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Homenagem à Professora Jacqueline de Romilly

Todos aqueles que estudam ou se interessam pelos temas do mundo clássico grego não poderão ficar indiferentes à intervenção que teve nesta área disciplinar a Professora Jacqueline de Romilly (1913-2010). A sua qualidade de primeira mulher nomeada como docente para o Collège de France e a segunda (depois de Marguerite Yourcenar) a entrar na Académie Française são o reconhecimento da sua excelência intelectual. Além da França, também o governo grego lhe exprimiu o seu apreço com distinções significativas: foi-lhe conferida a nacionalidade grega (1995) e a qualidade de ‘Embaixador do Helenismo’ (2000). Foi ainda uma das raras mulheres a receber, em França, a Grande Cruz da Legião de Honra, o Grande Prémio da Academia (1984) pelo conjunto da sua obra; tornou-se membro, em variados países, de numerosas academias e foi galardoada, entre outros, com o prémio Onassis de cultura (1995).

Como docente universitária, iniciou a sua carreira na Universidade de Lille e prosseguiu-a na Sorbonne (1957-1973). De entre os seus estudos mais conhecidos, contam-se os vários livros que dedicou a Tucídides; em notícia publicada por The washington Times, transcreve-se sugestivas pala-vras da ilustre helenista a este propósito: ‘Passei mais tempo com Péricles e Ésquilo do que com os meus contemporâneos. São eles que me enchem a vida, de manhã à noite’. Muitos dos seus títulos, repartidos sobretudo pelo séc. V ateniense (Tucídides e a tragédia com particular relevo), e pela história das ideias, (in)formaram gerações de classicistas e mereceram inúmeras traduções e referências em todo o mundo; lembramos a título de exemplo: Histoire et raison chez Thucydide (1956), Thucydide: La Guerre du Péloponnèse (Les Belles Lettres, 1958-1972), L’ évolution du pathétique d’Eschyle à Euripide (1971), Le temps dans la tragédie grecque (1971), La tragédie grecque (1983), La douceur dans la pensée grecque (1979), um volume Que sais-je? sobre Homero (1986), La modernité d’Euripide (1986), Thucydides and the Athenian Imperialism (1988), La Grèce Antique et la découverte de la liberté (1989), A short history of Greek Literature

Humanitas 63 (2011) 839-891

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(1996), The great sophists in Periclean Athens (1998), Dictionnaire de literature grecque ancienne et moderne (2001), Précis de Littérature Grecque (2002), L’Orestie (2006), Une certaine idée de la Grèce (2006), Grandeur de l’Homme dans la Grèce du v ème siècle (2010), La crainte et l’angoisse dans le théâtre d’Eschyle (reimpr. 2011).

No ano de 1998, Portugal contou com a sua visita e participação num seminário internacional organizado pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre o tema ‘Europa e Cultura’. Em palavras que então proferiu na abertura desse encontro, Maria Helena da Rocha Pereira salientava, a propósito da ilustre convidada, partindo de uma citação de Heraclito: “‘Aprender muitas coisas não ensina a ser inteligente’. É essa a questão que permanentemente se depara aos educadores. Muitos são os que se têm debatido com ela nos últimos decénios. Mas talvez ninguém com a lucidez de análise e a solidez de argumentos, expostos com uma clareza exemplar, como a Professora Madame Jacqueline de Romilly, primeiro com o livro L’enseignement en détresse (1985), depois com Lettre aux Parents sur les choix scolaires (1994). Para isso contribuiu certamente o prestígio da autora, considerada em geral a mais distinta helenista francesa da actualidade”.

maria de Fátima Silva

Reescrevendo os Clássicos – Hélia Correia e Jaime Rocha

A presença na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra dos escritores contemporâneos Hélia Correia e Jaime Rocha, no dia 16 Fevereiro de 2011, no âmbito dos Cursos de Mestrado e de Doutoramento em Estudos Clássicos, constituiu um momento privilegiado para a compreensão de características específicas na reescrita de mitos clássicos, ilustrativas da vitalidade dos textos da Antiguidade no universo coevo.

Hélia Correia, na senda de uma preferência particular por heroínas femininas do mundo antigo, consubstanciada na produção das obras Perdição-exercício sobre Antígona (1991), Rancor-exercício sobre Helena (2000), Desmesura-exercício sobre Medeia (2006), centrou-se sobretudo na explicação do processo de (re)criação das personagens Antígona e Medeia: “a minha Antígona não tem nada da imagem heróica - revela puro tédio; não conseguiu adaptar-se à vida feminina. Para compensar o tédio, precisava de um acto de grande amplitude, que acabou por a levar à

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morte…”. Em relação à princesa da Cólquida, “em Epidauro, a assistir a ensaios de peças, vi a minha Medeia, selvagem, fora de regra, estrangeira, fisicamente diferente dos Gregos”.

No testemunho da autora, a percepção da busca de uma relação mais íntima com as personagens que reconfigura, para lá da predilecção pelo mundo feminino, são opções remissivas para uma leitura moderna e sociológica do mito.

Jaime Rocha, por seu turno, fixou-se igualmente em duas das três peças que escreveu, desta feita sobre heróis da Grécia antiga: Agamémnon e Filoctetes1. Na sua intervenção, sublinhou a necessidade de visitar os lugares que servem de cenário às peças em que se inspira para as reescritas, bem como de preservar o cerne do mito, actualizando apenas a situação dramatúrgica, de resto, na linha preconizada pela Poética aristotélica2.

SuSaNa Hora marqueS

Teatro de Marionetas do Porto: make Love, not War

A 28 de Maio de 2011, nos eventos de “Serralves em Festa” que decorrem anualmente na cidade invicta, o Teatro de Marionetas do Porto levou de novo à cena uma produção inspirada na Lisístrata aristofânica: Make Love, not war. Apresentada pela primeira vez em Maio de 2010, no Festival Internacional de Teatro de Rua de Santa Maria da Feira, a última encenação dirigida por João Paulo Seara Cardoso constituiu à partida um desafio diferente para a Companhia, porquanto se tratou duma experiência de teatro de rua, levada a cabo num espaço público urbano, aberto às massas. A concepção do espectáculo para exibição num local de dimensões consideráveis3 como cenário natural de actuação constrangeu o encenador

1 A completar esta trilogia de heróis surge Aquiles.2 Cf. Aristóteles, Poética 53b.3 Como bem observa Correia, A. B. Correia, A. B. (2003), Teatro de rua

radical: arte, política e espaço público urbano. Coimbra. Oficina do CES 192. Disponível em http://webopac.sib.uc.pt/search~S74*por?/dteatro+de+rua/dteatro+de+rua/1,1,1,E/I856~b1523007&FF=dteatro+de+rua&1,1,1,0/startreferer//sea [consulta em 22.06.2011]: 7-8, ‘esta actividade teatral sem paredes não pode ser vista como a versão ao ar livre dos espectáculos que ocorrem nos equipamentos artísticos convencionais ou nos edifícios ou locais que designamos como teatros’.

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a transformar as marionetas em modernas máquinas de cena, com alguns metros, que ganharam em visibilidade e em expressividade.

Inspirar-se numa peça que faz a apologia da paz e da conciliação entre os homens nos últimos anos da Guerra do Peloponeso era apostar à partida numa mensagem intemporal e universal. Numa época de crise como a que caracteriza o mundo contemporâneo, Seara Cardoso entendeu mostrar a indignação perante questões que se sentia incapaz de controlar, a nível da política nacional e mundial, através da encenação de um texto da Anti-guidade com uma mensagem que considerou actual: as fronteiras espácio-temporais diluíram-se, gerando um elo entre a cena e os politai hodiernos.

Um desfile inicial, comum neste tipo de performance de rua, e adequadamente animado por música ao vivo, expunha de modo sucessivo os diversos intervenientes em confronto, através do cruzamento de múltiplas linguagens, apelativas à concentração dos transeuntes.

Se não temos conhecimento do sucesso da peça aristofânica por altura da sua estreia, em 411 a. C., sabemos porém que, no caso do Make Love, not war, o público, corpo da cidade, considerável e heterogéneo, com diferenças etárias, sociais, culturais, aderiu em geral de modo positivo, seguindo com atenção uma performance em que quase parecia pertencer à cena, pela proximidade física entre actores e essa audiência que podia trocar de lugar, sair e voltar ao longo do espectáculo. Além dos temas abordados, motivos de reflexão a nível colectivo e individual, o fascínio pelo aparato visual contribuiu decerto para a identificação de ressonâncias com a actualidade.

SuSaNa Hora marqueS

XIII Festival de Teatro de Tema Clássico – 2011

Decorreu, entre finais de Abril e meados de Julho, o XIII festival de Teatro de Tema Clássico, que, como vem sendo tradição, se realizou em diversos espaços (salas de teatro, espaços arqueológicos e monumentais, museus) da zona Norte e Centro do país: Coimbra, Conímbriga, Braga, S. Miguel de Odrinhas (Sintra) e águeda.

O Grupo Thíasos, sediado na FLUC e intrinsecamente ligado ao Instituto de Estudos Clássicos, contribuiu este ano com quatro peças, duas que já vinham de anos anteriores e duas novidades. À tragédia “Hipólito”

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de Eurípides, uma encenação de Carlos Jesus com direcção de actores de Cláudio Castro Filho, somou-se a reposição da Comédia “O Fulaninho de Cartago” de Plauto, uma tradução e encenação de José Luís Brandão que contou com um elenco em grande parte renovado.

Como novidade, foi apresentada a comédia “A Sogra” de Terêncio, com encenação de José Luís Brandão e direcção de actores de Nelson Ferreira. Foi uma aposta do grupo no texto de Terêncio, que tem sido amiúde preterido em favor de Plauto. Apesar da influência que exerceu no drama moderno, o sofrimento e o humanismo do texto terenciano não têm suscitado grande atracção quando se pretende encenar uma comédia. Para distinguir esta peça da linha seguida nas encenações plautinas, o grupo optou por uma solução de compromisso entre o teatro clássico e o teatro moderno, como a “commedia dell’arte”, sobretudo em termos de figurinos e cenário, em alguns apontamentos gestuais e na caracterização das personagens.

O festival vem integrando, além de peças greco-latinas, representações inspiradas em temas clássicos. Este ano, o Thíasos em colaboração com a “Origem da Comédia”, a secção juvenil da “Associação Portuguesa de Estudos Clássicos” (APEC), levou à cena a peça “Ensaio sobre a cicuta”, que consiste numa dramatização de excertos selecionados de alguns diálogos de Platão onde é tratada a morte e apologia de Sócrates. Ao escolher o género de diálogo, o fundador da Academia deu já forma dramática a ensaios filosóficos, modelo que apontou o caminho aos responsáveis por esta feliz ideia. A iniciativa foi acompanhada da realização de um encontro científico denominado “conferências platónicas”, que juntou especialistas e estudantes, autores e actores na reflexão sobre a acção.

Como já vem sendo habitual, o festival contou com a presença de grupos estrangeiros. Desta feita, a escolha recaiu sobre o Grupo Balbo de Cádiz, que nos trouxe uma Antígona de Sófocles e uma peça de inspiração num tema clássico: La Mujer en la Tragédia de Martín Bejarano. Acolhemos igualmente o Grupo Afrodita, do I.E.S. Bueno Crespo (Granada), que apresentou no belo pátio do Museu Machado de Castro a peça, também de inspiração clássica, Entardecer em Mitilene, um texto belíssimo, da autoria de Andrés Pociña, que versa sobre a relação de Safo com as suas discípulas, apresentado numa cena intimista.

Foi além disso visitante, mais uma vez, o Grupo Rastilho de Lisboa, que apresentou, no Museu Machado de Castro, uma leitura dramatizada de

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Nória e Prometeu: palavras do fogo de Armando Nascimento Rosa. Também como já vem sendo habitual, o Grupo Canto e Drama do Conservatório de Música de Coimbra trouxe o drama musical ao festival, através da apresentação de Orfeu e Eurídice de Gluck no Museu Monográfico de Conímbriga e no Museu Machado de Castro.

É de realçar a colaboração com as Instituições que nos acolheram: Museu Machado de Castro, Museu Monográfico de Conímbriga, Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas, Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Museu da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro (Águeda), Museu D.Diogo de Sousa (Braga), Mimarte (Braga), Teatro-Estúdio Boni-frates e o Instituto Justiça e Paz (Coimbra).

O Festival contou com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde está sediado, e do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos que, através da linha de investigação “Pragmática Teatral”, tem contribuído decisivamente para o alicerce científico e logístico do festival, nomeadamente através da publicação dos livros-bilhete com os textos das peças em formato de bolso.

Segue o programa oficial do festival:

– 28 de Abril de 2011, 5a feira, 21h30, Coimbra, Teatro Paulo Quintela (FLUC)

Grupo Thíasos do IEC, A sogra de Terêncio (antestreia)– 2 de Maio de 2011, 2ª feira, 21h30, Coimbra, Teatro Paulo Quintela

(FLUC) Origem da Comédia, Secção juvenil da APEC, Ensaio sobre a Cicuta

(estreia)– 3 de Maio de 2011, 3a feira, 11h30, Ericeira, Museu Arqueológico de S.

Miguel de Odrinhas Grupo Balbo, de Cádiz, La Mujer en la Tragédia de Martín Bejarano– 3 de Maio de 2011, 3a feira, 15h, Ericeira, Museu Arqueológico de S.

Miguel de Odrinhas Grupo Thíasos do IEC, A sogra de Terêncio– 4 de Maio de 2011, 4a feira, 11h30, Conimbriga Grupo Balbo, de Cádiz, Antígona de Sófocles– 4 de Maio de 2011, 4a feira, 15h, Conimbriga Grupo Balbo, de Cádiz, Rudens de Plauto

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– 18 de Maio de 2011, 3a feira, 14h, Coimbra, Museu Nacional Machado de Castro

– Conferências platónicas– 18 de Maio de 2011, 3a feira, 21h30, Coimbra, Museu Nacional Machado

de Castro Origem da Comédia, secção juvenil da APEC, Ensaio sobre a

Cicuta– 19 de Maio de 2011, 5a feira, 15h, FLUP Grupo Thíasos do IEC, O Fulaninho de Cartago de Plauto– 21 de Maio de 2011, Sábado, 21h30, Condeixa, Museu Monográfico de

Conimbriga Grupo Canto e Drama do Conservatório de Música de Coimbra, Orfeu

e Eurídice de Gluck– 22 de Maio de 2011, Domingo, 18h00, Coimbra, Mosteiro de Santa

Clara-a-Velha (Rotários) Grupo Thíasos do IEC, Fulaninho de Cartago de Plauto– 22 de Maio de 2011, Domingo, 21h00, Coimbra, Museu Nacional

Machado de Castro Grupo Canto e Drama do Conservatório de Música de Coimbra, Orfeu

e Eurídice de Gluck– 1 de Junho de 2011, 4ª feira, 21h30, Coimbra, Teatro Paulo Quintela,

(FLUC) Grupo Thíasos do IEC, Fulaninho de Cartago de Plauto– 4 de Junho de 2011, Sábado,21h, Coimbra, Museu Nacional Machado

de Castro Grupo Afrodita, I.E.S. Bueno Crespo (Granada), Entardecer em

Mitilene de Andrés Pociña– 10 de Junho de 2011, 6ªfeira, 21h30, Condeixa, Museu Monográfico de

Conimbriga Origem da Comédia e Grupo Thíasos do IEC, Ensaio sobre a Cicuta– 11 de Junho de 2011, Sábado,21h30, Coimbra, Museu Nacional Machado

de Castro Grupo Thíasos do IEC, A Sogra de Terêncio– 16 de Junho de 2011, 5afeira, 21h30, Coimbra, Instituto Justiça e Paz Origem da Comédia e Grupo Thíasos do IEC, Ensaio sobre a Cicuta– 2 de Julho de 2011, Sábado, 22h, Águeda, Museu da Fundação Dionísio

Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro Grupo Thíasos do IEC, Hipólito de Eurípides

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– 7 de Julho de 2011, 5a feira, 21h30, Coimbra, Museu Nacional Machado de Castro

Grupo Rastilho (Lisboa) Nória e Prometeu: palavras do fogo de Armando Nascimento Rosa

– 8 de Julho de 2011, 6ª feira, Coimbra, Teatro-Estúdio Bonifrates Grupo Thíasos do IEC, Hipólito de Eurípides– 9 de Julho de 2011, Sábado, Braga, Museu D.Diogo de Sousa Ensaio sobre a Cicuta, Origem da Comédia, Secção Juvenil da APEC– 10 de Julho de 2011, Domingo, Braga, Museu D.Diogo de Sousa Grupo Thíasos do IEC, Hipólito de Eurípides– 12 de Julho de 2011, 3a feira, Condeixa, Ruínas Romanas de Conimbriga Grupo Thíasos do IEC, Hipólito de Eurípides– 15 de Julho de 2011, 6ª feira, Coimbra, Teatro-Estúdio Bonifrates Grupo Thíasos do IEC, A Sogra de Terêncio.

