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compilações doutrinais VERBOJURIDICO ® NÓTULAS SOBRE OS DIREITOS REAIS MENORES SOBRE COISA PRÓPRIA ___________ Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha ADVOGADO ESTAGIÁRIO

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Page 1: NÓTULAS SOBRE OS DIREITOS REAIS MENORES ... - Verbo … · discussão doutrinária, durante os trabalhos preparatórios do Código Civil de 19662. O problema, contudo, não é somente

compilações doutrinais

VERBOJURIDICO ® 

NÓTULAS SOBRE OS DIREITOS REAIS MENORES

SOBRE COISA PRÓPRIA

___________

Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha

ADVOGADO ESTAGIÁRIO

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

1

Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria**

Francisco Barros Ferreira Rodrigues Rocha*

I. Introdução

O problema inicial de que nos ocuparemos é o da admissibilidade da

constituição pelo proprietário dum direito real menor sobre a mesma coisa objecto de

propriedade sua: situar-nos-emos, pois, no plano da constituição de direitos reais

menores. O problema foi discutido pelo legislador a propósito das servidões prediais,

maxime quanto à admissibilidade das chamadas servidões do proprietário1, com acesa

discussão doutrinária, durante os trabalhos preparatórios do Código Civil de 19662. O

problema, contudo, não é somente suscitado a propósito das servidões, podendo ser

concebido quanto a qualquer direito real de gozo, de garantia e de aquisição,

exceptuando a propriedade enquanto direito pleno e exclusivo sobre uma coisa que

* O presente trabalho foi desenvolto no seguimento duma oral de melhoria no âmbito da cadeira de

Direito dos Contratos do 3.º ano do curso de Direito (2008/2009), na Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa, sob a regência do Sr. Prof. Doutor Pedro de Albuquerque, subordinada ao tema

que ora expomos. ** Licenciado em Direito. Mestrando em Ciências Jurídicas (Direito Bancário e Direito dos Seguros –

Mestrado Científico) na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Advogado estagiário. 1 Na esteira dos Autores alemães (maxime WOLLF, Derecho de Cosas), conforme indica o Anteprojecto

em que VAZ SERRA se pronuncia a favor da admissibilidade das servidões do propriedade com supressão

da expressão “…pertencente a dono diferente” do art. 1543.ºCC, e em virtude da interpretação dada ao §

1018 BGB sobre as servidões prediais, foi este Autor favorável à constituição de direitos reais menores

sobre coisas propriedade daquele que constitui o direito real menor, maxime, neste caso, servidão predial.

A solução, porém, não viria a ser consagrada e o art. 1543.º apresentaria a redacção que ainda hoje

mantém, a qual por sua vez lhe veio quase integralmente do art.1.º do Anteprojecto PIRES DE LIMA, BMJ

n.º64 (1957), p.6, projecto este que manteve o art.2267.º do Código de Seabra, e se apresenta com

conceito símil ao art.1027 do CCit 1942, i.e., a servidão é o encargo predial imposto num prédio em

proveito exclusivo de “outro prédio pertencente a dono diferente”. É portanto necessário para a

constituição da servidão que o prédio dominante seja de dono diferente do prédio onerado, não sendo

admitida a figura das servidões do proprietário (cfr. art. 1569.º, n.º1, a)). Vide “Actas da Comissão

Revisora do Anteprojecto sobre Servidões Prediais do futuro Código Civil Português”, BMJ n.º 136

(1964), pp.81-86, com indicações da discussão entre PIRES DE LIMA, BRAGA DA CRUZ, GOMES DA SILVA,

VAZ SERRA, FERNANDO DE CASTRO, TAVARELA LOBO e OLIVEIRA CARVALHO. 2 Note-se porém que, como adverte MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais (sumários), p. 31, reiterando-o

PEDRO DE ALBUQUERQUE, Direitos Reais – Relatório, pág. 376, ao contrário do que sucedeu no Direito

das Obrigações pelo labor de VAZ SERRA, não houve lugar a estudos doutrinários prévios e aprofundados

quanto aos temas a tratar, aparecendo tão-somente breves justificações acerca de cada matéria. São-no

exemplo bastante os Anteprojectos respeitantes ao ramo dos Direitos Reais da autoria de PIRES DE LIMA,

“Servidões prediais”, BMJ 64 (1957), pp.5-39, “Enfiteuse”, BMJ 66 (1957), pp.5-43, “Do usufruto, uso e

habitação”, BMJ 79 (1958), pp.35-101, “Direito de superfície”, BMJ 123 (1963), pp.217-224, “Direito de

propriedade”, BMJ 123 (1963), pp.225-284; e também os da autoria de LUÍS PINTO COELHO, embora

venham estes no seguimento de estudos doutrinários prévios, maxime quanto à compropriedade, “Da

Posse”, BMJ 88 (1959), pp.139-158, “Da Usucapião”, BMJ 88 (1959), pp.159-166, “Da Comunhão da

propriedade e da comunhão de outros direitos reais”, BMJ 102 (1961), pp.181-206, e BMJ 103 (1961),

pp.155-282. Ressalve-se ainda que as soluções propostas por LUÍS PINTO COELHO foram muito alteradas

nas posteriores revisões ministeriais, sem grandes notas explicativas. O novo Código, quanto ao Direito

das Coisas, foi pouco inovador quando comparando com a situação anterior, relativamente às soluções

preconizadas no Código de Seabra, perpetuando-se em muitos domínios a situação normativa antecedente,

interpretada segundo a Revista de Legislação e Jurisprudência, como no-lo refere OLIVEIRA ASCENSÃO,

Direitos Reais, p.24.

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necessariamente será própria (ius in re propria, diritto su cosa propria ou Recht an

eigener Sache)3. Impõe-se ainda verificar qual o modo de constituição destes direitos

menores e quais as relações jurídicas reais estabelecidas entre os titulares destes direitos

menores e o proprietário.

Do lado oposto da constituição pelo proprietário de direitos reais menores sobre

a mesma coisa objecto do seu direito de propriedade, encontramos a confusão como

facto extintivo de direitos reais.

A constituição de direitos reais sobre coisa própria e a confusão como facto

extintivo genérico de direitos reais menores têm sido, com efeito, temas pouco

aprofundados pela civilística portuguesa.

Quanto aos direitos reais menores sobre coisa própria, ou são as obras omissas,

ou negam-nos lacónica e indirectamente, afirmando o princípio oposto de que são

sempre direitos sobre coisa alheia os direitos menores, ante o nosso Direito. Quanto à

extinção de direitos reais por confusão, a sua explanação era feita, na doutrina, a

propósito de cada direito real em concreto e de forma casuística4. Começou porém a ser

empreendida a sua teorização como facto extintivo geral de direitos reais quando os

Autores se aperceberam da necessidade duma Parte Geral de Direitos Reais que falta ao

nosso Código5. É indubitável a sua importância no que concerne aos direitos reais de

gozo como seu facto extintivo, assim como o é para os direitos reais de garantia e de

aquisição, mesmo que no caso destes últimos direitos não haja dispositivos legais claros

ou não os haja de todo, estatuindo a sua extinção por confusão.

Mais interessante ainda se torna o tema quando, na verdade, estamos a admitir

que figuras tradicional e culturalmente concebidas como iura in re aliena – os direitos

reais de gozo para além da propriedade, direitos reais de garantia e de aquisição – sejam

mantidas sobre re propria, tornando-se eles próprios iura in re propria.

Resta, portanto, saber se o princípio nemini res sua seruit, em todas as suas

manifestações, se deve hoje considerar ultrapassado, ou se, pelo contrário, continua a

operar plenamente: i.e., saber se nunca podem ser constituídos direitos reais menores

pelo proprietário sobre coisa própria e se a confusão é sempre facto extintivo de direitos

reais.

II. Dos direitos reais sobre coisa alheia e sobre coisa própria

I. A categoria dos direitos reais sobre coisa alheia contrapõe-se àquela dos

direitos reais sobre coisa própria. Com efeito, direito real sobre coisa própria é a

propriedade, enquanto os outros constituem direitos reais sobre coisa alheia,

3 Quanto à propriedade o problema é diferente: trata-se de saber se pode haver duas propriedades sobre

uma coisa, como sucederia no caso da contitularidade de direitos reais, ou se só pode haver um direito

real de certa natureza sobre uma mesma coisa, excluindo direitos reais com ele não compatíveis, embora

aqui nos situemos no âmbito da compatibilidade de direitos homogéneos sobre uma mesma coisa. Vide

infra a propósito da extinção de direitos homogéneos por confusão. 4 Assim o faziam os Autores que precederem o Código Civil de 1867, como PASCOAL DE MELO FREIRE e

COELHO DA ROCHA. Consulte a esse propósito a obra de EDUARDO DOS SANTOS, Direitos Reais de Ontem

e Hoje, volume II – primitivo direito vigente e sistemas de Pascoal de Melo Freire e Coelho da Rocha,

pp.331, 344, 368, 438, 471, 481, 488, 506. 5 Vide, acerca da necessidade duma Teoria Geral de Direitos Reais e subsequente Parte Geral no Livro III

do Direito das Coisas, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.33-36, MENEZES CORDEIRO,

“Evolução juscientífica e Direitos Reais”, ROA 45 (1985), I, pp.94-95, COELHO VIEIRA, Direitos Reais,

pp.66-69.

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significando isto que o seu objecto é uma coisa corpórea que tem já por objecto um

direito de propriedade.

Estas categorias de direitos reais eram, em abstracto, desconhecidas no Direito

Romano clássico. Não se falava aí em direitos sobre coisa alheia ou própria, muito

embora autores posteriores tenham, por eloquência, empregue as locuções latinas iura

in re aliena e iura in re propria para traduzir esta realidade. Aliás, no Direito Romano

clássico, surgiu primeiro o conceito de actio, só muito depois se tendo teorizado o

conceito de ius enquanto direito subjectivo6. Não havendo ainda sequer um conceito de

direito subjectivo real, menos ainda haveria o de direito subjectivo real sobre coisa

alheia. A expressão ius in re encontra-se, porém, nas fontes, embora não com o sentido

actual de direito sobre uma coisa, mas antes focando a coisa objecto do direito: a res7.

Deve ainda alertar-se para o uso da expressão ius pela iurisprudentia romana num

sentido muito próximo do de direito subjectivo, não obstante o Direito Romano não ter

construído um conceito deste8.

Contudo, mesmo desconhecendo o conceito de direito subjectivo, isso não

impediu que no Direito Romano se tivessem distinguido as actiones in rem das actiones

in personam, e, portanto, embora embrionariamente, distinguiram-se direitos reais e

direitos de crédito9. A distinção operada já desde o Direito Romano entre direitos reais e

direitos de créditos, embora reportada às actiones, extravasa do nosso estudo, pelo que

não nos alongaremos mais. Aquilo que importa reter é que não estava ainda formado um

conceito de direito real enquanto direito subjectivo, pelo que ainda não haviam sido

ainda teorizados in abstracto os direitos reais sobre coisa alheia10

.

Estas considerações não invalidam, contudo, que o direito romano não

conhecesse direitos reais para além da propriedade. Efectivamente, têm neste

ordenamento jurídico origem as servidões, o usufruto, a superfície, a fidúcia, o penhor e

a hipoteca11

. Tão-pouco o facto de não se haver ainda concebido a categoria de direitos

6 Em traços gerais, mas elucidativos, vide SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano I, pp.49-52, 233 e

237-238. Este Autor refere, ainda, que a dualidade de actiones (actio ciuilis ou in ius concepta e actio

praetoria) permitiu a distinção entre actio e ius, no Direito Romano, porquanto os direitos iure ciuile

eram anteriores às actiones que os tutelavam, mas, no âmbito do ius honorarium (v.g. praetorium), era o

magistrado que, tutelando determinada situação jurídica digna de protecção pelo Direito, criava o ius, no

caso concreto, através da actio. 7 Assim, JUAN IGLESIAS, Derecho Romano – Instituciones de Derecho Privado, pp.250-251

(3) e BIONDO

BIONDI, Le servitù prediali nel diritto romano, p.15. O primeiro Autor diz-nos, de forma clara, que “la

expresión ius in re se encuentra en las fuentes, pero no designa el derecho sobre la cosa, sino la cosa

sobre la que se tiene el derecho: rem habere – ius habere”. Com efeito, encontramos a expressão ius in re

em C.7,39,8; D.7,1,2; D.9,4,30; D.39,2,19 pr. (tendo estes três últimos sido interpolados, segundo

RICCOBONO), mas, como nos adverte BIONDI, “l’espressione ius in re con quel significato che gli

interpreti hanno voluto attribuirle è stranea alle fonti, almeno dell’epoca classica”. 8 Vide exemplos de aforismos com uso da expressão ius no sentido de direito subjectivo (D.50,17,54 e

D.50,17,55) em SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano I, p.50. 9 Fê-lo PAVLVS, em D.44,7,3,pr.: “obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum

aut seruitutem nostram faciat, sed ut alium nobis obstrigat ad dandum aliquid uel faciendum uel

praestandum”. 10

Elucidativo é ainda BONFANTE, Istituzioni di Diritto Romano, que, depois de distinguir a propriedade

dos demais direitos reais, refere que os Romanos chamavam a estes últimos iura ou iura in re, e os

modernos iura in re aliena. Vimos já, porém, o que entender da expressão ius (in re) referida nas fontes

romanas. Assim também, LONGO, “La categoria delle sevitutes nel diritto romano clássico”, BIDR 1898),

XI, p.284. 11

O termo hypotheca (ὑποθήκη) é de origem grega e só se impôs posteriormente, dado que até à época

dos Severos falava-se sobretudo em pignus conventum para se referir à hipoteca, em oposição ao pignus

datum (penhor). Sobre a hipoteca, em termos gerais, vide SANTOS JUSTO, Direito Privado Romano II –

Direito das Obrigações, 174-177. A figura que esteve na origem quer do pignus, quer da hypotheca, foi a

fiducia cum creditore. Sobre a fiducia cum creditore, por todos, vide VIEIRA CURA, Fiducia cum creditore.

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sobre coisa alheia obsta a que, no Direito Romano, houvesse já consciência das

diferenças que medeiam entre a propriedade e os outros direitos reais e no regime

próprio destes direitos. Foi por causa da consciência dessa diferença que já desde então

começaram a formular-se princípios atinentes a estes, nomeadamente, no que aqui nos

interessa, o princípio nemini res sua seruit, que indicia já uma divisão no que toca aos

direitos reais.

Chegados à conclusão de que o Direito Romano não teorizou a categoria dos

direitos sobre coisa alheia, importa atermo-nos ao Direito Intermédio. Com efeito, foi

neste lato período da História que, segundo alguns Autores, se formulou o conceito de

direito subjectivo12

.

II. Com a aceitação pela doutrina hodierna da teoria da oneração, e o abandono

da teoria do desmembramento da propriedade, haverá consequências quanto à

concepção dos direitos sobre coisa alheia. Com efeito, poder-se-á, assim, afirmar que o

elemento de relação não pertence à essência do direito menor, não sendo dele

constitutivo, retirando-se da teoria da oneração todas as suas consequências

metodológicas13

. Destarte, surge a asserção de que direito menor não pressupõe a

propriedade, tendo sido normativamente concebido como realidade independente.

Argumento alicerçante desta afirmação será o da admissibilidade de direitos menores

sobre res nullius.

Impõe-se, portanto, verificar em que casos se dará a hipótese de subsistência de

direitos menores sobre res nullius para que possamos afastar definitivamente o conceito

de ius in re aliena e substituí-lo por outro mais idóneo a exprimir a realidade jurídica

dos direitos reais para além da propriedade.

Extinto o direito maior, que acontece ao direito que o onerava? Nada permite

concluir que se extinga, antes, pelo contrário, admitida a independência e autonomia dos

direitos reais menores ante a propriedade, a conclusão a que somos levados é a de que

subsistirão. É, portanto, neste ponto, teoricamente correcta a afirmação de que não

pertence à estrutura do direito menor o elemento de relação.

Mas poder-se-á concluir que, extinto o direito maior, o direito menor se expanda

e se torne propriedade? A resposta é negativa, nomeadametne tendo em vista a teoria da

oneração. O titular do direito menor não se tornará titular do direito maior, em virtude

da extinção deste, até porque logicamente são direitos autónomos. A elasticidade do

direito menor dá-se somente dentro dos limites deste direito14

.

Estas duas asserções teóricas permitir-nos-iam concluir que os direitos menores

subsistem como direitos menores, após extinção da propriedade. Importa, porém,

analisarmos os dados legais nesta matéria.

Todo este tema da admissibilidade de direitos menores sobre res nullius

encontra-se estreitamente conexo com o tema da renúncia de direitos reais15

. Com efeito,

O Direito Romano conheceu muitos outros tipos de garantias, nomeadamente pessoais, donde se

destacam a sponsio, a fidepromissio, a fideiussio e o mandatum pecuniae credendae. 12

Vide PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, p250, MENEZES CORDEIRO, Tratado de

Direito Civil Português I, pp.211-212, MICHEL VILLEY, “La génese du droit subjectif chez Guillaume

d’Occam”, in Seize Essais de Philosophie du Droit, Dalloz, Paris, 1969, pp.140 e ss., CESARINI SFORZA,

“Diritto soggettivo”, ED, XII, pp.671 e ss. 13

Fá-lo expressivamente OLIVEIRA ASCENSÃO, As Relações Jurídicas Reais, p.96-97, e também em

Direito Civil - Reais, p.280. 14

Cfr. Art.1460.º, quanto à constituição de servidões pelo usufrutuário. 15

De tal forma que alguns Autores trataram o tema dos direitos menores sobre res nullius precisamente a

propósito da renunciabilidade de direitos reais. Neste sentido, ANDRE BRETON, “Théorie générale de la

renonciation aux droits réels”, RTDC (1928). O tema surge tratado também a propósito da refutação das

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é em virtude da renúncia ao direito de propriedade que surge, primordialmente, o

problema da constituição de direitos sobre res nullius. Há, porém, outras causas de

extinção da propriedade para além da renúncia, como sejam a expropriação, destruição

ou perda da coisa, a constituição de direito incompatível16

, impossibilidade definitiva de

exercício17

, o não uso18

, prescrição, caducidade, usucapio libertatis e confusão. Mas ou

acarretam também a extinção do direito menor (destruição da coisa), ou pressupõem que

o facto extintivo da propriedade seja também facto constitutivo de nova propriedade,

donde não se coloca o problema de haver uma res nullius (constituição de direito

incompatível). O não uso, contudo, poderá dar origem a um caso de res nullius objecto

de direito menor, embora seja de mais frequente verificação e concordância doutrinária

o caso de res nullius por renúncia do proprietário ao direito. Ademais, deve ainda

adiantar-se que o problema da admissibilidade de direitos menores sobre res nullius não

se coloca quanto à sua constituição, mas à subsistência destes direitos finda uma

propriedade anteriormente constituída, pressupondo-a: é também por esta razão que os

autores falam da admissibilidade de direitos menores sobre res nullius, mas que são

dentro deste género res derelictae.

Assim, o art.1345.º considera as coisas imóveis sem dono como património do

Estado, o que significa que, no caso de renúncia da propriedade onerada com um outro

direito menor, presumir-se-á ser o Estado o seu proprietário19

. O problema de direitos

menores sobre res nullius não se porá aqui, sequer, até porque res nullius são sempre

coisas móveis (art.1318.º)20

. Tão-pouco o direito menor se expandirá e se tornará

propriedade. Confirmam-se as conclusões a que chega a teoria da oneração quanto à não

aquisição da propriedade pelo titular do direito menor, mas ainda assim persiste aqui um

elemento de relação, destarte entre o Estado proprietário e o outro titular do direito

menor.

O problema põe-se com maior acuidade no que toca a coisas móveis. Aqui, não

há nenhum preceito como o art.1345.º. Que acontecerá se se extinguir o direito de

propriedade sobre uma coisa móvel? Torna-se nullius ou o titular do direito menor

teorias que consideram os direitos reais menores como direitos relativos, argumentando que o elemento

de relação com o direito maior pode faltar ao direito menor, não sendo elemento constitutivo deste. Neste

sentido, DOMENICO BARBERO, La legitimazione ad agire in confessoria e negatoria servitutis, pp.62 e ss.,

GIUSEPPE GROSSO, Le Servitù Prediali, e OLIVEIRA ASCENSÃO, As Relações Jurídicas Reais, pp.85 e ss. 16

Usucapião e aquisição tabular, e.g. Cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.549, e COELHO VIEIRA,

Direitos Reais, pp.459-458. 17

Salvo o caso do art.1571.º, que exclui a extinção da servidão no caso de impossibilidade de exercício,

enquanto não decorrerem vinte anos para a sua extinção por não uso. A extinção por impossibilidade

definitiva de exercício deve ser estendida à propriedade, na medida em que o impõe a sua função social.

Veja-se, e.g., o que se passa com o tesouro (art.1324.º, n.º2). Assim, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil –

Reais, p.405. 18

Para quem aceite o não uso como causa genérica de extinção de direitos reais, inclusive da propriedade,

nomeadamente nos casos do art.1397.º. Cfr., sobre o não uso como facto extintivo, OLIVEIRA ASCENSÃO,

Direito Civil - Reais, pp.409-412. 19

Sobre se no art.1345.º se está perante uma presunção ilidível ou uma presunção inilidível, cfr.

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.407 e 453-456, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais,

p.548, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, p.449, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado,

vol.III, sub art.1345.º, pp.175-176. 20

A referência no art.1318.º a animais não visa qualificá-los como tertium genus entre as coisas móveis e

as imóveis, mas somente alertar para eventuais regimes especiais de ocupação quanto aos animais. Que

são coisas móveis estatuem-no inequivocamente os arts.204.º e 205.º, n.º1, e o art.1318.º, que, após

mencionar que os animais podem ser adquiridos por ocupação, refere que também podem sê-lo “outras

coisas móveis”, i.e., outras coisas móveis para além dos animais, englobando-os no mesmo género. Cfr.,

em sentido contrário quanto à qualificação dos animais perante os textos legais vigentes, SANDRA

PASSINHAS, “Os animais e o regime português da propriedade horizontal”, ROA 66 (Set. /06), pp.837,

869-870, 873.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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adquire-lhe a propriedade? Ainda segundo a teoria da oneração,que é a única que

explica em moldes jurídicos este caso, somos levados a dizer que o direito menor sobre

a coisa se mantém nos limites do seu direito, não se expandindo ao ponto de adquirir a

propriedade da coisa, nem tão-pouco se extinguindo. Esta é, lógica e juridicamente, a

única solução possível e a mais correcta. Porém, é uma solução demasiado formal, que

pode levar a casos dúbios. Na maioria dos casos em que haja renúncia à propriedade

duma coisa móvel, estando este direito onerado, é necessário verificar se se reúnem ou

não os pressupostos da ocupação enquanto causa de constituição ou aquisição originária

da propriedade (art.1318.º).

Somos levados a concluir que o titular do direito real de gozo onerador que

incida sobre móveis, na maior parte dos casos, adquirirá a propriedade da coisa, após

extinção desta.

