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Estudo monográfico. Retrato de jovem. Estúdio de Rembrandt. Samuel van Hoogstraten.

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Notas complementares

Notas complementaresIBruyn incluiu a pintura de Detroit (Mulher em pranto) na categoria de pequenas cabeas (tronies), que foram durante muito tempo consideradas estudos preparatrios da mo de Rembrandt. Todos estes trabalhos, na opinio de Bruyn, poderiam ser desatribudos a Rembrandt talvez porque todos lhe pareceram proceder de mos diferentes. A alegao implcita para esta assero a de que Rembrandt nunca fez estudos preliminares pintados a leo para as suas pinturas de temas histricos nem para quaisquer outras. Tal concluso cairia em qualquer momento, uma vez que entre as pinturas de Rembrandt constam pinturas que foram entretanto aceites como obras autgrafas e que podem ser associadas e directamente ligadas a pinturas de temas histricos de sua autoria. No entanto, ainda hoje em dia recomendado que as pinturas desatribudas como um todo por Bruyn devem ser investigadas uma por uma, sobretudo porque podem no ter sido pintadas como estudos preliminares. Esta recomendao aplica-se a Mulher em pranto de Detroit.Quando em 1991 Bruyn desatribuu esta pintura juntamente com todo o grupo de pequenas cabeas repetia a sua primeira conjectura, publicada em 1988, de que Samuel van Hoogstraten poderia ter sido o seu autor.Os argumentos de Bruyn para essa atribuio eram os seguintes. Primeiro ele acreditava em que a pintura de Detroit era da mesma mo que pintara a Rapariga com colar vermelho do Metropolitan Museum, New York. Ele argumentava ento que via nesta ltima a mesma mo que pintara o suposto auto retrato de Samuel Hoogstraten de 1644, a cabea de um jovem no Museu Bredius em Haia, com o monograma SvH e a data 16(4)4. Tendo em vista o monograma e a data, de facto provvel que esta ltima pintura seja uma obra do jovem de dezassete anos Samuel Hoogstraten e possivelmente um auto retrato. Tomando estes argumentos como premissas, atravs de uma inferncia de uma para a outra, Bruyn pensou que podia atribuir a pintura de Detroit a Samuel Hoogstraten, atribuio que foi em geral bem aceite. A premissas de Bruyn para este argumento esto todavia longe de nos convencer.Em primeiro lugar, as diferenas na execuo e na qualidade entre o estudo de Detroit e a Rapariga com colar vermelho so to significativas que cada uma exclui a outra da hiptese de ter sido pintada pela mesma mo. Como o prprio Bruyn reconhece, a pintura do Metropolitan caracteriza-se por um trao rebuscado. Enquanto ele considera que esta caracterstica difere apenas no grau ou estdio de acabamento com o trao subtil da luz pastosa na pintura de Detroit, a diferena de facto fundamental.()

Estas diferenas fundamentais na execuo tornam a primeira premissa de Bruyn a associao proposta entre o estudo de Detroit e Rapariga com colar vermelho do Metropolitan indefensvel. A sua segunda proposta, a associao entre a Rapariga com colar vermelho e o auto retrato de Van Hoogstraten no Museu Bredius, torna-se pois mais ou menos irrelevante, mas, em qualquer caso, altamente duvidosa. Est absolutamente fora de questo qualquer associao tcnica ou estilstica entre a Mulher em pranto e o auto retrato no Museu Bredius. Comparado com o estudo de Detroit, o trabalho do jovem Hoogstraten grosseiro em ambos os aspectos, forma e execuo, e primitivo no tratamento da luz.Devemos ser claros sobre o assunto, no encontramos razes para a atribuio da pintura de Detroit a Van Hoogstraten.

()

Enst van de Wetering, A Corpus of Rembrandt Paintings, V The small-scale history paintings, Rembrandt Research Project, SPRINGER, London, 2010.

Suposto auto retrato de Samuel van Hoogstraten.

Bredius Museum.

