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Revista da Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual • Preço: 5 Nº 50 Associação de Professores de Expressão e Comunicação Visual Associação filiada na InSEA

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Í n d i c e

Nº 50Julho de 2008

Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3Teresa Eça

Desenho, Imaginação e Interação Social:Percursos Inclusivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

Neli Klix Freitas

Spontaneous narrative drawing at the age of six:Pantelis case . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Vasiliki Labitsi

Graffiti: Amor ou ódio? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12Susana Távora de Almeida

Um Revisitar Histórico/Crítico no Cursode Licenciatura em Artes Visuaisda Universidade Federal de Santa Maria/Rs/Brasil . . . . . 19

Leila Adriana Baptaglin e Marilda Oliveira de Oliveira

“Não Quero Ser Rato de Biblioteca”:Reflexões Acerca da Investigaçãoatravés da Prática Artística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

Cristina Chafirovitch

O Ciclo Da Batata Cozida . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29Luís Delgado

Sobre o Congresso da Rede Ibero Americana . . . . . . . . . 30

Já nem a escola promove o nosso folclore!... . . . . . . . . 34Fernando Saraiva

Notícias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

Concurso “Um olhar sobre Josefa de Óbidos“Trabalhos premiados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

Ficha Técnica■ Propriedade: APECV - Associação de Professores de Expressão e

Comunicação Visual - R. Dr. Ricardo Jorge 19 sala 5 - 4050-514 Porto

■ ISSN 1646-6845

■ Tiragem: 1000 exemplares

■ Distrib.: APECV - R. Dr. Ricardo Jorge 19 sala 5 - 4050-514 Porto

■ Preço: 5€ (Cinco Euros)

■ Depósito Legal: 25344/88

■ Conselho Científico: Dr. António Serafim Pereira / Dra. Maria do Céu Melo/ Prof. Eduardo Salavisa / Prof. Margarida Marinho / Mestre Clara Silva Brito/ Mestre Graça Martins

■ Apoio: STAEDTLER Portuguesa, Lda.

■ Rev. da Associação de Professores de Expressão e Comunicação VisualE-mail: [email protected] - http: www.apecv.pt

■ Direcção: APECV

■ Editora: Teresa Eça

■ Design Gráfico: Filipa Eça

■ Paginação e Impressão: ESFERARTE arte & design, lda.

■ Capa: Desenho de uma aluna da Escola Básica Integrada de Vouzela

■ Colaboradores deste número: Teresinha Sueli Franz, Rose MaryNeli Klix Freitas, Vasiliki Labitsi, Susana Távora de Almeida, LeilaAdriana Baptaglin e Marilda Oliveira de Oliveira, Cristina Chafirovitch, Luís Delgado, Fernando Saraiva,

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No mês de Maio , aconteceu na Escola Superior de Educação e Beja um dos encontros mais polémicos e mais ricos da educação artística em línguasportuguesa e espanhola: foi o Congresso Ibero Americano de Educação Artística: Sentidos Transibéricos, organizado pelo Instituto Politécnico de Beja-ESEB; APECV, CIEP da Universidade de Évora e pela Universidade de Huelva. Os resultados do congresso, que incluímos neste número farão parte danossa história e servirão para repensarmos a nossa identidade, as nossas ideologias e as nossas actuações. No dizer de muitos participantes o congressomudou as suas vidas. Vimos nesse congresso abordagens muito diferentes. Constatou-se um consenso sobe o âmbito e necessidade da educaçãoartística /arte educação mas um desacordo sobre as designações a adoptar. Surgiu, a par da tendência para a narrativa da educação das educaçãoartística como pedagogia da aprendizagem cognitiva, uma grande tendência para a narrativa da educação artística como pedagogia da expressão, dolúdico , centrada na produção de experiências , sem valorizar a aprendizagem. Mostraram-se lado o lado práticas pós modernas e práticas modernistas.Viu-se demasiada ‘celebração’ de experiências educativas e poucas ‘ reflexões de fundo sobre teorias, modelos e práticas. Gostaria de ver mais impactode investigação rigorosa no terreno. Mas, nós bem sabemos como em Portugal isso é difícil, infelizmente vivemos num país de mesquinhices, de invejas,de provincianos no que toca ao mundo académico, fechado sobre o seu umbigo. Mas acreditamos que isso possa mudar a breve prazo, aprendendocom os exemplos dinâmicos da investigação brasileiros e apostando nos jovens educadores/investigadores portugueses que estão colocando questões eprocurando soluções viáveis. Partilhamos a esperança de Ana Mae, tentando seguir a sua fé e a sua coragem. Como ela vimos como era importanteatender às necessidades locais, à abordagem da teoria como consciência da prática, e ao sentido de pluralidade,

A educação das artes está a viver um momento crítico e perigoso, está em risco de sair das escolas, não há lugar para as artes na visão de educaçãoque se apresenta. Temos uma escola tecnicista e anestesiadora, dirigida por um discurso educativo economicista. Um modelo de escola prisão ou ummodelo armazém, um modelo passivo, de transmissão e recepção acrítica de informação. Esta narrativa não nos interessa. Foi proposta uma resistênciaactiva para criar outra narrativa de escola em todas as frentes das comunidades onde nos inserimos.

Precisamos pensar os tempos e os espaços onde e como possamos estar presentes Temos que nos tornar visíveis, temos que atacar em todas as frentesnas escolas, nos museus, em centros culturais, nas comunidades.

Apostar na educação infantil, apostar na arte como elemento de reconstrução social, nas mudanças de baixo para cima, no processo artístico comoprocesso de investigação

As nossas estratégias de actuação são demasiado passivas, defensivas, baseadas em práticas sem contexto. Estamos a ser ignorados, se calhar já nemnas margens existimos, estamos de fora do discurso educativo e nem nos demos conta disso. Perdemos muito tempo a discutir superficialidades, existepouca abordagem teórica existem confusões entre objecto de investigação com teoria e com procedimentos de investigação, não podemos confundir ateoria com procedimentos. Precisamos definir estratégias de actuação, de resistência, de visibilidade, de ataque.

Este número começa com uma série de artigos de fundo sobre questões de fundo da educação artística que nos mostram reflexões maduras e justificadassobre o limiar entre arte e educação. Começamos pelo tema do desenho como imaginação e interacção social com o artigo da Prof. Dra. Neli KlixFreitas da Universidade do Estado de Santa Catarina, texto que se complementa com o artigo da Dr. Vasiliki Labitsi, consultora do Ministério da Educaçãoda Grécia, sobre o desenho espontâneo das crianças com a idade de seis anos e, continuando com o desenho, mas agora um outro tipo de desenhonoutras idades e noutros contextos trazemos o artigo de Susana Távora de Almeida que nos descreve o que está por detrás dos graffitis, uma verdadeiracultura urbana que como educadores deveremos estudar para melhor compreender a cultura dos nossos jovens.

E como estamos em plena reformulação de cursos superiores depois do processo de Bolonha, e como urge repensar a formação inicial de professorese artistas, esta foi uma das conclusões do congresso ibero americano de educação artística, , julgámos oportuno trazer uma avaliação de um curso deartes visuais: o Curso De Licenciatura Em Artes Visuais Da Universidade Federal De Santa Maria/Rs/Brasil. Talvez que a leitura de este ‘revisitarhistórico/crítico’ nos ensine a crescer e a exigir mais qualidade nos nossos cursos. Leila Adriana Baptaglin e Marilda Oliveira de Oliveira confessam:‘não há como continuar a mercê das mudanças, temos de estar atentos e fazer com que os valores sociais dos indivíduos juntamente com acontemporaneidade balizem seus saberes e concepções no campo do ensino’. Pegando nas suas palavras este é o desafio que lanço neste número.

Um outro desafio que gostaria de lançar tem a ver com a valorização da investigação na nossa área e com a legitimação dos processos artísticos comoprocessos de investigação, processos tão válidos como outros e que por vezes não são reconhecidos no mundo académico tal como CristinaChafirovitch aspira no seu texto “Não Quero Ser Rato de Biblioteca”. Existe hoje uma necessidade urgente de justificação da importância das artes naeducação, essa justificação só pode ser feita através de avaliações sérias e de investigações com qualidade atendendo ás especificidades das linguagensdas artes.

Como editora desta revista considero muito importante dar voz a todos e todas os que se preocupam com questões de educação artística e educaçãocultural, por isso a revista tenta na medida do possível incluir opiniões, desabafos e relatos de experiências pedagógicas. Este número partilha a deliciosamemória que Luís Delgado tem de uma aula do professor António Sena da Silva , uma lição exemplar esta do ‘ciclo da batata cozida’. Publicamostambém o desabafo do nosso colega Fernando Saraiva sobre a falta de conhecimento sobre as artes populares portuguesas e a desvalorização de umriquíssimo património português pela ignorância emergente de uma globalização galopante. Sabemos que existem muitos projectos feitos nas escolas quevisam a preservação do património. Mas tais projectos por si só não chegam, é necessário que exista uma compreensão crítica das artes, umquestionamento crítico das estratégias que as escolas têm seguido na educação visual, e na educação artística em geral. Cozer a batata não chega,como diria o professor António Sena da Silva é preciso compreender onde se coze, como se coze, porque se coze e como se poderia cozer de outraforma. Enfim é preciso ser crítico. Em Portugal sentimos medo da crítica e movemo-nos no espaço do inquestionável, no universo do vale tudo . É muitodifícil construir uma comunidade do ‘tudo bem’ , do ‘vale tudo’ , é preciso ser crítico e incorporar as todas as formas de artes e especialmente da artecontemporânea . Ser crítico não é ser negativo, como dizia Fernando Hernandez no seu discurso final do congresso ibero americano: ‘se sou crítico éporque me interessa’.

EditorialTeresa Eça

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Em nossos tempos, mais especificamentenos últimos dez anos a educação passoupor grandes transformações parapromover adequações emanadas dalegislação, bem como para acompanharas novas tecnologias e atender àsdemandas relacionadas com adiversidade social. Entretanto, algumasquestões devem ser repensadas: comoadaptar a escola à diversidade dosalunos, e como preparar professorespara essa nova realidade? Apesar dasmudanças, a escola ainda segrega.Constitui-se em um reflexo da sociedadeque também segrega, e essa questãoestá inserida na História da Educação,da Arte, do Conhecimento. Revendo aHistória, a segregação social eraassociada à desigualdade de aptidões,apresentadas como diferenças individuaisinatas, e pelos estigmas resultantes derótulos É desafiador encontrar umcaminho eficaz às necessidadeseducativas de uma população cada maisheterogênea Ainda existe uma culturaque considera as crianças comnecessidades educativas especiais noâmbito do assistencialismo, ou deconceitos humanitários, tais comocaridade e piedade, ou como alguéminferior, sendo estes princípios totalmentecontrários ao direito de cidadania. Énecessário que esta mentalidade semodifique. Pode-se pensar na arte, noensino da arte como um dos caminhospossíveis em educação inclusiva, quepossa fortalecer a integração da escolacom o que passa além dos seus muros,uma realidade social, que ainda excluimuito mais do que inclui.

Para Vygostky (2004) a arte é mediadorano processo sócio – histórico dodesenvolvimento humano. Cada um,enquanto sujeito do conhecimento formarepresentações das interações mediadaspor várias relações: com outros sujeitos,com os signos, símbolos e/ou objetos dacultura. Segundo Vygotsky (2003) aatividade criadora é uma manifestaçãoexclusiva do ser humano, pois só estetem a capacidade de criar algo novo apartir do que já existe. Levando emconsideração a memória, o ser humano

pode imaginar situações futuras e formaroutras imagens a partir daquelas comque ele interage. A ação criadora, destaforma residiria em um processo deconstante construção, desconstrução ereconstrução. A imaginação tem umapapel importante nesse processo.

O desenho é uma atividade fortementeconectada com a imaginação. Derdyk(2003) enfatiza um entendimento do atode desenhar como atividade inteligente esensível Reclama a sua autonomia e suacapacidade de abrangência como ummeio de comunicação, expressão econhecimento, que possui uma naturezaaberta e processual. O desenho é umalinguagem expressiva, que possibilita areinvenção ou a repetição de figuraçõese configurações gráficas.

No ato de desenhar está implícita umaconversa entre o pensar e o fazer, entre oque está dentro e o que está fora. Apercepção e a sensibilidade são asjanelas para o mundo que possibilitam atroca permeável entre processos internose externos. Segundo Derdyk (2003) odesenho traduz uma visão porque traduzum pensamento, revela um conceito.Noato de desenhar há referências aocotidiano, alusões à fantasia,lembranças, recriação , significações,interpretações, que possibilitam aelaboração de correspondências entre oreal, o percebido e o imaginário.

A imaginação e a fantasia se alimentamdo já existente, do vivido, dasexperiências, da lembrança de vivênciasconcretas. Desta forma o desenho dacriança está pautado na realidadeconhecida por ela, criando outrarealidade, com significados próprios.Segundo Vygotsky (2003) a imaginaçãonão se limita a uma produção deimagens historicamente constituídas, masleva em consideração esta bagagemimagética, criando novas combinações.Desenhando objetos reais, por exemplo,a criança expressa o significado dascoisas que vê. Portanto, o que elaregistra não é a realidade material doobjeto tal como ele é, mas sim uma

realidade vista por sua lente, umarealidade conceituada. É essa arealidade percebida por ela, é o mundodos significados.

Vygotsky (2001;2003) relaciona aimaginação com o desenho,apresentando uma formulação teórico-conceitual para a imaginação, que servede fundamento para nossas pesquisascom o desenho de crianças comnecessidades educativas especiais,inseridas em escolas com educaçãoinclusiva. Suas concepções sobre alinguagem, sobre a importância dossignos e símbolos da cultura igualmentefornecem uma base teórica na qual acoleta de dados encontra apoio. Assim,na pesquisa sobre desenhos esignificados em escolas inclusivas,durante o trabalho de coleta de dados,alunos com necessidades educativasespeciais foram convidados a desenharlivremente e, logo após, a falar sobre osmesmos. Observou-se o procedimentodo desenho em série, tendo sidocoletados dez desenhos com cada umadas crianças, em cinco momentosdistintos, sempre nas escolas. Noprocesso de análise dos desenhos foievidenciado que, na série de desenhos acriança passa gradativamente a incluirelementos da realidade, do meio, oscolegas da sala e seus objetos, aprofessora, bem como questõesrelacionadas com a arte e com a cultura.Os desenhos são reveladores daimaginação, da fantasia e da criatividadedas crianças, bem como das interaçõesque estabelece.

Segundo Vygotsky (2003) pode-sechamar de atividade criadora toda arealização humana de algo novo, equando se observa a conduta do homempercebe-se facilmente, em toda a suaatividade criadora, que ela distingue-seem dois tipos básicos de impulsos, sendoum deles reprodutor e vinculado àmemória. Já as atividades humanas quenão se vinculam à reprodução oulembranças de impressões anteriormentevividas, pertencem a uma segundafunção: a criadora ou combinatória. Para

Desenho, Imaginação e InteraçãoSocial: Percursos Inclusivos

Prof. Dra. Neli Klix Freitas – Universidade do Estado de Santa Catarina

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o autor, a psicologia chama deimaginação ou fantasia essa atividadecriadora do cérebro humanofundamentada na combinação, mas nãose referindo à imaginação ou fantasiacomo sendo algo irreal, ou que não seajusta à realidade, e sim como base detoda a atividade criadora. As crianças,desde os seus primeiros anos jápossuiriam uma função criadora, queseria refletida em suas brincadeiras. Suateoria integra aspectos biológicos,psicológicos e sociais.

