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Contos – Machado de AssisI – O Movimento: Realismo

Racionalismo Visão crítica, denúncia Comportamento fraco, covarde Universalismo Linguagem culta e direta Infidelidade, adultério Volta-se para o Psicológico Contemporâneo

II - O Autor enredo não-linear \ micro-capítulos digressivos / humor sutil e permanente visão metafísica relativista de todos os valores humanos. As mulheres machadianas são por natureza artistas consumadas, ao passo

que os homens, mesmo quando pretendem, não passam de aprendizes desajeitados e inseguros. As mulheres atuam, geralmente, com uma habilidade e classe fora do comum.

III – Diferença entre conto x romance e Temas

“O romance procura representar o mundo como um todo: persegue a espinha dorsal e o conjunto da sociedade. O conto é a representação de uma pequena parte desse conjunto. Mas não de qualquer parte, e sim daquela especial de que se pode tirar algum sentido [...]”

E é um profundo sentido da flutuação dos valores éticos, da predominância de valores gastos e hipócritas, da acomodação do homem a interesses falsos, da irredutível passagem do tempo, das perdas morais, da decadência física, da presença da morte, da proximidade da loucura. Nos contos machadianos, revela-se uma sociedade habitada por seres solitários capazes de alcançar tão somente uma felicidade mesquinha. A vida desenrola-se como alguma coisa que escapa ao controle dos personagens, alheia a suas vontades. A sociedade de convenções a todos esmaga e a eles impõe vidas inautênticas, vazias. Senso de observação, pessimismo, ironia, sensualidade e um inegável senso de humor com que equilibra o pessimismo Quanto à execução formal dos contos de Machado de Assis, apresenta Sônia Brayner as variantes seguintes: 

1. desenvolvimento de um incidente marcante, com cronologia linear2. análises de motivações psicológicas3. adoção de formas literárias, com intenção filosófico-moralizante4. análise de um caráter

IV – Enredo

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1 – O Espelho Narrador em 3ª pessoa / Jacobina, protagonista, narra em 1ª pessoa Ambiente: Morro de Santa Tereza Quatro ou cinco homens, numa pequena sala debatem Jacobina: entre 40 e 45 anos, inteligente, não discutia Indagado sobre o tema: natureza da alma

“ Cada criatura traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... Espantem-se à vontade; podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica. Se me replicarem, acabo o charuto e vou dormir. A alma exterior pode ser um espírito, um fluido, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação.(...) Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência;(...)”

Jacobina conta uma história para exemplificar.“ Os quatro companheiros, ansiosos de ouvir o caso prometido, esqueceram a controvérsia. Santa curiosidade! Tu não és só a alma da civilização, és também o pomo da concórdia, fruta divina, de outro sabor que não aquele pomo da mitologia.”

Aos 25 anos foi nomeado alferes da Guarda Nacional Família chamava-lhe: Alferes Tia D.Marcolina, viúva do capitão Peçanha, pediu-lhe que passasse uns dias no sítio / Ganhou o espelho

“ – Grande. E foi, como digo, uma enorme fineza, porque o espelho estava na sala: era a melhor peça da casa. Mas não houve forças que a demovessem do propósito; respondia que não fazia falta, que era só por algumas semanas, e finalmente que o “ senhor alferes” merecia muito mais. O certo é que todas essas coisas, carinhos, atenções, obséquios, fizeram em mim uma transformação, que o natural sentimento da mocinha ajudou e completou. Imaginam, creio eu?- Não.- O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de humanidade. (...)”

Após três semanas, D. Marcolina recebeu uma triste notícia: doença da filha Jacobina ficou tomando conta do sítio

“ Mas o certo é que fiquei só, com os poucos escravos da casa. Confesso-lhes que desde logo senti uma grande opressão, alguma coisa semelhante ao efeito de quatro paredes de um cárcere, subitamente levantadas em torno de mim. Era a alma exterior que se reduzia; estava agora limitada a alguns espíritos boçais. O

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alferes continuava a dominar em mim, embora a vida fosse menos intensa, e a consciência mais débil.”

