notícias em dispositivos mobile
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O objetivo deste estudo é analisar se a notícia, gênero textual produzido por jornalistas, sofreu alterações após a popularização e a utilização dos smartphones em redações de jornais. Quatro notícias, duas publicadas no aplicativo da Folha de São Paulo e duas em um aplicativo chamado Curitiba na Hora, foram verificadas. Uma das constatações evidenciadas nesta pesquisa é que o gênero, apesar de ainda manter sua essência (informar), muitas vezes é apresentado de forma distinta conforme o suporte em que é publicado.TRANSCRIPT
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Notícia em dispositivos mobile: novo gênero ou reprodução?
Lucas Gabriel de Marins
Orientadora: Luciana Pereira da Silva
Resumo:
O objetivo deste estudo é analisar se a notícia, gênero textual produzido por jornalistas,
sofreu alterações após a popularização e a utilização dos smartphones em redações de
jornais. Quatro notícias, duas publicadas no aplicativo da Folha de São Paulo e duas
em um aplicativo chamado Curitiba na Hora, foram verificadas. Uma das constatações
evidenciadas nesta pesquisa é que o gênero, apesar de ainda manter sua essência
(informar), muitas vezes é apresentado de forma distinta conforme o suporte em que é
publicado.
Palavras-chave: gêneros textuais, gêneros jornalísticos, smartphones.
1. Introdução
Foram Platão e Aristóteles, na Grécia Antiga, que criaram o conceito de gênero.
Enquanto o primeiro cunhou a divisão da poesia no livro II da República (mimética ou
dramática, não mimética ou lírica e mista ou épica), o segundo, em Poética, criou duas
distinções básicas (entre real e ficcional e entre objetos representados, modalidades de
representação e meios utilizados), que se transformaram na principal referência para os
estudos da área (SEIXAS, 2009).
Na Antiguidade, os autores acreditavam que os gêneros eram fixos (AGUIAR e
SILVA, 1979, p. 211). Horácio, por exemplo, um dos maiores difusores da obra de
Aristóteles, dizia que o poeta deveria escolher qual métrica e forma usar na confecção
de suas poesias. Na Modernidade, o gênero passou a ser visto como um organismo que
nasce, tem um período de vida e se transforma ou morre, dando lugar a outros tipos de
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classes, assim como a tragédia grega cedeu espaço ao drama romântico. (AGUIAR E
SILVA, 1979, p. 216).
Por volta do século XIX, período em que o número de leitores cresce graças ao
barateamento dos custos de impressão, surge um novo tipo de gênero a cada década
(WELLEK e WARREN, 1971, p. 293-294). Nessa época, no entanto, ele era estudado
como um “produto” em si mesmo, ou seja: apenas sua estrutura enquanto texto era
objeto de estudo.
Foi só com os formalistas russos (anos 20), em especial com Tzvetan Todorov, que
defendia o caráter evolutivo do gênero; Roman Jakobson, com suas noções de sistema,
dominante e funções da linguagem; e com Mikhail Bakhtin, responsável por introduzir
o conceito de endereçamento, enunciação e dialogismo, que o gênero começou a ser
estudado como um sistema comunicativo que pressupõe o interlocutor.
A estrutura textual, semântica e sintática do texto vai perdendo força para elementos da troca comunicativa. A noção de gênero deixa aos poucos o estruturalismo e se torna cada vez mais funcionalista – o paradigma ainda atual. Os vestígios deixados na epiderme do texto passam a segundo plano em relação às funções do ato comunicativo e estatuto dos participantes da comunicação, por exemplo. Mais ainda, dos vestígios do processo comunicativo deixado na epiderme do texto, passa-se à institucionalização do processo como motivo para a composição do produto. (SEIXAS, 2009, p. 30)
E foi esse grupo que influenciou os pesquisadores de gêneros jornalísticos,
principalmente o trabalho de Bakhtin.