JoSé luíS loPeS braNdão

Congresso InternacionalPólis/cosmópolis – identidades Locais / identidades globais

No âmbito da XI Semana Cultural da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema “A Cidade”, o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos organizou, com o apoio da Reitoria, um congresso que permitiu materializar uma linha forte da investigação dos membros que o integram. A ligação ou o antagonismo entre identidades locais e identidades globais supõe o confronto de cidadanias, bem como a mobilidade entre cidades, que assim propicia o binómio sincrónico e diacrónico Pólis/Cosmópolis, entendendo-se ambos os termos abrangidos pelo conceito lato de ‘cidade’. O encontro decorreu entre os dias 3 e 4 de Março de 2011, no Salão Nobre do Instituto Justiça e Paz, e contou com oradores de uni-versidades portuguesas (Coimbra, Algarve, Lisboa, Minho e Porto) e estrangeiras (Barcelona, Saragoça, Complutense de Madrid, Bucareste, Macerata, Foggia, Bari, Rio de Janeiro e São Paulo). Foram dois dias de intenso e profícuo diálogo cultural e científico, conforme transparece do programa, de seguida apresentado.

3 de Março10h: José Pedro Serra, Univ. Lisboa, Pólis e tragédia.

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Maria de Fátima Silva, Univ. Coimbra, Comédia e caricatura política.

Evelio Moreno Chumillas, Univ. Barcelona, Ciudades ideales y otros agravios de la razón práctica.

11h 45m: José Ribeiro Ferreira, Univ. Coimbra, Pólis e Colonização. Carmen Leal Soares, Univ. Coimbra, Regimes Políticos nas Historiae

de Heródoto. António Pedro Mesquita, Univ. Minho, A polis aristotélica.15h: Adriana Nogueira, Univ. Algarve, Confronto de potências: a Guerra

do Peloponeso. Delfim Ferreira Leão, Univ. Coimbra, Polites, Cosmopolites e Idiotes:

a Atenas de Fócion.16h: Francisco Beltrán Lloris, Univ. Saragoça, Romanização da Ibéria. Vasco Mantas, Univ. Coimbra, Iter populo debetur. A rede viária e a

legislação no Império Romano. Florica Bechet, Univ. Bucareste, Le caractère cosmopolite et

multiculturel des colonies grecques ouest-pontiques.17h 45m: Carla Gonçalves, Univ. Coimbra, Invitamenta pacis. José Luís Brandão, Univ. Coimbra, Um olhar sobre o poder imperial

em Suetónio. Maria Alegria Marques, Univ. Coimbra, A presença dos mosteiros

portugueses no capítulo geral de Cister. O local e o geral.

4 de Março9h 30m: Marc Mayer, Univ. Barcelona, El culto imperial como punto de

encuentro entre culturas. Giulia Baratta, Univ. Macerata, I mercati: merci e culture. Ioanna Costa, Univ Bucareste, Vrbes and oppida in Dimitrie

Cantemir¹s Descriptio Moldauiae.11h 15m: Nuno Simões Rodrigues, Univ. Lisboa, O que tem Esparta que

ver com Jerusalém? A construção de um mito helenístico. Marleine Paula de Toledo, Univ. S. Paulo, A Cidade de Deus e a

cidade dos homens. Paula Barata Dias, Univ. Coimbra, Constantino e os alvores da

Europa da Cristandade.14hPainéis 1- Maria Teresa Schiappa de Azevedo, Univ. Coimbra, Homero, poeta

estrangeiro?

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Marta Isabel Várzeas, Univ. Porto, Calímaco e a linguagem universal do mito.

Francisco Oliveira, Univ. Coimbra, Cartas de Plínio a Trajano. 2- Carlos de Jesus, Univ. Coimbra, Tróia Egineta. Elisabete Cação, Univ. Coimbra, A construção da paz de Filócrates. Delio De Martino, Univ. Bari, Città pubblicitarie.15h 45: Tomaz González Rolán, Univ. Complutense, Alfonso de Cartagena,

Poggio Bracciolini y los universitários portugueses en Bolonia. Nair Castro Soares, Univ. Coimbra, Os Humanistas e o poder no

contexto do Renascimento. Maria Isabel Rebelo Gonçalves, Univ. Lisboa, As falas em castelhano

no Auto dos Enfatriões.17h 30m: Carlota Miranda Urbano, Univ. Coimbra, A mobilidade dos

Jesuítas e a sua missão cultural. Belmiro Pereira, Univ. Porto, Da pólis à cosmópolis.: a Retórica e o

alargamento do mundo. Maria das Graças Moraes Augusto, UFRJ, A tradição retórica clássica

no Brasil.19h: Encerramento: Francesco De Martino, Univ. Foggia, Città visibili. Comissão Científica: Doutores José Ribeiro Ferreira, Maria do Céu

Fialho, Delfim Ferreira Leão, Francisco Beltrán Lloris, Rita Marnoto, Francisco de S. José Oliveira, Andrés Pociña Pérez, José Augusto Ramos, Tomás González Rolán, Maria de Fátima Silva, Nair Castro Soares.

Comissão Organizadora: Doutores Maria do Céu Fialho, Carmen Soares, José Luís Brandão, Paula Barata Dias.

Secretariado: Rodolfo Lopes, Elisabete Cação, Nelson Ferreira.

carmeN SoareS

Colóquio e Representação

I - Colóquio ‘Poesis em Latim’ – Entre Roma e a Cultura dos Humanistas

Realizou-se no dia 3 de Junho de 2011, por iniciativa do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, na biblioteca do Centro, o Colóquio

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Internacional Poiesis em Latim. entre Roma e a Cultura dos Humanistas. Foi o seguinte o programa:11h00: Abertura.11h15m: Nuevas perspectivas de estúdio de las tragedias de Séneca,

Aurora López, Andrés Pociña, Univ. Granada.14h30m: La teoria del Amor en el Renacimiento: la Poética de Escalígero,

Maria Nieves Muñoz Martín, Univ. Granada.15h30m: Los orígenes de los géneros literarios y los juegos atléticos en

Escalígero, J. A. Sánchez Marín, Univ. Granada.16h30m: Apresentação de livro: Rodolfo Pais, Platão, Timeu. Crítias,

introd. trad. notas, por M. T. Schiappa de Azevedo, Univ. Coimbra.Aurora López e Andrés Pociña debruçaram-se sobre Nuevas pers-

pectivas de estúdio de las tragédias de Séneca. Uma apresentação inicial sumária elucidou a audiência de que se tratava de um trabalho exaustivo de tradução das tragédias de Séneca, e de que resultaria num volume incluído numa colecção de quatro, produto de um projecto interna cional em italiano, espanhol e português para tradução dos tragediógrafos clássicos (a esses, somar-se-ia um quinto de introdução geral).

A obra seria composta de bibliografia crítica restringida, fundamental e fundamentada, ordenada cronologicamente. Os principais capítulos se-riam dedicados aos códices e edições utilizados, ao corpus das tragédias de Séneca (tocando em problemas como o da autenticidade, o da inclusão ou não de Octauia e Hercules Oetaeus), à representação e representatividade das tragédias, à datação, à ideologia e finalidade (moral, filosófica, didáctica, pedagógica, política). Por fim, dar-se-ia também atenção às reescritas das peças nos séculos XX e XXI (à sua pervivência desde o Renascimento, incluindo um estudo mais pormenorizado sobre as tragédias em língua espanhola, portuguesa ou dos PALOP).

A segunda conferência, apresentada por Maria Nieves Martín, estu-dava La teoria del Amor en el Renacimiento: la Poética de Escalígero. A con ferencista começou por introduzir o tema do platonismo no Renasci-mento, abordando depois a doutrina metafísica da imitação e alguns trata-dos sobre o amor, que afirmavam a teoria da retórica antiga (de Cícero, Quintiliano e de mestres bizantinos de outrora). Prosseguiu com a análise e com a evocação de razões para a realização de tal tratado e para a sua validade literária: ora por motivos psicológicos (platonismo ficiniano); ora pela imitação da natureza e pela autoridade da racionalidade (livros centrais II, III, IV do tratado); ora pelo recurso à linguagem como desenvolvimento

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cultural; ora pelos mores e pela virtude; ora pela retórica afectiva e pelos caracteres nacionais que conferem actualidade à questão amorosa.

O terceiro e último trabalho apresentado dedicou-se a evidenciar Los orígenes de los géneros literários y los juegos atléticos en Escalígero. O professor Sánchez Marín começou por indicar fontes válidas para a teori-zação da temática, como os Poemas Homéricos, Píndaro, Platão, Aristóteles, acabando por concluir que os ideais clássicos de aristocracia teriam iguais consequências na Idade Média. Esta época foi, por isso, uma forma de recuperação da Cultura Clássica, salientando-se uma correspondência entre o desenvolvimento de jogos atléticos e o dos géneros literários.

Todas as comunicações foram seguidas do respectivo debate. Por fim, procedeu-se à apresentação do livro: Timeu-Crítias de

Rodolfo Pais, por Maria Teresa Schiappa.

maria do céu FialHo

eliSabete cação

II – Representação: “Entardecer em Mitilene”No dia 4 de Junho, pelas 21h, teve lugar, no átrio do Museu Machado

de Castro, a representação da peça “Entardecer em Mitilene”, da autoria do Latinista e Dramaturgo Andrés Pociña Pérez, galardoado, com Aurora López, Investigadora do CECH e ambos Professores da Universidade de Granada, com o Pedrón de Honra 2011, por parte da fundação galega Pedrón de Ouro. O prémio foi-lhes atribuído pelo muito que têm feito pela língua galega e pelos seus valiosos estudos sobre Rosalía de Castro.

É precisamente essa finura de sentimentos da poesia de Rosalía, caldeada com o fogo interior do eu lírico da poesia de Safo, adivinhado nos fragmentos que até nós chegaram, e que o Filólogo tão bem conhece, que se adivinha como primeiro movimento inspirador da peça. Tudo se passa no jardim de Safo, ao entardecer, tendo como personagem central a poetisa, cercada das suas discípulas. Presente está a figura masculina, muda e desejada, do porteiro. Cada jovem é um mundo interior diverso, que desperta para o amor, nas suas contradições e tormentas, no seu conflito com o estatuto social que as espera, a umas como uma prisão, a outras como algo natural. Jamais voltarão a ser as mesmas, depois daquele convívio de pedagogia da alma e do coração tido com a mestra. O autor soube construir o texto num prodígio de encastoamento no discurso dos mais belos fragmentos de Safo, postos, com naturalidade, na boca da mestra

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ou das discípulas. Assim, a acção é densa, mas, eminentemente, interior. Dela aflora à linguagem a singeleza do verso, a frase entrecortada por silêncios, como espuma da onda, cuja força se adivinha.

Interpretaram a peça jovens finalistas da escola secundária de Granada e o papel de Safo foi interpretado pela sua professora Remedios Higuera, com todo o profissionalismo. A peça tem conhecido sucesso em Espanha. Como livro-bilhete foi distribuída a versão portuguesa da peça, em tradução de Maria de Fátima Silva, a quem se deve também a introdução.

m. c. FialHo

XIII Congreso Español de Estudios Clásicos

Durante cinco dias, entre 18 e 22 de Julho de 2011, decorreu em Logronho o XIII Congresso Espanhol de Estudos Clássicos. Sem alterações significativas em relação à considerável programação pré-estabelecida, manteve-se o habitual cumprimento dos horários previstos, com inúmeras comunicações simultâneas, organizadas em mais de dez sessões paralelas, que abrangeram diversos temas, tais como Arte, Literatura Latina e Grega, Linguística Latina e Grega, Tradição Clássica, Direito, Bizantinística, Papirologia, Filosofia, Humanismo, Latim Medieval e Didáctica. A perti-nência temática e a qualidade científica das palestras e dos debates gerados tornaram difícil optar entre o leque de escolhas oferecido. Mas não há dúvida de que, por um lado, o cumprimento escrupuloso do tempo atribuído a cada sessão, por outro, a especialização das salas nas várias áreas faci-litavam a circulação dos participantes.

É grato verificar a presença, entre o considerável número de con-gressistas, de muitos jovens especialistas que demonstram grande rigor científico e trazem novas ideias e energia para os Estudos Clássicos. As sessões plenárias, que decorriam num horário convidativo, ao fim da manhã e a partir das 16h., reuniram nomes conceituados tanto de Espanha como do estrangeiro. Limitamo-nos a referir, entre os últimos, Elina Miranda da Universidade de La Habana, Michèle Fruyt da Sorbonne e Albert Reijks-baron de Amsterdão, que acentuavam o elevado nível de internacionalização alcançado, também visível na presença de representantes da Argentina, Canadá, Grécia, Itália, México, Nigéria, Portugal e USA. E para além do intercâmbio e das apresentações científicas, o congresso proporcionou-nos

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a oportunidade de conhecer personalidades que, além de muito contribuírem para afirmar os estudos clássicos na Espanha, muito têm feito para cimentar os mesmos estudos na Europa e no mundo, e que, além disso, têm mantido com Portugal laços estreitos. Referimo-nos a D. António Alvar Ezquerra, que sucedeu a D. Francisco Adrados na presidência da SEEC, a D. Ramón Martínez Fernández e a D. José Luis Navarro, que em Agosto foi eleito presidente da Euroclássica.

Momento alto do Congresso foi a recordação saudosa de António Tovar, numa comovente sessão em que nos encantámos com as histórias desfiadas pelo próprio presidente da SEEC, D. Jaime Siles Ruiz, por D. Francisco Rodrigues Adrados, D. Dulce Estefanía Álvarez e Sofia Tovar, neta do classicista.

Congratulamos o Comité pela escolha do magnífico local onde o Congresso teve lugar e pelo dinamismo cultural que envolveu o evento, que, além das sessões simultâneas e plenárias, ofereceu mesas redondas sobre assuntos de grande interesse e visitas guiadas aos principais centros culturais da zona, como a obrigatória Fundação Würth e o Museu da Romanização em Calahorra, cidade onde não podia deixar de faltar uma mesa-redonda sobre Quintiliano. Como seria de esperar, numa região de notável produção vinícola, também o vinho teve o seu destaque, com uma explicação muito completa sobre as várias etapas do processo da sua produção numa Adega em Alcorta, à qual se seguiu uma prova de vinhos bem regada e polvilhada de acepipes, a preceder o jantar de encerramento nas Bodegas Franco-Españolas. Tudo isto não seria possível sem o notável apoio do Comité de Honra, de que fizeram parte, além de diversas personalidades políticas e dos ex-presidentes da SEEC, o Magnífico Reitor da Universidade de La Rioja, Sr. D. José Martínez Cavero, o Decano da Faculdade de Letras e da Educação da Universidade de La Rioja, Sr. D. José Caballero López, e o Prior do Mosteiro de Yuso de San Millan de Cogolla, Sr. D. Juan ángel Viguera, que proporcionaram aos Congressistas uma semana muito enriquecedora, que culminou, na manhã do dia 23 de Julho, numa agradabilíssima visita aos mosteiros de Suso e Yuso de San Millan de Cogolla.

