nossos repórteres encaram a primeira travessia de … de valdemir cunha 85976_canastra_g402_carlos...

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TERRA Ano 15 N o 182 Junho / 2007 + Serra da Canastra + Bonete Chico + Sikkim + Garimpo no Rio Juma +Dráuzio Varella Junho 2007 N o 182 R$ 9,90 Portugal 2,50 OS CAMINHOS DA SIKKIM SERRA DA CANASTRA Uma viagem aos mistérios do antigo reino budista do Himalaia AVENTURA + EXPEDIÇÃO + NATUREZA Nossos repórteres encaram a primeira travessia de balão da A febre que arrasta milhares ao Rio Juma, na Amazônia É OURO! TENSÃO NOS ANDES O pesadelo de três alpinistas na reta final do Bonete Chico As pesquisas e histórias do Rio Negro, recolhidas por DRÁUZIO VARELLA Luís Patriani [email protected]

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TER

RA

Ano 15 N

o 182 Junho / 2007+ Serra da C

anastra + Bonete Chico + Sikkim

+ Garim

po no Rio Juma +D

ráuzio Varella

Junho 2007 No 182 R$ 9,90

Portugal € 2,50

OS CAMINHOS DA

SIKKIM

SERRA DA CANASTRA

Uma viagem aos mistérios do antigo reino budista do Himalaia

AVENTURA + EXPEDIÇÃO + NATUREZA

Nossos repórteres encaram a primeira travessia de balão da

A febre que arrasta milhares ao Rio Juma, na AmazôniaÉ OURO!

TENSÃO NOS ANDES O pesadelo de três alpinistasna reta final do Bonete Chico

As pesquisase históriasdo Rio Negro,recolhidas porDRÁUZIO VARELLA

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A O S A B O R D

da colisão com paredões de pedra: houve de tudo

pousar num vale apertado entre montanhas, escapar

Decolar no último instante possível,

nesta travessia pioneira de balão na Serra d

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D O V E N T O

POR LUÍS PATRIANIFOTOS DE VALDEMIR CUNHA da Canastra, em Minas Gerais

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e um maçarico. O vôo é sempre um trabalho de equipe

ar quente, com a ajuda de um enorme ventilador

a direção dos ventos, o balão é inflado com

Enquanto bexigas de hélio investigam

A grande lona quedá forma ao balãoé conhecida comoenvelope. É a diferençade temperaturaentre o ar internoe o externo que faz obalão subir ou descer.Já os movimentoslaterais são definidospelos ventos

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O sol mal começa a raiar no altoda fria Serra da Canastra, emMinas Gerais, enquanto cin-co pessoas acompanhamatentas os movimentos de

uma pequena bexiga vermelha, inflada com gáshélio. O balãozinho sobe rápido e segue resolu-to para o norte, contra a expectativa do grupo.

A brincadeira é séria. A bexiga está ali pararevelar a trajetória do vento, informação indis-pensável antes da decolagem de um balão. Eas rajadas insistem em soprar num sentido quenão é do agrado do experiente balonista FeodorNenov. “Se levantarmos vôo agora, em poucosminutos estaremos fora da área do parque”,

esclarece o piloto, que aceitou nosso desafiode fazer a primeira travessia de balão do Par-que Nacional da Serra da Canastra.

Também não é possível esperar muito. Jásão 7h13, e Feodor avisa que voar de balãoapós as 8 horas da manhã pode ser bem peri-goso. À medida que a temperatura externaaumenta, o balão perde a navegabilidade, eleexplica. O vôo, portanto, fica cada vez menosprevisível, o que é só uma maneira mais bran-da de dizer que ele se torna mais arriscado (vejaquadro). Com mais de 15 anos de experiêncianas costas, o piloto sabe que precisa escolherrápido um local de partida. O objetivo é cru-zar a região e seus imensos cânions na trans-

que ser rápidos: depois das 8 da manhã, não se voado outro lado do parque. Mas tínhamoscontrário, nossa única chance era decolarComo o vento soprava no sentido

A bexiga de gás héliomostra os caminhosdo vento: sem essainformação, balonistanenhum pode decolar

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versal, passando pela bela Casca d’Anta, a ca-choeira que despenca de 186 metros logo notrecho inicial do Rio São Francisco.