Ferreira (1998) refere que imaginação oufantasia, termos usados como sinônimoem Vygotsky são os nomes dados àsatividades que projetam o ser humano nofuturo. A imaginação cria, a partir darealidade presente, uma outra realidade.“Cria uma área de significação,resultante de um processo criador, quepode variar desde a criação de umapequena novidade na rotina do cotidianoaté os maiores descobrimentoscientíficos” (FERREIRA, 1998, p.41).

Segundo Vygotsky (2003) há algumasformas de vinculação entre a fantasia e arealidade. A primeira delas é extraída dasexperiências anteriores do ser humano e,desse modo, a fantasia opera semprecom materiais tomados do mundo real.Quanto mais rica for a experiênciahumana, mais rica será também aimaginação de que um ser humanodispõe. A segunda forma de vinculaçãoentre fantasia e realidade não se realizaentre os elementos de construçãofantasiosa e realidade e sim, entreprodutos preparados da fantasia edeterminados fenômenos complexos darealidade. Não se limitando emreproduzir o que foi assimilado emexperiências passadas mas, partindodelas, cria novas combinações.

De acordo com os pressupostos deVygotsky (2003) na primeira forma devinculação entre a fantasia e a realidadea imaginação se apóia na experiência. Jána segunda forma, é a experiência dopróprio ser humano que se apóia nafantasia. Existe uma realimentação

contínua entre imaginação, experiência,realidade que, como uma tramaintrincada, encontra-se na base doprocesso de aquisição e de construçãodo conhecimento (FREITAS, 2006).Dessas questões teórico-conceituais épossível avaliar a importância dasinterações sociais para uma criança. Oensino de Artes Visuais nas escolas deveser então, um espaço onde as interaçõesocorram de modo espontâneo, semcerceamentos.

Segundo Vygotsky (2003) a terceiraforma de vínculo entre a funçãoimaginativa e a realidade é oenvolvimento das emoções. Oenvolvimento emocional pode serevidenciado de duas maneiras: toda aemoção e sentimento tendem amanifestar-se em determinadas imagense eventos que remetem a elas. A emoçãopode eleger impressões, idéias, imagenscongruentes com o estado de ânimopredominante naquele dado instante.Essas imagens são rememoradas aolongo da vida. Decorre daí a importânciade imagens que projetem contextos deaprendizagem como sendo referenciaisao longo da vida. Para o autor, torna-sefácil compreender que a fantasia, movidapor fatores emocionais aparecerá comoum aspecto mais interno e subjetivo daimaginação. Porém, ao escrever sobre aexistência de vinculação recíproca entre aimaginação e a emoção em alguns casossão os sentimentos que influenciam aimaginação, já em outros é aimaginação que influencia ossentimentos. Todas as formas derepresentação criadora contém em sielementos afetivos.Seguindo asconcepções de Vygotsky (2003) a quartae última forma de relação entre aimaginação e a realidade fundamenta-sena teoria de que o edifício erguido pelafantasia pode representar algo totalmentenovo, não existente na experiência do serhumano. Nessa perspectiva, encontra-seum vínculo estreito entre imaginação econhecimento. Quanto maior for oestímulo à imaginação em uma criança,melhores oportunidades para conhecer omundo serão configuradas.Outro aspecto

ressaltado importante, nessa perspectivaé o de que o ser que se encontraplenamente adaptado ao mundo que orodeia, nada deseja, não experimentanenhuma contradição, não passa poralgum tipo de confronto mais sofridocom o meio, certamente pouco ou nadapode criar. Sendo assim, para Vygotsky,toda a ação criadora reside sempre natensão, fonte de necessidades, desejos eanseios. Porém, a necessidade e osanseios nada podem criar por si. Sãomeros estímulos para o surgimento dasimagens, e necessitam da interaçãosócio-cultural.

Segundo Freitas (2006) as inquietações edesejos humanos relacionam-se comimagens formadoras, aquelas que seencontram fortemente vinculadas àsvivências infantis. Estas passam porreconfigurações diante de vicissitudes edemandas do cotidiano. Muitas vezes, hábloqueios no processo criativo; namaioria das vezes, há estímulo para criar,que brota da inquietação, e que,encontrando espaço adequado permitemomentos de ressignificação. Não é fácilcriar, e nesse sentido, o ensino e apesquisa deveriam contemplar essaquestão, expressa em valores,sentimentos e critérios que não sejamalheios à realidade das crianças,considerando a identidade e a diferença.Essas considerações são particularmenteimportantes para professores de Artes,para o ensino da Arte, diretamentevinculados aos processos criativos. Oensino de qualidade segundo Vygotsky(1984), consiste em despertar na criançaaquilo que ela já possui dentro de si,ajudando-a a evoluir e a orientar o seudesenvolvimento. Não em uma direçãode mão única, mas que contemplepossibilidades de construção,desconstrução e reconstrução, tal comoocorre na arte.

Quanto ao desenho, Vygotsky (2003)afirma que a criança não desenha o quevê, mas sim o que conhece. Referente aisso destaca o papel da mediação, sejapelos signos ou pelo outro social. Opapel da mediação na teoria histórico-

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cultural diz que, a partir do surgimentodos signos psicológicos,da linguagem,uma nova força irá participar e alterar aconstituição do sujeito, nas relações entredesenvolvimento e aprendizado, estandomais centrada nos fatores sociais do quenos biológicos. De biológicos que antesproduzia funções psicológicaselementares, chega ao desenvolvimentocultural, que transforma funçõespsicológicas elementares em superiores.

Desta forma ao trabalhar com o desenho,em se tratando de crianças comnecessidades educativas especiais, estesprincípios fundamentam nossos diálogose reflexões. Quando o processo deprodução do desenho traz à tonafigurações, fantasias e imaginaçãorepresenta o real possível, elaboradopelas vivências da criança,que éconstituída socialmente. A fala também émediadora de outras atividades dacriança, como o jogo e o brinquedo. Naprodução do desenho ocorre a mediaçãoatravés do signo verbal, onde osignificado é auto-atribuído pelo autor domesmo. Esse processo é determinadopelo contexto sócio-cultural: ninguémpinta, desenha, ou molda aquilo que vê,mas o que aprendeu a ver. A importânciada arte é expressiva no processoeducativo de ensino e aprendizagem dacriança como sujeito que se expressa e seinsere no mundo, ampliando repertórios esomando experiências que irão alimentarseu imaginário.

A livre expressão da criança depende deoportunidades proporcionadas pelo meioe, ao mesmo tempo amplia aspossibilidades da criança para interagircom o meio. Pelo desenho, a criança seapropria do meio. Desenhar é então, ummodo ativo de compreender o mundo ede expressar o que foi aprendido. Essasafirmativas revestem-se de importância noensino de Artes. Como representação erecriação da realidade, o desenho estáimpregnado pela memória: memóriaindividual, que é formada no bojo damemória coletiva; memória oficial,construída para perpetuar, e sensocomum, que constitui material bruto da

produção artística e cultural. O momentode duração do desenho registramomentos de passagem. A relação como desenho transcende o aspectofigurativo: aciona a imaginação,possibilitando a construção de uma leiturasimultâneamente singular e plural.Trata-sede uma leitura possível do desenho, nãoexclusiva, não única. Não existe umaleitura uníssona do desenho. Acompreensão do desenho ocorre em umintervalo chamado de espaço designificação. Nele estão conjugadoshistória, memória e contexto, e estaleitura coincide com a postura deinteração sócio-cultural da criança.

Para Leite (1998) o desenho da criançanão pode ser compreendido como meraatividade escolar, ou aptidão pessoal paraa arte. Trata-se de um diálogopermanente entre a criança e o mundo,uma constante busca de inteligibilidade ede comunicabilidade.

As questões apresentadas no textoapontam para o professor do ensino deArtes Visuais. Na perspectiva do autor nãohá espaço para modelos prontos, paracópias de desenhos do professor, parapropostas de temas, de cores, de materiais.Não compete ao professor selecionardesenhos para o mural, nem criticar odesenho como bonito ou feio. A propostaimplícita no texto, que resulta de reflexõessobre nossas pesquisas com o desenho decrianças com necessidades educativasespeciais assinala para outras posturasreferentes ao desenho infantil.Trata-se deuma proposta alicerçada na interaçãosocial, na qual a criança desenha o queconhece do meio, ativa potenciais daimaginação e da criatividade, comunica.Não há sentido na organização anônimade pilhas de desenhos, pois estas apagamrastros das crianças que os produziram. Nodesenho, a criança expressa a memóriaindividual e a memória coletiva, sendo queseu desenho é também uma manifestaçãodo seu processo de criação. Abrir espaçospara o desenho nas escolas inclusivassignifica ampliar a noção de arte paraalém da técnica, compreendendo eaceitando que a expressividade constitui-se

em um direito da criança. O desenhopossibilita a criação de espaços deinteração sócio-cultural, o que éfundamental no ensino de arte quando sepensa na inclusão de crianças comnecessidades educativas especiais. Aodesenhar a criança comunica o queapreendeu da realidade, e esse processotanto permite conhecê-la, quantopossibilita a ela o conhecimento do outro,do meio, da sociedade. Acolher osdesenhos de todas as crianças significaaceitá-las incondicionalmente, o quecoincide com a proposta de ensinoinclusivo. A inclusão se concilia com umaeducação para todos e com um ensinoespecializado ao aluno, mas não seconsegue implementar uma opção deinserção tão revolucionária sem enfrentarum desafio ainda maior: o que recai sobreo fator humano. Os recursos físicos e osmeios materiais para a efetivação de umprocesso inclusivo escolar de qualidadecedem um espaço de prioridade para odesenvolvimento de novas atitudes eformas de interação na escola, exigindouma nova postura diante da aceitação dasdiferenças individuais, da valorização decada pessoa, da convivência nadiversidade humana, e da aprendizagempor meio da cooperação.

Em uma trama conceitual complexa, odesenho insere-se no processo deconstrução do conhecimento: aodesenhar, a criança expressa o quepercebe,sente e conhece; comunica-secom o outro, mas expressa o que o outrocomunica a ela.

Referências bibliográficas

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AbstractA narrative dimension is common inmany young children’s spontaneousdrawings. Spontaneous narrativedrawing plays a key role in howchildren develop understanding andcommunicate ideas and thoughtsabout themselves and theirexperienced and imagined worlds,present and future. In this paper Iexamine some unsolicited drawingscreated by Pantelis, a 6-year-old boyfrom Greece. Employing analyticalcategories developed by Kreitler andKreitler (1972) I look into theirnarrative and meaning dimensionsand attempt to develop a betterunderstanding of the interests,preoccupations and feelings ofPantelis at the time he producedthem. Finally, I underline that oral orwritten explanations provided by thechild producer is important andinforms the readings of his drawings.

Key words:spontaneous drawing, visualnarrative, Greece, 6-year-oldchildren

Children’s narrative drawing

Children engage with the narrative modespontaneously from a very early age.Even under 2 years old they ‘have a well-developed sense’ of what happens innarratives and ‘what to expect from them’(Toolan, 1988, p.209). Like adults theyproduce and communicate narrativesthrough many communication modes.They use language, play, dance andsong. Narrative dimensions can beobserved in drawings of children asyoung as three (Matthews, 2003). Fromabout the age of five children usedrawing probably more often than anyother mode in order to communicatenarratives (Wilson and Wilson, 1980).Drawings can show how things look andwork more efficiently, accurately andusually quicker than language can. Theyare a particularly flexible medium

because they can be altered andmodified easily. Moreover, they producestatements that endure when the act ofnarrative making itself has beencompleted and this before the child canmaster the written word effectively.Another advantage is that drawings canshow in a single frame an event atdifferent stages of its development orpresent events that take placesimultaneously in different places (Wilsonand Wilson, 1980; 1982; Barrs, 1988;Golomb, 2004).

Unlike school art which is produced inthe structured environment of the schooland its form, media, thematic and stylisticdimensions are defined and controlled tolarge extent by the teacher and theobjectives of the art curriculum,‘spontaneous’ (Wilson and Wilson,1979), ‘unsolicited’ (Duncum, 1993;1997) or ‘free’ (Dyson, 1986) drawing isthe drawing that comes from the child’sown desire to express and communicatefeelings, thoughts and ideas.Spontaneous drawing is usually done athome with whatever materials and mediaare available or in free time, in school.But while school art is seen aseducational and valued as an importantlearning and creative activity, children’sspontaneous art is rather underestimated.

Visual narrative can be defined as thetelling of a story or part of it through asingle picture or a sequence of pictures.Basic narrative elements are characters,settings and actions (Porter Abbott,2002). Brend and Marjory Wilson whoconducted extensive research intochildren’s art underline that a narrativedimension is a common sense inchildren’s spontaneous drawing. Theyclaim that virtually all children’sspontaneous drawings are produced totell a story or a part of it. But althoughchildren tend to draw with a narrativeintent their visual narratives are usuallyincomplete. In most of the cases theyappear as separate narrative elements,for example elaborate settings thatpossess no characters, characters that donot go into action, or characters that act

in an empty space. These depictednarrative elements serve as markers of amore fully imagined story which howeveris not necessarily known or understoodby the viewer (Wilson and Wilson, 1979).

Therefore the meaning of children’sdrawing may not be self-explanatory.Children are inexperienced producers ofvisual mode. According to Kress and vanLeeuwen (1996) they are constrained bythe limitations that characterise allbeginnings. For example, they tend touse simple forms, represent most objectsin a standard orientation, have manydifficulties in depicting action and paylittle attention to detail and sizeproportion (Golomb, 2004). Becausechildren’s drawings are often ‘obscure orunpictured’ and their meaning remainsincomprehensible or misunderstoodDuncum (1993) suggests that theyshould always be examined withreference to what their creators have tosay about them. Merry and Robins(2001, p.44) add that asking childrenabout their drawings is valuable partly inorder ‘to examine the relationshipsbetween their stated intentions and whatthey were able to draw, and partly toavoid the temptation of jumping toconclusions’ about them.

Through the telling of their visual stories,children develop, represent and examinetheir ideas about themselves and theworld. They try to comprehend their everyday experiences and come to terms withthe particularities and difficulties of theirlives (Kellman (1995, pp.18-21). Lack ofunderstanding of the power of meaningsof these narratives is a missedopportunity to understanding children’spreoccupations, concerns and needs.(Duncum, 1997). Applying thepsychological theory of ‘the four realities’developed by Kreitler and Kreitler(1972) to children’s narrative drawings,Wilson and Wilson (1979; 1980; 1982)explain that the meanings that childrenconvey in them refer to one or more ofthe four different aspects of reality,complex structures of beliefs that allhumans engage with. These are

Spontaneous narrative drawingat the age of six: Pantelis case

Dr. Vasiliki Labitsi

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‘common’, ‘archaeological’, ‘normative’and ‘prophetic’ realities. Common realityrefers to familiar and every dayperceptions and experiences,archaeological to the self, personalmemories, feelings and tacit knowledge,normative to socially accepted beliefs,rules and norms and prophetic reality togoals and wishes for the future.