Note-se que a questão não se coloca nos direitos reais de gozo que incidem só

sobre imóveis, como a enfiteuse, a superfície, a habitação periódica e as servidões, nem

nos que incidam eventualmente sobre coisas imóveis, como o usufruto ou uso e

habitação21

.

Quanto à aquisição originária da propriedade da coisa nos direitos reais de

garantia e admissibilidade de direitos menores sobre res nullius, é preciso ter em conta

que o problema não se chega sequer a colocar na hipoteca de coisas imóveis, mas tão-só

de coisas móveis registáveis, bem como na consignação de rendimentos de imóveis,

retenção de imóveis e privilégios creditórios imobiliários22

. E, quanto aos direitos de

garantia que pressupõem a posse como situação de facto qualificativa do direito –

penhor e retenção -, parece-nos que, renunciando o proprietário ao seu direito, o credor

pignoratício e o retentor adquiriram a propriedade da coisa por ocupação, pois têm a

posse da coisa, que, conquanto seja uma posse no âmbito dum direito real de garantia, é

bastante para a ocupação: o legislador não aponta nenhum requisito de subjectividade

para a posse necessária para a ocupação23

. E, mesmo que entendamos ser necessário um

certo grau de intenção para a aquisição por ocupação, esse animus terá de ser

objectivizado ao ponto de bastar uma mera vontade de colocar a coisa na própria esfera

de acção24

.

Quanto aos direitos reais de aquisição, o problema também não se colocará

quando incidam sobre imóveis. Atente-se, contudo, que, no caso da promessa e da

preferência reais, a lei só lhes atribui eficácia real se incidirem sobre coisas imóveis ou

móveis sujeitas a registo (arts.413.º e 421.º), circunstância esta que limitará a existência

de direitos reais de aquisição de res nullius aos casos de coisas móveis registáveis.

Mas ainda assim é preciso indagarmo-nos da utilidade que tem a construção dum

direito real de aquisição sobre res nullius. Por que razão concebe a lei estes direitos

como reais? É precisamente em razão da sua função: a aquisição duma coisa. Como se

adquire uma coisa que não é de ninguém? Extinguir-se-á o direito real de aquisição com

a extinção da propriedade da coisa adquirenda ou, pelo contrário, adquire a propriedade

da coisa o titular do direito de aquisição, torneando um princípio de que a elasticidade

só se dá nos limites do direito25

? É preciso distinguir. Se o titular do direito de aquisição

21

O direito de habitação incide necessariamente sobre imóveis (art.1484.º, nº2). 22

Necessariamente especiais (art.735.º, n.º3). 23

Assim, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.712-715, no seguimento de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito

Civil – Reais, pp.449 e ss., que, no entanto, vai mais longe do que este Autor quanto à objectivização da

posse para ocupação. 24

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.450. 25

O raciocínio por detrás deste argumento é lógico, i.e., estamos perante um argumento a fortiori: o que

pode o menos não pode necessariamente o mais, mas o que pode o mais pode o menos.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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tem a posse da coisa26

, então entendemos que ele adquire-a por ocupação. Se, pelo

contrário, o titular do direito de aquisição não tem a posse da coisa onerada, surge o

problema. Se seguirmos logicamente a teoria da oneração, não podemos deixar de

entender que estamos perante direitos reais de aquisição sobre res nullius. Mas esta

solução encontra um incontornável óbice. Contra quem tornaria o titular do direito de

aquisição o seu direito efectivo? Quem seria demandado numa acção de execução

específica: aquele que já não é proprietário? Resolver-se-ia este caso como se duma

alienação a non domino se tratasse? Ou admitiríamos que, de facto, não pode haver

execução específica para cumprimento do contrato porque não há já contraparte, e

portanto temos aqui um direito real sem uma das manifestações mais importantes da

sequela nestes direitos? O problema não parece ser de fácil resposta, pelo que deixá-lo-

emos para um estudo que sobre ele directamente verse, até porque aqui o que nos

interessa é afastar dos direitos menores o elemento de relação necessária com o direito

maior.

Concluímos, portanto, que a questão da admissibilidade de direitos menores

sobre res nullius tem um âmbito muito restrito.

A conclusão destas premissas será a de que a expressão ius in re aliena deixou

de conseguir explicar, em moldes científicos, a construção dos direitos reais menores: as

categorias direitos sobre coisa alheia e direitos menores não coincidem necessariamente,

e, por consequência, há direitos menores que não são sobre coisa alheia.

III. Quanto à qualificação dos direitos sobre coisa alheia como direitos limitados,

esta afirmação também não é correcta pelas mesmas razões por que pode haver direitos

menores sobre coisa que não seja alheia, ou seja, pode haver direitos reais sobre coisa

nullius, porque não é deles constitutivo o elemento de relação, sendo antes direitos

autónomos, a se, diferentes da propriedade, incidindo sobre a coisa. Chegámos a esta

conclusão, mas só no que concerne aos direitos reais menores sobre coisa nullius, não

podendo estendê-la, ainda, aos direitos menores sobre coisa própria, conclusão essa que

deve ser ponderada em face dos dados normativos do sistema jurídico.

Deve referir-se que é igualmente correcta a qualificação dos direitos menores

como direitos limitados, na medida em que naqueles encontramos uma enumeração

determinação do seu conteúdo, ao contrário do que sucede na propriedade que é, por

natureza, indeterminada ou de conteúdo ilimitado de poderes27

.

IV. Não resolve também o nosso problema a afirmação de que podem existir

direitos sobre coisa própria que não a propriedade e de que a dicotomia direitos sobre

coisa própria e coisa alheia se encontra superada, exemplificando com o direito do

superficiário sobre o implante28

. Com efeito, o direito do superficiário sobre o implante

é um ius in re propria, e é-o porque neste caso existe uma verdadeira propriedade sobre

o implante: a propriedade superficiária. Mas uma coisa é a propriedade do implante e

outra a propriedade do solo: o regime da acessão é aqui derrogado, sendo que aqui não

26

Como acontece, por exemplo, no contrato-promessa com tradição da coisa ao adquirente (cfr. arts.442.º,

n.º2, e 755.º, n.º1, al.f)). 27

Não assim OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.446, para quem a propriedade não

compreende uma indeterminação de poderes, daí que opte por se referir a estes direitos como menores, e

não tanto como limitados. A expressão direito menor, embora seja de todo o modo a mais idónea e

preferível, também pode dar azo a equívocos, na medida em que certos direitos menores, como o usufruto,

p.e., podem fazer-se sentir com muito mais intensidade do que o direito maior onerado, e até englobar

tantos poderes quantos os do titular onerado (pense-se no caso do usufrutuário e do nu proprietário). Cfr.

MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.621 e ss. 28

Como o faz MENEZES LEITÃO, Direitos Reais.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

8

vale o princípio superficies solo cedit. Há um direito a parte duma coisa neste caso da

superfície imobiliária sobre o implante.

O problema que nos ocupa, com efeito, é o da sobreposição dum direito menor

sobre um direito maior na mesma titularidade, mas somente no caso de o titular do

direito menor ser também o titular do direito maior: neste caso há uma separação entre a

propriedade do implante e do solo, com afastamento das regras da acessão (arts.1325.º a

1343.º). Há assim duas diferentes propriedades sobre duas coisas separadas

juridicamente. No caso do direito do superficiário sobre o implante há somente uma

propriedade – a do implante. O superficiário não é, simultaneamente, titular da

propriedade do solo. Esta eventualidade acontecerá tão-somente nos casos previstos no

art.1541.º. Aí, sim, põe-se com acuidade o problema de o titular do direito menor ser

igualmente titular do direito maior que onerava.

V. Importa, agora, definir o que se entende por direitos sobre coisa alheia (iura

in re aliena). Se, na verdade, versámos sobre o tema dos direitos sobre coisa própria

(iura in re propria), importa saber qual a situação oposta a esta de forma a

compreendermos aquela expressão melhor.

Antes de apresentarmos uma definição, importa contudo observar o regime

destes direitos.

Com efeito, os arts.1439.º, 1484.º, 1524.º e 1543.º, concernentes respectivamente

ao usufruto, uso e habitação, superfície e servidões, referem reiteradamente serem estes

direitos incidentes sobre uma coisa alheia29

. No que toca à habitação periódica, também

os arts.1.º e 2.º do DL275/93 de 5 de Agosto pressupõem uma dissociação entre o titular

deste direito e o proprietário das unidades de alojamento. O legislador pressupôs,

portanto, que todos os direitos limitados concorressem com a propriedade sobre a

mesma coisa, ou seja, configurou os direitos limitados como direitos sobre coisa alheia,

necessariamente.

Quanto aos direitos reais de garantia, importa atermo-nos aos arts.656.º, 666.º,

686.º, 733.º, 754.º, concernentes à anticrese, penhor, hipoteca, privilégios creditórios e

retenção, respectivamente.

Mesmo sem nos atermos a definições legais, verificamos ainda todo o regime

destes direitos moldar-se numa relação jurídica real entre o proprietário e o titular do

direito limitado30

, como o seja nas relações entre proprietário e usufrutuário,

superficiário, usuário ou beneficiário de servidão predial. Por exemplo, no art.1452.º,

n.º1, no caso de usufruto sobre coisas não consumíveis mas deterioráveis pelo uso, o

usufrutuário é obrigado a restituí-las sem alteração da sua forma ou substância, se se

deterioraram por uso diverso do que lhe era próprio ou por culpa do usufrutuário.

Também o art.1453.º, n.º2, nos dá um exemplo de relação jurídica real entre

usufrutuário e proprietário, atribuindo ao proprietário o direito de exigir daquele a

substituição das árvores frutíferas que perecerem por causas naturais. Também o

art.1567.º, n.º1, nos dá um exemplo de relação jurídica real entre proprietários dos

prédios serviente e do prédio dominante, conferindo àquele o direito de exigir que as

29

No art.1439.º, quanto ao usufruto, fala-se ainda que este é o direito de gozar temporária e plenamente

um direito, a par de o art.1439.º referir incidir este sobre coisa. Esta referência a direito, em que o

legislador alude ao usufruto de direitos, maxime de créditos, deve entender-se não como tendo o usufruto

por objecto um direito, mas um bem que consiste numa prestação. Todavia, não estaremos já perante um

verdadeiro direito real. Vide infra. 30

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.236, diz expressivamente, acerca das relações jurídicas

reais, que “por exemplo, o proprietário e o usufrutuário de determinado estão entre si ligados por uma teia

de relações, sejam quem forem em determinado momento as pessoas titulares dos direitos reais em

presença”:

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

9

obras sejam feitas por este. E muitos outros exemplos poder-se-iam dar a propósito de

relações jurídicas reais entre titular de direito maior, normalmente propriedade, e titular

de direito menor, resultantes dum concurso ou conflito de sobreposição de direitos

reais31

. Não nos interessa, contudo, analisar todos os tipos de relações jurídicas reais,

sobretudo dos conflitos de vizinhança e dos conflitos entre direitos a partes da coisa,

para quem admita esta última figura.

Direitos reais sobre coisa alheia definem-se, portanto, como aqueles direitos

reais cujo objecto é uma coisa que é simultaneamente objecto de direito de propriedade

dum outro titular que não o titular do direito sobre coisa alheia.

É, no entanto, necessário frisar que não estamos aqui perante direitos sobre

direitos, mas sim perante direitos sobre coisas: estamos, portanto, perante direitos reais.

Um direito real menor sobreposto à propriedade, por exemplo, incide não sobre esta,

mas sobre a coisa: é a coisa que é objecto dos dois direitos, não um dos direitos objecto

do outro. É a coisa corpórea que é um bem susceptível de ser objecto de direitos reais,

não o direito onerado, daí que falemos em direitos menores sobre coisa alheia, e, por

conseguinte, não falamos em direitos menores sobre direitos alheios32

.

VI. Os direitos sobre coisa alheia serão sempre direitos menores?

O conceito de direito real menor é um conceito relativo baseado num prius de

relação ou comparação. Aquilo que é maior perante algo pode ser menor perante outra

coisa33

. Daqui parte a constatação de que pode haver direitos maiores para além da

propriedade, basta apenas pôr em relação um direito menor do que o direito onerador da

propriedade (propriedade – superfície – hipoteca; propriedade – usufruto –

penhor/hipoteca – superfície e usufruto são direitos maiores ante hipoteca e penhor).

Assim sendo, direito maior não tem de ser necessariamente a propriedade: podem sê-lo,

v.g., o usufruto, a superfície.

Coisa diferente é a de que propriedade é sempre direito real máximo. Assim,

pode haver mais do que um direito maior (contanto sempre que um deles, o primeiro na

concatenação de direitos, seja o de propriedade), mas a propriedade será sempre o maior

deles, i.e., o direito máximo (superfície é direito maior ante hipoteca, extinguindo-se

esta por confusão se adquirida superfície ou hipoteca, mas superfície é direito menor e

propriedade direito menor quando correlatos estes dois).

III. Princípio nemini res sua seruit

O princípio nemini res sua seruit34

foi afirmado pela jurisprudência romana para

enunciar a impossibilidade jurídica de uma servidão ser constituída e subsistir entre

31

Os termos concurso e sobreposição são utilizados para exprimir a mesma realidade de o objecto de

vários direitos reais ser o mesmo. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.265. 32

Sobre a teoria dos direitos sobre direitos, vide infra. 33

ARISTÓTELES, Categorias. 34

Por preocupações de vernáculo jurídico, devemos oportunamente referir ser mais correcto o uso do

pronome indefinido nemo no dativo (nemini), e não no ablativo (nemine), como o fazem alguns autores.

Vide e.g. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.415. Aliás o pronome nemo só tem, para além do

próprio nominativo (nemo), acusativo (neminem) e dativo (nemini), sendo substituído no genitivo (nullius)

e no ablativo (nullo) pelo pronome – embora geralmente determinante – também indefinido nullus, nulla,

nullum. Ademais o verbo seruio, seruis, seruire, seruiui ou seruii, seruitum (de seruus), que no seu

sentido etimológico significa ser escravo (seruus, escravo), conforme o denotam as expressões usadas por

CÍCERO apud aliquem (ou alicui) seruire ou ainda seruitutem seruire, era empregue sobretudo no dativo e

ocasionalmente no acusativo, pelo que ou utilizamos nemini ou neminem: sendo que, dado o emprego do

acusativo não aparecer nas fontes do CIC, opta-se pelo dativo nemini. O verbo antropomorfizou-se a

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

10

fundos pertencentes ao mesmo proprietário35

. O princípio foi formulado em matéria de

servidão dada a importância que então era dada à instituição e por este Direito ser alheio

a construções abstractas e a enunciações de princípios gerais. Na realidade, contudo, o

princípio obteve aplicação generalizada a todos os direitos reais qualificados como

sobre coisa alheia.

§ 1. Fundamento jurídico do princípio

Porque é a confusão facto extintivo de direitos reais?

O raciocínio que leva a atribuir efeito extintivo à confusão, conquanto jurídico,

apresenta-se-nos também como lógico. Com efeito, segundo uma concepção

quantitativa da propriedade, esta encerra todos os poderes e faculdades que ao titular

dum direito subjectivo real podem ser atribuídos, pelo que a oneração da propriedade

com um direito real menor representa uma subtracção aos poderes atribuídos ao

proprietário. Em conjunto, os poderes concedidos ao titular do direito real menor e ao

proprietário encerram o conjunto total de poderes de que se pode dispor sobre a coisa36

.

Estar-se-á, na sua base, perante um argumento a maiori ad minus, ou seja, de

que o que pode o mais pode o mais, nas múltiplas formulações que este argumento pode

revestir37

. Estamos portanto perante um axioma jurídico cujo fundamento, não obstante

óbvio38

, carece de ser explanado.

coisas, como o denota a expressão, também de CÍCERO, assim como símil às usadas no CIC, praedia quae

seruiebant, significando prédios ou terras sujeitos a servidão. Em sentido figurado surge já no latim como

depois surgiria nas línguas neolatinas, especialmente no português, significando obedecer, entregar-se a,

dedicar-se a, como aparece igualmente em CÍCERO, populo seruire, no sentido de servir o povo ou a causa

do povo. Outra das hipóteses seria usar a expressão nulli res sua seruit, como é escrita em D.8,2,26,

porém, sendo com maior frequência nullus, -a, -um, um determinante, e não um pronome, muito ao

contrário de nemo, afigura-se-nos mais correcto o uso de nemini, embora possamos utilizar em alternativa

estoutra expressão. Cfr., ANTÓNIO FREIRE, Gramática Latina, 6.ªedição, 1998, Livraria A. I – Braga,

pp.331; e MARIA ANA ALMENDRA e JOSÉ NUNES FIGUEIREDO, Compêndio de Gramática Latina, Porto

Ed., p.68; e ANTÓNIO GOMES FERREIRA, Dicionário de Latim-Português, Porto Ed., p.1051. 35

Traduzem-no-lo as referências em D.8,3,33,I; D.8,2,26; e D.7,6,5,pr, já reproduzidas. Vide infra no que

concerne à categoria da confusio ou consolidatio no Direito Romano. 36

Cfr. PIRES DE LIMA, BMJ n.º136, pp.83-86. 37

O que contém o mais contém o menos, o que consegue o mais consegue o menos, o que contém

tamanho maior contém tamanho menor, etc. Acerca da interpretação enunciativa e dos argumentos a

fortiori, vide OLIVEIRA ASCENSÃO, Introdução ao Direito, pp.469-472, BAPTISTA MACHADO, Introdução

ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.186-188, GALVÃO TELLES, Introdução ao Estudo do Direito,

pp.258-260, CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, pp.224-228. 38

BIONDO BIONDI, Las Servidumbres, p.207 e ss., não obstante enunciar o fundamento jurídico do

princípio nemini res sua seruit, e concretizá-lo depois na resolução de casos dúbios em que

aparentemente se verificam desvios ao princípio enunciado, fá-lo laconicamente argumentando ser esse

fundamento “demasiado óbvio para que se faça uma larga dissertação”. Conquanto óbvio o fundamento,

até porque para além de jurídico se nos apresenta como lógico e quase apriorístico, é necessário

aprofundá-lo tendo em vista a posterior correcta aplicação do princípio e seus desvios sem deixar aspectos

por explicar. Note-se também que reparos da mesma índole são feitos pelos Autores a propósito da

confusão obrigacional, ao ponto de VAZ SERRA, BMJ n.º41, p.23, referir que “o Código alemão não refere

a confusão entre as causas de extinção da obrigação, por ser evidente que essa extinção se dá”. Também

MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol.2.º, p.237, afirma tratar-se “duma forma natural que, na

sua evidência, ocorre imediatamente ao espírito: ninguém pode dever a si mesmo. De tal forma que não

encontramos, no BGB, uma regulamentação expressa da confusão, não obstante, evidentemente, ela ser

conhecida e tratada pela doutrina”.

De igual modo é a confusão real uma forma natural de extinção de direitos menores oneradores,

diríamos, de tal forma que, mesmo que não estivesse positivada, impor-se-ia ao legislador e ao intérprete

aplicador do Direito. No mesmo sentido, Vide BIONDO BIONDI, Las Servidumbres, p.207 e ss., que, em

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

11

No que aqui nos interessa ater-nos-emos ao seu fundamento jurídico, e não

meramente lógico. Para além do mais, é de rejeitar por completo a teoria do

desmembramento quanto à constituição de direitos menores, bem como uma concepção

quantitativa da propriedade. O fundamento jurídico é apresentado por um juízo de

desnecessidade ou falta de interesse juridicamente atendível na manutenção ou

constituição de certa situação jurídica. A conclusões idênticas têm chegado os Autores

em sede de confusão obrigacional39

. Assim, com efeito, um conceito de direito real

menor sobre coisa alheia construído como direito real sobre coisa própria (por exemplo

uma servidão sobre coisa própria) seria juridicamente desnecessário, pois que no

conceito de propriedade estão, em princípio, todos os poderes de transformação40

, os

quais não constituem figuras jurídicas novas por si só41

. O caso aparece-nos mais claro

no que concerne à confusão dum direito real menor com a propriedade enquanto direito

real maior paradigmático, sem que todavia esse seja o único caso de extinção de direito

menor por reunião com o direito maior no mesmo titular42

. Com efeito, a propriedade

encerra todos os direitos que podem ser exercidos juridicamente sobre uma coisa (art.

1305.º), embora atentos os limites impostos pelo exercício abusivo dos direitos

subjectivos (art. 334.º: abuso do direito), pelo que se apresenta sempre, em face dos

outros direitos reais que a onerem, como direito maior e como direito real máximo.

resposta a GIUSEPPE GROSSO, afirma que “o princípio nemini res sua seruit é racional; de ordem positiva,

pelo contrário, é o reconhecimento do princípio oposto” (aludindo aos arts. 733.º e 755.º do Código Civil

suíço e §889, §1196, §1193, §1063, §1256 BGB). 39

Vide, a este propósito, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol.II, pp.258 e ss., e bibliografia

aí citada. 40

Atente-se que, apesar da imperfeita técnica descritiva do direito de propriedade pelo legislador de 1966,

no art. 1306.º, agregando neste os chamados “direitos” de uso, fruição e disposição das coisas objecto da

propriedade, devemos entender estarmos aqui perante poderes, e não direitos. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO,

Direito Civil – Reais, p445. Sobre a distinção entre poderes e direitos, Vide, colorandi causa, OLIVEIRA

ASCENSÃO, Teoria Geral III, pp.58 e ss.; PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, pp. 246-

248 e pp. 256 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil I – Parte Geral, Tomo I, pp.343 e ss.,

distinguindo expressamente este último Autor entre poderes e faculdades. Adoptando a definição de

OLIVEIRA ASCENSÃO, poder distinguir-se-á, portanto, de direito subjectivo na medida em que aquele

apresenta um carácter meramente estrutural, ao passo que o direito subjectivo apresenta um carácter

funcional. Poder, na concepção de GOMES DA SILVA, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, pp.27

e 48, – concepção sucessivamente reiterada pelos Autores – consiste na “disponibilidade dum meio para

atingir determinado fim ou um conjunto de fins, cuja utilização o direito [objectivo] regula de modo

unitário”. Num direito poderão, por conseguinte, estar contidos estruturalmente vários poderes. Também

PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, pp.256 e ss., trata dos poderes em concreto – de

gozo, creditícios e potestativos – ao versar sobre o direito subjectivo como estrutura. 41

Vide a argumentação de PIRES DE LIMA em “Actas da Comissão Revisora do Anteprojecto sobre

Servidões Prediais do futuro Código Civil Português”, BMJ 136, págs. 83 e 84. Mantém, portanto, o

Autor a posição assumida e passada para o Anteprojecto sobre as Servidões Prediais da sua autoria

publicado no BMJ n.º64 (1957), “Servidões Prediais (Anteprojecto de um título do futuro Código Civil)”,

pp.6-7. 42

Não obstante este não ser o único caso de confusão real. Direito real maior pode ser a superfície quando

onerada por uma ou mais hipotecas (art.688.º, n.º1, al.c)) ou o usufruto quando onerado por uma hipoteca

ou penhor (art.666.º, n.º1, e 688.º, n.º1, al.e)). Nem sempre direito maior é a propriedade, portanto. Não

parece, porém, que a servidão se possa apresentar como direito maior em face doutro direito que a onere,

valendo o princípio seruitus seruitutis esse non potest, segundo o qual não pode uma servidão ser onerada

por outra servidão, nem, mais latamente, por outro direito menor. Também não podem estas ser objecto

autónomo de hipoteca pelo art.688.º atenta a tipicidade deste preceito, assim como porque se encontram

compreendidas nos direitos inerentes aos imóveis (art.204.º, n.º1, al.d)) e inseparáveis destes (art.1545.º).

