notas do artigo - simetria e entropia - sobre a noção de estrutura de lévi- strauss

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1 Modelos, Estruturas e Mquinas

NOTAS DO ARTIGO SIMETRIA E ENTROPIA: SOBRE A NOO DE ESTRUTURA DE LVI-STRAUSS1 Modelos, Estruturas e Mquinas

A construo da teoria dos jogos apia-se na distino bsica entre jogos a duas pessoas e jogos a n pessoas, anloga que Lvi-Strauss traou entre a troca restrita (duas classes) e a troca generalizada (n classes).

A distino na teoria dos jogos entre jogos de soma nula (aqueles em que algum s pode ganhar custa do outro) e jogos de soma no-nula (aqueles em que vrios jogadores podem ganhar simultaneamente) evoca em Lvi-Strauss o contrate entre sociedades frias e quentes, entre rito e jogo, entre estruturas elementares e estruturas complexas de parentesco.

O fascnio de Lvi-Strauss com essas vertentes de ponta na reflexo cientfica dos anos 40 a nfase na construo de modelos como o modo de produo de conhecimento por excelncia. Alm da nfase metodolgica em seu carter de construo de modelos, havia um trao mais geral nessa viso da atividade cientifica. Esse trao consistia na busca de invariantes revelados ao nvel dos modelos, mais do que o estudo das propriedades dos objetos. O exemplo mais marcante dessa ideia a revoluo estruturalista que ocorreu na matemtica e cujas origens esto em fins do sculo XIX.

Enquanto desde a antiguidade os objetos principais da matemtica haviam sido os nmeros, as grandezas e as figuras, entes vistos como possuindo propriedades dadas que caberia apenas investigar, ao longo do sculo XIX emerge a noo de que a essncia da matemtica o estudo das relaes entre objetos que no so mais conhecidos e descritos a no ser por algumas de suas propriedades, precisamente aquelas como axiomas na base de sua teoria.

Exemplo disso tem as geometrias no-euclidianas, aqui as matemticas se reconhecem como estudo de estruturas que regem as relaes entre objetos. Uma mesma estrutura pode ento aplicar-se a diferentes domnios de objetos, desde que as relaes entre eles se descrevam da mesma maneira. A teoria dos grupos Uma estrutura que expressa matematicamente noo de invarincia numa famlia de objetos, quando eles so transformados por meio de operaes a ferramenta bsica dessa perspectiva.

Estruturas e maquinas so fundamentalmente diferentes. A relao entre estruturas (que so construes mentais) e mquinas reais (que precisam obedecer as leis do mundo real) envolve uma oposio que um dos temas de Lvi-Strauss nem sempre percebido.

2- Estruturas

Na ontologia bourbakista, objetos no tm propriedades intrnsecas. Nela, cada universo formado por duas coisas: Objetos (cuja natureza intrnseca no importa) e, separadamente, Relaes construdas sobre eles.

Estruturas so modos de construir relaes ou operaes entre objetos. Bourbaki destaca algumas poucas estruturas elementares que so base de todo edifcio matemtico: as estruturas algbricas, as estruturas de ordem e as estruturas topolgicas. Cada uma delas encerra um modo de usar, ou se quiser um modo de pensar objetos. Isso nos d um roteiro para acompanhar a construo de modelos na obra de Lvi-Strauss.

Um conjunto de objetos uma estrutura particularmente simples. Dado um conjunto inicial de objetos, podemos especificar um subconjunto, e assim a noo de objetos com certa propriedade. Numa estrutura de propriedades, respondemos a perguntas sobre objetos para cada objeto do conjunto de base, dizemos se ele pertence ou no ao subconjunto em questo (isto , ele tem ou no uma propriedade). Refinando esse principio chegamos a classificaes. Toda propriedade induz uma classificao binria: ela divide o conjunto de base em dois subconjuntos, os dos objetos que satisfazem a propriedade e os que no satisfazem.

Franois Lorrain elaborou em detalhe a noo lvi-straussiana de uma lgica das oposies binrias.

Estruturas de Ordem

Dado um conjunto inicial de objetos, uma ordem um conjunto de pares sujeitos a certas restries. Assim, por exemplo, se o par (a, b) pertence ordem, (b, a) no pertence ordem (a no ser que a e b sejam o mesmo objeto). Isto : se numa ordem dada a domina b, ento b no pode dominar a (a no ser que seja o mesmo objeto, j que um objeto domina a si mesmo). Numa estrutura de ordem, respondemos assim a perguntas sobre pares de objetos: para cada dois objetos distintos como a e b, uma estrutura de ordem deve responder se vale (a, b) ou se vale (b, a), ou se a e b so incomparveis. No livro sobre o pensamento selvagem est presente o interesse por estruturas de ordem.

Estruturas Algbricas

Dado um conjunto inicial de objetos, uma operao (algbrica) um conjunto de pares em que o primeiro termo ele mesmo, um par de objetos (os termos da operao) e o segundo termo outro objeto (o resultado da operao). Somar e multiplicar so operaes nesse sentido.