Reading Pantelis’s spontaneousdrawings

Pantelis, a Greek boy, at the age of sixenjoys drawing at his free time. Given hisfamily encouragement he often spendstime at home composing drawings onwhatever paper surface available, oftenon recycled paper. Pantelis’s drawingsoften show a particular interest incommon reality. Many of them highlightand provide a detailed and carefullyconstructed account of his every dayexperiences. A visit to a circus is anexciting experience which he seems veryeager to document and communicate astwo drawings on this topic made after hisvisit suggest. The boy primarily focuseson the spatial dimensions of the circus. Inthe first case he investigates andreconstructs visually the triangular shapeof the circus tent (Fig.1). He is alsointerested in its striped colourful surfaceas well as the way it is lit from two largefloodlights suggesting the time of thevisit. In order to achieve the abovePantelis prefers to depict the tent from afrontal view.

Fig.1: Circus, frontal view

In his second circus drawing Pantelistakes a different approach. He adopts aprimarily top-down view (Fig.2). He ismapping the circular arena and encloses

it within a green rectangular area whichrather stands for the audience seatsspace. He completes his ‘map’ with thedepiction of the circus bar on the righttop corner of the drawing. In both casesPantelis inhabits the circus with actingacrobats. But he chooses to draw themas stick figures, a simplified andschematic way to represent humans (Cox,1992) although other drawings of thesame period make explicit that he is ableto draw quite sophisticated and detailedhuman figures. He also avoids drawingany audience. It appears that in thesetwo drawings his preoccupation is thespace, shape and colour of the circustent. Probably it is the tent itself whatimpressed him most during his visit andtherefore chooses this out of the many‘circus stories’ he could tell visually.Drawing it again and again and fromdifferent angles suggest his interest andeagerness to comprehend andcommunicate these unusual andobviously impressive spatialparticularities.

Fig.2: Circus, top-down view

In other drawings of the same periodPantelis investigates alternative themeswhich are also inspired by his every daylife. For example, after a visit to the Zoohe experiments quite successfully with thevarious forms and the essential externalcharacteristics of animals such as azebra, an elephant and a snake (Fig. 3).In this way he comes to understand theparticularities of the observed animalsmore fully (Wilson and Wilson, 1982). Inanother case, he depicts a human figureholding an umbrella in a rainy day (Fig.4). The drawing is completed withhouses, as well as a church and a schoolsignified by the cross and Greek flag ontop of them. The umbrella holding figureis placed on a wavy road which connectshim, the tree on the right and thebuildings on the left in a singlecomposite form. The direction of the

depicted figure suggests that the persondrawn is rather moving from right to theleft and towards the building group. Itcould be possibly read as a child goingto the school on a rainy day, probablyPantelis himself or a friend of his. The‘zoo’ and the ‘rainy day’ drawings alsoaccommodate some visual forms such asa Christmas tree, an airplane and aballoon which do not necessarilycontribute to the primary narrative theytell (animals living in the zoo and a childwalking in the rain); yet once again thesedepictions signify Pantelis’sexperimentation with objects that oneway or another he encounters in hisevery day life and seeks to investigateand master visually.

Fig.3: Zoo (age 6)

Fig.4: A rainy day (age 6)

Past research into children’s narrativedrawing identified a preoccupationwith visions of future worlds andutopias such as representations ofspace travel, science fiction andplanets (Duncum, 1997). Pantelis’sparticular interest in drawing flyingmeans of transportation includes thedepiction of spacecrafts. In one case,

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he creates a science fiction visualnarrative. Next to a smiling sun, astandard accessory in many children’sart (Goolmb, 2004; Labitsi, 2007), hedraws three planets in vivid colourssurrounded by two spacecrafts (Fig.5). The spacecrafts appear to bemoving and possibly involved in somekind of space fight. The theme of thisdrawing which is likely to have beeninfluenced by TV science fiction orcartoon narratives is oriented to theprophetic or future aspect of reality. Itdeals with the vision of a world wherenot only space traveling but alsoconflicts and wars in remote andstrange planets will be commonsense. With his thematic choicePantelis at the age of six seems toconstruct a model of an unknownfuture and by doing this he probablyconsists that future less obscure andunknown to him.

Fig. 5: Space and spacecrafts

Other drawings of the same child alsodeal with prophetic reality. As Wilson(1976, p.59) writes it is logical toexpect from children’s art to be futureoriented since ‘from all groups ofpeople it is children who have thegreatest amount of future toanticipate’. In one of his spontaneousdrawings Pantelis draws the portrait ofan adult female as her coloured lips

and jewelry suggest (Fig.6), althoughaccording to Golomb (2004) portraitdrawing is not common for children ofhis age who tend to represent wholehuman figures. This line drawnportrait represents ‘Rania’ one of hisclass mates who as he had confessedto his mother is his ‘girl friend’.Rania’s depiction as a mature womaninstead of a young girl can be seen asPantelis’s anticipation of a futureevent. He may hope for his friend’sgrowing up which probably brings thepossibility of a real romance with hercloser.

Another aspect of reality that ‘Rania’drawing touches upon isarcheological reality or the reality ofthe self, personal often hiddenfeelings and thoughts (Kreitler andKreitler, 1972). Pantelis feelsembarrassed and avoids talking about

Rania at home. However, he enjoysdepicting her visually as the carefullydrawn portrait suggests and through ithe makes a strong statement of howhe feels about her. He avoids any sortof background or actionrepresentation that would distract theviewer from the drawn face. Innarrative terms he represents the maincharacter-the protagonist- but doesnot disclose possible stories she couldbe involved in and does not provide

any clues of the setting within whichthis character could exist and act.Pantelis concentrates on the portraititself. He balances carefully the facialcharacteristics in the face surfacewhich suggest an effort to make theportrait as beautiful as possible.

Finally, he depicts large intensive eyesand open red sensual lips which standout from the otherwise monochromaticdrawing. His drawing becomes asymbolic expression of andexperimentation with hidden feelingsand desires. The drawing probablyassists Pantelis to imagine Rania as anideal female and himself as the actorin a love story. In this way he cansafely examine and accept or rejectways of being (adult life and genderrelations) that he wishes tounderstand.

Many of Pantelis’s drawings depictfighting scenes and suggest some sortof conflict narratives. In one casewarships, planes and canons set onan island exchange fires (Fig.7). Inanother case pirates with the typicalcovered eye, hooked hand andwooden leg, accompanied by thepirate flag, gaze fiercely at the viewer(Fig.8). The half finished colouring ofthe pirate ship suggests Pantelis’s luckof interest in depicting the boat. Hefocuses primarily on the charactersthemselves and those symbols (e.g.covered eye) that signify their identity(being pirates).

Fig.6: Rania

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Fig. 7: War

Fig 8: Pirate ship

Pantelis’s interest in conflict narrativesand ‘bad’ characters suggest hisinterest in ways of social interactionand behavior. As Wilson et al (1987)write, such visual narratives enabletheir producer to experiment withnormative reality, deal with good andbad, examine and negotiate rules ofsocial life. He can symbolicallyengage safely with improper behaviorwhich is normally discouraged or

punished in his every day life. Forexample, he can become the piratewho threatens to attack or aim hisairplane machine gun and shoot theenemy, and all these without anyconsequences.

Completing this study it should beunderlined that the reading of thedrawings has been facilitated bysome knowledge of the context withinwhich they were created. Forexample, Pantelis’s mother provided

the information that the circus andzoo drawings were made after visitsto the places they represent. Also theidentity of Rania was a piece ofinformation that Pantelis haddisclosed to her mother. The study of‘Rania’ drawing would be incompleteand its meaning probablymisunderstood without thisknowledge. As Duncum (1993) andMerry and Robins (2001) write,considering children’s explanations isimportant in that children’s ratherlimited command of the visual modecan easily result in misinterpretationsof their drawings.

Pantelis also provides explanationsabout the content of his drawingsthrough including written informationin them and thus he constructs‘multimodal’ texts (Kress, 1997;Bearne, 2003). In one case hedepicts a group of visual objects.Faithful to his affinity in flying meansof transport he draws a helicopter aswell as a group of light blue smilingclouds, a boat and an island (Fig.9).The visual objects appear ratherdisconnected with each other. Around shape with a cross design nearthe helicopter also looks out of anycontext. Yet, Pantelis, who at the ageof 6 is a beginner writer and reader,adds the following text in hisdrawing:

Once there was a family of clouds.There was an island. There was aboat. Then a helicopter flew on thesky. The helicopter threw a cloth witha cross. The clouds laughed.

This written explanation connects thedepicted visual objects with eachother and transforms them intoacting participants in a story. Forexample, the group of clouds are acloud family and their laughter is theresult of the helicopter’s action tothrow the cross cloth. Additionally,whereas it is not possible to beconcluded whether Pantelis had thestory in his mind before drawing it orit was developed during and after it,the co-existence of the written storyin the drawing is representative ofthe narrative character of his drawingactivity.

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Fig. 9. Drawing accompanied with a written

narrative

Conclusions

Pantelis’s spontaneous drawingssuggest his readiness to notevisually stories that concern him andare important for his live. Hecombines visual forms and createsart that incorporates narrativeelements. He depicts characters(e.g. Rania, pirates, acrobats),actions (e.g. airplanes fighting) andsettings (e.g. circus tent). But hisvisual narratives do not exist withthe completeness and connectednessthat can be observed in adult visualnarratives (e.g. Rania is a non-acting in an empty setting).Therefore the boy ’s explanations,oral or written, are important whenstudying his drawings.

Pantelis’s drawings cover a breadthof themes referring both to ordinarylife and imagined stories. They dealwith all four aspects of reality asdefined by Kreitler and Kreitler(1972) and constitute a popular andflexible means for him in order tocomprehend his surrounding world,deal with personal often hiddenconcerns and feelings, test outpositive and negative roles, imaginehis future life and develop ideas.

Pantelis communicates importantmeanings for his life and touchesupon serious and complex issuessuch as life and death (e.g. wardrawing), fear and power (e.g.pirate ship drawing) and genderrelationships (e.g. Rania drawing).

Given its significance as a means ofcommunication for young childrenthe study of their spontaneousdrawing can become an importantsource for developing a betterunderstanding of their producers’lives and their complexities. It canfacilitate the conception of a betterinformed and more realistic notionof contemporary childhood and canaccount about their real interestsand developmental needs (Duncum1997; Labitsi, 2007).

According to Anning (1999) andWilson (2003) children’s selfinitiated art is often overlooked ordevalued in school contexts. But ifthis is an important and effectiveway of communication for youngchildren then the schoolenvironment and art educationparticularly may need to built on it.Encouraging young children topractice their spontaneous visualnarrative making within the schooland developing their existing skillsin it is important and cannot beignored.

Contributor details

Vasiliki Labitsi is educational advisor for the Greek Ministry ofEducation, children’s book illustrator and taught art educationin the Education Department of Athens University. She hasUndergraduate Degrees in Primary Education and Sociology,Masters Degrees in Art Education and Children’s Literature andstudied illustration at Ornerakis School of Applied Arts. In 2007she completed a PhD thesis in Art Education at RoehamptonUniversity. She has illustrated children’s books for several Greekpublishing houses and the Ministry of Education and exhibitedher illustration work in Greece and Europe. She is member ofthe board of the Greek Association of Children’s BookIllustrators and worked as assistant editor of the InternationalJournal of Education through Art. Contact: Propondithos 16,Oropos, Attiki, 19015, Greece. Email: [email protected].

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Resumo:O Homem, ao interagir directa ouindirectamente com tudo o que orodeia, terá que estar inserido numvasto leque de dinâmicas sociais.Assim, sujeito e ambiente surgemmesclados e apresentam como panode fundo uma multiplicidade derelações intercontextuais, onde uminfluencia o outro, e vice-versa. Aoestarmos perante um “conjunto deestruturas concêntricas” chamadasde micro1, meso2 , exo3 emacrossistema4 (Formosinho,2002a), que Urie Bronfenbrenner(1979) denomina de “ambienteecológico”, que surge a expressãodo graffiti. Deste modo, pretende-secom este artigo oferecer umcontributo para a reflexão sob otema do graffiiti, como forma decomunicação “específica” eexpressão social actual e em plenodesenvolvimento. Odiado econsiderado por muitos comovandalismo urbano, pretende-secom esta reflexão apresentar umanova perspectiva sob o tema, aoexpôr o desenho do graffiti comopoesia visual no espaço urbano,com objectivos comunicativosespecíficos e amado no seio doswriters e apreciadores desta formade expressão.

Palavras chave: Graffiti/ comunicação “específica”/ expressão urbana / writer.

Introdução

Em qualquer sociedade, a qualquercidade que se vá, em qualquer canto, hásempre, quer se goste ou não, distintasintervenções gráficas, realizadas numlugar público qualquer, onde não parecehaver um padrão estético homogéneo.Não compreendidas por grande parte da

sociedade, sendo desvalorizadas edesacreditadas por expressarem umespírito de rebeldia e transgressãoconsciente, essas intervenções gráficas -os graffitis - são uma presença actual noespaço e podem conter em si granderiqueza estética, oferecendo à sociedadearte em espaços públicos. Tal comorefere Bacelar (2002), “o graffiticontemporâneo é muito mais do que oresultado da vontade de mutilar oudesfigurar equipamentos colectivos,podendo-se considerar antes como ummodo atrevido de revelação dacriatividade, mestria e arrojo dograffiter”(p.2).

Apresentando-se o graffiti como umadas vertentes da cultura Hip-Hop,nascida nos Estados Unidos da Américano início dos anos 70, é exportado paraa Europa e chega a Portugal nos anos

90. E é nesta concepção de graffiti,inserido nesta cultura Hip-Hop, que secentra o presente artigo.

A forma criativa do graffiti apresentarasgos comuns em todo o mundo,favorecendo uma verdadeira unidade de

Figura 1 - Caos, Porto, 2001

criação artística, relativa aos seus valoresexpressivos e técnicos (Pais, 2000).Desde traços avulsos e estilizados, deformas elaboradas e de grandesdimensões, a outras formas, compostaspor uma série de elementos pictóricos eesteticamente enriquecidos, são imagensque se podem ver nos contextos sociais.Esta é uma forma de expressãoevidenciada por jovens, de váriasorigens sociais que, através do graffiti eda sua riqueza gráfica, tentam transmitirpara a sociedade e para os espaçospúblicos as suas irreverências, as suasideologias, os seus sentimentos,marcando, de certa forma, a suaafirmação e os seus valores.

O graffiti encontra-se entre duaspercepções: a da sociedade instituída,que o rotula, no seu sentido amplo,como acto de vandalismo e/ou umatentado ao património, e a dos writers,que defendem o graffiti como umaforma de arte alternativa, comocontracultura, onde se manifesta umdesejo de criatividade, estimulado porvezes, pela crítica à realidade social ou,simplesmente, pelo desejo de embelezaros espaços urbanos.

Graffiti: Amor ou ódio?Susana Távora de Almeida

1 Microssistema: espaço onde os “indivíduos podem estabelecer relações face a face(…).” 2 Mesossistema: “ (...) mundo das inter-relações entre os microssistemas (…) em que o indivíduo participa activamente.” 3 Exossistema: contextos não experienciados directamente pelos sujeitos, nem impliquem a sua participação activa, mas promovem situações que afectam ou são afectadas pelo que ocorre nas

diferentes estruturas ecológicas.4 Macrossistema: conjunto de “(…) crenças, valores, formas de agir, estilos de vida (…) que caractrerizam uma determinada sociedade”.

