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Web-Revista SOCIODIALETO www.sociodialeto.com.br Núcleo de Pesquisa e Estudos Sociolinguísticos, Dialetológicos e Discursivos NUPESDD-UEMS Mestrado em Letras UEMS / Campo Grande ISSN: 2178-1486 Volume 6 Número 16 Julho 2015 261 NÓS E A GENTE NA FALA DE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA Diana Pilatti Onofre (SED/UFMS) 1 [email protected] RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo observar como membros de uma comunidade escolar da periferia de Campo Grande/MS, utilizam a primeira pessoal plural na modalidade oral da língua, partindo da hipótese inicial de que este público em questão tende a usar tanto o pronome a gente (inovador) quanto o pronome nós (forma canônica) para designar a pessoa plural, e que ambas as variedades “convivem em harmonia”. O córpus em questão é composto de gravações transcritas da modalidade oral da língua, com informantes de ambos os sexos, classificados em três faixas etárias distintas. Os dados foram analisados com o auxílio do programa GoldVarb e o aporte teórico-metodológico escolhido é a Sociolinguística Variacionista de Willian Labov (1983), dedicada aos estudos das variedades linguísticas que coexistem dentro de uma comunidade e sua relação com o contexto social. A pesquisa considerou fatores linguísticos e sociais que pudessem influenciar a preferência deste grupo de falantes por uma ou outra forma (nós ou a gente). Ao final das análises, constatamos que 56% da amostra é composta da primeira pessoa na forma a gente e 44% na forma nós. Com input 0.55 indicando que, apesar de estarem em porcentagens equilibradas, o grupo de falantes entrevistado tente a utilizar mais a variedade a gente na oralidade. PALAVRAS-CHAVES: Sociolinguística, Morfologia, Pronome. RESUMÉN: Esta investigación tiene como objetivo observar como miembros de una comunidad escolar en las afueras de Campo Grande/MS, utilizando la primera persona plural en la modalidad oral de la lengua, sobre la base de la hipótesis inicial de que este problema público tiende a utilizar tanto el pronombre "a gente" (innovadora) como el pronombre "nós" (forma canónica) para designar a la persona del plural, y que ambas variedades viven en armonía. El corpus en cuestión se compone de grabaciones transcritas de modo de lenguaje oral, con los informantes de ambos sexos, divididas en tres grupos de edades distintas. Los datos fueron analizados con la ayuda del programa GoldVarb y el enfoque teórico y metodológico elegido es el Sociolingüísta Variacionista de William Labov (1983), dedicada al estudio de las variedades lingüísticas que conviven dentro de una comunidad y su relación con el contexto social. La investigación considera factores lingüísticos y sociales que pueden influir en la preferencia de este grupo de hablantes de una forma u otra (a gente o nós). Al final del análisis, encontramos que el 56% de la muestra consiste en la primera persona en la forma a gente y 44% en la forma nós. Con input de 0.55 lo que indica que, a pesar de ser en porcentajes equilibrados, el grupo encuestado de oradores tratan de utilizar más variedad a gente en la oralidad. PALABRAS CLAVE: Sociolingüística, Morfología, Pronombre. 1 Diana Pilatti Onofre é Mestra em Linguística e Semiótica pela UFMS e Professora da Rede Estadual de Ensino. [email protected]

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NÓS E A GENTE NA FALA DE ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA

Diana Pilatti Onofre (SED/UFMS)1

[email protected]

RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo observar como membros de uma comunidade escolar da

periferia de Campo Grande/MS, utilizam a primeira pessoal plural na modalidade oral da língua, partindo

da hipótese inicial de que este público em questão tende a usar tanto o pronome a gente (inovador) quanto

o pronome nós (forma canônica) para designar a pessoa plural, e que ambas as variedades “convivem em

harmonia”. O córpus em questão é composto de gravações transcritas da modalidade oral da língua, com

informantes de ambos os sexos, classificados em três faixas etárias distintas. Os dados foram analisados

com o auxílio do programa GoldVarb e o aporte teórico-metodológico escolhido é a Sociolinguística

Variacionista de Willian Labov (1983), dedicada aos estudos das variedades linguísticas que coexistem

dentro de uma comunidade e sua relação com o contexto social. A pesquisa considerou fatores

linguísticos e sociais que pudessem influenciar a preferência deste grupo de falantes por uma ou outra

forma (nós ou a gente). Ao final das análises, constatamos que 56% da amostra é composta da primeira

pessoa na forma a gente e 44% na forma nós. Com input 0.55 indicando que, apesar de estarem em

porcentagens equilibradas, o grupo de falantes entrevistado tente a utilizar mais a variedade a gente na

oralidade.

