nove noites

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NOVE NOITES AUTOR Bernardo Carvalho - (Rio de Janeiro, 1960) é um escritor e jornalista brasileiro. Foi editor do suplemento de ensaios Folhetim. Correspondente da Folha de São Paulo em Paris e Nova Iorque. NOVE NOITES, sexto livro de Bernardo Carvalho, narra uma loresta, Quain, sem motivos aparentes, retalhou-se e enforcou-se na o de partida da narrativa de Bernardo Carvalho: um caso trágico, go responde pela parte ficcional de Nove que o autor tenta levar a termo é extremamente interessante como rligam, e adensam a narrativa, em que o leitor investigação que onstrói as estratégias da narrativa realista e propõe um jogo realidade. investigação sobre a misteriosa morte de um antropólogo americano, Buell Quain, que aos 27 anos, em 1939, se suicida após uma estada em uma aldeia indígena situada no Tocantins, no Brasil, quando subitamente regressava à civilização. No meio da f frente de dois índios horrorizados que o acompanhavam na volta para a cidade da Carolina. Este é o pont senão mórbido, perdido nos anos e na memória. Bernardo decidiu, a partir de tão poucas informações, tecer um romance utilizando a história fatídica de Buell Quain como base, entrelaçando história e ficção, texto jornalístico e um estranho narrador que entrecorta todo o livro. O narrador / confessor do antropólo Noites, ao passo que o próprio Bernardo Carvalho encarna e responde pelo lado jornalístico, do levantamento de dados que indiquem os reais motivos que levaram Buell Quain a dar cabo de sua existência. Não se sabe quem investiga, até porque ninguém nunca lhe perguntou a razão da sua curiosidade. Há a desculpa de querer escrever um livro, que vai adiantando para não levantar suspeitas. A mistura recurso literário: insere fotos e personagens da década de 1930 na história, como pessoas reais ou imaginárias, o leitor nunca sabe exatamente onde está pisando. Pela sua mão somos guiados por entrevistas com pessoas que privaram com Quain, arquivos públicos, e memórias deixadas em cartas, escritas pelo suicida antes de morrer, e por um seu amigo, com quem partilhou nove noites de conversas e revelações. São vários mistérios que se inte partilha a claustrofobia e evasão de identidade das personagens. Da mesma forma, Bernardo Carvalho abre um campo de especulação na mente do leitor, não somente sobre os motivos que ocasionaram a morte de Buell Quain, mas principalmente sobre o significado e as conseqüências da transferência de um jovem norte-americano para o interior das florestas brasileiras. O autor junta habilmente a realidade e a ficção, o romance e a desenvolveu sobre os índios e sobre o antropólogo. Como nos diz o próprio autor nos agradecimentos é uma combinação de memória e imaginação, - como todo o romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta. Em outras palavras, Nove Noites é um excelente exemplo do nem sempre salutar choque cultural. Nove Noites desc com o real, jogo no qual, além de desconstruir as estratégias da narrativa realista, este romance desafia os modos nos quais a cultura de massas "consome"

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Page 1: Nove Noites

NOVE NOITES AUTOR

• Bernardo Carvalho - (Rio de Janeiro, 1960) é um escritor e jornalista brasileiro. • Foi editor do suplemento de ensaios Folhetim. • Correspondente da Folha de São Paulo em Paris e Nova Iorque.

• NOVE NOITES, sexto livro de Bernardo Carvalho, narra uma

• loresta, Quain, sem motivos aparentes, retalhou-se e enforcou-se na

• o de partida da narrativa de Bernardo Carvalho: um caso trágico,

• go responde pela parte ficcional de Nove

• que o autor tenta levar a termo é extremamente interessante como

• rligam, e adensam a narrativa, em que o leitor

• investigação que

• onstrói as estratégias da narrativa realista e propõe um jogo

realidade.