Feodor se debruça sobre o mapa com ascoordenadas da Canastra. Escolhe um pontoalternativo de decolagem a uns 7 quilômetrosdali, ao lado da estrada que corta o parque, eavisa a equipe, que corre para o furgão deapoio, de GPS em punho, e parte em busca dolocal assinalado. Voando por todos os lados,os carcarás parecem indicar o caminho. “Pára,pára. É aqui o eixo que queremos”, grita Flá-vio, assistente de vôo. A operação de monta-gem é rápida e precisa. O cesto do balão é an-corado no carro, depois colocado deitado nochão. A grande lona de náilon, que os balo-nistas chamam de envelope, é enganchada nocesto e começa a se encher de ar quente, coma ajuda de um maçarico e um ventilador, am-bos superpotentes. Em poucos minutos o ba-lão começa a tomar corpo. O maçarico, po-deroso como um lança-chamas de filmes deguerra, aquece o ar dentro do envelope atéque a diferença de temperatura em relação aoar externo o deixe pronto para o vôo.

O avesso da gravidadeUma vez de pé, o balão ameaça partir sozinho.Pulamos para dentro do cesto, na ordem de-terminada pelo piloto. Eu primeiro, depoisValdemir, em seguida ele, Feodor, e por últi-mo Flávio, o assistente. O coração bate fortena expectativa da decolagem. Guilherme, daequipe de apoio, é escalado para acompanharo vôo em terra. Ele solta a amarra e lentamen-te começamos a subir. Olho para o relógio:são 7h40. Conseguimos por pouco.

A sensação é ao mesmo tempo estranha edeliciosa. O balão ganha altura num movimen-to avesso à gravidade, e é admirável que façaisso sem estar dotado de asas nem de hélices.Está longe de ser uma máquina de voar mo-derna, mas estamos de fato ascendendo naque-la engenhoca. Como a bexiga precursora, obalão vai na direção norte, que agora nos inte-ressa, e segue o rumo traçado quase quemilimetricamente por Feodor.

Ele nos aponta a nascente do Velho Chico,que brota de um despretensioso brejo, e vaipouco a pouco ganhando força, movendo-sesinuosamente como uma serpente. De uma

O BALÃO E SEUS PERSONAGENS

• O balão foi a primeira máquina voadora construída por SantosDumont, que chegou a montar nove aparelhos. A bordo de um deles,o Amérique, o “Pai da Aviação” voou 325 quilômetros em 22 horas,ficando em quarto lugar na Taça dos Aeronautas, destinada aobalonista que pousasse mais distante do ponto de partida.

• Napoleão Bonaparte usou e abusou dos balões para manter suahegemonia militar na época em que dominou praticamente toda aEuropa. Perspicaz, ele montou o primeiro Corpo Militar de Balões, cujoobjetivo era observar as movimentações na retaguarda do inimigo eestudar o terreno de batalha.

• O primeiro romance do lendário escritor Júlio Verne, Cinco Semanasa Bordo de um Balão, publicado em 1863, narra as aventuras de umgrupo de expedicionários britânicos que sobrevoam a África numbalão, desvendando os mistérios do continente. A idéia surgiu dasexperiências de Félix Nadar, fotógrafo e amigo íntimo de Verne, queutilizava o veículo para fazer imagens aéreas.

O piloto Feodor Nenovbusca no mapa umaalternativa para aprimeira decolagem:não há tempo a perder

NapoleãoSantos Dumont Júlio Verne

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SERR A DA CANASTR A

altura de 100 metros, seguimos o curso do riopelo alto do Chapadão da Canastra, até o mo-mento em que ele se joga do alto de uma escar-pa, formando a bela Casca d’Anta.

A viagem prossegue tranqüila, porém emo-cionante. Agora sobrevoamos o Vale do SãoFrancisco e suas belas fazendas a uma altitudede 500 metros. O silêncio é quebrado pelo la-tido de um cachorro lá embaixo. O eco rever-bera em nossos ouvidos. É impressionantecomo o balão nos dá a impressão de estarmosinseridos harmonicamente no ambiente. Oritmo do vôo combina com a tranqüilidade dolugar. Vistos de cima, os capões de mato sãodelicadas manchas verdes. As rochas dos cam-pos rupestres parecem etéreas figuras geomé-tricas. A sombra do balão persegue as siriemas,que correm assustadas em ziguezague.