PALAVRAS-CHAVES: Sociolinguística, Morfologia, Pronome.

RESUMÉN: Esta investigación tiene como objetivo observar como miembros de una comunidad escolar

en las afueras de Campo Grande/MS, utilizando la primera persona plural en la modalidad oral de la

lengua, sobre la base de la hipótesis inicial de que este problema público tiende a utilizar tanto el

pronombre "a gente" (innovadora) como el pronombre "nós" (forma canónica) para designar a la persona

del plural, y que ambas variedades viven en armonía. El corpus en cuestión se compone de grabaciones

transcritas de modo de lenguaje oral, con los informantes de ambos sexos, divididas en tres grupos de

edades distintas. Los datos fueron analizados con la ayuda del programa GoldVarb y el enfoque teórico y

metodológico elegido es el Sociolingüísta Variacionista de William Labov (1983), dedicada al estudio de

las variedades lingüísticas que conviven dentro de una comunidad y su relación con el contexto social. La

investigación considera factores lingüísticos y sociales que pueden influir en la preferencia de este grupo

de hablantes de una forma u otra (a gente o nós). Al final del análisis, encontramos que el 56% de la

muestra consiste en la primera persona en la forma a gente y 44% en la forma nós. Con input de 0.55 lo

que indica que, a pesar de ser en porcentajes equilibrados, el grupo encuestado de oradores tratan de

utilizar más variedad a gente en la oralidad.

PALABRAS CLAVE: Sociolingüística, Morfología, Pronombre.

1 Diana Pilatti Onofre é Mestra em Linguística e Semiótica pela UFMS e Professora da Rede Estadual de

Ensino. [email protected]

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1. Considerações iniciais

Ao observamos a fala cotidiana, percebemos o uso de expressões distintas para

os pronomes de tratamento referentes às pessoas do discurso. Com um olhar mais atento

a primeira pessoa do plural, constatamos que os falantes alternam os usos dos pronomes

nós e a gente de acordo com o contexto.

Há algumas décadas, a Língua Portuguesa falada no Brasil, apresenta duas

formas para referir-se a primeira pessoa do plural: a forma canônica nós e a forma

inovadora a gente. Algumas Gramáticas atuais citam modalidades inovadoras nos

capítulos que se referem aos pronomes pessoais – como é o caso da Gramática Houaiss

(Azeredo, 2008) e a Gramática de usos do português (Neves, 2011), que abordam as

duas possibilidades nós e a gente.

Segundo Azeredo (2008):

As palavras gramaticais cuja função referencial é identificar as

pessoas do discurso se chamam pronomes pessoais.

Assim conceituada, a classe dos pronomes pessoais abrange a rigor os

pronomes pessoias em sentido restrito, os pronomes demonstrativos e

pronomes possessivos, visto que estes três subtipos fazem referência

às pessoas do discurso. De acordo com a nomenclatura oficial, a

expressão 'pronomes pessoais' aplica-se apenas às formas com que se

assinalam:

a) o indivíduo que fala - primeira pessoa do singular (eu),

b) o conjunto de indivíduos que o eu se inclui - primeira pessoa do

singular (nós/ a gente),

c) o individuo ou indivíduos a que o eu se dirige - segunda pessoa, do

singular e do plural (tu/vós, você /vocês),

d) o individuo ou coisa a que o eu se refere - terceira pessoa do

singular ou do plural (ele/eles). (AZEREDO, 2008, p. 175 - grifos do

autor)

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Assim, em uma linguagem acessível ao grande público, Azeredo (2008)

conceitua os pronomes e suas classificações, deixando bem clara o valor da primeira

pessoa plural, como o grupo de indivíduos no qual a pessoa que fala está incluída. No

decorrer do estudo de Azeredo (2008), ele faz referência a variação linguística brasileira

no que diz respeito ao uso da forma a gente: "Os brasileiros empresam em geral a forma

a gente, especialmente na língua falada semiformal e informar, como equivalente de

nós, seja com valor genérico/indeterminado (...)" (AZEREDO, 2008, p 176). A pesar de

não entrar em detalhes sobre amplitude do eu, percebemos que o autor preocupou-se em

observar as possibilidades de traços +genérico e -genérico.