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I - O Rap, o Breakdance e oGraffiti (modelo americano)

As condições sociais e políticas que sedesenvolveram nos finais dos anos 60,em Nova Iorque, nos Estados Unidos,promoveram um contexto de rebeldia eauto-afirmação perante as instituiçõesestatais. Estas fizeram surgir novasformas culturais, propiciadas pelasminorias marginalizadas dos guetosdesta cidade, quebrando os mecanismosvigentes de controlo social. A culturasoul foi uma dessas formas culturais ecaracterizou-se, segundo Valentine(1978) como “(…) um elemento culturalactivo, de auto-afirmação (...).” (inDiego, 1997: 23). Influencioudirectamente a cultura Hip-Hop epromoveu o seu rápido desenvolvimento.Segundo Monreal (1995) é esta culturaque dá origem à cultura Hip-Hop(Diego, 1997), como um movimento decultura juvenil. Este movimento, de basereivindicativa e de protesto aos papéissociais estabelecidos, surgiu comoresposta social de algumas minoriasurbanas, unindo práticas culturais, dosjovens negros e dos jovenslatinoamericanos dos guetos e ruas dosgrandes centros urbanos. Deste modo, econsiderando autores como Mike Davis,o Hip-Hop é definido como “uma matrizfundamental de auto-expressãogeracional” (Arce, 1999: 90). Comomovimento, o Hip-Hop é constituídopela linguagem artística da música (RAP- Rhythm and Poetry), da dança(Breakdance) e da arte plástica (Graffiti)e foi um dos grandes fenómenos derenovação cultural etno/juvenil dasúltimas décadas (Arce, 1999).

O Rap surge como um estilo musical,uma forma de narração ritmada, comorigem no canto falado de Áfricaocidental e adaptado à músicajamaicana da década de 1950. Foiinfluenciado pela cultura negra dosguetos americanos no período pós-guerra. De acordo com Rose (1994),surgiu nos inícios dos anos 70, nos EUA,pelo imigrante jamaicano DJ Kool Herc,que separou a música rap de outras

músicas populares e estabeleceucondições para futuras inovações (Arce,1999). As letras das canções Rap sãodenúncias da exclusão social e cultural,violência policial e discriminação racial,apresentando-se como longas descriçõesdo dia-a-dia, sendo realizadas pelosjovens autores.O Breakdance apresenta característicasespecíficas na expressão corporal. Aseparação dos termos Break+Danceevidencia o estilo próprio da dança, quese caracteriza como uma dançarealizada através de passos simétricos,dançada na vertical e na horizontal,seleccionando, para o efeito, superfícieslisas e escorregadias. Foi inventadapelos porto-riquenhos, através da qualexpressavam a sua insatisfação com apolítica e a guerra do Vietname, comperformances que imitavam oshelicópteros de guerra ou mesmo ossoldados que voltavam mutilados.É a dança com que os denominados B-BOYS sentem e “curtem” os beats einstrumentais do Hip-Hop. Actualmentejá atingiu uma popularidade comparávelcom outras danças modernas.

O Graffiti surge como uma forma demanifestação, realizada por jovens,através da expressão gráfica e plástica.Surgiu em Bronx, Nova Iorque, ondejovens escreviam e pintavam, emdiferentes superfícies, com tintas emspray. Utilizando este meio tentavampassar mensagens para a sociedade,originando uma nova terminologia euma nova linguagem icónica e textual.Segundo alguns autores, esta forma deexpressão emergiu dos últimos suspirosda Pop Art, tal como refere Ferrari(2001), quando afirma que, “durante osanos 70 (…) vê-se surgir em NovaIorque (…) uma nova realidade pictóricaque se exprime nos corredores dometropolitano e nas paredes dos bairrosdegradados, (…) no Bronx, realizada porjovens (…) que tentam apenas deixar asua marca, sem qualquer intenção defazerem uma obra de arte. Quando ofenómeno começa a ganhar amplitude,(...) passam rapidamente das paredes doBronx e dos túneis do metropolitano

para as galerias de Manhattan (…) edistinguem-se alguns artistas, dotados deum estilo próprio, partilhando de ummesmo interesse pela cultura dos massmedia, que os aproxima dos artistas popda geração anterior. No entanto, se aarte pop se tinha limitado à reprodução,fiel ou deformada, da sociedade deconsumo (…), estes autores (…)adaptam a imagem dessa sociedade àsua própria sensibilidade, tingindo-a deraiva, ou de irreverência”(p. 28). SarahGiller (1997), refere que “ a cultura hip-hop e o graffiti representam uma formade resistência” (p. 3) ao ser reivindicativona sua forma, na sua produção e no seusignificado. Esta cultura chegou àEuropa nos anos 70, trazida por turistascuriosos sobre a expressão (Cairrão,2005) e, foi já nos anos 80, que amesma se evidenciou na Europa, comoexpressão cultural plenamentedesenvolvida. Em Portugal surgiu nosanos 90, em Lisboa mas, tal comonoutros países, facilmente se expandiupara a periferia e para outros centrosurbanos.

O graffiti, enquanto expressão artística ecriativa, desenvolve-se de forma a servirde apoio expressivo da construção socialda realidade dos seus produtores que,ignorando diferenças de classe e raça,utilizam as suas formas icónico-textuaispara representar, no meio público e parao público, as suas expectativas eintenções. Surge no meio urbano comouma prática cultural, dirigida por umpúblico específico, e desenvolve-se talcomo outras formas culturais e artísticasalcançando o fenómeno, cada vez mais,uma grande amplitude no panoramasocial e cultural.

II - O termo Graffiti

Originalmente o termo graffiti englobavatodo e qualquer signo desenhado ougravado na pedra. Do grego “grafein” edo latim “graffiare” tinha, no mundoantigo, a conotação semântica deinscrição icónica e textual. SegundoSaavedra (1999), o primeiro autor do

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termo foi António Bosio, no século XVII,tendo sido, no entanto, os estudosefectuados por Raffaele Garrucci(1854/56) que o generalizaram. Foi,porém, já no século XX que o termo seafirmou. Joaquim Bols (1979), aplica otermo a inscrições anónimas que surgemsobre muros, no espaço urbano, e queatestam a presença do seu autor,salientando que não se tratam depinturas de cariz político ou comercial(Saavedra, 1999). Outros autores, comoGuillermo Fatas e Gonzalo Borras,citados por Saavedra, 1999, referem-seao termo como algo que exclusivamenteexpressa sentimentos, ofensas e outrosestados pessoais e se executam emparedes de edifícios. Autores, comoCooper e Sciorra (1994), relacionam otermo graffiti com a cultura Hip-Hop,reivindicando a sua validade artística aoafirmarem que “o graffiti retomou às suasraízes e ressurgiu como uma forma dearte autónoma e plenamente viável comotal.”(Diego, 1997, pp.19). Já Gary(1995), define o termo graffiti,valorizando a sua vertente comunicativa,como um código ou modalidadediscursiva onde emissor e receptorrealizam um diálogo particular, deanonimato mútuo, realizado num lugarilegal e que altera o espaço contextualcom elementos pictóricos e verbais empermanente interacção (Saavedra, 1999).Autores como Riout (1990), Manco(2002) e Ganz (2004), têm, também,vindo a demonstrar a faceta artísticadeste fenómeno. Do exposto podeconcluir-se que a definição do termo éalgo complexa, indo ao encontro dasperspectivas dos diferentes autores.

Na procura de uma definição quecontemple os múltiplos aspectos atrásreferidos e acrescente outros, tais comoos meios e técnicas utilizados naexecução do graffiti, a autora desteartigo define graffiti como “um meio deexpressão social e de comunicaçãoespecífica, normalmente realizado porjovens, num determinado suporte. Utilizanormalmente como riscador o aerossol eé composto por composições ondepredominam figuras e fundos ou figuras,fundos e texto, com preocupações deordem estética. É realizado comdiferentes cores e com traços que oidentificam, distinguindo-o de outraqualquer expressão visual.”

III - Tipologia do graffiti

Nos espaços urbanos podem-seencontrar diferentes tipos de graffiti, asaber:

-- GGrraaffffiittii mmóóvveell, que se caracterizapor ser executado em suporte móvel,apresentando-se o objectivocomunicativo do trabalho intimamenterelacionado com as característicasespecíficas do suporte. Salientam-se,por exemplo, vagões de comboios;-- GGrraaffffiittii mmiissttoo, que é executadosobre suportes portáteis, colocados emlugares distintos, por um período detempo variável. Por exemplo, protecçõespara as obras e painéis móveis;-- GGrraaffffiittii eessttááttiiccoo, que se caracterizapor ser executado num suporte nãomóvel como muros, pilares oumobiliário urbano.

IV - O graffiti e o espaço

Podem-se observar graffitis, nos espaçosfísicos, nas seguintes situações:- em locais fixos de grande visibilidade,acessíveis a qualquer observador, comopor exemplo, no interior da cidade;- em locais de transito rápido, sendoobservados pelo observador enquanto estese move, convertendo a sua observação abreves segundos. Destacam-se asvedações junto às linhas de caminho deferro, em auto-estradas, etc.;- em movimento, ou seja, são executadospara serem observados enquanto semovem. Por exemplo, o caso dos graffitisque são realizados em vagões decomboios e que andam de cidade emcidade, de modo a divulgarem amensagem ou o próprio autor.- em espaços conhecidos pelos elementosdas diferentes crews e destinados àrealização de graffitis. Estes espaçosapresentam uma visibilidade públicaespecífica, orientada para os apreciadoresdesta expressão, uma vez que se deslocamao local com esse intuito.Hoje em dia também já se encontram,com alguma frequência, em espaçoscomerciais, de grande visibilidade públicacomo lojas, hotéis, bares, entre outros emesmo em spots publicitários ouprogramas televisivos dirigidos a umpúblico mais jovem. Também já sãoseleccionados para a decoração deespaços de cariz particular.

Esta contextualização do graffiti noespaço, tal como o conhecimento dascondições físicas e materiais queconduziram à sua produção e exibição,tem um papel bastante determinante noobjectivo comunicativo que o writer quertransmitir com o seu graffiti aoobservador/fruidor. Assim, de acordo coma característica do graffiti a realizar éseleccionada a morfologia do local e osuporte adequado. Segundo writerspraticantes e autores como Cooper eSciorra (1994), Saavedra (1999), Chalfante Cooper (2003), entre outros, pode-seclassificar o graffiti, de acordo com o seuobjectivo comunicativo, em tag, throw-up,bombing e color piece conforme sesintetiza e ilustra seguidamente.

V - Classificação e tipo deilustração do graffiti deacordo com o seu objectivocomunicativo

TTaagg -- É a primeira manifestação e aforma mais básica do graffiti. Apresenta-secomo o nome (tag) do “writer” (toy) e érealizado com uma letra estilizada,escrevendo-se rapidamente, com umúnico traço e apenas a uma única cor.Escreve-se com aerossol. Dadas as suascaracterísticas, o seu objectivocomunicativo é apenas “marcar” oespaço, comunicando a um públicoespecífico (crews) que “aquele espaço éseu.” Por vezes verifica-se uma troca demensagens entre toys, com a intenção dese afirmarem. Muitas vezes é realizado porelementos que não tem qualquerafinidade com a expressão conceptual dograffiti. É considerado socialmente comoum acto de vandalismo.

Figura 2 - Anónimo, Sintra, 2004

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Figura 3 – Anónimo, Porto, 2008

TThhrrooww--uupp -- Consiste num tag ondeas letras apresentam uma maiordimensão. Monocromáticas, sãoisoladas do fundo por um outline decor contrastante, podendo estarrodeado de vários tags de dimensõesmais reduzidas, formando, no entanto,uma só unidade. Escreve-serapidamente com aerossol. Requeralguma perícia por parte de quem oexecuta e é considerado uma“afirmação” do tag.

Figura 4 - BTScrew, Aveiro, 2004

Figura 5 – Busters, Aveiro, 2005

BBoommbb iinngg -- É a assinatura do writermais elaborada, destacadavisualmente através da cor, das linhase das grandes dimensões. Utiliza-se,por vezes, o recurso àtridimensionalidade. A letra apresenta-se “trabalhada” e, no seu objectivocomunicativo específico, é jáapreciado o conjunto de skills que oautor apresenta. É frequentementevisto em locais de grande visibilidadee de trânsito rápido.

Figura 6 - Anónimo, Aveiro, 2004

Figura 7 – BTSK, Aveiro, 2005

CCoolloorr pp ii eeccee -- Apresenta-se comouma obra, realizada por um ou maiswriters, sendo um deles o orientador.Realizada com a utilização de váriascores, apresenta um trabalho muitocuidado, com preocupações de ordemestética e formal, em fundos bemelaborados. Apresenta-se,normalmente, no hall of fame e érealizado por writers maioritariamenteexperientes e já com um conjunto deskills variado. Não é um trabalhorápido, sendo concretizado ao longode várias horas, dias ou mesmo

semanas. Numa comunicaçãoespecífica, pode ser apreciada, quer atécnica, quer a mensagem transmitida.

Pode denominar-se o seu autor porking. Este adquiriu já um estatuto maiselevado no seio dos writers, sendo asua pessoa e o seu trabalhorespeitado e admirado por todos oselementos da sua crew ou mesmo deoutras crews. Esta variante de graffitipode-se dividir em dois grupos: ograffiti hip hop, que apresenta umaversão mais contestatária e o graffitiarte, que privilegia a expressãoexperimentalista do writer, com autilização da técnica do aerossol, emvários suportes privilegiando contudo,o suporte parede. Normalmente éaceite socialmente. A sua qualidadepode fazer com que se denomine demasterpiece.

As cores, as formas, os traços, aimagem, o fundo, os efeitosproduzidos, a aparência final da obra,entre outras, são características quefazem privilegiar a color piece emdetrimento de outros tipos de graffiti.

A color piece pode apresentar granderiqueza pictórica e formaldistinguindo, nestes graffitis, umconjunto de elementos gráficos que sepodem agrupar em letras, figurasvisuais, frases e fundos.

Figura 8 – Ram/LegCrew, Estoril, 2005

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Figura 9 – Caos, Porto, 2001

VI - As letras

As letras aparecem como o elementoprimário de qualquer graffiti. Assumemgrande destaque, quer numa composiçãomais elaborada, quer somente naassinatura do writer ou do toy.

A sua concepção e desenho, a suarealização e decoração são característicasimportantes que permitem distinguiralgumas variedades de letras.Segundo Castleman (1982), apresentam-se três conjuntos fundamentais de estilos deletras: os genéricos, os locais e ospessoais.- Como genéricos apresentam-se os estilosbásicos que tem perpetuado na cultura dograffiti desde as suas origens, ampliando-se e enriquecendo-se com novascombinações e formas. Salientam-se, porexemplo, as bubble letters, 3D letter e owildstyle.

- Como locais são considerados aquelesestilos que se desenvolvem numdeterminado contexto territorial, comrasgos formais semelhantes, apresentando,no entanto, características formaisespecíficas.- Sobre os estilos pessoais pode-se referirque estes poderão ser uma mistura dosestilos genéricos com os locais criando,cada writer, um estilo de letras, de forma adesenvolver um estilo próprio, que odistinga dos restantes e que ,simultaneamente, sirva como marca dereconhecimento. Este estilo pode serdesenvolvido individualmente ou tambémcomo marca da crew a que o writerpertence, personalizando-se quer pelaforma, pela cor ou mesmo pelos elementosdecorativos.

Para além dos estilos próprios de cada

letra, pode-se ainda observar e distinguirnas mesmas, dois tipos de adornos: osinteriores e os exteriores.

