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2) Na seção sobre confiança, discute-se que os indicadores apresentaram acomodação em outubro em relação a setembro. Esse resultado decorre da redução das expectativas, revelando que empresários e consumidores se mantêm cautelosos com a perspectiva de continuidade da tendência de aceleração da economia. Andando em direção oposta, a percepção sobre o momento presente segue positiva, tanto em empresários quanto consumidores, possivelmente influenciada pela liberação de recursos do FGTS. Incerteza ainda elevada, desempenho lento da confiança da indústria e arrefecimento das expectativas acendem o sinal de alerta para os próximos meses. (Seção 2)

3) Na seção de mercado de trabalho, enfatizamos que o emprego informal tem ganhado protagonismo. A alta persistente da informalidade tem efeitos adversos sobre a produtividade do trabalho. Além disso, apresentamos os dados mais recentes da Pnad Contínua, que indicam que a taxa de desemprego ficou estagnada no mês de setembro. Esses dados reforçam a expectativa de uma retomada lenta dos indicadores de mercado de trabalho. Em especial, projetamos que a recuperação do mercado de trabalho seguirá com queda muito gradual do desemprego. A nossa projeção para a taxa de desemprego de outubro é de 11,6% e para as médias de 2019 e 2020 seguimos com previsões de 12,0% e 11,8%, respectivamente. Já o saldo efetivo de emprego formal foi de 70 mil em outubro, em linha com nossa projeção, de 69 mil. Para o saldo de emprego formal acumulado no ano de 2019 e 2020, projetamos resultados de 586 mil e 702 mil vagas, respectivamente. (Seção 3)

4) Na seção fiscal, busca-se descrever como estão organizados os fundos públicos e inferir se, de fato, a PEC 187/2019 contribui para melhor alocação e gestão dos recursos públicos. Segundo a PEC 187/2019, os fundos infraconstitucionais que não forem ratificados em até dois anos serão extintos e os recursos utilizados para abater a dívida pública. Nesse sentido, a PEC 187/2019 busca extinguir, no âmbito do governo federal, até 248 fundos governamentais infraconstitucionais, sendo 165 deles criados antes mesmo da Constituinte. A estimativa realizada pelo próprio governo é de que os recursos auferidos com a medida possam chegar a até R$ 219 bilhões, em torno de 3,1% do PIB. Assim, é importante avaliar dois pontos com relação à PEC: o primeiro diz respeito à importância de cada fundo sob o ponto de vista econômico e, o segundo, à efetividade na redução da dívida pública. (Seção 4)

5) Com relação à inflação, após cinco meses registrando variações em torno de 0,10%, o IPCA deve surpreender nos últimos dois meses do ano, quando são aguardadas variações de 0,5%, segundo o Monitor da Inflação da FGV. A intensificação de efeitos sazonais típicos do verão e o reajuste de preços administrados serão os responsáveis pela abrupta aceleração do índice. Quedas menos intensas dos preços de alimentos in natura, aumento do preço das carnes bovinas, mudança da bandeira tarifária de amarela para vermelha e o reajuste dos jogos lotéricos contribuirão para a aceleração da inflação. (Seção 5)

6) Na seção sobre política monetária, nosso analista examina a preocupação do BC com o aumento de incerteza acerca do mecanismo de transmissão da política monetária, em larga medida derivado das recentes mudanças nos mercados de crédito e de capitais. Em síntese, nosso analista conclui que: a) seguramente tem se ampliado a sensibilidade de variáveis como a atividade e a inflação a alterações de política monetária, mas tal ampliação possivelmente ainda se mostra modesta, uma vez que a segmentação do mercado de crédito permanece

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elevada; b) as recentes emissões de ações e renda fixa no mercado de capitais têm permitido a melhora da saúde patrimonial das empresas, mas ainda não trazem sinais de mobilização das empresas em torno de novos projetos de investimento, caso em que teríamos maior garantia de continuidade do processo; c) no crédito bancário, o crescimento que se verifica é no segmento livre, puxado pelo crédito pessoal, não sendo possível assegurar que isto represente sinal de boas perspectivas para a expansão do consumo das famílias. Por certo, o BC continuará monitorando de perto as questões aqui discutidas. De imediato, porém, não parece que estejamos diante de uma transformação de grandes proporções. (Seção 6)

7) Na seção do setor externo, nossa analista destaca que, em 25 de janeiro de 2019, o Relatório de Mercado Focus do Banco Central projetava para 2019 um superávit na balança comercial de US$ 52 bilhões. Já em 14 de novembro a projeção havia mudado para US$ 46,5 bilhões. O texto explora a questão de como explicar essa mudança na projeção. As importações cresceram, mas num cenário em que a taxa de crescimento do PIB projetado em novembro é menor do que em janeiro. A queda nas exportações associada ao menor crescimento do comércio mundial parece ser, portanto, o principal fator para explicar a redução no déficit comercial. (Seção 7)

8) Na seção internacional, discute-se o término do ajuste de juros de meio de ciclo nos Estados Unidos. Ano passado estava em curso um ciclo de subida da taxa básica de juros. Contudo, o ciclo não somente terminou no segundo semestre de 2018, como em dezembro do mesmo ano o Fed comunicou que iria reverter o processo. Ao longo de 2019, houve três cortes de 0,25 ponto percentual cada. Hoje os fed funds variam na faixa de 1,50% a 1,75%. Nossas simulações sugerem que, se a taxa de desemprego se mantiver nos baixos níveis de hoje, a componente cíclica da inflação estará rodando a 2,5% no último trimestre de 2021. Tudo sugere também que, nesse período, a componente tendencial se aproximará da cíclica, aquela vinda de valores inferiores a esta. Ou seja, parece que inflação não será um tema nos próximos 24 meses na economia americana. (Seção 8)

9) No Observatório Político, nosso analista convidado discute sobre algumas possíveis consequências da soltura de Lula e a essência de suas táticas ao longo de toda sua carreira política – cuja síntese é apagar “incêndios que ajudou a soprar”. Argumenta-se que essa estratégia tem baixa probabilidade de sucesso na atual quadra política nacional. Portanto, se Lula e o PT quiserem ter não apenas sucesso eleitoral, mas também contribuir para a manutenção do regime democrático e o renascimento da política, é imperativo que compreendam a nova quadra histórica em que vive o país e mudem suas táticas. (Seção 9)

10) E por fim, a Seção Em Foco, de autoria da pesquisadora Ana Castelo, discute as perspectivas para o setor da construção civil. (Seção 10)

Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos

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1. Atividade Econômica

Ritmo de crescimento da atividade econômica acelera em setembro

Em setembro, os principais indicadores

da atividade econômica mostraram

reação, confirmando as expectativas

registradas no Boletim Macro de outubro.

O comércio varejista ampliado avançou

4,3% em setembro, na comparação com

o mesmo mês do ano passado, resultado

positivo que também se refletiu na

Pesquisa Mensal dos Serviços, que

cresceu 1,5% nessa mesma base de

comparação. Até mesmo a indústria de

transformação, após três meses

consecutivos de queda interanual, reagiu

no último mês do trimestre, crescendo

1,6% ante setembro do ano passado, o

que compensou parcialmente as perdas

registradas nos meses anteriores.

Tendo em vista que o cenário de

setembro veio em linha com nossas

expectativas, nossa projeção para o PIB

do terceiro trimestre sofreu apenas

revisões marginais. Projetamos crescimento de 0,4% TsT (0,9% AsA) no terceiro trimestre. Para

o ano de 2019, nosso cenário base é de crescimento de 1,1%.