Neves (2011) não apresenta a forma a gente logo no início do capítulo

referente ao estudo dos pronomes, porém deixa claro aos leitores que a primeira pessoa

plural "nunca se referem apenas à primeira pessoa, isto é, sempre envolvem um não

eu." (NEVES, 2011, p. 459) e apresenta algumas das possibilidades do eu-ampliado: a)

soma da primeira com a segunda pessoa (eu+tu/você), soma da primeira com a terceira

pessoa (eu+ele/ele), e a soma da primeira, segunda e terceira pessoa (eu+tu/você+eles

ou elas). Ao final do capítulo, a autora trata sobre as particularidades do pronome e

reserva um item (5.6) para a forma a gente, afirmando que "Na linguagem coloquial o

sintagma nominal A GENTE é empregado como um pronome pessoal" (NEVES,

2011, p. 469) podendo fazer referência tanto a nós ou fazer uma referência genérica a

qualquer pessoa do discurso.

Cunha e Cintra (2008) afirmam que "No colóquio normal, emprega-se a

gente por nós e, também, por eu" (CUNHA & CINTRA, 2008, p. 310), sem fazer

relação com a amplitude do eu. Outras Gramáticas também de grande circulação, como

Cegalla (2005) e Rocha Lima (2006), já não trazem em seu interior as possibilidades de

variação da primeira pessoa plural.

Mesmo assim, vem crescendo o número de pesquisadores interessados na

variação da primeira pessoa plural, como é o caso de Lopes (1998), Bueno (2003),

Muniz (2008), Brustolin (2009 e 2010), Mendonça (2012), entre outros. Destacando as

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transformações da língua no decorrer do tempo e a fixação da forma a gente no

Português do Brasil.

Para Bueno (2003), é possível encontrar registros escritos da forma a gente

em jornais datados de 1901, revelando seu uso com alto grau de frequência na oralidade.

Em sua dissertação de mestrado, Brustolin (2009) ressalta o uso de a gente

em várias regiões do país, destacando inclusive a necessidade de reflexões sobre as

metodologias de ensino de língua materna:

(...) estudos mostram que a concorrência entre tu e você e nós e a

gente é de motivação diferenciada: enquanto no primeiro caso há, por

exemplo, um intenso fator geográfico e igualmente fatores estilísticos

imbricados, no segundo há uma generalização maior de a gente,

independentemente da região. Apesar de algumas formas pronominais

ainda não fazerem parte de gramáticas, alguns autores já apontam que

é uma abordagem fundamentada em dados reais e reflexiva que

precisa ser realizada nas salas de aula. (BRUSTOLIN, 2009, p.18)

Partindo dessa reflexão sobre a importância da pesquisa da língua em uso e suas

contribuições para o ensino de língua, este artigo se propõe a observar como membros

de uma comunidade escolar da periferia de Campo Grande, Mato Grosso do Sul,

utilizam a primeira pessoa do plural, partindo da hipótese inicial que ambas variedades

(nós / a gente) coexistem em harmonia.

3. Metodologia

A metodologia que norteia este trabalho é a Sociolinguística Variacionista, que

estuda a língua em relação ao contexto social. “Seu ponto de partida é a comunidade

linguística, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um

conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos.” (ALKMIM, 2005, p. 31). Uma

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vez que é impossível conceber a língua fora de seu contexto de uso, pois é um produto e

expressão da cultura da qual faz parte, variando em função do tempo e do espaço,

acompanhando a evolução da sociedade, refletindo seus padrões de comportamento.

A Sociolinguística é relativamente jovem se comparada às outras áreas do

conhecimento Linguístico, o termo surgiu em 1964, na Universidade da Califórnia em

Los Angeles (UCLA) em um congresso organizado por Willian Bright. Todos os

trabalhos apresentados no congresso foram organizados e publicados em 1966, no livro

intitulado "Sociolinguistics" que traz em sua apresentação "As dimensões da

Sociolinguística" no qual o organizador apresenta essa nova linha de pesquisa, cujo alvo

é a diversidade linguística, descrevendo e analisando a língua em seu contexto2.