O teórico russo Mikhail Bakhtin dá novo conceito ao gênero e aplica nova forma. O estudo de Bakhtin é recebido como verdadeiro marco referencial para a revitalização dos estudos do gênero nessas duas últimas décadas e se tornaria um importante suporte teórico para as mais recentes tendências de pesquisas na área de abordagem sócio-retórica, como também para as principais obras do campo jornalístico, isto é, do que seria chamado gêneros jornalísticos. (FERREIRA, 2012, p. 4)
Bakhtin defendeu a existência de dois tipos de gêneros: os primários (simples),
como a fala do cotidiano, por exemplo, e os secundários (complexos), exemplificados
pelas pesquisas cientificas, dramas, romances e os trabalhos jornalísticos.
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Em cada campo existem gêneros que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (cientifica, técnica, publicística...) e determinadas condições de comunicação discursiva, especificas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas (...) e de determinadas unidades composicionais: de determinados tipos de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos da relação do falante com outros participantes da comunicação discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro etc. (BAKHTIN, 2003 [1979], p.264)
Além de englobar os conteúdos jornalísticos nos gêneros complexos e levar para
o estudo dos gêneros as questões extralinguísticas, como a cultura e a história, o autor
também criou o conceito de “endereçamento”, que inseriu no estudo do gênero a
presença do receptor da mensagem.
Um traço essencial (constitutivo) do enunciado é seu direcionamento a alguém, o endereçamento (...). Essa consideração irá determinar também a escolha do gênero do enunciado e a escolha dos procedimentos composicionais e, por último, dos meios linguísticos, isto é, o estilo do enunciado. Por exemplo, os gêneros da literatura popular cientifica são endereçados para um determinado circulo de leitores (...). (BAKHTIN, 2003 [1979], p.301)
O objetivo deste estudo é analisar como o gênero notícia, utilizado no jornalismo, é
produzido para dispositivos móveis, especificamente os smartphones, e se essa nova
tecnologia produziu um gênero textual/discursivo. A base teórica deste artigo é o
conceito de gênero do discurso proposto por Bakhtin (1985).
2. Gêneros no jornalismo
Na área de jornalismo, a primeira tentativa de definição de gêneros na imprensa
ocorreu no século XVIII, período em que surge a noção de pirâmide invertida (lead),
criada pelo Daily Couranit, o primeiro diário britânico. Em 1968 estudiosos espanhóis,
como Hector Borrat, Martínez Albertos e Gonçalo Martin Vivaldi sugeriram a divisão
em gêneros informativos, explicativos, opinativos e diversionais.
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Os estudos sobre gêneros jornalísticos se concentravam na Europa, com mais ênfase
na Espanha e na Universidade de Navarra, local onde foi criada a primeira disciplina de
gêneros jornalísticos, ministrada pelo professor José Luiz Martínez Albertos, que se
tornou referência nessa área de pesquisa. (COSTA, 2008)
Nos Estados Unidos, o foco dos estudos recaia em interpretações sobre os processos
jornalísticos e em tendências da profissão. Pesquisadores latino-americanos, no entanto,
também se debruçaram sobre o tema, como é o caso do professor Luiz Beltrão e de seu
“discípulo”, o professor José Marques Melo.
Em Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro (2003), Melo
faz uma revisão bibliográfica dos trabalhos sobre gêneros no jornalismo vistos pelo
mundo e propõe uma categorização, aceita pela maioria dos pesquisadores da área no
Brasil. Posteriormente, em nova atualização da lista, a seguir, o autor, baseado em
outros autores brasileiros, como o professor Manuel Carlos Chaparro, inclui o gênero
utilitário. (FERREIRA, 2012).
Informativo Interpretativo Opinativo Diversional Utilitário
Nota Dossiê Editorial História de
interesse
humano
Indicador
Notícia Perfil Comentário História
Colorida
Cotação
Reportagem Enquete Artigo Roteiro
Entrevista Cronologia Resenha Serviço
Coluna
Crônica
Caricatura
Carta
Quadro 1: Classificação dos gêneros jornalísticos
Fonte: José Marques de Melo, 2003.