Apesar da sensação de lentidão pelo fato deestarmos parados em relação à corrente de ar,

a velocidade do balão está alta, variando entre23 e 27 quilômetros por hora.

Nesta levada, começamos a visualizar aimponente Serra da Babilônia e sua incrívelseqüência de cânions dispostos quase que pa-ralelamente. Feodor olha o relógio e percebeque precisamos procurar um lugar para des-cer, já que estamos voando há 40 minutos, e osponteirinhos se aproximam do fatídico horá-rio das 8h30 da manhã. Ele sabe bem o que édesafiar a tênue linha do tempo que separa umvôo tranqüilo de uma verdadeira sessão deterror. “Certa vez peguei uma térmica emUberlândia (MG) e perdi totalmente o controledo balão. Estava voando no final da tarde, umhorário normalmente tranqüilo, mas a bolha dear quente aprisionou o balão de tal forma, quenão tinha como sair dela. Para piorar, meucombustível estava acabando. Foi por sorte queconsegui escapar da térmica e descer no meiode uma praça, no centro da cidade”, revela, comjeito de quem já viu a morte de perto.

Entre duas armadilhasO pouso pede uma avaliação do terreno,

pois será o local onde passaremos a noite numabarraca. Sobrevoamos uma convidativa áreacom piscina natural em meio a frondosas som-bras, que parece o lugar perfeito para aprovei-tar o dia que já começa a esquentar. “É aquimesmo”, decide o comandante. Iniciamos en-tão o processo de aterrissagem no meio do beloVale da Babilônia, certos de que ali seria nossamorada por um dia.

A velocidade está boa para um pouso rela-tivamente tranqüilo, mas subitamente o vento

A manobra deaquecimento do balãona segunda decolagem:movimentos rápidose precisos paraimpedir o balão devoar sozinho

POLÊMICA NO AROficialmente, os inventores do balão de ar quente não tripulado foram os

irmãos franceses Joseph Michel Montgolfier e Jaques Étienne Montgolfier.De fato, no dia 5 de junho de 1783, a dupla conseguiu elevar a 300 metros dosolo, e a uma distância de 9 quilômetros de seu ponto de partida, um objetofeito de linho com 32 metros de circunferência, e enchido com fumaça de umafogueira de palha seca.

O feito, porém, é controverso. Muitos consideram o padre brasileiroBartolomeu Lourenço de Gusmão o verdadeiro criador do aeróstato – comoo balão era mais conhecido antigamente. Segundo crônicas da época, no dia 5de agosto de 1709, o “padre voador” teria feito um vôo de demonstração pe-rante a corte portuguesa, impressionando os nobres presentes ao erguer auma altura de 4 metros sua engenhoca chamada Passarola, um pequeno balãode papel grosso cheio de ar quente.

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praça de Uberlândia para escapar de umao controle do balão. Feodor já desceu numapreso numa corrente de ar quente, perdendoO pesadelo do balonista é ficar

De todas as etapasda travessia, amais tranqüila foia final: nosso balãopousou suavementenum pasto nosarredores da pequenacidade de São JoãoBatista do Glória

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Feodor comandoua travessia com aexperiência de quemjá acumulou mil horasde vôo de balão.Contou também com avantagem de conhecera Serra da Canastracomo a palma da mão

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a sombra dele faz movimentos rápidos e graciosossuave é a sua trajetória. Lá embaixo, porém,

dá a impressão de estar parado, de tãoDe carona no vento, o balão até

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SERR A DA CANASTR A

aumenta, e somos obrigados a arremeter paranão correr o risco de sermos arrastados quan-do o cesto tocar o chão. A manobra evita essechoque, mas nos coloca perigosamente na li-nha de colisão com uma encosta do morro.Com um GPS na mão, Feodor analisa em se-gundos as coordenadas de velocidade, posiçãoe altura e vai tomando decisões para nos livrarde mais uma armadilha. Dentro do cesto, coma adrenalina lá em cima, só nos cabe torcer paratudo dar certo. “Adoro esta vida”, diz o piloto,assim que escapamos da montanha.