É também em 1964 que Willian Labov conclui seus estudos sobre a

estratificação social da língua inglesa em New York, no qual o autor relaciona fatores

como idade, sexo, ocupação e origem étnica ao comportamento linguístico. Causando

um grande impacto na linguística contemporânea, Labov fixa o modelo Variacionista,

comprovando que Língua e Variação são inseparáveis.

A pesquisa Sociolinguística Variacionista pode ocorrer em vários níveis da

língua, fonológico (alternância /l/ ~ /r/ identificado em várias regiões do país na fala de

pessoas com baixa escolarização: bruza, bicicreta, Craudia), morfológico (apagamento

da desinência plural -s dentro do sintagma nominal: as meninaØ bonitaØ), sintático

(sentenças organizadas em torno do Tópico, e não em torno do sujeito: A professora

Ana eu gosto muito dela e de matemática.) e no léxico (como a variação existente no

Brasil para se designar peça íntima feminina: sutiã, soutiéin, corpeti, corpinhu, bustiê,

top).

Esta pesquisa preocupa-se com uma das variações no nível Morfológico da

língua, especificamente com o uso da primeira pessoa plural nós (forma canônica) e a

2 É importante destacar que esta publicação, considerada como um marco, foi precedida de diversas

outras pesquisas que destacavam aspectos culturais e sociais como pontos-chaves para a organização

linguística dentro de uma comunidade, pesquisas estas de diversas áreas do conhecimento, como a

Etnografia, Psicologia e Linguística.

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gente (forma inovadora). Seguindo o modelo Sociolinguístico, organizamos os grupos

de fatores em Linguísticos:

a) concordância e desinência verbal - por meio da presença ou ausência da

desinência -mos, buscamos averiguar a concordância dentro do sintagma verbal,

b) eu-ampliado - afere a amplitude do eu que pode oscilar entre um traço

+determinado ou -determinado, dependendo das intenções do falante,

c) paralelismo formal - considerada de grande importância em diversos estudos

(BUENO, 2003, p. 51), consiste na repetição de uma forma durante a fala com

propósito específicos dentro do discurso,

d) função sintática - buscou identificar se há maior incidência de a gente na

posição de sujeito ou na posição de objeto,

e) tempo verbal - dentre os sete tempos verbais mais recorrentes no córpus

(infinitivo, presente, pretérito perfeito e imperfeito, futuro do presente e do pretérito, e

gerúndio) qual favorece mais o uso da forma a gente;

Grupos de fatores Sociais:

a) sexo - seis informantes do sexo masculino e seis informantes do sexo

feminino,

b) idade - crianças, adolescentes e adultos, com idades entre seis e quarenta

anos,

c) escolaridade - todos nossos informantes estão em fase de escolarização, seis

cursando o Ensino Fundamental e seis cursando o Ensino Médio.

O córpus organizado para esse artigo é uma parte de um córpus maior, cujas

entrevistas foram realizadas em meados de 2007, originalmente para uma dissertação de

mestrado (defendida no ano de 2009) sobre o uso do Tópico como forma de organização

frasal. Durante o desenvolvimento da dissertação observamos que vários informantes

utilizavam a gente para fazer referência a primeira pessoa do plural, como este não era

o foco naquele momento, guardamos essa “inquietação” para uma nova pesquisa.

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As entrevistas têm entre 30 e 50 minutos e foram realizadas com base nas

orientações do Professor Tarallo (1999) de forma que os informantes falassem de

assuntos do seu cotidiano da forma mais espontânea possível, emitindo opiniões e

refletindo sobre temas que os levam a preocupar-se com o que falam, e não com o como

falam. Dentre as várias possibilidades temáticas para entrevistas gravadas escolhemos

algumas das citadas por Villa da Silva (2004, p.41), em sua pesquisa realizada na

comunidade corumbaense: perigo de vida, jogos e brincadeiras de infância, brigas,

namoro e encontros amorosos, casamento, medos, família, amigos, serviços públicos,

violência nas ruas, o preço dos gêneros de primeira necessidade, escola e trabalho,

interação com os outros membros da comunidade, viagens. Todos os temas não se

aplicaram de forma homogênea a todos os informantes, foram escolhidos de acordo com

a faixa etária de cada um, por exemplo, para uma criança de 6 anos não poderíamos

fazer perguntas sobre trabalho, já que ainda não vivenciou essa experiência, e não há o

que falar sobre o tema; da mesma forma que não perguntamos aos adultos e

adolescentes sobre desenhos animados que assistem na televisão, uma vez que estão

trabalhando e/ou já não se interessam mais por esse tipo de entretenimento.