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A notícia, gênero que se consolidou no século XIX, dentro da categoria proposta
por Melo e outros pesquisadores da área (inserida na categoria informativa), é apontada
como a base do jornalismo (MEDINA, 2001). “A produção da notícia é um processo
que se inicia com um acontecimento. É o sujeito observador que dá sentido ao
acontecimento. Os acontecimentos estariam formados por aqueles elementos exteriores
ao sujeito a partir dos quais ele mesmo vai recorrer e construir o acontecimento”
(ALSINA, 1993, p. 81).
A notícia, no entanto, como outro gênero qualquer, muda no decorrer do tempo.
É impossível fazer uma classificação permanente, já que ela é determinada pelo tipo de
produção jornalística e é influenciada por questões culturais de cada nação. (MEDINA,
2001). A própria estrutura da notícia, até então delineada pela pirâmide invertida do
lead, ganha outros contornos com a popularização dos meios digitais. “Usar a técnica da
pirâmide invertida na web é cercear o webjornalismo de uma das suas potencialidades
mais interessantes: a adopção de uma arquitetura noticiosa aberta e de livre navegação”
(CANAVILHAS, 2006, p.7).
O surgimento das Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs”) e o uso do
computador na produção de notícia, por exemplo, deram ao gênero novos elementos
textuais, como os hiperlinks.
A fragmentação do discurso é uma das características marcantes da narrativa na Web. A possibilidade de acessar rapidamente diferentes blocos de informação através de links traduz a dinâmica do webjornalismo. Um mosaico de informações permite acesso a diferentes ângulos e percepções sobre um mesmo tema. (RIBAS, 2004, p. 2).
E, agora, o mundo vive outro “boom” tecnológico, liderado por smartphones e
tablets, que afetou a produção dos gêneros jornalísticos. Em 2014, segundo pesquisa da
eMarketer, empresa norte-americana de pesquisa, 1 bilhão e 600 milhões de pessoas
tinham smartphones, número 25% superior ao registrado no ano anterior. O Brasil é o
sexto país, com 38,8 milhões de usuários, perdendo apenas para China, Estados Unidos,
Índia, Japão e Rússia. A expectativa, segundo a pesquisa, é que em 2016 o número de
usuários chegue a 2 bilhões em todo o planeta.
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O jornalismo na web tem quatro fases: na primeira, chamada de fase de
transposição, os produtos jornalísticos não passam de reproduções de suas versões
veiculadas no impresso; na segunda, conhecida como metáfora, os conteúdos publicados
na web passam a ter experimentações, a exemplo da implantação de links; e a terceira,
na qual vivemos, é o momento em que produtos são criados exclusivamente para web.
(PALACIOS, 2003)
A possibilidade de fazer a informação chegar mais rapidamente ao leitor por
meio de dispositivos móveis se mostrou como uma oportunidade para as empresas
jornalísticas lançarem novos formatos de notícias (CANAVILHAS, 2012). A dúvida é
se a popularização desses novos suportes criou um novo tipo de gênero.
Nem a linguística e nem o jornalismo têm pesquisas na área de gêneros em
dispositivos móveis. No jornalismo, Canavilhas, em seu artigo Jornalismo para
dispositivos móveis: informação hipermultimediática e personalizada, “abordou apenas
a faceta do telemóvel como receptor de notícias”, e não o gênero (CANAVILHAS,
2012, p.5). Na linguística, os pesquisadores também não produziram nada a respeito de
gêneros para celulares. No livro Hipertextos e gêneros digitais, novas formas de
construção de sentido (2005), autores como Luiz Antônio Marcuschi e Antônio Carlos
Xavier atém-se apenas aos textos feitos para a web.