É com expectativa que ficamos a aguardar o XIV Congresso Espanhol de Estudos Clássicos da SEEC, sociedade que desde Abril de 1956 prova a vitalidade dos Estudos Clássicos.

aNa alexaNdra alveS de SouSa

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Congresso Internacional «Sobre la pervivência de los Modelos Clásicos en el teatro Iberoamericano, Español y Português»

23 a 27 de Agosto de 2011, Mar del Plata, Argentina

Entre os dias 23 e 27 de Agosto de 2011, realizou-se na cidade argentina de Mar del Plata o Congresso Internacional «Sobre La Pervivência de los Modelos Clássicos en el Teatro Iberoamericano, Español y Portu-guês», que reuniu um número muito elevado de conferencistas e partici-pantes, de diversas nacionalidades, nas acolhedoras salas do Centro Cultu-ral Victoria Ocampo.

A organização deste prestigiado evento consagrado à história da recepção do teatro greco-latino, presidida pelo Doutor Arquitecto Rómulo Pianacci Adrán, esteve a cargo da Universidade Nacional de Mar del Plata, da Universidade Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, da Universidade de Granada, da Universidade de Coimbra e do Grupo Nova Scaena (UMNdP e UNCPBA). Os vice-presidentes desta organização foram os Doutores Aurora López López (UGR), Pablo M. Moro Rodrógues (UNCPBA) e Maria de Fátima Sousa e Silva (UC), sendo o Doutor Andrés Pociña Pérez (UGR), o Coordenador para Espanha, e a Doutora Maria do Céu Fialho (UC), a coordenadora para Portugal.

Os trabalhos dividiram-se em vinte e sete sessões, e cerca de setenta e seis comunicações foram apresentadas e debatidas por especialistas nacionais e estrangeiros, que fizeram incidir os seus estudos em áreas temáticas tão diversificadas como: a análise da produção teatral vinculada à tradição clássica nos países ibero-americanos, Espanha e Portugal; estudos comparatistas que testemunham a evolução/actualização de temas, figuras, modelos formais, etc., dos géneros teatrais greco-romanos em diferentes épocas históricas; estudos de recriação dos mitos clássicos no teatro Ibero-americano, espanhol e português; traduções e recriações dos textos teatrais clássicos, bem como uma série de questões relacionadas com a tradução e encenação das peças.

Ainda que um número muito significativo de comunicações se tenha centrado no estudo da recepção moderna e contemporânea das figuras de Antígona, de Medeia e de Fedra em obras de referência nas literaturas nacionais dos diferentes países envolvidos, os mitos de Teseu e de Andrómaca, as figuras femininas no Agamémnon ou a imagem de Heitor nas Troianas de Séneca, figuras e temas das Bacantes de Eurípides, a recriação trágica de Electra, o mito de Orfeu e de Eurídice, o mito de

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Narciso, a figura de Ulisses, a recepção de Aristófanes, das Etiópicas e das comédias de Plauto e de Terêncio, foram temas de uma diversidade de leituras que demonstraram como o teatro clássico perpassou as linhas do tempo e as fronteiras geográficas da cultura ocidental.

A representação portuguesa neste congresso internacional foi assina-lada por cinco comunicações: Maria de Fátima Sousa Silva (UC), “Uma Medeia em português: “Eduarda Dionísio, Antes que a noite venha”; Susana Maria D. da Hora Marques Pereira (UC), “Os Clássicos em Marionetas”; Ana Seiça Carvalho (UC), “La creación del espectáculo: como encarnar el personagem del Coro en el Hipólito?”; Carlos Morais (UA), “ Mito e Política: variações sobre o tema de Antígona nas recriações de Antóno Sérgio e Salvador Espriu”; e Maria Fernanda Brasete (UA), “ Uma Electra Portuguesa do século XVIII: «tragédia em cinco actos, tirada da história grega», de Francisco Dias Gomes”. Constava ainda do programa de trabalhos uma outra comunicação de uma Professora da Universidade de Coimbra que, por razões pessoais, não pôde estar presente (Nair de Nazaré Castro Soares, “O teatro trágico no século XVI em Portugal: pervivência dos modelos clássicos”).

Complementarmente, foi possível assistir à projecção de três filmes: no dia 23, Golpes a mi puerta de Alejandro Saderman (1992); no dia 24, Las ratas de Luis Saslavsky (1962); e, no dia 26, Extranjera de Inés de Oliveira Cézar (2007). No dia 24, houve uma interrupção dos trabalhos, com a realização de uma excursão a Tandil, que incluiu uma visita ao “Museo Fangio” e um almoço regional, que proporcionaram salutares momentos de convívio entre os participantes.

Dignas de menção são ainda duas outras actividades culturais realiza-dos no âmbito deste congresso: o surpreendente e magnífico recital de Aurora López López que emocionou o numeroso público presente, onde se incluía a ilustre poetisa argentina María Wernicke; e o sublime espectáculo do Grupo Nova Scaena (UMNdP) que estreou, no noite do dia 26, a Aulularia (La ollita) de Plauto, na Aula Magna do Complejo Universitario Manuel Belgrano.

Em jeito de nota final, permito-me expressar um agradecimento muito especial aos organizadores e participantes deste congresso internacional que contribuíram para que o êxito desta iniciativa se consubstanciasse numa experiência única e extremamente enriquecedora, em termos científi-cos, culturais e humanos.

maria FerNaNda braSete

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III Congreso Internacional de Estudíos Clásicos en México– La Tradición Clásica en Occidente

(29 de Agosto a 2 de Setembro)

No passado dia 29 de Agosto teve inicio o III Congresso Internacional de Estudios Clássicos en México, dedicado ao tema La Tradición Clásica en Occidente. Decorrido na Universidad Nacional Autónoma de México, na cidade do México, o evento organizado pelo Centro de Estudios Clásicos del Instituto de Investigaciones Filológicas (UNAM), com a colaboração do Colegio de Letras Clásicas de la Facultad de Filosofia y Letras (UNAM), contou ainda com dois colóquios paralelos, submetidos ao tema principal do congresso: Coloquio teatro Clásico, su Influencia y su tradición a 31 de Agosto e Coloquio de Derecho Romano a 1 Setembro.

Num período em que a cultura clássica e as suas raízes ocupam um espaço cada vez mais reduzido na busca pelo entendido da sociedade mo-derna e da construção de uma identidade colectiva que localize o “Eu”, é de louvar uma iniciativa que reúna participantes de tão variadas origens e ciências, como sejam: Linguística, Filologia, Literatura, Teoria e Crítica Literária, Mito e Religião, Teatro, História e Historiografia, Ciências Na-turais, Artes Plásticas, Política e Ideologia, Retórica, Direito, Tecnologia e Sociedade.

De notar que também a academia portuguesa se fez representar, através da UI&D Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Univer-sidade de Coimbra e da participação de três colaboradores do seu grupo de investigação.

NelSoN HeNrique S. Ferreira

Projecto Pequena Infância

No presente ano, a Origem da Comédia, associação juvenil de Estudos Clássicos, recuperou um projecto antigo da Associação Cultural Thíasos no âmbito do seu plano de actividades: o Projecto Pequena Infância. Desta comissão constaram Ália Rodrigues, Ana Seiça, Carlos Jesus, Chayanna Ferreira e Elisabete Santos. A maioria tem experiência no âmbito teatral, desde a encenação, representação até à formação académica, como é o caso de Chayanna Ferreira, licenciada em Artes Cénicas e com habilitação em

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docência para o ensino básico. Três instituições abraçaram o projecto: a Fundação Bissaya Barreto – Casa do Pai, Acreditar e Hospital Pediátrico.

Esta edição do projecto mantém os objectivos das edições anteriores mas procurou outro tipo de contextos, como IPSS, entre outros. Nesta medida, com a recuperação deste projecto, a Associação pretende divulgar o teatro clássico no universo infantil e difundir a cultura dos mitos clássicos, garantindo assim o acesso ao conhecimento de um substrato cultural que fascina a humanidade há vários séculos.

As sessões decorreram entre final de Janeiro e Março, quinzenalmente na Casa do Pai e semanalmente nas outras duas instituições. As sessões tinham um mesmo plano de desenvolvimento: no total de quatro episódios, estas estavam subordinadas à sequência mítica do regresso de Ulisses a ítaca: Guerra de Tróia, Ulisses e Circe, Ulisses e Eólo e no mar das Sereias e chegada de Ulisses a ítaca. Cada sessão era preparada para 90 minutos e tinha um plano de desenvolvimento próprio: jogo de envolvimento inicial com vista ao primeiro contacto, narração de um episódio desta sequência mítica e um diálogo sobre os momentos importantes da história narrada. Seguiam-se dois exercícios para exploração de potencialidades dramáticas: o primeiro com vista à concentração e à integração, desenvolvimento do sentido de colectivo, e o segundo já com vista à tomada de consciência do corpo e do espaço, percepção da emissão vocal e à harmonização das relações sensório-motoras. Este plano deveria ser cumprido, com vista a atingirmos o objectivo final: aquisição de uma série de elementos práticos e interiorização de um conjunto de regras que nos permitissem dramatizar uma história.

Quanto ao material utilizado, foi construído um painel de feltro com cenário único de fundo para ilustrar as viagens de Ulisses; bonecos-per-sonagens no mesmo material, e outros elementos pontuais necessários ao desenvolvimento da história. Cada elemento do grupo preparou um trecho narrativo com base no texto Ulisses, de Maria Alberta Menéres.

No geral, as crianças mostraram-se entusiasmadas e empenhadas em participar nas tarefas pretendidas. Como foi discutido na recente conferência Opera in Fieri de 15 de Abril de 2011, notámos, nas crianças com quem tivemos um contacto regular — nomeadamente as da Casa do Pai e também algumas crianças da Acreditar —, um melhoramento da auto-estima e da auto-confiança, uma evolução emocional concretizada pelo crescente do-mí nio sobre a história. Quanto às crianças do Hospital Pediátrico, o facto de não haver um grupo regular fez com que cada sessão fosse uma novidade,

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embora retomássemos a história precedente em cada sessão. Neste caso, não houve um processo de continuidade e o nosso contributo passou mais pela divulgação da cultura clássica.

Além do efeito de elevação cultural verificado nas crianças, acre-ditamos poder falar de um efeito de emancipação pessoal. As crianças tomam consciência do seu corpo, do seu espaço, e consequentemente do espaço do outro. Quanto ao referido efeito de emancipação pessoal, obser-vámos que as crianças aos poucos se sentiam progressivamente mais identificadas com a figura de Ulisses ou com figuras mais heróicas. Com efeito, inicialmente, ninguém se oferecia para ser Ulisses e tal só acontecia por exclusão de partes. Na última sessão, contudo, já todos queriam ser Ulisses. Assim, tal como se verificou este movimento centrípeto no contexto dramático, também surtiu um efeito de emancipação pessoal, como ficou patente no aumento da auto-confiança. Além destes, outros foram os pontos de chegada deste projecto, mas não cumpre aqui apresentar uma versão detalhada.

Por tudo isto, acreditamos que é um projecto para continuar, social-mente multifacetado, e uma forma de promover a Cultura Clássica entre os mais novos.

eliSabete SaNtoS e ália rodrigueS

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Maria Helena da Rocha Pereira homenageadana 81ª Feira do Livro do Porto

A 81ª Feira do Livro do Porto, que decorreu entre 26 de Maio e 12 de Junho, na Avenida dos Aliados, na Baixa do Porto, contou entre a sua programação com uma homenagem prestada à Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, numa sessão muito concorrida, marcada em especial pela presença de antigos alunos da homenageada e de outras figuras da cena cultural portuguesa. Transcreve-se, com leves alterações de pormenor, o texto relativo ao evento, preparado pelos respectivos promotores e ampla-mente divulgado pela comunicação social:

“Ao longo da sua carreira, Maria Helena da Rocha Pereira tem colaborado em várias revistas e publicações e é membro de diversas sociedades científicas em Portugal e no estrangeiro. Dirigiu as revistas Biblos e Humanitas. As traduções dos clássicos gregos e latinos, em edições críticas, notabilizaram-na como a grande especialista portuguesa no Classi-cismo e na sua influência na Literatura Portuguesa. Foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago de Espada e várias vezes premiada, nomea damente com o Prémio de Ensaio do Pen Clube Português (1989), os prémios Eduardo Lourenço (2005), União Latina (2005), Universidade de Coimbra (2006), Jacinto do Prado Coelho (2006), Padre Manuel Antunes (2008) e Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores (2010). Em sua homenagem, a Fundação Engº António de Almeida instituiu um prémio com o seu nome.

O ponto alto deste tributo teve lugar no dia 4 Junho, às 17h30, na sessão MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA EM DESTAQUE, em que participaram, para além da homenageada, Frederico Lourenço, Delfim Leão, a escritora Hélia Correia e a Companhia de Teatro de Braga, cujos actores leram excertos de As Bacantes, de Eurípides (que a CTB levou ao palco no último ano), e Antígona de Sófocles, ambos com tradução da homenageada.”

d.F.l.

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Jubilação do Doutor José Ribeiro Ferreira

Por iniciativa da área de Estudos Clássicos do Departamento de Línguas, Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, realizou-se no dia 06 de Julho de 2011 a cerimónia formal de jubilação do Doutor José Ribeiro Ferreira.

A iniciativa constou de dois momentos, a última lição e o jantar de convívio.

A última lição foi pronunciada no Anfiteatro II, onde, em número superior a duas centenas, acorreram autoridades académicas, colegas de Coimbra e de várias outras Universidades, representantes de muitos orga-nismos, amigos e familiares, bem como funcionários e estudantes das sucessivas gerações de quem foi, e continua a ser, um Mestre. Todos eles quiseram manifestar a admiração intelectual, o apreço e a estima, por um Professor que é uma referência científica dos nossos Athenaea.

Sob a orientação da Doutora Maria de Fátima Silva, a cerimónia foi presidida pelo Diretor da Faculdade, em representação do Magnífico Rei-tor, e nela a Diretora do Departamento, Doutora Rita Marnoto, fez o elogio do homenageado, num elegante discurso que se transcreve:

É motivo de grande orgulho, para o Departamento de Línguas, Lite-raturas e Culturas da Faculdade de Letras da Univer sidade de Coimbra e para o seu, a continuidade de uma escola de mestres proeminentes de Estudos Clássicos, como a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, o Doutor Américo da Costa Ramalho, o Doutor walter de Medeiros, o Doutor Carlos Alberto Louro da Fonseca, o Doutor Manuel de Oliveira Pulquério, o Doutor José Geraldes Freire ou o Doutor Sebastião Pinho, para além dos actuais Professores em exercício. O Doutor José Ribeiro Ferreira é, pois, um dos grandes elos dessa cadeia que, para além do mais, se prolonga pelos seus muitos discípulos.

São inúmeros os campos de trabalho a que se tem vindo a dedicar: os Poemas Homéricos, a poesia arcaica, a historiografia e o teatro, tendo traduzido o Filoctetes de Sófocles, bem como Andrómaca, Helena e as Suplicantes de Eurípides; a poesia helenística; história, teoria política, democracia e federalismo gregos; arte grega; mitologia greco-romana; literatura latina, com relevo para Catulo; influência de Grécia e de Roma na Revolução Francesa; recepção da cultura e da literatura clássicas na cultura e na literatura portuguesas, com estudos que são intensos feixes de

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luz projectados sobre o teatro do século XVIII e sobre a poesia contemporânea.