Em contrário, porém, rejeitando aquele princípio em sede de servidões, cfr. MENEZES CORDEIRO, Direitos

Reais, p.726.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

12

§ 2. Excepções ao princípio

Aponta a doutrina alegadas excepções ao princípio nemini res sua seruit, sendo

que o primeiro deles seria a constituição da servidão por destinação do pai de família43

.

Quanto a este ponto, a servidão constituída por destinação do pai de família ou do

antigo proprietário (art.1549.º) não invalida o conceito do art.1543.º, pois esta só se

constitui quando os dois prédios se separam, e não enquanto permanecerem na

propriedade do mesmo indivíduo44

.

Quanto às servidões do proprietário, que também são apontadas como

derrogação a este princípio, analisaremos posteriormente a sua admissibilidade em face

do ordenamento jurídico português.

A contitularidade de direitos reais não é também excepção à confusão. Atente-se

no facto de que aqui não estamos ainda a falar de confusão de direitos homogéneos, i.e.,

em contitularidade, mas antes do caso específico de o titular do prédio dominante ou

serviente ser também comproprietário do prédio serviente ou dominante. Não faria aqui

sentido que a servidão se extinguisse por confusão, na medida em que isso afectaria

direitos de terceiros, os restantes comproprietários.

IV. Constituição de direitos reais menores sobre coisa própria

I. Sobre a constituição de direitos reais menores temos duas teorias de

importância capital sobre todo o Direito das Coisas: a teoria do desmembramento e a

teoria da oneração.

Causas genéricas de constituição de direitos reais menores são a lei45

(ex.:

privilégios, retenção), o negócio jurídico, seja contrato, seja negócio jurídico unilateral;

usucapião para os direitos reais de gozo; acessão46

.

Causas específicas de constituição de direitos reais menores são a destinação de

pai de família (art. 1549.º para as servidões prediais) ou a ocupação (art.1318.º).

Na constituição de direitos menores, não há uma transmissão de poderes do

proprietário para o titular do direito menor, mas uma constituição ex novo dum direito

real – aquisição derivada constitutiva47

. Este entendimento que adoptamos é mercê da

concepção qualitativa de propriedade, e vem no seguimento da teoria da oneração48

.

43

Vide discussão entre GOMES DA SILVA e PIRES DE LIMA nos trabalhos preparatórios, BMJ 136 (1964), e

também SANTAMARIA, Comentario al Código Civil. 44

Assim, VAZ SERRA, BMJ 136 (1964), pp.81-82, em resposta a GOMES DA SILVA. 45

V.g., privilégios creditórios (art.733.º) e retenção (art.754.º). 46

Cfr. MENEZES CORDEIRO, “Evolução juscientífica e Direitos Reais”, ROA, I, Ano 45, 1985, pp.95 e 96,

que, após referir que “a acessão tem sido limitada, pela letra da lei e pela doutrina, a uma forma de

constituição da propriedade”, conclui, no final, que “a acessão é, assim uma fórmula genérica de

constituição de direitos reais e não, apenas, da propriedade”. Esta posição virá depois a receber a anuência

de OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Civil – Reais, p.301. Alguns autores, todavia, continuam a versar a

acessão não como causa genérica de constituição de direitos reais, mas como causa específica de

constituição (ou aquisição originária) do direito de propriedade. Vide, por exemplo, SANTOS JUSTO,

Direitos Reais, pp.259-273. 47

Os conceitos de transmissão e de aquisição derivada podem, portanto, não coincidir. Na constituição de

direitos menores há uma aquisição derivada, porque o novo direito tem na sua base um direito anterior,

mas não há uma transmissão. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.285(1)

. 48

Seguimos sobre este tema OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Reais, 148, 158, 276-280, 284, e ainda As

Relações Jurídicas Reais, pp.77 e ss.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

13

Os Autores que adoptam uma concepção quantitativa serão induzidos a um

desmembramento da propriedade e a que haja uma transmissão, não uma verdadeira

constituição.

A confusão não é, também, facto translativo de direitos, antes extintivo: não há

um fenómeno ou vicissitude de transmissão para o proprietário do direito menor extinto,

antes há um fenómeno de elasticidade do direito maior, após extinção do direito menor49

.

E isto decorre com efeito dos mesmo pressuposto metodológico: da teoria da oneração.

Mas aqui falamos de constituição sobre coisa própria, não ainda de extinção por

confusão, a qual representará normalmente a fase final da existência dum direito.

Efectivamente, quando um direito incida sobre coisa própria, nem sequer poderemos

falar em direito real (atenta a tipicidade destes direitos e seus elementos típicos no

regime legal), nem sequer tão-pouco chegou a constituir-se – aliás, visto que as

definições dos próprios tipos legais de direitos reais, maxime de gozo, contêm e repetem

expressamente o termo “alheio”, ao criar-se um direito real sobre coisa própria,

toparíamos com o princípio do numerus clausus (art.1306.º, n.º1) – criar-se-ia um mero

direito obrigacional por conversão legal50

(art.1306.º/1, in fine) –, não sendo permitida,

por força daquele princípio, a constituição de novos direitos reais, para além dos

tipificados na lei51

, o legislador proibiu expressamente os direitos reais menores sobre

coisa própria, na medida em que todos os tipos legais destes direitos se referem a coisa

alheia, quer atendendo às suas definições legais, quer ao seu próprio regime. Mesmo

interpretando flexivelmente o art.1306.º, n.º1, e o princípio da tipicidade em direitos

reais, não parece haver aqui hipótese de constituir sobre coisa própria direitos

II. O legislador de 1966 consagrou, portanto, em moldes inequívocos, o

princípio romanista nemini res sua seruit a propósito da definição de cada direito real e

na modelação dos seus regimes legais.

Parece-nos que neste caso não estaremos, na verdade, perante um facto extintivo

de direitos reais. O que se passa na verdade é que o direito real menor não se constitui,

se incidir sobre coisa própria. Estar-se-á rectius na presença dum pressuposto negativo

de constituição de direitos menores52

.

Atente-se que, apesar de conceptual e juridicamente impossível um direito real

menor sobre coisa própria, e de na verdade não consistir num verdadeiro direito real –

violando o princípio da tipicidade ou do numerus clausus –, há ainda um argumento de

ordem normativa que obvia a que consideremos a possibilidade de constituição destes

direitos sobre coisa alheia como constituíveis sobre coisa própria. Na verdade,

fundando-se em relações jurídicas reais entre o proprietário e os demais titulares de

direitos reais coexistentes com esta propriedade, e sendo que todo o regime legal destes

direitos, designadamente dos direitos reais de gozo, pressupõe essa relação jurídica,

seríamos levados a concluir que o regime destes direitos seria inaplicável. Todo o seu

regime legal é erigido em torno desta realidade. Isto não obsta à existência de direitos

menores sobre res nullius, nem à conclusão de o elemento de relação não pertence à

essência destes direitos, mas pode ser também um obstáculo à sua constituição sobre

coisa própria.

49

Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.284. 50

Caso seja possível a conversão legal nesse direito obrigacional, ou seja, se o direito real pretendido

pelas partes fosse compatível com uma estrutura obrigacional. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil –

Reais, p.161. 51

Sobre a tipicidade dos direitos reais e, em concreto, sobre a interpretação do art.1306.º CC, vide a obra

de OLIVEIRA ASCENSÃO, A Tipicidade dos Direitos Reais, e Direitos Civil – Reais, pp.153-163. 52

No mesmo sentido, vide JEAN CARBONNIER, Droit Civil – Les Biens, Les Obligations, vol.II, p.1770

[817].

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

14

Dizer que estaríamos perante um negócio consigo mesmo, se proprietário

constituir direito real menor sobre coisa própria através de negócio jurídico (art.261.º),

também não parece constituir obstáculo à admissibilidade de direitos menores sobre

coisa própria. Este esquema do negócio sobre si mesmo foi um argumento utilizado

contra a constituição de direitos reais sobre coisa própria no Direito alemão à luz do

BGB. Porém, admitida genericamente a constituição de direitos reais por negócio

jurídico unilateral53

, parece que este argumento não é decisivo para afastarmos a

possibilidade de constituição de direitos menores sobre coisa própria no ordenamento

jurídico português54

. Não se aplicaria também este esquema, de todo o modo, aos

direitos reais constituídos ex lege, i.e., retenção e privilégios creditórios.

III. Fazendo uma análise casuística, verificamos que todos os tipos legais de

direitos reais menores são tidos como direitos sobre coisa alheia.

O art.1439.º dá-nos uma definição legal de usufruto, o qual se apresenta como “o

direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua

forma ou substância”. Eigentümernie brauch (§ 1063)

Também o art.1484.º, n.os

1 e 2, contém uma definição de uso e habitação.

Aquele consiste na “faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos

frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”, enquanto o

n.º2 do mesmo artigo acrescenta que quando o direito de uso se refere a casa de morada,

“chama-se direito de habitação”.

Da mesma forma o art.1524.º define o direito de superfície como “faculdade de

construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de

nele fazer ou manter plantações”.

Por último, o Código Civil qualifica também a servidão predial como direito

sobre coisa alheia, a qual é definida como “o encargo imposto num prédio em proveito

exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”. A expressão “dono diferente”

mantida pelos Autores do Anteprojecto, embora não sem discussão prévia acerca das

servidões do proprietário, surge aqui para definir tipicamente as servidões prediais como

direitos sobre coisa alheia. Não pode haver, portanto, servidões constituídas sobre coisa

própria, ao contrário do propugnado por VAZ SERRA, na esteira dos autores alemães e

do BGB, que permite expressamente as chamadas servidões do proprietário

(Eigentümergrunddienstbarkeit). A Eigentümerdienstbarkeit alemã abrange as

servidões prediais do proprietário (Eigentümergrunddienstbarkeit) e o usufruto do

proprietário ( ). O Direito alemão, por força do §889 BGB, e de

disposições específicas55

, admite generalizadamente e com consagração legal que os

direitos menores não se extingam por confusão, bem como que se possam constituir

sobre coisa própria, nomeadamente nos casos da Eigentümehypothek (§§ 1163 e 1177) e

da Eigentümergrudschuld (§§ 1193 e 1177).

No caso servidão constituída pelo usufrutuário sobre coisa objecto de usufruto

seu56

, não estamos aqui perante coisa própria, mas doutrem, e ademais os poderes que o

53

Como o é o caso da constituição por testamento (arts.1316.º, 1317, al.b), 1440.º, 1528.º, 1547.º).

Também a propriedade horizontal é constituída, sobretudo, por negócio jurídico unilateral (art.1417.º,

n.º1). 54

Sobre esta questão no Direito alemão, vide MARTIN WOLFF, Derecho de Cosas, pp.45 e 46(5)

, dada a

referência a acordo (Einigung) no §873. 55

Servidões do proprietário (Eigentümergrunddienstbarkeit), usufruto do proprietário

(Eigentüme ), hipotecas do proprietário (Eigentümehypothek §§1163 e 1177, e

Eigentümergrudschuld §§1193 e 1177), penhor do proprietário (Eigentümerpfandrecht §1256) e

superfície do proprietário (Eigentümererbbaurecht). 56

Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Relações Jurídicas Reais, p.97(3)

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

15

usufruto confere ao seu titular não são necessariamente coincidentes com os que uma

servidão confere, sendo direitos autónomos a se, tendo portanto utilidade a constituição

de servidão pelo usufrutuário.

V. Extinção de direitos reais menores por confusão real

§ 1. Caracterização

Verificamos quotidianamente inúmeras situações jurídicas concentrarem-se na

esfera duma mesma pessoa, pelas mais variadas causas. O património57

duma mesma

pessoa sofre oscilações constantes, diminuindo ou aumentando, isto entendendo-o como

o conjunto de situações jurídicas quer activas quer passivas. Porém, vezes há em que

posições jurídicas antagónicas, incompatíveis ou desnecessárias se concentram na

titularidade do mesmo sujeito, numa mesma esfera patrimonial, como pode acontecer

sobretudo no caso dos direitos patrimoniais58

– maxime no caso de direitos de crédito e

reais. Embora nestes dois casos se patenteiem hipóteses diversas, na sua natureza, de

reunião numa mesma pessoa de situações jurídicas antagónicas ou desnecessárias,

importar-nos-á analisarmos estas duas formas de extinção de direitos que quer

normativa quer linguisticamente parecem estar correlatas.

Sem analisarmos já as causas que podem levar à concentração destes direitos em

si opostos num mesmo património, podemos dizer sucederem estas com alguma

frequência na vida jurídica, apesar de consubstanciarem em si um fenómeno que à

partida não terá sido o visado aquando da constituição de certa situação jurídica, isto é,

constitui um fenómeno anormal, nomeadamente quando pensamos uma das suas causas

mais apontadas, no que respeita à confusão obrigacional, ser a sucessão mortis causa

nas posições jurídicas do de cuius59

. Esta não será certamente a única causa no que se

refere aos direitos reais. Nestes a confusão operará mediante quaisquer factos jurídicos

reais quoad effectum translativos, e, inserindo-se na categoria dos negócios jurídicos,

tanto importa que sejam gratuitos ou onerosos, unilaterais ou contratos. A extinção

destes direitos trará, por conseguinte, consequências a direitos de terceiros, a interesses

e expectativas destes, bem como aos direitos e expectativas dos próprios titulares de

direitos confusos, pelo que se compreende que o Direito seja aqui chamado à resolução

destes casos.

57

Cfr., colorandi causa, distinguindo, dentro da esfera jurídica, uma esfera jurídica pessoal e uma esfera

jurídica patrimonial ou património, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria Geral, III, pp.123-132;

PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, pp.96-99. 58 O estudo cinge-se às situações jurídicas patrimoniais referentes ao património duma mesma pessoa (ou

patrimónios); o problema não se coloca quanto a direitos não patrimoniais. Dentro dos direitos não

patrimoniais, designadamente no que respeita aos direitos pessoais, a regra é a da intransmissibilidade,

atenta a sua natureza inerente ao próprio titular (art.2025.º, e.g.) – valeria aqui o aforismo medievo

nomina ossibus inhaerent –, e a transmissão dum direito é pressuposto da extinção por confusão, embora

a própria confusão seja em si um facto extintivo de direitos menores, não uma transmissão de direitos:

logo, se intransmissíveis, não se confundem. Para haver confusão tem de haver transmissão (ou sucessão):

só há confusão se houver transmissão. 59

A transmissão mortis causa é para alguns Autores, ao que parece, a única causa possível de extinção

por confusão de créditos. Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, II, p.259(3)

, atenta a

separação que o ilustre mestre faz entre remissão (art.863.º a 867.º) e confusão (art.868.º a 873.º) como

causas extintivas de direitos de crédito e correspondentes obrigações, considerando remissão a doação ou

cessão do crédito. Já VAZ SERRA, BMJ n.º 41, pp.35 e 36, refere poderem ser fontes da confusão

«quaisquer factos pelos quais o devedor adquire o crédito ou o credor a dívida», abrangendo

consequentemente a cessão ou a doação de créditos nas causas da confusão.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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Para resolver o problema da reunião de dois direitos antagónicos num mesmo

titular, desde cedo os juristas de tradição romanista, suportando-se no Direito Romano

Justinianeu, erigiram o princípio nemini res sua seruit aplicável iure seruitutum a

princípio geral de Direitos Reais. O fenómeno não é, de qualquer forma, estranho. Na

falta duma Parte Geral de Direitos Reais no Livro III do Código Civil de 1966 que

enunciasse os princípios gerais aplicáveis a estes, foi sempre necessário,

casuisticamente, e partindo do regime legal de cada um dos tipos de direitos reais, erigir

em princípio geral destes direitos certas regras jurídicas enunciadas a propósito de cada

tipo60

. As previsões mais genéricas no que toca aos direitos reais encontram-se nos

artigos 1302.º e seguintes, no Capítulo I do Título II do Direito das Coisas, a propósito

do direito de propriedade, fazendo-o explicitamente o art. 1315.º que manda aplicar à

defesa de todo o direito real as disposições precedentes, i.e., concernentes à defesa da

propriedade, designadamente a acção de reivindicação (arts. 1311.º a 1315.º)61

. Porém,

outros princípios podemos enunciar partindo de direitos reais que não a propriedade,

como atendendo ao regime legal do usufruto, das servidões, da superfície, da hipoteca,

do penhor, etc. No que toca, porém, às servidões, efectivamente foi sempre um campo

predilecto donde a doutrina e a jurisprudência enunciaram regras depois generalizáveis

em princípios gerais de direitos reais62

.

A confusão ou consolidação é tida normativamente como uma causa de extinção

de direitos reais menores. Esta causa de extinção opera quando se concentram na

titularidade duma mesma pessoa um direito real maior e um direito real menor onerador

que tenham por objecto a mesma coisa.

Parece, contudo, da leitura dos enunciados legais haver diferenças sobre o modo

como opera a confusão nuns e noutros direitos reais, porquanto, aparentemente, só nos

direitos reais de garantia e num caso no direito de superfície o legislador veio diferir o

efeito extintivo da confusão de direito real menor em direito real maior, tendo em

atenção, naquele caso, o interesse do credor que reúna a titularidade do direito real de

garantia e do direito real maior e o interesse de terceiros, e neste tendo em vista a

expectativa jurídica do titular de direito real onerador de superfície temporária ou

perpétua que se extinga antes do prazo ou se extinga quando não deveria extinguir-se no

caso de ser perpétua. A diferença é porém meramente aparente: o princípio é geral, ou

seja, de que a confusão não opera contra direitos de terceiros e quando o titular do

direito confuso tenha um interesse atendível. Com efeito, a confusão não prejudica

direitos de terceiros (art. 871.º, n.º 1 e ainda art. 1541.º Código Civil), pelo que,

aquando da reunião na titularidade da mesma pessoa dum direito real menor e dum

direito real maior, dever-se-á ter em conta os direitos de terceiro ou os interesses

60

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.30-36, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.45-69. 61

Assim como o faz também o art.1343.º, n.º 2, a propósito do prolongamento de edifício por terreno

alheio, ou o art.1404.º, tornando o regime da compropriedade tipo-padrão para a contitularidade de

direitos reais. 62

Vide MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.723-726, SANTOS JUSTO, Direitos Reais, p.404, COELHO

VIEIRA, Direitos Reais, pp.63 e 823-828. Estes Autores enumeram os vários princípios de direito das

servidões formulados no Direito Romano e no Direito Comum, muitos dos quais consagrados nas

legislações modernas, e alguns deles generalizados em princípios de direitos reais, ou concretizados em

regras que concretizam esses princípios. Assim, exemplificativamente, para além do princípio nemini res

sua seruit, encontramos no Direito Romano as origens do princípio servitus fundo utilis esse debet, do

princípio servitus in faciendo consistere nequit – de importância capital para o problema das obrigações

propter ou ob rem, levando à inadmissibilidade de direitos reais in faciendo tendo por objecto uma

obrigação de facere positiva –, o princípio seruitus seruitutis esse non potest, o principio da

inseparabilidade – manifestação da inerência do direito real à coisa (art.1545.º) – e o princípio per partes

seruitus adquiri neque imponi potest ou da indivisibilidade (art.1546.º).

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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legítimos do credor que vê o seu direito real de garantia extinto por confusão quando

adquire a propriedade da coisa onerada. Assim, na falta dum preceito geral que estatua a

extinção por confusão real, teremos de saber se estamos perante um princípio que

possamos estender aos restantes direitos reais.

Quais são as causas da confusão real? Ora, tudo o que leve a que um direito

menor e um direito maior se concentrem na esfera duma mesma pessoa. Diríamos que

qualquer aquisição dum direito real, fosse originária, fosse derivada: bastaria que se

constituísse ou se transferisse um direito real menor ou maior onerado para a esfera

patrimonial do adquirente. Podê-lo-ia portanto ser por todas as maneiras como se pode

transmitir ou constituir um direito real: por qualquer facto jurídico com efeitos reais –

negócio unilateral, contrato, acto jurídico, facto jurídico stricto sensu – sendo os mais

comuns o contrato, testamento, usucapião, sucessão ou transmissão mortis causa63

.

Desta feita, haverá três esquemas que poderão levar à confusão real:

- ou o titular do direito menor adquire o direito maior;

- ou o titular do direito maior adquire o direito menor;

- ou um terceiro adquire ambos os direitos64

.

Porque é mais intensa a protecção de terceiros na confusão como facto extintivo

do que na constituição de direitos reais menores pelo proprietário da coisa? Tutela de

terceiros não é tão premente na constituição (e.g. servidão de proprietário), embora se

faça sentir na extinção por esta representar uma diminuição do património e a

constituição representar um activo patrimonial pelo menos para os credores (mas isto é

falacioso porque a extinção por confusão pode consistir num caso de aumento do

património se o beneficiário era o devedor e adquire posteriormente o crédito, assim

como a constituição do direito real pode apresentar despesas que conformaram uma

diminuição do património pessoal que é garantia geral dos credores)

§ 2. Regime legal

Como não há um regime unitário e genérico para a confusão real, ao contrário do

que acontece no Livro II de Direito das Obrigações para a confusão obrigacional,

teremos de partir dos vários dados legais esparsos e extrair da sua interpretação um

princípio geral operante neste sector do Direito Civil – o Direito das Coisas.

São disso exemplo as disposições legais que estatuem a extinção de direitos reais

de gozo por confusão, designadamente no caso de usufruto (art.1476.º, n.º 1, b)), uso e

habitação (art.1485.º, que contém norma remissiva para art.1476.º, n.º1,b)), superfície

(art.1536.º, n.º 1, d)), servidões (art.1569.º, n.º 1, a)). Também importa referir a extinção

por confusão da já extinta enfiteuse no art.1513.º, a).

No âmbito dos direitos reais de garantia, no Capítulo VI do Livro III de Direito

das Obrigações da Secção III à Secção IV, não encontramos nenhuma norma que

contemple o caso de extinção por confusão do direito menor de garantia quando reunido

na mesma titularidade que o direito maior. Não a encontramos sobretudo a propósito da

hipoteca que contém, em sede destes direitos, o regime paradigmático da sua extinção

63

Dado o escopo do trabalho não nos ateremos à natureza da sucessão, que alguns autores englobam na

categoria da transmissão e outros autonomizam-na ante esta categoria, sobretudo à luz da interpretação do

art.2024.º. Vide, sobre a natureza da sucessão, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito das Sucessões, pp.444-462,

JORGE DUARTE PINHEIRO, Direito da Família e das Sucessões, vol. III, pp.13-14 e EDUARDO DOS SANTOS,

Direito das Sucessões, pp.25-47. 64

Cfr. GIUSEPPE GROSSO e DIOMMARIA DEJANA Le Servitù Prediali, BENOÎT LOSFELD, “La

consolidation”, p.6-12, RTDC, I, 2007.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

18

no art.730.º65

. Conquanto não haja nenhuma norma legal expressa que preveja a reunião

de dois direitos reais – um maior e o outro menor – na titularidade duma mesma pessoa,

com a consequente extinção do direito menor, a regra pode ser inferida através dum

argumento a contrario sensu da norma excepcional do art.871.º, n.º 4, que se refere ao

diferimento da extinção do penhor e da hipoteca no caso de reunidos estes direitos na

titularidade do proprietário da coisa. Destarte, também o penhor e a hipoteca se

extinguem por confusão. Da mesma forma se extinguem a consignação de rendimentos,

os privilégios e a retenção. Por força das remissões legais feitas no regime destes

direitos para o regime do penhor e, sobretudo, da hipoteca, particularmente no que

concerne às causas de extinção destes direitos (arts.657.º, n.º2, 663.º, n.º3, 664.º, 665.º,

para a consignação de rendimentos; arts.752.º e 753.º para os privilégios creditórios;

arts.758.º, 759.º, 761.º para a retenção, remetendo para regimes da hipoteca e penhor),

deve entender-se aplicável o art.871.º, n.º 4, a todos os direitos reais de garantia.