Na Ciência da Computação, apesar de não haver trabalhos específicos sobre
dispositivos móveis, em especial os smartphones, dois pesquisadores da Acadia
University, no Canadá, chamados Carolyn Watters e Michael Shepherd, criaram uma
divisão de cybergêneros.
“Nós definimos que os cybergêneros têm duas principais classes: extant e novel. A classe extant consiste naquela baseada em gêneros existentes em outras mídias, como no papel ou no vídeo, que migraram para uma nova mídia. A classe novel consiste naquele gênero que se desenvolveruem uma nova mídia e não tem contrapartida em outras mídias” (Tradução minha, Shepherd e Watters, 1998).
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Dentro da classe extant, Watters e Shepherd sugerem dois subgêneros: os
replicated cybergenres, que são reproduções exatas, tanto em conteúdo quanto em
forma, de um conteúdo de uma mídia para outra, como por exemplo a transposição de
um jornal impresso para a internet ou celular; e os variant cybergenres, representados
pelos conteúdos baseados em outros gêneros, mas que exploram algumas características
da nova mídia.
A classe Novel, segundo a classificação dos pesquisadores, também tem dois
subgêneros. O primeiro é o emergent, que seria uma evolução do variant cybergenre.
“A chave da evolução (para este gênero) é a exploração das funcionalidades
proporcionadas pela nova mídia” (WATTERS e SHEPHERD, 1998). Já o segundo
subgênero dessa classe é o spontaneous cybergenre, que seria um tipo de gênero novo
sem contrapartida em nenhuma outra mídia.
Quadro 2: The Evolution of Cybergenres Fonte: Watters e Shepherd, 1998.
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3. Bakhtin e a transformação dos gêneros
Para Bakhtin (2003 [1979]), todos os campos da atividade humana estão ligados ao
uso da linguagem. O autor russo defende que a utilização da língua ocorre em forma de
enunciados, tanto orais quanto escritos, sendo concretos e únicos. “O enunciado reflete
as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas, não só por seu
conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos
da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais – mas também, e sobretudo,
por sua construção composicional” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 261).
O enunciado, de acordo com o autor, é a “unidade real da comunicação verbal”,
assim como o gênero do discurso. Ambas as formas, entrelaçadas, pressupõem a
existência de um interlocutor e todos os aspectos que o circundam, sejam sociais,
culturais ou históricos. A língua-enunciado, portanto, não é algo abstrato, destoante do
que ocorre ao redor, mas faz parte da atividade humana e é uma linha de “transmissão
entre a história da sociedade e a história da linguagem”. (BAKHTIN, 2003 [1979]).
Bakhtin (2003 [1979]) também salienta que existem inúmeras possibilidades de
socialização e, portanto, uma ampla heterogeneidade de gêneros do discurso. Esses,
segundo ele, são a base para a comunicação. “A riqueza e a diversidade dos gêneros do
discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade
humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do
discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica em
determinado campo”. (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 261).
A variação dos gêneros do discurso, apesar de ampla, é dividida em duas, segundo
Bakthin (1979): primários e secundários. Os primários são aqueles presentes no
cotidiano, como conversas rápidas no elevador, saudações, cartas ou despedidas. Já os
secundários são mais complexos, a exemplo de artigos científicos, resenhas literárias,
petições jurídicas e textos jornalísticos, como a notícia e a reportagem.
Em todos os gêneros complexos existe a presença dos simples. Em uma notícia, por
exemplo, há trechos de falas de pessoas; em um e-mail, há “resquícios” da carta.
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“No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições de comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, ai se transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vinculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais alheios: por exemplo, a réplica do diálogo cotidiano, ou da carta no romance, ao manterem a sua forma e o significado cotidiano apenas no plano no conteúdo romanesco, integram a realidade concreta apenas através do conjunto do romance, ou seja, como acontecimento artístico-literário e não da vida cotidiana” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 263).