Desenvolveu uma actividade científico-pedagógica plurifacetada, que se desdobra entre o ensino, a investigação e a organização cultural, sempre colocando o alto sentido institucional ao serviço do aprofundamento e da transmissão de um saber que é valor formativo. Foi Director, durante largos anos, do Instituto de Estudos Clássicos, e dirigiu a revista Humanitas entre 1995 e 2003. O seu renome é bem ilustrado pela lista de academias e de associações, portuguesas e estrangeiras, a que pertence. Além de investigador, desde 1971, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, é também distinto membro da Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, da Sociedad Española de Estudios Clásicos, da Hellenic Society ou da Sociedade Portuguesa de Plutarco, entre outras instituições. Colabora regularmente com as Universidades de Lisboa e do Porto, com a Universidade Católica, com a Universidade Aberta e com tantas Universidades estrangeiras, no Brasil, em França ou na Itália. Como curador, distinguiu-se pelos trabalhos realizados na Fundação Calouste Gulbenkian, no Museu Nacional de Arqueologia e no Museu Machado de Castro.

Poder-nos-íamos perguntar quantos estudantes e quantas gerações foram passando pelas suas mãos, desde que, a 1 de Outubro de 1970, foi contratado como monitor da Faculdade de Letras. Quatro meses depois, passou a assistente de Filologia Clássica, até que, sob a orientação da Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, apresentou, em Janeiro de 1971, a sua tese de Licenciatura, Eurípides: Andrómaca (introdução, tradução e notas), logo seguida pela dissertação de doutoramento, Hélade e Helenos. Génese e evolução de um conceito. Poder-nos-íamos perguntar quantas vigílias não fez para organizar e acompanhar a actividade do Thiasos e os seus Festivais, em digressões que dão a conhecer o teatro antigo em Portugal e no estrangeiro. Desta feita, num percurso académico repleto de iniciativas de excepção, é surpreendente a diversidade de públicos a que se dirige, numa atitude de abertura pedagógica constantemente empenhada em ensinar e dar a conhecer os autores a horizontes sempre mais vastos.

O percurso intelectual do Doutor José Ribeiro Ferreira é um ato de entrega e dedicação, em que estudo, humanidade e fé confluem nos ideais da virtus e da sapientia. Nascido numa freguesia do concelho de Santo Tirso, no lugar de Tarrio, aí fez a instrução primária. Também foi trabalhador numa fábrica de tecidos. Também partilhou a espiritualidade

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do Mosteiro beneditino de Singeverga. Também passou pelas picadas angolanas, até fazer o Liceu em Luanda.

Num livro dedicado a um funcionário da Faculdade de Letras, o Senhor Duarte, colocou uma epígrafe de Arquíloco que bem poderia ser assimilada ao credo de uma vida: “Goza as alegrias e afronta as desgraças sem exagero. Conhece a lei que governa os homens.”

todos nós que, neste momento, sentimos o Anfiteatro II da Faculdade de Letras um espaço demasiado pequeno para conter a nossa ovação, sabemos como valores universitários, empatia humana e generosidade são incindíveis — para aquele que escreveu, no poema intitulado Amizade (Olhos no presente, p. 17):

“Nos passos adustos da vida,Um dossel de rosasO brilho dos olhos jubila:Asas da amizade nas ondas da brisa”.

* * *

De seguida, o homenageado pronunciou a sua última lição, subordinada ao título “A habilidade ou conhecimento técnico e o poder degradam, o sofrimento redime: Édipo”.

Começou o ilustre Doutor José Ribeiro Ferreira por observar que a sociedade, em especial a de hoje, procura evitar o sofrimento a todo o custo, passar a vida sem amarguras, conseguir as coisas sem esforço, da forma mais fácil, quando afinal se verifica que um momento de alegria ou de felicidade muitos suores e penas, de modo geral, implica e associa. Referiu que mesmo o mito grego e romano – tantas vezes considerado fútil e irresponsável – valoriza o sofrimento como fonte de conhecimento e aprendizagem, meio de salvação. Trata-se de uma reflexão que de momento ocupa a mente do palestrante e há-de enformar um livro que tem em mãos.

De entre os muitos exemplos que poderiam ser tratados, relacionados com o sofrimento no mito – e sofrimento como meio de aprendizagem e de salvação –, escolheu falar do decifrador de enigmas, Édipo, o rei todo poderoso que, ao confiar na sua sabedoria e no seu poder, apenas espalha e causa destruição, morte, sofrimento. E mostrou – com base nas fontes escritas, em especial as tragédias de Sófocles Rei Édipo e Édipo em Colono

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– que, apesar de toda essa sua exaltada sabedoria, nada consegue ver do que se passa.

E procurou concluir que Édipo, mais do que pessoa imbuída do complexo que com o seu nome Freud apelidou, será antes símbolo do que, por circunstâncias imponderáveis da vida ou do destino, incorre em atos detestáveis e em crimes, que procurou evitar a todo o custo, ou deles se vê fautor, sem o saber; mas, à mínima suspeita do que acontecera, procura a verdade sem desfalecimento e a aceita nas suas consequências, por mais dolorosas e terríveis que elas sejam. Símbolo do homem que sofre atrozmente, embora se não considere conscientemente culpado, autopune--se, mordido por remorsos; enfrenta o exílio, a marginalização e rejeição social, evitado por todos, mal ouviam o seu nome. E, com esse penar longo e diário, toma conhecimento de si mesmo, de certo modo se redime e se eleva.

E então, após ficar cego e ser expulso, andar errante e muito sofrer; depois de, por longos anos se ver postergado, detestado, evitado por todos, é que acaba por se salvar, tornar-se um herói e guiar os outros.

* * *

O fecho da última lição coube, naturalmente, ao Diretor da Faculdade, Doutor Carlos André, cujo discurso ao mesmo tempo oficial e pessoal, de alto recorte literário, se transcreve no essencial:

Cumpre hoje o ritual da sua última aula o Doutor José Ribeiro Ferreira. Momento singular este, na vida de um universitário, aquele em que, por força do gume inexorável do tempo e das leis, deixa de ter como atividade regular, no seu quotidiano, aquela que foi, por opção assumida, o centro da sua vida durante décadas – o magistério.

Não passa, é certo, de um ritual. Esta não é a última aula do Doutor José Ribeiro Ferreira. Um professor é professor sempre e tem a sua aula em cada ato seu de cada dia que vive. E este continuará entre nós, segura-mente, na casa que é sua, por certo não a lecionar planos curriculares, mas sempre a partilhar experiências, conhecimentos, estudos, reflexões.

Serviu o Doutor Ribeiro Ferreira durante décadas a Faculdade de Letras e a Universidade de Coimbra. E serviu-as com dedicação, com inquestionável empenho, com amor a esta causa nobre que é o magistério, com um nunca disfarçado apego às suas aulas e aos seus alunos, com uma

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entrega sem reservas à profissão que escolheu e, acima de tudo, com um iniludível gosto por aquilo que fazia.

Se uma nota pessoal me é permitida, conheci-o há mais de trinta anos, quando pela primeira vez me sentei nos bancos da Faculdade de Letras. Era, então, responsável pelas práticas de História da Cultura Clássica, cuja regência e responsabilidade máxima cabiam a essa figura de topo da nossa galeria de Mestres que é a Doutora Maria Helena da Rocha Pereira, cuja presença neste ato eu saúdo. Para quem pela vez primeira contactava com a Universidade, a matéria não era simples. Logo ali se manifestaram duas das grandes qualidades do homenageado de hoje: a afabilidade e a capacidade de simplificação.

A afabilidade, desde logo: o modo como acolhia os estudantes, a capacidade inata de com eles manter um diálogo permanente, a solicitude com que os tratava, como se um deles fosse, marcaram, ao longo destas décadas, o seu estilo, se a palavra me é consentida. Prova disso, se de prova precisássemos, é este grande anfiteatro repleto de gente; colegas, muitos, mas, sobretudo, antigos estudantes. Em quantos passaram pelas suas aulas deixou quase sempre um admirador, quando não, mesmo, um amigo. Nas aulas, nos corredores, no então Instituto de Estudos Clássicos, a sua afabilidade foi sempre um traço distinto e distintivo.

E, depois, a capacidade de simplificação. Como disse, para quem acabava de chegar ao ensino universitário, nem sempre era fácil lidar com conceitos, com métodos, com exigências. tudo isso ele simplificava; traduzia em palavras de todos os dias aquilo que parecia complexo, atenuava a densidade dos conceitos, aligeirava, sem as subverter, as aparentes exigências.

Não pode, além disso, o Diretor da Faculdade de Letras silenciar a dívida que esta tem para com o Doutor Ribeiro Ferreira. Porque ele a serviu, com total dedicação e sem reservas. Não apenas na docência, mas em múltiplas tarefas que a Faculdade, os seus órgãos ou os seus colegas entenderam por bem confiar-lhe. Foi Presidente do Conselho Pedagógico. Foi membro do Conselho Diretivo. Foi Diretor do Instituto de Estudos Clássicos. Foi Diretor da Biblioteca da Faculdade, para citar apenas alguns dos mais importantes cargos que exerceu. Quando instado a assumir qualquer responsabilidade, a palavra “não” parecia não fazer parte do seu vocabulário.

Em nome da Faculdade de Letras, agradeço-lhe todas estas décadas de dedicação à nobre causa de ensinar e à Faculdade onde a cultivou.

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O segundo momento da homenagem, realizado no Hotel D. Luís, constou de um jantar de convívio no qual se apresentaram 168 participantes, onde cabe destacar a presença do Magnífico Reitor e da sua esposa. No final do convívio, em nome dos presentes, a Doutora Maria do Céu Fialho ofereceu uma prenda alusiva ao evento, e o homenageado agradeceu, sensibilizado. Por sua vez, o Magnífico Reitor não deixou de pronunciar amáveis e sábias palavras, onde tanto elogiou o ilustre docente como enfatizou o papel de mestres como o Doutor José Ribeiro Ferreira na modernização da Universidade de Coimbra, cujo futuro, sem prejuízo das dificuldades presentes, antevê com otimismo.

FraNciSco oliveira

da Ponta da madrugada à Ponta do SilêncioHomenagem ao Prof. Doutor Walter de Medeiros

Uma das qualidades que mais admiro no Professor José Ribeiro Ferreira é a sua constante generosidade, que sempre partilhou e continua a partilhar com os amigos, discípulos e, de igual modo, com os seus Mestres. Foi com esse espírito de gratidão sincera que no ano de 2009 editou Três mestres, três lições, três caminhos, na colecção digital Fluir Perene, obra em que presta homenagem aos Prof. Doutores Américo da Costa Ramalho, Maria Helena da Rocha Pereira e Walter de Medeiros. Constituindo, em primeiro lugar, um memorial para as gerações futuras do magistério pioneiro e influente exercido pelos três grandes Professores de Coimbra, esta obra acaba por ser também uma singela homenagem ao trabalho desenvolvido pelos professores e investigadores que se têm dedicado à renovação e divulgação dos Estudos Clássicos em Portugal.

Foi igualmente com este espírito de reconhecida gratidão que este ano editou, na mesma colecção Fluir Perene que criou em 2008, o livro Da Ponta da Madrugada à Ponta do Silêncio, com o subtítulo Memórias e palavras, em que reúne os textos que o Prof. Doutor Walter de Medeiros publicou no Boletim de Estudos Clássicos entre 1986 e 2000, sob as rubricas “Presença do passado” e “A cruz do tradutor”. A importância desta iniciativa louvável não ficaria por aqui, pois o Doutor Ribeiro Ferreira quis

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ainda homenagear publicamente o nosso Mestre, o que viria a acontecer no dia 19 de Julho, na Livraria Barata, em Lisboa, numa sessão promovida pela Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, pelo Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e pelo Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras de Coimbra. Neste encontro de muitos familiares, amigos e colegas, o Prof. Doutor Walter de Medeiros, visivelmente emocionado, louvou o mérito e agradeceu com comoção a generosidade do Prof. Doutor Ribeiro Ferreira e a magnífica apresentação que a Prof. Doutora Maria Cristina Pimentel, da Faculdade de Letras de Lisboa, fez do seu livro. São essas palavras que se transcrevem de seguida.

luíSa de Nazaré Ferreira

Foto de José Luís Brandão

Reunimo-nos aqui hoje para falarmos um pouco deste livro, Da Ponta da Madrugada à Ponta do Silêncio, e para, dele falando, homenagearmos o seu Autor, o Doutor Walter de Medeiros.

da Ponta da madrugada à Ponta do Silêncio. O título, sabem-no muitos, nasce da sentida evocação do Dr. Carlos Alberto Louro da Fonseca,

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num texto retomado a abrir esta colectânea. Além disso, a Ponta da Madrugada e a Ponta do Silêncio são lugares da ilha de S. Miguel. Estes dados não são fortuitos, porquanto nos remetem para duas vias do senti-mento e do modo de ser do Doutor Walter de Medeiros: a sua origem açoriana, e a amizade, valor que cultivou como poucos ao longo da vida e que, neste caso, se manifesta intocável para além da morte. Amizade, entrega, dádiva aos outros. Nesse, como em outros aspectos, o título fala- -nos eloquentemente do autor do livro de quem todos, aqui presentes, conhe cemos a generosidade e o saber.

Mas a evocação desses lugares, transformada em título que, por esse motivo, caracteriza a obra toda, é muito mais do que isso e sugere-nos outras interpretações, talvez subjectivas, mas que me atrevo a partilhar. Da Ponta da Madrugada à Ponta do Silêncio: da luminosa claridade de alguns autores gregos e latinos, da língua em que escreveram e dos temas que glosaram, ao silêncio do leitor que saboreia esse legado e que, tomando como guia a leitura destes textos de Walter de Medeiros, desses autores se abeira com olhos mais lúcidos e atenção mais desperta para a beleza que neles respira, imorredoura.

Da manhã que desponta ao anoitecer, da alba ao ocaso, a busca da perfeição, destino de Sísifo que o ser humano assume. Mas ciente de que a perfeição, como se diz na p. 8, é “apanágio dos deuses”. Ao homem mais não cabe, mais não resta, que perseguir o ideal de se aproximar, tanto quanto lhe é possível, dessa perfeição sonhada. “A poalha inefável da pureza”, sublime verso de Calímaco em bela interpretação do Doutor Walter de Medeiros, tingida no entanto de mágoa, de melancolia, da amarga decepção da finitude humana. Quando o homem quer, a obra nasce: mas os deuses, ciosos da plenitude dos seus bens, não admitem ao homem mais que um rasgo de imortalidade, mais que um sopro de alegria. Em alguns textos desta colectânea, o Doutor Walter de Medeiros deixa-nos com o travo amargo da solidão humana, que teima em romper o tecido, tão frágil, da felicidade. Não podia ser de outro modo, vindo de quem ama e conhece como ninguém a poesia de Horácio.