Escravos o chamavam de Alferes / Fuga dos escravos / Solidão total

“ Tinha uma explicação inexplicável. Era como um defunto andando, um sonâmbulo, um boneco mecânico. Dormindo, era outra coisa. O sono dava-me alívio, não pela razão comum de ser irmão da morte, mas por outra. Acho que posso explicar assim esse fenômeno: - o sono, eliminando a necessidade de uma alma exterior, deixava atuar a alma interior.”

Sonhos: vestia-se de alferes e recebia elogios

“ – Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias, deu-me na veneta olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois.”

Vestido normalmente, resolveu vestir-se de alferes

“ Olhava para o espelho, ia de um lado para outro, recuava, gesticulava, sorria, e o vidro exprimia tudo. (...) Daí em diante, fui outro. Cda dia, a uma certa hira, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão, sem os sentir...

Quando os outros voltaram a si, o narrador tinha descido as escadas.”

Alma interior: corresponde a todos os nossos sentimentos, emoções e pensamentos mais íntimos e pessoais Alma exterior: representaria o modo pelo qual interiorizamos a imagem que os outros fazem de nós Crítica aos riscos de desestruturação da personalidade que o ser humano enfrenta ao se desligar de sua existência interior

2-Teoria do Medalhão Reprodução do diálogo entre um pai e um filho.

“Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura, na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam, apenas a primeira sílaba do nosso destino.”

“Mas, qualquer que seja a profissão da tua escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são

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poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra. Isso é a vida; não há planger, nem percalços, glórias e desdouros, e ir por diante.”

“Nenhum me parece mais útil e cabido que o medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém , as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti.”

“No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas idéias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito. As idéias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofremos, elas irrompem e precipitam-se.”

“O passeio nas ruas, mormente nas de recreio e parada é utilíssimo, com a condição de não andares desacompanhado, porque a solidão é oficina de idéias, e o espírito deixado a si mesmo, embora no meio da multidão, pode adquirir uma tal ou qual atividade.”

“Podes resolver a dificuldade de um modo simples: vai ali falar do boato do dia, da anedota da semana, de um contrabando, de uma calúnia, de um cometa, de qualquer coisa, quando não prefiras interrogar diretamente os leitores habituais das belas crônicas de Mazade; setenta e cinco por cento desses estimáveis cavalheiros repetir-te-ão as mesmas opiniões, e uma tal monotonia é grandemente saudável. Com este regime, durante oito, dez, dezoito meses – suponhamos dois anos –, reduzes o intelecto, por mais pródigo que seja, à sobriedade, à disciplina, ao equilíbrio comum.”

“Melhor do que tudo isso, porém, que afinal não passa de mero adorno, são as frases feitas, as locuções convencionais, as fórmulas consagradas pelos anos, incrustadas na memória individual e pública.”

“Não te falei ainda dos benefícios da publicidade. A publicidade é uma boa dona loureira e senhoril, que tu deves requestar à força de pequenos mimos, confeitos, almofadinhas, coisas miúdas, que antes exprimem a constância do afeto do que o atrevimento e a ambição.”

“ Uma notícia traz outra; cinco, dez, vinte vezes põe o teu nome ante os olhos do mundo.”

“Convidarás então os melhores amigos, os parentes, e, se for possível, uma ou duas pessoas de representação. Mais. Se esse dia é um dia de glória ou regozijo, não vejo que possas, decentemente, recuar um lugar à mesa aos repórteres dos jornais.”

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“E ser isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo do vocabulário.”

“Podes e deves; é um modo de convocar a atenção pública. Quanto à matéria dos discursos, tens à escolha: - ou os negócios miúdos, ou a metafísica, mas prefere a metafísica.”

“Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com freqüência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão, originalidade etc. etc.”

“Somente não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados. Não. Usa antes a chalaça, a nossa boa chalaça amiga, gorducha, redonda, franca, sem biocos, nem véus, que se mete pela cara dos outros, estala como uma palmada, faz pular o sangue nas veias, e arrebentar de riso os suspensórios. Usa a chalaça. Que é isto?

O conto é uma lição a todo homem que almeja ter prestígio, ser reconhecido pela sociedade e que elimina qualquer expressão da subjetividade em nome da absorção ao senso comum, à opinião da maioria.