Assim, para compor esse artigo, selecionamos doze (das vinte e quatro)

entrevistas, sendo seis homens e seis mulheres, com idades entre seis e quarenta anos,

todos alunos da escola José Ferreira Barbosa, com níveis de escolaridade Fundamental e

Médio (em curso).

A Escola Estadual José Ferreira Barbosa localiza-se na Vila Bordon, periferia

oeste de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. No momento de sua criação em 1974, a

escola visava atender famílias de trabalhadores do curtume (localizado no mesmo

bairro). Hoje a escola oferece Ensino Fundamental e Médio para famílias que residem

também nos bairros vizinhos (Vila Popular, Jardim Itália e Santa Mônica), que além de

serem trabalhadores do curtume, trabalham como autônomos, ou nas fábricas de

calçados e roupas da Zona Industrial Oeste da capital.

As entrevistas transcritas foram analisadas com o auxílio do programa GoldVarb

2001, uma da versões do pacote de programas Varbrul para ambiente Windows, do

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inglês Variable Rules Analysis (Análise de Regras Variáveis), é um aplicativo de análise

binomial, criado especificamente para acomodar dados linguísticos, desenvolvido na

Universidade de York, como um projeto colaborativo entre o Departamento de Língua e

Linguística e o Departamento de Ciências da Computação.

4. Análise dos dados

Após tratamento e análise das doze entrevistas, constatamos 171 ocorrências

de primeira pessoa plural, sendo 96 para a gente e 75 para nós. Partimos do pressuposto

que ambas coexistiriam dentro do grupo de falantes, porém em se tratando de oralidade

e variação linguística, colocamos a forma inovadora a gente como valor de aplicação, e

obtivemos um input de 0,55 indicado pelo programa. Assim, com base em todos os

fatores observados, confirmamos nossa hipótese inicial e constatamos que há uma

“leve” preferência deste grupo de falantes pelo uso da variedade inovadora, como

podemos visualizar no gráfico nº 1:

Gráfico n° 1: percentagens de ocorrências de nós versus a gente.

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4.1. Fatores Linguísticos:

a) Concordância e desinência verbal:

Nosso primeiro grupo de fatores linguísticos visa observar concordância verbal

entre o nós/a gente na posição de sujeito, em quatro momentos distintos:

(a) nós + verbo na 1ª pessoa plural

Nóis temus qui ajudá as pessoas. (feminino 16 anos)

(b) nós + verbo na 3ª pessoa singular

Logu qui nóis mudô lá na minha casa... era um buracu! (masculino 16 anos)

(c) a gente + verbo na 1ª pessoa plural

A genti falamus: óó vai see issu... (masculino 20 anos)

(d) a gente + verbo na 3ª pessoa singular

A genti brinca de pega-pega na Física. (feminino 6 anos)

Após análise dos dados, constatamos que o verbo na terceira pessoa singular foi

recorrente tanto na forma inovadora a gente, compondo 53% da amostra, quanto na

forma canônica nós, com 28%. A amostra apresentou somente 15% de ocorrências com

a concordância verbo-número-pessoal seguindo a modalidade padrão da língua, como

podemos visualizar através do gráfico nº 2:

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Gráfico n° 2: concordância verbal nós/agente na posição de sujeito.

Assim, das 149 ocorrências de nós e a gente (ocupando a posição de sujeito),

somente 27 sentenças apresentaram concordância verbal com a pessoa plural, para 122

sentenças cujos verbos não apresentaram a desinência -mos marcando o plural segunda

a norma, apresentando peso 0,59.

b) Eu-ampliado:

Nessa categoria buscamos averiguar o grau de inclusão do eu no discurso.

Segundo Muniz (2008, p. 103) “Os pronomes plurais de primeira pessoa nunca se

referem apenas a primeira pessoa, já que ao passarem da forma singular para a forma

plural, sempre envolvem um não-eu.” Assim, essa categoria busca definir a

determinação do sujeito em três grupos3:

3 Em nossa rodada inicial, o grupo de fatores eu-ampliado apresentava também nós/a gente = eu + você,

porém como não houve nenhuma ocorrência deste tipo, excluímos essa categoria. Isso não significa que

não exista essa possibilidade em Língua Portuguesa, mas que devido a natureza do inquérito, no qual o

falante era questionado sobre suas experiências e anseios, logicamente, por essas vivências não incluírem

o inquiridor, em momento algum fez-se referência ao mesmo: nós/a gente = eu + você.