O IBGE divulgou este mês o PIB anual de 2017, que passou de 1,1%, segundo as contas nacionais

trimestrais, para 1,3%. Os responsáveis pela alta foram o setor de serviços e a agropecuária,

com destaque para a mudança positiva em serviços de informação, cuja revisão chegou a 2,4

p.p. Também chamou a atenção a revisão negativa da Construção Civil, cuja queda efetiva foi

de 9,2%, ante o recuo de 7,5% divulgado previamente nas contas trimestrais. Por outro lado, a

indústria de transformação cresceu mais com a divulgação (de 1,7% para 2,3%). Por conta da

atualização dos dados de 2017, a base de 2018 nas contas trimestrais será revista, implicando

maior incerteza das projeções para o terceiro trimestre, principalmente nos setores que

sofreram grandes revisões em 2017. O Monitor do PIB-IBRE/FGV buscou antecipar as revisões

que serão efetuadas pelo IBGE nas séries históricas das Contas Nacionais Trimestrais,

resultando em uma projeção de 0,1% TsT (0,9% AsA) para o terceiro trimestre.

Pelo lado da oferta, esperamos crescimento mais forte da agropecuária, queda mais suave da

indústria total e alta ligeiramente mais fraca dos serviços quando comparado ao cenário

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Tabela 1: PIB: Projeções

Fonte e Elaboração: IBRE/FGV

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anterior. No setor industrial, o crescimento mais intenso da construção civil se justifica pela

melhora recente nos indicadores de emprego formal no setor, alta no consumo aparente de

cimento e na produção de insumos típicos da construção civil. Além disso, espera-se queda

menos pronunciada da indústria extrativa, que segue em recuperação após grande recuo

acumulado na produção de minério de ferro.

Pelo lado da demanda, um dos destaques é o crescimento do consumo das famílias de 1,8%

AsA (0,6% TsT), impulsionado pelo início da liberação dos recursos do FGTS em setembro. Outro

destaque é a alta do investimento de 2,1% AsA (1,5% TsT) que, conforme ressaltado no Boletim

Macro de outubro, está inflado por conta da significativa importação de plataformas de

petróleo em setembro. Diante disso, o investimento deve crescer 2,8% no ano; ao

desconsiderar a importação de plataformas de petróleo, esse número cairia para 2,4%.

A expectativa é de aceleração no último trimestre do ano. O cenário atual de inflação

controlada, taxa básica de juros em queda e em patamares historicamente baixos, expansão do

crédito e consequente melhora das condições financeiras cria condições favoráveis para o

avanço da atividade econômica, que ainda deve ser intensificado pela entrada adicional de

recursos neste fim de ano com os saques do FGTS. Por outro lado, a confiança segue em níveis

baixos, sinalizando que o empresário ainda está cauteloso em suas decisões de investimento, e

o desemprego elevado impede avanço consistente da renda das famílias. Estes configuram

alguns entraves ainda presentes na economia brasileira.

Silvia Matos e Luana Miranda

2. Expectativas de Empresários e Consumidores

Acomodação na Confiança

Os Índices de Confiança, que vinham se mantendo em lenta recuperação desde junho,

acomodaram-se em outubro. Pelo quarto mês seguido, o Índice de Confiança Empresarial (ICE)

ficou relativamente estável em torno dos 94,0 pontos, enquanto o Índice de Confiança dos

Consumidores (ICC) recuou 0,3 ponto após duas altas consecutivas para 89,4 pontos. Em ambos

os casos, o resultado foi influenciado pela diminuição das expectativas com relação aos

próximos meses. Ao que parece, a retomada consistente da tendência de alta dos índices de

confiança dependerá de boas notícias no front econômico e de redução da incerteza, ainda

elevada.

A ligeira queda em outubro foi puxada pelas expectativas refletindo uma postura cautelosa de

empresários e consumidores com relação à perspectiva de continuidade da tendência de

aceleração. No âmbito empresarial, os índices de situação atual e de expectativas empresariais

seguem tendências opostas há três meses. À exceção da Indústria, as percepções correntes

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seguem melhorando, enquanto, para os

consumidores, os indicadores retratam que

a liberação do FGTS gerou melhora

temporária, mantendo-os estáveis em

relação ao mês anterior.

A alta da confiança do comércio e serviços

parece ter forte influência do período de

liberação de recursos do FGTS, confirmando

as expectativas apresentadas no último

mês. Já no setor da construção, o avanço é

motivado pela recuperação do segmento de

Edificações. Vale ressaltar que, observando

a evolução anual, a melhora está

concentrada nas empresas que não fazem

parte dos programas Minha Casa Minha

Vida e Programa de Aceleração do Crescimento (MCMV e PAC), consideradas como uma proxy

para o mercado comercial/residencial.

Em relação à Indústria de Transformação, a análise das categorias de uso parece ratificar esse

efeito positivo do FGTS e da construção, como apresentado pelos demais setores. Indo na

contramão do resultado geral, a confiança de bens de consumo duráveis apresentou forte alta,

enquanto bens de consumo não-duráveis e material para construção permanecerem

praticamente estáveis, sustentados pelo ISA.

No entanto, o que chama a atenção na

Indústria é que, apesar da queda no Índice

de Expectativas não ter sido a mais intensa

entre os setores, o nível atingiu o menor

valor desde julho de 2017. Além disso, a

queda da confiança das empresas

produtoras de Bens de Capital para o menor

valor desde agosto de 2017 (90,0 pontos),

influenciada pelo menor nível das

expectativas desde dezembro de 2016,

acende uma luz vermelha em relação ao

nível de investimento futuro e,

consequentemente, ao ritmo de

recuperação da economia.

Gráfico 2: Expectativas na Construção: Reação no Mercado Comercial/Residencial (em pontos)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

Gráfico 1: Confiança de Consumidores e Empresários

(Com ajuste sazonal)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

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Apesar da queda de 5,8 pontos no

Indicador de Incerteza (IIE-Br), devido

ao esfriamento das tensões entre

China e Estados Unidos e a aprovação

da Reforma da Previdência no Senado,

a incerteza continua elevada, girando

mais um mês acima dos 110 pontos. O

alto nível em que se encontra parece

ainda limitar a evolução das

expectativas, que recuaram de

maneira generalizada, bem como

reforçar a baixa confiança dos

consumidores, já impactada pela

dificuldade de recuperação do

mercado de trabalho.

Em síntese, os resultados de outubro mostram que a continuidade da recuperação dos

indicadores de confiança depende ainda da redução de incerteza, que pode estimular os

investimentos e o consumo. O esfriamento das expectativas e os últimos resultados da indústria

mostram que ainda existem empecilhos para uma recuperação mais robusta em 2020 e que o

ritmo de crescimento ainda deve se manter lento, exceto para alguns segmentos mais sensíveis

à liberação de recursos do FGTS, cujos resultados podem ser um pouco mais expressivos.