Numa estrutura algbrica, respondemos a perguntas do seguinte tipo: dado um par de objetos (a, b) obtemos um terceiro objeto c. Dada duas transformaes discretas queremos saber qual a transformao resultante. Dada duas relaes de parentesco, queremos obter a relao resultante. Uma intuio notvel de Lvi-Strauss e de Andre Weil foi tratar as regras de parentesco como transformaes de classes de descendncia.

Estruturas Topolgicas

As estruturas topolgicas so, por assim dizer, modelos de noo de proximidade, no mesmo sentido em que estruturas de ordem modelam escolhas, e estruturas algbricas modelam operaes. Num conjunto munido de topologia, para cada objeto sabemos quais so suas vizinhanas, digamos assim. Ento, dados dois objetos (a, b), em uma topologia (que tenha uma mtrica), sabemos qual a distncia entre eles. Com a topologia ganham sentido noes de incluso, proximidade, fronteira, limite, continuidade e descontinuidade. Lvi-Strauss utilizou essas ideias na anlise de mitos.

Na obra de Lvi-Strauss, lgebra, ordem e topologia se sucedem, numa seqncia que corresponde a publicaes decisivas, respectivamente, sobre parentesco, classificaes e mitologia.A ideia para Lvi-Strauss de que legal suas metforas virem da matemtica e da fsica, j que entre essas ideias est a de que a ordem humana se prolonga na ordem da natureza.

H duas metforas bsicas em Lvi-Strauss:

I- Uma baseada na ideia de grupo de transformaes, e cuja essncia a existncia de simetria. Ela se relaciona com o olhar distante: no limite, um olhar que no se situa em nenhum lugar.

II- A outra, baseada na ideia de mquina, e cuja essncia a noo de irreversibilidade. Relaciona-se com os tristes trpicos: com a passagem do tempo e com a irrupo inevitvel da desordem.

3 O Olhar distanciado

Quando localizamos um ponto no espao, atribumos a ele coordenadas: a longitude e a latitude. Para atribuir coordenadas, precisamos partir de uma origem: de um ponto privilegiado sobre todos os demais.

A partir dessa metfora, podemos pensar na procura de uma sntese de um filsofo no recado de Lvi-Strauss, o qual afirma que o estruturalismo no inventou estruturas, apenas dispensou pontos privilegiados na descrio de uma estrutura.

A anlise estrutural do espao, nesse sentido, foi levada a cabo com a matemtica moderna, que deve ser capaz de dispensar por completo a adoo de um sistema de coordenadas particulares para a descrio das propriedades das figuras. Seus teoremas devem ser livres de coordenadas. Para realizar esse programa, perdemos a localizao nica de um ponto no espao. Em compensao, preservamos as relaes entre esse ponto e outros. Podemos chamar esses pontos de invariantes.

Os invariantes assim preservados quando abandonamos um sistema de coordenadas especficos so o que chamamos de propriedades estruturais.

Na geometria, uma reta permanece uma reta, qualquer que seja o sistema de coordenada empregado. Deixa de ter sentido, porm, a descrio de uma reta como vertical. necessrio, ento, atravs dessa ideia de transformao, aprender a traduzir mutuamente as observaes da reta realizadas em diferentes sistemas de coordenadas. De tal forma que a existncia dessas transformaes que assegura a possibilidade de falar na identidade de objetos. Surge aqui outra implicao, pois as transformaes podem ser pensadas tanto como mudanas de posio de uma reta num sistema de coordenadas especfico, como mudanas no prprio sistema de coordenadas.

Torna-se em certo sentido impossvel distinguir entre movimentos de um objeto e movimentos do observador. H um relativismo essencial implicado na atitude estrutural.

Dois modos de conceber o programa estrutural

Primeiro modo imaginar como descries mudam com a mudana de sistema de coordenadas e buscar propriedades das descries que so invariantes sob essas mudanas. Esse o caminho do etngrafo que se translada de um sistema de coordenadas para outro. Essa perspectiva leva o observador, no caso dos mitos, a se colocar no interior de uma mitologia particular, atribuindo-lhe sentido porque, ao fazer a translao o observador-etngrafo, antes de mais nada, procura identificar as coordenadas locais e situar-se a partir delas.

Segundo modo observar num mesmo sistema de coordenadas, como objetos se transformam, preservando, porm, um lar de famlia. Esse o modelo do etnlogo que constri modelos de comparatividade. Essa perspectiva levaria a caracterizar ento os invariantes numa famlia de mitos que se transformam permanecendo, no entanto, mutuamente inteligveis. (comunica-se entre si)

Grupos de transformaes

As simetrias de um quadrado so representadas pelos grupos de transformaes que o deixam invariante. (Rotaes de 90 em torno do centro compe um subgrupo desse grupo). O que que significa dizer que o quadrado permanece invariante? A resposta que cada um desses sistemas de transformao, tem uma noo de invarincia e de identidade. Os grupos de transformaes preservam todas as dimenses originais do quadrado, o qual se preserva como objeto rgido que no perde seus ngulos e sua rea. Essa identidade prxima a noo de objeto fsico.