Pouso de emergênciaPassado o sufoco, buscamos um novo vale. Nãotemos muita escolha, pois já estamos usandoo terceiro reservatório de gás propano – em-barcamos com cinco cilindros – e precisamosreservar metade do combustível para o dia se-guinte. Feodor pede que nos preparemos parao impacto do pouso. Tiro os óculos. Valdemirguarda com cuidado sua câmera fotográfica.A expectativa é de uma aterrissagem meio do-lorida, mas estamos firmes. A velocidade é de14 quilômetros por hora. O balão se aproxima

rapidamente do chão, e por uns instantes cor-re quase que paralelamente ao piso inclinadodo vale. O frio na barriga aumenta e disparouma contagem regressiva na minha cabeça.Três, dois, um... Finalmente o cesto toca o pisoacidentado e tomba, arrastando-se por menosde 5 metros. Pronto, estamos em terra firmenovamente. No fim, foi bem mais fácil do queesperávamos. O alívio nos relaxa e estouramosem risadas ao lembrar dos momentos desuspense, lá em cima.

Minutos depois, já estamos explorando oambiente em que iremos passar o dia inteiro.É um lugar pouco interessante. Tem uma belavista da encosta do morro logo à nossa frente,mas está longe de ter os atrativos do vale compiscina natural que era a nossa primeira opçãode pouso. O pior de tudo é que ficamos encai-xotados entre montanhas que cortam comple-tamente nossa comunicação por rádio e tele-fone celular. Feodor calcula que a comunidademais próxima deve estar umas sete horas decaminhada. Estamos isolados, enfim. O curio-so é que já sabíamos dessa possibilidade, e deuma certa forma até desejávamos isso, devidoao pioneirismo da situação. “Nunca fiz um vôode balão sem resgate, e provavelmente nin-guém fez isso ainda no Brasil”, revela Feodor,um dos balonistas mais calejados do país, comcerca de mil horas de vôo.

O resto do dia corre tranqüilo, bem dife-rente das tensas primeiras horas daquela ma-nhã. Com tanto tempo para fazer nada, pude-mos nos divertir com as inusitadas situaçõesde quem precisa morar por algum tempo numlugar tão inóspito. O envelope é enrolado cui-dadosamente e guardado num saco que nosserve de sofá. O cesto do balão converte-se nacozinha do acampamento, onde esquentamoságua para o café e os providenciais macarrõesinstantâneos. Nosso almoço e jantar seguem omesmo cardápio, complementado por sucos,

sinal de rádio ou celular, completamente isoladosParamos num vão entre as montanhas, semvento, buscamos outro local para pousar.Novamente traídos pelo

O acampamento naSerra da Babilônia:sem comunicaçãoe a sete horas dopovoado mais próximo

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bolo e barras de cereais. Pena, ninguém se lem-brou de trazer um chocolate ou um vinho.

Temos tempo de sobra para ouvir um pou-co das loucas aventuras de Feodor, como a suaincrível viagem sobre o Monte Fuji, no Japão,com seus 3 776 metros de altitude, o inusitadovôo sobre a cidade de São Paulo, com pousono Parque do Ibirapuera, e a conquista doatual recorde brasileiro de altitude num balão(9 200 metros), estabelecida em 2001, entre ascidades paulistas de Rio Claro e Piracicaba.

Para se ter uma idéia da dificuldade desseheróico feito, as correntes de ar no limite da

troposfera atingiam velocidades entre 100 e150 quilômetros por hora, a temperatura nolado externo do balão estava em torno de40 graus abaixo de zero, e a pressão atmosféri-ca era a metade da encontrada ao nível do mar.Depois de muita prosa e boas risadas, além deuma insólita aula de astronomia no estreladocéu da Serra da Canastra, ministrada pelo di-vertido assistente de vôo Flávio, dormimosassim que a noite caiu.