Renata Franco, Rodolpho Tobler e Viviane Seda

3. Mercado de Trabalho

A taxa de desemprego segue igual e a informalidade, principal marca do período pós recessão,

atinge outro recorde

A taxa de desemprego para o trimestre terminado em setembro continua em 11,8% segundo

os dados da Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios Contínua (PnadC). Essa foi a mesma

taxa observada nos trimestres encerrados em agosto e julho. O resultado foi acima das nossas

estimativas e da mediana do mercado1 (11,6%). Em termos sazonais, observamos um aumento

de 11,8% para 12%. Além disso, os dados mostram desaceleração tanto no crescimento da

população ocupada (a variação interanual foi de 2% para 1,6%) quanto no crescimento da força

de trabalho (variação interanual de 1,7% para 1,5%).

A lenta recuperação da economia brasileira tem sido acompanhada de forma persistente por

níveis recordes de trabalhadores informais na economia. O Gráfico 4 mostra que esse

contingente de trabalhadores informais cresceu quase 11% desde 2016. A população ocupada,

1 Mediana das projeções calculadas pela plataforma Bloomberg.

Gráfico 3: Evolução da Confiança da Indústria – Categorias de Uso (diferença em pontos no mês em

relação ao mês anterior, com ajuste sazonal)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

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que soma mais de 90 milhões de pessoas,

tem mais de 40% dos seus trabalhadores

empregados sem carteira assinada ou

como trabalhadores por conta própria

sem CNPJ.

Segundo os dados da PNAD contínua para

setembro de 2019, esse contingente

representa 41,4% da população ocupada.

O número de empregados que trabalham

no setor privado sem a carteira assinada

chegou a 11,8 milhões de pessoas no

trimestre encerrado em setembro, um

aumento de 2,9% na comparação com o

trimestre anterior e de 3,4% em relação ao terceiro trimestre de 2018. Já os trabalhadores por

conta própria somaram 24,4 milhões de pessoas, um aumento de 1,2% em relação ao trimestre

anterior e de 4,3% ante o mesmo período do ano passado. Dos trabalhadores por conta própria

no trimestre encerrado em setembro de 2019, uma parcela de 80% não tinha CNPJ registrado.

Os consecutivos recordes no nível de

informalidade surpreendem. Desde a

saída da recessão, o emprego informal

tem ganhado protagonismo (Gráfico 5).

A informalidade está associada à baixa

produtividade e menores rendimentos

do trabalho. Como resultado do

crescimento da informalidade, os dados

apontam uma estagnação do

rendimento médio habitual, fechando o

período analisado em R$ 2.298, ante R$

2.297 no trimestre anterior e R$ 2.295

no terceiro trimestre do ano passado.

Em resumo, o que os dados de renda e

composição do emprego indicam é que

a recessão e o aumento do desemprego fazem com que cresçam os subempregos: trabalhos

sem vínculo empregatício cujas principais características são a baixa produtividade e piores

remunerações. Esse padrão se reflete nos dados sobre produtividade do trabalho do Ibre FGV,

que indicam que a produtividade por hora trabalhada na economia ficou estagnada em 2018 e

passou a cair este ano: no primeiro trimestre, a queda foi de 1,1% e, no segundo, de 1,7%.

Gráfico 4: Total de Trabalhadores na Informalidade

Fonte: PNAD Contínua / IBGE. Elaboração: IBRE/FGV.

Gráfico 5: Contribuição do Emprego Formal e Informal no Crescimento da População Ocupada

Fonte: PNAD Contínua / IBGE. Elaboração: IBRE/FGV.

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Ainda assim, nos últimos meses alguns indicadores apontam para aspectos positivos no

mercado de trabalho brasileiro. Os dados setoriais da PNAD indicam que o setor de construção

observou aumento de 3,8% – 254 mil novos postos de trabalho em setembro. Já os dados do

CAGED continuam indicando melhoras no mercado de trabalho formal. Foram criadas 768 mil

vagas com carteira assinada entre janeiro e outubro de 20192, melhor resultado desde 2013.

Vale ressaltar que as medidas de desoneração da folha de pagamentos para a contratação de

jovens (no âmbito do programa Brasil Verde e Amarelo) e demais medidas de estímulo ao

crescimento têm potencial de afetar positivamente os indicadores de mercado de trabalho,

ainda que temporariamente.

Em resumo, observamos mais uma vez que

a taxa de desemprego ficou estagnada em

setembro, o que reforça a expectativa de

uma retomada lenta dos indicadores de

mercado de trabalho, que segue com uma

composição do emprego voltada para

informalidade e baixos salários. As

projeções do IBRE FGV refletem a análise

acima de que a recuperação do mercado

de trabalho seguirá lenta, com baixo

crescimento da renda e queda muito

gradual do desemprego. O Gráfico 6

mostra a variação interanual da taxa de

desemprego (em pontos percentuais). A nossa expectativa é que o desemprego continue se

reduzindo lentamente, com leve desaceleração da queda, como de fato observamos nos

últimos meses. A nossa projeção para a taxa de desemprego em outubro é de 11,6%. Por ora,

nossa projeção para a taxa de desemprego média é mantida em 12,0% para 2019 e 11,8% para

2020. Já a projeção para o saldo de emprego formal acumulado no ano de 2019 e 2020 é de

586 mil e 702 mil vagas,3 respectivamente, já considerando o resultado de outubro de 70 mil

empregos com carteira assinada, em linha com a nossa projeção (69 mil).

Laisa Rachter

4. Inflação

O despertar da inflação

Sem chamar atenção por cinco meses, a inflação promete despedir-se de 2019 registrando taxas próximas de 0,5% para os dois últimos meses do ano. As fontes a justificar tal aceleração

2 Série sem o ajuste das declarações realizadas fora do prazo. 3 Série com o ajuste das declarações realizadas fora do prazo.

Gráfico 6: Diferença Interanual da Taxa de Desemprego (p.p.)

Fonte: PNAD Contínua / IBGE. Elaboração: IBRE/FGV.

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são múltiplas, passando pela intensificação de efeitos sazonais, desvalorização cambial e aumento de preços administrados.

De acordo com o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-10) de novembro já é possível observar queda menos intensa nos preços dos alimentos in natura (de -5,26% para -3,69%) e aumento nos preços de alimentos processados (de 0,34% para 1,17%). Essas pressões responderão por parte da aceleração do IPCA nos próximos meses.

Entre os alimentos processados, o IPA-10 de novembro trouxe como destaques carne bovina (de 0,51% para 5,26%), açúcar (de 0,31% para 2,16%) e produtos industrializados de carne (de 0,36% para 0,93%). Dado o peso que as proteínas têm no IPA e a magnitude da aceleração observada, as carnes responderam ativamente pela aceleração da taxa de alimentos processados.

Parte importante da alta dos preços registrada ao produtor já está sendo transmitida ao consumidor. No IPC-10 da FGV de novembro, as carnes bovinas registraram aumento médio de 2,1% acumulando alta de 7,15% nos últimos doze meses.

Afora os aumentos advindos do campo, a inflação receberá destacada contribuição de preços monitorados. A vigência em novembro da bandeira vermelha e o reajuste dos jogos lotéricos também contribuirão para a aceleração da inflação. Juntos, esses aumentos responderão por mais de 0,30 ponto percentual da taxa aguardada para o IPCA deste mês.

A primeira estimativa para o IPCA de novembro, que mostrou alta de 0,14%, captou parcialmente a vigência da bandeira vermelha nas contas de energia e o aumento do preço dos jogos lotéricos, cuja vigência começou a valer no último dia de coleta do IPCA-15.