Além do título, um subtítulo: memórias e Palavras. Memórias de locais, de livros, até de pessoas. E palavras que reflectem e se nos entranham no espírito e no sentimento, pela beleza e a sedução que despertam, mas sobretudo pelo recorte do estilo: o Doutor Walter de Medeiros, todos o sabemos, escreve num português belíssimo, em que cada palavra, adi-vinha-se, é pesada demoradamente, rejeitando o coloquial, o soez, o menos

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puro, quantas vezes escolhendo no nosso léxico vocábulos ressoantes que nos parecem vindos de um mundo perdido, roubados a um tesouro que a maioria de nós, por facilidade e incúria, quase esqueceu que existe, palavras que são, no entanto, por demais belas e prenhes de sentido. Escolho apenas, como quem colhe um fruto único, um só desses vocábulos cheios de mágica poesia: dilúculo. “Luminosidade do amanhecer, aurora”, assim o define Houaiss. A palavra é bela, evocando aquele momento esplendoroso em que a irmã do Sol lhe abre as portas do céu para que o carro de fogo saia. A nós lembra-nos um dos mais simples, ou melhor, um dos aparente mente mais simples carmina Burana: Exiit diluculo… Mas quem de entre nós se lembra de usar a palavra? Só alguém que, como Walter de Medeiros, conhece a fundo a língua portuguesa mas, mais do que isso, tem a sen sibilidade, o gosto e a finura de estilo que o levam a usá-la com a leveza de uma água cristalina. Note-se que o próprio autor manifesta a consciência deste seu labor que nos lembra uma resposta ao apelo de um texto de José Gomes Ferreira: Não deixem morrer as palavras! Veja-se como, na p. 137, na 2ª parte desta colectânea, propõe “a ressurreição de uma palavra antiga”, ao sugerir a expressão “na singeleza da tua louçania” para traduzir o sintagma horaciano simplex munditiis, da ode I 15.

Reúnem-se, pois, neste livrinho (libellus lhe chamaria Marcial, mas ciente do valor do seu conteúdo), além do texto de abertura de que há pouco falámos, vinte e nove textos, publicados ao longo de catorze anos, e agora organizados em duas secções: Presença do Passado e A Cruz do Tradutor.

A primeira contém dezanove textos, assaz breves, mas que constituem manancial riquíssimo de informação dada com rigor, elegância e actuali-dade. Não posso, nem devo, enumerar exaustivamente os temas abordados. Ao sabor da pena e da memória, evoco alguns. Walter de Medeiros traz ao presente – o do tempo da escrita e o da leitura que agora nos proporciona – documentos minuciosos, como o que escreve sobre a descoberta e a recuperação dos Bronzes de Riace, ou discussão de teorias e levantamento de problemas, como faz a propósito da estátua de Afrodite ou sobre a importância da requintada civilização da Bactriana.

São quadros de apuro descritivo, como do locus amoenus da uilla entre todas amada de Plínio-o-Moço, ou vívidas evocações que nos fazem ver “claramente vistos” cenas patéticas, como acontece na notícia drama-tizada da catástrofe de 79, quando a violência do Vesúvio destruiu e aniquilou “os mortos de Herculano”, quando, em imagem de Walter de

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Medeiros, “a morte cavalgava sem parar” (p. 24), ou como acontece no “quadro de horror e de ternura” que, em recorte de pura sensibilidade, o autor nos pinta a propósito de outro desastre natural, um tremor de terra em Cipro no ano 365, e se detém, em contida piedade e admiração, ante o significado de um anel com as iniciais de Cristo encontrado junto a um casal e o filho pequenino que a tragédia colheu num segundo de aflição.

Nestes textos há, também, espaço para a ironia, subtil e por isso mais certeira, como quando nos fala das Lisístratas americanas de sangue na guelra e fugazes propósitos de greve sexual, tal como há lugar para percebermos em certos passos desta primeira secção o humor e o gosto de viver de Walter de Medeiros, como acontece no que escreveu sobre o balneário-prostíbulo descoberto no exterior da Porta Marina em Pompeios; ou para descortinarmos o fascínio e o interesse humanista com que admira, adivinhando-a, a beleza da matrona de Oplôntis, ou com que descreve as feições do rei Midas, a partir da reconstituição que os Ingleses intentaram sobre o crânio descoberto na Frígia. E se, em alguns textos, pressentimos a malquerença relativamente a alguns idolatrados vultos da Antiguidade, como Octávio Augusto, para quem reserva o olhar pouco condescendente com que evoca a fraqueza e a impiedade, a crueldade e a dureza com que o princeps tratava os vencidos e vingava as afrontas, em outros textos também lemos, inscritas de forma mais ou menos fugaz, algumas das paixões do Doutor Walter de Medeiros: Itália, a sua Itália, conhecida e amada como se fora uma mulher, amor profundo que se revela na alusão e na memória de cidades e monumentos; a emoção sentida em alguns museus e alguns lugares; Gabriele d’Annunzio, ainda que este autor apareça lá mais para o fim do livro e na 2ª secção…

Sobre estes textos da 1ª parte, gostaria, ainda, de dizer que eles não perderam de forma alguma actualidade, mesmo que tenham sido motivados por acontecimentos como achados arqueológicos, novas teorias divulgadas ou retomadas, notícias de revistas ou jornais que o Doutor Walter de Medeiros, atento ao seu mundo, não deixou de registar e de enriquecer com comentário. Com eles revisitamos lugares, entramos em museus, acordamos para pormenores que nos haviam escapado, partilhamos, afinal, com Walter de Medeiros, o profundo amor pelo mundo clássico, pelas suas gentes e pelo que construíram, mas também pelo que adivinhamos que sentiram e sofreram.

Além da actualidade, toca-nos o valor literário presente nestes textos breves, mas carregados de beleza. Uma vez mais, fascina-nos o apuro da

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adjectivação, a harmonia da frase, a escolha das palavras que são, em si, evocadoras de imagens, de sons, de cores, de cheiros, de movimento. Um só exemplo: para quem, como eu, traz sempre na saudade do olhar e do coração as planícies alentejanas em que nasci, o “loirejar das searas” é uma soberba imagem que sugere a cor e o adejar do vento nas espigas, a extensão da messe na planura sob o sol inclemente. E todo o texto se nos abre sob os olhos e a emoção.

Falarei, ainda, da segunda secção, a que agrupa textos, necessariamente mais extensos, sob o título A Cruz do Tradutor. São dez magníficas lições de como se deve traduzir, do método que deve adoptar quem quer abeirar-se, tanto quanto é possível, dos textos originais, sempre na atitude que o autor define como exigindo incessantemente “um esforço maior de aproxi-mação”. Talvez seja de lembrar apenas os autores de que o Doutor Medeiros escolhe passos para reflectir, analisar e, depois, verter para o português belíssimo que lhe conhecemos: Calímaco; Catulo e o seu carme 85, o famoso Odi et amo, que avalia como “cilício e guirlanda de uma paixão ardente”; Apuleio, uma das paixões literárias do Doutor Walter de Medeiros, autor de quem diz ser “o mais requintado [artista] que teve, na prosa, a literatura latina” (p. 144), e de que nos dá três passos em magnífica tradução; Pérsio, autor tão difícil, que merece, por duas vezes, a sua atenção e arte; e, é claro, Horácio, na leitura de duas odes e, ainda, do famoso Epodo XV.

Porque disse há pouco que são lições de como há que ler um texto que se quer traduzir, enumero alguns dos caminhos trilhados e das opções documentadas e justificadas nestas páginas: confronto e discussão de traduções e comentários já existentes; respeito pelo sentido e, na medida do possível, pelos valores estilísticos do original; preocupação não só com as figuras de estilo, mas também com a própria sonoridade das palavras; recusa das traduções “banalizadoras” ou, “pior ainda, explicativas”; cuida-do em postergar cacofonias e em evitar o prosaico, sem no entanto trair o significado exacto dos vocábulos; recurso tão escasso quanto possível a perífrases; identificação de ecos literários e análise intertextual, como forma de iluminar o texto a traduzir…

Neste livrinho – libellus continuo a chamar-lhe, porque é amável no equilíbrio entre a forma e o rigor do conteúdo – a presença do Doutor Walter de Medeiros está, ainda, nas fotografias que se encontram nas suas páginas: rodeado de amigos, de colegas, de alunos, junto da sua Maria Luísa… e em alguns lugares das suas viagens e das suas aulas. Memória viva de um Mestre e de um Amigo, falta-me apenas uma coisa nele, vazio

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que me apressarei a preencher: a letra do Doutor Walter, miudinha e desenhada, harmoniosa e elegante. Digo que preencherei essa lacuna porque lhe vou pedir que me escreva uma dedicatória, como tantas me escreveu em artigos e livros que me ofertou. Permita-se-me uma nota pessoal: foi o Doutor Medeiros meu arguente na defesa da dissertação de mestrado, sobre Séneca; logo em seguida, quando comecei a minha inves-tigação para o Doutoramento, tive oportunidade de o conhecer mais de perto, em Coimbra, onde logo me apercebi ser proverbial a generosa atitude com que ajudava todos os que se lhe dirigissem, com dúvidas ou em busca de orientação. Sabendo do autor que eu escolhera, Marcial, e indepen-dentemente do espanto com que acolheu a minha opção de tratar a poética de Marcial numa perspectiva funcional de propaganda política, logo o Doutor Walter começou a enviar-me para Lisboa artigos de revistas, algumas que me eram inacessíveis, outras acabadinhas de sair, e a oferecer--me livros de traduções e comentários de que generosamente se desfazia para que eu enriquecesse as minhas pesquisas. Outras vezes, enviava-me postais e cartas, com uma indicação bibliográfica ou uma sugestão de análise, ou simplesmente palavras amigas que procuravam saber do anda-mento do meu trabalho e me transmitiam apoio, incentivo e amizade. Se o relembro aqui, é porque sei que outros terão recordações semelhantes e sentem, como eu, a par da profunda admiração, um reconhecimento que nada pode apagar.

Quero, porém, que as últimas palavras que profiro não sejam minhas. Quero que seja a beleza a visitar-nos, ainda que tocada da amargura que sempre ensombra os amores humanos. Venha Horácio, na sublime tradução do Doutor Walter de Medeiros (Carm. 1.5, pp. 127-142): a um poeta tão grande, só outro poeta o pode verter na nossa língua.

Quem é esse moço que, delgado, em uma efusão de rosas,e inundado de essências perfumadas, te estreita,Pirra, na sombra amaviosa de uma gruta?Para quem prendes a loura cabeleira,

na singeleza da tua louçania? Ah, quantas vezes a fé mudadae as viragens dos deuses ele há-de prantear, e <quantas>,em sua inexperiência, ele se há-de maravilharda crueza do mar, batido por negros ventos!

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Ele que, nesta hora, crédulo goza a tua beleza de ouro,ele que sempre disponível, sempre amenate espera – e não conhece da auraos seus enganos! Desventurados aqueles que,

por te não terem experimentado, a tua cintilação deslumbra!Por mim, em tabuinha votiva, a sacra parede testemunhaque as vestes, alagadas, suspendiem oferenda à deusa poderosa do mar.

Maria Cristina Pimentel

A fundação da ESE, da ESA e do IPCB(Ano de 1980-1981)

Nota Introdutória

A 29 de Dezembro de 2005, o Instituto Politécnico de Castelo Branco completou 25 anos de vida. Para comemorar as suas Bodas de Prata, resolveu a Direcção publicar um número específico sobre a sua história. Entre as homenagens a prestar, encontrava-se, naturalmente, a história das suas origens a publicar num livro — volume de que foi encarregado o Dr. António Camões.

Nesse sentido, fui convidado, a meio do ano, para escrever um artigo sobre o primeiro ano da Comissão Instaladora, de que eu fui o primeiro presidente. Posteriormente, ignoro por que razões, foi deliberado prescindir deste número especial de História.

Ora eu, em Julho e princípios de Agosto de 2005, tinha dado volta aos meus arquivos, para escrever de modo rigorosamente histórico e docu-mentado. Foi-me, pois, devolvido um artigo que continha dois aspectos para mim importantes: era uma página muito útil para a compreensão do ambiente e circunstâncias que então se viveram; e era também uma página importante das minhas Memórias, arrancada da documentação oficial, das minhas agendas de 1980 e 1981 e também recordações de passos vividos, muitos deles complexos, bem como agradáveis uns, desagradáveis outros.

O artigo sobre a fundação do Instituto Politécnico de Castelo Branco e, anteriormente, das Escolas Superior de Educação e Superior Agrária, suas duas primeiras Escolas componentes, jazia, pois, nas minhas reservas

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de escritos não publicados. O convite para colaborar num número especial da revista Humanitas, do Instituto de Estudos Clássicos da U.C., veio, pois, acordar em mim a lembrança de que tinha já pronto um trabalho, escrito com toda a preocupação de rigor dos factos e das vivências, que ficaria muito bem numa homenagem ao Doutor José Ribeiro Ferreira, por ocasião da sua jubilação.

Ao Doutor Ribeiro Ferreira devo eu ter sido aliviado do peso das numerosas cadeiras e tempos lectivos que dei, enquanto Assistente, porque, em Janeiro de 1970, entrou ele como docente da Faculdade de Letras e, precisamente, entre outros, foi-lhe entregue o ensino da disciplina de Lín-gua Grega, II ano, que eu vinha dando desde que, em 1957, regressei da Universidade Católica de Nimega (Países Baixos, província de Gelderland e Diocese de Den Bosch).

Depois, ao longo dos anos, fui vendo e admirando os seus trabalhos de investigação e ensino: e sobretudo os seus livros de poesia e sua par-ticipação na vida social de Coimbra, inclusive, por algum tempo, Presidente dos Rotários, onde deixou bem expressa a vantagem dos Estudos Clássicos, tanto do Latim como do Grego Antigo — Língua, Literatura e Cultura. Vão ser, no fim, 42 anos ininterruptos de trabalho, não só Filológico, mas também, em alguns anos, membro da Direcção da Faculdade de Letras. Múltiplas aptidões com que nos apraz congratular.

Associo-me, portanto, com alegria, a esta homenagem que lhe é prestada, sabendo, para mais, da sua preparação para compreender as im-pli cações que a minha consagração ao sacerdócio católico teve em um dos passos difíceis nesse meu ano de 1980-1981, como Presidente fundador das duas primeiras Escolas Superiores e do Instituto Politécnico, em Cas-telo Branco, meu distrito de origem.

Convite para Presidente da Escola Superior de Educação

Na segunda quinzena de Agosto de 1980, encontrava-me em trata-mento nas Termas de Monfortinho, quando, por ocasião do dia 20, apa-receram no Hotel Fonte Santa, para falar comigo, o Governador Civil, Sr. Comendador Alberto Ferreira Romãozinho, acompanhado do meu conhe-cido Sr. Francisco Caldeira Lucas, o célebre «repórter Beirão» da Recon-quista, grande defensor dos interesses de Castelo Branco.

Levavam bem firme um propósito: — convidar-me e, se preciso, demover-me a aceitar o cargo de primeiro responsável pela instalação do

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Ensino Superior em Castelo Branco, através da fundação da Escola Superior de Educação. Eu argumentei com o trabalho que então tinha como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra. Mas eles, reforçando-se sempre um ao outro, contra-argumentavam que precisamente por isso é que eu era a pessoa indicada! No seu dizer, o então Primeiro Ministro, Dr. Sá Carneiro, já tinha prometido criar o «ensino superior» em Castelo Branco, desde que lhe apresentassem um professor universitário que ficasse como Presidente.

Acresce ainda que Castelo Branco seria a primeira cidade a ter uma Escola Superior de Educação, porque estava muito empenhado nisso o albicastrense Prof. Dr. Marçal Grilo, então Director-Geral do Ensino Superior, no Ministério da Educação e Cultura. Mais ainda: segundo os seus conhecimentos, naquela emergência e para aquele cargo, eles não conheciam, no Distrito, nenhum outro Professor Catedrático!...