O carácter excepcional da norma do art. 871.º, n.º 4, leva-nos, contudo, a

questionar a sua aplicação analógica às outras categorias de direitos reais que não os de

garantia. Importa saber ante qual norma é o art.871.º, n.º4, excepcional?

Quanto aos direitos reais de aquisição, uma vez que o seu próprio regime legal

não se encontra unitariamente regulado, e sendo que, sobretudo no concernente à

preferência e a promessa real, o seu regime não contempla directamente a sua natureza

real, devemos neste caso aplicar a estes direitos o princípio geral que já extraímos:

quando um direito menor e um direito maior sobre uma mesma coisa se concentram na

mesma pessoa, aquele extingue-se. Aliás, pode dizer-se que, mesmo que não houvesse

disposição legal que estatuísse a extinção do direito menor no caso de confusão, o

direito menor extinguir-se-ia igualmente. Esta solução decorre logicamente da natureza

das coisas. Ainda assim não será este o caso: o Direito Civil português normativamente,

a partir dos dados legais nesta matéria, erige em princípio de direitos reais a extinção

por confusão de direitos reais menores, pelo que também em matéria de direitos reais de

aquisição devemos aplicá-lo, na falta de disposição legal expressa nesse sentido. Esta

extinção por confusão decorre da natureza real destes direitos e de serem iura in re

aliena66

.

Poderia objectar-se com o argumento de que não pode haver aplicação analógica

das normas do art.871.º, n.º4, aos outros direitos reais, pois são normas excepcionais

ante regime geral da confusão (real e obrigacional). Ademais, vigora em direitos reais o

princípio da tipicidade ou do numerus clausus (art.1306.º, n.º1. Aquilo que poderia,

então, admitir-se seria uma interpretação extensiva com aplicação do art.871.º, n.º4, aos

demais direitos reais de garantia (anticrese, retenção, privilégios), ideia que sai

reforçada atenta a circunstância de o regime da hipoteca ser o paradigmático em sede de

extinção destes direitos (art.730.º, o qual é aplicável à anticrese, penhor, privilégios e

retenção ex vi, respectivamente, dos arts.664.º, 677.º, 752.º e 761.º, respectivamente).

Todavia, parece-nos que este argumento padece de excessivo formalismo e não

se coaduna com exigências reais ou interesses das partes. Uma das formas de tornear

esta objecção seria argumentando que não se trata duma norma excepcional, mas dum

65

Para as causas de extinção da hipoteca remetem o art.664.º, a propósito da consignação de rendimentos,

o art.677.º, a propósito do penhor, o art.752.º, a propósito dos privilégios creditórios, e o art.761.º a

propósito da retenção. O regime de extinção destes direitos prevê ainda outras causas de extinção ligadas

à sua própria natureza: assim o penhor e a retenção extinguem-se com a restituição ou entrega da coisa

(arts.677.º e 761.º, respectivamente). Vide infra a propósito de cada um destes direitos. 66

Também MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pag.550, alarga o princípio da eficácia extintiva da

confusão aos direitos reais de aquisição. Da mesma forma, OLIVEIRA ASCENSÃO, pp.390-417, prevê a

extinção de direito menor por confusão a propósito das causas gerais de extinção de direitos reais.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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princípio, o princípio de que a confusão não prejudica direitos de terceiros (art.871.º,

n.º1, concretizado depois pelos n.os

2 e n.º3) e de que não opera se houver um interesse

juridicamente atendível por parte do titular do direito extinto (art.871.º, n.º4). Com

efeito, podemos do art.871.º, n.º4, conjuntamente com os arts.699.º, n.º3, e 1541.º,

extrair um princípio de direitos reais, o de que a confusão não opera se estiver em causa

um interesse juridicamente atendível do titular do direito confuso, assim como não

prejudica direitos de terceiros (art.871.º, n.º1). Erigido o princípio destes dados

normativos, podê-lo-emos generalizar a princípio de direitos reais, nomeadamente no

que toca à extinção de direitos. Temos assim por ultrapassado o argumento de que o

regime do art.871.º seria inaplicável aos restantes direitos reais que não fossem de

garantia.

§ 3. Nos direitos reais de gozo

1. Superfície

O direito de superfície apresenta, com efeito, alguma complexidade, na medida

em que implica vários direitos em concurso, em relações jurídicas reais, nomeadamente

entre fundeiro e superficiário, mas que podem mesmo chegar a englobar, in extremis,

por exemplo, as posições do fundeiro – superficiário – proprietário de fracção autónoma

– usufrutuário – arrendatário – credor hipotecário. Portanto, para além da complexidade

do regime das relações jurídicas reais entre fundeiro e superficiário, a coisa objecto de

superfície pode ver-se objecto de vários outros direitos reais sobrepostos, em conflito e

em simultâneo, além daqueles dois. O caso da superfície não é o único de sobreposição

de direitos reais, mas sobre ele têm-se desenhado casos de difícil resolução, como o

caso do superficiário condómino67

.

Na superfície importa dividirmos dois momentos: aquele em que aparece como

direito real de aquisição, e aquele em que aparece como direito real de gozo,

designadamente como propriedade especial superficiária68

. Em princípio,

cronologicamente este último momento seguir-se-á àquele.

Não pretendemos, nem tão-pouco se integra no escopo do presente trabalho,

entrar na discussão acerca da natureza jurídica da superfície, embora optemos por uma

da qualificação, na medida em que trará importantes reflexos na sua qualificação ou

como direito maior ou como direito menor, bem como na sua qualificação como direito

sobre coisa própria ou direito sobre coisa alheia. As teses podem sumariamente,

resumir-se a duas mais importantes: a superfície como direito real de gozo complexo

diferente da propriedade, i.e., como direito menor69

; a superfície como propriedade

superficiária70

. A tese preferível é a de que a superfície se apresenta como uma

67

Sobre este tema vide o estudo de CARVALHO FERNANDES, “A situação jurídica do superficiário-

condómino”, ROA 66 (2006), II, pp.547 e ss. 68

Seguimos aqui a terminologia de CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, pp.433 e ss., e

também em “A situação jurídica do superficiário-condómino”, ROA 66 (2006), pp.550-551. 69

MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, vol.II, p.1020, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais ,

pp.411-413, e “A situação jurídica do superficiário-condómino”, ROA 66 (Set. /06), pp.501-503, e PINTO

DUARTE, Direitos Reais, p.172. 70

Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, “Estudos sobre a superfície e a acessão”, SI, pp.22-23, “O direito de

superfície referente a plantações”, SI XXI, 1972, pp.365-380, e, em geral, Direito Civil – Reais, p.532,

considerando ainda a superfície, na sua estrutura, como direito real complexo, e ainda PIRES DE LIMA e

ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.III, p.559, MOTA PINTO, Direitos Reais, pp.290-293, e

HENRIQUE MESQUITA, Obrigações Reais e Ónus Reais, p.373, e, segundo nos parece, Santos Justo,

Direitos Reais, pp.391-401, bem como, não obstante optar pela configuração global da superfície como

direito real complexo, ARMINDO RIBEIRO MENDES, “O direito de superfície”, pp.34-42.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

20

propriedade especial quanto à propriedade do implante (estamos no segundo momento

da superfície), mas que no seu todo apresenta a estrutura dum direito real complexo. O

facto de o direito não ser exclusivo não deve levar à negação de que estejamos perante

uma propriedade, como o fazem MENEZES CORDEIRO e CARVALHO FERNANDES71

, na

medida em que também no caso de compropriedade a propriedade não é direito

exclusivo, e nem por isso deixa de ser propriedade72

. O direito aqui em causa é um

direito pleno, e isso, em princípio, bastar-nos-á.

O escopo do nosso trabalho é, contudo, averiguar da possibilidade de

constituição da superfície sobre coisa própria. Ora, a superfície no seu primeiro

momento, enquanto direito real de aquisição, é sempre direito sobre coisa alheia, a isso

nos induzindo o próprio art.1524.º, que refere ser a superfície o direito de construir ou

manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer

plantações. O preceito legal refere imperativamente terreno alheio, bem como o reitera

nos arts.1525.º e 1526.º. Mas, construída a obra, continuamos a ter um direito sobre

coisa alheia? Parece que, construída a obra, o direito do superficiário será o de uma

propriedade especial, estando-se perante um direito sobre coisa própria.

O direito de superfície, enquanto direito não exclusivo, e menor em relação à

propriedade, está sujeito à extinção por confusão (art.1536.º, n.º1, d)). Com efeito, seria

desnecessário, em regra, manterem-se duas propriedades distintas sobre coisas ligadas.

Porém, é em sede do direito de superfície que tem aplicação o art.1541.º que

coarcta precisamente a eficácia extintiva da confusão. Diz-nos este preceito que,

extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou temporário antes do decurso do

prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a

onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção. Eis aqui

um caso que confirma o princípio do art.871.º, n.º1, o de que a confusão não prejudica

direitos de terceiro.

2. Usufruto

I. A lei define o usufruto, no art.1439.ºCC, como o direito de gozar temporária e

plenamente uma coisa ou direito alheio.

O usufruto é configurado como um direito real de gozo. À semelhança da

propriedade, o usufrutuário tem o gozo pleno da coisa, mas daquela distingue-se por ser

um direito temporário, constituindo este um elemento típico injuntivo do usufruto, ou

seja, na medida estamos aqui perante a sujeição dum direito a um facto futuro e certo,

portanto a um termo (art.278.º) que a lei toma como elemento constitutivo típico do

usufruto (arts. 1439.º e 1443.º)73

, pelo que está vedado às partes celebrar um usufruto

perpétuo com natureza real (art.1306.º, n.º1)74

. Elucidativamente, pode dizer-se que,

enquanto a propriedade pode ser temporária, o usufruto tem de o ser75

. Porém, a

distinção entre o usufruto e a propriedade não pode ser feita simplesmente através da

71

MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, e CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, e “A situação

jurídica do superficiário-condómino”, ROA 66 (2006), II, pp.547 e ss. 72

Já assim LUÍS PINTO COELHO, Da Compropriedade…. 73

Assim, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Reais, pp.470-471. 74

Ao contrário do que acontece com a propriedade e com a enfiteuse, cujos tipos legais englobam a

perpetuidade (arts.1307.º, n.º2, e 1492.º), embora estejam estes direitos sujeitos à extinção por não uso,

nos termos gerais, e seguindo a função social da propriedade. 75

Assim, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, p.649.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

21

temporaneidade típica daquele, pois que também a propriedade pode ser temporária, nos

casos especialmente previstos na lei (art. 1307.º, n.º 2)76

.

A propriedade expande-se até à sua plenitude, por força da elasticidade, quando

se extinguem os direitos que oneram a coisa em concurso consigo, já o usufruto, embora

também participe da característica da elasticidade, esta é de âmbito menor que a

elasticidade no âmbito da propriedade. Assim, extinto o usufruto (art.1476.º), a

propriedade torna-se de novo plena, expande-se. Pelo contrário, extinta a propriedade,

nada na lei permite concluir que o usufruto se expanda com a extinção da propriedade

concorrente sobre a mesma coisa: a coisa ficará nullius. Note-se, no entanto, que a

elasticidade não é característica específica da propriedade, também o usufruto pode ser

dotado de certa elasticidade dentro dos limites próprios do seu direito, da mesma forma

que sucede com os direitos reais de gozo em que os poderes são concedidos como

universalidade e naqueles onerados por direitos menores no caso de estes se

extinguirem77

, bem como existe no caso de estarmos perante direitos homogéneos que

se extingam aproveitando aos outros contitulares.

O próprio legislador contrapõe usufrutuário e proprietário, e usufruto e

propriedade, correlacionando aquele ante este como um direito menor (por exemplo,

nos arts. 1447.º, 1448.º, 1451.º, 1452.º, 1453.º, 1454.º, 1455.º, 1456.º, 1458.º, 1460.º,

1468.º, 1471.º)78

.

Deve ainda referir-se que o gozo “pleno” do usufrutuário (art.1439.º) não tem

também a amplitude que tem o gozo pleno do proprietário (art.1305.º), na medida em

que o usufrutuário sofre uma perda da fruição da coisa através intervenção do

proprietário nos casos previstos na lei (arts.1471.º, n.º1 e 2, 1473.º, n.º3).

Fica, destarte, afastada a qualificação do usufruto como um ius in re propria79

,

sendo antes tido normativamente como um direito menor, normalmente in re aliena80

.

No usufruto, o gozo implica o uso e a fruição da coisa81

. O usufrutuário tem

também o poder de transformar a coisa objecto do seu direito, mas sem que altere a sua

forma ou substância (art.1439.º). Do poder de transformação da coisa, e respeito pela

sua forma e substância, resulta a faculdade de o usufrutuário fazer na coisa usufruída

benfeitorias úteis e voluptuárias (art.1450.º, n.º 1).

II. Importa agora passarmos para o ponto que nos importa. É concebível e

justificável um usufruto sobre coisa própria? Por que razão não se colocou, nem coloca

ainda, o problema do usufruto sobre coisa própria com a mesma acuidade que o

problema das servidões do proprietário e que o problema do hipotecário proprietário?

76

Cfr. arts. 409.º, 1524.º a 1542.º e 2286.º a 2296.º, como exemplos de propriedade temporária. COELHO

VIEIRA, Direitos Reais, p.674, aventa ainda a hipótese do legado a termo, a ser admitido no Direito Civil

português. Também HENRIQUE MESQUITA, Direitos Reais, 139, seguindo-se-lhe PIRES DE LIMA e

ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, sub art.1307.º, p.105, refere, em termos para nós dúbios, a

posição jurídica do fundeiro na superfície por certo tempo e em que no título constitutivo seja prevista a

reversão da propriedade para o superficiário, após o decurso do prazo convencionado. 77

Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.449. 78

Para quem não admita a extinção da propriedade por não uso, será também uma diferença entre estes

dois direitos reais o facto de usufruto extinguir-se por causa deste facto extintivo (art. 1476.º, n.º 1, c)) 79

Como o parecem referir alguns textos romanos, nomeadamente PAVLVS em D.7,1,4, dizendo “usus

fructus in multis casibus pars dominii est, et exstat, quod uel praesens uel ex die dari potest”. Estes textos

não são, contudo, sequer, decisivos na qualificação romana do usufruto como ius in re própria, na medida

em que este Direito o concebe sempre como direito sobre coisa alheia, como é referido expressivamente

em D.7,1,1. 80

Normalmente, porque, nos termos gerais, pode incidir sobre res nullius, maxime no caso do usufruto de

coisas móveis. 81

Como a raiz do próprio nome usufruto indica: substantivo composto da aglutinação de usus e fructus.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

22

Em favor da admissibilidade de constituição de usufruto sobre coisa própria se

bateu LÜBTOW82

em face do ordenamento jurídico alemão perante dados legais muito

mais inequívocos que os nossos. Embora as razões do ilustre Autor, nomeadamente a de

que extinta a propriedade se manteria o usufruto, sejam válidas, não são atendíveis

perante o nosso ordenamento jurídico que concebe o usufruto injuntivamente como ius

in re aliena (art.1439.º), assim como julgamos haver outros expedientes válidos para

atingir o mesmo efeito que a reserva de grau de que fala a doutrina germânica

(Rangvorbehalt). Não vemos, portanto, interesse jurídico na constituição de usufrutos

do proprietário, embora, mesmo a existir, iure constituto a figura não parece ser

admissível.

III. As conclusões a que chegámos no usufruto, nomeadamente quanto ao

usufruto do proprietário, e quanto à sua extinção por confusão real, aplicam-se ao uso e

habitação, com as necessárias adaptações, tendo em conta as especificidades destes

direitos (arts.1485.º e 1490.º).

3. Servidões

Quanto às servidões, temos de ter em conta os arts.1543.º e 1569.º, a), para a sua

constituição e extinção, respectivamente.

Quanto à constituição da servidão sobre coisa própria ou servidão do

proprietário, é indubitável que o legislador a afastou de forma inequívoca. Diz-nos o

art.1543.º que servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo

de outro prédio pertencente a dono diferente. A fórmula é símile à doutros Códigos,

nomeadamente de tradição romanística, afastando-se deste paradigma o BGB e o

CCsuíço.

Faz parte do conteúdo injuntivo típico da servidão o ser sobre prédio pertencente

a dono diferente, caso contrário desvirtuaríamos este direito e quando muito estaríamos

perante um direito obrigacional (art.1306.º, n.º1).

Já quanto à extinção da servidão por confusão, diz-nos o art.1569.º, al.a), que ela

se extingue pela reunião dos dois prédios na titularidade da mesma pessoa. Parece não

haver excepções à eficácia extintiva da confusão em sede de servidões, valendo de

pleno o princípio nemini res sua seruit.

Mas não é assim. O art.724.º, n.º2, no tocante à hipoteca, refere que renascem e

são incluídas na venda judicial as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam

algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado. Aqui

encontramos um desvio a esta eficácia extintiva da confusão. E é por isso que iure

constituendo entendemos que também às servidões se deve aplicar o regime do art.871.º,

n.º1 e 2, ou seja, de que não se extinguem por confusão, havendo um interesse jurídico

atendível do titular do direito confuso ou no caso de prejudicar direitos de terceiros.

§ 4. Nos direitos reais de garantia

82

Vide, sobre o usufruto do proprietário, o estudo de ULRICH VON LÜBTOW

an Grundstücken“, NJW (1962), Heft 7, pp.275-278. Afirma o Autor que o interesse jurídico que

podemos encontrar na constituição do usufruto sobre coisa própria pode encontrar-se na ideia de reserva

de posição ou grau (Rangvorbehalt), na medida em que, extinguindo-se a sua propriedade, o usufrutuário

proprietário manterá sempre o seu usufruto: “Die Bestellung eines Eigenrechts bietet gegenüber dem

Rangvorbehalt wichtige Vorteile. Wenn der Eigentümer das Eigentum am Grundstück verliert, so behält

er trotzdem das Eigenrecht, jetzt als Recht an fremder Sache, während die Ausübung des Vorbehalts dem

jeweiligen Eigentümer zustehen”, op.cit., p.277

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

23

Quanto aos direitos reais de garantia, regem nesta matéria dois preceitos que

confirmam o princípio geral: os arts.871.º, n.º 4, e 724.º. É necessário interpretá-los

correctamente para podermos retirar deles todas as consequências.

Uma questão surge-nos à partida: porque não preceituou o legislador a extinção

dos direitos reais de garantia por confusão real, como o fez para os direitos reais de

gozo, i.e., nas próprias secções relativas a estes direitos? Não terá concebido a hipótese

de incidirem sobre coisa própria ou seria tão óbvia a sua extinção por confusão (real e

obrigacional), possivelmente porque, havendo um regime de confusão obrigacional, em

cujo Livro II estão as garantias, e sendo que extinto o crédito se extingue a garantia por

força da acessoriedade daquelas, o legislador achou essa duplicação de referências

desnecessária?

Aliás, nestes direitos os factos extintivos do crédito por confusão obrigacional

são coevos dos factos extintivos dos direitos reais por confusão também, i.e., se o

devedor hipotecário, v.g., adquirir o crédito, extinguem-se crédito e dívida, sendo que a

garantia, como não subsiste sem o crédito, por força da acessoriedade, forçosamente se

extinguirá (arts.664.º, 677.º, 730.º a), 752.º, 761.º). Porém, pode haver uma dissociação

da dívida e do titular do bem onerado, quer no caso de hipoteca constituída por terceiro

(art.717.º), quer no caso de transmissão dos bens hipotecados (art.721.º), bem como

pode haver dissociação do crédito da titularidade do direito real de garantia (art.727.º).

Nestes casos, a extinção da dívida originária não extinguirá a garantia necessariamente,

daí que, se o legislador considerou que o princípio da acessoriedade (art.730.º, a))

abarcaria todos os casos de extinção por confusão real, fê-lo erradamente.

Contudo, parece-nos que, a par da consideração de que, regra geral, havendo

confusão obrigacional, há confusão real nas garantias, o legislador veio, no art.871.º,

n.º4, corrigir a omissão à referência à confusão real nas secções próprias daqueles

direitos. Este artigo começa no n.º1 por referir como princípio geral que a confusão não

prejudica os direitos de terceiro. Os n.ºs2 e 3 referem-se à confusão obrigacional quanto

às garantias pessoais – ao penhor e usufruto de créditos, e à fiança. Surge-nos, assim, no

n.º4, o preceito em causa que nos diz que a reunião na mesma pessoa das qualidades de

credor e de proprietário da coisa hipotecada ou empenhada não impede que a hipoteca

ou o penhor se mantenha, se o credor nisso tiver interesse, e na medida em que esse

interesse se justifique. Ora, o que aqui está em causa é indubitavelmente um caso de

confusão real, na medida em que o penhor ou a hipoteca juntando-se na mesma

titularidade da propriedade sobre a mesma coisa se extinguem. Pode tratar-se duma

confusão obrigacional, mas só quando esta acarrete consigo a confusão real, porque o

que está em causa neste preceito é a confirmação do princípio geral nemini res sua

seruit, ao mesmo tempo que o excepciona. A contrario sensu, quer a hipotecam quer o

penhor se extinguirão quando reunidos na titularidade do proprietário da coisa, não

tendo o credor interesse na manutenção do seu direito real de garantia, e nos casos em

que esse interesse não se justifique.

A interpretação desta norma coloca alguns problemas, nomeadamente quanto

aos casos que abrange: hipoteca e penhor. Deve aplicar-se analogicamente aos outros

direitos reais de garantia, i.e., à consignação de rendimentos, aos privilégios e à retenção?

A resposta afirmativa à questão topa com o princípio da tipicidade (art.1306.º, n.º1)83

, e

com a proibição da aplicação analógica das regras excepcionais (art.11.º). Mas seria

razoável que um preceito com esta amplitude não se aplicasse por exemplo à retenção,

que é um direito em muito símil ao penhor, tanto que é, em muitos ordenamentos

83

Cfr., sobre a tipicidade e a analogia em Direitos Reais, as obras de OLIVEIRA ASCENSÃO, A Tipicidade

dos Direitos Reais, e ELSA SEQUEIRA SANTOS, Tipicidade e analogia em Direitos Reais, Estudos em

Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol.III.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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considerado como um penhor legal? O mesmo se diga da consignação e dos

privilégios84

: fará sentido que se não extingam quando reunidos na mesma mão que a

propriedade?