Nos interiores, o corpo da letra é realçadopela sua decoração que pode apresentarelementos geométricos, (pontos, linhas,círculos, etc), abstractos, figurativos(corações, flores, estrelas, chamasanimadas, etc), ou, simplesmente, brilhos ereflexos.

Os exteriores, que ornamentam o contornodas letras, fazem normalmente parte de umfundo. Podem ser apenas as letrasdestacadas com linhas contínuas de coresfortes, ou simplesmente, apareceremapenas como um elemento de referênciapara a compreensão da mensagem dowriter ao tentar captar a atenção doespectador. Esta decoração exterior surgede modo a estruturar a composição dotrabalho realizado.

VII - As figuras visuais

As figuras visuais surgem na color piece,oferecendo-lhe mais atracção visual,devido ao tratamento gráfico a quenormalmente estão sujeitas.

Estas figuras apresentam-se diferentesconsoante as preferências, o estilo ecapacidade de desenho dos writers. Porvezes surgem como caricatura, comofiguras realistas ou mesmo surrealistas.Privilegiam-se as figuras de bandadesenhada ou outras personagens ouheróis de animação televisiva ouelectrónica. Também as figuras de seresmitológicos, monstros, ou figurasantropomorfas dotadas de corpo inteiro,de meio corpo ou, simplesmente, sóapresentando a cara, surgem com algumafrequência. Destacam-se também animais,flores e objectos, que se apresentam

alegoricamente, dotados de uma forteconotação simbólica. No entanto, cadavez mais se nota a preferência dos writersem criarem figuras originais e expressivas,que os caracterizem e que os identifiquem,podendo apresentar versões que vãodesde a figura realista a imagensabstractas.

Por outro lado, e em alguns casos, a arteconvencional também tem influência naelaboração das figuras para as colorpieces, ao permitir observar diferentesexpressões artísticas e estilos, queenriquecem visualmente o writerapreciador.

VIII - As frases

Associadas intimamente à letra encontram-se, em muitos casos, e especialmente nograffiti maiscontestatário, as frases curtas. Estas surgempara evidenciar a posição do writer face auma determinada realidade social.Normalmente apresentam um cariz social,ao tentarem transmitir a uma determinadasociedade uma mensagem sobredeterminados problemas sociais que, porvezes, são ignorados. Desta forma, a fraseassume-se não só como reivindicativa mastambém interventiva, ao tentar levar asociedade, que a lê, a reflectir e a pensar.

Outros casos há, em que as frases surgemdestinadas a alguém especial,apresentando-se como dedicatóriasdireccionadas a namoradas, amigos ououtros.

IX - Os fundos

Na color piece o fundo é muito importantena medida em que contextualiza as figurasvisuais e as próprias letras. Entendendo-se

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como fundo “o espaço que se situa atrásde”, este poderá nascer antes das figuras,surgir em simultâneo, ou ser posterior àsmesmas. A escolha de uma destas opçõesé do writer, pois está intimamenterelacionada com o seu estilo e modo de seexpressar.

O fundo enriquece toda a color piece epermite-lhe apresentar distintascaracterísticas da espacialidade,originando efeitos tridimensionais e deprofundidade visual. Para além disso,permite conjugar os diferentes elementosvisuais, como a cor, a textura, os volumes,criando a riqueza cromática e formal a quenormalmente lhe está associada. Contudo,este fundo pode ser monocromático oupluricromático e apresentar diferentessituações gráficas como, por exemplo: -ser plano e de onde nascem as figurastridimensionais; - ser expressivo, aorepresentar a ideia de movimento, deperspectivas mais elaboradas ou mesmosensações de impacto e explosão; ou - serrealizado com a utilização do degradécromático, originando efeitos que se obtêmpela experiência e criatividade do seuautor.

Figura 10 – Ram/Wize, Cascais, 2004

X - O writer

Os writers são jovens que gostam dedesenhar e de pintar e que muitas vezesiniciam a sua aprendizagem através daimitação visual de imagens, comsignificado próprio. Normalmente estasimagens são de figuras que admiram eque irão ter uma influencia inicial no seutrabalho e, possivelmente, no seu estiloposterior.

Relativamente à origem social e

escolaridade dos writers, pode-se encontrarwriters em todas as classes sociais e detodas as etnias (Arce, 1999; Saavedra,1999; Pais, 2000; Ferro, 2005 inRodrigues, 2005) apresentando aexpressão do graffiti uma composiçãotransclassista, masculina e feminina.Quanto à escolaridade e formaçãoacadémica, por vezes são jovens queapresentam insucesso escolar, mas umgosto muito grande pela imagem gráfica.

Outros, pelo contrário, são bons alunos edesde cedo evidenciam preferênciasartísticas, enveredando por estudossuperiores no âmbito das artes, design eensino artístico.

O prestigio e o reconhecimento do writer éinfluenciado pelo número de trabalhosexpostos na sociedade e pela qualidadedos mesmos, ao mostrarem preocupaçõesde ordem estética e pictórica. O conjuntode skills que o writer possui é determinantena hierarquia estabelecida, apresentando-se, normalmente, mais desenvolvido emwriters já com um percurso nesta expressãoe idade mais avançada.

O writer, usualmente, junta-se a outroselementos, com os mesmos gostos,formando a crew que é, normalmente,constituída por cinco ou seis membros.Criam um nome que os identifique peranteos outros grupos e este é, normalmente,apresentado sobre a forma de abreviaturade um nome mais complexo. Por vezesestas crews são compostas por elementosde diferentes vertentes da cultura Hip-Hop.

Relativamente à imagem dos writers, aoseu modo de vestir, estes apresentampreferência por algumas marcasespecíficas, com design desportivo.Privilegiam as peças largas, ténis com fatlaces, bonés, ou gorros e casacos comcapuz. A completar o estilo surgem muitasvezes o uso de mochilas. Contudo, estacaracterização é muito relativa e nemsempre os writers se vestem como tal.

Os writers adoptaram uma terminologiaprópria que lhes permite comunicar entresi. Do ponto de vista linguístico, esta torna-se quase impossível abarcar vistoapresentar uma constante mutação aopertencer a uma cultura que evoluiconstantemente. Muitos dos vocábulosutilizados tem origem na aplicação directa

do termo inglês correspondente. Noutroscasos, a invenção ou a utilização determos são escolhidos tendo em conta asrelações com valores fonéticos esemânticos da palavra.

A linguagem converte-se num elementocultural diferenciador e, simultaneamente,comum no seio do grupo, sendonecessário identificá-la e conhecê-la paraa poder compreender, quer em termostécnicos quer em termos sociais, poisapresenta-se composta por gírias, comvariantes sintácticas próprias. Curioso éque o autor de uma manifestação comgrande relevância pictórica sejadenominado de writer (escritor) e nãopainter (pintor) ou outro vocábulo maisdirectamente relacionado com o termograffiti.

A esclarecer esta questão relembram-se asorigens do graffiti nova iorquino e osprimeiros graffitis a serem executados, emforma de textos, frases ou palavras, ondesobressaía o nome do protagonista, emformato de pseudónimo, ou seja, o seutag.

Relativamente ao tag, este surge comouma nova identidade, apenas conhecidapor alguns. Caos, Moa, Don, Ram, Mar,5Stars, Exas, Sken, Nomen e Mosaik sãoalguns exemplos de tags de writersportugueses. Phase 2, Blade, Daim, Daze,Crash, Gémeos, Zephyr, Lady Pink, Noc,Kase 2, são algumas referências nopanorama internacional e de grandeprestígio no meio da expressão do graffiti(Ganz, 2004). Um tag deve apresentarentre três a sete letras, e o importante éque afirme um estilo próprio, comqualidade.

Figura 11 – Ram, Sintra, sd

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Glossário (termos presentes notexto)

BBeeaa tt ss :: Sons que se fazem com aboca.BB--BBooyy ((BB rreeaakk --bbooyy )) :: 1 Elementomasculino da crew que se dedica aoBreakdance. / 2 Aquele que dançaBreak.BB--GGii rr ll (( BB rreeaakk --gg ii rr ll )) :: 1 Elementofeminino que se dedica aobreakdance.BBeebb :: Boneco que faz parte de umapeça. A banda desenhada e o cinemasão os principais inspiradores destasfiguras.BB ii tt aa rr :: Imitar, copiar.BB ii tt ee :: Imitação do estilo de desenhode outro.BB ll aacckkbbooookk :: Apresenta-se como oportfólio do writer.BBoommbbee rr :: Writer que praticabombing.BB rreeaakkddaannccee :: Modalidade de dançaligada ao movimento Hip-Hop, quetem como base movimentossegmentados. No breakdancedistinguem-se duas modalidadesbásicas: o popping e o floor (sobre ochão), apresentando fortecomponente acrobática.CCaappss :: Válvulas que se colocam nasaída dos sprays para se obter o traçodesejado. Permitem várias espessurasde traço.CCrr eeww:: Grupo de writers quehabitualmente pintam juntos, sendoidentificados por uma sigla.DDjj ((DD ii ss cc -- JJoocckkeeyy )) :: 1 Elementos dacrew que se dedicam à parte musical./ 2 Aquele que realiza a selecçãomusical e que a executa para umpúblico.FFaa tt ll aacceess :: Atacadores largos usadosnos ténis.HHaa ll ll oo ff ff aammee:: Parede pintada comuma sequência longa de graffitis bem

elaborados / 2 Parede legal onde sãoproduzidos graffitis de alta qualidade.KK ii nngg :: 1 Título atribuído ao melhorwriter de uma demarcação espacialpela sua actividade, por proliferaçãoou pela qualidade do seu estilo degraffiti. / 2 Writer experiente commuita técnica,estilo e bastantes trabalhosrealizados.LLee tt tt ee rr ii nngg :: Conjunto de letras.MC (Master of Ceremonies): Líder dorap.OOuu tt ll ii nnee :: Contorno das letrasdesenhadas.PP ii eeccee :: 1 Obra de graffiti colorida,com pelo menos a utilização de trêscores, feita com bastante tempo econcluída / 2 Diminutivo demasterpiece / 3 Expressão para umapintura a spray orientada por letras.PPoopp AA rr tt :: Movimento artístico, dosinícios dos anos 60, que se baseia nareprodução fiel ou deformada, deimagens da sociedade de consumo ede massas, de forma nãoreinterpretada.SS ii ll vvee rr :: Graffiti realizadorapidamente, normalmente compostopela tag do seu autor, realizado comletras compostas por um contorno(outline) e cheias a tinta cor de prata.SSkk ii ll ll ss :: Conjunto de técnicasdominadas por um writer, um mc, djou b-boy.SS tt rr eeee tt --aa rr tt :: Forma de arteindependente, que ainda não foiinfluenciada peloHip-Hop. Hoje em dia é utilizadamuitas vezes, como termo genérico,para arte urbana.TTooyy :: Writer inexperiente sem umaquantidade considerável de trabalhosrealizados e com uma técnica inferiorà dos writers mais experientes. / 2Escritor sem estilo / 3 Termopejorativo

atribuído a um writer sem técnica.WWrr ii tt ee rr :: 1 Pessoa que pinta o graffiti.Nome e estatuto adquirido apósexperiência e aprendizagem. / 2Escritor de graffiti.

AgradecimentosAos writers referenciados e queilustram o artigo.

Bibliografia

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ResumoEssa pesquisa buscou verificar como osprofessores do curso de Artes Visuais –Licenciatura/ UFSM/Brasil, participantesdas transformações curriculares – 1992,1999 e 2004, entendem as mudançasocorridas em relação à estrutura docurso; tempo de estágio e oferta dedisciplinas. Objetivou igualmente,perceber a importância dessas mudançaspara o meio acadêmico, bem como,para o corpo docente. Sendo assim, apesquisa estruturou-se através de umaabordagem qualitativa utilizando-se deum estudo de caso (três professores doCurso de Artes Visuais participantes daestruturação dos Projetos Pedagógicos).O procedimento para a efetivação destapesquisa voltou-se para a apreciaçãodocumental e para a entrevista semi-estruturada. Na presença destes dados,foi realizado um estudo embasado naAnálise do Conteúdo que aconteceu emtrês etapas: pré-análise, descrição einterpretação referencial. Estesprocedimentos foram de fundamentalimportância para que, por meio destassistematizações, pudéssemos obterindicadores que permitissem a inferênciade conhecimentos relativos às condiçõesde produção/recepção das mensagens.Estes passos possibilitaram verificar aconcepção e a participação dos valores eideais profissionais e sociais dosprofessores participantes dessastransformações, perante as novasdiretrizes a serem estabelecidas. Comisso, percebeu-se, na fala dosprofessores, a forte presença de pontoscomo: Currículo como imposição;Cultura e realidade local e, Ensino dasArtes Visuais como centro detransformação.

Palavras-Chave:Projeto Pedagógico - Artes Visuais –Currículo - Cultura.

Apresentação

Percebe-se que hoje, com as constantesmudanças sociais daContemporaneidade, surgem novaspossibilidades para a abordagem doensino e da produção artística. E, écom essas novas possibilidades e, comuma gama infinita de diferentes olharese tendências que temos de trabalhar.Todavia, ao mesmo tempo em queessas mutações/transformaçõesatendem aos interesses de umadeterminada estrutura educacional,introduzem novos desafios aos atoressociais envolvidos nesse processo.

Ao encontro desta breve exposição dosistema educacional, não há comocontinuar a mercê das mudanças,temos de estar atentos e fazer com queos valores sociais dos indivíduosjuntamente com a contemporaneidadebalizem seus saberes e concepções nocampo do ensino. O que significa, nãodeixar de lado as transformaçõessociais, mas “dar voz aos sujeitos,considerar seus saberes, investir nopotencial emancipatório, na autonomiatantas vezes reprimida” (FOIS; SOUZA,2006, p. 53). No entanto, ambos,sociedade e indivíduo têm de começara estruturar um processo coletivo edemocrático ao ponto em que ademocracia passe a estabelecer-se comas suas devidas características:produção para o uso, ajuda mútua egestão operária, característicasatualmente incompatíveis com o sistemacapitalista Contemporâneo,antidemocrático.

Sendo assim, parte-se do princípio queuma das especificidades do campo deconhecimento das Artes é o daformação e atuação pedagógica. Comisso, percebe-se que iniciativas estãosendo concretizadas em âmbito

nacional quanto à compreensão evalorização do conhecimento artístico,pois segundo Arroyo (2000, p. 23):

O peso central dado ao domínio dosconteúdos das áreas da licenciatura eo peso secundário dado ao domíniodas áreas educativas refletem essamesma concepção e tratodescaracterizado do ofício e docampo educativo que vem sealastrando durante décadas.

Partindo desta realidade, o Centro deEducação e o Centro de Artes e Letrasda Universidade Federal de SantaMaria, contemplando pequenas ações,começaram a preocupar-se emabordar, refletir e questionar as ArtesVisuais na esfera pedagógica. Essaconcepção se materializou nagraduação-curso de Licenciatura e, napós-graduação-nível de mestrado.

Com base nessa perspectiva da buscapelo saber, este projeto volta-se para asalterações ocorridas na estruturaeducacional- Projeto Pedagógico- daUniversidade Federal de Santa Maria,objetivando assim, verificar como osprofessores do curso de Artes Visuais –Licenciatura/ UFSM/Brasil, participantesdas transformações curriculares docurso- 1992, 1999 e 2004, entendemo porquê das mudanças em relação àestrutura do curso; tempo de estágio eoferta de disciplinas.