Podemos ir mais longe, e no apenas girar, refletir e deslocar o quadrado, mas tambm ampli-lo ou encolhe-lo, e, alm disso, permitir mudanas regidas pelas leis da perspectiva (estamos no mbito da geometria projetiva). O resultado a famlia de objetos que reconhecemos perceptualmente como um mesmo quadrado, ao observ-lo em movimento, ao olhar uma pintura ou filme. Essa noo de identidade associada ao grupo de transformaes da geometria projetiva essencial para que reconheamos objetos na experincia diria com os mesmos.

Isso no tudo, porque podemos dispensar a rigidez das retas e admitir verses surrealistas do quadrado na qual ele se transforma insensivelmente em uma verso mole do quadrado original, e talvez vire um objeto informe, contudo, distinguiremos esse objeto informe, mas sem buracos de uma rosca. Desta forma o quadrado mole torna-se idntico a uma panqueca, mas distinto de um pudim de leite (daqueles que tem um buraco no meio). Essa ltima noo de identidade que se associam as transformaes topolgicas.

O programa de investigao ento: estudar as simetrias do objeto, inserindo-o em grupos de transformao.

H, porm, outro modo de encarar essas mesmas transformaes. Ao girar o quadrado (no grupo inicial) supomos que ns observadores estamos imveis. Mas, como sabemos que no somos ns que giramos? Quando o quadrado ampliado ou reduzido, podemos representar a situao como uma outra classe de movimento no sistema de referncia. O mesmo vale para outros grupos de transformaes: trata-se ento de estudar as simetrias entre observadores possveis, inserindo-os em grupos de transformaes.

A noo de uma famlia de invarincia de objetos associa-se a uma noo dual de uma famlia de invarincia de observadores.

Essa maneira de pensar foi formulada a respeito da geometria por um matemtico cujo nome se encontra com freqncia nos escritos de Lvi-Strauss: Felix Klein, o das garrafas de Klein de A oleira ciumenta e tambm do grupo Klein. Foi desenvolvida, entre outros, por Hermann Weyl, e tornou-se um lugar comum em vrios domnios da cincia contempornea. Como diz o bilogo Jacques Monod:

Havia uma ambio platnica na busca sistemtica de invariantes anatmicas. A que se devotaram grandes naturalistas do sculo XIX aps Cuvier e Goethe. Os bilogos modernos deixam s vezes de fazer justia ao gnio dos homens que, por trs das impressionantes variedades de morfologia e modos de seres vivos, conseguem identificar, se no uma forma nica, pelo menos um nmero finito de arqutipos anatmicos, cada um dos quais invariantes no interior do grupo que caracteriza.

Foi precisamente nessa tradio de busca da forma invariante que DArcy Thompson escreveu sua obra j mencionada, que o sovitico Vladimir Proop analisou centenas de contos populares russos, e que Lvi-Strauss escreveu as estruturas elementares do parentesco e as mitolgicas.

A identidade no dita de objetos ou de substncias. Ela relaciona-se a propriedades relacionais. A definio de Weyl para simetria a de algo que podemos fazer a uma coisa (uma transformao), conservando algo. Descrevem a identidade de um objeto ento como equivalente a descrever sua simetria, isto , o grupo de transformaes a que pertence.

Para Leibniz, um mundo em que as relaes espaciais entre objetos fossem idnticas s que valem em nosso mundo exceto que direita e esquerda fosse invertidas, ou que todos os tamanhos fossem multiplicados por dois, ou que tudo fosse deslocado por uma translao seria indistinguvel do nosso mundo, mesmo para Deus: em outras palavras, esses mundos seriam de fato um e mesmo mundo. Contra Newton, Leibniz foi assim um estruturalista radical, ou um percussor de um raciocnio relativista, o que equivalente. Para Weyl, a noo de grupo de transformao torna-se mesmo e equivalente a noo de identidade.

Lvi-Strauss

Lvi-Strauss para mostrar como essa concepo leva a uma forma peculiar de relativismo antropolgico. Nos grupos de transformaes tratados pela antropologia estrutural, os objetos so sistemas de parentesco e mitos. Transformaes so simetrias que levam de um mito a outro, de um sistema de parentesco a outro.

Objetos ainda mais gerais foram sugeridos em O pensamento selvagem: transformaes ligando sociedades distintas, ou subsistemas delas, e operando sobre sistemas cognitivos, econmicos, estticos. J em 1945, Lvi-Strauss tratou tomos de parentesco de um conjunto de sociedades distintas como parte de um nico grupo de transformaes.

Sob essa perspectiva, no h objetos privilegiados. Qualquer mito pode ser o ponto de partida para a obteno do grupo inteiro de transformao. As propriedades relevantes so justamente aquelas igualmente vlidas ao longo dessas transformaes em certo sentido, portanto, essas so as propriedades vlidas em todos os sistemas de referencia. As que no dependem da posio do observador, de sua escala de medida, de sua orientao, de seus valores.

O estruturalismo descreve invarincias nos objetos, ou dualmente invarincia entre observadores.