Crítica severa a sociedade burguesa medíocre e arrogante que prega o sucesso a qualquer preço, mesmo à custa do empobrecimento interior.

3-Missa do Galo Narrador 1ª pessoa

“Nunca pude a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.”

“A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas.”

Meneses ia ao teatro uma vez por semana (eufemismo) Descrição de D. Conceição

“Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos.”

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“Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.”

Nogueira que iria à Missa do Galo, lê “Os três mosqueteiros”, de Dumas Conceição acorda e travam um diálogo / Ele imagina estar incomodando

“- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu... - Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?”

Repetição de algumas conversas: “Estreito era o círculo de suas idéias (...)” Conceição muda de posição, fincando os cotovelos no mármore.

“Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderia supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande.”

Constantemente, Conceição pede para que fale baixo / Pausas no diálogo

“Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite que me parecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima.”

Conversa sobre quadros: Cleópatra / Santos“Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos.”

Longo silêncio / Nogueira é chamado para ir à missa

“Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se méis de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei de missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição.”

“Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.”

O Conto mostra como desejo pode abrir brechas em situações de opressão Nada acontece objetivamente entre os dois

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O autor nos quer dizer que, onde nada acontece, tudo pode estar acontecendo subjetivamente.

4 – A Cartomante“ Hamlet observa a Horácio que há mais coisas no céu e na terra do que

sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é o que o fazia por outras palavras.”

Visita de Rita a cartomante: gosta de alguém e tem medo Juras de amor / Camilo julga imprudente essas visitas: Vilela podia sabê-lo Rita afirma não ter perigo e que agora estava “ tranqüila e satisfeita” . Camilo também recebera formação supersticiosa, mudando aos vinte anos

“ Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e lê não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.”

Separação dos amantes: casa dos Barbonos / Flasback

“ Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. O dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formos e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado.”

Vilela apresenta Camilo à esposa

“ Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.”

Tornaram-se íntimos / Morte da mãe de Camilo

“ Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.”

Camilo e Rita apaixonam-se: lêem os mesmos livros, idas ao teatro e visitas ao passeio público, jogam dama e xadrez

Aniversário de Camilo: bengala de Vilela / Bilhete de Rita

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“ Palavras vulgares;mas há vulgaridades sublimes,ou, pelo menos, deleitosas.”

Tornam-se amantes. “ Adeus, escrúpulos!” Camilo recebe carta anônima / Cessam as visitas / Rita vai a cartomante

“ Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser de advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: - a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.”

Vilela tornou-se sombrio / Rita avisa Camilo Passam-se os meses, Rita julga prudente que Camilo volte a freqüentar a casa Bilhete de Vilela: “ Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora.” Camilo atende, mas passa em sua casa antes

“ Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil.”

Rua da Guarda Velha impedida / Próximo da casa da cartomante

“ A agitação dele era grande , extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas.”

Entra na casa da cartomante

“ Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceir, ignorava tudo. Não obstante era indispensável muita cautela; ferviam invejas e despeitos. (...)”

Camilo paga dez mil réis: normal, era dois mil réis Chegada na casa de Vilela

“ – Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e

foram para uma sala interior. Entrando, Camilo não pode sufocar um grito de terror: - ao fundo, sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.”

O conto mostra a busca das personagens em ter conhecimento pleno a respeito de suas próprias situações, recorrendo ao além(superstição)

Ao leitor resta a possibilidade de conviver com o não resolvido, com o fato de não poder conhecer a totalidade de algum personagem

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“Noite de almirante”

