nota históricaimg.travessa.com.br/.../quinto_evangelho_o-9788501106919.pdf7 nota histórica há...

10
7 Nota Histórica Há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo. São Pedro viajou até Roma e tornou-se o fun- dador simbólico do cristianismo ocidental. Seu irmão, Santo André, viajou até a Grécia e se tornou o fundador simbólico do cristianismo oriental. Por séculos, a igreja que eles ajudaram a criar permaneceu uma única instituição. Há mil anos, porém, houve uma separação. Os cristãos ocidentais passaram a ser denominados católicos, guiados pelo sucessor de São Pedro, o papa. Os cristãos orientais tornaram- -se os ortodoxos, liderados pelos sucessores de Santo André e outros apóstolos, conhecidos como patriarcas. Hoje, estas são as maiores comunidades cristãs do mundo. Entre as duas existe um pequeno grupo, os chamados católicos orientais, que segue as tradições orien- tais e, ao mesmo tempo, obedece ao papa, confundindo assim todas as definições. Este romance passa-se em 2004, quando o papa João Paulo II, pouco antes de morrer, expressou um último desejo: reunificar as igrejas Católica e Ortodoxa. Esta é a história de dois irmãos, ambos sacerdotes da Igreja Católica, mas um da igreja ocidental, e o outro, da oriental.

Upload: others

Post on 11-Jul-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

7

Nota Histórica

há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo. São Pedro viajou até roma e tornou-se o fun-dador simbólico do cristianismo ocidental. Seu irmão, Santo andré, viajou até a Grécia e se tornou o fundador simbólico do cristianismo oriental. Por séculos, a igreja que eles ajudaram a criar permaneceu uma única instituição. há mil anos, porém, houve uma separação. os cristãos ocidentais passaram a ser denominados católicos, guiados pelo sucessor de São Pedro, o papa. os cristãos orientais tornaram--se os ortodoxos, liderados pelos sucessores de Santo andré e outros apóstolos, conhecidos como patriarcas. hoje, estas são as maiores comunidades cristãs do mundo. Entre as duas existe um pequeno grupo, os chamados católicos orientais, que segue as tradições orien-tais e, ao mesmo tempo, obedece ao papa, confundindo assim todas as definições.

Este romance passa-se em 2004, quando o papa João Paulo ii, pouco antes de morrer, expressou um último desejo: reunificar as igrejas Católica e ortodoxa. Esta é a história de dois irmãos, ambos sacerdotes da igreja Católica, mas um da igreja ocidental, e o outro, da oriental.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 7 23/5/2016 14:50:52

Page 2: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

9

Prólogo

Meu filho é jovem demais para entender o perdão. a infância passada em roma deixou nele a impressão de que esse ato é fácil demais: filas de desconhecidos em frente aos confessionários da Basílica de São Pedro, aguardando a vez de se confessar, a luz vermelha das cabines acendendo e apagando para avisar que o padre terminou com um pecador e está pronto para o próximo. as consciências se sujam menos que quartos e pratos, pensa meu filho, já que levam muito menos tempo para ficarem limpas. as-sim, sempre que enche demais a banheira, ou deixa brinquedos espalhados pelo chão, ou chega da escola com a calça enlameada, Peter pede perdão. Ele distribui pedidos de desculpas como um papa distribui bênçãos. ainda faltam dois anos para sua primeira confissão. E por um bom motivo.

nenhuma criança pequena é capaz de compreender o que é o pecado. a culpa. a absolvição. Um padre pode perdoar um estranho com tanta rapidez que um garoto não consegue imaginar como será difícil perdoar seus próprios inimigos um dia. ou mesmo aqueles que ele ama. nem passa pela cabeça dele que um homem bom possa, por vezes, julgar impossível perdoar a si mesmo. os erros mais abo-mináveis são passíveis de perdão, mas jamais serão desfeitos. Espero que meu filho se conserve sempre alheio a esse tipo de pecado, muito mais do que eu e meu irmão nos conservamos.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 9 23/5/2016 14:50:52

Page 3: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

10

nasci para ser padre. Meu tio é padre, assim como meu irmão mais velho, Simon; e um dia, espero, Peter será também. Já não consigo me lembrar de quando vivia fora do vaticano. E, para Peter, isso nunca aconteceu.