Às 5h30 da manhã já estamos de pé, arru-mando a bagagem e ajudando na montagemdo balão. Queremos e precisamos sair desse

O Rio São Franciscodespencando doalto da escarpana CachoeiraCasca d’Anta: umbelo espetáculovisto do balão

PERIGO NO CÉUO vôo de balão em re-giões montanhosas éameaçado por certostipos de ventos:1 ROTOR MECÂNICO:corrente giratória (as-cendente e descen-dente) que se formaao bater perto do picode uma montanha.2 ONDA DE MONTA-NHA: o vento bate pró-ximo ao pico e come-ça a oscilar para cimae para baixo. Na Serrada Canastra, o fenô-meno é potencializa-do com a seqüênciade cânions.3 TÉRMICA: correnteascendente formadacom o aquecimentodo solo. Embora sejaótima para quem voade asa-delta, paragli-der e planador, poisfacilita o impulso paracima, é péssima paraquem está a bordo deum balão. Quandoapanhado por umatérmica, o balonistaperde o controle danave, ficando presonuma espécie de bo-lha de ar quente.

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lugar, mas não temos a menor idéia para ondeo vento irá nos levar. O tempo está nublado, oque só aumenta a aflição da equipe. Nosso co-mandante, porém, assegura que as nuvens so-bre nós são superficiais, e não sugerem umamudança climática significativa. O que mais opreocupa, na verdade, é o fato de estarmosnuma área descampada, sem nenhuma árvorerobusta para ancorar o balão. Ele avisa: tere-mos de fazer tudo muito rápido, se não qui-sermos ver nosso precioso veículo sair voandosozinho.

O cesto é virado no chão, e a lona, estendi-da. O ventilador, movido a gasolina, começa aencher o balão. A operação mais delicada é oacionamento do maçarico para aquecer o ardentro do envelope – se ele esquentar antesque estejamos prontos para pular para dentrodo cesto, o balão vai embora sem nós. Puloprimeiro, torcendo para que os outros venhamlogo. Entram Valdemir e – graças a Deus! –Feodor. Flávio, incumbido de colocar toda abagagem a bordo, salta para dentro quando obalão já está se desgarrando. Mas as dificulda-des da decolagem ainda não tinham acabado.O terreno inclinado, o vento forte e a assusta-dora proximidade com o morro obrigamFeodor a subir sem nenhuma margem de erro,o que felizmente não é tão difícil para ele.

RICOS E LOUCOSEles são ricos, excêntricos e têm um desejo quase incontrolável por recordes e notoriedade. O desafio de

dar a volta ao mundo sem escalas a bordo de um balão, e vencer a última grande disputa aérea do século 20,acendeu a chama desbravadora de três loucos aventureiros, que em 1993 iniciaram uma acirrada corridapara essa histórica conquista. Os participantes se apresentavam para a competição com currículos de res-peito. O médico suíço Bertrand Piccard (foto) tinha a genética a seu favor. Seu avô, Auguste Piccard, inven-tou a cabine pressurizada para vôo de balão e foi o primeiro homem a atingir a estratosfera, em 1931. O paide Bertrand, Jacques Piccard, embarcou num batiscafo, uma cápsula de aço capaz de descer a grandesprofundidades no mar, também idealizada por Auguste, e quebrou o recorde de descida, em 1960, ao atingir10 916 metros da superfície.

Outro competidor, o americano Steve Fosset, que fez fortuna na Bolsa de Valores como consultor finan-ceiro, apresentava um eclético histórico de aventuras – entre elas, a travessia do Canal da Mancha a

nado, uma volta ao mundo pilotando um jato, participações nas corridas 24 Horas de Le Mans, na França,e até a disputa da Iditarod, uma louca prova de trenós puxadas por cães, realizada no Alasca, nos EUA.

Por fim, o inquieto magnata inglês Richard Branson, dono do Grupo Virgin, que atualmente estáenvolvido com o ambicioso projeto de vôos comerciais suborbitais, não ficava atrás em matéria deextravagância. Além de uma desastrosa participação como ator no seriado Friends, havia arrisca-do uma frustrada travessia do Canal da Mancha num veículo anfíbio.

Ao cabo de seis anos de fracassadas tentativas de todas as equipes, com direito a um pousoforçado de Fosset numa área rural de Bagé, no Rio Grande do Sul, enfim o tão sonhado recorde foibatido por Bertrand Piccard e seu parceiro britânico Brian Jones. No dia 21 de março de 1999,após 19 dias e 46 759 quilômetros percorridos desde a decolagem de Château d’Oex, nos Alpessuíços, a dupla conseguiu pousar tranqüilamente seu balão Breitling Orbiter 3 no Egito.