Conta a história de Deolindo, um jovem marinheiro que fez uma viagem longa, na qual manteve-se fiel à namorada devido a uma promessa feita por ambos antes de seu embarque. Deolindo e sua amada Genoveva prometeram fidelidade um ao outro por oito ou dez meses, o tempo que durasse a viagem do marinheiro. Na noite em que retomou, Deolindo não pensava em outra coisa senão o reencontro com sua amada. Os companheiros de viagem não falavam em outra coisa que não fosse a noite de almirante que esperava o rapaz. Porém a felicidade dele durou pouco pois soube que Genoveva estava com um novo homem, um mascate, José Diogo, com quem amigara. Mesmo assim o marinheiro foi ao seu encontro, conversou com ela, deu -lhe um presente e cobrou a promessa não cumprida declarando sua fidelidade. Ela admitiu ter feito o juramento de coração, mas tempos depois apaixonou-se por outro homem. Deolindo chegou a pensar que ainda tinha alguma chance com a moça, mas logo percebeu que isso não seria possível. Saiu desesperado, dizendo que iria se suicidar, mas acabou não cometendo o desatino. Ficou então com vergonha de admitir aos amigos a verdade e mentiu dizendo que havia passado uma noite de almirante nos braços de Genoveva.

Comentários

Nota-se nesse conto a necessidade humana de fixação das coisas, e em especial o sentimento, o que Nietzshe chama de Apolíneo, de Apolo, deus da mitologia grega que representava a beleza, perfeição das formas e a fixação pressupõe a perfeição. Por outro lado a vida é mutável, cada momento vivido é um instante de mutação do tempo de vidas. Segundo o filósofo Heraclito: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, isso porque todas vezes que entramos em um mesmo rio, esse deixou de ser o que entramos anteriormente, pois as águas já não são as mesmas e nem nós somos os mesmos, a cada segundo tornamo-nos uma nova pessoa. A esse mundo que está em constante mutação Nietzsche chama de Dionisíaco, deus da mitologia grega do vinho, das orgias, dos prazeres da carne. No momento em que Deolindo e Genoveva fazem a promessa de fidelidade e amor, estão pressupondo que esse amor será eterno, acreditam na apolinização do sentimento.

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Entretanto o que acontece, é o contrário, Genoveva apaixona-se por outro homem, deixando clara as contradições da alma humana, o lado dionisíaco da vida. Há também presente no conto a manifestação do orgulho humano. Primeiramente Deolindo acredita ser possível reconquistar a amada e tirá-la de seu oponente, que a roubou dele. Seu orgulho ferido fez com que ele investisse nessa esperança que acabou sendo em vão. Em um segundo momento o marinheiro mente para os amigos, pois não tem coragem de dizer a verdade, vencer seu orgulho. Vemos um sentimento de fracasso por parte do personagem que não conseguiu concretizar sua noite maravilhosa.

“Cantiga de esponsais “ Romão Pires, mestre Romão , 66 anos, era um músico conceituado regente da orquestra da igreja do Carmo. Homem calado, que vivia com Pai José, e que guardava na alma uma grande tristeza, a de não conseguir compor uma música que fosse a expressão de seus sentimentos, mesmo sendo um ótimo músico respeitado por todos. A frustração de Romão era antiga. Desde que se casou foi acometido por um desejo de compor uma sinfonia que traduzisse sua felicidade conjugal. Entretanto todos os esforços do músico foram em vão, pois as notas que cantavam na alma do mestre não conseguiam ganhar forma em um papel, nem tão pouco nas teclas do cravo que ele tocava tão bem. Quando a mulher morreu sua tristeza aumentou por não ter podido transformar em música a sensação de felicidade que jamais voltaria. Um dia sentiu-se mal, tomou alguns remédios, mas não adiantou, estava com sérios problemas cardíacos e foi piorando à medida que o tempo ia passando. Crente de que a morte estava perto, Romão resolveu que finalmente deveria rematar a obra iniciada há tempos atrás. Sentou-se ao cravo e tentou deixar que as notas fluíssem pelos dedos, mas a inspiração não chegou. Lembrava-se da mulher e da felicidade dos tempos de casado, porém a música não saia. Olhava pela janela e via um casal em plena “lua de mel” e tentava inspirar-se no amor juvenil. Depois de várias tentativas, irritado consigo mesmo e já cansado por causa de sua doença, abandonou o cravo e rasgou o papel com alguns poucas notas escritas.

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Nesse instante, Romão surpreendeu a moça enamorada cantarolando sua música. Ela conseguira o que o mestre havia tentado, expressar através da música os sentimentos da alma.