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(a) nós/a gente = eu

Nóis sonha cum lugar grandi... eu tenho curiosidade em conhecer

cidades estrangeiras... (feminino 16 anos)

(b) nós/a gente = eu + ele/eles

Eu descobri minha irmã... a genti tinha mais di trinta anus já!

(feminino 40 anos)

(c) nós/a gente = qualquer pessoa

U mundu tá evoluindu i a genti tem qui concordá... (masculino 37

anos)

Por meio de gráfico, expressamos as ocorrências de nós e a gente em relação à

amplitude do eu, e constatamos que as maiores ocorrências da primeira pessoa plural,

presentes na amostra, se referem ao falante mais uma ou mais pessoas conhecidas por

ele (eu+ele/eles), compondo 73% dos dados; em seguida nós/a gente equivalendo a

qualquer grupo de pessoas, com 42% de ocorrências; somente 2% dos falantes

utilizaram a forma plural para referir-se a ele mesmo:

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Gráfico n° 3: Eu-ampliado e o grau de inclusão do eu.

Já na tabela de pesos, percebemos que nós/a gente = eu, mesmo em proporções

bem menores, apresenta peso alto (0,90), pois de quatro ocorrências, três falantes

utilizaram a forma inovadora a gente:

Tabela nº 01 Eu-ampliado

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

nós/a gente = eu 003/004 75 0,90

nós/a gente = ele/eles 066/125 52 0,73

nós/a gente = qualquer pessoa 024/042 64 0,10

total 096/171 56

Já a expressão da primeira pessoa plural equivalente a qualquer pessoa

apresentou menor probabilidade de ocorrer na forma inovadora a gente (peso 0,10). Ao

contrário do que afirmam alguns estudiosos, como é o caso de Ilari (2002, p.93), que ao

referir-se a um grupo de pessoas mais próximo o falante recorre a forma canônica nós,

enquanto a gente pode agregar uma referência mais indeterminada.

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c) Paralelismo formal

Chamamos Paralelismo Formal à tendência do falante em repetir variantes de

uma mesma variável dependente na sequência discursiva. Para este artigo, consideramos

estruturas paralelas variantes explícitas, dentro de um mesmo tema abordado pelo

falante, sendo (a) primeira pessoa plural isolada, que aparece em algum momento da

fala, porém não se repete mais até a mudança de turno/assunto; (b) primeira pessoa que

se mantém/repete dentro do turno; (c) primeira pessoa plural que varia dentro do turno,

ora para forma canônica, ora para inovadora.

(a) A gente ... Ø (isolado)

A genti si desintendeu lá, i minha irmã tinha ganhadu um invelopi di

carta. (masculino 16 anos)

(b) A gente ... a gente

A genti ficô cum medu di acontecê... delis ficá cum raiva da genti. A

genti era novu na cidadi. (feminino 18 anos)

(c) A gente ... nós

(...) E dái a genti si conhecemus, só qui daí quandu nós casamus eu

fui morar com minha sogra... (masculino 20 anos)

Nesta rodada consideramos somente a gente, pois foi a variante colocada como

valor de aplicação no GoldVarb. Após análise destes dados, percebemos pesos muito

próximos para (b) a gente... a gente e (c) a gente... nós. Os resultados para essa etapa

podem ser expressos na tabela seguinte:

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Tabela nº 02 Paralelismo formal

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

A gente ... Ø 035/068 51 0,65

A gente ... a gente 049/079 62 0,50

A gente ... nós 012/024 50 0,49

total 096/171 56

Com base na tabela nº 02 concluímos que, para vários falantes entrevistados,

ambas modalidades são aceitas, uma vez que os pesos para manutenção do pronome e

alternância do pronome são muito próximos (0,50 e 0,49 respectivamente), e que

iniciada a fala com uma das variantes, esta tende a manter-se até o final do turno.

c) Função sintática:

Neste grupo, visamos obsevar qual a maior ocorrência de nós/a gente em relação

à função sintática que desempenha, se sujeito ou objeto.