Quanto ao facto de o princípio da tipicidade obviar à aplicação analógica,

parece-nos que este argumento não procede. Aquilo que este princípio impede é a

criação de novos direitos reais pelas partes: tão-pouco impede a criação de novos

direitos reais pela lei, assim como não impede a qualificação pelo intérprete de direitos

como reais85

. Tem-se procedido à aplicação analógica de vários preceitos de direitos

reais a outros, como seja o caso da superfície e da acessão, ou da aplicação analógica da

extinção por usucapio libertatis, sem que se tenha sequer questionado da sua

admissibilidade. Ademais, embora o art.871.º estabeleça o desvio em relação ao regime

geral da confusão obrigacional e real e da sua eficácia extintiva, estamos perante um

princípio também, embora excepcional.

Resulta das considerações expostas que ao art.871.º, n.º4, se aplica aos restantes

direitos reais de garantia, assim como, na falta de disposição em especial, aos restantes

direitos reais, mutatis mutandis. O mesmo se dirá de todo o regime do art.871.º.86

1. Retenção

I. Constituição

Os pressupostos desta figura geral (art.754.º) são: uma obrigação de entrega de

coisa penhorável impender sobre o detentor (arts.754.º e 756.º, al.c)); o devedor da

entrega ser, concomitantemente, credor da pessoa a quem deve entregar a coisa, tendo

esse crédito de ser já exigível87

, mas não necessariamente líquido (art.754.º e 757.º);

conexão material entre crédito e coisa a entregar (art.754.º); não aquisição da detenção

da coisa por meios ilícitos, nem constituição do crédito resultante de despesas de má

fé88

(art.756.º, als.a) e b)); não ter sido prestada caução suficiente (art.756.º, al.f)). Os

pressupostos gerais não são diferentes para os casos excepcionais de retenção no

art.755.º, à excepção da conexidade material entre o crédito e a coisa, pois quanto a

estes não se exige necessariamente a verificação da conexidade material do crédito com

a coisa, antes o legislador se bastou com uma conexidade jurídica.

Se o credor na posse da coisa exercer a retenção quanto ao pagamento de

créditos de despesas por causa da coisa ou danos por ela causados, e em simultâneo por

créditos em que não se verifica esta conexidade com a coisa, ele exerce ilegitimamente

o direito em relação a essoutros créditos não conexos à coisa, não tendo a retenção da

84

Quanto a estes dois direitos reais de garantia, diferem dos outros três, ao que nos parece, num ponto

essencial: o facto de não ser a sua publicidade constitutiva, podendo constituir-se ou pelo mero consenso,

como é o caso da anticrese, ou por lei sem que seja necessário que o credor tenha a posse da coisa ou o

devedor não possa dispor materialmente dela. Isto não leva, contudo, a que não os devamos englobar no

art.871.º, nº4, porquanto esta diferença de regime não influi nas considerações sobre o diferimento da

eficácia extintiva da confusão. 85

Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.155-157, e COELHO VIEIRA, Direitos Reais,

pp.206-210. O princípio da tipicidade abrange quer a escolha do tipo (Typenzwang), a modificação do

tipo quanto aos seus elementos injuntivos típicos legais (Typenfixierung). 86

Também assim OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.416. 87

Bastando a simples exigibilidade do crédito para que se constitua a retenção, em regra, porém, ele surge

sempre que o crédito se tenha já vencido. Vide, sobre o requisito da exigibilidade do crédito na retenção,

VAZ SERRA, “Direito de retenção”, BMJ 65 (1957), pp.164-167. 88

A al.b) do art.756.º surge como decorrência do princípio da boa fé na sua vertente de primazia da

materialidade subjacente, sob pena duma aplicação formal do Direito. Assim, CLÁUDIA MADALENO,

op.cit.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

25

coisa quanto a estes, o que não obsta, porém, a que quanto ao crédito conexo à coisa

exerça legitimamente a retenção89

.

Refira-se que a obtenção ilícita da coisa a entregar só exclui retenção do

obrigado à entrega, se no momento da aquisição da coisa ele conhecesse a ilicitude

desta (art.756.º, b)).

O facto de o crédito ainda não ser exigível ou não se ter ainda vencido não obsta

à constituição do direito de retenção (art.757.º, n.º1), bastando que antes do vencimento

se tenha verificado qualquer uma das situações que originam a perda do benefício do

prazo (art.780.º). Tão-pouco a iliquidez do crédito garantido constitui óbice à

constituição da retenção (art.757.º, n.º2). O art.757.º é, na sua ratio, símil ao art.429.º

para a exceptio.

A sua constituição é legal, e não negocial. A retenção, a par dos privilégios, não

é constituída por negócio jurídico, mas por lei, logo também não apresentam desvio ao

sistema do título (art.408.º, n.º1) que fala de negócio translativo ou constitutivo de

direitos reais90

. As partes não podem, por conseguinte, constituir o direito de retenção

por negócio jurídico, sendo a cominação, neste caso, com nulidade por impossibilidade

legal do objecto do negócio, dado que as partes tentam alcançar um efeito jurídico – a

constituição de direito de retenção real – não permitido (art.280.º, n.º1). Parece, contudo,

que nada obsta a que, sendo nulo o negócio jurídico constitutivo, e sendo o direito

pretendido compatível com uma estrutura obrigacional91

, este se converta num direito

de retenção obrigacional (art.1306.º, n.º1, 2.ª parte) de âmbito diverso da exceptio non

adimpleti contractus92

, da mesma forma que nos parece admissível que, tendo sido

validamente constituído o direito, as partes possam limitá-lo contratualmente, sem

contudo lhe subtraírem os seus elementos típicos injuntivos93

.

O facto constitutivo típico, neste caso, não é o negócio jurídico, antes o direito é

concedido legalmente a quem se encontre em determinada situação de facto que se

apresente qualificativa do direito e subsumível quer no art.754.º, quer no art.755.º.

Assim, também facto constitutivo cumulativo, a par do crédito conexo com a coisa

89

Assim, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol.II; p.580(1)

. No sentido de que é ilícito o

exercício da retenção sobre certo objecto quando referido cumulativamente a dois créditos, bastando que

um deles não seja conexo com a coisa para não haver retenção quanto a todos, Ac. STJ 3-XII-1974, BMJ

242, p.275, e RLJ 108, p 380. 90

Neste sentido, NUNO AURELIANO, O Risco nos Contratos de Alienação, p.89. 91

Quanto ao direito de retenção, não se colocam dúvidas quanto à sua compatibilidade com uma estrutura

obrigacional, facto que levou mesmo à consagração nalguns ordenamentos jurídicos desta figura com

carácter obrigacional, da mesma forma como foi entre nós proposto também por VAZ SERRA no

Anteprojecto sobre o direito de retenção, BMJ 65 (1957), embora tenha sido abandonada esta orientação

nas seguintes Revisões Ministeriais. 92

Assim, LEBRE DE FREITAS, “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de

retenção reconhecido por sentença”, ROA 66 (Set. /2006), p.602. 93

Julgamos ser esta a ideia expressa por LEBRE DE FREITAS, “Sobre a prevalência na reclamação de

créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença”, ROA 66 (Set. /2006), p.602, quando escreve

que “podem ser negocialmente estabelecidas restrições com alcance meramente obrigacional [ao direito

de retenção] (art.1306.º, n.º1) ”, seguindo o pensamento e terminologia da 1.ª parte do art.1306.º, n.º1, isto

é, de que “não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade”, mas

já pode ser se tiverem carácter obrigacional. Do que trata, porém, o art.1306.º, n.º1, ao falar de restrições

ao direito de propriedade, é da oneração da propriedade por direitos menores, e não de negócios jurídicos

conformadores do estatuto desse direito real. Se, no entanto, se quer falar de restrições lato sensu da

propriedade como oneração ou desmembramento, então esses negócios serão nulos e convertidos

legalmente em direitos de natureza obrigacional, mas essa ideia exprime-a o ilustre Autor logo a seguir no

seu texto, pelo que pareceria a referência redundante. A ideia, porém, se a compreendemos devidamente,

parece ser a que referimos no texto.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

26

contra credor da obrigação de entrega, é a posse da coisa sobre que recai a garantia. O

que, no entanto, se discute é qual o modo por que deve ser adquirida a posse para haver

retenção: haverá retenção cuja posse haja sido constituída por apossamento, constituto

possessório, inversão do título ou sucessão na posse (art.1263.º e 1255.º) 94

? Por

apossamento da coisa, parece que cairíamos no âmbito do art.756.º, al.a),

nomeadamente se o esbulho fosse feito ao proprietário possuidor da coisa. Por inversão

do título da posse, o retentor já teria de ter de antemão a detenção da coisa, pelo que

também não parece ser facto constitutivo da retenção, assim como tampouco o

constituto possessório no-lo parece, na medida em que transmite a posse como uma

situação jurídica, podendo não se traduzir numa posse efectiva para o adquirente,

constitutiva da situação de facto qualificativa da retenção. Parece que a posse para a

retenção terá de ter sido adquirida por tradição da coisa, de preferência pelo devedor,

seja possuidor causal, seja possuidor formal95

.

No caso da retenção do beneficiário de promessa de transmissão ou constituição

de direito real que obteve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido sobre

essa coisa pelo crédito resultante do incumprimento imputável à outra parte (art.755.º,

n.º1, al.f)), resulta claro do preceito que a posse tem de ser adquirida por traditio,

discutindo-se, contudo, se basta uma tradição simbólica ou se é necessária uma tradição

material da coisa prometida96

. Quanto aos restantes casos em especial, importa

averiguar qual o modo por que deve ser adquirida a posse, partindo sempre do

pressuposto que a posse é pressuposto da constituição do direito de retenção.

A retenção, sendo de constituição legal verificados os referidos pressupostos,

não se coloca sequer a questão da sua sujeição a forma especial, porquanto não há um

negócio jurídico que seja causa imediata da sua constituição97

. Questão diferente à da

sua sujeição a forma especial ou solene, maxime quando tenha coisas imóveis por

objecto, é o do seu registo. Dada a sua constituição legal e a publicidade de facto

resultante da posse da coisa retida, não é necessário registo do direito de retenção para

ser eficaz perante terceiros para efeitos de registo (efeito consolidativo), porquanto só

podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os provem

(art.43.º, n.º1, CRegPr)98

. A publicidade deste direito deriva, desde logo, da posse da

coisa pelo retentor99

.

94

Designadamente por constituto possessório, apossamento, inversão do título da posse e sucessão na

posse. Esta última não se encontra enumerada no art.1263.º, mas é para todos os efeitos um modus

acquirendi possessionis. Cfr., sobre esta questão, LEBRE DE FREITAS, “Sobre a prevalência, no apenso de

reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido por sentença”, ROA 67 (Set. /2007), pp.589-

599, e ANA PRATA, Contrato-promessa. 95

A solução é semelhante àquela consagrada pelo nosso legislador para o penhor (art.669.º) para cujo

regime remete frequentemente a lei no regime da retenção (arts.758.º e 759.º, n.º3). A solução também

não difere da da hipoteca, embora aqui a publicidade constitutiva (ou não) seja provocada ou registal 96

Embora sem querer tomar parte no debate, porque foge ao escopo do presente trabalho analisar o vasto

problema da retenção do promitente-adquirente de fracção autónoma (arts.755.º, n.º1, al.f) e 759.º, n.º2), a

melhor posição parece-nos ser aquela que só admite a constituição da retenção por tradição material ou

simbólica que seja seguida por actos de exercício de poderes materiais sobre a coisa. Assim, LEBRE DE

FREITAS, “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de retenção reconhecido

por sentença”, ROA 66 (2006), II, pp.589-599

.97

Cfr. LEBRE DE FREITAS, “Sobre a prevalência, no apenso de reclamação de créditos, do direito de

retenção reconhecido por sentença”, ROA 66 (Set. /2006), pp.602-603. 98

Daí que, para o registo da usucapião e da mera posse, deva precedê-lo uma escritura de justificação

notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação (art.116.º, n.º1, CRegPr, e art.1295.º,

n.º2 CC). 99

Assim, LOURENÇO SOARES, Direito de retenção maxime no contrato-promessa de compra e venda:

aspectos substantivos e processuais, pp.75-76, CLÁUDIA MADALENO, A vulnerabilidade, p.104. Contra

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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No direito de retenção, o seu facto constitutivo encontra-se tipificado, o que

contraria a regra em direitos reais, pois o art.1306.º o que estabelece é uma tipicidade

dos direitos, não uma tipicidade dos factos constitutivos, regendo em matéria de

negócios reais quoad effectum o princípio da atipicidade100

. O problema não é, por isso,

tanto de tipicidade do direito, mas de tipicidade do facto constitutivo deste101

. Na

medida em que é de constituição legal, não negocial, não se põe a questão de um direito

de retenção violar o disposto no art.1306.º, n.º1, quanto à tipicidade de direitos reais102

.

Assim sendo, só a posse junta com o débito por despesas ou danos com a coisa –

debitum cum re iunctum (art.754.º) –, e os casos excepcionais, previstos no art.755.º,

podem ser factos constitutivos do direito de retenção. O legislador optou, pois, por um

critério de conexidade material ou objectiva, em detrimento de cumular este critério

com o da conexidade jurídica através de comunhão de fonte103

, reforçando assim a

natureza real deste direito, o qual, desta forma, deixou de poder ter como objecto

prestações de facto, como teria resultado do Anteprojecto de VAZ SERRA104

.

Situação de facto qualificativa do direito de retenção é, portanto, a posse da

coisa retida adquirida por tradição e o debitum cum re iunctum ou relação de conexidade

material do crédito com a coisa retida, da mesma forma que a sua situação de facto

extintiva consiste na entrega da coisa (arts.761.º, para a extinção da retenção, 677.º, para

o penhor, e 730.º, d), para a hipoteca).

II. Extinção

A confusão real ou consolidação é também facto extintivo do direito de retenção,

embora esta causa seja frequentemente omissa nos manuais e monografias que tratam

desta garantia. E é-o, em primeiro, por ser típica e injuntivamente um direito real menor

sobre coisa alheia, em segundo, porque o princípio nemini res sua seruit é um princípio

generalizável a todos os direitos reais, e não só aos de gozo (arts.1476.º, n.º 1, b), 1485.º,

1513.º, a), 1536.º, n.º 1, d), 1569.º, n.º 1, para o usufruto, uso e habitação, enfiteuse,

superfície e servidões, respectivamente), conquanto seja em sede destes que se encontra

expresso, e, em terceiro e por último, porque lhe são aplicáveis, com as necessárias

adaptações, os arts.871.º, n.º1, e 724.º, que, não obstante respeitantes à hipoteca e ao

penhor, se lhe aplicam por força das remissões legais que este direito opera para aqueles,

e ainda por analogia, verificada uma lacuna no seu regime.

Refira-se ainda que foi recentemente propugnada a hipótese, em moldes que

sufragamos, de que o direito de retenção se extingue por confusão real no caso de

procedência de acção de execução específica do contrato intentada pelo promitente-

adquirente com direito de retenção sobre coisa objecto mediato do contrato, quer com

base nos arts.824.º, n.º2, e 724.º, quer com base na finalidade da acção de execução

específica e no facto de pressupor mora, e não incumprimento definitivo, continuando a

existir interesse do credor no cumprimento da obrigação de celebrar o contrato

este entendimento de que a não sujeição a registo é mitigada com a publicidade de facto espontânea pela

posse da coisa, Carlos Pereira de Abreu, O direito de retenção, p.25. Como refere o primeiro Autor, 100

Cfr., a propósito do princípio da atipicidade dos factos constitutivos de direitos reais, OLIVEIRA

ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.287 e 552-553, e A Tipicidade dos Direitos Reais, também

ORLANDO DE CARVALHO, Direitos Reais, pp.252 e ss., PAIS DE VASCONCELOS, Contratos Atípicos, p.274

e ss. 101

Assim, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.552-553. 102

Da mesma forma que não é subsumível no art.408.º, n.º1, na medida em que este respeita também,

apenas, à transferência e constituição de direitos por efeito de contrato. 103

Conforme proposto por VAZ SERRA, “Direito de Retenção, BMJ 65 (1957). 104

Também assim, CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, p.341.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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prometido105

. Já no caso de promitente-adquirente com retenção adquirir a propriedade

da coisa em acção executiva contra promitente-alienante, com base em resolução por

incumprimento definitivo, a retenção ter-se-á extinto por renúncia, e depois, nos termos

do art.824.º, n.º2, nos termos do art.724.º, renascido.

O direito de retenção pode ser executado de duas formas: quando incida sobre

imóveis, a execução é necessariamente judicial, nos termos do regime da hipoteca

(arts.694.º)106

; quando incida sobre móveis, a retenção tanto pode ser executada através

de venda judicial, como extrajudicial (art.675.º, n.º1).

Surge, ainda, a dúvida de ser aplicável ao direito de retenção o art.724.º sobre os

direitos reais que renascem pela venda judicial107

? O n.º1 do art.724.º diz o seguinte: “se

o adquirente da coisa hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real

sobre ela, esse direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de

expurgação da hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa

venda”, e o seu n.º2 especifica que “renascem do mesmo modo e são incluídas na venda

as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam algum prédio do terceiro

adquirente em benefício do prédio hipotecado”. Temos aqui mais uma derrogação ao

princípio nemini res sua seruit, e, em particular, na sua vertente da eficácia extintiva de

direitos reais. O regime deste preceito deve ser articulado com o art.871.º, n.º4, e com o

824.º. Já vimos que, por força das equiparações do retentor de móveis ao penhor e do de

imóveis à hipoteca, se aplicam a este direito, na falta de disposição em especial, os

regimes daqueles direitos, respectivamente. Também nos parece este preceito aplicável

ao penhor, mesmo quando a execução do penhor seja feita através de venda

extrajudicial (art.675.º, n.1), por força do art.871.º, n.º4. Quanto à retenção, uma vez

aplicável o art.871.º, n.os

1 e 4, atentas as múltiplas remissões legais e as lacunas no seu

regime, não encontramos óbice à não aplicação analógica desta regra, que ademais

parece ter carácter geral ao referir “se o adquirente da coisa hipotecada tinha,

anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela”, e não especificamente referir

hipoteca; infere-se ainda o seu carácter geral da sua referência, no n.º2, às servidões,

conquanto no âmbito de prédio hipotecado. O princípio da tipicidade (art.1306.º, n.º1)

não obsta à aplicação deste preceito à retenção, em primeiro, porque pode considerar-se

uma aplicação remissiva nomeadamente no que tanja à retenção imobiliária (art.759.º,

n.º1), em segundo, e de forma decisiva, porque aquele princípio não tolhe a

possibilidade de aplicar-se uma regra dum regime dum tipo de direito real a outro, antes

proíbe que por analogia se criem novos direitos reais108

.

No respeitante à execução, é ainda aplicável o art.697.º relativo à penhora dos

bens, quer à retenção de móveis (art.697.º, ex vi 678.º, ex vi 758.º), quer à de imóveis

(art.697.º, ex vi 678.º, ex vi 759.º, n.º3)

105

Assim, SALVADOR DA COSTA, O Concurso de credores, pp.231-232, e CLÁUDIA MADALENO, op.cit.,

p.112 e ss. 106

Assim, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.I, sub art.686.º, p.630, e

ROMANO MARTÍNEZ e FUZETA DA PONTE, Garantias de Cumprimento, p.182. 107

Em sentido afirmativo, vide MENEZES LEITÃO, Garantias das Obrigações, p.249, e Ac. STJ 25-III-

1999 (LÚCIO TEIXEIRA), CJ/STJ (1999), 2, pp.40-43, e Ac. STJ 24-X-1994 (SILVA CALDAS), CJ/STJ 2

(1994), 3, pp.100-101. 108

Assim, OLIVEIRA ASCENSÃO, A Tipicidade dos Direitos Reais, e ELSA SEQUEIRA SANTOS, “Tipicidade

e analogia em Direitos Reais”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles,

vol.III, pp.467 e ss.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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Questão controversa tem sido a caducidade do direito de retenção na venda

executiva, dadas as diferentes interpretações de que é susceptível o art.824.º, n.º1109

.

Mesmo quem defenda que o direito de retenção caduca sempre na venda

executiva, como todos os direitos reais de garantia (art.824.º, n.º1), tem, porém, de ter

em atenção as especificidades relacionadas com a retenção do promitente-adquirente em

contrato-promessa de aquisição de fracção autónoma, pois, com efeito, é inegável que

tem também a função de assegurar àquele o gozo da coisa illo tempore, para além das

funções gerais deste direito, as de garantia e de coerção ao cumprimento110

.

III. Retenção de coisas de terceiro não devedor proprietário da coisa retida

Ponto controverso na jurisprudência e na doutrina tem sido a retenção de coisas

propriedade de terceiro que não o devedor, embora no nosso ordenamento jurídico seja

maioritária a posição favorável. Esta questão tem surgido tratada pelos Autores

nomeadamente a propósito do contrato de empreitada, mas as conclusões a que chegam

neste tipo contratual são generalizáveis à retenção de coisas de terceiro noutros tipos

contratuais, com as necessárias adaptações.

Têm-se avançado argumentos a favor da retenção de coisa de terceiro não

devedor, entre os quais o facto de o art. 754.º não distinguir entre coisa do devedor ou

coisa de terceiro, só falando em “coisa certa”: basta, portanto, que o comitente possua a

coisa com base em título legítimo111

. A idêntica conclusão se chega através da leitura

dos casos excepcionais de retenção do art.755.º. Assim, e.g., no caso da al.b) deste

artigo, que atribui a retenção ao albergueiro sobre as coisas que as pessoas albergadas

tenham trazido para a pousada ou acessórios dela112

, pelo crédito da hospedagem, as

coisas retidas podem não ser propriedade da pessoa albergada; aliás, tão-pouco exigir-se

em moldes de razoabilidade ao albergueiro que tenha conhecimento de quem seja o

verdadeiro proprietário, valendo aqui a presunção de que o possuidor é o titular do

direito nos termos do qual exerce a posse (art.1268.º, n.º1, 1.ª parte), pois caso contrário

restringir-se-ia drasticamente a esfera de eficácia desta garantia e a autotutela do direito

do retentor. Também no caso da al.a), que atribui ao transportador a retenção das coisas

transportadas pelo crédito do transporte, é patente que as coisas transportadas podem

não ser propriedade do devedor do crédito do transporte, mas de terceiro que, e.g., tenha

109

No sentido da sua caducidade, vide, na vigência do CCse 1867 e do CPC 1939, FERNANDO OLAVO,

“Caducidade dos direitos reais de goso; Concorrência dos direitos reais de garantia”, ROA 1 (1941), II,

pp.450-456, EURICO LOPES CARDOSO, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição (1964, pp.621-625,

ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol.2.º (1943), p.399, e, já na vigência do CPC 1961 e do CC

1966, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.II, sub art.824.º, LEBRE DE FREITAS,

“A transmissão do direito à indemnização por benfeitorias e a caducidade do direito de retenção pelo

facto da venda executiva”, Themis 13, ano VII (2006), p.26, e A Acção executiva, 18.3.2, (pp.),

SALVADOR DA COSTA, O Concurso de credores, p.229, e, na jurisprudência, numa orientação maioritária,

Ac. STJ 21-VI-1994, CJ, ano II, tomo II, p118, Ac. STJ 26-V-1994, CJ, ano II, p.156, Ac. RE 10-X-1991,

CJ, ano XVI, tomo 4, p.312, Ac. RL 17-II-2004 (Abrantes Geraldes), CJ 39 (2004), 1, pp.120-125, Ac.