O cerco estava bem lançado e eu, no entender deles, não poderia recusar aquele serviço, desejado e importante para a promoção cultural do distrito de Castelo Branco. Acontece que eu tinha, e continuo a ter uma dificuldade para mim insuperável naquele dia: eu sou um sacerdote da Diocese de Portalegre e Castelo Branco que, a 15 de Agosto de 1951, ao ser ordenado de presbítero na Sé de Portalegre, fiz nas mãos do Sr. Dom António Ferreira Gomes (e dos seus sucessores) o voto formal e explícito de não aceitar cargo algum para o qual não fosse enviado pelo meu Bispo. Portanto, respondi-lhes que primeiro deveriam ir falar com o nosso Bispo de então, Sr. Dom Augusto César, e expor-lhe o caso que me apresentavam; e então eu ficaria de consciência tranquila, se ele concordasse e me mandasse mudar de Coimbra para assumir, em Castelo Branco, uma missão que, sendo do Estado, interessava igualmente à Igreja e ao seu prestígio. A Igreja sempre se dedicou ao ensino e, ao longo da História, tem mestres em todos os ramos do saber. Naquele tempo estava ainda muito presente a figura prestigiosa do Cardeal Dom Manuel Gonçalves Cerejeira, que fora professor catedrático de Histórico-Filosóficas em Coimbra, de 1916 a 1928.

Perante a minha insistência em que o Sr. Bispo devia ser a primeira pessoa a ser contactada, e a sua anuência, eu manifestei a minha disposição de aceitar. Fiquei, pois, convictamente convencido de que naquela tarde ou pelo menos ao serão desse dia, o Sr. Governador Civil trataria do assunto com o Sr. Dom Augusto César, para mais e meu maior conforto, tendo os meus dois interlocutores afirmado que, com certeza, o Sr. Bispo gostaria

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que fosse um dos seus sacerdotes a iniciar uma obra que tanta influência viria a ter na formação de professores e dos seus futuros alunos, em toda a nossa região.

Paralelamente, o Sr. Comendador Alberto Romãozinho, como Go ver-na dor Civil, juntamente com o então Presidente da Câmara, encetaram contactos para se fundar ao mesmo tempo, em Castelo Branco, a Escola Superior Agrária. Para isso convidaram um professor da Universidade de Vila Real, o Dr. Virgílio Pinto de Andrade, que embora fosse simplesmente licenciado, tinha alcançado na Universidade de Angola, para trabalhar num laboratório do País, a equiparação a Professor Auxiliar, funcionando, por-tanto, lá e depois da «grande debandada», também cá, o seu trabalho e o seu vencimento como equiparados ao de um doutorado.

Encontrados os Presidente para a fundação da ESE e da ESA, pro-curaram-se os respectivos vogais, que não foi difícil encontrar na própria cidade de Castelo Branco, dado que, para esses, o MEC não exigia dou-toramento, pelo menos na fase inicial. O desejo expresso do Ministro era o de que todos os dirigentes e futuros professores destas Escolas Superiores viessem a ter, pelo menos, o Mestrado.

Decorridos os passos burocráticos em Lisboa, marcou-se, com grande solenidade, para o dia 28 de Outubro de 1980, no salão nobre da Câmara Municipal de Castelo Branco, a posse dos corpos directivos das duas Es-colas Superiores. Até então não se falava nunca em «ensino politécnico» nem em Instituto Politécnico. Havia mesmo uma certa suposição de que, com estas Escolas, entrava em Castelo Branco o «ensino universitário», categoria pela qual se vinham batendo há vários anos, entre outros, o famoso Dr. José Lopes Dias, que propunha a fundação de uma Faculdade de Medicina, em Castelo Branco, para início da qual pensava que a cidade estava minimamente já apetrechada.

A fundação das Escolas Superiores

Para presidir à posse dos corpos gerentes das duas Escolas Superiores deslocou-se, de Lisboa, o próprio Ministro da Educação, Prof. Dr. Vítor Pereira Crespo. A sala estava repleta de convidados das mais elevadas categorias sociais. Após os discursos da praxe foram empossados, para a Escola Superior de Educação: presidente, Prof. Dr. José Geraldes Freire, e vogais os Drs. António Norberto Azevedo Rosa e José Figueiredo Martinho, ambos professores do Liceu Nuno Álvares; e para a Escola Superior

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Agrária, como presidente o Dr. Virgílio António Pinto de Andrade e vogais o Eng. Leonel de Magalhães, então já reformado, e o Dr. António Pardal Diogo Belo, que trabalhava no Departamento Distrital de Agricultura. De tudo o que disseram os oradores importa ressaltar uma informação do Sr. Ministro: Estas Comissões Instaladoras propõem-se com o fim de preparar o começo dos respectivos cursos, com aulas em instalações embora pro-visórias, no fim de um ano, isto é, em princípios de Outubro de 1981.

Foi uma cerimónia faustosa, com o projecto explícito de iniciar o Ensino Superior, em Castelo Branco, em 1981 — ensino que a maioria supunha ser o ensino universitário, o único superior até então existente. Mal saídos da Câmara Municipal, os seis membros das duas Comissões Instaladoras, encontrámo-nos, naturalmente, no largo fronteiriço. Surgiu imediatamente o problema de saber onde haveríamos de reunir para encetar os nossos planos e nos relacionarmos com a Direcção-Geral do Ensino Superior e com o MEC em geral. Caímos logo em nós, ao verificarmos que nem o Governo Civil, nem a Câmara Municipal, nem o Ministério tinham preparado ou projectado para nós qualquer sede! Estávamos na rua!... Como eu tinha de partir para Coimbra e o Dr. Pinto de Andrade de seguir para Vila Real, combinámos encontrar-nos ali mesmo, na sexta-feira se-guinte, pelas 15h.

à procura de sedes provisórias

Nesta contingência, eu fui procurar um quarto para ficar das sextas-feiras para os sábados. Foi-me ainda nesse dia sugerido um, na Rua do Conselheiro Albuquerque, frente à Casa de Saúde de S. João de Deus. Todos os outros tinham casa própria em Castelo Branco, pois a maioria já lá residia e o Dr. Pinto de Andrade era bem conhecido, pois seu pai tinha granjeado prestígio como funcionário do Município.

Tendo-nos reunido no lugar combinado na semana seguinte, resol-vemos ir para o meu quarto, a fim de tentarmos organizar uma secretaria. E em primeir lugar assentámos em convidar como chefe de secretaria o Sr. João Lopes, então colocado na Covilhã, mas estimado de todos nós, por ter trabalhado no Liceu de Castelo Branco. O despacho estava feito na semana seguinte, porque além do apoio do Eng. Marçal Grilo, veio a saber-se que afinal ele, João Lopes, fora condiscípulo do Dr. João Salavessa Rodrigues Belo, em Alcains — Salavessa, natural dos Cebolais de Cima, que agora era o Subdirector-Geral do Ensino Superior. Ele há coincidências!… Fomos

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ainda ao Governo Civil e à Câmara Municipal para verificar se tinham alguma sala disponível para a nossa secretaria. Eles até estavam ambos com falta de espaço… — assim nos disseram. Era difícil!

Na semana seguinte, o Dr. Figueiredo Martinho e o Sr. João Lopes já se tinham proposto alugar um andar na Avenida 28 de Maio, frente ao espaço livre que existia entre a Câmara e o novo Mercado Municipal. Aí passámos regularmente a reunir-nos todas as semanas, para despachar o correio do dia a dia e fazer avançar os projectos para execução dos planos em ordem ao funcionamento, no ano seguinte, das duas Escolas Superiores.

à procura de instalações para a ESE e o início dos cursos

O primeiro assunto que, depois, me ocupou em Castelo Branco foi procurar um espaço suficiente e condigno para o decurso das aulas no primeiro ano, a iniciar, ao que eu supunha, em Outubro de 1981. Para isso fui revisitar o antigo colégio das dominicanas, entre o Liceu e a estrada de circunvalação. Feita a visita às instalações e achando que o rés-do-chão, só por si, seria suficiente para o que se pretendia, propus à Madre Superiora que ela arrendasse à ESE esse espaço. A Madre respondeu que a Congrega-ção estaria interessada em vender, mas não em alugar.

Prevendo que o MEC não pretenderia tal solução, fui então visitar a Escola do Magistério Primário, expondo ao Director que, com o início do primeiro ano dos cursos da ESE, deixaria de funcionar também o primeiro da E. M. P. Fiquei de ir expor o problema ao Presidente da Câmara de Castelo Branco, dado que a E. M. P. tinha ao seu serviço também as Escolas Anexas, as quais serviam para o estágio dos alunos do Magistério, no segundo ano. Posto ao corrente, o Presidente da Câmara dispôs-se a deixar livre essas instalações anexas, transferindo os seus alunos e professores, inclusive, se necessário fosse, para edifícios pré-fabricados.

Posto o Ministério ao corrente da situação, a resposta foi bastante complexa: 1º — o MEC já estava a preparar um projecto para a construção de uma nova ESE de raiz; e por isso não deveriam iniciar-se as aulas em instalações provisórias; 2º — ainda não estavam definidos pelo MEC quais os cursos que iriam funcionar na ESE de Castelo Branco, nem sequer quais os programas que seriam dados em cada curso; 3º — o MEC pensava em preparar professores próprios, que iriam tirar o grau académico de Mestre em Universidades Portuguesas; uns e outros seriam depois enviados para se graduar no estrangeiro.

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Para mim, esta resposta foi perfeitamente compreensível, mas criou-me a desilusão de que o meu propósito de fundar a ESE e deixá-la a funcionar no fim de um ano de trabalho, isso seria completamente inexequível. Podia dizer-se que eu, e todos nós em Castelo Branco, andávamos inteiramente enganados!…

Apesar de tudo, convidei o Dr. Figueiredo Martinho a participar em acções de formação que nesse ano iriam desenvolver-se na Universidade de Aveiro e em Braga, em Janeiro de 1981; e em Junho seguinte, a participar numa visita de estudo, que se iria realizar em vários estabelecimentos fran-ceses, de grau académico semelhante ao que nós pretendíamos para a ESE.

Além disso, tratámos de conseguir meios de atrair professores qua-lificados de Universidades Portuguesas, para se transferirem para Castelo Branco. Um dos aliciantes seria a oferta de casa para os professores ou o pa-gamento da renda de casa aos que disso necessitassem. Mais uma vez a Câmara se mostrou empenhada em resolver esse problema, dentro de um con-junto de propostas aceitáveis. O ofício enviado pela Câmara foi por mim pu-bli cado, para seu louvor e compromisso, na Reconquista de 3 de Abril de 1981.

à procura de local para a ESA

Entretanto, o Dr. Virgílio António Pinto de Andrade tratou de pôr em pé a Escola Superior Agrária. Também ele procurou um lugar provisório para se iniciarem as aulas, tendo para isso visitado o antigo quartel de Cavalaria 8. Chegou, porém, à conclusão de que para tal seriam necessárias muitas obras de adaptação, pelo que desistiu.

Começou, por isso, a lançar os olhos para a Quinta da Senhora de Mércules; e disso deu conhecimento ao MEC. Porém, para os futuros edifícios da ESA não havia então, em Lisboa, qualquer projecto em vista. Vieram, pois, arquitectos do Ministério visitar a quinta e acharam que o local tinha boas condições; e deu-se início ao trabalho. No entanto, logo se foi observando que as obras não estariam prontas e as aulas não poderiam principiar antes de 1984 ou 1985. Mais outro facto irrecusável, contrário às nossas expectativas!

Fundação do Instituto Politécnico

Iniciaram-se as conversações com o proprietário da primitiva Quinta da Senhora de Mércules, Eng. Adriano Godinho Carvalho Guerreiro, que

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se mostrou disposto a vendê-la. Surgiu então um novo problema interno. As Escolas Superiores não têm poder de aquisição. Elas devem pertencer a um Instituto Politécnico, o qual, sim, pode comprar e ser o titular da pro-priedade. Então me falaram, pela primeira vez, em Lisboa, na ne cessidade de existir uma outra instituição superior em Castelo Branco: — um Instituto Politécnico, do qual dependeriam a ESE e a ESA e outras Escolas Superiores que viessem a ser fundadas.

Afinal a solução já estava oficialmente prevista pelo Ministério da Educação e da Cultura. Eu fui, logo ali, indicado como Presidente do IPCB e os vogais seriam os Presidentes das Comissões Instaladoras da ESE e da ESA. E rapidamente, a 29 de Dezembro de 1980, fomos tomar posse, no MEC, eu e o Dr. Virgílio Pinto de Andrade, como fundadores do Instituto Politécnico de Castelo Branco, ficando eu Presidente e ele único vogal.

Compra da quinta da Senhora de Mércules

Nesse mesmo dia, 29, foi-me passado pelo MEC um cheque com a quantia, já acordada de 6.000 contos, para pagar a quinta. No dia seguinte, 30 de Dezembro de 1980, reuni em sua casa com o Eng. Adriano Godinho Carvalho Guerreiro e fiz-lhe a entrega do dinheiro. Foi o cheque de maior monta que até então assinei na minha vida! A escritura notarial da compra do terreno fez-se pouco depois, entre o Eng. Godinho e o Dr. Pinto de Andrade. A propriedade passou a ser oficialmente designada por Quinta da Senhora de Mércules, nome que também seria aplicado aos lotes confins, se e quando eles fossem comprados, como de facto vieram depois a ser e pagos aos respectivos proprietários pelo Presidente da ESA.

Das dificuldades que houve a vencer escreverá naturalmente o próprio Presidente da ESA, a quem foi entregue a administração da Quinta. Bastará referir uma, para se ver até que ponto chegam as peias burocráticas. A Quinta tinha dois trabalhadores. Infelizmente ambos eram analfabetos e por isso não podiam ser funcionários do MEC! A solução deste «problema» levou três meses… Só em Abril surgiu a ideia de que eles, sendo necessários à Quinta e tendo continuado a trabalhar nela, poderiam ser contratados como tarefeiros! Mas, de Lisboa, não foi enviado o dinheiro para lhes pagar o tempo em que a Quinta já era da ESA. Devemos ao Eng. Adriano Godinho a amabilidade de lhes ter pago os salários de Janeiro, Fevereiro e Março. Lindo gesto de dedicação de um patrão aos seus antigos trabalhadores.

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Devo acrescentar apenas que, logo que pôde e obteve licença superior, o Dr. Pinto de Andrade instalou a secretaria própria da ESA na Rua de S. João de Deus, 25. Continuava, no entanto, a reunir às sextas-feiras de tarde na Rua 28 de Maio, como vogal do Instituto Politécnico, cuja secretaria fora anexa à da ESE. A seu tempo o MEC veio a criar, de raiz, a actual sede para o Instituto Politécnico, na Avenida Pedro álvares Cabral.

Nova situação da ESE

Como tinha passado da ESE para Presidente do Instituto Politécnico, ficou a ESE sem Presidente efectivo.

Propus então que fosse nomeado, como novo Presidente, o Dr. António Norberto de Azevedo Rosa, baseado em que ele era licenciado com Tese e nota de bom; e por isso, não sendo então para a licenciatura já necessária a apresentação da Tese (situação que se mantém ainda hoje) ele poderia ser equiparado ao grau de Mestre. Para o substituir como vogal apresentámos o nome de outro professor do Liceu Nuno Álvares, o Dr. João Carlos Sequeira Correia. Esta proposta não obteve qualquer despacho ou comen-tário do Ministério, tendo de continuar eu como presidente interino até ao fim da minha permanência em Castelo Branco. Para substituir o vogal que a ESE devia ter no IPCB, convidei os dois vogais iniciais que comigo tinham tomado posse a 28 de Outubro, passando assim todos os membros dirigentes das Escolas a assistir às reuniões e decisões do Instituto Politécnico.

Mudança de residência para Castelo Branco?

Ao serem-me estabelecidos, no final de Janeiro, os honorários de Presidente do IPCB, fui informado de que, nessa qualidade, eu devia residir em Castelo Branco. Ora o que se passava até Fevereiro era que eu residia em Coimbra, onde dava aulas de segunda a quinta-feira; e na sexta-feira de manhã fazia semanalmente a incómoda viagem para Castelo Branco de camioneta, via Pampilhosa da Serra. Não havia então «expressos» nem existia o IC8.