investigação sobre a misteriosa morte de um antropólogo americano, Buell Quain, que aos 27 anos, em 1939, se suicida após uma estada em uma aldeia indígena situada no Tocantins, no Brasil, quando subitamente regressava à civilização. No meio da ffrente de dois índios horrorizados que o acompanhavam na volta para a cidade da Carolina. Este é o pontsenão mórbido, perdido nos anos e na memória. Bernardo decidiu, a partir de tão poucas informações, tecer um romance utilizando a história fatídica de Buell Quain como base, entrelaçando história e ficção, texto jornalístico e um estranho narrador que entrecorta todo o livro. O narrador / confessor do antropóloNoites, ao passo que o próprio Bernardo Carvalho encarna e responde pelo lado jornalístico, do levantamento de dados que indiquem os reais motivos que levaram Buell Quain a dar cabo de sua existência. Não se sabe quem investiga, até porque ninguém nunca lhe perguntou a razão da sua curiosidade. Há a desculpa de querer escrever um livro, que vai adiantando para não levantar suspeitas. A mistura recurso literário: insere fotos e personagens da década de 1930 na história, como pessoas reais ou imaginárias, o leitor nunca sabe exatamente onde está pisando. Pela sua mão somos guiados por entrevistas com pessoas que privaram com Quain, arquivos públicos, e memórias deixadas em cartas, escritas pelo suicida antes de morrer, e por um seu amigo, com quem partilhou nove noites de conversas e revelações. São vários mistérios que se intepartilha a claustrofobia e evasão de identidade das personagens. Da mesma forma, Bernardo Carvalho abre um campo de especulação na mente do leitor, não somente sobre os motivos que ocasionaram a morte de Buell Quain, mas principalmente sobre o significado e as conseqüências da transferência de um jovem norte-americano para o interior das florestas brasileiras. O autor junta habilmente a realidade e a ficção, o romance e a desenvolveu sobre os índios e sobre o antropólogo. Como nos diz o próprio autor nos agradecimentos é uma combinação de memória e imaginação, - como todo o romance, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos direta. Em outras palavras, Nove Noites é um excelente exemplo do nem sempre salutar choque cultural. Nove Noites desccom o real, jogo no qual, além de desconstruir as estratégias da narrativa realista, este romance desafia os modos nos quais a cultura de massas "consome"

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• da "Folha de S. Paulo", escrito pela antropóloga Mariza Corrêa, em

• anos, ao lado de um índio do Xingu, região

ENRED

ntropólogo americano Buell Quain suicidou-se em 1939, aos 27 anos, poucos dias após deixar uma aldeia indígena no interior do Brasil. No fim dos anos 60,

• m alegoricamente, mas sim

• troca é

• a outra subjetividade com a qual o narrador

• a traçada por toda uma tradição de romances que

• a momentos da história nacional. Assim, a história do suicídio de

• e que ouvira pronunciado pelo

A história de Quain é verdadeira. O autor soube dela por um artigo no "Jornal de Resenhas",que o caso era citado de passagem. A história do escritor, ao menos em parte, também procede: na orelha do livro há uma foto de Carvalho, aos seis onde seu pai de fato fora proprietário de terras. O resto permanece em suspense - e nem o próprio autor parece disposto a separar fato de ficção.

O

• O a

um menino de seis anos de idade, contrariado, freqüenta a região do Xingu, onde o pai comprou uma fazenda. Mais de 30 anos depois, o menino se transformou num escritor empenhado em reconstruir a trajetória de Quain e, por conseqüência, passagens da própria infância. Em Nove Noites, o personagem histórico "biografado" – o Bell Quain - e o narrador "biógrafo" não se relacionametonimicamente. A obsessão pelo suicídio do antropólogo no Xingu revela um trauma do próprio narrador, que teria convivido na infância com os índios: a representação do inferno (...) fica no Xingu da minha infância (p. 60). Na busca de dados sobre Quain, o narrador volta ao Xingu para ouvir o que os índios lembram do Quain. Mas não consegue nenhuma informação, e emele quem lembra da infância, quando acompanhava o pai nas viagens pelas suas fazendas de Mato Grosso e Goiás. Alegórica ou metonimicamente, a subjetividade do autor-narrador se coloca no texto através de um mergulho numestabelece um jogo. E em ambos os casos o que relaciona essas duas subjetividades é um trauma: o trauma dos intelectuais na ditadura, num caso, e o trauma da morte no outro. Na obra de Bernardo Carvalho a figura do mártir está ausente, e o romance se desvia assim de uma trilhmostraram o índio como vítima: Quarup, Maíra, entre outros. Pelo contrário, em Nove Noites os índios exercem uma certa "violência" (psicológica) sobre os brancos; digamos que o encontro do branco com o índio constitui, no romance um trauma. No livro uma experiência traumática se configura como uma máquina de tempo, que relacionBell Quain acaba mexendo com o trauma do próprio narrador. Quando ele está no hospital acompanhando o pai no seu leito de morte, testemunha a última hora de um velho desconhecido, que ocupa a cama do lado, e que está morrendo em solidão. O velho, no seu delírio, chama o narrador de "Bill Cohen", confundindo-o com um amigo de juventude. Muitos anos depois, o nome de "Buell Quain", mencionado num jornal, traz no narrador a reminiscência daquele outro nomvelho. Mas não é o mesmo nome, o narrador o deixa bem claro: de repente me lembrei de onde o tinha ouvido antes e, fazendo a devida correção ortográfica na minha cabeça, descobri de quem falava o velho americano no hospital (p. 147) (...)em momento nenhum deixei de desconfiar da possibilidade, ainda que pequena, de uma confusão ou de um delírio da minha parte. Podia ter ouvido