Um revisitar histórico/crítico no cursode licenciatura em artes visuais daUniversidade Federal de SantaMaria / RS / Brasil i

Leila Adriana Baptaglinii / Marilda Oliveira de Oliveiraiii

i Resultados parciais da pesquisa monográfica do Curso de PósGraduação – Especialização em Gestão Educacional daUFSM/RS/Brasil.

ii Autora da pesquisa monográfica. Bacharel e Licenciada emArtes Visuais pela UFSM/RS.e-mail: [email protected]

iii Orientadora da pesquisa. Professora do Departamento deMetodologia do Ensino, Centro de Educação, UFSM.Professora do Programa de Pós Graduação em Educação –PPGE/CE/UFSM e do Programa de Pós Graduação em ArtesVisuais – PPGART/CAL/UFSM. Coordenadora do GEPAEC –Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e [email protected]

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Tendo em vista os objetivos da pesquisa,tornou-se adequada, para sua efetivação,uma abordagem qualitativafenomenológica, isto é, uma abordagemfocada na “experiência vivida, no “mundoda vida”, nos significados subjetiva eintersubjetivamente constituídos” (SILVA,2003, p. 39).

Desta forma, a pesquisa, voltada para umestudo de caso, se caracterizou pelacoleta de dados e realizou-se através deentrevistas semi-estruturadas com trêsprofessores do Curso de Artes Visuais, afim de organizar um relatório ordenado,uma avaliação analítica acerca dosobjetivos propostos. Estas ações se derampara que pudéssemos evidenciar asconcepções destes agentestransformadores em relação ao por quedas mudanças realizadas nos ProjetosPedagógicos do curso de Artes Visuais.Todavia, como coloca Szymansky (2004,p. 13), “Não podemos deixar deconsiderar o entrevistado como tendo umconhecimento do seu próprio mundo, domundo do entrevistador e das relaçõesentre eles.”

O que significa estar atento e a par doassunto para que se possam discerniralgumas colocações. Todavia, para quefosse realizada esta “conversa”, tornou-senecessário o conhecimento prévio destasmodificações, o que foi possível, mediantea apreciação documental, a qualpropiciou avaliações e sínteses de fatos eeventos passados. Nesta perspectiva,Ludke e André (1986) se referem aosdocumentos como dados essenciais paraa coleta de informações do pesquisador.

Na presença destes dados, a pesquisaaqui apresentada, encontra-se na fase deanálise e interpretação referencial.Análises estas, formuladas segundo aAnálise do Conteúdo (SZYMANSKY,2004), a qual está sendo trabalhada emtrês etapas: Pré-análise (organização domaterial documental e a análise dosfatores que inferiram na realização dasentrevistas); Descrição (momento datranscrição, da transposição das falas) e

Interpretação Referencial (análise, asistematização e delimitação dascategorias pré-estabelecidas ou de outrasque poderão emergir, delineando assim, acategorização).

A partir dessa fase do processo dapesquisa já se pode tecer algumasconsiderações e, desta forma, o projetonão se situou somente na identificaçãodas transformações do ProjetoPedagógico, mas também, na verificaçãodo olhar dos professores em relação àsmudanças e as repercussões destas emmeio ao cenário educacional.Assim, a pesquisa apresenta-se como umaetapa para a formação e estruturação deuma educação melhor qualificada, para abusca de novas perspectivas e alternativaspedagógicas fazendo com que os dadose, na especificidade deste projeto, oconhecimento das mudanças no ProjetoPedagógico dos períodos anteriores, sejampontos de reflexão e elaboração deestratégias para colaborar na superaçãodas demandas advindas da sociedadeeducacional.

Projeto Pedagógico: princípionorteador das ações curriculares.

Para estabelecer uma análise do currículoe Projeto Pedagógico de um curso torna-se necessário conhecer os princípios que oregem, neste caso, o Projeto Pedagógicoda Instituição-Universidade Federal deSanta Maria. Um projeto desta ordemexplicita os elementos fundamentais, asestratégias, metas e normas para aelaboração da estrutura curricular de cadaCurso. É, pois a partir destas orientaçõesque ocorrem as organizações do ProjetoPedagógico de cada curso1.

As mudanças e transformações exigidasao sistema educacional, que muitas vezessão vistas como impostas, apresentam-secomo fruto de mudanças ocorridas emtodo contexto social Contemporâneo.Estas redimensionam e remodelam asdiferentes instituições de nossa sociedadee, em um contexto global que vislumbra ocapital, percebe-se a emergência de

várias estratégias para a ascensão dessecapitalismo, dentre elas, o neoliberalismo,a globalização, a terceira via. Essaspassam a imprimir novas exigências edemandas para os diferentes setores dasociedade restringindo a função do Estadofrente às questões sociais. Surgem assim,as propostas que trazem a educação àideologia democrática do ensino público,que tem como base a descentralização ea autonomia. Esta propostaconstantemente trabalhada nos ideais daeducação brasileira, apesar de seus ideaisdemocráticos, apresenta-se fortementearticulada às transformações técnico-científicas, econômicas e políticas docampo social.

Apesar desta realidade, observadaconstantemente no contexto educacional,a teoria educacional regida nacontemporaneidade abrange um contextovoltado para a questão cultural do aluno,da visão do indivíduo dentro de umcoletivo2. Esta preocupação com oacadêmico, apresenta-se como fruto destenovo contexto que passa a aumentar acomplexidade das relações sociais,enfatizando a competitividade, a busca dolucro e do sucesso. Constata-se então, aimportância de estarem presentes, emtodas as reuniões e novas estruturações docurrículo, a abordagem social, astransformações e necessidades dasociedade que a cada momento semodifica.

Desta forma, cabe, aos currículos dosdiferentes cursos da instituição,implementarem a dinâmica presente noProjeto Pedagógico da UFSM, dedialeticidade entre o papel doCoordenador, do Coordenador Substituto,do Colegiado, Comissões regulares.Porém, especificando prioridades do cursona relação com as concepções de ensino,de relação professor/aluno, de integraçãoentre as várias disciplinas. Pois, estasdinâmicas apresentam-se muitas vezesapenas no papel e como coloca Apple(1989, p. 26) “Tem-se tornadocrescentemente óbvio ao longo dessemesmo período que nossas instituições

1 À Administração Central cabe estabelecer, nesse sentido, um roteiro mínimo para elaboração dos Projetos Pedagógicos. Com esse roteiro é considerando as especificidades de sua área, cadaCoordenação, com o respectivo Colegiado, estaria amparada na definição de uma pauta de elaboração do texto do seu Projeto. (PPP-UFSM, 2001).

2 “A grade curricular de um curso, como parte integrante de um Projeto Pedagógico não deve ser compreendida como enumeração de disciplinas, mas como estabelecimento de um campo dequestionamento de temas relevantes, propício ao amadurecimento intelectual e motivador para a prática profissional dos acadêmicos. (...) A racionalização da grade curricular, no interior do ProjetoPedagógico de Curso, deverá levar em conta os modos como às disciplinas se relacionam entre si, e o papel dessas relações para chegar ao perfil de egresso”. (PPP- UFSM, 2001).

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não são os instrumentos de democracia eigualdade que muitos de nós gostaríamosque fossem”, ou seja, as ideologiaspresentes nos documentos oficiais dasinstituições pregam e fazem crer em umademocracia e uma igualdade de ensino eoportunidades para todos que muitasvezes não se concretizam. Assim, esteincentivo à discussão da situação do cursoé importante para acentuar a integração eaumentar a condição de entendimentodos interesses comuns a docentes ediscentes articulando assim umademocracia participativa e não umademocracia representativa. (SANTOS;AVRITZER, 2002). Segundo estes autores,a democracia representativa institui-secomo um domínio exclusivo em nível daconstituição de governos; aceitação daforma vertical burocrática como formaexclusiva da administração pública e ademocracia participativa, como umaforma de participação significativa, sendopassível de ser realizada em níveis locais emais difíceis em nível nacional.

Este ideal, ao ser implementado,configuram-se com expressivaimportância, pois se vincula a verificaçãodas diferentes opiniões, o que éfundamental para que direcione amudanças com ponderação e rigoratravés de um sistema democrático.Mudanças que acontecem somente apartir do momento em que ocorre areflexão sobre a própria práticapedagógica onde, como reflete Arroyo(2000, p.41), “... pensar e mexer com aformação humana é um pensar nossaprópria formação, nosso próprio percurso.Enfrente-nos como um dever-ser. O que ébem mais complicado do que um saber-fazer”. Isso faz pensar nas dificuldades eexigências perante o dever-ser doprofessor.

No entanto, essa relação social do ser-consigo mesmo e, do educador com oeducando, é que constituem o produtopara a formulação de um currículo. Suaorganização e sua realização seestruturam através das relações sociais eintra-pessoais, pois este produto tomaforma e se diferencia segundo as reflexõese atuações de determinado conjunto depessoas. Conjunto de pessoas querefletem, trabalham e questionam-secoletivamente para que, diante doplanejamento, da execução, surja um

resultado adequado à visão do coletivo.

Desta maneira, o conhecimento para aestruturação do currículo corporifica umaforte relação social entre grupos, entrepessoas, entre pensamentos que passam aconstituir, dentro de uma sociedadeglobalizante, competitiva e mercadológica,uma estrutura chamada currículo.

Nessa perspectiva, cabe ao ensinoContemporâneo, fazer uma inter-relaçãodo ser social com o conteúdo curricular.Nesta pesquisa, ao enfocar o currículo dasArtes Visuais, tem-se então, a necessidadeda constante observação dos sujeitos, dasfaixas etárias e dos momentos históricoscom os quais se trabalhará. Isso se refleteno dizer de Arroyo (2000, p.53):“Descobrimos os educandos, as crianças,adolescentes jovens como gente e nãoapenas como alunos. Mais do que contasbancárias, onde depositamos nossosconteúdos.” Esta argumentação propiciaum pensar no papel do docente de ArtesVisuais, pois tende a estar constantementeengajado ao pensamento Contemporâneoe atento às possibilidades para um ensinoqualificável. Um ensino estruturado emmeio à diversidade e efemeridade dosacontecimentos, ou seja, em meio a umcontexto de:

Fábricas fechadas, escritórios vazios,milhões de desempregados, fome, (...)policiais nervosos, economistasestupefatos, políticos astutos, povosofredor, tantas imagens quepensávamos terem sido para semprelevadas pelo vento do capitalismo pós-industrial. E agora elas estão outra vezde volta, trazidas pelo vento da crisecapitalista. (Castelles apud APPLE, 1989,p. 19).

Quanto a estas transformações no âmbitoeducacional, Apple traz uma concepçãode educação entendendo-a como sendoum empreendimento não neutro, ou seja,em sua própria natureza apresenta-secomo um ato político. E neste sentidocoloca que:

Podemos agora começar a adquirir umacompreensão mais completa do modocomo instituições de preservação edistribuição cultural como as escolas, eacrescento aqui as universidades,produzem e reproduzem formas deconsciência que permitem amanutenção do controle social sem que

os grupos dominantes tenham derecorrer a mecanismos declarados dedominação. (APPLE, 1982, p.12)

Aqui, se retoma a concepção dedemocracia conforme a doutrinaSchumpeteriana, onde este, a coloca,como sendo um ato político, um tipo deestrutura institucional organizada para sechegar a decisões políticas eadministrativas, ou seja, uma organizaçãode gestão do tipo empresarial a qual sevolta para os objetivos de determinadaelite, segundo Santos e Avritzer (inSANTOS, 2002). Neste sentido, Pimenta(1999, p.7) faz perceber que “astransformações das práticas docentes sóse enfatizam na medida em que oprofessor amplia sua consciência sobre aprópria prática, a de sala de aula e a deescola como um todo”. Tem-se aqui, anecessidade da relação do docente com apesquisa e a produção do conhecimentoindubitavelmente ligada às transformaçõessociais. Esta forma de pensar e interagircom o mundo propicia um pensar e refletirdo docente em relação à necessidade deenvolvimento com os aspectos sócio-culturais e simbólicos que se evidenciamem todo o processo pedagógico. E, estáem suas mãos, saber fazer a distinção deuma educação para o ser social, de umaeducação para o mercado e, para ocapital.

No que concerne a área das Artes Visuais,não podemos esquecer que para umpensar artístico, é impreterível que hajaum pensar crítico que viabilize umposicionamento frente aos fatos. É comesta visão que se enfatiza a importânciados saberes produzido na sala de aula,nas discussões e questionamentos quesurgem a partir do momento em que osujeito exterioriza sua opinião, que traz suavivência para a sala de aula. Estacolocação propicia reflexões acerca daprática pedagógica, do agir do docenteperante o aluno e com isso, percebe-se anecessidade da procura do pensamentocrítico do aluno, seja em análises deobras, mais voltados para a estéticadentro dos pressupostos artísticos, ou ematividades de construção acadêmica emgeral.

Na esfera de formação acadêmicatem-se a primordialidade de fazer comque cada aprendiz vivencie situações

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fecundas de aprendizagem para que aUniversidade possa “gestar pessoas comsaberes plural e concomitantementesingular” (Frange apud BARBOSA, 1993,p.17). E, a partir destes saberesdiversificados, possibilitar ao aprendizestabelecer relações com as tecnologias,com os aparatos da sociedadecontemporânea que fazem parte docotidiano do indivíduo. Com isso, aprática pedagógica em Artes Visuais, nocontexto universitário, tem de propiciar umprocesso de vivências práticas e deinteração sócio-cultural para ofortalecimento do potencial crítico doaprendiz.

Nesta perspectiva, cabe destacar aimportância da relação social naformação inicial do docente, pois comonos lembra Pimenta (1999, p.19) “a partirda significação social da profissão; revisãoconstante dos significados sociais daprofissão; da revisão das tradições” é quese constrói a identidade profissional doindivíduo. E, como também nos apresentaArroyo (2002, p.32), “O que somos comodocentes e educadores depende doreconhecimento social dos tempos de vidahumana que formamos. Do valor dado aesses tempos”. No entanto, como colocaWillians (apud APPLE, 1982), não se podedesconsiderar que os conteúdoseducacionais podem e em muitos casossão afetados e até determinados porsistemas políticos e econômicos. Sendoassim, cabe a prática pedagógica e aosatores de seu desenvolvimento interligar ossaberes adquiridos pela reflexão na salade aula, através das proposições docontexto atual, com a estrutura curricularpresente no Projeto Pedagógico dainstituição formadora para que este nãoseja visto como um “instrumento decontrole”, mas sim, como um instrumentode auxílio.

Resultados parciais

No âmbito da pesquisa acerca de umrevisitar histórico/crítico no curso deLicenciatura em Artes Visuais daUniversidade Federal de SantaMaria/RS/Brasil, alguns resultados jápodem ser visualizados. Primeiramente,percebeu-se a necessidade de fazer umrelato histórico acerca da criação do cursode Artes Visuais-Licenciatura. Assim, tem-se que a Universidade Federal de Santa

Maria, idealizada e fundada pelo Prof. Dr.José Mariano da Rocha Filho, foi criadapela Lei n. 3.834-C, de 14 de dezembrode 1960, denominada de Universidade deSanta Maria.

Já, o Curso de Artes, teve sua fundação,seguindo a lei 3.958-C, de 13 desetembro de 1961 na presidência de JoãoGoulart, a qual em seu Art. 11 trata daautorização do funcionamento deste cursona Universidade de Santa Maria.