Na direção do fechamento do IPCA de novembro, os jogos lotéricos aparecem como uma das principais contribuições para a rápida aceleração da estimativa de inflação para este mês. Com isso, segundo o Monitor da Inflação versão “ponta”, o IPCA de novembro poderá subir em torno de 0,5%, patamar somente atingido em duas ocasiões em 2019. A primeira em março, quando o índice oficial subiu 0,54% e, a segunda, em abril, quando o IPCA avançou para 0,72%.

Em dezembro, parte das pressões que contribuíram para a alta do índice este mês continuarão a exercer influência sobre o IPCA. Como a vigência do reajuste dos jogos lotéricos foi 11 de novembro, restará para dezembro captar 1/3 do aumento total. Espera-se também intensificação dos efeitos sazonais tradicionalmente observados para alimentos in natura no verão.

Além disso, a desvalorização cambial acumulada em novembro – que até o dia 14/11 chegava 3,75% - pode contribuir para futuros aumentos nos preços dos combustíveis. A gasolina é um importante veículo de pass-through cambial para a inflação.

Com tal expectativa, a taxa do IPCA deverá ser mantida próxima de 0,50% em dezembro. Se tais previsões forem confirmadas o índice oficial encerra 2019 com alta de 3,7%, a mesma taxa antecipada pelo mercado no final de 2018.

Essa aceleração não muda o destino da taxa Selic, a qual deverá encerrar 2019 em 4,5%, como aguardado pelo mercado financeiro.

André Braz

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5. Política Monetária

O aumento da incerteza acerca do mecanismo de transmissão da política monetária

Na reunião do Copom de 05 do corrente mês, os integrantes do Comitê ressaltaram dois novos fatores de risco para o cumprimento das metas de inflação. De um lado, à influência do elevado nível de capacidade ociosa na economia, acrescentaram a “potencial propagação da inflação corrente, por mecanismos inerciais” como elemento capaz de continuar produzindo projeções de inflação abaixo do esperado. De outro, às preocupações com o cenário externo e com eventuais frustrações acerca do andamento das reformas e ajustes ora em curso, adicionaram a constatação de que o atual grau de estímulo monetário “aumenta a incerteza sobre os canais de transmissão e pode elevar a trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”.

Em sua discussão sobre a condução da política monetária, os membros do Copom deixaram claro que, por trás dessa percepção de aumento de incerteza acerca dos mecanismos de transmissão, estão não apenas o grau de estímulo monetário, mas também as mudanças pelas quais passam os mercados de crédito e de capitais.

Preocupações perfeitamente justificáveis. No presente texto examinaremos apenas a mencionada por último. Há décadas o mercado de crédito no Brasil mostra-se altamente segmentado, devido à forte presença estatal, via operações do BNDES, habitualmente subsidiadas. Sob tais circunstâncias, o segmento livre de crédito fica espremido, dificultando a transmissão da política monetária, fazendo com que o controle da inflação acarrete juros mais altos do que seria necessário fosse outro o quadro vigente. Agora, com o encolhimento recente da atuação do BNDES e a retomada do crédito livre, concentrada no segmento de pessoas físicas, não pode haver dúvida sobre certo aumento da sensibilidade da atividade econômica e da inflação aos juros de política monetária. Com esse aumento da elasticidade do mecanismo de transmissão, na presença de fatos novos, fica realmente mais difícil calibrar as ações do BC.

No final de 2015, o estoque de crédito oficial, representado pela carteira do BNDES, correspondia a 37,0% do total de crédito para PJs. Esse percentual caiu para 28,1% em setembro último. Queda expressiva, sem dúvida. Mas o fato é que o BNDES continua responsável por parcela elevada do crédito total (12,0%). Quando se considera o conjunto dos recursos direcionados (no total do crédito ofertado pelo Sistema Financeiro Nacional), a retração observada é de 49,2% para 43,5%, no mesmo período, número que ainda revela alto grau de segmentação do sistema.

Quanto à espécie de renascimento pelo qual passa o mercado de capitais, note-se que, no segmento de renda variável, é expressivo o montante de recursos levantado por meio de lançamento de ações, atingindo R$ 71,4 bilhões (até outubro). Mas nesse total a parcela correspondente a IPOs é modesta, tendo chegado a R$ 10,2 bilhões. Mais significativas têm sido as emissões de renda fixa. No acumulado do ano até outubro, foram R$ 204,4 bilhões, entre debêntures, notas promissórias e outros. Contudo, informações reunidas pela ANBIMA revelam que 29,2% das emissões objetivavam levantar recursos para capital de giro e 34,8% tinham a

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ver com reestruturação de passivos, ou seja, troca de dívidas em moeda estrangeira ou junto ao BNDES por recursos obtidos em melhores condições no mercado doméstico. Apenas 14,7% das emissões diziam respeito a financiamento de investimentos em infraestrutura.

O fato de, para certo tipo e porte de empresa, o mercado de capitais atualmente oferecer boas alternativas certamente representa menor estímulo para a contratação de crédito bancário. De fato, no segmento livre de mercado, observa-se queda do estoque de crédito para pessoas jurídicas (PJ), em curso, na verdade, desde 2016. Do final de 2015 até setembro deste ano, o volume de crédito para PJs, como proporção do total, caiu de 53,0% para 42,6%. A parte mais relevante dessa queda certamente tem a ver com a recessão iniciada em 2014. Os recentes movimentos no mercado de capitais têm contribuído para manter mais baixa a participação das PJs no crédito bancário total. Em 2019, o estoque de crédito para PJs sofreu retração de 2,4%.

No tocante a pessoas físicas, o volume de crédito por elas contratado cresce continuadamente. De maneira modesta no período recessivo, e de modo mais acentuado a partir de 2018. Mas cresce o tempo todo. Muitos têm interpretado positivamente essa retomada dos dois últimos anos, especialmente em 2019. Tal movimento acontece no segmento livre e aqui o destaque é para o crédito pessoal, que tem representado cerca de 47,6% do total dos recursos livres para PFs. Nos 12 meses terminados em setembro último, o crédito pessoal cresceu 13,7%. No cartão de crédito, a variação foi de 20,1%. Note-se que o estoque do primeiro é o dobro do estoque do segundo.

O fato de o financiamento para a aquisição de veículos revelar alta expressiva (18,2%) permite realmente uma interpretação positiva. Mas talvez o mesmo não possa ser dito a respeito da expansão do crédito bancário pessoal e no cartão. Com a renda média crescendo apenas modestamente e mais de 12 milhões de desempregados, fica difícil admitir que a elevação do endividamento pessoal seja algo positivo. Por certo, pesquisas mais aprofundadas fazem-se necessárias, cabendo, por enquanto, apenas lembrar que para muitos o recurso ao endividamento possa refletir certa necessidade de complementação do orçamento familiar.

Em suma, parece legítima a preocupação do BC com o aumento da incerteza acerca do mecanismo de transmissão da política monetária, derivado das recentes mudanças nos mercados de crédito e de capitais. Sobre isso cabe notar que: a) seguramente tem se ampliado a sensibilidade de variáveis como a atividade e a inflação a alterações de política monetária, mas tal ampliação possivelmente ainda se mostra modesta, uma vez que permanece elevada a segmentação do mercado de crédito; b) as recentes emissões de ações e renda fixa no mercado de capitais têm permitido a melhora da saúde patrimonial das empresas, mas ainda não trazem sinais de mobilização das empresas em torno de novos projetos de investimento, caso em que teríamos maior garantia de continuidade do processo; c) no crédito bancário, o crescimento que se verifica é no segmento livre, puxado pelo crédito pessoal, não sendo possível assegurar que isto represente sinal de boas perspectivas para a expansão do consumo das famílias. Por certo, o BC continuará monitorando de perto as questões aqui discutidas. De imediato, porém, não parece que estejamos diante de uma transformação de grandes proporções.