Na noção proposta por Bakhtin (2003 [1979]), o gênero acompanha mudanças
sociais, históricas e culturais. Cada esfera (no caso, momento histórico) cria seus
próprios gêneros discursos, sejam primários ou secundários, conforme as necessidades.
“Em cada campo existem e são empregados gêneros que correspondem às condições
especificas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos”
(BAKHTIN, 2003 [1979]).
Diversas áreas da linguagem têm se transformado após a popularização da internet e
dos dispositivos móveis, conforme citado anteriormente. A seguir, há uma análise, com
base na teoria bakhtiniana, de notícias produzidas para smartphones.
4. Aplicativos de notícias
Para este artigo, dois aplicativos de notícias foram escolhidos. O primeiro é o app
(abreviatura em inglês da palavra aplicativo) de notícias desenvolvido pelo jornal Folha
de São de Paulo. O veículo foi escolhido porque tem a maior circulação e a maior
audiência, seja na internet ou via dispositivos móveis, segundo o Instituto Verificador
de Circulação (IVC, 2015). A escolha se deve, também, pela forma como o veículo
trabalha a notícia em dispositivos móveis: que é a transposição do conteúdo offline e
online (do site) para o aplicativo, exemplificando, à primeira vista, um replicated
cybergenre, como cunhou Watters e Shepherd (1998). Essa maneira de lidar com a
informação é seguida por outros veículos de massa (nacionais ou internacionais), como
o The New York Times.
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O outro aplicativo escolhido foi o Curitiba na Hora, desenvolvido por Rosiane
Correia de Freitas, jornalista curitibana e professora da Universidade Positivo. A opção
por essa ferramenta se deve ao fato de as notícias serem produzidas exclusivamente para
a plataforma móvel, o que, em um primeiro momento, pode ser visto como um
spontaneous cybergenre (WATTERS e SHEPHERD, 1998). O aplicativo também envia
uma “mensagem” ao usuário assim que uma nova notícia é publicada, função que o app
da Folha de São Paulo não faz.
Vale ressaltar, no entanto, que a análise desses dois aplicativos não é suficiente para
explicar o gênero notícia em dispositivos mobile. A quantidade de apps no mercado –
sendo boa parte deles dedicados ao jornalismo -- é enorme. Só o Google Play, loja do
Google, tem 1,43 milhão; e a Apple Store, loja do Iphone, tem 1,21 milhão, segundo
relatório publicado pela appFigures.
Além disso, os dispositivos móveis ainda estão em fase de adoção, seja por parte da
população ou das empresas jornalísticas (BARBOSA, 2013, p. 57).
4.1. Notícias mobile
Foram selecionadas duas notícias do aplicativo da Folha de São Paulo – tanto as
publicadas para aparelhos mobile como as divulgadas na versão impressa -- e duas do
aplicativo de notícias Curitiba Na Hora, que tem conteúdo próprio produzido apenas
para smartphones.
A Folha de São Paulo é o jornal com maior audiência do país, de acordo com o
Instituto Verificar de Circulação (IVC, 2015). A circulação digital do veículo em maio
de 2015 foi de 125 mil, levando em consideração tanto os visitantes de desktops como
os de aplicativos mobile (tablets e smartphones). Nesse mesmo mês, o site do jornal
recebeu 25,9 milhões de leitores via web e dispositivos móveis. O aplicativo de notícias
do jornal foi lançado em janeiro de 2015.
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Notícia 1: Imagem do aplicativo da Folha de São Paulo Fonte: Itunes
O aplicativo Curitiba na Hora, lançado em agosto de 2014, é um dos únicos do
país com conteúdo jornalístico exclusivo para mobile. O foco do veículo é a produção e
a divulgação de matérias em smartphones. O app também tem uma página na internet.