O estruturalismo , sob esse ponto de vista, relativista, mas no no sentido do relativismo cultural que afirma o carter irredutvel das diferenas culturais (cada cultura bebeu de uma gua distinta). antes num sentido anlogo ao que os fsicos tm mente em falar de relatividade de uma teoria fsica. Pois, nesse sentido, relatividade no implica em declarar que tudo relativo (cada observador teria suas leis irredutveis), mas, ao contrrio, identificar o grupo das transformaes que permite expressar o que invariante.

Os invariantes de uma teoria so preservados em todo sistema de referencia. Sem invariantes sob alguma tradio, reina o solipsismo (doutrina segunda a qual a nica realidade no mundo o Eu)

Traduzem-se assim as observaes feitas de um ponto de vista em observaes feitas de outro ponto de vista e mantendo a forma (se no o fraseado) de ambas as observaes (seria como relacionar as observaes do quadrado visto de diferentes ngulos). A diversidade torna-se compatvel com a unidade.

Levando essa ideia ao extremo, chegamos a uma tese mais geral. As propriedades que caracterizam a mente humana so invariantes ao longo das transformaes que levam de uma sociedade a outra. Tais transformaes so reversveis e nos conservam no domnio humano, e nessa medida constituem um grupo. No h origem, nem sentido, nem escala privilegiada para a humanidade. A natureza humana radica, por assim dizer, num grupo de transformaes.

Essa idia explica a metfora do Olhar distanciado. Esse olhar no se localiza em nenhum lugar privilegiado. Da decorre uma tarefa conferida aos antroplogos, na medida em que se preocupem em caracterizar a noo de humanidade: descrever o grupo de transformao que a deixa invariante. o papel de o antroplogo descrever, livre de um sistema de referencia particular, o grupo de transformaes que expressariam ao exibir possibilidades do esprito humano a posteriori uma construo precisa da noo de humanidade, sem apelo a um sujeito transcendental.

4 Tristes Trpicos

Sobre a segunda metfora, a da mquina, pareceria que h apenas uma metfora, j que estruturas podem ser descritas como mquinas. Uma estrutura algbrica, digamos, seria uma mquina que recebe como entrada dois objetos e d como sada um objeto. Estruturas de ordem seriam mquinas de escolher. Estruturas topolgicas seriam mquinas de medir. Mas, essas mquinas, como as mquinas de Turing de Post, so por um lado algoritmos da mente e por outro, atos de trabalho. Na segunda acepo, precisam se enraizar na matria.

Lvi-Strauss est bem consciente das implicaes. O essencial numa estrutura de grupos de transformaes que as transformaes no tenham direo privilegiada.

Tanto o universo de Newton como o de Einstein podem ser descritos em termos de grupos de transformaes que abrangem sua trajetria temporal. Isso significa que podem funcionar para frente e para trs. Neles, a ordem do tempo pode ser invertida sem alterar a estrutura: No sentido de que um observador no poderia notar violaes das leis da fsica num sistema solar, por exemplo, que andasse em sentido ao contrrio ao nosso.

O tempo no tem a direo privilegiada. Em termos Leibnizanos, nem Deus poderia estabelecer a direo correta do tempo em universos newtonianos e einsteinianos, assim como no poderia distinguir a esquerda da direita.

Os universos newtonianos-esteinianos, na terminologia de Lvi-Strauss, so modelos mecnicos.

So universos de simetria, no apenas espacial, mas tambm temporal, nos quais, em certo sentido, espao e tempo se equivalem, ou seja, nos quais o tempo pensado espacialmente.

(Lembramos aqui que as transformaes matemticas que DArcy Thompson introduz para relacionar formas da natureza entre si, no s representaes de processos evolutivos, aos quais, alis, o autor notoriamente indiferente em seu livro)

Lvi-Strauss usou essa idia, no texto anti-racista Raa e Histria, para argumentar contra uma interpretao evolutiva da diversidade humana.

Cada sociedade equivalente s demais se os modelos que atualiza so transformaes reversveis dos modelos das demais.A noo de progresso, como a de movimento, no absoluta: como quando andamos num trem, a noo de movimento depende do sistema de coordenas selecionado.Lvi-Strauss foi o primeiro a reconhecer e a destacar a existncia de mudanas no-reversveis. Nas suas grandes obras sobre sistemas de parentesco e sobre mitos, bem como em numerosas passagens secundrias sobre fenmenos estticos. Os sistemas de trocas generalizadas da sia estariam nos limites de uma ruptura, alm da qual entramos no domnio de sistemas de tipo estatstico exemplificados nas sociedades camponesas europias.

Sistemas de parentesco de tipo Crow-Omaha esto na transio de modelos mecnicos para modelos estatsticos. Assim, ao passar da Austrlia para sia e desta para a Europa, transitamos de modelos de troca restrita para modelos de troca generalizada e destes para modelos estatsticos; da simetria para a assimetria; de transformaes reversveis para transformaes irreversveis; do discreto para o contnuo, do global para o local. Estruturas de parentesco morrem.Tambm os mitos morrem. Um mito que se transforma em outros respeita os invariantes do grupo de transformaes a que pertence at que se cansa. Como ondas que a pedra criou no lago: a forma circular se amortece com a distncia e com o tempo, at deixar de ser distinguvel no movimento da gua sob a brisa da manh.