Art. 11- A universidade de que trata aLei n° 3.8348-C, de 13 de dezembro de1964, art.15, fica autorizada a instalar ea fazer funcionar, dentro de três anos,uma Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras e uma Faculdade de Belas Artes,observando as normas do respectivoestatuto. (Brasil, 1961)

Partindo de sua criação, o Curso de Artespassou por inúmeras transformaçõescurriculares e inúmeras nomeações. Oquadro abaixo advindo da pesquisa dedocumentos na Coordenação do Cursode Artes Visuais e, de uma pesquisarealizada acerca o currículo do curso deArtes Visuais-Licenciatura poderá mostrarestas transformações:

Na observação dos dados, percebe-seque, ancorados por legislações,

pareceres e resoluções, estasmodificações foram acontecendo aolongo dos períodos. Assim, em umaanálise específica das modificaçõesocorridas em 1992, 1999 e 2004podem-se visualizar alguns dadosimportantes acerca de como e porquetais transformações foram acontecendo.

Em 1991, entra em vigor, a estruturaçãodo currículo ancorada no ProjetoPedagógico formulado em 1990.Segundo justificativa estabelecida noProjeto Pedagógico para a solicitação deum novo curso, tem-se, dentre tantasoutras, o caráter massante da presençados cursos de Artes Cênicas e Músicajuntamente como curso de Artes Plásticasimpossibilitando assim o maioraperfeiçoamento e desenvolvimento deuma das áreas artísticas. Com vistas asanar estas problemáticas aapresentação de um novo currículo foienviada aos Órgãos Colegiados daUniversidade para que fosse aprovado eentrasse em vigor a partir do mês demarço de 1991.

Na Reforma Curricular de 1999, apósoito anos da ausência de um curso nonível de Licenciatura, estabeleceu-se ocurso de Desenho e Plástica-LicenciaturaPlena. Este se apresentava com umingresso, via vestibular, ao Curso deDesenho e Plástica - Bacharelado eposteriormente, era propiciado ao alunouma seleção interna ao Curso deDesenho e Plástica-Licenciatura.Abrangendo a reforma de 2004, vê-se,que esta, vem à medida que é solicitadauma reorganização curricular, acerca dacarga horária dos cursos, via ConselhoNacional de Educação.

No que se refere à consulta daSESu/MEC, cabe ressaltar que oparâmetro de 2.800, horas requeridopara a integralização dos cursos delicenciatura plena, estabelecido pelaResolução CNE/CP 01/2002 ereiterado na Resolução CNE/CP02/2002, publicadas no DOU em 04do corrente mês, constitui cargahorária mínima a ser efetivada, nomínimo, em 3 (três) anos letivos,obedecidos aos 200 (duzentos) diasletivos/ano, conforme disposto na LDB.(Resolução CNE/CP n° 2 de 19 defevereiro de 2002).

11996666,, 11996677,, 11996688 ee 11996699Professorado em Desenho e Plástica.

11996699 -- AArrtteess PPlláásstt iiccaassLicenciatura em Desenho e Plástica

11997744Curso de Educação Artística

11997799 -- EEdduuccaaççããoo AArrtt íísstt iiccaaLicenciatura de 1° grau

Licenciatura Plena de DesenhoLicenciatura Plena Artes Plásticas11999911 -- DDeesseennhhoo ee PPlláásstt iiccaa

Habilitação Artes Plásticas- BachareladoHabilitação Artes Cênicas

Habilitação DesenhoHabilitação Música

11999999 -- DDeesseennhhoo ee PPlláásstt iiccaaLicenciatura Plena

22000044 -- AArrtteess VViissuuaaiissLicenciaturaBacharelado

Nomenclaturas do Curso de Artes com os respectivosanos das mudanças. Informação adquirida via relatóriodo projeto “Ensino das Artes Visuais: de sua gênese aatualidade”, registrado no GAP CAL, n°. 017660.

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Sendo assim, a medida de ampliaçãoda carga horária “exigiu” umareestruturação das Licenciaturas Plenas,estabelecendo assim, a estruturação decursos distintos: Bacharelados eLicenciaturas. Apresentou-se assim, ocurrículo de 2004 do Curso de Artesonde se tem: Artes Visuais-Bachareladoe Artes Visuais-Licenciatura.

Seguindo a Resolução CNE/CP n° 2 de19 de fevereiro de 2002:

Art. 1°. A Carga horária dos Cursosde Formação de Professores daEducação Básica, em nível superior,em curso de licenciatura, degraduação plena, será efetivadamediante a integração de no mínimo,2800 horas, nas quais a articulaçãoteoria - prática garanta nos termosdos seus projetos pedagógicos, asseguintes dimensões doscomponentes comuns:I - 400 horas de prática como

componente curricular, vivenciadasao longo do curso;

II - 400 horas de estágio curricularsupervisionado a partir do inícioda segunda metade do curso;

III - 1800 horas de aulas para osconteúdos curriculares denatureza científico-cultural;

IV - 200 horas para outras formas deatividades acadêmico- científico-culturais.

Assim, fica estabelecido que asInstituições de Ensino Superior“considerando a nova regulamentaçãohomologada pelo Senhor Ministro, teráque obrigatoriamente reformulá-lo demodo a adequá-lo à nova tônicaescolhida.” (Resolução CNE/CP n° 2 de19 de fevereiro de 2002).

A partir desta explanação acerca dealgumas transformações curricularesrealizadas no currículo do Curso deArtes, especialmente as de 1992, 1999e 2004, observam-se as constantestransformações as quais o Curso deArtes vem sendo submetido. Com issosurge a importância de verificar como

os docentes do curso de Artes vêemestas transformações.

Afronte estas necessidades, realizou-seentrevistas com três professores do Cursode Artes a fim de evidenciar em suasfalas a compreensão destes acerca dastransformações curriculares. Sendo assim,a partir dos registros das falas,perceberam-se as categorias: Currículocomo imposição; Cultura e realidadelocal e, Ensino das Artes Visuais comocentro de transformação.

Na categoria Currículo como imposição,tem-se que, apenas um dos professoresparticipou em todas as reformas, pois osdemais chegaram à instituiçãoposteriormente a estas datas ou pormotivos de insatisfação com o que estavasendo “imposto”, como o colocado peloprofessor B quando diz: “depois, estanova reformulação de 2004, foi umaexigência das esferas superiores para adistinção de Bacharelado e Licenciaturano vestibular (...), vocês tem que ajustaras novas exigências como a prática deensino que aumentou a carga horária,algumas disciplinas que agora foramobrigadas por lei, mas não precisa fazerum currículo independente, mas a moçada reitoria continuou insistindo entãoficou separado”. Nisso, percebe-se que,conforme Moreira e Silva (1995, p.7-8).

O currículo não é um elementoinocente e neutro de transmissãodesinteressada do conhecimento social.O currículo está implicado em relaçõesde poder, o currículo transmite visõessociais particulares e interessadas, ocurrículo produz identidades individuaise sociais particulares. O currículo não éum elemento transcendente eatemporal - ele em uma históriavinculada a formas específicas econtingentes de organização dasociedade e da educação.

Segundo o autor, o currículo é, além deuma imposição superior, a articulação deseus construtores. E, conforme ocolocado na justificativa do Projeto de

2004 do Curso de Artes Visuais tem-seque este:

Comprometido com estas posições eatento aos debates atuais sobre asquestões relativas à formação deprofessores, a nossa equipe docentepautou suas discussões sobre o perfilque se quer formar, não esquecendo ospreceitos da Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional (lei 9394/96,de 20 de dezembro de 1996) 3 , daResolução CNE/CP 1/2002 4 e Parecerdo CNE/CP 28/20015, bem como daResolução CNE/CP 2, de 19/02/2002.

Nesse sentido cabe a estes responsáveispela construção do projeto, participarem,lutarem por um ideal de democraciaonde todos os envolvidos tenham chancede participar, de opinar, mesmo quenaquela situação não sejam atendidos.Essa importância de refletir, de questionaras legislações acerca da realidade ondeela esta sendo imposta emerge nas falasdo professor A quando diz: ”na estruturacurricular, eu acho, que em algunssemestres ficou muito apertado, compouco tempo, só que isso foi percebidoquando da origem da criação do curso,só que nos ficamos atrelados, pois nosfomos os pioneiros, na época que surgiuesta legislação em atender, enfim, fazerum currículo dentro da legislação vigente(...) Então nos atendemos a legislação damaneira como ela vinha surgindo.

Nas colocações feitas pelo professor Aevidencia-se a importância de um estar apar das repercussões da práticapedagógica, estar sempre questionandoacerca de como esta vem repercutindona formação dos futuros professores. Ecom isso, o professor A destacaimportância da participação doacadêmico neste processo deorganização curricular, pois é a partirdisso que ele passará, a saber, qual é oseu objeto de formação. Este saber foium dos objetivos que se procuroualcançar com as mudanças curricularesde 2004. Todavia este mesmo professordestaca que é muito cedo paraafirmações, pois se tem que: “fruto de

3 “As Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, constituem-se de um conjunto de princípios,fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplica-se a todas as etapas e modalidades da educação básica.”(PMENTA, 2004, p.251).

4 “Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.” (PMENTA, 2004, p.251).

5 Parecer do CNE/CP 28/2001, bem como a Resolução CNE/CP 2, de 19/02/2002, instituem a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação deprofessores da Educação Básica em nível superior..” (PMENTA, 2004, p.251).

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alterações legais na época nos foramsolicitadas estas alterações, então narealidade se não houvesse tido umpedido da reitoria talvez nos nãotivéssemos reformulado o currículo (...)nós trabalhamos em cima da legislaçãoque nos foi colocada e que deveria serseguida. Se foi adequada ou não, otempo é que nos vai colocar isso”.

A partir destas colocações, percebe-seimportância da democracia, de fazercom que os pressupostos presentes noProjeto Pedagógico dos Cursos de umainstituição Superior, seja articulado deacordo com os interesses não só de umaelite do poder, mas de toda classe socialconstituindo assim, um currículo que nãoseja imposto e, como coloca EFLAND,FREEDMAN e STUHR (2003, p. 166),“Los aspectos del currículo impuestodesde el nivel nacional permitiríanignorar aspectos únicos y particulares delarte que merecen ser reconocidos en losdiferentes escenarios de los países.”Ao encontro destas reflexões, pode-seevidenciar novamente, nas falas dosprofessores, esta significativa influênciada segunda categoria: Cultura erealidade local.

Nas palavras do professor C percebe-seque este, coloca todas as mudançascomo benéficas ao dizer: “eu acho queelas eram extremamente benéficas,sempre se atualizavam os cursos deacordo em função das mudanças dasociedade, das novas concepções de arteque se discutia nas universidades, noscongressos enfim. Eu, me parece, queeram sempre algo saudável.” E comoenfocam Giroux e Simon (apud EFLAND,FREEDMAN e STUHR, 2003, p. 80).

La concepción posmoderna del currículoestipula contenidos multidisciplinares y elestudio de un amplio espectro de culturasvisuales. La extraordinaria importancia delcontexto sociocultural para la educaciónposmoderna ha provocado unaprogresiva tomada de conciencia delpoder educativo de los medios decomunicación de masas y otrastecnologías electrónicas; al igual que lasrepresentaciones mediáticas de temassociales de un profundo análisis crítico.

Neste sentido, percebe-se a importânciade fazer com que as transformações

estejam relacionadas aos fatores sociaise culturais da sociedade a qual se estávivendo, fazer com que haja constantestransformações e adaptações ao que seapresenta enquanto construção social eartística. Pois,

se a transmissão cultural ocorre,sobretudo pela educação, a seleção defragmentos de cultura a seremtransmitidos merece de educadores/asgrande atenção, em especial caso seconsidere que as culturas são múltiplase se manifestam pelas aparências eformas ao sabor de forças simbólicasdiversas. (ALMEIDA, 2007, p. 82).

Pode-se perceber a relevância socialtambém quando EFLAND, FREEDMAN eSTUHR (2003, p.155) colocam:

Hay al menos cinco enfoques para laeducación multicultural en general ypara la educación artística en particular.La educación basada en ‘la diferenciacultural’ y las ‘relaciones humanas’ estámás cerca de la teoría de lamodernidad que de la posmoderna. Elestudio ‘de un grupo singular’incorpora elementos tanto modernoscomo posmodernos, y, según el modoen que se aplique, pude seguir a uno uotro de estos dos paradigmas. Sólo dosenfoques, el de la ‘democracia social’ yel de la ‘reconstrucción social’comparten las principalescaracterísticas del discursoposmoderno.

Segundo EFLAND, FREEDMAN e STUHR,podem-se observar os paradigmas daPós-modernidade, como sendo o dademocracia social e da reconstruçãosocial. Ou seja, não esquecendo dosdemais paradigmas, que se encontramainda fortemente na nossa sociedadehoje, as questões social, de fazer e formarum sujeito crítico e conhecedor torna-se oauge da educação. Todavia, tambémcomo colocam os sujeitos desta pesquisa,no currículo de 2004, vêem-se algumasnecessidades que se acentuaram com adivisão entre Bacharelado e Licenciatura.Assim, estas transformações ao mesmotempo em que vêm atender algumasproblemáticas, causam constantes críticaspor parte de professores e alunos dasinstituições formadoras e também, porparte das instituições que servem e campode trabalho, as escolas.

O professor A coloca: “Objetivando,400h no estágio seria procedente, só quehá um "complicador", vamos dizer assim,que é a pratica educativa, só que apratica educativa dentro do principio queela foi criada poderia funcionar desdeque se tivesse a estrutura adequada praisso tanto na escola quanto nauniversidade, e esta estrutura se refere alaboratório, a recursos humanos, comoeu já falei antes”.O professor B coloca: ”Pois é eu volto aenfatizar, um semestre é pouco, masquatro é de mais, acho que dois seria oideal, no um faz o planejamento, oestágio supervisionado e depois vai praescola, quatro semestres e um exagero,tanto para professora tanto pra eles”.O professor C, apesar de já aposentado

coloca a importância de uma maiorvivência dos alunos no ambiente o qualirão atuar. E como coloca Fischmann(apud PIMENTA, 2004, p.65) ao falar daidentidade docente:

A nossa identidade se constrói a partirda intersecção das circunstâncias quenos cercam com os desejos quetrazemos [...] O corpo docente ganhasua identidade-marca peculiar - noexercício competente de seu ofício,como espírito alerta da crítica para aconstrução conjunta da sociedadede/para todos.

Este vivenciar, esta experiência docente,assim como a oferta de novas disciplinassão, segundo os professores, um fatorbenéfico o qual vem ao encontro daformação cultural, social e profissionaldo acadêmico. Todavia, isso só é possívela partir do momento em que encontraespaço e condições para sua efetivação.

Percebe-se então, que a articulação paramudanças, já está sendo sinalizadaquando o professor A coloca: “Nessesentido vamos tentar viabilizar maioresespaços para a permanência do alunoem atelier. E para isso eu vou tentar quea prática educativa tenha um caráter deprática em atelier. Situação que foitentada na época, pra que não fiquepensado que , quando for analisado estecurrículo, que não se pensou isso,pensou sim, mas não foi permitido”.A necessidade de uma reestruturação, deuma flexibilização colocada pelosprofessores referem-se, em grandemedida, às questões de espaço, matéria

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e recursos humanos, pois com o passardo tempo, está se percebendo quemuitas disciplinas se repetem, outrasficaram com carga horária excessiva ealguns professores sobrecarregados,alterações e adaptações que devem serefetivadas para lograr um enxugamento emelhor organização curricular do Cursode Artes Visuais.