Existem dois vaticanos aos olhos do mundo. Um deles é o lugar mais belo do mundo: templo da arte e museu da fé. o outro é a insti-tuição essencialmente masculina do catolicismo, um país de velhos sacerdotes que mantêm o dedo eternamente em riste. Parece impossí-vel um garoto ter sido criado em um desses dois lugares. no entanto, nosso país sempre esteve repleto de crianças. Todos têm filhos: os jardineiros do papa, os operários do papa, os oficiais da Guarda Suíça. Quando eu era criança, João Paulo era defensor do salário mínimo, então concedia um aumento para cada nova boca que uma família tivesse de alimentar. nós brincávamos de esconde-esconde em seus jardins, jogávamos futebol com seus coroinhas e pinball na sala que ficava em cima da sacristia de sua basílica. Contra a nossa vontade, íamos ao supermercado e à loja de departamentos do vaticano com nossas mães, e ao posto de gasolina e ao banco do vaticano com nos-sos pais. nosso país era pouco maior que um campo de golfe, mas fazíamos tudo o que a maioria das crianças fazia. Simon e eu éramos felizes. normais. não nos diferenciávamos dos outros garotos do vaticano, exceto por um ponto: nosso pai era um sacerdote.

Papai era integrante da igreja Católica Grega, não da apostólica romana, por isso tinha uma longa barba, vestia uma batina diferente, celebrava algo chamado divina liturgia em vez de missa e teve per-missão para se casar antes da ordenação. Ele gostava de dizer que nós, católicos orientais, éramos os embaixadores de deus, intermediários capazes de ajudar a unir novamente os católicos e os ortodoxos. na realidade, porém, ser um católico oriental era como ser um refugiado na fronteira entre duas superpotências inimigas. nosso pai procu-rava ocultar o fardo que isso era para ele. a igreja Católica tem um bilhão de fiéis mundo afora, mas os gregos, como nós, são apenas alguns milhares. logo, ele era o único sacerdote casado em um país

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 10 23/5/2016 14:50:52

Page 4: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

11

comandado por celibatários. Por trinta anos, os demais sacerdotes olhavam-no de nariz empinado enquanto ele trabalhava arduamente. apenas no fim de sua carreira foi que ele conseguiu uma promoção, e do tipo que vinha com um par de asas e uma harpa.

Minha mãe morreu pouco depois. Câncer, disseram os médicos, mas eles não entendiam. Meus pais se conheceram nos anos 1960, naquele piscar de olhos em que tudo parecia possível. os dois dança-vam no nosso apartamento. Tendo sobrevivido a tempos irreverentes, ainda rezavam juntos com fervor. a família da minha mãe era católica romana e, por mais de um século, produzira padres que galgaram os degraus do poder no vaticano. assim, quando ela se casou com um católico oriental, seus familiares a renegaram. depois da morte de papai, ela me disse que era estranho continuar tendo mãos quando não havia mais ninguém para segurá-las. Eu e Simon a enterramos ao lado do nosso pai, atrás da igreja paroquial do vaticano. não me lembro de quase nada dessa época, apenas de matar aula todos os dias para ficar sentado no cemitério com os braços em torno dos joelhos, chorando. depois, Simon aparecia e me levava para casa.

Como ainda éramos adolescentes, fomos deixados aos cuidados do nosso tio, um cardeal. a melhor maneira de descrever o tio lucio é dizer que ele tinha um coração de menino, o qual conservava num pote de vidro ao lado da dentadura. Como um dos cardeais-presi-dentes do vaticano, lucio havia dedicado os melhores anos de sua vida ao esforço de equilibrar o orçamento do país e de evitar que os funcionários públicos formassem um sindicato. Em matéria de eco-nomia, opunha-se à ideia de recompensar as famílias por terem mais filhos; assim, mesmo ele tendo tido tempo de criar os filhos órfãos da irmã, provavelmente teria votado contra essa proposta por questão de princípios. dessa forma, ele não apresentou objeção quando Simon e eu nos mudamos de volta para a casa dos nossos pais e decidimos cuidar de nós mesmos.

Como eu era jovem demais para trabalhar, Simon trancou a fa-culdade por um ano e arranjou um emprego. nenhum de nós sabia

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 11 23/5/2016 14:50:52

Page 5: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

12

cozinhar, costurar ou consertar o encanamento do banheiro, então Simon aprendeu a fazer tudo isso sozinho. Era ele quem me acordava para ir à escola e me dava dinheiro para o almoço. Também comprava roupas e fazia comida para mim. Foi graças a ele, exclusivamente, que aprendi a arte de ser coroinha. Todo menino católico, nas piores noites de sua vida, vai dormir pensando se animais como nós são verdadeiramente dignos do barro com que deus nos fez. Mas para a minha vida, para o meu vale das sombras, deus enviou Simon. nós não sobrevivemos à infância juntos. Ele sobreviveu e me carregou nas costas. nunca deixei de sentir que a minha dívida com meu irmão era tão grande que nunca poderia ser paga, apenas perdoada. Qualquer coisa que eu pudesse ter feito por ele, eu teria feito.