(a) Sujeito:

A genti tava fazendu piquiniqui (feminino 40 anos)

(b) Objeto:

Di veiz im quandu eli dá aula pra genti. (feminino 6 anos)

Como é possível depreender da tabela nº 03, mesmo em proporções menores, o

programa GoldVarb, indicou a posição de objeto com maior peso para a presença de a

gente (0,88). Para essa rodada não consideramos a primeira pessoa plural na posição de

adjunto.

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Tabela nº 03 – Função sintática de nós/a gente

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

Sujeito 079/144 54 0,46

Objeto 010/019 52 0,88

d) Tempos Verbais

Observando os tempos verbais utilizados em relação a primeira pessoa plural,

percebemos que presente e pretérito são os tempos mais recorrentes. Isso se justifica

devido a natureza das entrevistas, nas quais os informantes são estimulados a falar sobre

suas experiências (fatos marcantes da infância e lugares que já visitaram) e sobre

situações atuais (como trabalho, escola, política e religião). Assim, é natural que tempos

que expressem passado e presente possuam maior quantidade no córpus, como é

possível expressar segundo o gráfico:

Gráfico n° 4: Tempos verbais relacionados a nós/a gente.

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Porém, observando os resultados referentes ao peso relativo, percebemos que o

infinito e o pretérito imperfeito apresentam pesos maiores em relação aos outros tempos

verbais (0,66 e 0,60 respectivamente).

Tabela nº 04 – Tempos Verbais

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

Presente 054/093 58 0,66

Pretérito perfeito 019/035 54 0,33

Pretérito imperfeito 011/026 42 0,60

Infinitivo 008/012 66 0,54

4.2. Fatores sociais

e) Sexo do informante

É de consenso entre sociolinguistas que homens e mulheres possuem discursos

distintos. Para Monteiro (2001, p. 72) os homens empregam em maior proporção

variedades estigmatizadas da língua, enquanto as mulheres possuem uma fala mais

polida.

Em contra partida, no que diz respeito a determinadas variações linguísticas, o

sexo feminino aponta maior peso em relação ao uso da forma não-padrão, como é o

caso dos usos de nós/a gente nos estudos de Muniz (2008), Brustolin (2010) e

Mendonça (2012), por exemplo, nos quais as mulheres apresentaram maior peso para a

variedade inovadora.

Em nossa pesquisa não foi diferente, o sexo feminino apresentou peso 0,67,

enquanto o sexo masculino fez maior usa da forma canônica, com peso 0,46.

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Gráfico n° 5: Uso de nós/a gente em relação ao sexo dos informantes.

f) Escolaridade

Por se tratar de uma pesquisa em torno de comunidade escolar, todos os

informantes estão em faze de escolarização, tanto no início (Ensino Fundamental)

quanto ao final (Ensino Médio).

Observando a tabela nº 05, percebemos que em relação às ocorrências de nós/a

gente em um panorama geral, o grupo dos informantes cursando Ensino Médio

apresenta maior quantidade de dados. Acreditamos que esse fato seja decorrência até dá

própria maturidade e desinibição, ou até mesmo vivências/experiências para contar, uma

vez que o inquérito baseia-se em narrativas. Em contra partida, mesmo “falando mais”

os informantes cursando Ensino Médio tentem menos ao uso da variedade inovadora,

talvez até pelo maior tempo de escolarização e, consequentemente, maior tempo de

contato/estudo com a norma.

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Tabela nº 05 – Escolaridade dos informantes

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

Ensino Fundamental 020/032 63 0,61

Ensino Médio 076/139 54 0,54

Assim, os informantes de menor escolarização apresentaram maior peso relativo

0,61, favorecendo o uso de a gente.

g) Faixa Etária

Neste grupo, buscamos averiguar os usos de nós/a gente em três faixas etárias:

crianças (06 até 14 anos), adolescentes (15 até 24 anos) e adultos (de 25 até 40 anos).

Em concordância com o grupo escolaridade, informantes mais jovens apresentaram

maior peso (0,67) favorecendo o uso da forma inovadora, enquanto adolescentes e

adultos tiveram pesos equiparados (0,53).

Tabela nº 06 – Faixa etária dos informantes

Aplicação/ocorrências % Peso relativo

Crianças 020/032 62 0,67

Adolescentes 036/076 47 0,53

Adultos 040/063 63 0,53

Considerações finais

Confirmando-se nossa hipótese inicial, constatamos que os falantes do grupo

estudado usam tanto a forma inovadora, quanto a canônica ao se expressarem em

primeira pessoa plural. Ao atribuirmos valor de aplicação à forma inovadora,

constatamos que em sua maioria, os pesos eram iguais ou superiores a 0,50,

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demonstrando uma tendência deste grupo a manutenção dessas variedades ao fazer

referência a primeira pessoa plural.