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errado, os meses que precederam a morte do meu pai foram especialmente tensos, e eu não andava com a cabeça no lugar (p.153). Ou seja, a leitura do nome do antropólogo no jornal se torna disparador da experiência traumática, entendendo por ela a resposta a

• um evento ou eventos

• eguiu o seu rumo. Meu pai morreu três meses

• ssibilidade de testemunhar sua morte, em

• silêncio como

• voca uma obsessão no narrador, mas não pode senão ficar

• ecepção, o interesse se mantém, e até

• como caminho à verdade do que como

• apresenta sob a forma do

violentos inesperados ou arrebatadores, que não são inteiramente compreendidos quando acontecem, mas que retornam mais tarde em flash- backs, pesadelos e outros fenômenos repetitivos. A morte do pai, que ocorrera estando ele ausente, apenas é relatada: era o dia da minha partida. Minha vida sdepois. Fiquei três anos fora. Até a própria sintaxe - seca, mínima - desloca a importância do fato da morte do pai. No entanto, se o narrador chega – na imaginação do velho - como substituto de Quain, em troca o velho oferece a posubstituto da morte do pai, que ocorrera quando ele já tinha partido. Essa troca de papéis (a morte do velho substituindo a do pai, a chegada do narrador substituindo a do velho amigo Quain) funciona como um deslocamento, que pode explicar por que o mistério da morte de Quain provoca uma obsessão, uma vez que ele remete à cena misteriosa de primeira vez que o narrador vira um homem morrer e, é claro, ao mistério da morte silenciosa do pai. O narrador e sua irmã têm disputado a herança do pai com a última mulher dele, que é quem acaba ficando com tudo: o pai só deixa aos filhos seuherança. Como disse o testamento de Manoel Perna, único amigo de Quain no Brasil: o segredo, sendo o único bem que se leva para o túmulo, é também a única herança que se deixa aos que ficam, como você e eu, à espera de um sentido, nem que seja pela suposição do mistério, para acabar morrendo de curiosidade (p. 7). Esse mistério (da morte de Quain e, segundo a nossa hipótese, também da morte do próprio pai) procomo mistério, buraco negro da narrativa. Assim, o testamento de Manoel Perna, o amigo que passara "nove noites" com Quain, que é um documento chave da pesquisa, no entanto, é escrito – inventado - pelo próprio narrador (segundo ele próprio confessa, quase no final do romance, desestabilizando completamente o estatuto de verdade dos fatos narrados). Ou seja, a "prova" principal, o fio narrativo da historia de Quain, é declarada falsa "na cara" do leitor. E, apesar da daumenta depois dessa revelação, pois o que interessa é mais a própria pesquisa do que alguma suposta verdade sobre Quain: interessa a relação do narrador com essa história e aonde ela o conduzirá. A pesquisa sobre a morte de Quain vai construindo uma trama pseudo-policial no romance, mas se revela menos elaboração do trauma, pois é o trauma da infância que aproxima afetivamente ao narrador com Quain: Buell Quain também havia acompanhado o pai em viagens de negócios (...) Mas se para Quain, que saía do Meio-Oeste para a civilização, o exótico foi logo associado a uma espécie de paraíso (...) para mim as viagens com o meu pai proporcionaram antes de mais nada uma visão e uma consciência do exótico como parte do inferno. (p.64) Quando retorna junto aos índios, como exigência da sua pesquisa, esse encontro é descrito como infernal. Lacan considera que o real seinassimilável do trauma; ele aporta a noção de "tyché" como uma forma de nomear o real como encontro falido. Ao se tratar de um trauma (ou seja, aquilo