Comentários O sentimento de Romão não é muito diferente do sentimento de Deolindo. Há também por parte do personagem um desejo de apolinizar o momento de felicidade que passou ao lado de sua amada esposa, assim como o personagem Deolindo tinha o desejo de apolinizar os momentos passados com Genoveva. Romão representa também a frustração humana, pois ele, músico respeitado, não é capaz de compor uma sinfonia, o seu talento é de fora para dentro e não o contrário. Ele tem habilidade para ler as notas musicais, tocá-las, regê-las, mas não compô-las. Sua frustração é ainda maior quando vê que a mocinha da casa em frente traz o dom que ele tanto desejava ter, a música da alma e não somente dos olhos, dos ouvidos e das mãos.

“As academias de Sião” O conto é dividido em quatro partes. A primeira fala das quatro academias de Sião. Dois desses grupos de acadêmicos reúnem-se para discutir o porquê de alguns homens terem jeito feminino e algumas mulheres terem jeito masculino. Uma das academias acredita que o que conta é alma e que o exterior não conta, portanto almas femininas que nascem em corpos masculinos e vice-versa é um erro. A outra acredita que a alma é neutra, portanto o que conta é o corpo. Durante um tempo houve grande discussão sobre o assunto até que a questão partiu para o ataque físico e a primeira academia, liderada por U-Tong massacrou, literalmente, a outra. A cidade ficou indignada com o acontecimento, porém, Kinnara, a concubina favorita do rei aprovou o acontecimento. A segunda parte mostra Kinnara, que tem uma alma masculina em corpo feminino tentando convencer o rei, Kaiaphangko, que tem uma alma feminina em corpo masculino, a decretar urna lei que corrobore as idéias da academia de U-Tong, de que a alma sexual é que é legítima. O rei, cedendo aos encantos da bela amada acaba por assinar o decreto. Na terceira parte Kinnara propõe ao rei que eles, através de um ritual Mukunda, Hindu, troquem de corpo.

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O rei aceita e passa a habitar o corpo de Kinnara e ela o do rei. Na última parte a alma de Kinnara, no corpo, mostra-se autoritária, egoísta e cruel e com medo de perder o poder, depois que voltasse ao seu corpo natural, resolve que irá matar Kalaphangko, que habitava o seu corpo. Porém seu medo era destruir o corpo que era seu, então resolve chamar os membros da academia de U-Tong para pedir a eles ajuda. Entretanto descobre que todos eram falsos, hipócritas, pois trabalhavam juntos, mas falavam mal uns dos outros sem o menor pudor, chamando uns aos outros, pelas costas, de camelos, Quando Kinnara resolve matar Kalaphangko, ele diz a ela que está grávida. Ela fica sensibilizada e resolve não cometer o assassinato. Eles destrocam os corpos, voltando cada alma ao seu corpo de origem. O conto se encerra com ambos em um barco ouvindo os acadêmicos cantarem Glória a nós, que somos o arroz da ciência e a claridade do mundo!”, Kinnara fica assobrada, pois não compreende como eles reunidos podem ser a luz do mundo e separados um bando de camelos.

Comentários: Sião é uma referência bíblica, um monte onde os seguidores de Deus reuniam-se para adorá-lo e oferecer sacrifícios a Ele. O conto reúne várias análises da essência humana que são bastante recorrentes nos textos machadianos. O egoísmo, que mostra-se quase em todo o conto, especialmente na figura do rei Kinnara, que só pensa em si mesma quando resolver matar a Kalaphangko, mas que tem alguns momentos de indecisão, não pesando na alma dele, mas no seu próprio corpo. A vaidade, que aparece representada na figura dos acadêmicos que se vangloriam de ter assassinados os outros em defesa de suas crenças. O abuso de poder do rei Kinnara, que não se compadece de seus súditos e faz valer as suas ordens. A hipocrisia e a falsidade é evidente nos acadêmicos que trocam idéias e por trás falam mal uns dos outros.

“A igreja do Diabo” O conto é dividido em quatro capítulos. O primeiro, “De urna idéia mirífica”, conta a idéia do diabo de fundar urna igreja, pois estava cansado de viver sem regras, sem organização. Ele não tinha dúvidas de que sua crença haveria de crescer muito mais do que as outras, que vivem em combate eterno, afinal ‘há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo”.