Pronto. Estamos novamente voando tran-qüilos na direção norte. Como se diz no jargãodos pilotos, em céu de brigadeiro. Deixamosnossa casa para trás, e nos dirigimos para oúltimo grande vale da Serra da Babilônia. Qua-se em tom de despedida, avistamos e ouvimosem alto e bom som a Cachoeira da Babilônia.

Transposto o paredão da serra, que delimi-ta o Parque Nacional da Serra da Canastra,começamos novamente o processo de aterris-sagem. Desta vez, as opções de pouso são mui-tas, e escolhemos um acolhedor pasto próxi-mo à cidade de São João Batista do Glória.

A descida é suave, e o balão pousa de pé, semnenhum solavanco. Surpreendidos com a nos-sa repentina chegada por trás da montanha, al-guns moradores e trabalhadores das fazendasna região começam a se aproximar. De carro, acavalo ou a pé, eles vão se reunindo à nossa vol-ta. O olhar curioso, por vezes assustado, revelauma admiração quase infantil no semblantedaquelas pessoas. Sinto-me um astronauta, ouquem sabe um marciano que acaba de cair docéu. Mas sou apenas um passageiro da primei-ra travessia de balão na Serra da Canastra. Se ocomandante Feodor quiser, pode até me citarcomo integrante da sua equipe – pelo menos,cumpri rigorosamente tudo o que ele me orde-nou nessa viagem pioneira.

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deixar tudo pronto para a próxima decolagemenrolar cuidadosamente o envelope epouso. Uma vez em terra, é precisoO vôo não se encerra com o

O envelope sendoguardado noacampamento:logo depois ele setransformaria numconfortável sofápara a equipe relaxar

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R E T R A N C ACARTA DE NAVEGAÇÃO+CARTA DE NAVEGAÇÃO+CARTA DE NA

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DIFÍCIL

magníficos castelos – como os de Blois,Chenonceaux e Chaumont. A região é muitoconhecida também por abrigar algumas dasmais famosas vinícolas do mundo.+ Duração: um dia + Saídas: diárias (sujeitasàs condições climáticas) + 230 euros +Inclui: vôo guiado, café da manhã e seguro.France Montgolfières, (00xx33) 254-32-2048,www.france-balloons.com

ESPANHAEste vôo requer uma certa dose desangue frio, já que consiste em cruzaros Pireneus, a cordilheira que se estendena divisa da Espanha com a França.É preciso ganhar bastante altura paratranspor os picos maiores, que estãoentre 3 mil e 4 mil metros de altitude,e depois buscar os ventos mais fortespara realizar a travessia. A aventura durade duas a três horas, e é acompanhadapor rádio, em todos os seus movimentos,

por uma equipe de resgate.+Duração: um dia + Saídas: a combinar(sujeitas às condições climáticas) + 300 euros+ Inclui: vôo guiado, almoço e seguro.Globuskontiki, 34 690-830-713www.globuskontiki.com

QUÊNIAO vôo de balão pela Reserva Nacional deMasai Mara, no Quênia, permite observarde uma posição privilegiada os grandesmamíferos africanos. O passeio faz parte deum roteiro que abrange safáris fotográficosterrestres pelos parques nacionais deSamburu e Shaba, além de um city tourpor Johannesburgo, na África do Sul.+Duração: 9 dias + Saídas: diárias+ US$ 4 155 + Inclui: passagem aérea,traslados, hospedagem com café da manhã,guia e seguro.Queensberry, (11) 3217-7100www.queensberry.com.br

ROTEIROS PELO MUNDO

AUSTRÁLIAEste passeio de balão pelo parque desérticoAlice Springs é um verdadeiro safárifotográfico nas alturas. Entre os animaisselvagens que habitam as áridas planíciesabertas da região, destacam-se as renase os emblemáticos cangurus vermelhos.Ao final do vôo de uma hora de duraçãoé servido café da manhã e champanhe.+ Duração: um dia + Saídas: diárias (sujeitasàs condições climáticas) + US$ 360 + Inclui:vôo guiado, café da manhã e deslocamentos.Outbackballooning, (61 8) 8952-8723www.outbackballooning.com.au