Aqui est a implicao da metfora da mquina. Uma mquina para com o tempo. A energia inicial perdida por atrito. A termodinmica surgiu com o estudo da eficincia das mquinas, e sua lei mais clebre sela esse estudo dizendo precisamente que no existe mquina perptua. Assim, natural que a termodinmica d o tom estilstico de um livro intitulado Tristes Trpicos. A entropia de um sistema fechado sempre crescente. Em outros, termos, sua estrutura se degrada. Mas o universo, do qual fazem parte a vida e o pensamento um sistema fechado. O mundo cultural tornou-se ele prprio fechado: aldeia global sem fronteiras com um exterior. A vida, os mitos, as classificaes, os sistemas de casamento, mas tambm a pintura e a msica perdem estrutura, so irrupes transitrias. So flutuaes temporrias no lago, um por do sol deslumbrante e passageiro.A noo de entropia d um sentido nico ao tempo. O tempo flui, no sentido da perda da estrutura, da perda de informao, da perda da beleza. O paraso estruturalista da diversidade se v ameaado pelo pecado termodinmico. Transformaes mticas e de parentesco, encarnados na matria, ganham uma flecha temporal. Passamos da matemtica Leibniziana fsica da era industrial ou, para expressar o que Lvi-Strauss disse: passamos d diferena oposicional diferena histrica. A razo que as transformaes de esprito devem enraizar-se na matria, subordinando-se assim as leis que regem mquinas reais. H ento uma flecha do tempo, mas uma flecha que no aponta para o positivo, e sim para o negativo. O que o evolucionismo de Leslie White vira como progresso (o aumento da energia extrada per capita) , ao contrrio, degradao: diminuio da diversidade per capita (menos linguagem, menos religies, menos sistemas de parentesco, menos estilos estticos, menos espcies naturais, menos animais e plantas) como acontece quando uma floresta tropical arde para alimentar caldeiras ou bois transformando xams e guerreiros em mo-de-obra barata, amores perfeitos em eucaliptos, informao em energia. Os tristes trpicos so assim no apenas o campo predileto para observao in situ de mitos e sistemas de casamento, mas tambm da ao dos processos de degradao contemporneo que geram carne, energia, minrios e valor que uma metrpole absorve para enriquecer a quantidade de mensagem que circulam em seu interior, um mundo novo dotado de um estilo nico, moderno e ps-moderno.Os universos sociais e biolgicos, galxias e cristais, caminham para um estado absorvente. A histria tem atrativos. Regida pelo acaso de movimentos de bbado, caminha, contudo, para estados que aparecem como a meta da histria em retrospecto porque as vias alternativas foram destrudas. Ao faz-lo apagam-se os rastros das transformaes que expressam as possibilidades da natureza humana. No apenas uma concha ou uma flor, uma sociedade ou uma floresta, mas espcies ticas, gneros de atitudes perante a vida, famlias de tcnicas corporais, filos de conhecimento e de prazeres com as simetrias que os revelam como parte do mesmo padro com que a mente funciona. Ironicamente, a prpria espcie humana o antdoto perverso para a diversidade da qual ela uma das manifestaes. 5- Mquinas de Anular o Tempo

A irreversibilidade no apenas um operador melanclico que marca limite a anlise estrutural. Vista como quebra de uma simetria um aspecto essencial do esprito com que Lvi-Strauss trabalha com sistema de parentesco e mitos. Simetria e assimetria fazem parte de um par dialtico. A ordem no um modo natural: antes um artifcio em que se mostra ativa uma possibilidade: pois a formao de galxias, de cristais, de formas vivas e de neurnios so exemplos de ilhas de simetrizao num oceano de entropia.

Lvi-Strauss no tomou partido de uma ortodoxia simetrizante (no qual, na forma de uma verso mentalista do estruturalismo, as estruturas reinariam expressas em regras inambguas), nem de uma ortodoxia holista (no qual as estruturas resultam de uma totalidade preexistente).

Lvi-Strauss em vez disso pelas trilhas metafricas de uma geometria local e de uma temporalidade irreversvel explorando ento seu papel inquietante na tentativa, talvez sempre ilusria, de obter simetrias globais. Afinal, havia o exemplo da msica, em que a irrupo da assimetria e da imprevisibilidade parte essencial da beleza. Lvi-Strauss tomou a msica como paradigma bsico em seu primeiro artigo sobre a anlise mtica, e no por acaso. Havia, para continuar com as metforas da fsica, a sugesto de Wiener de estudar fenmenos estatsticos com a prpria teoria dos grupos, em outras palavras, buscar invariantes em fenmenos essencialmente temporais.

Ao contrrio do que ocorre com os modelos mecnicos, domnio da simetria, nos quais dispomos de textos programticos detalhados de Lvi-Strauss, os modelos estatsticos (nos quais aparece irreversibilidade e quebra de simetria) no foram tratados oficialmente por Lvi-Strauss. Esto dispersos em passagens das Estruturas Elementares do Parentesco (a transio de estruturas elementares para estruturas complexas), em passagens das mitolgicas (transio de mitos para romances) e, de maneira especial, abrindo como que uma nova era, no segundo prefcio de As estruturas elementares do parentesco, texto que, de certo modo, toma o lugar como primeiro de uma srie de textos publicados em obras como A via das mscaras, o Olhar distanciado, Palavras dadas, e em textos como Histria e etnologia.