Constatamos também que há uma forte tendência ao apagamento da desinência

-mos dos tempos verbais, o que nos sugere tanto a economia linguística (uma vez que o

falante marcando o plural por meio de um pronome ao início e não vê necessidade em

marcar o restante da sentença) e, em menor proporção, para que a sentença assuma um

teor indeterminado (nos casos do eu-ampliado referente a quaisquer pessoas).

No que diz respeito às formas paralelas, percebemos que o falante tende a

manter o pronome inicial (pois os pesos relativos mantiveram-se próximos), como a

forma inovadora a gente foi mais recorrente na amostra (56%) é mais provável que ela

mantenha-se até o próximo turno/assunto.

Quanto às variedades sociais, chamou-nos a atenção o grupo referente ao sexo

do informante, uma vez que as mulheres apresentaram preferência pela forma

inovadora. Fato este que nos desperta outros questionamentos: Qual o motivo desta

preferência? (Já que em outras pesquisas as mulheres mantém uma fala mais polida?)

Será que, acompanhando as mudanças sociais de liberdade e igualdade de gênero, as

mulheres sintam-se mais a vontade para usar determinadas formas linguísticas? Ou será

essa uma tendência relacionada somente a fenômenos de ordem morfossintática?

Independente das hipóteses que possamos formular, somente uma pesquisa mais ampla

envolvendo as diferenças de gênero poderá confirmar se as brasileiras estão realmente

mudando sua “forma de falar”.

Quanto aos outros fatores sociais, percebemos que quanto mais jovens e menos

escolarizados forem os falantes desse grupo maior a tendência do uso da forma

inovadora a gente para marcar a primeira pessoa plural.

Acreditamos que os estudos das variedades linguísticas atuais são de suma

importância para subsidiar reflexões sobre língua em uso e nortear mudanças eficazes

no ensino de língua materna. Mesmo que essa pesquisa seja uma amostra limitada de

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um grupo especifico de estudantes, pode refletir uma tendência em todo o território

nacional: a coexistência harmônica entre duas variações linguísticas (nós e a gente).

Por se tratar de uma pesquisa em comunidade escolar, ainda faz-se necessário

ampliá-la para os usos de nós e a gente na modalidade escrita, montando um córpus

com um quantidade significativa de redações escritas por alunos da mesma comunidade,

mesma faixa etária e escolaridade desta pesquisa, para que ao levantarmos e cruzarmos

os dados, possamos vislumbrar em que proporções a modalidade oral da língua pode

influenciar na modalidade escrita.

Referências

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Christina (orgs.). Indrodução à Linguística: domínios e fronteiras. 5ª edição. São

Paulo: Cortes, 2005, p. 21 -47.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss de Língua Portuguesa. 2ª edição.

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BUENO, Elza Sabino da Silva. Nós, a gente e o boia-fria. São Paulo: Editora Arte &

Ciências, 2003.

BRUSTOLIN, Ana Kelly Borba da Silva. Itinerário do uso e variação de nós e a

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de Florianópolis. Dissertação de Mestrado. Florianópolis/SC: Universidade Federal de

Santa Catarina, 2009.

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ILARI, Rodolfo et alli. Os pronomes pessoais do português falado: roteiro para a

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LABOV, William. Modelos sociolinguísticos. Tradução de José Miguel Marinas

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LOPES, Célia Regina dos Santos. Nós e a gente no português falado culto do Brasil.

DELTA, São Paulo, v. 14, n. 2, 1998. Disponível em

http://www.scielo.br/scielo.php?script =sci_arttext&pid=S0102-

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MENDONÇA, Alexandre Kronemberger de. Nós e a gente na cidade de Vitória:

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MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,

2002.

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MUSSALIN, Fernanda e BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à Linguística:

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TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolinguística. 6. ed. São Paulo: Ática, 1999.

VILLA da SILVA, Rosângela. Aspectos da pronúncia do <S> em Corumbá-MS:

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Recebido Para Publicação em 30 de junho de 2015.

Aprovado Para Publicação em 27 de setembro de 2015.