José Júlio Senna

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6. Política Fiscal

Um pouco mais sobre os fundos infraconstitucionais

A proposta de emenda à constituição (PEC) de número 187 de 2019,4 que contempla parte do

plano apresentado no dia 05/11 pelo Governo Federal, conhecido como “Plano Brasil Mais”,5

visa tratar de um assunto que vem sendo debatido há algum tempo, mas sem que seja dada

sua devida importância. A PEC 187/19 trata da volumosa quantidade de fundos públicos

infraconstitucionais. O objetivo desta seção do Boletim Macro é descrever um pouco de como

estão organizados os fundos públicos e inferir se de fato a PEC 187/2019 contribui para melhor

alocação e gestão dos recursos públicos.

De acordo com o artigo 71 da Lei 4.320/64, os fundos governamentais correspondem ao

“produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados

objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação”. Os recursos

desses fundos são provenientes de vinculações com origem em tributos, royalties ou receitas

de empresas beneficiárias de incentivos fiscais.

Sanches (2002)6 divide a utilização de fundos em três períodos distintos: o período embrionário

(1902-66); o período de difusão (1967-87); e o período de restrição (após 1988). O autor adverte

que, embora fossem criados com a finalidade de serem instrumentos de dinamização da

administração pública, eles proliferaram de tal modo que acabaram se transformando em sério

problema para a gestão racional da máquina pública. Nos anos 70, já se debatia sobre

reavaliações e a criação de normas que limitassem a criação de mais fundos.

Cabe ainda destacar que os recursos aplicados nos fundos não garantem sua utilização, uma

vez que o contingenciamento das despesas discricionárias primárias também incide sobre

aquelas que estão alocadas nos fundos. De acordo com o Ministério do Planejamento (2017),

em apresentação sobre a gestão dos fundos, 23% dos fundos governamentais possuem

execução inferior a 10%.

Segundo a PEC 187/2019, os fundos infraconstitucionais que não forem ratificados em até dois

anos serão extintos e os recursos utilizados para abatimento da dívida pública. Nesse sentido,

a PEC 187/20197 busca extinguir, no âmbito do governo federal, até 248 fundos governamentais

infraconstitucionais, sendo 165 deles criados antes mesmo da Constituinte. A estimativa

realizada pelo próprio governo é de que os recursos auferidos com a medida possam chegar

até R$ 219 bilhões, em torno de 3,1% do PIB.

4 Disponível em: http://bit.ly/2XtiaOa. 5 Para maiores detalhes, ver apresentação disponível em: https://bit.ly/32JzoYj. 6 SANCHES, O. M. Fundos federais: origens, evolução e situação atual na administração federal. Revista de Administração

Pública. v. 36, n.4. 2002. 7 Cumpre destacar que a regra se aplica para as três esferas de governo, contudo, os números aqui apresentados correspondem

aos fundos infraconstitucionais da União apenas.

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A PEC ainda sugere que novos fundos só poderão ser criados por meio de lei complementar,

em que os fundos existentes (exceto os previstos na Constituição) deverão ser ratificados por

meio de lei complementar específica; e parte das receitas desvinculadas poderá ser destinada

à erradicação da pobreza e aos investimentos em infraestrutura, de modo que a parcela não

utilizada será de uso livre.

Além disso, dois pontos com relação a PEC merecem destaque: o primeiro, diz a respeito à

importância de cada fundo sob o ponto de vista econômico, e o segundo sobre a efetividade na

redução da dívida pública.

O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é destinado ao custeio do Programa do Seguro-

Desemprego e do Abono Salarial. A principal fonte de recursos do FAT é composta pelas

contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do

Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Em 2018, a receita destinada ao FAT foi de R$ 64

bilhões, porém a dotação orçamentária e o pagamento efetivo foram de R$ 74,7 e R$ 72,1

bilhões, respectivamente.

Em contrapartida, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST),8 dado

o avanço tecnológico que barateou o custo deste tipo de serviço, tem pouca importância

atualmente. Ainda assim, em 2018 as receitas destinadas ao FUST foram de R$ 854,9 milhões

e, embora a dotação autorizada para gastos com esta rubrica tivesse sido de R$ 279,9 milhões,

os pagamentos totais foram de apenas R$ 61,8 mil. Nesse sentido, é fundamental examinar

caso a caso para que recursos importantes não sejam canalizados para o pagamento da dívida

pública.

E é esse outro ponto a se enfatizar, a real magnitude da destinação desses recursos para o

pagamento da dívida pública, como previsto na PEC. Nesse sentido, a PEC 187/19 funciona

como mais um mecanismo de abatimento de dívida de forma não recorrente e que não altera

a trajetória do endividamento, mas apenas o nível. Assim, apesar de a PEC 187/19 poder

contribuir com um potencial volume de recursos para abatimento da dívida, é importante que

não se perca o foco no equilíbrio das contas públicas.

Vilma Pinto e Thiago Abreu

7. Setor Externo

O que explica a piora “não esperada” da balança comercial?

Em 25 de janeiro de 2019, o Relatório de Mercado Focus do Banco Central projetava para 2019 um déficit em conta corrente do balanço de pagamentos de US$ 26,8 bilhões e um superávit na

8 “A criação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust, instituído pela Lei n° 9.998, de 17 de agosto de 2000 – decorre do fato de que, para integral universalização das telecomunicações (voz e dados) em todo o País, é

necessário que sejam ofertados serviços em regiões que, por motivos como baixa densidade demográfica, baixa renda da

população, inexistência de infraestrutura adequada ou outros, não oferecem taxa de retorno viável para investimentos das

empresas do setor.” Disponível em: https://www.anatel.gov.br/setorregulado/perguntas-frequentes?catid=9

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balança comercial de US$ 52 bilhões. No Relatório de 14 de novembro, a projeção para 2019 foi de um aumento no déficit em conta corrente para US$ 35 bilhões e uma queda no saldo comercial para US$ 46,5 bilhões

Os dados do balanço de pagamentos no acumulado ano até setembro registraram aumento no déficit em conta correntes de US$ 15,5 bilhões em relação a igual período de 2018, redução de US$ 9,6 bilhões no superávit comercial, saldo de serviços sem mudanças e aumento de US$ 7,5 bilhões no saldo negativo da renda primária, associado a uma retração nas receitas de lucros e dividendos reinvestidos. Na comparação mensal de setembro de 2018 e 2019, foi registrada uma queda no déficit em conta corrente de US$ 3,3 bilhões, liderada pela redução em US$ 3,0 bilhões no superávit da balança comercial. Na avaliação dos resultados ao longo do ano, a retração no superávit comercial é o principal fator para o aumento do déficit em conta corrente.