RE 22-I-2004 (Conceição Bento), CJ 39 (2004), 1, pp.242-244. No sentido de que não caduca por força

do art.824.º, dado valer contra terceiros independentemente de registo, e, quanto à retenção do

promitente-adquirente de fracção autónoma, por haver uma função de gozo da coisa, a par das restantes

funções, obnubilando ou reduzindo a eficácia prática da função compulsória, vide MENEZES CORDEIRO,

“Da retenção do promitente na venda executiva”, ROA 57 (1997), pp.547-563, e Ac. STJ 28-III-1995

(Pais de Sousa), CJ/Supremo (1995), 1, pp.147-151. 110

Cfr., quanto à retenção do promitente-adquirente na venda executiva, Menezes Cordeiro, “Da retenção

do promitente na venda executiva, ROA 57 (1997), pp.547-563. 111

Assim, ROMANO MARTÍNEZ, Direito das Obrigações, pp.378-379. 112

Quanto ao que sejam os acessórios das coisas trazidas para a pousada pelas pessoas albergadas, vide

art.1783 e 2760 CCit. Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.I, sub art.755.º,

p.700.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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alienado àquele com reserva de propriedade, ou tratando-se de transporte relativamente

a obrigações genéricas, salvo as respeitantes a dívidas de envio ou remessa113

, i.e.,

naqueles casos em que a propriedade ainda não se transferiu para o devedor.

A aplicação do art.667.º, n.º 1, ao direito de retenção, que estatui a legitimidade

para empenhar de quem puder dispor do direito, ex vi arts.758.º e 759.º, n.º 3, poderia

traduzir-se num argumento contra a retenção de coisa de terceiro que não o proprietário

devedor, sendo que desta forma quem não pudesse alienar a coisa não poderia constituir

validamente o direito de retenção, logo o devedor não proprietário não poderia ver a

coisa onerada pelo retentor. Este argumento não procede todavia, na medida em que os

arts.758.º e 759.º, n.º3, só remetem para o regime do penhor, e não para as regras de

legitimidade deste114

. De todo o modo, não se coloca sequer a questão da legitimidade

para constituição do direito, na medida em que a retenção, ao contrário do penhor, não

pode ser constituída voluntariamente por negócio jurídico, antes constitui-se verificadas

tipificadas previsões normativas (arts.754.º e 755.º).

Além do mais, se não pudesse haver retenção sobre coisas de terceiro, seríamos

levados à conclusão de que se extinguiria no caso de alienação pelo devedor

proprietário da coisa retida, o que minimizaria injustificadamente a garantia concedida

por lei ao retentor, e poderia levar a casos fraudulentos em que o devedor proprietário

alienasse a coisa a terceiro, extinguindo-se a retenção, e adquirindo-a depois a esse

terceiro (através duma venda a retro oponível a terceiros, por hipótese). Ademais, os

direitos reais são absolutos e inerentes, não se extinguindo com a transmissão da coisa a

terceiro, pelo que esta conclusão redundaria na qualificação inadmissível da retenção

como direito obrigacional.

Argumentos contra têm, contudo, também sido dirigidos à retenção de coisas de

terceiro.

O primeiro é o de que seria uma restrição à propriedade para a qual o titular

proprietário não consentiu e o de que prejudicaria a segurança no tráfego jurídico.

Este último argumento cede perante a consideração de que para a constituição da

retenção é necessária a verificação dos factos constitutivos típicos na lei, ou seja, o

retentor exerce uma posse efectiva sobre a coisa, que concede necessariamente uma

publicidade espontânea ao seu direito. Ademais, é um direito de origem legal, cujo

conhecimento por todos é presumido (art.6.º)

113

Quanto às obrigações genéricas, o art.541.º refere a concentração da obrigação, antes do cumprimento,

quando, nos termos do art.797.º, se trate de coisa que, por convenção, o alienante deva enviar para local

diferente do cumprimento. É deste último caso que nos interessa para a retenção do transportador. No

caso do art.797.º, no entanto, não estamos perante obrigações em que cabe ao devedor levar ou enviar à

sua custa e risco a coisa ao lugar do cumprimento, mas sim perante dívidas de envio ou remessa

(Schickschulden), em que o devedor cumpre a obrigação no lugar da expedição da coisa para onde o

credor a aceitará. Neste caso a transferência do risco opera-se com a entrega ao transportador ou

expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do envio (art.797.º), da mesma forma que se

transmite a propriedade dela (art.408.º, n.º2). Do que se trata no art.797.º é dum verdadeiro cumprimento

a terceiro (art.770.º, al.a)). A regra geral é, pois, no caso de as coisas serem transportadas pelo devedor até

ao local do cumprimento, o risco correr por sua conta, segundo o princípio genus nunquam perit

(art.540.º), corolário do princípio da especialidade em articulação com o princípio da consensualidade ou

da eficácia real translativa e constitutiva (art.408.º, n.os

1 e 2). Sobre a consagração da teoria da entrega de

JHERING relativamente à concentração das obrigações genéricas por escolha do devedor, vide MENEZES

LEITÃO, Direito das Obrigações, vol.I, pp.144-148, e, no tocante às dívidas de envio ou remessa,

ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pp.724-725 e 1006-1007. 114

Assim, ROMANO MARTÍNEZ, Direito das Obrigações, p.379. Da leitura dos arts.758.º e 759.º, n.º3,

observa-se que aplicável ao penhor é o regime dos direitos e das obrigações do credor pignoratício, não as

regras de legitimidade. Regra símile à da legitimidade para constituição do penhor (art.667.º, n.º1) vigora

para a hipoteca (art.715.º) e para a anticrese (art.657.º, n.º1).

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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O argumento segundo o qual não poderia ser constituída retenção sobre coisa de

terceiro proprietário não devedor também não procede, uma vez que o devedor deve

possuidor por título legítimo, pelo que terá de ter havido um anterior negócio jurídico

que tenha servido de título para o exercício legítimo da posse (comodato, depósito,

mandato, locação, empreitada, transporte, hospedagem). Isto para os casos de retenção

que se bastam com uma conexão meramente jurídica. Já para aqueloutros em que há

uma conexão material (art.754.º), na medida em que nestes casos as despesas são feitas

directamente na coisa ou os danos directamente pela coisa causados, apresentando-se

conexos crédito e coisa, não parece que o proprietário da mesma possa considerar-se

alheado destes factos jurídicos modificativos do seu direito.

É, portanto, possível retenção de coisas propriedade de terceiro que não seja o

devedor, bastando que o devedor das despesas ou danos com a coisa a possua

legitimamente para se ter verificado a constituição daquele direito real115

. Exemplos

serão, para além dos das als.a) e b) do art.755.º, n.º1, também a alienação com reserva

de propriedade (art.409.º), a locação116

(arts.1022.º a 1113.º), a locação financeira (DL

149/95), gestor de negócios (arts.464.º a 472.º), comodatário (art.1130.º), depositário

(art.1192.º), subempreitada, sublocação, etc.

Este raciocínio é também de aplicar à oponibilidade da retenção a um terceiro

que adquira a propriedade da coisa após a constituição da retenção. O art.695.º, 1.ª

parte117

, é de aplicar à retenção118

(art.678.º ex vi art.758.º), com as necessárias

adaptações, donde nada impede que o proprietário da coisa retida a aliene a terceiro.

Aliás, a propriedade não deixa de ser propriedade por estar onerada, não perdendo o

proprietário o poder de disposição jurídica da coisa (art.1305.º). O direito de retenção

continuará a onerar a coisa, de forma concorde com a inerência e da absolutidade

características dos direitos reais. Aquilo de que o terceiro, neste caso, se poderá socorrer

será do instituto da venda de bens onerados, em caso de erro ou dolo (arts.905.º a 912.º).

Com efeito, não é previsto nenhum regime específico quanto à transmissão da

115

ROMANO MARTÍNEZ, Direito das Obrigações, pp.379 e 418, restringe o direito de retenção em função

do princípio da relatividade dos contratos. Não retira, pois, da realidade do direito todas as consequências

que poderia retirar. Evidentemente, também o retentor é possuidor, mas a posse, não obstante ser um

direito de gozo, não é um direito real, o que diminui, ou apaga mesmo, a sua eficácia contra terceiros

possuidores de boa fé. Assim, o subempreiteiro com retenção contra o empreiteiro não tem legitimidade

para reter a coisa para exigir o pagamento do preço ao dono da obra – é o limite que o Autor põe à

retenção de coisas propriedade de terceiro não devedor: o direito real de garantia pode incidir sobre elas,

mas só pode ser compelido ao cumprimento o devedor do preço, e já não o proprietário, salvo os casos em

que haja acção directa no caso dos subcontratos. 116

Quanto à locação, importa relembrar, quanto à legitimidade para a celebração do contrato, que

constitui um acto de administração ordinária para o locador, sempre que celebrada por prazo inferior a

seis anos (art.1024.º, n.º1), mas que, no caso de ser superior àquele prazo, constitui um acto de

administração extraordinária ou de disposição, pelo que só o proprietário (art.1305.º), o superficiário

(art.1524.º a 1542.º), usufrutuário (art.1444.º), fiduciário (art.2290.º), ou procuradores seus com poderes

especiais para a locação. Podemos, portanto, ter uma situação em que nos surgem vários direitos em

conflito: o caso de um automóvel propriedade de A sobre o qual B tem usufruto vitalício, que é por este

alugado a C por 7 anos, e sobre o qual D, garagista, tem um direito de retenção contra C. Neste caso o

problema não é só o da oponibilidade ao nu proprietário, mas também ao usufrutuário. O problema poder-

se-ia colocar também quanto a um edifício construído pelo superficiário sobre terreno alheio e por este

sujeito ao regime da propriedade horizontal, sendo que a superfície fora onerada com hipoteca, tendo uma

das fracções sido arrendada e depois subarrendada, tendo um terceiro um direito de retenção sobre ela,

estando também esta fracção onerada com hipoteca. O problema da oponibilidade aqui apresenta-se com

relativa complexidade. 117

A 2.ª parte do art.695.º não faz sentido que se aplique à retenção, na medida em que para que esta se

constitua o crédito deve ser já exigível ou ter-se vencido (art.754.º e 757.º), não sendo possível retenção

com base em obrigações condicionais ou futuras. 118

Da mesma forma que o é ao penhor e a anticrese (arts.665.º e 678.º).

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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propriedade da coisa retida, mas tão-somente no que toca à transmissão do direito de

retenção (art.760.º), pelo que são de aplicar os princípios gerais de Direitos Reais.

III. Coloca-se ainda o caso do reconhecimento ao subempreiteiro de direito de retenção

quer contra o empreiteiro, quer contra o dono da obra, sendo que no caso de o

subempreiteiro ter direito de retenção contra o proprietário estaremos perante um caso

de retenção de coisa de terceiro proprietário não devedor.

Quanto ao caso da retenção do subempreiteiro contra o empreiteiro, a sua

resposta é afirmativa, na medida em que estejam verificados os pressupostos gerais do

art.754.º: o debitum cum re iunctum; para além do mais, é oponível ao empreiteiro na

medida em que é este contratualmente o devedor das despesas e danos com a coisa

perante o subempreiteiro contratado (art.405.º, n.º2).

Quanto ao caso do exercício e da oponibilidade da retenção do subempreiteiro

contra o dono da obra, porém, as posições divergem.

Há quem restrinja consideravelmente a atribuição deste direito ao empreiteiro,

com base no princípio da relatividade dos contratos (art.405.º, n.º2), só o admitindo com

base em acção directa contra o empreiteiro em casos muito específicos, como sejam o

da autonomia da prestação do subempreiteiro da do empreiteiro119

. Pode também

considerar-se só existir direito de retenção do subempreiteiro contra o dono da obra em

casos de acção directa, mas admitindo acção directa em casos mais abrangentes do que

os admitidos na posição anterior120

. E pode ainda considerar-se haver sempre direito de

retenção contra o empreiteiro e o dono da obra, bastando para tal a conexidade material

entre crédito e coisa, na medida em que, nestes casos, é indiscutivelmente um direito

real absoluto e inerente121

, ou ainda nos casos em que haja quer conexidade jurídica,

quer conexidade material, com base em símil argumento122

.

Por nossa parte sufragamos a doutrina segundo a qual, mesmo sem acção directa,

a retenção como direito real é oponível mesmo ao comitente. Não havendo óbice, no

nosso ordenamento jurídico, à retenção de coisas propriedade de terceiro não devedor

(art.755.º), não se compreende porque haveria a solução de ser diferente no caso dos

subcontratos.

IV. Retenção sobre coisa própria

Outro problema pouco discutido e que importa versar é o relativo à retenção

sobre coisa própria.

Tem, com efeito, predominado na doutrina portuguesa a orientação de que não é

admissível, no ordenamento jurídico português, a figura do direito de retenção sobre

coisa própria, e isto não obstante admitir-se direito de retenção sobre coisa propriedade

de terceiro que não o devedor. E fazem-no, por vezes de forma lacónica123

, com o

argumento de que o direito de retenção, enquanto direito real menor, é ius in re aliena,

119

Assim, CARVALHO FERNANDES, “Da subempreitada”, DJ (1998), pp.100-102, e Ac. STJ 28-V-1981

(Abel de Campos), BMJ 307 (1981), pp.266-271. 120

Assim, ROMANO MARTÍNEZ, Direito das Obrigações, pp.379 e 418. 121

Assim, segundo cremos, JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…)”, CDP 11

(2005), pp.15-16. 122

Assim, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol.III, p.526, e MENEZES CORDEIRO, Direitos

Reais, p.771. 123

Cfr., contudo, GALVÃO TELLES, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, O Direito, pp.23-

24, que desenvolve o tema da caracterização da retenção como direito sobre coisa alheia, explicando,

ainda, a diferença histórica na concessão de retenção, no Código Civil de 1867, ao empreiteiro de obra

mobiliária, e não ao de obra imobiliária, com base na natureza in re aliena do direito de retenção.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

33

donde seria redundante considerar constituído um direito de retenção de coisa sobre a

qual o titular tem já um direito real maior (v.g. propriedade). Os propugnadores desta

solução têm sido, de forma mais ou menos explícita, GALVÃO TELLES, CALVÃO DA

SILVA, ROMANO MARTÍNEZ, CARVALHO FERNANDES, RUI PINTO DUARTE, JÚLIO

GOMES124

.

A admissibilidade do direito de retenção constituído sobre coisas próprias

tornou-se recentemente num ponto controverso, tendo sido o Professor MENEZES

LEITÃO125

quem primeiro pugnou pela sua admissibilidade quanto aos direitos do

empreiteiro (e mesmo do subempreiteiro) perante o dono da obra.

Os argumentos do Professor MENEZES LEITÃO a favor da admissibilidade de

direito de retenção sobre coisa própria são os de que só ser admissível direito de

retenção sobre coisa alheia, e não sobre coisa própria, é conceptualista; no regime da

construção de navios, a lei reconhece expressamente o direito de retenção ao construtor,

sendo que o navio é regra geral sua propriedade (art. 25.º e 16.º DL 201/98); a lei

admite expressamente a possibilidade de reunião na mesma pessoa das qualidades de

credor e proprietário da coisa hipoteca e empenhada, se o credor nisso tiver interesse e

na medida em que esse interesse se justifique (art. 871.º, n.º 4), pelo que não se vê por

que razão o regime seria diferente para o direito de retenção, atenta a equiparação de

situações feitas pela lei (art. 758.º e 759.º); e o direito de retenção não é apenas uma

garantia legal, mas também uma causa legítima de não cumprimento, a qual não se vê

motivo para deixar de se aplicar, até por maioria de razão, em relação às coisas da

propriedade do empreiteiro.

Com a aceitação pela doutrina hodierna da teoria da oneração quanto à

constituição de direitos reais menores, e o abandono da teoria do desmembramento da

propriedade, haverá consequências quanto à concepção dos direitos sobre coisa alheia.

Com efeito, poder-se-á, assim, afirmar que o elemento de relação não pertence à

essência do direito menor, não sendo dele constitutivo, retirando-se da teoria da

oneração todas as suas consequências metodológicas126

. Destarte, surge a asserção de

que direito menor não pressupõe a propriedade, tendo sido normativamente concebido

como realidade independente. Argumento alicerçante desta afirmação será o da

admissibilidade de direitos menores sobre res nullius. Mas isso não nos leva necessária,

nem automaticamente, para a admissibilidade da constituição dos direitos menores

sobre coisa própria, porque aí não está em causa o ser ou não essência do direito menor

a relação com o direito maior, mas antes um juízo de desnecessidade jurídica na

constituição daquelas situações jurídicas. Mesmo sem nos atermos a definições legais,

verificamos ainda todo o regime destes direitos moldar-se numa relação jurídica real

124

GALVÃO TELLES, “O direito de retenção no contrato de empreitada”, 1986, pp.21-25, CALVÃO DA

SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p.342(622)

, CARVALHO FERNANDES, Lições de

Direito Reais, 5., pp.159-161, e “Da subempreitada”, DJ 12 (1998), p.101, ROMANO MARTÍNEZ, Direito

das Obrigações (Parte Especial) – Contratos: Compra e Venda, Locação, Empreitada, p.379, RUI PINTO

DUARTE, Curso de Direitos Reais, JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…) ”, p.10.

Este último Autor, op.cit., pp.5-6, aventa, contudo, a hipótese de constituição de retenção sobre coisa

própria, ao falar da evolução da retenção como meio de recusa e coerção ao cumprimento até ao estádio

final em que se apresenta, simultaneamente, como um direito real de garantia. Os casos aventados são os

de o nu proprietário fazer obras urgentes de conservação da coisa, i.e. benfeitorias necessárias, na

ausência do usufrutuário, assim como o de um alienante com reserva de propriedade ser simultaneamente

o garagista a que o adquirente sob reserva recorreu. Parece-nos, contudo, que vem a rejeitar esta hipótese,

considerando que as situações em que a coisa a entregar é propriedade do retentor deveriam ser, talvez,

enquadráveis numa “visão mais flexível da excepção de não cumprimento do contrato”, op.cit., pp.6 e 10. 125

MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, volume III, p.527. 126

Fá-lo expressivamente OLIVEIRA ASCENSÃO, As Relações Jurídicas Reais, p.96-97, e também em

Direitos Reais, p.280.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

34

entre o proprietário e o titular do direito limitado127

, como o seja nas relações entre

proprietário e usufrutuário, superficiário, usuário ou beneficiário de servidão predial.

Por exemplo, no art.1452.º, n.º1, no caso de usufruto sobre coisas não consumíveis mas

deterioráveis pelo uso, o usufrutuário é obrigado a restituí-las sem alteração da sua

forma ou substância, se se deterioraram por uso diverso do que lhe era próprio ou por

culpa do usufrutuário. Também o art.1453.º, n.º2, nos dá um exemplo de relação

jurídica real entre usufrutuário e proprietário, atribuindo ao proprietário o direito de

exigir daquele a substituição das árvores frutíferas que perecerem por causas naturais.

Também o art.1567.º, n.º1, nos dá um exemplo de relação jurídica real entre

proprietários dos prédios serviente e do prédio dominante, conferindo àquele o direito

de exigir que as obras sejam feitas por este. E muitos outros exemplos poder-se-iam dar

a propósito de relações jurídicas reais entre titular de direito maior, normalmente

propriedade, e titular de direito menor, resultantes dum concurso ou conflito de

sobreposição de direitos reais128

. Não nos interessa, contudo, analisar todos os tipos de

relações jurídicas reais, sobretudo dos conflitos de vizinhança e dos conflitos entre

direitos a partes da coisa, para quem admita esta última figura.

Ora, quanto ao argumento de se considerar ser conceptualista a visão segundo a

qual só há direito de retenção sobre coisa alheia, e não sobre coisa própria, a afirmação

de que não pode ser constituído um direito real menor sobre coisa própria decorre do

regime destes direitos, e não dum conceito de ius in re aliena. Não há inversão

metodológica. O próprio princípio da tipicidade de direitos reais (art.1306.º, n.º1)

corrobora esta asserção. Os direitos menores só podem ser constituídos sobre coisa

alheia, no sistema jurídico português. Com efeito, os arts.1439.º, 1484.º, 1524.º e 1543.º,

concernentes respectivamente ao usufruto, uso e habitação, superfície e servidões,

referem reiteradamente serem estes direitos incidentes sobre uma coisa alheia129

. No que

127

OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.236, diz expressivamente, acerca das relações jurídicas

reais, que “por exemplo, o proprietário e o usufrutuário de determinado estão entre si ligados por uma teia

de relações, sejam quem forem em determinado momento as pessoas titulares dos direitos reais em

presença”: 128

Os termos concurso e sobreposição são utilizados para exprimir a mesma realidade de o objecto de

vários direitos reais ser o mesmo. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p.265. 129

No art.1439.º, quanto ao usufruto, fala-se ainda que este é o direito de gozar temporária e plenamente

um direito, a par de o art.1439.º referir incidir este sobre coisa. Esta referência a direito, em que o

legislador alude ao usufruto de direitos, maxime de créditos, deve entender-se não como tendo o usufruto

por objecto um direito, mas um bem que consiste numa prestação. Todavia, não estaremos já perante um

verdadeiro direito real. Sobre o problema dos direitos sobre direitos, rejeitando a inserção dos direitos

subjectivos na categoria das coisas incorpóreas, e rejeitando que o direito possa ser um bem susceptível

de constituir o objecto dum direito subjectivo, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria Geral,

354-355, e ainda, acerca do objecto dos direitos reais, em Direito Civil – Reais, pp.39-41, MENEZES

CORDEIRO, Tratado de Direito Civil I – Parte Geral, Tomo II – Coisas, pp.111-112, PAIS DE

VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, p.220. Em contrário, aderindo à teoria dos direitos sobre

direitos, cfr., colorandi causa, DOMENICO BARBERO, La legitimazione ad agire in confessoria e negatoria

servitutis, pp.69-70, ENNECCERUS, KIPP, WOLLF, NIPPERDEY, Tratado de Derecho Civil, Tomo I, Parte

General I, pp.531 e ss., MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica I – sujeitos e objecto,

pp.195-198, CASTRO MENDES, Teoria Geral do Direito Civil, vol.I, pp.478-479, e, segundo nos parece,

MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, pp.222-223. Mesmo aqueles autores que perfilham a teoria

dos direitos sobre direitos ressalvam, contudo, que “uma vez admitida a figura dos direitos sobre direitos,

nem todos os direitos se prestarão, no entanto, a ser objecto de outros direitos”, como o faz MANUEL DE

ANDRADE, op.cit., p.197, que seguidamente exclui desta figura os direitos reais sobre coisa alheia (os iura

in re aliena), os quais não têm por objecto o direito de propriedade, mas a própria coisa corpórea objecto

da propriedade. Todavia, a doutrina dos direitos sobre direitos, in extremis, poderia levar a conceber todos

os direitos sobre coisa alheia como direitos sobre a propriedade, o que seria absurdo, como os próprios

defensores da teoria mitigada dos direitos sobre direitos admitem. Também BARASSI, I diritti reali limitati,

p.28, refere expressamente que “un diritto reale limitante la proprietà di una cosa non è già un diritto

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

35

toca à habitação periódica, também os arts.1.º e 2.º do DL275/93 de 5 de Agosto

parecem pressupor uma dissociação entre o titular deste direito e o proprietário das

unidades de alojamento. O legislador pressupôs, portanto, que todos os direitos

limitados concorressem com a propriedade sobre a mesma coisa, ou seja, configurou os

direitos limitados como direitos sobre coisa alheia, necessariamente. Tal conclusão não

obvia, contudo, quer à admissibilidade de direitos reais menores in re nullius130

, nem a

possibilidade superveniente de reunião no mesmo titular de direito maior e menor, sem

extinção deste último, nos casos de protecção de direitos de terceiros e de interesse

atendível do próprio titular do direito confuso.