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Resolveu isso voou até o céu para comunicar sua decisão a Deus. O segundo capítulo, “Entre Deus e Diabo”, narra a conversa entre os dois a respeito da nova igreja. “Não venho pelo vosso Fausto, respondeu o Diabo rindo, mas por todos os Faustos do século e dos séculos” disse o Diabo, e argumentou com o Senhor dizendo que as virtudes humanas são como uma rainha, cujo manto de veludo possui franjas de algodão, as quais o demônio se propunha puxar para trazer à tona as de seda pura. Deus acaba por concordar com o Diabo e dá a ele permissão para fundar sua igreja. No terceiro capítulo, “A boa nova aos homens”, Satanás funda finalmente sua igreja e começa a arrebanhar os seus seguidores. A doutrina diabólica baseava-se na total falta de caráter humano, no deleite total das coisas da vida, na prática da maldade sem culpa, na busca desordenada pelo dinheiro, na falta de solidariedade pelo próximo e no egoísmo como ponto máximo. No quarto e último capítulo, “Franjas e franjas”, o Diabo comemora sua vitória, pois, como havia previsto, sua igreja era um sucesso, a capa de veludo havia se acabado em franjas de algodão. Entretanto com o tempo Satanás começou a descobrir que as pessoas nem sempre eram totalmente fieis aos seus dogmas. Elas tinham, muitas vezes, atitudes de bondade, e praticavam atos de solidariedade e humanidade as escondidas. Pasmo com essas atitudes o Diabo voou até o céu e, morrendo de raiva, contou tudo ao Senhor que disse-lhe:“Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? É a eterna contradição humana”.

Comentários Basicamente esse conto fala das várias fases do ser humano, destruindo a visão maniqueísta de bem e mal. O Diabo, crente de que a capa de veludo, metáfora usada para a bondade humana, é somente uma máscara que esconde a verdadeira essência do homem, que são as franjas de algodão, que metaforiza a maldade, propõe a mostrar toda a essência do ser humano, trazendo a tona a maldade. Entretanto ele acaba por descobrir que o veludo não é uma máscara, assim como as franjas de algodão não são a essência.

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O homem na verdade é feito das duas coisas, da maldade e da bondade, a verdadeira essência humana e a contradição, a mutabilidade o homem é uma grande ‘metamorfose ambulante” (Raul Seixas). De uma certa forma esse conto e “Noite de almirante” se interpenetram, pois ambos tratam da dificuldade humana de fidelidade      Pai Contra Mãe Aborda a escravatura. Retoma o tema da sujeição da raça negra e da mãe escrava. Percebe-se a intenção do autor em analisar as cruéis relações de dominação entre seres iguais, todos subjugados por um sistema político e social marcado pelo autoritarismo, mas que não hesitam em reproduzir e legitimar a opressão de que são vítimas. Cândido Neves, caçador de escravos fujões, não o é por opção, apenas não conseguia permanecer num emprego convencional, e arrumava dinheiro esporadicamente capturando escravos fugitivos. Casa e passa a adquirir dívidas, com clientela cada vez menor; quando engravida a mulher, as dívidas aumentam. Depois de despejados vão morar em um quarto emprestado e o menino nasce. Após ceder às pressões da tia da esposa, Candinho vai por a criança na Roda dos enjeitados. No caminho captura uma escrava, recebendo uma gorda recompensa, mantendo assim a criança. Mas a escrava estava grávida, e provavelmente abortou com os castigos recebidos, ficando a vida do filho de Candinho em troca da de outra Em "Pai contra mãe", a narração, embora impessoal, em terceira pessoa, aproxima o leitor do tempo e do espaço, tornando aquele um verdadeiro partícipe das tramas textuais, num jogo catártico e bastante verossímil. As doses de ironia que beiram o sarcasmo põem em xeque, tacitamente, o ditame maquiavélico em que "os fins justificam os meios" e o determinismo de Taine em que "o homem é produto do meio", como será visto adiante. Logo no primeiro parágrafo, há a descrição dos "ofícios e aparelhos" empregados no castigo dos escravos desobedientes e/ou fujões. O pensamento maquiavélico começa a aparecer já de plano, quando o narrador afirma que "Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel." A ironia, traço marcante em Machado, bem pode ser notada nesse trecho, dando voz à idéia de que ambicionar a ordem social e humana é tão ridículo quanto querer evitar as bebedeiras e os furtos com o uso da máscara de folha-de-flandres. O escravo não passava de mera propriedade do senhor, estando, portanto, sujeito aos mandos e desmandos deste, que, se não agia com maior energia, era exclusivamente pelo medo de sofrer prejuízos financeiros com a morte ou a incapacidade física dos servos. É o interesse capital escancarado, o capitalismo emergindo e se enraizando