O que explica a piora na balança, comercial que alterou as projeções do balanço de pagamentos para 2019? Os resultados divulgados até o outubro pela Secretaria de Comércio Exterior e os índices de comércio exterior (IBRE/ICOMEX) contribuem para a nossa análise

Entre janeiro/outubro de 2018/2019, as exportações caíram 6,8% e as importações, 0,6%, em valor. A queda no valor foi puxada principalmente pela retração dos preços nas exportações e nas importações. Contudo, no caso do volume, o comportamento não foi igual: queda nas exportações (-1,9%) e aumento nas importações (+3,6%). Na comparação de outubro, chama atenção o recuo de 8,7% nas exportações e aumento de 12,6% no volume (Gráfico 7).

O que explica a piora no desempenho exportador? As commodities explicam cerca de 60% do valor exportado pelo Brasil e cresceram 1,6%, em termos de volume, e seus preços caíram 5,1% na comparação do acumulado do ano até outubro. As exportações de não commodities recuaram 6,8% (volume) e 5,3% (preços) nesse mesmo período. Em outubro, todos os dois grupos registraram piora no desempenho em termos de volume e preços. Ressalta-se o resultado para o volume: commodities (-4,4%) e não commodities (-15,4%).

Os efeitos da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China no comércio mundial e o efeito Argentina nas exportações de não commodities do Brasil são os principais fatores destacados para esse resultado. Acrescentamos, porém, que a piora das não commodities não é explicada apenas pela recessão na Argentina. O Brasil enfrenta o desafio de melhorar o seu desempenho exportador das não commodities para os mercados asiáticos, que são os que têm registrado taxas de crescimento mais elevadas em comparação com as outras regiões na economia

Gráfico 7: Variação (%) do Índice de Preços e de Volume das Exportações e Importações do Brasil

Fonte: ICOMEX – IBRE/FGV. Elaboração: IBRE/FGV.

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mundial. No caso das commodities o comportamento pode ser atribuído a fatores conjunturais (demanda mundial, safras, barreiras).

O que explica os resultados de aumento em volume das importações? O Gráfico 8 mostra a variação no volume importado dos bens de capital que integram a FBCF (formação bruta de capital fixo), que recuou 0,6% na comparação do acumulado do ano até outubro, mas cresceu 22,9% entre outubro de 2018 e 2019 (não houve operações com plataformas de petróleo). Os bens intermediários utilizados pela indústria mostram variação positiva nas duas bases de comparação e aumentaram 17,2% em outubro, e os bens intermediários da agricultura também mostram variações positivas. Nota-se que o crescimento dos bens intermediários da indústria foi maior do que o da agricultura, em outubro.

Melhora no nível de atividade da indústria do segundo semestre seria o principal fator. A desvalorização cambial no presente e expectativas de uma queda no câmbio em 2020 tem tese contribuiriam para retardar as compras, mas não é o que se observa.

Num cenário de incertezas, que se reflete na instabilidade cambial, os momentos de desvalorização cambial não têm impulsionado as exportações ou retraído as importações. Sabe-se que os efeitos das mudanças cambiais demoram a se fazer presentes, mas no incerto cenário atual mundial e do Brasil, essa demora se estende por um tempo mais longo.

No Relatório Focus de janeiro, a projeção da taxa de crescimento do PIB para 2019 era de 2,5%, com uma balança de US$ 52 bilhões. Em novembro, a projeção da taxa de crescimento era de 0,96% e a da balança comercial de US$ 46,5 bilhões. Supondo condições externas estáveis, a menor crescimento deveria corresponder maior saldo da balança comercial, com queda nas importações.

O que aconteceu? As importações cresceram em volume, mesmo com um PIB menor do que o esperado. Além disso, a piora nas condições do mercado internacional teve um impacto negativo no desempenho exportador, não esperado no início do ano.

A história mostra que projeções da balança comercial realizadas no início do ano tendem a ser constantemente alteradas.

Lia Baker Valls Pereira

8. Panorama Internacional

Termina ajuste de juros de meio de ciclo

Gráfico 8: Variação (%) nos Volumes Importados de Bens de Capital e Bens Intermediários

Fonte: ICOMEX – IBRE/FGV. Elaboração: IBRE/FGV.

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Desde ano passado tenho escrito – muito baseado em análise de meu colega do Ibre José Júlio

Senna – que há forte assimetria no balanço de risco do banco central norte-americano,

conhecido por Federal Reserve ou simplesmente Fed.

Ano passado estava em curso um ciclo de subida da taxa básica de juros, os fed funds (FF). O

ciclo me pareceu temerário: se o Fed ficar adiantado no ciclo monetário, isto é, se subir mais

rapidamente do que deveria (provocando desaceleração excessiva da economia), corre o risco

de não ter espaço para reduzir os juros tudo o que for necessário, dado que os juros ainda

estarão muito baixos. Por outro lado, se o erro foi inverso, se ficar atrasado no ciclo monetário,

isto é, subir muito lentamente os juros e enfrentar inflação maior do que a esperada, não há

riscos relevantes. Há muito espaço para os juros se elevarem.

Em função dessa assimetria do balanço de risco enfrentado pelo Fed, sempre achei que o ciclo

de subida de juros terminaria antes do que se imaginava.

Não somente o ciclo terminou no segundo semestre de 2018, quando a taxa se situou no

intervalo de 2,25% a 2,50%, como em dezembro de 2018 o Fed comunicou que iria reverter o

processo.

Ao longo de 2019, houve três cortes de 0,25 ponto percentual cada. Hoje os FF variam na faixa

de 1,50% a 1,75%.

O presidente do Fed, Jerome Powell, deixou claro, em sua entrevista logo após a última reunião

do comitê de política monetária, em 18 de setembro último, que um novo ciclo de alta da taxa

básica de juros terá que ser precedido por um claro sinal de que a inflação subirá.

Nossos estudos sugerem que a inflação americana tem dois componentes. Um componente

cíclico, bem representado pelo núcleo de médias aparadas do PCE, que responde ao grau de

ociosidade (ou de aperto) do mercado de trabalho. E o componente tendencial da inflação que

está ligado ao comportamento do câmbio.

Nossas simulações sugerem que, se a taxa de desemprego se mantiver nos baixos níveis de

hoje, por volta de 3,5% até o final de 2021, a componente cíclica da inflação estará rodando a

2,5% no último trimestre de 2021.

Tudo sugere também que, nesse período, a componente tendencial se aproximará da cíclica

vinda de valores inferiores a esta. Ou seja, parece que inflação não será um tema nos próximos

24 meses na economia americana.

O Fed anunciou que provavelmente o ciclo de flexibilização da taxa da juros terminou. Tudo

sugere que não haverá tão cedo um ciclo de subida. Se a economia piorar – o que não nos

parece ser o caso – teremos FF fixos por muitos trimestres.

Samuel Pessôa

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9. Observatório Político

As Táticas de Lula e o Fim da Direita Envergonhada

No dia 8 de novembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi solto após 580 dias de prisão

na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba. A soltura do ex-

presidente foi decorrência direta da decisão tomada, no dia anterior, pelo Supremo Tribunal

Federal (STF), segundo a qual um réu só pode ser preso após o trânsito em julgado, revogando,

portanto, a jurisprudência que, desde 2016, havia possibilitado a prisão logo após a condenação

em segunda instância. Sem entrar nos detalhes jurídicos do veredito do STF, este foi, em boa

medida, resultado da desmoralização da Lava-Jato pelos vazamentos publicados pelo portal The

Intercept desde junho deste ano, vazamentos que mostraram inequívoca coordenação entre o

então juiz Sérgio Moro e procuradores do Ministério Público.