Um novo problema se me punha. A minha Mãe, com quem eu sempre vivera em Coimbra, onde ela tinha mais um filho e três filhas, não queria voltar para Castelo Branco, onde vivêramos de 1942 a 1956. Mais grave ainda era a minha situação jurídica, do ponto de vista eclesiástico. Um

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sacerdote não pode mudar de residência sem licença do seu Bispo. Expus, portanto, a situação ao Sr. Dom Augusto César; e fiz um requerimento, através da Câmara Eclesiástica de Portalegre (Diocese a cujo título de serviço me ordenei sacerdote), pedindo licença para mudar, oficialmente, a minha residência para Castelo Branco. O despacho do requerimento não veio.

Bem pelo contrário. É-me desagradável o que sou obrigado a contar. Depois de ler e apresentar o meu requerimento ao Sr. Bispo, o Chanceler da Cúria de então, Cón. Dr. João Marques Rosa, escreveu-me uma carta em que me advertia de que a minha posição em Castelo Branco, ao serviço da ESE e do IP, se encontrava em situação canonicamente irregular. Mais ainda: que se eu não tratasse de rever a posição, poderia incorrer em penas! Fiquei perplexo… Eu pensava que o Sr. Governador Civil, depois de me ter ido convidar a Monfortinho, em meados de Agosto de 1980 (como contei no princípio deste narrativa), tinha obtido para mim a licença de ocupar, em Castelo Branco, o cargo de Presidente do Ensino Superior. De facto, comigo insistiram, ele e o Sr. Caldeira Lucas, convencendo-me de que o Sr. Bispo até se sentiria satisfeito por um dos seus padres ir ocupar um lugar de relevo educativo e cultural, no Distrito e na Diocese de que era titular. Lembro-me de que, naqueles dias de angústia, levei a carta do Chanceler a Castelo Branco, para ouvir a opinião respeitável do Rev. Mons. Alfredo Serra de Magalhães. O seu comentário foi: «Parece impossível. O Chanceler quase o ameaça com a pena de suspensão», isto é, afastar-me do exercício das ordens sacras. Confirmou-se, pois, a minha angústia… Solução?…

Meu pedido de demissão

Regressei a Coimbra. Depois de consultar o travesseiro, a primeira coisa que fiz, naqueles dias, 1 e 2 de Março de 1981, foi pedir a minha demissão do cargo de Presidente do IPCB e da ESE. Para isso, dirigi um requerimento ao Sr. Ministro da Educação, invocando evidentemente, como motivo, o modo como estava a decorrer o meu mandato, que, como vai descrito acima, era já suficientemente claro que não corresponderia à promessa que o Sr. Ministro tinha feito de que as aulas da ESE e da ESA principiariam em Outubro de 1981; e ainda «razões pessoais», isto é, o facto de a minha Mãe não querer mudar para Castelo Branco e, mais importante ainda, verificar que o meu Prelado (em cujas mãos pus a minha

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vontade) não gostava que eu exercesse cargos civis para os quais ele me não tinha mandatado.

No mesmo fim de semana, escrevi ao Sr. Dom Augusto César a co-municar-lhe que eu desistia do requerimento de mudança de residência; e que já tinha pedido ao Sr. Ministro da Educação a minha demissão de Presidente do IPCB e da ESE. Eu queria cumprir, fielmente, o meu voto de obediência nos termos atrás referidos.

Afinal, quando, pouco tempo depois, pela Semana Santa, fui a Portalegre, compreendi que o Sr. Bispo tinha razão em não estar satisfeito com o meu caso. O Sr. Governador Civil chegou de Monfortinho aos Cebolais de Cima e foi pedir ao seu Pároco, Pe. Amândio Marques Tomé, que comunicasse ao Sr. Bispo que eu tinha acabado por aceitar o cargo de Presidente da ESE. Só que, vim a saber agora, quando nessa mesma noite o Pe. Amândio telefonou para Portalegre, o Sr. Dom Augusto César não estava no Paço Episcopal, nem na Diocese. Tinha-se ausentado, em serviço, para Setúbal, donde, ao regressar, passados alguns dias, em vez de «ser o primeiro a saber» o que eu, pressionado pelo Sr. Alberto Romãozinho e pelo Sr. Caldeira Lucas, lhe pedira, soube afinal que em Castelo Branco (e também no Paço Episcopal) toda a gente sabia já que, em Outubro seguinte, eu iria assumir funções civis em Castelo Branco, bem diferentes daquelas que desempenhava em Coimbra, desde 1962, então «mandado» pelo Sr. Dom Agostinho de Moura, após o pedido do Director da Faculdade de Letras e de um Professor Catedrático de Clássicas, que foram falar com ele a Portalegre. Era o que deveriam ter feito agora o Governador Civil e Caldeira Lucas: — ir logo a Portalegre falar com o Sr. D. Augusto César.

O meu requerimento de demissão andou pelo Ministério algumas semanas, até que, a 2 de Abril, foi favoravelmente despachado pelo Secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Sebastião Formosinho Sanches Simões. Esperei durante bastante tempo a sua publicação no Diário da República, mas depois vim a saber que o Sr. Ministro se tinha oposto à sua publicação, pelo que eu devia satisfazer o de compromisso de um ano em Castelo Branco.

Enquanto Presidente efectivo do IPCB e interino da ESE continuei a cumprir todos os deveres que vinham caindo sobre mim. Apenas um ponto foi alterado: em vez de ir semanalmente a Castelo Branco e reunir com os delegados das duas Escolas Superiores, passei a viajar para lá apenas na última semana de cada mês. Aliás, ambas as Secretarias tinham já pessoal que me telefonava e despachava o correio quando eu o achava necessário.

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Além disso, Outubro não estava já longe… Mais ainda: as diligências de arranque estavam dadas. A gestão marchava já com uma certa monotonia, dada a morosidade do MEC.

à procura de sede para o IP

O primeiro problema que se pôs ao Instituto Politécnico, além da compra da Quinta da Senhora de Mércules, foi encontrar para ele uma sede própria e organizar a sua secretaria. Ouvi vários pareceres. A Direcção-Geral nunca tinha sequer posto esta questão. Cheguei a tomar a iniciativa de ir a Lisboa, para fazer andar o processo…

A preferência ia para a casa apalaçada do Eng. José da Cunha Mota, à Praça Velha ou Largo Luís de Camões. O Sr. Eng. Mota, já reformado, não queria vender a casa. Instado para me acolher lá com um secretário, acabou por me mostrar só o que fora, e era ainda, o seu escritório, embora, depois da sua reforma, com poucos dias de trabalho. O espaço seria suficiente, para um período transitório, mas precisaria de obras para montar pelo menos duas secretárias e estantes. Já não exigíamos uma sala de recepção para visitas. O Sr. Eng. Cunha Mota não se mostrou disposto a suportar os barulhos das obras e o vaivém dos operários.

Voltámo-nos então para a casa do Dr. Alberto Franco Falcão, à Rua Cadetes de Toledo. Embora seja uma casa nova, tem boa traça arquitectónica. Fomos bem recebidos; mas não passámos da exposição das nossas preten-sões. O Dr. Franco Falcão não queria vender nem alugar a sua casa ou sequer parte dela.

O mesmo se passou com a casa do Dr. José de Almeida Garrett. Hoje, que ele já faleceu, funciona lá a Escola Superior de Enfermagem, porque não morava já lá ninguém quando os herdeiros a alugaram. Naquele ano de 1981 a casa estava parcialmente ocupada, mas, apesar de ela ser bastante grande, não houve abertura para «aturar» inquilinos.

Visitámos as casas da Quinta cujo portão dá para o largo da antiga cadeia comarcã, não longe do cemitério. Aconteceu que nenhum dos proprietários quis arrendar ou vender uma das suas casas.

Finalmente, fomos de novo ao Colégio das Irmãs Dominicanas. Agora a Madre Superiora mostrou-se disposta a alugar toda a ala direita do rés-do-chão. Apresentámos o projecto à Direcção-Geral do Ensino Superior. O aluguer não foi autorizado, porque o espaço foi julgado grande demais. Insistimos com a Madre em alugar apenas, ao Instituto, o rés-do-chão do

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lado Sul (paralelo à estrada de circunvalação). Foi logo considerado que o corredor da fachada poderia ser ocupado por outras actividades pertur-badoras; ou alugado a outras instituições que poderiam recusar-se a sair quando o IPCB desejasse alargar os seus serviços, para conferências ou festas.

Concluindo, não encontrámos então em Castelo Branco um lugar condigno, onde instalar a sede do Instituto Politécnico. Continuámos a reunir-nos e a despachar na secretaria da Escola Superior de Educação. A Direcção-Geral do Ministério, que foi sendo posta a par de todas estas diligências, começou a compreender, como nós lhe sugerimos, que a melhor solução seria construir um edifício de raiz, com as divisões sugeridas e aprovadas pelos arquitectos e pela Direcção-Geral do Ensino Superior. Novamente o meu olhar teve que vislumbrar, para um novo IPCB, obras até um ano bem mais longínquo que o já em meados ano de 1981…

visitas a Santarém e à Covilhã

Como éramos as duas primeiras Escolas Superiores que se fundaram (28 de Outubro de 1980) e o primeiro Instituto Politécnico criado (29 de Dezembro de 1980), seguimos com entusiasmo a preparação e inauguração das segundas: — ESE e ESA, em Santarém. Ali, sob a presidência de um filho da terra, o Prof. Dr. Joaquim Veríssimo Serrão, viu-se com agrado a elevação académica das duas entidades do até então chamado «Ensino Médio», que a cidade já possuía: a Escola do Magistério Primário e a Escola de Regentes Agrícolas. A cidade escalabitana viu assim, com prazer, a marcha sempre crescente de um seu edifício de primeira grandeza: o antigo colégio dos jesuítas, que depois da expulsão destes pelo Marquês de Pombal (1759) e da República anticlerical (1910) interveio de Liceu, de Seminário, de Paço Episcopal, de Sé Catedral e agora ia dar lugar à Escola Superior de Educação e ao Instituto Politécnico de Santarém.

Vieram pouco depois as Escolas Superiores de Viseu e de Leiria. Todos ficámos em regime de Comissão Instaladora, porque os cursos a leccionar na ESE (e o mesmo se diga da ESA) não estavam definidos, nem sequer se faziam então reuniões de estudo para discutir quais as disciplinas que haviam de ser ministradas. Tinha-se uma ideia bastante vaga de que nas ESE se formariam educadores de infância, professores então chamados do ensino primário, professores para o ciclo preparatório e até depois para os actuais 7º, 8º e 9º anos, isto é, o agora designado Ensino Básico e Geral

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Unificado 1, 2, 3. Depois admitiu-se como provável que preparassem também para o Ensino Secundário (10º, 11º e 12º). Isto é, existia uma certa indefinição que tendia a confundir as Escolas Superiores com o Ensino Universitário. Neste sentido, as capitais de distrito, que, em princípio, todas viriam a ter Escolas Superiores, sentiam-se promovidas; e não raro se falava de que passariam a ter ensino universitário.

Dentro deste espírito de «colegas do ensino superior» (o que era exacto) programámos uma visita ao que fora o Instituto Universitário da Beira Interior, com sede na Covilhã, e que, tal como o Instituto Universitário de Trás-os-Montes e Alto Douro, com o centro principal em Vila Real, depois de muitas hesitações oficiais e discussões públicas, acabaram por conseguir passar a ser considerados como Universidades Novas, a par das de Aveiro, Braga, Évora, Faro, etc. — agora designadas pelas siglas UBI (Covilhã) e UTMAD (Vila Real).

Chegámos à Covilhã (não tenho anotado o dia e o mês) às 11h. Como combinado, fomos recebidos amavelmente pelo Reitor, mostraram-nos as divisões do edifício principal (a Reitoria), mas não fomos ver as Faculdades (cujos nomes então desconhecíamos e ainda hoje não dominamos bem, apesar de já termos ido de Coimbra a argumentar lá uma tese de dou-toramento). Antes das 13h, tínhamos a visita terminada. Despedimo-nos do Reitor, metemo-nos nos automóveis e fomos almoçar a Castelo Branco, cada um em sua casa.

A manutenção de um equívoco

Desço a estes pormenores porque senti em toda a visita uma certa frieza. Afinal nós não éramos verdadeiramente «colegas». Em termos hoje bem definidos, uma coisa é um Instituto Politécnico, outra é uma Univer-sidade. O primeiro é constituído por Escolas Superiores; a segunda por Faculdades. Por outras palavras: «ensino superior politécnico» não é o mesmo que «ensino superior universitário». Esta clara distinção ainda hoje não é bem compreendida por todos.

Veja-se o que acontece com a Queima das Fitas em Coimbra. É a grande festa dos «quintanistas», quer dizer, dos alunos da Universidade, que desfraldam as Fitas Largas e que esperam (ou poderiam…) terminar o seu curso e obter a licenciatura, no ano lectivo seguinte. Quando os alunos das Escolas Superiores, pertencentes ao Instituto Politécnico de Coimbra, chegaram quase ao final do penúltimo ano (a «Queima» é agora sempre

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numa das semanas da primeira quinzena de Maio, segundo a «praxe» actual), os alunos do «ensino superior politécnico» quiseram incorporar-se com os seus carros alegóricos, no grande cortejo.

Porém, os alunos do «ensino superior universitário» resistiram-lhes e não os deixaram percorrer as ruas, desde a «Alta», aos Arcos do Jardim, à Praça da República, à «Baixa», até à Portagem. Quanto ao cortejo da Queima das Fitas, com o andar dos anos, arranjou-se uma solução do compromisso: — primeiro, entram todos os carros alegóricos das Facul-dades da Universidade; no fim, segue-se uma espécie de segundo cortejo, com os carros das Escolas Superiores do Instituto Politécnico. E ainda no ano corrente de 2005, depois da «Queima», decorreu uma polémica no Diário de Coimbra entre o Presidente da Associação Académica de Coimbra (Universidade) e o Presidente da Associação Académica dos Estudantes do Ensino Politécnico. No fim, ambos se acusaram mutuamente de incompreensivos e de intolerantes!

Mais pacífica é a «Bênção das Pastas»: num primeiro Domingo, o Bispo de Coimbra preside, na Sé Nova, à Bênção dos universitários; no Domingo seguinte, o Bispo ou o Vigário-Geral (se o Bispo tem «visitas pastorais») preside à Bênção dos alunos do Politécnico. Tudo entre «irmãos»! Mas uns «mais irmãos» que outros!…

O acumular de desilusões

Voltando à insatisfação que fui sentindo desde que verifiquei que não seria possível cumprir a «promessa» de iniciar os cursos no ano lectivo de 1981-82, outros temas vinham progressivamente mostrando que tal era completamente inexequível. Não quero alongar-me, mas não posso deixar de apresentar sumariamente algumas outras questões.

Em primeiro lugar, eu acreditava que o grau académico próprio de um professor do quadro de uma Escola Superior seria o de Mestre. Nesse sentido, eu exortei várias vezes os membros das duas Comissões Instaladoras do IPCB, a que tirassem o Mestrado, devendo contactar as universidades onde se tinham licenciado. Não obtive qualquer sucesso. Os vogais da ESE eram professores efectivos de Liceu, com lugar assegurado; e não aceitavam bem que tivessem de afastar-se da família, numa idade em que os filhos mais precisavam deles. O próprio Presidente da ESA contentava-se com uma equiparação a Professor Auxiliar, obtida em Angola. Neste último caso, eu até pensava que daria nome ao IP, se o Dr. Pinto de Andrade abrisse

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em Castelo Branco um consultório da sua especialidade, a Veterinária. A ideia não lhe sorriu. E veio a estar 15 anos na situação da Comissão Instaladora e à frente do próprio Instituto Politécnico, após a minha saída, sem precisar de mais qualquer qualificação académica. O Ministério, que eu saiba, nunca se incomodou com isso.