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em meio aos ainda fortes costumes feudais: "Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando". Da forma como o narrador dispõe a desgraça dos fugitivos ao caírem nas garras do capitão-do-mato e, posteriormente, do senhor, lembra perfeitamente o dito popular de que "a desgraça de um é a sorte do outro". Isso porque se tornar capitão-do-mato, pegador de escravos fugidos, constituía-se quase um fatalismo: "Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem" É até possível, até, imaginar uma igualdade vivencial entre o escravo e o capitão-do-mato, posto que ambos pretendiam se libertar de uma situação incômoda: aquele da qualidade de servo, este da privação dos meios materiais. A ironia machadiana também se revela na escolha dos nomes dos personagens: Cândido Neves, Clara e Mônica. De origem latina, a palavra "cândido" tem relação com pureza, inocência, o que, como se nota no universo diegético, não equivale ao caráter de Candinho. Note-se, ainda, que a cor branca está em destaque, evidenciando a temática do conto. O nome "Clara" pode, além da tonalidade, demonstrar outra ironia, já que, também de origem latina, a palavra se liga à idéia de brilho, de distinção. Tal inferência é permitida graças à obscuridade assumida pela moça no casamento: tudo aceita, é pequena de pensamento e pouco inteligente. Desde o princípio, nota-se uma implicância da tia, Mônica cujo nome vem do grego e significa "só", "sozinha", "viúva" -, para com Candinho. Caracterizam-se, no enredo, como opositores: ele parece adepto do "carpe diem", do desprendimento, enquanto ela guarda preocupações com o futuro, num modo de pensar essencialmente capitalista. Já Clara é o fiel da balança, ora pendendo para um lado, ora para o outro, ausente de voz e de opinião própria. A gravidez é o fator contundente na trama. Para a tia, prática e objetiva, o mais conveniente seria, levando-se em conta o modo de vida do casal, que Clara abortasse ou que o bebê fosse deixado na "roda dos enjeitados". E, para convencer o casal, não desperdiçava argumentos:

"Vocês devem tudo; a carne e o feijão estão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E, depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que esse ou maior. Esse será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim..." A instabilidade profissional de Candinho, deste modo, leva-o à instabilidade psicológica. Em princípio, negou veementemente o conselho da tia Mônica. Depois, diante da abundante argumentação desta, viu-se em vias de segui-lo, embora o fizesse com muito pesar.

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“- Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois perguntou Cândido Neves." Quanta ironia nessa fala! Também ele, Cândido Neves, carregava o peso de um filho e estava para abandoná-lo à própria sorte. Também ele fugia à responsabilidade de pai. Também ele havia deixado o filho com um estranho no meio do desespero. Machado, implicitamente, iguala as posições de Cândido Neves e da escrava: se ele precisava do dinheiro da recompensa, ela, por sua vez, carecia da liberdade; se ela era culpada, por ter fugido, pela sorte do bebê que carregava no ventre, ele, do mesmo modo, era culpado por não poder proporcionar uma vida digna ao filho. Cego de desespero, Candinho arrastou a escrava aos pés do senhor, não sem que ela tenha lutado a chutes e mordidas. O resultado, porém, foi terrível: "No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou./ O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono." Recebida a recompensa, "recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona" e voltou para casa. Lá chegando, "tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga". Observe-se que ninguém fez caso do aborto. Pelo contrário, Cândido teve um só pensamento a respeito: "Nem todas as crianças vingam" marcando, no desfecho, a confirmação das idéias de Maquiavel e de Taine.