Retomando a distino Lvi-Straussiana entre modelos mecnicos e modelos estatsticos. Nos modelos mecnicos, estados, em nmero finito, so transformados em outros estados mecanicamente, isto , sem escolha possvel, como na interpretao dado por Needham para a noo de sistemas prescritivos. Se o sistema abandona um estado, ele pula num salto discreto, para outro estado, numa transio determinada por regras: como a virgindade, o incesto que uma questo de tudo ou nada. Analogamente, a cor, branca ou preta. Podemos agora precisar a importncia da no-ambiguidade (ou, se quisermos, de processo que convertem escalas contnuas em intervalos descontnuos): elas permitem inverter uma operao. Assim, o fato de que a transformao entre um estado e outro seja parte de um grupo, significa que a transformao pode ser invertida, sem perda das distines originais. Dois estados distintos levam a dois estados distintos.

Vamos agora passar, mergulhar essa ideia numa situao que nos permite passar, quase insensivelmente, para os casos nos quais, ao contrrio, as distines so abolidas e a ambigidade se introduz irremediavelmente.

Imaginemos uma caixa dividida em duas metades, que rotulamos de A e B. No estado inicial h n objetos no compartimento A, e zero objetos no compartimento B. Essa a representao de um estado discreto, que pode ser lido como uma mensagem do tipo sim/no, ou (1,0). Ao contrrio, num estado em que os objetos estivessem igualmente espalhados entre os compartimentos A e B, teramos a representao de um estado contnuo, que pode ser lido como uma mensagem borrada que nos que apenas talvez/talvez, ou (0,5 0,5). Para percebermos melhor a relao entre estas duas situaes convm imaginarmos que h uma porta comunicando os compartimentos A e B da nossa caixa. Na primeira situao, do estado discreto, essa porta est sempre fechada. Na segunda situao, essa porta est sempre aberta. Nessa segunda situao, mais cedo ou mais tarde, os objetos se espalham entre os compartimentos A e B, deixando a caixa num estado cinzento que talvez flutue ligeiramente, e talvez at drasticamente durante fraes de eternidade, mas permanece, na maior parte do tempo, no estado cinzento.

As mquinas do primeiro tipo descrevem comportamentos, segundo uma interpretao Durkheimiana, seriam governadas pela solidariedade mecnica (grosseiramente falando, cada individuo conheceria seu lugar). As mquinas do segundo tipo descrevem, ento, comportamentos que, segundo a mesma interpretao, seriam desgovernados pela anomia.

Tais mquinas do segundo tipo descreveriam, voltando a metfora inicial, o comportamento de molculas que andam ao acaso nos compartimentos, ricocheteando em suas paredes, e acidentalmente cruzando uma porta aberta. Nessas mquinas anrquicas a entropia atinge o mximo.

Foi uma importante realizao terica Lvi-Strauss perceber que os dois tipos de mquina acima descritos fazem parte, essencialmente, de uma mesma famlia. Modelos Prescritivos (Mquinas conservadoras), Modelos com Preferncia (Mquinas Liberais) e Modelos Complexos (Mquinas anrquicas) no correspondem a esferas ontolgicas. Correspondem a distintos modos de descrever a uma mesma realidade.

Um modelo, recordando noes Lvi-Straussianas, no modela diretamente a realidade, e sim uma estrutura que captura esses invariantes.

Uma mquina poderia representar uma sria de observaes passadas, e como, em certo sentido, opera a anlise construda por Franoise Hrtier, seguindo uma sugesto de Lvi-Strauss, no com duas metades, mas com um nmero bem maior de compartimentos. Nesse caso, verificou-se que, a despeito da ausncia de regras mecnicas operando a curto prazo, um efeito global apareceu a longo prazo, na forma de um fechamento de ciclos de casamentos. Mas nada nos impede de considerar tais mquinas como representaes de sociedades cujos indivduos incluem estratgias e acaso no seu comportamento (como atores sociais nas teorias dos jogos de Neumann), sendo, contudo guiados por um vis que o que gera, a longo prazo, um cultura no espao genealgico.

Outro ponto: modelos mecnicos tornam-se com essa ressalva, casos particulares de mquinas markovianas. No caso em que, para cada classe X, h uma nica classe Y tal que a probabilidade de que X obtenha mulheres em Y igual a um (com a condio adicional de que duas classes no obtenham esposas na mesma classe), a matriz da mquina markoviana torna-se formalmente idntica a matriz da de uma permutao, no importando, se vista como registro de observaes ou como modelo mental. Ao longo do tempo todos os estados so discretos, igualmente possveis. Se pensarmos cada classe como um cor ,no caso dos modelos mecnicos, o mapa permaneceria com as cores inicias claramente distintas no caso oposto, ao longo prazo, as cores se dispersaro por todas as aldeias, e o mapa se tornar cinzento, por assim dizer.

H mquinas reversveis e mquinas irreversveis.