A soltura de Lula é prenhe de consequências. Tudo dependerá de como agirá. Logrará fazer o

PT ressurgir nas grandes cidades do Centro-Oeste, Sudeste e Sul em 2020? Conseguirá levar seu

partido novamente ao segundo turno em 2022?

O jornalista Elio Gaspari, em recente artigo publicado n’O Globo, resume, de forma precisa, a

essência das táticas de Lula ao longo de toda sua carreira política: “Olhando-se para os 40 anos

de sua atividade política, pode-se apenas especular que repita o jogo de espelhos em que usa

um discurso radical e moralista para assustar os adversários, transformando-se em seguida num

tolerante moderado capaz de pacificar suas próprias fileiras, apagando incêndios que ajudou a

soprar. Esse foi o dirigente sindical de grandes greves perdidas do ABC e esse foi o ‘sapo

barbudo’ do temido PT do final do século passado. Esse foi também o candidato a presidente

que em 2002 assustou o andar de cima e adoçou-o com a ‘Carta aos Brasileiros’ de Antonio

Palocci. Ele viria a se transformar num petista milionário, quindim dos amedrontados. Mesmo

na carceragem de Curitiba, esse foi o cacique que bancou a permanência de Gleisi Hoffmann na

presidência do partido, contendo articulações mais moderadas. A moderação, quando tiver que

vir, se vier, virá dele”.9

Cabe aos analistas refletir a respeito de se as tradicionais táticas de Lula – cuja síntese é apagar

“incêndios que ajudou a soprar” – têm condições de êxito na atual quadra política nacional. A

resposta aqui defendida é a de que têm baixa probabilidade de sucesso, como se explica a

seguir.

Em primeiro lugar, é fundamental registrar que as táticas lulistas deram certo num contexto de

enfraquecimento estrutural da direita. Quando Lula emerge como líder sindical no ABC, o

regime militar já estava batendo em retirada. Com a volta dos civis e da democracia a partir de

1985, a direita continuou a ocupar importantes posições de poder no Executivo Federal, no

9 Elio Gaspari, “O fator ‘Lula Livre’”, O Globo, 16/10/2019, disponível em https://oglobo.globo.com/brasil/elio-gaspari/o-fator-

lula-livre-24020320.

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Boletim Macro

Novembro de 2019

Congresso Nacional, no Judiciário, nos governos e legislaturas estaduais e municipais e no seio

da Forças Armadas. Mas esse poder foi caindo ao longo do tempo, sobretudo a partir da

chegada do PT à Presidência da República em 2003. Na verdade, entre 1985 e o início da década

de 2010, o Brasil teve uma “direita envergonhada”, que recusava dizer seu nome às claras. Foi

nesse ambiente que as táticas de Lula vicejaram.

A partir do catastrófico segundo mandato de Dilma Rousseff, a direita começou a ascender, a

ponto de um candidato de extrema direita, autoritário e reacionário, Jair Bolsonaro, vencer o

pleito presidencial de 2018. Por conta do caótico governo liderado pelo ex-capitão do Exército,

pode ser que a direita não repita esse feito em 2022, mas jamais voltará a ser a direita

envergonhada que, dócil e oportunisticamente, aceitou os acenos de conciliação de Lula até

2014.

Ou seja, se Lula tentar soprar um novo incêndio para, depois, oferecer-se como líder dos

bombeiros que tentarão apagá-lo, é muito provável que o fogo se espalhe e faça a vida política

nacional arder em chamas nunca dantes vistas desde 1985.

Portanto, se Lula e o PT quiserem ter não apenas sucesso eleitoral, mas também contribuir para

a manutenção do regime democrático e o renascimento da política, é imperativo que

compreendam a nova quadra histórica em que vive o país e mudem suas táticas. Isso significa

necessariamente fazer uma autocrítica e entabular – publicamente – conversas e acordos com

o centro político, sobretudo com o PSDB, o MDB, e o DEM de Rodrigo Maia. Hoje, um tal

conselho pode soar como insulto a Lula e à ala radical do PT comandada por Gleisi Hoffmann.

Assim, somente quando os custos das velhas táticas se tornarem muito claros, as mentes

começarão a se concentrar.

Octavio Amorim Neto - Professor da EBAPE/FGV

10. Em Foco IBRE: construção ainda distante de um novo boom

A Sondagem da Construção, realizada pela FGV/IBRE com as empresas do setor, vem

acompanhando o ciclo setorial. Mais precisamente, parte dele, aquela referente à atividade

empresarial. Os indicadores que resultam da percepção do empresário sobre seus negócios no

momento corrente e suas expectativas já refletiram tanto a fase de maior crescimento, quanto

o pior momento do setor. Assim ajudam a entender também o momento atual e a responder à

pergunta: há uma recuperação em curso?

A retomada da construção

A percepção do empresário da construção é de que o pior momento para as empresas já

passou. O Indicador de Situação Atual da Sondagem da Construção (ISA), que capta a percepção

em relação aos negócios no momento corrente, indica que esse momento foi alcançado em

2016. Em setembro de 2013, o ISA registrava percepção de neutralidade (100) sobre os

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negócios. A partir daí caiu 39 pontos até maio de 2016. Desse ponto, até outubro de 2017, o

indicador apenas andou de lado.

A Pesquisa Anual da Indústria da Construção (PAIC) mostrou que o Valor Adicionado pelas

empresas da construção em 2017 ainda teve retração de 8% em termos nominais, ou 12,4% em

valores corrigidos pelo INCC-DI.

Já a partir de 2018, inicia-se um movimento

mais claro de “despiora” da atividade: há

uma percepção menos negativa em relação

ao momento corrente nos negócios e o ISA

passa para outro patamar, embora subindo

muito lentamente.

Entre maio de 2016 e outubro de 2019, o ISA

com ajuste sazonal subiu 17,9 pontos. O

indicador continua abaixo de 100, o que

significa que o pessimismo se mantém. Mas,

apesar da volatilidade, a direção de

retomada mostra-se inequívoca. Ou seja, a

percepção empresarial dominante é de que

há sim uma recuperação em curso no setor

da construção.

É a partir de 2018 que a percepção de

“despiora” começa a se traduzir em

números positivos: o emprego com carteira

registrou alta de 0,42% no segundo

semestre em relação ao primeiro, já

corrigido sazonalmente.10 O total de

empregados em dezembro de 2018 foi

superior ao do ano anterior pela primeira

vez desde 2013, embora no ano, o resultado

ainda tenha sido negativo (-2,29%). O

segmento de Projetos de Engenharia e

Arquitetura já acusou alta de 4,61% no

acumulado de 2018 contra 2017.

Se já há uma recuperação em curso,

algumas questões surgem a partir desta constatação: i) qual área está conduzindo esse

10 Pesquisa Mensal de Emprego na Construção realizada pela FGV/IBRE para o Sindicato da Indústria da Construção de São

Paulo, a partir da RAIS/CAGED.

Gráfico 10: Emprego com Carteira na Construção (mil trabalhadores)

Fonte: MTE. Elaboração: IBRE/FGV.

Gráfico 9: ISA-CST (indicador padronizado, com ajuste sazonal)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

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movimento de retomada? ii) qual o

alcance desse movimento? iii) e,

finalmente, é possível vislumbrar um

novo boom para o setor nos próximos

anos?

De acordo com a Sondagem da

Construção, entre maio de 2016 e

outubro de 2019, por segmento setorial,

a elevação do ISA foi maior em Serviços

Especializados, seguida pela

Infraestrutura e, por fim, pela

Edificações.