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que não pode ser narrado, nem representado), é evidente por que cada um dos documentos que o narrador encontra ao mesmo tempo que revelam, encobrem. As cartas que documentam aspectos da história teriam sido duvidosamente traduzidas; sobre elas se constrói o testamento, que sabemos falso. O narrador vai em busca do filho do velho que morrera no hospital, achando que esse velho poderia ter sido o fotógrafo amigo de Quain, mas quando

• o encontra,

• istórico, e mistura tudo, não oferecem ao leitor nenhuma

EXERC

ando a obra Nove noites e a introdução abaixo, assinale a alternativa orreta.

“Isto ér numa terra em que a verdade e a mentira não têm mais os sentidos que o

ma

B) A nspostas às indagações sobre a morte de Buell

C) Na tempo que lá permaneceu,o

D) O ae um suicídio cujas

Respos – d

ção: O item A é incorreto, pois o fragmento em itálico pertence a Manoel

, voz narrativa que se dirige a um interlocutor privilegiado o qual ao final da narr

spostas às indagações sobre os motivos do suicídio de Buell Quain.

acha que seus traços se parecem não aos do velho mas aos de Quain. Quer dizer, a escrita se torna totalmente paranóica (e isto é típico dos romances de Carvalho), ao ponto que nada mais parece confiável. A "realidade" da ficção se desmancha. As histórias dependem antes de tudo da confiança de quem as ouve (p. 8), diz o narrador. Mas as armadilhas do texto, que transita entre o documentário e o ficcional, entre o subjetivo e o hpossibilidade de confiar. Em Nove noites o passado não deixa de retornar (na estrutura em abismo, na qual um tempo contém o passado e o futuro), retornam os rostos, as lembranças, as experiências. Fonte:Passeiweb.

ÍCIOS

Considerc

para quando você vier. É preciso estar preparado. Alguém terá que preveni-lo. Vai entratrouxeram até aqui. Pergunte aos índios. Qualquer coisa. O que primeiro lhe passar pela cabeça. E amanhã, ao acordar, faça de novo a mesma pergunta.”

Bernardo Carvalho. Nove noites. A) O fragmento acima refere-se a carta que Buell Quain escrevera antes de cometer o

suicídio e que fora deixada para Manoel Perna, seu grande amigo, como forde atestar a inocência dos índios. arrativa é constituída por relatos verídicos, incluindo cientistas verdadeiros como Lévi-Strauss (antropólogo) e as reQuain encontravam-se em poder dos índios Krahô. busca de dados sobre Buell Quain, o narrador volta ao Xingu para ouvir o que os índios lembravam de Quain, conseguindo, durante otestemunho dos índios envolvidos no mistério do suicídio. utor Bernardo Carvalho constrói uma obra diferente e complexa, em que mistura realidade e ficção, apresentando um enigma em torno dcausas serão investigadas. Porém, a verdade permanecerá ambígua.

ta 1 Resolu

Pernaativa, pode ser relacionadao tanto à figura de Andrew Parsons quanto ao

próprio leitor. O item B está incorreto, porque, ainda que o romance seja constituído de alguns

relatos verídicos, os índios não tinham re

Page 5: Nove Noites

O item C está incorreto, pois a região à qual o narrador-escrito volta para pesquisar sobre a morte de Buell Quain não é o Xingu, e sim a região de Carolina (sul do Maranhão). Mas o maior equívoco nesse ítem é dizer que o narrado

ão. No livro, combinam-se realidade, memória, história, verdad

r ouve o testemunho dos índios envolvidos no mistério do suicídio. Os mais velhos mostram-se desconfiados, pois, em certas culturas, o passado não deve ser revolvido.

O melhor item que interpreta o fragmento citado é o livro como um todo é a letra D, pois Nove noites é uma mescla de jornalismo investigativo, autobiografia e ficç

e e imaginação. Fatos, fotos, depoimentos, entrevistas que preexistem ao romance e como registros da realidade, são apropriados pelo autor e transformados em objetos ficcionais. No entanto, respostas definitivas, um deslindamento total do mistério, isso não é dado ao leitor.