FRANÇAEste roteiro tradicional sobrevoa o Vale doLoire, uma das mais charmosas regiões daFrança, cujos vales e montanhas abrigam

FÁCIL

FÁCIL

FÁCIL

O MAPA DA TRAVESSIAEsta pioneira viagem de balão cruzou a Serra da Canastra no sentido norte–sul, em dois dias. A distância percorrida na primeira etapa,

até o local do acampamento, foi de 25 quilômetros. No segundo dia, o trecho sobrevoado foi um pouco maior: 30 quilômetros.

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A DE NAVEGAÇÃO+CARTA DE NAVEGAÇÃO+CARTA DE NAVEGAÇÃO

dica do autor

“Voar de balão pela Serra da Canastra é umaoportunidade única de conhecer a região porângulos bem privilegiados, mas não deixe decurtir o lugar tambémquando estiver com os pésfirmes no chão. O parque éum dos melhores no Brasilpara se avistar animais comoo lobo-guará, o tamanduá-bandeira e o tatu-canastra.”

Luís Patriani

COMO CHEGARO caminho para quem vem de São Paulopara São Roque de Minas, a cidade maispróxima do Parque Nacional da Serra daCanastra, é pela SP-340 até Mococa. Depoisse pega o acesso para a MG-50 até Piunhiaté São Roque. Quem quiser entrar noparque pelo portão que dá acesso àCachoeira Casca d’Anta deve pegar umaestrada não pavimentada a partir domunicípio de Vargem Bonita.

ONDE FICARAs melhores opções de estadia em SãoRoque de Minas são o Hotel Chapadãoda Canastra, www.serracanastra.com.br,(37) 3433-1440, e a Pousada Barcelos,www.serradacanastra.tur.br, (37) 3433-1216.

QUANDO IRA melhor época para visitar o parque é entreos meses de abril a outubro, período emque chove menos e fica mais fácil circularpela região.

QUEM LEVAA travessia de balão da Serra da Canastra emdois dias não é operada comercialmente, masa Air Brasil (de Feodor Nenov) faz passeios naparte sul do parque em feriados prolongados,mediante reservas. A agência de balonismotambém opera vôos todos os finais de semanana região de Piracicaba (SP). O valor de ambosos roteiros é de 300 reais por pessoa.Air Brasil Balonismo, www.balonismobrasil.com.br, (19) 3434-6438

O QUE LEVAR+ GPS+ BINÓCULO+ BONÉ+ PROTETOR SOLAR+ ROUPAS LEVES

O GPS é imprescindível para a segurança deuma viagem de balão, pois fornece ao balonistaas coordenadas de posicionamento eparâmetros de vôo confiáveis e de fácilvisualização. O recém-lançado GPSMAP 60CSxpossui um display TFT anti-reflexo e um cartão de memória micro SD de 64 MB paraarmazenamento de cartografia detalhadaopcional. O aparelho conta ainda com umaltímetro barométrico, muito útil parainformações da elevação e perfil verticaldo terreno, além de uma bússola eletrônica.R$ 2 070. GPS CENTER, Al. dos Jurupis, 452, conj.104B, São Paulo, tel. (11) 5052-9534

BINÓCULO COM CÂMERAQuando se está voando a uma altitude de 700 metros, e

sob seus pés estão belezas naturais como as daSerra da Canastra, é obrigatório ter em mãos um bom

binóculo. O aparelho ZOOM CAM, da Ohtek, além deampliar em 25 vezes a dimensão das imagens,

vem com uma câmera digital embutida com300 K pixels de resolução.

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BARRACA A barraca Smart II, da Kailash, abriga

confortavelmente duas pessoas e tem a vantagemde ser muito fácil de montar. Seu segredo é não

precisar de estacas para ser fixada no chão: fica depé apenas com o uso de dois bastões de borracha,

que também servem como andadores de trilha.R$ 356. KAILASH, Al. dos Nhambiquaras, 349, São

Paulo (SP), tel. (11) 3045-6612, www.kailash.com.br

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