Rembrandt van Rijn, Mulher em pranto. Detroit Institute of Arts.

Discpulo de Rembrandt van Rijn. Rapariga com colar vermelho, Metropolitan Museum of New York.O extracto transcrito em cima parte do comentrio de Ernst van de Wetering pintura Cristo e a mulher adltera, na National Gallery de Londres.

Devemos notar, desde j, que o propsito de todo o comentrio de Van de Wetering parece ter como propsito a reatribuio desta pintura a Rembrandt, bem como de Mulher em pranto do Detroit Institute.Para o leitor menos familiarizado com o itinerrio da crtica de arte quando se debate com matrias to complexas como a constituio analtica de uma obra e o estabelecimento do corpus atribuvel a um autor, nomeadamente as polmicas relativas a atribuies e desatribuies, a associao entre as trs pinturas referidas com a obra em anlise por Van de Wetering poder parecer inslita.

verdade que a associao no foi sugerida por Van de Wetering mas por Bruyn, mas Van de Wetering manifesta-se inesperadamente refm do itinerrio analtico de Bruyn. sem dvida inslito que Bruyn tenha associado o suposto auto retrato de Samuel van Hoogstraten exuberante pintura da National Gallery, A mulher adltera.Aps detalhada e rigorosa confrontao analtica entre as trs pinturas, o auto retrato, a Rapariga com colar vermelho do Metropolitan e a Mulher em pranto de Detroit, eu suspeito de que a intuio de Bruyn foi conduzida pelas aluses fisionmicas, que so, de facto, o nico tpico relevante que as pode associar.O que vamos sugerir comporta riscos, alguns mesmo de heterodoxia. Trata-se de sugerir que a fisionomia de certo modo andrgina do jovem Hoogstraten pode ter servido de modelo para duas efgies ou tronies femininas, a Mulher em pranto de Detroit e a Rapariga com colar vermelho do Metropolitan.Assumindo que o suposto auto retrato de Hoogstraten seja mesmo o retrato do jovem pintor, importa neste passo repescar para o itinerrio desta nossa anlise um outro suposto retrato ou auto retrato de Hoogstraten, o que pertence ao Museu Liechtenstein em Viena.

Parecer-me-ia legtimo se algum discordasse de que o retratado na pintura do Museu Bredius o mesmo retratado na pintura do Museu Liechtenstein, embora possamos estar equivocados pelas caractersticas tcnicas e estilsticas que as distinguem. Mas parece-me difcil rejeitar a ideia de que o modelo para o retrato feminino Rapariga com colar vermelho do Metropolitan o mesmo que para o suposto auto retrato do Museu Liechtenstein, ressalvando o gnero, expresso quase exclusivamente nos adereos e no toucado da rapariga.

O modelo de Mulher em pranto aparenta idade mais madura e talvez um endurecimento das linhas estruturantes, aproximando-se mais do retrato do Museu Bredius.

Ora, o Museu Bredius conserva outro retrato, correntemente atribudo a Hoogstraten e dado como auto retrato, embora o Museu o apresente agora como Retrato de um pintor, esclarecendo em nota de comentrio: Outrora tambm considerado um auto retrato (de Van Hoogstraten), mas o modelo no se parece em nada com o anterior nem similar em estilo e tcnica.

Sem dvida, no similar em estilo e tcnica, mas similar fisionomicamente aos dois auto retratos, o do Museu Liechtenstein e o do Bredius, bem como Mulher em pranto, tendo em considerao uma significativa diferena de idade.

Curiosamente, do ponto de vista do estilo e da tcnica, bem como do detalhe de execuo dos traos fisionmicos, particularmente similar a este que agora adicionamos ao universo constitudo por Bruyn.