Qualquer coisa.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 12 23/5/2016 14:50:52

Page 6: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

13

Capítulo 1

— o tio Simon está atrasado? — pergunta Peter.nossa governanta, a irmã helena, deve estar se perguntando a

mesma coisa ao observar na frigideira o peixe do jantar passar do ponto. Já se passaram dez minutos da hora que meu irmão disse que chegaria.

— não se preocupe com isso — respondo. — Me ajude a colocar a mesa.

Peter me ignora. depois sobe na cadeira e, de joelhos, anuncia:— vou ver um filme com o Simon, depois vou mostrar pra ele o

elefante no Bioparco, e depois ele vai me ensinar a dar um giro 360.diante do fogão, irmã helena improvisa um movimento com os

pés, achando que o tal giro 360 é algum passo de dança. Peter fica horrorizado. levantando uma das mãos, assume a postura de um mago que realiza um feitiço e retruca:

— não! É um drible! Como o do Ronaldo.Simon vem da Turquia para roma de avião, para visitar uma ex-

posição de arte cujo curador é um dos nossos amigos em comum, Ugo nogara. Eu não teria conseguido convite para a noite de abertura do evento, daqui a quase uma semana, se não tivesse trabalhado com Ugo. neste instante, porém, vivemos no mundo de um garoto de 5 anos, e o tio Simon veio para casa dar aulas de futebol.

— há mais coisas na vida do que chutar uma bola — observa a irmã helena.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 13 23/5/2016 14:50:52

Page 7: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

14

Ser a voz feminina da razão é uma das responsabilidades que ela assumiu. Quando Peter tinha 11 meses, minha mulher, Mona, nos deixou. desde então, essa admirável freira idosa tornou-se o motor que me faz funcionar como pai. Trata-se de um empréstimo do tio lucio, que conta com um exército de freiras à sua disposição, e mal consigo imaginar o que faria sem ela, pois não tenho como pagar nem o salário que uma adolescente sensata esperaria receber. Para minha sorte, a irmã helena não abandonaria Peter por nada nesse mundo.

Meu filho entra em seu quarto, volta segurando o despertador digital e, com a franqueza que puxou da mãe, coloca o aparelho em cima da mesa, diante de mim, e aponta.

— Querido, o trem do padre Simon deve estar atrasado, só isso — garante a irmã helena.

o trem. não o tio. Pois Peter teria problemas para entender que Simon, às vezes, esquece o dinheiro da passagem ou perde a noção do tempo ao conversar com estranhos. Mona não concordou em dar o nome dele ao nosso filho porque o considerava imprevisível. E, embora meu irmão tenha o cargo mais prestigioso com que um jovem padre poderia sonhar — diplomata da Secretaria de Estado da Santa Sé, a elite da burocracia católica —, a verdade é que o trabalho extenuante, para ele, é uma necessidade. assim como os outros homens do lado materno da nossa família, Simon é sacerdote da igreja Católica apostólica romana. isso quer dizer que jamais se casará ou terá filhos. Porém, ao contrário de muitos clérigos do vaticano que nasceram para o estudo e o sedentarismo, ele tem uma alma inquieta. Mona queria que nosso filho tivesse o temperamento leal, tranquilo e agradável do pai. Então, fizemos um acordo para escolher o nome: nos evangelhos, Jesus encontra um pescador cha-mado Simão e muda o nome dele para Pedro. E assim decidimos mudar de Simon para Peter.

Pego o celular e envio uma mensagem de texto a Simon: Você está chegando? Enquanto isso, Peter inspeciona o conteúdo da frigideira da irmã helena.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 14 23/5/2016 14:50:53

Page 8: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

15

— Pescada é um peixe — comenta sem motivo aparente. Ele está na fase de classificar as coisas. além disso, detesta peixe.

— Simon adora pescada — retruco. — Comíamos muito quando éramos crianças.

na verdade, quando Simon e eu comíamos peixe, era bacalhau, mas o rendimento de um sacerdote solteiro só permite que ele compre pescada. além do mais, como Mona frequentemente me lembrava ao planejar refeições como esta, meu irmão é muito maior que qualquer outro sacerdote do vaticano e come por dois.

Mona tem habitado meus pensamentos com mais frequência que o normal. a chegada do meu irmão sempre parece trazer o fantasma da partida da minha mulher. os dois são os polos magnéticos da minha vida, um sempre à sombra do outro. Mona e eu nos conhecemos ainda crianças dentro dos muros do vaticano. Quando nos reencontramos em roma, aquilo pareceu a vontade de deus. vimo-nos, porém, diante de um problema operacional — os padres da igreja Católica oriental precisam se casar antes da ordenação, de outro modo não podem mais contrair matrimônio —, e hoje, olhando em retrospectiva, acho que ela precisava de mais tempo para se preparar. Se a vida de uma mulher no vaticano já é difícil, a de mulher de sacerdote é ainda mais complicada. Mona continuou trabalhando em tempo integral até quase o dia em que deu à luz o nosso bebê de olhos azuis, que tinha uma fome de tubarão e dormia menos que um. Mona amamentava com tanta frequência que eu sempre encontrava a geladeira vazia, após ela atacá-la para repor as energias.