Ademais, o argumento de que a lei admite a possibilidade de reunião na mesma

pessoa das qualidades de credor e proprietário da coisa hipotecada ou empenhada, se o

credor nisso tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique (art.871.º,

n.º4), e que por esse motivo se admitiria a retenção sobre coisa própria, julgamos não

proceder. Se assim fosse, então a fortiori também o art.871.º, n.º4, serviria de base para

a admissibilidade das chamadas hipotecas do proprietário ou para o penhor do

proprietário, o que é contrário ao nosso ordenamento jurídico e sobretudo à

acessoriedade destas garantias ante o crédito tutelado, e tão-pouco aparecem os Autores

a propugná-lo ante o nosso Direito. Não está em causa que o art.871.º, n.º4, não se

aplique ao direito de retenção, bem pelo contrário, dado que o regime da retenção,

sendo lacunoso, remete frequentemente quer para o regime legal do penhor (arts.758.º e

759.º, n.º3), quer para o da hipoteca (arts.759.º, n.º1, e 761.º). Aliás, as similitudes entre

a retenção e o penhor levaram mesmo alguns ordenamentos jurídicos a conceber aquele

como um penhor legal131

. Com efeito, do que se trata no art.871.º é da extinção dum

direito menor – direito real de garantia – por força da ocorrência dum seu facto extintivo

– a confusão. Já no que concerne ao direito de retenção, não estamos aqui perante a

ocorrência dum facto extintivo dum direito real menor, antes se discute se é admissível

que se constitua um direito real menor sobre coisa própria: não há similitude de

situações para que possamos aplicar analogicamente ou remissivamente (arts.758.º,

759.º e 761.º) o regime do diferimento da extinção dos direitos reais menores de

garantia (v.g. penhor e hipoteca) por confusão, nos casos de justificado interesse do

credor que vê o seu direito real de garantia confuso com a propriedade da coisa que a

posteriori adquire.

A questão da constituição de direitos reais menores sobre coisa própria fora já

objecto de discussão aquando dos trabalhos preparatórios do novo Código, e

sulla proprietà, ma una signoria direttamente sulla cosa. Non sono mancate nella dottrina opinioni

aberranti che hanno concluso com scorgere nel diritto reale limitato un diritto sul diritto”. , 130

É admissível um direito real menor in re nullius, mas não pro re nullius, nomeadamente no

concernente às servidões. Assim, DOMENICO BARBERO, op.cit., pp.60 e ss. Atente-se ainda no facto de

que é muito dúbia a possibilidade de direitos reais de aquisição sobre res nullius, porquanto parecer-nos-

ia, à primeira vista, de difícil realização a acção de execução específica do contrato, em que se manifesta

a sequela, nesta categoria de direitos. Esta dificuldade surge, na medida em que os Autores que trataram

deste tema pensaram-no sobretudo para os direitos reais de gozo, e também, em menor grau, para os

direitos reais de garantia (sobretudo penhor e hipoteca, apenas), sendo que os direitos de aquisição não

eram ainda qualificados como reais. Ainda hoje uma parte da doutrina, nomeadamente a Escola de

Coimbra, é renitente à qualificação daqueles direitos como reais, dizendo antes estarmos perante direitos

potestativos de crédito. O Professor MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol.III., p.63(137)

, quanto

ao caso particular da reserva de propriedade, que cria um direito real de aquisição pelo adquirente sob

reserva, parece-nos aventar a hipótese de que este adquira a propriedade quando o proprietário a ela

renuncie no caso de penhora da coisa por este (a outra solução não nos parece defensável: a de que a

penhora incidiria sobre res nullius), solução que parece de aplaudir. Tratar-se-á o tema noutro estudo. 131

Como acontece, por exemplo, nos ordenamentos jurídicos brasileiro ou alemão. Cfr. arts.677.º e 761.º

quanto à extinção do penhor e da retenção pela entrega ou restituição da coisa.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

36

expressamente o legislador, designadamente a propósito das chamadas servidões do

proprietário, optara por não as admitir. Da mesma forma, não é admissível a

constituição de hipoteca ou de penhor pelo próprio proprietário da coisa. O que é

contudo previsto (e aqui, sim, se encontra o verdadeiro âmbito de aplicação do art. 871.º,

n.º4) é que estes direitos reais menores se não extingam imediatamente quando

verificada a ocorrência do facto extintivo confusão. A aplicação analógica do art.871.º,

n.º4, é já válida neste caso: no caso de, após constituído o direito de retenção sobre

coisa alheia, o retentor, por sua vez, posteriormente, adquirir a coisa sobre a qual viu

constituído o seu direito real de garantia. Neste caso, havendo justificado interesse do

retentor, poder-se-á manter o direito real menor. Assim, se o direito de retenção

prevalece sobre hipoteca mesmo que anteriormente constituída, i.e., registada132

(art.

759.º, n.º 2), haverá justificado interesse próprio em que o retentor mantenha o seu

direito de retenção sobre a coisa cuja propriedade adquire, se com a retenção concorrer

uma hipoteca ou um outro direito de retenção (cuja constituição lhe seja posterior e até

mesmo anterior). O argumento do ilustre Professor não procede, portanto.

Quanto ao direito de retenção no regime de construção de navios (art.25.º do DL

201/98), podemos interpretá-lo de quatro diferentes formas: ou ele é manifestação dum

princípio mais lato, i.e., o de que a retenção pode ser constituída sobre coisa própria133

;

ou é atribuído só neste caso efectivamente um direito real menor sobre coisa própria,

mas estaremos perante uma norma excepcional ante o princípio da eficácia extintiva da

confusão; ou não estamos perante um direito real menor sobre coisa própria, mas antes

perante um direito menor sobre coisa alheia; ou o legislador qualificou erradamente esta

posição jurídica do construtor de navios como de retenção, como já antes o fizera no

art.267.º RJEOP, quando na verdade quis prever uma excepção de não cumprimento; ou

então, por último, estaremos perante um verdadeiro direito de retenção obrigacional134

.

Restringimos à partida a resolução deste caso a duas hipóteses: ou estamos perante um

132

Sobre o efeito do registo quanto à constituição da hipoteca, vide OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil –

Reais, pp.357-358, e MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.759-760. Frise-se, contudo, que, dado o

regime legal de constituição e transmissão de direitos reais no Direito Civil português (art.408.º, n.º 1,

658.º, 879.º, b), e 954.º, 1317.º, a), 1417.º, n.º 1, 1440.º, 1485.º, 1528.º, 1547.º), OLIVEIRA ASCENSÃO

propugna, ao não admitir, mesmo na hipoteca, que haja aqui um registo constitutivo de direitos reais, que

o facto constitutivo ou translativo da hipoteca é, sim, o contrato hipotecário, embora inoponível, mesmo

inter partes (art. 687.º CC e 4.º, n.º 2, CRegP). Já MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.759-760, opta

pela tese da publicidade registal constitutiva, mais consonante com a letra da lei. 133

Como o faz, ao que parece, MENEZES LEITÃO, op.cit., p.527. 134

No mesmo sentido em que PEDRO MÚRIAS e MARIA DE LURDES PEREIRA, Os direitos de retenção e o

sentido da excepção de não cumprimento, p.3, usam o termo direito de retenção obrigacional, não

naqueloutro sentido em que o usa JÚLIO GOMES, “Do direito de retenção (arcaico, mas eficaz…) ”, pp.14-

18, referindo-se aos casos excepcionais de retenção com base em comunhão de fonte ou conexidade

jurídica, os quais considera não oponíveis ao proprietário não devedor, i.e., não seriam direitos absolutos,

mas relativos, ao contrário daqueloutros direitos reais de retenção com base na conexidade material entre

crédito e coisa. Para estes Autores, “Há, na verdade, hipóteses em que não pode deixar de ser reconhecido

ao devedor o poder de recusar licitamente o cumprimento perante a parte faltosa e que são insusceptíveis

de ser reconduzidas à exceptio ou ao direito real de retenção”. Exemplos deste direito serão os dos

arts.787.º, n.º2, quando ao direito a suspender o cumprimento enquanto não for dada quitação, o art.788.º,

n.º3, quanto à suspensão do cumprimento enquanto não for restituído o título ou feita menção do

cumprimento, bem como nos casos simétricos aos previstos no art.755.º, n.º1, como, e.g., o caso de o

depositante suster a retribuição do depositário no caso de ele não entregar a coisa, devendo fazê-lo. Outro

caso seria o de retenção de coisas penhoráveis (art.756.º, c)). Ademais, a retenção obrigacional pode

respeitar tanto a prestações de facto como de coisa, e já não assim a retenção real. As regras relativas à

constituição do direito real de retenção não são óbice à constituição do direito obrigacional de retenção,

como bem apontam aqueles Autores, op.cit., pp.5-6, pelo que direito de retenção obrigacional será

também aquele que, e.g., tenha sido constituído por contrato, mas seja nulo por força do art.1306.º, n.º1.

Assim também LEBRE DE FREITAS, op.cit., p.602.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

37

direito obrigacional de retenção ou uma excepção de não cumprimento, em face do

princípio da eficácia extintiva da confusão real ou nemini res sua seruit conjunto com o

princípio da tipicidade dos direitos reais (art.1306.º, n.º1). Este direito surge-nos com

uma função meramente compulsória, sendo destituído de qualquer função de garantia: o

construtor do navio não vai fazer-se pagar executando uma coisa que é sua. O problema

também não se põe da perspectiva da sinalagmaticidade, porquanto estamos perante a

recusa lícita da obrigação de entregar o navio, não perante a recusa do cumprimento da

obrigação principal do contrato135

. Inclinamo-nos, portanto, para a qualificação deste

direito como duma retenção obrigacional.

Quanto ao argumento de que a retenção não é só uma garantia legal, mas

também uma causa legítima de não cumprimento das obrigações, é correcto, mas

qualquer destas características não deve suprimir in toto a outra, pelo que, ao contrário

da exceptio, devemos ter presente o âmbito de aplicação da retenção diferente destoutra

causa legítima de não cumprimento, assim como o objecto sobre que recai: uma coisa

corpórea.

O argumento de que, se se pode exercer a retenção como causa legítima de

incumprimento quanto às coisas doutro, então, por maioria de razão, também se pode

exercer quanto a uma coisa que é própria, não procede, com a devida vénia. Tal

conclusão equivaleria a dizer que, se posso ser titular dum penhor de coisa alheia,

também o posso ser duma coisa própria, ou que, se posso ter usufruto dum automóvel

alheio, também posso constituir um usufruto a meu favor sobre uma coisa que já é

minha, o que juridicamente não é sustentado por nenhum interesse atendível. Para além

disso, não divisamos onde esteja aqui o mais e o menos, para que dum argumento a

fortiori ou por maioria de razão possamos falar. O tomar a coisa alheia como um plus e

a coisa própria como um minus, para este efeito, não é correcto, na medida em que não

se encontram correlatos em razão de maioridade ou de menoridade dum conceito ante o

outro.

O admitir-se retenção sobre coisa própria significaria que estamos tão-somente a

considerar este direito como meio compulsório ao cumprimento, postergando qualquer

função de garantia que possa ter. A coisa objecto da retenção, a ser própria, não poderia

ser nomeada à penhora, uma vez que a propriedade é uma garantia (e um direito) mais

forte do que a própria penhora136

, não se podendo também esta constituir sobre coisa

própria na medida em que é um direito real menor e naturalmente sobre coisa alheia. A

evolução da retenção no sentido da realidade do direito não parece admitir a

postergação do seu regime enquanto direito real menor de garantia e enquanto direito

real originariamente sobre coisa alheia.

Qual o problema em admitir que se constitua direito de retenção sobre coisa

própria, quando a lei parece no art. 871.º, n.º 4 (e até no art. 24.º DL 201/98) admiti-la?

135

Não assim, na distinção entre retenção obrigacional e exceptio, PEDRO MÚRIAS e MARIA DE LURDES

PEREIRA, op.cit., dizendo ser apressado distingui-los com base na sinalagmaticidade entre prestações

principais. Os Autores estão correctos, mas a ideia é útil, porquanto na normalidade dos casos é esta a

situação com que nos deparamos. E quando assim não for? Então será adequado, até um certo ponto,

seguir o esquema da extensão e significado da exceptio desenhado por aqueles Autores. Para além disso,

exceptio e retenção obrigacional diferem em quatro pontos: extinção por prestação de garantia,

manutenção do direito após prescrição da obrigação, oponibilidade a certos credores (e.g., em acção sub-

rogatória), invocabilidade para determinar afastamento do regime da mora. Assim, PEDRO MÚRIAS e

MARIA DE LURDES PEREIRA, op.cit., p.8. De qualquer modo, a admissão duma figura de retenção

obrigacional não tem necessariamente de recorrer ao esquema destes Autores, nomeadamente quanto à

extensão do sinalagma, na medida em que restringem o campo de aplicação da retenção obrigacional. Não

vamos contudo explanar este ponto, remetendo para a obra destes Autores. 136

O Professor MENEZES LEITÃO chega também a esta conclusão no tocante à penhora do bem alienado

com reserva pelo vendedor, Direito das Obrigações, vol.III, p.63(137)

.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

38

É que, efectivamente, se atentarmos na similitude das situações, ela é forçosa, pois que,

nos casos previstos na lei, na constituição inicial do direito (seja hipoteca, penhor,

superfície) há uma dissociação necessária entre titular de direito real menor e titular de

direito real maior: a confusão é diferida nos casos do art. 871.º, n.º 4, quanto ao penhor

e à hipoteca, e nos do art. 1541.º, quanto à superfície, mas já só quanto à extinção do

direito, quanto ao seu terminus, i.e., após a ocorrência do facto extintivo confusão,

tendo previamente havido dissociação inicial constitutiva de titulares. Nada disto,

contudo, obvia a que surjam direitos reais sobre coisa própria, e tão-pouco à

admissibilidade de direitos reais in re nullius. Porém, parece que ambos estes casos só

surgirão de forma superveniente, embora seja dúbio que quanto às res nullius se possa

constituir inicialmente um direito menor, conquanto sejamos da opinião de que, sendo

um direito real de gozo, em princípio, a posse correlata a esse direito é bastante à

aquisição originária por ocupação da coisa, se despojarmos esta de subjectivismo

(arts.1318.º e ss.)137

.

Isto não obvia, é claro, aos casos de renascimento do direito, mesmo após a

verificação do facto extintivo confusão, quando o facto que destrói a obrigação for

anterior à própria confusão (art. 873.º, n.º 1 CC), nem tão-pouco os casos do art.724.º

dos direitos reais que renascem com a venda judicial, entre os quais o direito de

retenção.

2. Penhor e Hipoteca

I. Quanto à sua constituição sobre coisa própria, valem as considerações tecidas

supra, acerca da constituição de direitos menores. Ao contrário do que acontece no

ordenamento jurídico alemão, não há hipotecas do proprietário por força do princípio

nemini res sua seruit, nem independentes de obrigação a garantir, por força do princípio

da acessoriedade.

O problema é diferente, contudo, quanto à extinção por confusão da hipoteca e

do penhor. Nesta sede temos o art.871.º, n.º4. Com efeito, o art.730.º não estabelece

uma tipicidade taxativa, antes meramente delimitativa, em sede de causas extintivas da

hipoteca e do penhor (este por força do art.677.º). Para além disso, o art.871.º, n.º4,

completa o art.730.º, na medida em que prevê a contrario sensu a extinção da hipoteca e

do penhor por confusão. Já analisámos este artigo pelo que remetemos para os locais

respectivos.

II. As conclusões que chegámos em sede de direito de retenção são aplicáveis,

mutatis mutandis, ao penhor, com a particularidade de aqui estarmos perante um direito

real constituído por contrato, e não por lei.

Coloca-se, contudo, uma questão: em que casos se verificará a constituição de 2

penhores sobre a mesma coisa, como no caso de 2.ª hipoteca, sendo o penhor

constituído por negócio jurídico real quoad constitutionem? Qual o âmbito então do art.

871.º, n.º4, no que toca ao penhor, sendo que o exemplo clássico de dupla hipoteca

sobre o mesmo bem (art.713.º) parece ser, na maioria dos casos, inaplicável ao penhor?

Parece à partida este preceito inaplicável ao caso de penhor sucessivo, embora

possa haver casos de composse em que se possa fazer um penhor posterior a um penhor,

mas são de difícil configuração. O preceito, quanto ao penhor, parece limitar-se aos

casos de penhor simultâneo, e assim sendo a reserva de grau (Rangvorbehalt)

encontrará quanto ao penhor um campo de aplicação muito limitado. Num plano prático,

137

Vide infra acerca dos direitos reais in re nullius.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

39

a aplicação do art.871.º, n.º4, é de âmbito muito restrito, no que concerne ao penhor de

coisas civil.

Estas conclusões, porém, valem no que toca ao penhor civil. Nos casos em que o

penhor se constitui sem desapossamento, como no caso do penhor mercantil ou bancário,

aí sim encontrará aplicação o art.871.º, n.º4.

§ 5. Nos direitos reais de aquisição

I. Quanto aos direitos reais de aquisição, é indubitável que se extinguem por

confusão real, de acordo com o princípio da eficácia extintiva da confusão que se aplica

a todos os direitos reais, e isto não obstante, nesta sede, faltar qualquer referência a tal

facto, e não obstante sejam considerados ou não como direitos reais138

.

Da mesma forma que se extinguem por confusão, devem ser-lhe aplicado o seu

regime, ou seja, de que o efeito extintivo é procrastinado quando estiverem em causa

direitos de terceiros (art.871.º, n.º1), bem como quando estiver em causa um interesse

jurídico atendível por parte do titular do direito confusão (art.871.º, n.4). A ocorrência

deste último caso será mais difícil do que no toca aos direitos reais de garantia, na

medida em que não estará aqui em causa uma reserva de grau ou preferência

(Rangvorbehalt), devendo ser este interesse jurídico na manutenção do direito menor

avaliado à luz das circunstâncias de cada caso em concreto.

Quanto à sua constituição sobre coisa própria, parece que, para além de ser

vedada pela tipicidade (art.1306.º, n.º1) e pelo princípio nemini res sua seruit, não nos

parece que possa haver casos em que haja sequer interesse jurídico em o titular da

propriedade duma coisa constituir um direito real de aquisição a seu favor sobre ela.

Seria um direito destituído de função. Quando muito, esse direito real de aquisição

sobre coisa própria converter-se-á legalmente em direito de crédito (art.1306.º, n.º1,

2.ªparte), embora mesmo assim entendamos que o direito se extingue por confusão

obrigacional (art.868.º e ss.), ou, melhor, não se chega sequer a constituir.

II. Surge uma questão: os direitos reais de aquisição, designadamente a promessa

real e a preferência real139

, extinguem-se por confusão ou pelo cumprimento da

obrigação a que o devedor proprietário está adstrito, i.e., a celebração do contrato

prometido ou a obrigação de preferir? Quando exercida preferência legal pelo

proprietário, e.g. no caso de superficiário alienar o seu direito140

, o direito menor

extingue-se por confusão ou pelo exercício do direito de preferência legal, i.e., pelo

cumprimento da obrigação141

?

Tendemos a responder que se extinguem por confusão, dado que, caso contrário,

a admitirmos a extinção por cumprimento estaríamos a dizer que incidem estes direitos

sobre prestações, o que não é exacto. Veja-se no que sucede no caso de o titular prédio

138

Não entraremos aqui no problema da natureza jurídica destes direitos: se direitos potestativos de

crédito se direitos reais, porquanto, em face do nosso ordenamento jurídico, não restam dúvidas de que

são configurados como direitos sobre coisas, e não de crédito. Em contrário se tem manifestado sobretudo

a Escola de Coimbra. Vide, a propósito desta questão, SANTOS JUSTO, Direitos Reais, pp.449 e ss. 139

O problema não se coloca quanto à reserva de propriedade, em que, verificado o pagamento do preço,

a propriedade se transfere imediatamente, sem ser necessária a celebração de qualquer contrato definitivo

translativo. 140

Proprietários de fracções autónomas não têm preferência legal, ao contrário do que sucede no regime

da contitularidade de direitos reais. Cfr. arts.1410.º, 1412.º, 1423.º. 141

CARVALHO FERNANDES, op.cit., p.569(39)

, dá a entender que exercício da preferência pelo proprietário

na alienação da superfície visa consolidar a propriedade.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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serviente adquirir o prédio dominante, ou o contrário. O resultado da aquisição pode não

derivar da celebração do contrato prometido, como no caso de o promitente adquirente

ser herdeiro do promitente alienante, e este falecer. A questão é, contudo, dúbia, na

medida em que o resultado será sempre a extinção do direito real de aquisição que, para

além de se ver confuso com a propriedade, ao ser esta adquirida, perde a sua função

aquisitiva.

Deve ainda atentar-se no facto de que não há só direitos reais de aquisição de

propriedade: há também de aquisição de direitos reais menores (art.410.º, n.º3 e 414.º).

III. Não entraremos aqui na discussão da natureza jurídica da reserva de

propriedade, embora partamos do pressuposto de estarmos perante um direito real de

aquisição quanto à posição jurídica do adquirente sob reserva e perante uma propriedade

temporária e com funções de garantia quanto à posição jurídica do alienante sob

reserva142

. Também esta se extingue por confusão quando adquirida a propriedade pelo

adquirente sob reserva.

VI. Extinção de direitos homogéneos por confusão

I. Para chegarmos a uma conclusão sobre a extinção de direitos homogéneos por

confusão teremos de definir o que são direitos homogéneos. São estes direitos da

mesma natureza ou em contitularidade. Qual a natureza desta contitularidade real? É a

esta pergunta que precisamos de responder de forma a concluirmos pela confusão ou

não de direitos reais homogéneos.

Optamos por falar na natureza jurídica da comunhão de direitos reais, e não na

natureza jurídica da contitularidade de direitos, para evitar inversão metodológica, e

porque o legislador consagrou regimes especiais de contitularidade a propósito doutras

figuras e doutros direitos (obrigações genéricas, conjuntas, regimes matrimoniais de

bens, etc.) 143

. Isto não obstante a compropriedade ser tida pela art.1404.º como o tipo-

padrão de toda a contitularidade de direitos, e não só à comunhão real, quando se diz

serem as regras da compropriedade aplicáveis “à comunhão de quaisquer outro direitos”.