Ao universo insolitamente constitudo por Bruyn com as pinturas de Detroit, de Haia (Bredius) e de Viena (Liechtenstein) adicionamos pois duas pinturas, uma em que Bruyn, se o conhecia, no reconhecia a similaridade fisionmica, o Retrato de um pintor do Museu Bredius, outra que com toda a certeza no conhecia, porque s agora se revela.

sem dvida notvel, embora inslito, que Bruyn tenha associado duas efgies (tronies) femininas ao suposto auto retrato de Samuel van Hoogstraten no Museu Bredius, aparentemente sem outra razo que no fosse a intuio de estarmos em presena de bvias similaridades fisionmicas, ressalvada a diferena de gnero.Estamos pois agora face a novos dilemas. Quem seria este modelo e a quem pertencia este rosto sucessivamente pintado no crculo dos discpulos de Rembrandt? A Samuel van Hoogstraten?

De que forma cada um dos discpulos de Rembrandt foi utilizado, em diversos contextos temticos, como modelo e em que circunstncias?

Como podemos com segurana caracterizar o estilo e a maturidade de Samuel van Hoogstraten antes da sua autonomia artstica, enquanto discpulo de Rembrandt, antes de iniciar o seu prprio itinerrio e de se fixar na sua identidade temtica?

Ernst van de Wetering assumiu em 1993 o encargo de prosseguir o Rembrandt Research Project no contexto de intensas polmicas sobre a orientao drstica que lhe haviam dado os seus fundadores, Bob Haak, Josua Bruyn, Jan van Gelder, Jan Emmens, Simon Levie, e Pieter van Thiel, cujo severo juzo tinha resultado na reviso redutora da obra.Van de Wetering, cujo propsito, como claramente consta na Introduo ao ltimo Volume do Corpus, era o de sujeitar a novas perspectivas crticas as desatribuies dos seus predecessores e reincorporar muitas obras rejeitadas, ser j o coordenador do IV Volume (2005) dedicado aos auto retratos e do V (2010) dedicado s figuras de reduzida escala nas pinturas de temas narrativos.Na Introduo ao Volume VI, uma abordagem global de reviso, Van de Wetering anuncia assim o seu propsito:

Na qualidade de ltimo membro deste grupo (RRP) ainda activo, eu encerro-o com um novo volume que contm todas as pinturas de que, na minha convico, Rembrandt foi autor ou co-autor.Divide ento o Volume em trs seces estruturantes.1. Pinturas no abordadas nos volumes anteriores.

2. Reapreciao das obras desatribudas nos volumes I, II e III.

3. Pinturas descobertas ou redescobertas.

Como era de esperar, se a reduo drstica do Corpus de Rembrandt operada pelos fundadores do Rembrandt Research Project nos trs primeiros volumes do Corpus expandira generosamente o corpus das obras atribuveis ao estdio, discpulos e seguidores do mestre, a interveno de Van de Wetering, ao expandir o corpus de Rembrandt, reduziria tambm o dos seus discpulos, de forma a que se torna mais difcil hoje caracterizar a obra destes no perodo de aprendizagem e imediatamente seguinte.Para um observador estranho ao projecto, equidistante na avaliao da perspectiva e dos pontos de vista mais contenciosos, o que parece de notar que, apesar da extensa parafernlia de meios tecnologicamente inovadores mobilizados na documentao nos ltimos volumes do Corpus, os juzos continuam a fundamentar-se em apreciaes de carcter subjectivo acerca do estilo, da qualidade da execuo, do tratamento da luz, da textura da pincelada.Aps a publicao do ltimo volume do Corpus, mau grado o esforo exaustivo de rigor que Van de Wetering tentou imprimir crtica, ficam sem dvida por apurar os critrios que nos permitam distinguir com maior rigor as obras do mestre das obras dos seus discpulos.

Mas a verdade que o itinerrio de um raciocnio solidamente implantado na intuio, ainda que inslito, nos pode abrir caminhos inesperados, como este de Josua Bruyn.Embora a um leigo possa parecer por vezes que Rembrandt inventou uns discpulos para partilharem a sua obra e tornarem mais rdua a tarefa dos crticos e historiadores de arte.

Manuel de Castro Nunes