O que irreversibilidade? O modelo da caixa com duas metades fornece uma resposta. Digamos que o nmero de objetos seja igual a quatro. H dezesseis mundo possveis em que quatro objetos se distribuem por duas metades. Desses, apenas um corresponde distribuio inicial (pppp/-), e um distribuio inversa (-/pppp). Os modelos mecnicos so aqueles que ou mantm a distribuio inicial discreta, ou permitem a transio para a distribuio discreta inversa. Por outro lado, quatro mundos possveis correspondem a distribuio preferencial oposta (p/ppp) e seis mundos possveis correspondem a distribuio anrquica (PP/PP). A concluso que os estados discretos so os menos numerosos entre os mundos possveis. Mas se a mquina no tem restries ou preferncias, ela tender a passar por todos os mundos possveis, com igual freqncia. Como h mais mundos possveis desorganizados do que discretos, na maior parte do tempo o sistema um mundo desorganizado.

Essa a ideia bsica da irreversibilidade: sistemas de estados improvveis para estados mais provveis. Chamamos de entropia uma medida da probabilidade do estado em que o sistema se encontra. Podemos, ento, parafrasear o que acabou de ser dito da seguinte maneira: um sistema passa de estados de baixa entropia para estados de entropia alta.

A Existncia de tempo irreversvel exatamente tal passagem. Sente-se o tempo passar porque, exceto em intervalos fugazes chamados de flutuaes, a entropia aumenta se, assim, a existncia de mquinas reversveis, isto , mquinas que preservam alguma simetria, requer o congelamento da entropia, ou seja, a imobilizao do aumento da irreversibilidade. Sem essa violao no existiria vida nem cultura.

O fsico James Clerk Maxwell representou esse violo antropomorficamente como um demnio postado na porta de comunicao entre os dois compartimentos. O demnio, fecha ou abre a porta, dependendo do que v, em outras palavras, o demnio de Maxwell, guiado por informao, ele utiliza tal informao para preservar estados improvveis. Assim, pode fechar a porta na maioria das vezes em que um objeto procura escapar do compartimento A para o B, e abrir a porta na maioria dos casos em que um objeto procura voltar de B para A. Dessa forma, ele mantm o compartimento A marcado e o B no-marcado. Preservando assim um estado discreto e improvvel, o demnio impede o aumento da entropia. Demnios de Maxwell so mquinas de suprimir o tempo na nica forma pela qual sua direo reconhecvel: o aumento da desordem ou da entropia.

Podemos imaginar os demnios de Maxwell como uma variedade de mecanismos seja represso, conscincia coletiva, tradio, votao, constituies, regras, tabus, preferncias, mapas, estilos e cosmologia so demnios de Maxwell.

Uma mquina anti-entropia restringe o universo dos mundos possveis introduzindo restries no movimento de vai-e-vem de objetos, como ocorre precisamente com as regras de casamento e os tabus, em sociedades de pequena escala, ou como regras alfandegrias, sistema educacionais ou estilos, em sociedades de grande escala. Como na distribuio de vogais de poesia de Puskhin, que Markov primeiro estudou. Os demnios de Maxwell, regra como regra, vistos de maneira generalizada como uma classe de mquinas markovianas de entropia inferior a um, atuariam no apenas em domnios como o das estruturas elementares de troca, economia, linguagem, parentesco mas tambm no domnio generalizado de fronteiras culturais, na forma de mquinas classificatrias e tnicas. Trata-se de manter objetos nas mesmas caixas (endomquinas, que incluem as mquinas tnicas) ou de manter objetos em caixas diferentes (exomquinas, que incluem as mquinas de casamento). A natureza dos objetos no de fato invocada nos modelos, e sim sua distribuio. Assim, como na teoria da identidade tnica ps-lvi-straussiana, no so propriedades de objetos que atribuem a uma ou a outra caixa, e sim, por assim dizer, critrios polticos: seja a deciso de um grupo A, seja o conflito entre essa deciso e a deciso do Grupo B. Mas no queremos forar uma metfora. 6- De perto de longe

Se os demnios de Maxwell fossem perfeitamente eficientes a entropia poderia ser anulada. Mquinas perptuas seriam possveis, convertendo a diferena perptua em trabalho infindvel. Mas no fcil livrar-se do tempo. Wiener assim formulou o que acontece com um demnio de Maxwell: o Demnio s pode atuar aps receber informao, e a longo prazo recebe um grande nmero de pequenas impresses, at cair numa certa vertigem, e ficar incapacitado de claras percepes.

O prprio demnio parte do sistema que controla e est assim tambm sujeito a entropia. Com o tempo ele deixa de discriminar, como um porteiro bbado, por influencia da clientela com a qual est em continuo contato, e no mais capaz de vetar a entrada de fregueses indesejveis. Talvez por no serem capazes, impunemente, de obter informao, talvez por no serem capazes, sem custo, de se desfazerem da memria til acumulada em sculos, os demnios de Maxwell morrem enquanto demnios de Maxwell.