Nela, existem apenas reproduções dos textos elaborados para os telefones celulares, o
que demonstra uma inversão do que vem sendo feito até agora por outros jornais: a
transposição do conteúdo da versão impressa ou digital para o mobile. Essa mudança é
abordada no tópico 4.3 deste artigo.
Notícia 2: Imagem do aplicativo Curitiba Na Hora Fonte: Itunes
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4.2.Folha de São Paulo: transição do impresso para o mobile
Com versões para os sistemas operacionais IOS e Android, o app da Folha de São
Paulo conta com todas as editorias da versão impressa e digital. No menu, localizado
em um pequeno ícone do lado superior esquerdo, o leitor pode clicar na 1ª página, que
conta com as notícias de capa do jornal, sendo a primeira a manchete do dia; e no tópico
últimas notícias, que reúne as últimas matérias feitas.
Logo após as últimas notícias, é possível ler os colunistas, seguidos das editorias de
poder, mundo, cotidiano, empreendedor social, ciência, esporte, ilustrada (cultura), tec
(tecnologia), turismo, equilíbrio e saúde, comida, ilustríssima, folhinha (para crianças),
classificados, the new york times, sãopaulo, especial, serafina (revista de variedades),
tv folha e edição impressa.
Dentro de cada editoria, os conteúdos, sejam artigos, notícias ou outros gêneros
ficam organizados um embaixo do outro. Os títulos, de cor preta, são destacados por
letras maiores e negritadas. Logo abaixo deles, há um pequeno resumo de cada notícia,
que no jargão jornalístico é chamado de destaque.
Na parte superior do aplicativo, além do ícone do menu existem outros seis, sendo
que o primeiro volta para a notícia anterior; o segundo atualiza as últimas novidades
(esse foi atualizado recentemente, pois não aparecia na primeira versão, exemplificado
no Quadro 3); o terceiro é um “botão” de compartilhamento nas redes sociais; o quarto
aumenta o tamanho da letra; o quinto leva o leitor para o site, na versão para desktops; e
o sexto é uma central de ajuda, com login e informações sobre a utilização do
aplicativo.
Para essa análise, foram escolhidas as notícias Maioria aprova abertura de processo
de impeachment, mostra DataFolha e Em reunião história, Obama e Raúl marcam
mudança entre EUA e Cuba, sendo que foram publicadas na Folha de São Paulo do dia
12 de abril de 2015. Ambas, neste artigo, são comparadas com suas respectivas versões
impressas para, dessa forma, mostrar se há ou não diferenciação no gênero.
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Notícia 3: Reprodução de notícia impressa na Folha de São Paulo Fonte: Folha de São Paulo
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Notícia 4: Reprodução de notícia mobile da Folha de São Paulo Fonte: Folha de São Paulo
A notícia Maioria aprova abertura de processo de impeachment, mostra
DataFolha tem praticamente a mesma estrutura da versão impressa e segue o padrão do
gênero notícia, que busca responder às perguntas – ou pelo menos parte delas --
clássicas da pirâmide invertida: o que, quando, como, onde e por quê.
O fato mais importante (a pesquisa), que representa o o quê, está no início do
primeiro parágrafo; logo em seguida, vem o motivo do resultado da pesquisa (a
Operação Lava Jato), que representa o por quê?; o quando (data do ocorrido), como de
costume, é revelado abaixo do nome do autor da matéria. No decorrer do texto, o
jornalista explicita outras facetas do levantamento.
As pequenas diferenças começam pelo título. A versão impressa tem um título
menor (Maioria quer impeachment de Dilma e não conhece vice), com 17 caracteres a
menos que o texto para mobile. Isso ocorre porque o jornal tem limitação de espaço.
Outra diferença é em relação à continuação da notícia. A versão do aplicativo “avança”
na história e cria dois novos parágrafos, baseados em uma entrevista feita com a
presidente Dilma Rousseff durante a Cúpula das Américas em 2015, evento que
aconteceu na cidade do Panamá.