Ao contrário do que se pensava, nunca veio a existir uma verdadeira e normal permuta entre professores do ensino universitário e do ensino politécnico. Algum caso que se tenha verificado foi ditado por interesses pessoais: proximidade da família e da terra da naturalidade, gestão de empresas industriais ou agrícolas próprias. Nem sequer passou a vigorar a atracção pela oferta de casa ou de pagamento das rendas de casa aos professores que passassem das Universidades para os Institutos Politécnicos.

Com o andar dos anos, os professores mais graduados nos IP podem vir a orientar Mestrados, mas os doutoramentos tinham de ser sempre feitos nas Universidades. Ainda hoje há quem se bata por que os professores doutores dos Institutos Politécnicos possam orientar doutorandos, mas tal combate permanece indefinido. De facto, ainda não se conseguiu, do ponto de vista académico, a equiparação plena entre o Ensino Politécnico e o Ensino Universitário, de modo a tornar-se normal a permuta de lugares. Muito menos, o concurso para uma vaga para professor efectivo de uma Escola ou Universidade ter concorrentes dos dois ramos…

Um caso prático desta diferença verificava-se nos mapas de guia de viagem. Tendo eu tomado posse da Escola Superior de Educação e do Instituto Politécnico, a Faculdade de Letras de Coimbra passava-me guias de viagem de ida e volta, semanal ou mensalmente, como se eu viesse de Castelo Branco para Coimbra para dar aulas na Faculdade de Letras. Para isso, seria necessário que a Faculdade de Letras obtivesse licença para que um professor de fora viesse dar aulas a Coimbra. O requerimento foi feito várias vezes à Direcção-Geral, mas nunca obteve qualquer despacho! Afinal, a Universidade de Coimbra e o próprio MEC continuavam a considerar-me um professor efectivo dos quadros da Faculdade de Letras de Coimbra. Nem do ponto de vista académico (e muito menos eclesiástico) eu nunca deixei de residir em Coimbra. No fim do ano, o Bedel teve que refazer todas as guias de marcha, partindo eu de Coimbra para ir a Castelo Branco. E nunca, nem em Coimbra, nem no Ministério me tranquilizaram, esclarecendo-me de que eu estava em comissão de serviço… Se isso fosse claro, eu não faria o requerimento de transferência, nem o Bedel me passaria as guias na direcção Castelo Branco-Coimbra.

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E ainda bem, digo eu agora. Se eu tivesse passado para Professor da Escola Superior de Educação, teria que reconverter a minha especialização. Licenciei-me em Filologia Clássica, em 1962; doutorei-me em Linguística Latina, em 1971; tirei na Faculdade de Letras da Universidade de Nimega (Holanda) as especialidades de Grego e Latim dos Autores Cristãos e de Latim Medieval, de 1965 a 1967. É quase certo que em Castelo Branco nunca nenhuma destas áreas do saber virão a ser ensinadas. Nem sequer o Latim, por mais necessário que ele seja em todas as escolas portuguesas, alguma vez virá a ter entrada no Ensino Politécnico! Não há dúvida de que eu sentir-me-ia frustrado como professor e teria passado a ser um admi-nistrador do ensino: mapas de aulas, salas e espaços culturais, contratação de professores, enfim, um gestor. Concordemos que nunca foi essa a minha vocação. Em Coimbra, consegui passar 36 anos, sem nunca me encarregarem desses serviços… Há outros que gostam deles! Até concorrem! Não tendo nunca saído da Faculdade de Letras de Coimbra, ensinei aquilo que sabia, de que gostava e inaugurei o estudo do Latim Medieval em Portugal, de que dei vinte cursos (de 1987 a 1998) e em que orientei 10 Mestrados e 2 Doutoramentos. Deus super omnia, como terminam os «juízos do ano»!

O despacho de demissão

Como expliquei atrás, no devido contexto, o pedido de demissão do IPCB e da ESE foi por mim assinado a 2 de Março de 1981 e veio a ser despachado favoravelmente a 2 de Abril pelo Secretário de Estado, Doutor Formosinho Sanches Simões. Porém, o Ministro, Doutor Vítor Pereira Crespo, sem nunca me dar qualquer justificação, impediu a sua publicação no Diário da República.

Sabendo já agora, por experiência, como os processos são demorados nos Ministérios, no princípio de Setembro voltei a insistir, em idas pessoais de serviço, na necessidade da minha demissão, porque se estava a cumprir um ano, tempo para o qual me fora dito que era necessário o meu serviço. Como ao longo do mês de Setembro nada consegui, no dia 7 de Outubro resolvi ir pessoalmente para o Ministério da Educação e Cultura.

Passei pelo 8º andar (Subsecretário-Geral do Ensino Superior) e pelo 9º (Secretaria-Geral do E. S.). Todos me receberam muito bem, mas nada de positivo me foi garantido. Por isso, da parte da tarde, pedi para ser recebido, no 10º andar, pelo Sr. Secretário de Estado, que tinha na sua secretária ainda o despacho de 2 de Abril, a que me referi. Ele concordou

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com as minhas razões; e prometeu-me que iria pouco depois falar, no 11º andar (onde eu nunca subi!) com o Sr. Ministro da Educação.

Eu voltei para o 9º andar. O tempo corria veloz para mim. A cada funcionário que passava, eu explicava por que motivo me encontrava ali. Pelas 17h os funcionários começaram a preparar-se para sair. Eu movimentei de novo os assessores do Secretário de Estado. Estes regressaram e prometeram-me que o assunto seria resolvido nesse dia. De facto, pelas 18h, vieram-me mostrar um novo despacho da minha exoneração, assinado pelo Ministro Vítor Pereira Crespo, já com o número de registo do Ministério para o Diário da República e com a data oficial de exoneração, 7 de Outubro de 1981.

Pediram-me para deixar o edifício tranquilo, garantindo-me absolu-tamente que nada mais faltava para o despacho ministerial sair no jornal oficial, com a data indicada. Acreditei. Pelos corredores já não passava ninguém. Chamei o elevador e desci sozinho até ao rés-do-chão. Despedi-me amavelmente dos guardas de serviço. Saí da porta principal para a rua. Senti-me completamente livre, calmo e confiante. No dia seguinte regressei a Coimbra.

O Dr. Virgílio António Pinto de Andrade foi depois nomeado Pre-sidente do Instituto Politécnico, continuando com a Presidência da Escola Superior Agrária. A posse que tomáramos por um ano, manteve-a ele durante 15 anos! Só então se realizaram as primeiras eleições. O Dr. Pinto de Andrade ganhou-as sempre que concorreu, até se reformar. Eu fiquei sempre amigo dele e de todos os vogais das Escolas Superiores: de Educação e Agrária. Saí, pois, com a consciência de ter deixado o Ensino Politécnico bem fundado em Castelo Branco. Agora associo-me às festas comemorativas dos seus 25 anos de vida, sempre em crescendo. Que Deus o proteja ad multos annos!

Conclusão

Chegado ao fim desta descrição do primeiro ano, o da fundação da ESE, da ESA e do IP de Castelo Branco, poderão querer contar-se os dias em que eu, de facto, me ocupei a trabalhar para estas três instituições — eu, mas na ESA também o seu Presidente, o Dr. António Virgílio Pinto de Andrade, que me sucedeu, depois, no IPCB.

Alguém contou o número de vezes que eu fui de Coimbra a Castelo Branco e contou os meus dias de serviço — 26! É de cabo de esquadra —

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diria o meu Pai. Concedamos que só fui 26 vezes. Como é diferente e verdadeira a minha contagem! Atendendo a que só havia, naquele tempo, uma carreira por dia para lá e para cá, devemos contar assim:

Indo 26 vezes, com o programa que eu realizava, saía à sexta-feira, na camioneta de 11h., com paragem na Pampilhosa da Serra (para almoçar davam 2h de intervalo) e chegava a Castelo Branco, pelas 15h30. Nessa mesma tarde, ia para a secretaria; e o Sr. João Lopes apresentava-me o correio, que eu logo estudava; e depois ele, como chefe de secretaria, punha-me a par dos problemas — visitas, telefonemas, compras, etc. Por vezes, ao serão, eu voltava para a secretaria e fazia minutas de eventuais respostas ou propostas.

No sábado, reuníamos as Direcções completas das Escolas em forma-ção, analisávamos os problemas e programávamos as soluções, tomando cada um conta do que teria a fazer durante a semana: visitas, correspondên-cia, circulares e exposições ao MEC, etc.

No Domingo, eu reunia de novo com o chefe e único empregado da secretaria, para pôr tudo em ordem. De tarde, regressava a Coimbra pela Foz do Geraldo, Pampilhosa da Serra e Lousã.

Durante a semana, eu despachava, escrevendo à máquina, em minha casa, cartas e ofícios, para os respectivos destinatários, que não eram só MEC. Poder-se-á verificar, pelas datas da correspondência, que ela era quase toda aviada durante a semana, nos dias e horas que eu tinha disponíveis dos trabalhos da Faculdade de Letras, da qual, afinal, sempre fui professor catedrático. Nem em Coimbra, nem no MEC, nunca me falaram em comissão de serviço. Pode parecer estranho, mas é a verdade. Acresce que só depois da posse do Instituto Politécnico (29-XII-1980), me informaram de que eu devia residir em Castelo Branco, donde resultou o desgastante episódio, que acima contei, com a Cúria Diocesana de Portalegre. Eu suponho que, pelo meu comportamento de então, o meu Bispo, por duas vezes, depois, me quis distinguir com títulos eclesiásticos. Teria ainda outras razões, suponho eu. Uma dessas vezes foi junto do Papa João Paulo II, da qual resultou um rescrito a meu favor, em pergaminho, assinado pelo célebre Card. Casaroli, Secretário de Estado da Cúria Pontifícia, o fundador da «política a Leste».

Concluindo, por estas 26 vezes, que fui passar o fim de semana a Castelo Branco, eu ocupei 78 dias. Há ainda que juntar os dias em que fui tomar posse e a demissão — véspera, posse e regresso — mais 4 dias.

Mas, como ficou descrito, a minha documentação, a constituída por correspondência, foi toda (ou quase, só a datação dirá) feita a partir da

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minha casa, em Coimbra. São, portanto, mais outras 26 semanas, com três dias de possível escrita, isto é, outros 78 dias.

Há a acrescentar, as saídas de Castelo Branco, não só à Covilhã (como referi), mas também à inauguração, depois da nossa, do Instituto Politécnico de Santarém, ao qual ficou a presidir o Prof. Dr. Veríssimo Serrão. Outro Professor Catedrático, como exigia o Primeiro-Ministro Sá Carneiro. E mais: fui uma semana a Bordéus (França), para assistir a um encontro sobre a orientação a dar ao Ensino Politécnico. Juntemos, pois, pelo menos, mais 10 dias.

E não teria eu direito a um dia de folga por semana? Seriam, portanto, contados, mais 26 dias, nas tais hipotéticas e só 26 semanas de trabalho!

Mas, francamente, eu julgo-me no direito, por ser absolutamente exacto, citar agora uma célebre frase da Bíblia (e lá vou eu agora ao Latim, de que quase teria de me despedir, se me transferisse para o IP e para a ESE de Castelo Branco): Praeter illa quae extrinsecus sunt, instantia mea coti diana, sollicitudo omnium ecclesiarum (2 Cor. XI, 28). Estou na sala de Latim Medieval do Instituto de Estudos Clássicos da F.L.U.C. e só agora verifico que, havendo aqui várias edições do Antigo e do Novo Testamento, em grego e em latim, não existe uma só tradução em português! Tenho de traduzir eu esta frase, que tão bem se aplica ao caso que quero provar: «Além daquilo que é exterior (neste caso: o número de dias já contados), a minha preocupação de todos os dias, a solicitude de todos» os planos da Escola Superior de Educação e depois, também, durante nove meses e meio do IPCB.

Esta «preocupação quotidiana» obriga-me a contar mais 10 dias (pelo menos) em Agosto de 1980, 30 dias em Setembro e 26 dias em Outubro. O dia 27 já está contado acima para ir tomar posse a Castelo Branco. Considero, portanto, justo acrescentar mais estes 66 dias. Para mais, além da preparação para o cargo, nestes dias prévios eu vivi a primeira parte da instantia, reforço até, as angustiae (o Dicionário de Latim Clássico traduz por «grande aflição») de saber se o Governador Civil de Castelo Branco e o representante da Reconquista tinham pedido ao Sr. D. Augusto César, Bispo de Portalegre e de Castelo Branco para eu desempenhar a função de Presidente da ESE, dado que eu não podia tê-lo feito das Termas de Monfortinho, nas circunstâncias que descrevi no início desta narrativa — nem eu iria pedir-lhe, como não fui pedir para vir ensinar para Coimbra, eu que estava tão tranquilo como professor do seminário de Portalegre.

Revendo a contagem, observo que ainda ficaram de fora os dias 30 e 31 de Outubro de 1980, pois não estão incluídos na posse nem na primeira semana de Novembro. Portanto, mais dois dias.

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Contabilizando todos os dias já justificados, ponto por ponto, deixei apontados 264 dias. Porém, acho inteiramente razoável fazer o cômputo segundo as práticas do serviço prestado ao Estado: um ano, como me comprometi, teria 365 dias: como devemos descontar só desde 9 a 26 (ambos incluídos) de Outubro, eu só vivi livre dos encargos da ESE e depois com o IPCB, nesse período, 18 dias, o que dará 346 dias. No entanto, como já ficou bem exposto, a este número de encargo oficial, eu sinto-me no direito e no dever de acrescentar os 66 dias de instantia e sollicitudo também citados do ano de 1980, o que, efectivamente dará 412 dias. Meu Deus, mais de um ano! Durante todos estes dias, como diz Diogo Mendes de Vasconcelos, humanista latino, originário de Alter do Chão (1523-1599), cuja Vita de seu tio, D. Gonçalo Pinheiro me encontro agora a traduzir, «eu contraí o peso de administrar os bens alheios»: pondus administrandi aeris alieni.

Razão tinha eu para dizer, a certo ponto do meu relato, que nunca vivi com qualquer ambição de estar à frente de outros, dirigir, mandar! «Ó glória de mandar, ó vã cobiça/ Dessa vaidade a que chamamos Fama» (Lusíadas IV, 95,1-2); e «O bom religioso, verdadeiro/ Glória vã não pre tende nem dinheiro» (Lus. X, 150, 7-8). Afinal Luís de Camões também contribuiu para a minha formação espiritual! Isto não quer dizer que eu tenha fugido alguma vez a cumprir qualquer das minhas obrigações, ou não me tenha preocupado sempre, continuamente, com o que seria melhor para o Instituto Politécnico, para a Escola Superior de Educação ou para qualquer cargo que alguma vez me tenha sido confiado (e não foram poucos).

Saí, e continuo convencido, de que, após um ano de tomar posse, em Castelo Branco e em Lisboa, deixei bem fundado o Ensino Politécnico. Que eu saiba, nada do que eu fiz teve de ser corrigido. Continuado e ampliado, sim! Quem não cumpriu foi o Sr. Ministro da Educação e Cultura, que a 28 de Outubro de 1980, na Câmara Municipal de Castelo Branco, prometeu que as aulas, nas Escolas Superiores de Educação e Agrária, principiariam no ano lectivo de 1981-1982. Bem longe disso: levou anos e anos para se organizarem. Basta dizer que a Comissão Administrativa só foi substituída após 15 anos de serviço. Foi obra!

JoSé geraldeS Freire

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