E, mesmo no tocante à generalização aos casos de contitularidade de direitos reais que

não a propriedade das conclusões a que chegarmos sobre a natureza jurídica da

comunhão jusreal, há que ter em atenção que o regime e a natureza de cada um desses

direitos reais pode induzir a soluções pontualmente diversas das previstas para a

compropriedade, como no-lo adverte o art.1404.º quando refere que as regras da

compropriedade são aplicáveis “com as necessárias adaptações”. Mesmo assim,

julgamos ser generalizável, com as devidas adaptações, a conclusão a que chegarmos

sobre a natureza jurídica da compropriedade à comunhão de qualquer direito real.

Sobre a natureza jurídica da compropriedade surgem-nos resumidamente as

seguintes teorias: a da divisão ideal da coisa144

; a da pluralidade de direitos homogéneos

sobre a mesma coisa145

; a da comunhão num único direito sobre a coisa (duorum in

142

Seguimos MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, vol.III, pp.51-65, e Garantias das Obrigações,

pp.255-268, e RAÚL VENTURA, ROA 43 (1983), III, pp.604-618, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, p.673,

rejeita qualificação da reserva de propriedade como propriedade temporária, ao contrário de OLIVEIRA

ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, pp.460-461. 143

PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, p.287. 144

MANUEL RODRIGUES, MOTA PINTO, Direitos Reais, pp.254-259. 145

Cfr., colorandi causa, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Reais, pp.271-272, CARVALHO FERNANDES,

Lições de Direitos Reais, pp.348-350, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.390-391.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

41

solidum dominium esse non potest; e, por fim, a da personalista: compropriedade como

pessoa colectiva.

A teoria da divisão ideal da coisa não se compagina com o nosso regime legal

que prevê a compropriedade, quando duas ou mais pessoas seja simultaneamente

contitulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Esta teoria toma a

compropriedade como pars rei, não como pars dominii, o que parece de excluir na

medida em parece claro que toda a coisa é afecta a cada um dos contitulares, e não uma

parte física dela. E esta conclusão impõe-se mesmo que posterguemos um alegado

princípio da referência material do direito à coisa em Direitos Reais.

A opção clássica tem pendido para a consideração da compropriedade como uma

comunhão num único direito sobre a coisa, erigindo em sede de direitos reais um

princípio da exclusão ou compatibilidade. Corolário desta teoria é o de que sobre

determinada coisa não pode haver senão uma única propriedade: princípio da exclusão

ou compatibilidade146

: aqui a quota é parte do direito, não da coisa – pars dominii, não

pars rei, como advoga a teoria tradicional da divisão ideal.

Hodiernamente, tem ganho lugar à teoria da comunhão num único direito a

teoria da pluralidade de direitos homogéneos sobre a mesma coisa, nomeadamente por

força da Escola de Lisboa sob a égide de LUÍS PINTO COELHO na esteira de VITTORIO

SCIALOJA, a que se seguiram OLIVEIRA ASCENSÃO, MENEZES CORDEIRO e CARVALHO

FERNANDES. A crítica a esta tese tem sido a de que é logicamente inconcebível sobre a

mesma coisa concorrerem outros direitos da mesma natureza147

. Esta crítica é feita por

aqueles que coerentemente advogam um alegado princípio da exclusão ou

compatibilidade em sede de direitos reais148

. Ademais, todos os poderes sobre a coisa,

que não o de uso (art.1406.º), só podem ser exercidos com colaboração dos restantes

consortes (art.1405.º a 1408.º).

Porém, parece-nos que a mais adequada tese é a da pluralidade de direitos

homogéneos sobre a mesma coisa, na medida em que foi esta teoria que a lei quis

consagrar no art.1403.º, sob a orientação de LUÍS PINTO COELHO, não obstante as

posteriores revisões ministeriais. Também o art.1408.º é elucidativo, quando refere que

o comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, sem

que seja necessário o consentimento dos outros, excepto quanto ao direito de

preferência que os consortes têm (art.1409.º). Também o art.1411.º, n.º3, prevê uma

renúncia abdicativa do comunheiro, a par duma renúncia liberatória, que afecta os

direitos dos consortes, sendo que seria estranho que um tal acto jurídico deixasse

íntegro o conteúdo do direito. Obstáculo intransponível parece também ser a usucapião

da compropriedade por um dos comproprietários, tratando-se de um único direito: o

comproprietário é já contitular do direito, nada mais pode adquirir149

.

II. Com a conclusão de que estamos perante uma pluralidade de direitos de

propriedade, postergando qualquer pretenso princípio da exclusão ou compatibilidade,

impõe-se saber o que sucede quando um contitular adquire o direito sobre a mesma

coisa doutro contitular.

Parece que não há motivo para restringirmos a aplicação da eficácia extintiva da

confusão aos direitos menores, sendo que o juízo de desnecessidade jurídica também

146

PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol.III, p.69, HENRIQUE MESQUITA,

Direitos Reais, pp.257 e ss., SANTOS JUSTO, Direitos Reais, pp.303, 305-307, PEDRO PAIS DE

VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, p.286. 147

SANTOS JUSTO, Direitos Reais, pp.305-307, MOTA PINTO, Direitos Reais, pp.252 e ss. 148

SANTOS JUSTO, Direitos Reais, 29, 303, 305-307. 149

Assim, com estes argumentos, vide COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.387-390.

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

42

aqui se aplica: que interesse jurídico atendível terá, em princípio, o comproprietário em

manter duas quotas sobre a mesma coisa? Nenhum, diríamos; o mais consequente será

admitir a confusão dos direitos150

. Assim, diremos, a confusão também se aplica nos

casos de contitularidade de direitos reais151

, ou seja, extinguem-se por confusão quer

direitos homogéneos sejam maiores sejam menores, quer direitos menores, mas não se

extinguem por confusão direitos maiores não homogéneos, i.e., quando concorram

somente com direitos menores.

Entendemos ainda de aplicar à confusão de direitos reais homogéneos os

princípios de que a confusão não afecta direitos de terceiros (arts.871.º, n.º1, 699.º, n.º3,

1541.º) e o de que não opera quando exista um interesse jurídico atendível por parte do

titular do direito confuso (arts.871.º, n.ºs2 e 4).

VII. Natureza jurídica e âmbito de aplicação da confusão real

Após a análise das diversas hipóteses de confusão real nos diversos direitos reais,

importa-nos concluir pela natureza jurídica da confusão real, embora decorra de tudo

quanto tenhamos já dito anteriormente: a confusão real é um facto extintivo de direitos

reais.

Quanto ao âmbito de aplicação da confusão real, divisam-se as seguintes teorias.

São cinco as teses neste âmbito: a da aplicação estrita da confusão real a direitos

menores; a da aplicação ampla da confusão real direitos menores e a direitos maiores só

em contitularidade152

; a da aplicação amplíssima a direitos menores e maiores; a da

causa de paralisia do direito menor153

; a da teoria mista da causa de extinção e paralisia

de direitos reais menores154

.

São de rejeitar as teorias da paralisia do direito menor e da teoria mista da

extinção e paralisia.

Esta última baseia-se na distinção entre a aquisição pelo titular do direito maior

do direito menor e aquisição do direito maior pelo titular do direito menor, sendo que

nada na nossa lei nos permite diferenciar estes dois regimes: a confusão opera de igual

forma em ambos os casos. O art.871.º, n.º4, não distingue quanto aos direitos reais de

garantia, e o art.1541.º não distingue quanto à superfície. Quaisquer argumentos literais

que se recolha não são válidos para diferenciarmos o regime da eficácia extintiva da

confusão. O único caso em que parece haver esta distinção é o do art.724.º, mas neste

150

Coloca-se depois uma dificuldade, que é a de saber qual dos direitos se extingue: não há aqui direito

menor para se extinguir, porque ambos são idênticos. A questão poderá ser meramente teórica, mas

pensamos que neste caso seria adequada a aplicação do princípio prior tempore, potior iure, pelo que se

extinguirá o posteriormente adquirido. Coloca-se na mesma o problema: e quando se adquirirem

concomitantemente duas ou mais quotas? A questão não cabe no presente estudo. 151

Assim, MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, p.550, COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.456-459. 152

MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais, pp.550, e COELHO VIEIRA, Direitos Reais, pp.456 e ss., defendem

extinguirem-se direitos maiores por confusão, entre eles a propriedade. Mas MENEZES CORDEIRO só o

exemplifica nos casos de compropriedade. 153

MALAURIE et AYNES, Droit Civil – Les Biens, 206, n.º834, MARTY ET RAYNAUD, Droit Civil – Les

Biens, 1980, n.º81, AUBRY et RAU, Cours de Droit Civil Français, 1869, §234, p.515, DEMOLOMBE,

Cours de Code Napoléon, X, De la distinction des biens, tome II, 1854, n.º870, p.850, “la consolidation

(…) n’est autre chose que la confusion; et tout l’effet qu’elle produit dérive de ce qu’elle paralyse le droit

d’usufruit considéré comme tel, et en rende par suite l’exercice impossible”. Estes Autores chegam a esta

conclusão porque impressionados com casos de subsistência de direito real menor após confusão. 154

BENOÎT LOSFELD, “La consolidation”, RTDC 2007, p.14 e ss., referindo haver verdadeira extinção no

que chama de confusão perfeita (quando usufrutuário adquire propriedade) e paralisia do direito na

confusão imperfeita (quando proprietário adquire usufruto ou terceiro adquire propriedade e usufruto).

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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caso a distinção deriva da própria natureza da adjudicação ao exequente ou credor com

garantia real (arts.875.º a 878.º) e da venda executiva (arts.886.º e ss.).

Quanto à teoria da paralisia do direito menor, ela é de rejeitar, na medida em que

o princípio é o de que a confusão real extingue o direito, não o paralisa. O direito

extingue-se, com efeito, e nos casos em que isso não aconteça deve-se à tutela de

direitos de terceiros ou a qualquer interesse juridicamente atendível do titular, não

porque o direito menor fique latente durante esse período: ele continua a existir.

Quanto à teoria da aplicação amplíssima da eficácia extintiva a direitos maiores

e menores, ela não procede na medida em que o direito maior em concurso com direitos

menores, havendo confusão, não se extingue, antes se expande por força da elasticidade,

nos limites do próprio direito. Os direitos maiores só se extinguem havendo

contitularidade real, e nesse caso não se extingue enquanto direitos maiores, mas

enquanto direitos homogéneos.

Do exposto, nomeadamente do que foi expresso acerca da confusão de direitos

homogéneos, resulta que a tese a adoptar será a da aplicação ampla a direitos menores e

a direitos maiores só em contitularidade. Nestes casos, não haverá interesse jurídico na

manutenção destes direitos, na medida em que o titular dos mesmos tem já um direito

maior que engloba poderes que extravasam os do direito menor. Há como que um juízo

de desnecessidade jurídica ou falta de interesse juridicamente atendível na manutenção

destes direitos. Daí que, justificando-se esse interesse, ou estando em causa direitos de

terceiro, a eficácia extintiva da confusão seja diferida até ao momento ou em que cesse

esse interesse juridicamente atendível, ou em que já não seja prejudicado o direito de

terceiro.

VIII. Conclusão

Os códigos, a propósito da extinção de direitos reais por confusão, regulam-na

somente a respeito de cada direito real em concreto. Seria necessário que houvesse uma

Parte Geral de Direitos Reais que versasse sobre a confusão, sob pena de repetições

desnecessárias. Esta situação parece tanto mais grave quanto o legislador de 1966

deixou no texto legal imprecisões terminológicas, usando de forma indiferenciada os

conceitos de confusão, reunião e consolidação, dando azo a dificuldades de

interpretação, e isto quer no âmbito dos direitos reais, quer no âmbito dos direitos de

crédito. Para além do mais, conquanto no respeitante aos direitos reais de gozo haja

disposições expressas (embora esparsas casuisticamente) sobre esta causa de extinção, o

mesmo não acontece quanto aos direitos reais de garantia e de aquisição, em que a lei a

este respeito é omissa, sobretudo no caso destes últimos. Quanto às garantias reais,

porém, encontramos disposições referentes à confusão enquanto facto extintivo, mas

uma inserta deslocadamente no regime da confusão obrigacional (revelando o legislador

ter confundido estas duas espécies de confusão), no art.871.º, n.º 4, e a outra no regime

da hipoteca, no art.724.º. Tudo isto dificulta o trabalho do intérprete.

Os dados normativos com que trabalha a doutrina e a jurisprudência na

Alemanha e na Suíça são diferentes, se não mesmo opostos, daqueles com que nos

deparamos no sistema jurídico português. A transposição de teorias desenvoltas noutros

ordenamentos jurídicos não pode ser feita cegamente, num acrítico seguidismo do que

vem de fora, antes deve ser ponderada à luz do sistema normativo português. A

conclusão a que chegamos é a de que não é possível a constituição de direitos reais

menores sobre coisa própria no nosso ordenamento jurídico por força do princípio da

tipicidade dos direitos reais (art.1306.º) e em virtude das definições legais – não por elas

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

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em si, mas pela forma como delas influi consequentemente o regime dos direitos – e do

regime típico de cada direito real. Efectivamente, se as partes por via de negócio

jurídico, v.g., tentarem constituir ou transmitir um direito real menor sobre coisa própria,

esse direito converter-se-ia legalmente em direito obrigacional (art.1306.º, n.º1, in fine),

se com tal direito fosse compatível na sua estrutura.

O sistema, contudo, apresenta “janelas”, é permeável nalguns pontos sensíveis

em que de facto chegamos à conclusão necessária de que existem e se mantêm direitos

reais menores sobre coisa própria. O caso é patente no que concerne aos direitos reais de

garantia (art.871.º, n.º4, e 724.º) e no caso da superfície onerada quando, sendo perpétua,

se extinga, ou sendo temporária, se extinga antes do prazo (art.1541.º). Mas, ainda aqui,

não é admitida a constituição destes direitos sobre coisa própria; pelo contrário, do que

aqui se trata é da subsistência destes direitos menores sobre uma coisa da qual o seu

titular é também proprietário em virtude da tutela de direitos e interesses jurídicos

atendíveis de terceiros ou do próprio titular do direito confuso.

Não encontramos no nosso Direito Civil nenhum preceito como o § 889 BGB

que exclui o efeito extintivo da confusão quando se reúnem propriedade predial e direito

menor onerador desta155

. Mesmo no Direito Alemão dúvidas houve e continua a haver

quanto à possibilidade de constituição de direito menor sobre coisa própria, porquanto o

próprio § 889 fala em exclusão da consolidação nos direitos reais (Ausschluss der

Konsolidation bei dinglichen Rechten), ou seja, prevê a possibilidade de reunião

superveniente da titularidade de direito menor e de direito maior, mas não a constituição

originária dum direito menor pelo titular dum direito maior. Contudo, a doutrina e

jurisprudência mais recentes admitem a constituição de direitos menores sobre coisa

própria, atento o teor dos §§ 889 e 1196, este último nomeadamente ao permitir a

constituição de dívida imobiliária do proprietário156

. De qualquer forma, o efeito prático

155

Diz o § 889 BGB: „Ein Recht an einem fremden Grundstück erlischt nicht dadurch, dass der

Eigentümer des Grunstücks das Recht oder der Berechtigte das Eigentum na dem Grundstück erwirbt“.

Este preceito é depois concretizado pelos §§ 1063, 1163, 1164, 1177, 1196 e 1256 BGB que versam,

respectivamente, sobre a extinção do usufruto de coisas móveis por confusão (Eigentümerniebrauch),

sobre as hipotecas do proprietário (Eigentümerhypothek e Eigentümergrundschuld) e sobre a extinção do

penhor por confusão (Eigentümerpfandrecht). De todo o modo, mesmo que faltasse previsão normativa

específica quanto à não extinção destes direitos por confusão, bastaria o § 889 para induzir a tal conclusão.

A necessidade específica destes preceitos, mormente no tocante ao usufruto de móveis e ao penhor,

prende-se com o facto de o § 889 se referir a prédios (Grundstück). 156

Assim, FRITZ BAUR, Sachenrecht, pp.21-22, ao falar dos Rechte an eigener Sache. Refere o Autor,

op.cit., p.22, que “fraglich ist, ob der Eigentümer – über den Fall des §1196 hinaus – beschränkte

dingliche rechte für sich selbst begründen kann”, acabando depois, op.cit., p.293, por considerar

admissível a constituição, nomeadamente, das chamadas servidões do proprietário

(Eigentümerdienstbarkeiten) por analogia com o § 1192. Da mesma forma, mas para o usufruto do

proprietário (Eigentümerniebrauch), vide ULRICH VON LÜBTOW, „Der Eigentümerniebrauch an

Grundstücken“, NJW (1962), Heft 7, pp.275-278, que, contra a opinião de SEUFERT e de EICHLER,

fundando-se sobretudo em que basta que exista um interesse jurídico do proprietário para que possa

admitir-se a constituição do usufruto sobre coisa própria, bem como em que mesmo o Direito Romano,

que concebeu “das Phantom ‘nulli res sua seruit’”, op.cit., p.276, precisou de recorrer à ideia de que são

os prédios que devem, e não as pessoas (D.8,3,34,pr.). Afirma ainda LÜBTOW que o interesse jurídico que

podemos encontrar na constituição do usufruto sobre coisa própria pode encontrar-se na ideia de reserva

de posição ou grau (Rangvorbehalt), na medida em que, extinguindo-se a sua propriedade, o usufrutuário

proprietário manterá sempre o seu usufruto: “Die Bestellung eines Eigenrechts bietet gegenüber dem

Rangvorbehalt wichtige Vorteile. Wenn der Eigentümer das Eigentum am Grundstück verliert, so behält

er trotzdem das Eigenrecht, jetzt als Recht an fremder Sache, während die Ausübung des Vorbehalts dem

jeweiligen Eigentümer zustehen”, op.cit., p.277. Esta discussão vem na sequência duma decisão do OLG

Düsseldorf 28-IX-1960, NJW (1961), Heft 12, pp.561-562, que se pronunciou pela inadmissibilidade, em

concreto, da constituição dum usufruto do proprietário, à luz do § 1030 BGB (Gesetzicher Inhalt des

Niebrauchs an Sachen), e da falta de interesse jurídico atendível para a sua constituição, nos seguintes

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Nótulas sobre os direitos reais menores sobre coisa própria

45

de criação e subsistência dum direito menor sobre coisa própria facilmente se atingiria

se, constituindo-se um direito menor sobre coisa alheia, se acordasse que em seguida

esse direito seria transmitido para o proprietário, o qual não se extinguiria por força do §

889157

. A postergação do princípio nemini res sua seruit nos direitos reais a que se

assistiu nos trabalhos preparatórios do BGB e do CC e CO suíços158

não foi seguida nos

países latinos159

.

A confusão é, com efeito, um incontornável facto extintivo de direitos reais

menores, no nosso sistema jurídico, assim como sucede noutros ordenamentos latinos,

por força do princípio romanista nemini res sua seruit. O fenómeno que a lei

contemplou expressamente na hipoteca, no penhor (art. 724.º e 871.º, n.º4) e na

superfície (art.1541.º) é um diferimento do efeito extintivo da confusão real por força

dum interesse do titular do direito extinto ou por força de direitos de terceiro; mas, logo

após cessar a causa que originou procrastinação da extinção, a confusão extingue o

direito, assumindo plena operacionalidade, ao ponto de se poder dizer ter estado inter

illo tempore latente ou dormente o seu efeito extintivo. O direito, contudo, durante esse

tempo não cessou de existir, tendo permanecido sobre coisa própria, conquanto seja um

direito menor.

Portanto, a verdade é que há direitos reais sobre coisa própria: nos casos dos

arts.1541.º, 724.º, 871.º, subsistem direitos menores em concurso com direito maior do

mesmo titular, sem que se extingam por algum interesse atendível seja do próprio titular,

seja de terceiros que doutra forma seriam prejudicados. Porém, não podem ser

constituídos sobre coisa própria quer por força da tipicidade, quer por não se divisar

para esse caso utilidade ou interesse jurídicos.

Compreendemos, contudo, que caímos na objecção em que tem caído alguma

doutrina alemã: a ser assim facilmente tornearíamos essa proibição de constituição de

direitos reais menores sobre coisa própria, bastando que pactuasse com alguém, p.e.,

vender-lhe uma coisa com reserva de usufruto, obrigando-se a outra parte a alienar-ma

de volta. Mas, ainda assim, teria de se provar o interesse jurídico que houvesse na

manutenção desse direito sobre coisa própria, o que não será fácil de acontecer.

termos: “ Es

bleibt dahingestellt, ob die Zulässigkeit bei besonderer Interessenlage im Einzelfall anders zu beurteilen

ist”, ob.cit., p.561. As conclusões a que chegam estes Autores são pelos mesmos reputadas aplicáveis aos

restantes direitos reais menores sobre coisa própria. 157

Assim, MARTIN WOLFF, Tratado de Derecho Civil, t.III, Derecho de Cosas, vol.II, §108, I, b), p.45,

para a constituição de servidão predial pelo proprietário do prédio a onerar. 158

A postergação deste princípio e a admissão de direitos menores sobre coisa própria, nomeadamente no

concernente às servidões, foi resultado do labor de EUGEN HUBER, a par da influência dominante da

pandectística germânica, na sua obra prévia à publicação dos CC e CO suíços „Die

Eigentümerdienstbarkeit – ein beitrag zu ihrer Rechtfertigung“, Festschrift H. Fitting zur Feier

des50jährigen Doktorjubiläums, Bern, 1902. 159

Vide, na doutrina italiana, ARANGIO-RUIZ, “La struttura dei diritti su cosa altrui”, AGFS vol.X, terza

serie, fasc.3 (1908), pp.361 e ss., e vol.XI, terza serie, fasc.3 (1909), pp.451-469, BARASSI, I diritti reali

limitati, e ainda DOMENICO BARBERO, La legitimazione ad agire in confessoria e negatoria servitutis,

BIONDO BIONDI, Las Servidumbres, GIUSEPPE BRANCA, Le Servitù Prediali, EMANUELE BILOTTI, La

confusione di debito e di credito. Também na doutrina e jurisprudência francesa e espanhola o

entendimento maioritário é o da não admissão da constituição de direitos menores pelo proprietário.

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Índice I. Introdução

II. Dos direitos reais sobre coisa alheia e sobre coisa própria

III. Princípio nemini res sua seruit

§1. Fundamento jurídico do princípio

§2. Excepções ao princípio

IV. Constituição de direitos reais menores sobre coisa própria

V. Extinção de direitos reais menores por confusão real

§1.Caracterização

§2. Regime legal

§3. Nos direitos reais de gozo

1. Superfície

2. Usufruto

3. Servidões

§4. Nos direitos reais de garantia

1. Retenção

2. Penhor e hipoteca

§5. Nos direitos reais de aquisição

VI. Extinção de direitos homogéneos por confusão

VII. Natureza jurídica e âmbito de aplicação da confusão real

VIII. Conclusão