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O infográfico presente na versão impressa foi transferido na íntegra para a
versão mobile. Como os smartphones não têm telas grandes – a do Iphone 5, por
exemplo, tem 4 polegadas na diagonal com uma resolução de 1136x640 e 326 ppi -- é
possível virar a tela do celular em “modo paisagem”, o que facilita a leitura de todas as
informações contidas no gráfico.
Apesar das diferenças, não há mudanças relevantes nas estruturas das notícias
apresentadas no jornal físico e no aplicativo. O texto da versão mobile é simplesmente
uma réplica da versão impressa. A principal diferenciação fica por conta da atualização
da matéria no mobile, que ocorreu no decorrer do dia; e do novo suporte, o smartphone.
Toda ampliação da linguagem literária à custa das diversas camadas extraliterárias da língua universal está intimamente ligada à penetração da linguagem literária em todos os gêneros (...) em maior ou menor grau, também dos novos procedimentos de construção de todo o discurso, do seu acabamento, da inclusão do ouvinte ou parceiro, etc., o que acarreta uma reconstrução ou renovação mais ou menos substancial dos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1979, p. 266).
Na notícia Em reunião história, Obama e Raúl marcam mudança entre EUA e
Cuba, publicada no dia 11 de abril de 2015, pela versão mobile Folha de São Paulo e
no dia 12 de abril, na versão impressa, a notícia se mantém idêntica em ambas, sem
alteração de conteúdo ou de pontuação (veja imagem a seguir), como ocorreu na notícia
Maioria aprova abertura de processo de impeachment, mostra DataFolha.
As notícias publicadas no aplicativo da Folha de São Paulo são reproduções do
conteúdo do jornal impresso e do site e, portanto, são exemplificações de absorção de
gêneros. Bakhtin (1979) cita que, conforme a época e a evolução da linguagem, alguns
gêneros são absorvidos ou incorporados por outros, como é o caso da inserção da carta
ou de um poema em um romance.
O autor foca principalmente na absorção dos gêneros primários (simples) nos
secundários (complexos), mas esse fenômeno, no entanto, não acontece somente com
gêneros de esferas diferentes. Bakhtin mesmo afirma que ocorrem hibridizações e
absorções do discurso - "o discurso de outrem na linguagem de outrem" (2010, p. 127) -
, mostrando que pode haver dois modos de se falar um mesmo discurso. Nesse caso
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específico das notícias da Folha de São Paulo, a forma de se passar a informação leva
em consideração a popularização dos smartphones.
Notícia 5: Reprodução de notícia impressa da Folha de São Paulo Fonte: Folha de São Paulo
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Notícia 6: Reprodução de notícia mobile da Folha de São Paulo Fonte: Folha de São Paulo
4.3. Curitiba Na Hora: breves notícias exclusivas para mobile
O aplicativo Curitiba na Hora, presente na Apple Store e no Google Play (lojas de
aplicativos da Apple e do Google), é alimentado diariamente com notícias locais de
Curitiba e Região Metropolitana, focando sempre no viés informativo e utilitário. No
menu, há apenas três ícones: Menu, em que são disponibilizadas informações sobre o
app; Notícias; e Atualizar, botão que, ao ser pressionado, apresenta as últimas
novidades.
Logo abaixo do Menu há uma divisão por editorias, elencadas da seguinte forma:
Tudo, Cultura, Educação, Cidade, Comida, Eventos e Economia. Em todas as notícias
há um texto, geralmente pequeno, e uma fotografia, além dos anúncios publicitários de
produtos e serviços da cidade.
Para análise comparativa neste artigo, foram escolhidas duas notícias publicadas
entre os dias 13 e 15 de abril de 2015: Gasolina: Preço varia até 12% e Campo Largo
pode ficar sem água, publicadas, respectivamente, nas editorias de Economia e Cidades.