A durao de um demnio de Maxwell, se no eterna, pode ser prolongada, se realimentado de fora. como se seu discernimento tivesse que ser reforado pela entrada de energia e informao recriao simblica, troca com vizinhos, canais de comunicao com movimentos polticos externos (como em que fazer, de Lnin, em que a organizao proletria vem de fora. Passamos a admitir o carter ttico ou estratgico de mecanismos de estabilidade, jamais naturais.

Estruturas dissipativas, diz Prigogine, produzem organizao a partir de flutuaes caticas em sistemas que no esto em equilbrio. Mas essas mquinas anti-entrpicas s podem funcionar localmente por que alimentadas de energia por uma fonte exterior (o problema da sociedade moderna seria, digamos assim, ter eliminado o exterior que at agora era formado por um conjunto de universos cosmolgicos, sociolgicos, tecnolgicos e ecolgicos diversificados). Da metfora de um universo mecnico e global passamos a um universo markoviano e local para conservar a invarincia do primeiro em face da ameaa permanentemente e insidiosa da desordem. Conclumos, aps essa digresso sobre a dialtica simetria/assimetria, com o tema global/local. Aqui cabe falar numa geometria diferencial.

Um ciclista inclina suavemente o guido da bicicleta. O efeito a introduo de uma curvatura em sua trajetria. O ciclista precisa olhar para a sua vizinhana, para um mapa local. Ele precisa tambm passar continuamente para novos mapas em vizinhanas novas. Ele pode descrever um crculo, em certas condies, e poderamos fornecer ento um modelo global da trajetria como todos os pontos eqidistantes do centro. O ciclista, porm, no olha para o centro (se o fizesse, provavelmente cairia da bicicleta): esse modelo global nosso, e no dele. Nada garante que a curvatura imprimida a cada momento resultar no crculo geomtrico.

A passagem do local para o global simples em situaes em que o espao apresenta uma curvatura constante localmente (como num crculo, em que todo ponto possui uma vizinhana identicamente curvada). Mas se trata justamente de saber, a partir de um fato local, se vale uma propriedade global. O espao pode ser irregular; ou pode ser impossvel apreende-lo em forma global. A segunda edio de Estruturas elementares do parentesco, Lvi-Strauss retoma argumentos que na primeira eram expressos em forma global e indicam como podem ser reformulado como argumentos de passagem do local para o global: passagem que, agora, problemtica. Uma propriedade global leva univocamente a propriedades locais, mas para que possamos passar de uma propriedade local (mesmo que ela seja vlida em toda parte) a um propriedade global, preciso pressupor propriedades do espao, como conectividade e capacidade. Aes de poder e de manipulao deformam a geometria na vizinhana imediata. Assoma importncia, ento, as estratgias aleatrias e individuais que, embora, subordinadas a regras do jogo que prescrevem um conjunto finito de jogadas possveis, podem ampliar flutuaes imperceptveis, transformando-as em casas reais e genealogias cognticas que lutam contra o azar localmente, em processos estruturantes que evocam o fenmeno das estruturas dissipativas que Prigogine estuda.

objeto das pesquisas mais recentes de Lvi-Strauss. Nada impede que estratgias mistas possam ocorrer aqui (emprestando a terminologia da teoria dos jogos), casa em que se pode prever apenas que vrias regras estaro em superposio, embora empiricamente a observao mostra sempre uma regra singular. Se pensarmos, a formao de formigueiros a partir de fenmenos locais, como no exemplo dado por Prigogine, no podemos evitar a comparao com o sistema de casamentos de sociedades indgenas das florestas sul-americanas, nos quais o fenmeno da superposio de estados pode explicar ao mesmo tempo a existncia de vrios modelos de casamento simultneos (indo da endogamia ao casamento por rapto; passando pela troca simtrica), e grupos locais em que cada um, flutuante e instvel, trata seu entrono como fonte de matria e transformao para, longe do equilbrio, convert-lo em ordem e continuidade internas: canibalismo estruturante.

Mitos se reencontram como partculas agregadas em nebulosas num cu estrelado. S vemos aquelas poeiras mticas de nossa vizinhana, e devemos nos contentar em entender tendncias que operam localmente, infletindo o espao mtico, e apontando para o fato de que talvez seja afinal visvel como um todo apenas para um observador virtual situado num ponto no infinito. A anlise de mitos necessariamente local. Prigogine tem razo acerca do estruturalismo Lvi-straussiano: nele ordem e acaso, simetria e entropia, interpenetram-se.

Tambm utopias mudam de natureza: restariam ento, no lugar de utopias globais do sculo XIX, utopias locais, microestruturas, estticos simblicas realimentadas por uma dialtica interior/exterior; sem garantia de permanncia.

A simetria fundamental no pensamento de Lvi-Strauss, mas a simetria existe, por assim dizer, para ser quebrada. A simetria temporal e quebrada primeiramente pela interveno de uma flecha temporal na forma de entropia. Essa primeira quebra de simetria tem como conseqncia uma segunda quebra de simetria entre o global e o local. Mas possvel dizer aqui das investigaes de Lvi-Strauss. Aquilo que ele disse da msica. Onde esperamos simetria, encontramos desordem. Terminamos assim com Blake. A contradio entre a simetria e o fogo que queima nas florestas da noite no pode ser abolida.