Só depois as coisas começaram a ficar mais claras. a geladeira ficava vazia porque Mona tinha parado de ir ao supermercado. Eu não percebi isso porque ela também havia desistido de se alimentar em horários regulares. Já não rezava tanto. E cantava ainda menos para Peter. En-tão, três semanas antes do primeiro aniversário do nosso filho, Mona desapareceu. Encontrei um frasco de comprimidos escondido embaixo de uma caneca no fundo de um armário. Um médico do Serviço de Saúde do vaticano me disse que ela vinha tentando se livrar sozinha

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 15 23/5/2016 14:50:53

Page 9: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

16

de uma depressão e que não devíamos perder as esperanças. Então, Peter e eu ficamos esperando sua volta. Esperamos e esperamos.

hoje, meu filho jura de pés juntos que se lembra da mãe. Suas recordações, no entanto, foram construídas com base em fotografias espalhadas pelo apartamento. Ele completa os detalhes com infor-mações colhidas em programas de Tv e anúncios de revistas. ainda não notou que as mulheres da nossa igreja católica oriental não usam batom nem perfume. lamentavelmente, sua experiência eclesial é quase idêntica à de um católico romano: quando olha para mim, o que ele vê é um padre solteiro, solitário e celibatário. as contradições de sua identidade ainda estão por vir. Mas Peter sempre inclui o nome da mãe em suas orações, e as pessoas me contam que João Paulo se comportava de maneira semelhante depois que perdeu a sua, ainda novo. Esse pensamento me conforta.

o telefone toca, finalmente. irmã helena sorri, e eu corro para atendê-lo.

— alô.Peter me observa, ansioso.Espero ouvir os sons de uma estação de metrô ou, no pior dos

cenários, de um aeroporto. Mas não é isso que escuto. a voz do outro lado da linha é débil. distante.

— Sy? — pergunto. — É você?Ele não parece escutar. a ligação está horrível. Tomo isso como

indício de que ele está mais perto de casa do que eu esperava. É difícil conseguir sinal no vaticano.

— alex — ouço-o dizer.— Sim?Ele fala novamente, mas a estática toma conta de tudo. ocorre-

-me que, em vez de vir direto, ele pode ter passado pelos Museus do vaticano para ver Ugo nogara, que está sob enorme pressão para terminar os preparativos de sua grande exposição. Eu jamais diria isso a Peter, mas seria típico do meu irmão arranjar uma alma para confortar a caminho de casa.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 16 23/5/2016 14:50:53

Page 10: Nota Históricaimg.travessa.com.br/.../QUINTO_EVANGELHO_O-9788501106919.pdf7 Nota Histórica há dois mil anos, dois irmãos partiram da Terra Santa para propagar o Evangelho de Cristo

17

— Sy — repito —, você está nos museus?na mesa de jantar, o suspense está matando Peter.— Ele está com o Sr. nogara? — cochicha com a irmã helena.Mas, do outro lado da linha, alguma coisa muda. ouço um silvo

repentino que me parece um sopro de vento. Ele está ao ar livre. E, pelo menos aqui em roma, está caindo uma tempestade.

Por um momento, a ligação melhora.— alex, preciso que você venha me buscar.Seu tom de voz me faz sentir um formigamento desconfortável

na nuca.— o que foi? — pergunto.— Estou em Castel Gandolfo. nos jardins.— não entendi. Por que você está aí?o vento sopra novamente, e o telefone emite um som estranho.

Parece meu irmão gemendo.— Por favor, alex. venha agora. Estou... Estou perto do portão

leste, abaixo da residência de veraneio do papa. você precisa chegar aqui antes da polícia.

Meu filho, imóvel, me fita com olhos arregalados. observo o guar-danapo de papel cair do colo dele e voar pelos ares como o solidéu do papa levado por uma rajada de vento. irmã helena também assiste à cena.

— não saia daí — digo a Simon.viro-me e saio rapidamente para Peter não ver a expressão que eu,

sem dúvida, trago nos olhos. Porque na voz de meu irmão há algo que eu não me lembro de ter ouvido antes. Medo.

R3890-01(FICÇÃO ESTRANGEIRA)CS5.indd 17 23/5/2016 14:50:53