Na primeira matéria (Gasolina: Preço varia até 12%), o título fica sobreposto a uma
imagem de um frentista colocando gasolina em um carro. Ao clicar, o leitor é levado ao
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conteúdo da notícia. Dentro do conteúdo, novamente existe a imagem, publicada no
topo. O título também reaparece, mas, dessa vez, cortado pela metade, talvez por causa
de uma falha do aplicativo ainda não detectada pelos jornalistas responsáveis.
Notícia 7: Reprodução das matérias na editoria de economia e da notícia Fonte: Curitiba Na Hora
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Notícia 8: Reprodução do mapa feito no Batchgeo Fonte: Curitiba Na Hora
O teor da notícia, claramente informativo, responde às perguntas clássicas da
pirâmide invertida. Além da informação, também é possível identificar jornalismo
utilitário, já que os dados contidos no texto podem ajudar o leitor a encontrar o posto de
combustível com o menor preço.
Reforçando o quesito utilitário, há também um mapa interativo apontando os
endereços dos postos. Para entrar nele, no entanto, é preciso clicar em um link presente
na matéria, que leva o leitor ao Batchgeo, programa muito parecido com o Google
Maps, da Google, em que é possível montar mapas com indicações (Ver Quadro 7).
As notícias do Curitiba na Hora não podem ser entendidas como novos gêneros,
mas sim transformações de gêneros já existentes, modificados (ou transmutados) por
causa das mudanças tecnológicas e culturais de uma época. É um velho gênero em um
novo suporte, que é o smartphone. “O gênero sempre é e não é ao mesmo tempo,
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sempre é novo e velho ao mesmo tempo.” (BAKHTIN, 2003 [1979], p. 106). Isso
aconteceu com o surgimento do rádio, que incorporou as notícias do impresso; com a
televisão, que utilizou a linguagem do rádio e das notícias publicadas em jornal; e com a
própria internet, espaço em que é possível se valer de diversos tipos de gêneros.
O Curitiba na Hora, no entanto, mostrou uma mudança na cadeia de divulgação
da notícia. Ela primeiro é publicada no aplicativo para depois ir para o site do app,
mostrando que o foco é informar o leitor por meio do smartphone. Geralmente os
veículos, como a própria Folha de São Paulo, seguem um cronograma para a difusão de
uma informação exclusiva: primeiro a notícia é publicada no impresso, depois vai para a
internet e só então é colocada no aplicativo.
Quando cito informação exclusiva refiro-me a reportagens importantes,
investigações ou dados que devem ser publicados primeiro no jornal impresso, seja por
questões de tradição ou até mesmo comerciais (para alavancar as vendas). As notícias
factuais (do momento), no entanto, primeiro são publicadas na internet, justamente por
causa da nova forma de consumo de informação de hoje em dia.
5. Conclusão
Apesar da popularização da internet e dos dispositivos móveis, o gênero notícia
ainda segue o mesmo padrão estabelecido no jornalismo do século XVIII. Sofreu
algumas modificações, influenciadas pela época (tempo, espaço, cultura, história e
sociedade) e pelo suporte; mas, conforme Bakhtin (2003 [1979]), essas alterações
ocorreram apenas no procedimento e no acabamento.
Exemplos nas mudanças no procedimento podem ser vistos durante a confecção de
notícias específicas para dispositivos móveis. O jornalista, além de apurar, deve pensar
na composição da matéria levando em consideração diversos fatores, como o tamanho
da tela do smartphone; os artifícios que irão compor a matéria (links, infográficos,
mapas interativos); e no leitor de celular, geralmente adepto às informações rápidas e
precisas.
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Uma das dificuldades encontradas neste trabalho foi a busca por informações
específicas sobre gêneros em dispositivos mobile. Há poucos artigos, seja na literatura,
no jornalismo ou na ciência da computação. Faz-se necessário, portanto, a criação de
novos estudos para dar visibilidade à variedade de gêneros presentes em dispositivos
móveis.
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6. Referências
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