Em 2019, o movimento positivo (e lento)

de contratação de trabalhadores com

carteira prosseguiu: desde janeiro até

setembro, houve alta de 1,74% em

relação ao mesmo período de 2018.

Por sua vez, entre janeiro e outubro, o

ISA-CST subiu 4,2 pontos. Pode-se notar

que, no segmento de Edificações, houve

queda de 1,1 ponto, enquanto em

Infraestrutura houve alta de 7,8 pontos.

Em uma primeira análise, os resultados

parecem ir contra o consenso de uma

recuperação puxada pelo mercado

imobiliário, enquanto a infraestrutura

seguiria definhando.

Em sua Carta de Infraestrutura de setembro, a Inter. B Consultoria mostrou a trajetória recente

dos investimentos neste setor apontando que, em 2018, eles aumentaram 12,5% em termos

nominais na comparação com 2017 e em 2019 deverão crescer mais 7,4%. Ou seja, houve uma

reversão da trajetória de queda, o que explicaria o desempenho positivo do emprego e a

percepção de melhora dos empresários do segmento.

É importante notar que os números são muito ruins: as comparações estão sendo feitas a partir

de uma base muito deprimida. Mesmo com essa alta, o país não terá investido 2% do PIB em

infraestrutura em 2019.

Segundo dados da Pesquisa Anual da indústria da Construção (PAIC) entre 2013 e 2017, o Valor

Adicionado pelas empresas de infraestrutura caiu 34% em termos nominais. Além da operação

Gráfico 12: Emprego com Carteira na Construção (variação janeiro a setembro com ajuste sazonal)

Fonte: MTE. Elaboração: IBRE/FGV.

Gráfico 11: ISA-CST (com ajuste sazonal – alta em pontos entre maio de 2016 e outubro de 2019)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

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Lava-Jato, que atingiu a operação de

várias grandes empresas, a crise fiscal

reduziu drasticamente o investimento

público.

As necessidades de investimento em

infraestrutura do país estimadas pela

Inter. B para os próximos dez anos são de

no mínimo 4,15% do PIB. Nesse ritmo de

crescimento, não há indicações que esse

percentual será alcançado nos próximos

três anos. Assim, há uma melhora, mas

ela tem sido muito lenta e não se mostra

com força para assegurar um ciclo de

crescimento para a construção. E os ciclos

da infraestrutura são muito mais longos do que os do mercado imobiliário. De todo modo, a

partir de uma base de comparação muito deprimida, o crescimento observado em 2019 está

contribuindo positivamente para a melhora dos indicadores setoriais este ano.

No que diz respeito à área de Edificações, depois de um longo período de ajuste do excesso de

oferta e melhora regulatória em relação aos distratos, as pesquisas mostram que, desde o ano

passado, as vendas começaram a crescer.

A pesquisa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) apontou crescimento de

27,5% nas vendas de imóveis em 2018 em relação a 2017, sendo que a região Sudeste

respondeu por mais da metade deste resultado. No primeiro semestre de 2019, o mercado

continuou em alta: as vendas registram crescimento de 12% na comparação com o mesmo

período de 2018. A região Sudeste abrangeu 56% das vendas.

É importante destacar um diferencial nesse desempenho: em 2018, a alta foi impulsionada

basicamente pelo Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), enquanto em 2019 o mercado

de Médio e Alto Padrão passa a se destacar e ganhar relevância. Essa dinâmica está sendo

captada pela Sondagem da Construção e reflete o cenário mais adverso para o programa

habitacional, atingido pelo contingenciamento do orçamento e incertezas sobre sua

continuidade. Mas as vendas associadas ao programa ainda representam quase a metade do

total apontado pela CBIC. Segundo informação oficial, há mais de 750 mil obras em andamento

em diferentes estágios nas quatro faixas do programa.11

Vale notar que a cidade de São Paulo registra um desempenho fora do padrão das demais

localidades do país e tem influenciado o resultado consolidado, assim como a percepção sobre

o desempenho geral do mercado brasileiro: as vendas realizadas no ano até setembro registram

11 De acordo com o site http://sishab.cidades.gov.br/

Gráfico 13: ISA (com ajuste sazonal – alta em pontos entre janeiro e outubro de 2019)

Fonte e elaboração: IBRE/FGV.

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alta de 69% na comparação com o mesmo período de 2018 e já superam a média dos últimos

4 anos. 12

Embora não se disponha de informações que indiquem o tipo de comprador desses imóveis, o

cenário de forte queda da taxa de juros observado nos últimos meses sugere a expressiva

presença de investidores como compradores no mercado paulista. A queda da taxa de juros

contribui para a maior procura de imóveis como ativos.

De todo modo, a dinâmica dos dois últimos anos (alta dos lançamentos e das vendas no

mercado habitacional) deve finalmente se traduzir de forma positiva na atividade imobiliária

em 2020, como sinalizam o crescimento do ISA e do emprego em segmentos antecedentes do

ciclo de obras, como Engenharia e Arquitetura e Preparação de Terrenos.

Sobre as possibilidades de ser esse crescimento um início de novo boom, as ressalvas são: i)

como se viu, a retomada ainda não está disseminada pelo país. E é pouco provável que ocorra

um boom de âmbito nacional puxado apenas por investidores; ii) a situação das famílias será o

elemento mais decisivo, ou seja, evolução do endividamento, taxa de desemprego e renda

ganham mais relevância, especialmente em um contexto em que o Programa Habitacional

diminui sua participação; e iii) o empresário da construção continua a apontar a demanda

insuficiente como sua principal dificuldade para a melhoria dos negócios – essa percepção vale

para todos os segmentos da construção. A carteira de contratos das empresas ainda está muito

baixa, o que significa que recuperar o patamar pré-crise parece distante ainda para elas.

Ana Castelo

Revisão Editorial do Boletim Macro IBRE: Fernando Dantas

12 Dados do SECOVI-SP.

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Instituto Brasileiro de Economia

Diretor: Luiz Guilherme Schymura de Oliveira

Coordenador de Economia Aplicada: Armando Castelar Pinheiro

Pesquisadores

Bráulio Borges

Fernando Augusto Adeodato Veloso

José Júlio Senna

Laisa Rachter

Lia Valls Pereira

Lívio Ribeiro

Luana Miranda

Manoel Carlos de Castro Pires

Marcel Balassiano

Samuel Pessôa

Silvia Matos

Tiago Martins

Vilma Pinto

Boletim Macro IBRE

Coordenação Geral e Técnica: Silvia Matos

Apoio Editorial: Marcel Balassiano

Equipe Permanente

Armando Castelar Pinheiro, José Júlio Senna, Laisa Rachter, Luana Miranda, Lia Valls Pereira, Lívio Ribeiro, Samuel Pessôa, e

Vilma Pinto

Colaboradores Permanentes da Superintendência de Estatísticas Públicas

Aloísio Campelo Jr. e André Braz

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como tais, em artigos e entrevistas publicados nos meios de comunicação em geral, representam exclusivamente as opiniões

dos seus autores e não, necessariamente, a posição institucional da FGV.

Este Boletim foi elaborado com base em estudos internos e utilizando dados e análises produzidos pelo IBRE e outros de

conhecimento público com informações atualizadas até 22 de novembro de 2019. O Boletim é direcionado para clientes e

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