Ao encontro disto, tem-se a terceiracategoria: Ensino das Artes Visuais comocentro de transformação.

Nas palavras de Coelho, (apud ROSA,2005) o contexto artístico Pós-modernoapresenta-se com muitas dificuldades emdefinir expressões e mapear o contextoque ele representa. Coloca como umparâmetro de Pós-modernidade a“Sinergia do Arcaísmo e dodesenvolvimento tecnológico”. (ROSA,2005, p.43). E na mesma discussãoMafessoli (apud ROSA, 2005) alerta amudança da arte enquanto um beloharmônico, equilibrado para umaapreciação de um “belo feio”. Tem-seentão, que a “arte na atualidade buscauma nova arqueologia, um “belo feio”reconstruído a partir dos reflexos e daampliação das manifestações comopretexto para a produção artística.”(ROSA, 2005, p.44).

Neste sentido, a arte como reflexo dosacontecimentos sociais, tem de fazerparte destes, vincular-se e apropriar-sedo que há de mais atual frente a suarealidade. Nisso, o professor C destaca aimportância da busca, ao longo dastransformações, de uma qualificação ede um clarear acerca das discussõesartísticas, isso se evidencia quando diz:“Estávamos sempre buscando um cursoque ficasse mais claro que buscasse umaqualificação em termo de discussões,conteúdos e que o profissional que saíssedo curso de licenciatura ou bacharelado

que ele tivesse realmente uma boaformação para atuar no mercado detrabalho, que ele não ficasse alijadodo processo social e que ficasse atentoa tudo que estava acontecendo nocampo da educação e especialmente,do ensino da arte”.

E, é neste sentido também, que oprofessor A coloca que, a organizaçãocurricular estabelecida, apesar de, emsua estrutura, apresentar um caráterengessante, estão sendo articuladasmudanças nesta estrutura, pois “háuma necessidade maior vivência deatelier, de maior amadurecimento depesquisa, processo na linguagemartística. Nisso, não quero dizer deforma alguma que a pratica artísticatem que sobrepor a pratica educativa”.

Frente a esta análise parcial dapesquisa percebe-se a importância dademocracia, de fazer com que ospressupostos presentes no ProjetoPedagógico da Instituição-UniversidadeFederal de Santa Maria sejamarticulados de acordo com osinteresses não só de uma elite dopoder, de um Arbitrário CulturalDominante, mas de toda classe socialque usufrui dos serviços destainstituição constituindo assim umensino, um currículo que não sejaimposto, mas sim construído nacoletividade, na cultura artística e narealidade social do contexto.

Sendo assim, leis, resolução sãoimportantes sim, mas estas têm dedisponibilizar uma flexibilidade, umaarticulação e uma autonomia maiordas instituições acerca de seus valoressociais, culturais e artísticos. O queparece ocorrer, segundo os professoresentrevistados, é que as leis impostasestão engessando e não flexibilizandoos currículos.

Referências bibliográficas

ALMEIDA, C. M.C. Por uma escuta da obra de arte. In:OLIVEIRA, M.O. (Org.). (2007), ‘Arte, Educação e Cultura.Santa Maria’. Editora da UFSM, p. 81 a 110.

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O Rato que Comia Gatos1

Um velho rato de biblioteca foi tercom os seus primos que moravam nosótão e viviam um bocado arredadosdo mundo.

- Vocês não conhecem nada – disseele aos seus tímidos parentes –provavelmente nem sequer sabemler.

- Pois, tu és (éé) que tens uma grandeescola! – suspiravam aqueles.

- Por exemplo, já alguma vezcomeram um gato?

- Não há dúvida que és muitoesperto, mas, cá entre nós, são osgatos que comem os ratos.

- Porque vocês não passam de unsignorantes. Pois eu já comi mais doque um e garanto-vos que nemderam um ai.

- E a que é que sabiam?- Cá para mim, a papel e tinta. Mas

isso não é nada. Já alguma vezcomeram um cão?

Por amor de Deus!- Pois eu comi um ontem mesmo.

Um cão lobo. Tinha uns dentes…Bem, o que é certo é que sedeixou comer, manso como umcordeirinho, e não disse ai nem ui.

- E a que sabia ele?- O papel, a papel. E um

rinoceronte já alguma vezcomeram? (…)

(…) A certa altura aparece um gato,de carne e osso, com bigodes egarras. (que se mantivera à escutaatrás de um baú) (…) O gatoapanhou-o e começou a entrar comele.

- Tu não serás, por acaso, aquele

rato que come gatos?- Eu, Excelência… Como deve

compreender… Estando sempre nomeio dos livros…

- Entendo, entendo. Come-lossimbolicamente, estampados noslivros.

- Uma vez por outra, masunicamente por razões de estudo.

- Claro. Eu também aprecio aliteratura. Mas não te parece quetambém deverias ter feito algunsestudos a partir do real? Assim,terias aprendido que nem todos osgatos são feitos de papel e nemtodos os rinocerontes se deixamroer por ratos.

Afortunadamente para o pobreprisioneiro, o gato teve um momentode distracção ocasionado pelapassagem de uma aranha no sobrado.Com dois saltos, o rato da bibliotecavoltou para o meio dos seus livros e ogato, se quis comer, teve de contentar-se com a aranha.

GGiiaannnnii RRooddaarrii

OBS: Não quero ser rato de biblioteca e ficar

com a boca a saber a papel. Quero fazer

estudos a partir do real, com o real e o irreal,

tornando-o mais real ainda. E ficar com a boca

a saber a céu.

Por causa de uma experiência anterioronde o ser objecto de investigaçãocolidiu com a actividade criativa quedecorria2, não quis nunca maisinterferir no livre curso da descobertaartística que não casa com a análisedescritiva. Mais uma vez os dois

mundos separados da arte e daciência. Os instrumentos deobservação e de recolha de dadostêm de ser outros, a construção deuma teia alternativa onde secontemple que a parte está no todo eo todo está na parte. Em que pelofacto de observar e retirar elaçõesnão altere a qualidade da amostra,bem como a qualidade da entrega/participação/ atitude dos várioselementos que a compõem; sobretudoneste tipo de situação onde oobservador é parte integrante damesma ou ainda um importante pontogerador.

Senti na altura como uma traição aopróprio processo o acto de o dissecar;e enquanto o dissecava bania apossibilidade de levedar algo emlume brando. Será também umaquestão de ritmos? Entre a urgênciade traduzir para o foro racional,imediata e incisivamente, de formasintética e a necessidade de deixar otempo agir na construção criativa,muito mais ao sabor de outras“variantes” e variáveis? Variáveisessas que não são de todo idênticasàs do universo de construçãointelectual. Pelo menos da construçãointelectual onde reina a escrita e apalavra. Pelo menos não convocandoapenas um tipo de inteligência, que éa lógico-matemática (a maisvalorizada na nossa sociedade)segundo a teoria das inteligênciasmúltiplas de Gardner . A que outrasinteligências se podem apelar nestecaso?

“Não Quero Ser Rato de Biblioteca”:Reflexões Acerca da Investigaçãoatravés da Prática Artística*

Cristina Chafirovitch**

* Comunicação apresentada ao Congresso “A Unicidade do Conhecimento”, Universidade de Évora, Abril 2007.

** Investigadora do CIEP/ NECAA, Bolseira de Doutoramento da FCT a investigar “Aspectos Epistemológicos e Metodológicos do Teatro Social na Europa: Suas Implicações no Baixo Alentejo”.Epistemológicos e Metodológicos do Teatro Social na Europa: Suas Implicações no Baixo Alentejo”.

1 Roddari, Gianni (1987) Novas Histórias ao Telefone, Editorial Teorema.

2 Trabalho de campo realizado no âmbito da preparação das Provas de Aptidão Científico Pedagógicas com base na montagem do espectáculo de teatro “O Gato e o Escuro”, de Mia Couto.

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Depois, levanta-se a possibilidade deque para a “objectivação” do processocriativo, já que se trata de “ritmos”diferentes, interfere menos faze-lo pósprocesso que durante o processo.Então como aceder aos dados eregistá-los?

Provavelmente a primeira questãoenquadra-se nas objectividades (separtirmos do princípio que não existeapenas uma forma de ser objectivo) enas subjectividades (que faz coro aoparêntesis anterior): acomplementaridade de subjectividadesde tempo e de espaço são vitais paraa articulação e o diálogo como artistacriativo e o trabalho reflexivo comoinvestigador artista, que são a mesmapessoa. Uma nova posturadesembocaria na figura doparticipador/ observante em vez dotradicional observador/ participante eda Investigação através da prática emvez da investigação da prática.Assim surge outra questão, tãopequenina e inocente como umpequeno comprimido de dormir:

Em que condições um trabalhocriativo, seja de que natureza for,não é apenas um trabalho artístico(que na sua dinâmica já contéminvestigação), mas também umapeça de investigação?

Um dos caminhos possíveis tem a vercom a analogia com Gardner: e se emvez de “memória”, existissem diferentestipos de “memórias”? Que com certezaé assunto já estudado e basta o sensocomum para nos apercebermos que háquem a tenha mais visual do quesonora, mais parcelar do que global,ou ainda quem a tenha muito pouco.Mas procuramos uma outra “memória”não quotidiana e mais complexaporque tem um fito: o de deixar umtestemunho de cariz científico. Entãoencontrar canais para aceder aoexercício desta memória única, que é aque se funde com os movimentoscriativos do participador/observante,sem colidir com a ebulição em curso,sem impor ritmos estranhos (exteriores

a…), sem querer dissecar algo quepode ser experienciado, contemplado,acompanhado, “empurrado”, mas não“analisado”, a fim de culminar noshabituais relatórios descritivos,relatórios esses que melhor se adaptama experiências de laboratório dasciências exactas.

É uma inteligência e uma memória quelança o participador/ observante parao centro do furacão. Que terá deorganizar o discurso apelando a outrasformas de testemunho que nãocentrada na escrita descritiva, masoutras formas de “textos” mais irmãsdos processos criativos e encontraruma poética (e não uma poesia)própria a si mesmo nesse cultivar de“textos”: com uma outra fauna, comuma outra flora, enfim, um outro com-texto.

Se calhar incluindo um port folio compalavras, formas e imagens cujatradução é significativa, antes de mais,para o próprio que as construiu. Comonos jogos de labirinto de jornal, emque se vai descobrindo as pistas quenos levam da partida à chegada. Umport folio enriquecido pela poética doseu fazedor, com um determinado graude intencionalidade científica, deelaboração estética e artística.

Como seleccionar a melhor forma derepresentação num universo tão vastode alternativas? Com base em algumtipo de preparação anterior, análoga àdo pintor japonês? O participador/observante tem de se estar muito com-centrado para estar no centro dofuracão sem voar com ele.

Podemos também contemplar outrasfontes de informação, mais acessíveis.Existem as sessões planeadas e (,entreestas,) as que de facto aconteceram;algo as desviou da rota inicial; e nessedesvio reside o que caracteriza oprocesso criativo ou o que se tentouaproximar dele (a não linearidade);analisar esta distancia (distância)positiva torna-se fundamental (.)

Existem também as questões quesurgem do que não correu bem ouno que surpreendeu (o imprevisível),ou na procura de uma novaestratégia que é urgente encontrarpara acolher uma insegurança ouuma centelha que se entreviu ( aincerteza) ou na procura de umanova estratégia que é urgenteencontrar para acolher umainsegurança ou uma centelha que seentreviu (a incerteza). Ou seja, para arecolha de dados no “durante”seriam encontrados indicadoresinspirados nos universos complexos,assumidamente revistos e adaptados;e em vez de resolução conclusiva deum problema e discursos sobre omesmo, apenas questões, novaspossibilidades e poética própria,labirintos à Escher ou caleidoscópios.

Era assim que eu gostava de fazer umtestemunho de carácter científico aolaboratório humano, criativo eartístico: pelo caminho de umainteligência que não é a lógico-matemática, de uma memória quenão é a quotidiana, que é habitadapela sensualidade dos sentidos, coma criação de um fórum de discussãoacerca do problema. Pelo omisso,pela imagem do negativo de umafotografia, pelos resíduos que semantêm na memória (essa de todosos dias) quando os acontecimentos jápassaram. Pelas areias movediçasonde as questões que se põem nãosão as mais evidentes e as respostasnão são as mais óbvias (sem seperder na filosofia, manter-se ligadoao pragmático, ao simples). Pelo quepela norma não merece ser dissecadoporque “à la limite” nem estava lá;mas que também não pode serdissecado, porque nem deixa sê-lo,desaparece, pára de existir: é aí,nesse espaço “on the edge” daconsciência e do controlo, que circulaa informação, sem trair a fragilidadedos processos artísticos (fragilidadeessa que afinal é a sua força), nemtrair o envolvimento dos participantes,que afinal são tudo menos cobaias.

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António Sena da Silva (1921-2001),era formado em arquitectura, mas osseus interesses e actividades, foramvastos abarcando outras áreas dasartes plásticas, foi um dos pioneirosdo Design português, tendo sido oprimeiro director do CentroPortuguês de Design e um doscriadores do Instituto da Qualidade.

António Sena da Silva foi meuprofessor no início dos anos oitentana Escola Superior de Belas Artes deLisboa. Era um professor cativante ealguns dos trabalhos/exercíciosque propunha nas suas aulas,tinham uma profundidadepedagógica que acho deverpartilhar, principalmente com outrosprofessores de artes.

O trabalho/exercício mais interessante,na minha opinião era intitulado comalgum humor "O ciclo da batatacozida". Nesse trabalho de grupo, eraproposto escolhermos uma forma decozer uma batata que podia serrecorrendo a processos dos maisartesanais até aos maistecnologicamente sofisticados, e depoisfazer uma listagem o mais exaustiva erigorosa possível de todos os materiais,artefactos, engenhos, objectos, pessoasetc. que estavam envolvidos ou eramnecessários directa ou indirectamentepara cozer uma batata.

Os trabalhos entregues eram quasesempre volumosos dossiers, tantomaiores quanto mais moderna era atecnologia escolhida para cozer a batata.

Com este exercício aparentementetão simples, em que se analisava umgesto banal do quotidiano, para oqual são necessários apenas batatas,água, uma maneira de fazer ferver aágua e um recipiente, tomávamosconsciência, que mesmo nos gestosmais simples e banais do nossoquotidiano, por vezes feitos numaaparente solidão, precisamos dacolaboração directa ou indirecta deuma infinidade de pessoas, "umarede" envolvendo muitas vezespessoas de zonas geográficas bemdistantes, que intervinham naprodução, embalagem, distribuição,comercialização etc., envolvidascom o utilizador final no "ciclo dabatata cozida", mas também daabrangência do que é o Design.

O Cicloda Batata Cozida

Luís Delgado

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Sobre o Congresso da Rede IberoAmericana, Beja/Portugal, Maio, 2008

Aldo Passarinho e Teresa Eça(Coordenadores do Comité de Organização do Congresso Ibero Americano de Educação Artística: Sentidos Transibéricos)

Se dice que el tiempo vuelve a poner ensu lugar las cosas. Yo percibí en elcongreso este movimiento de avancehacia el futuro desde la realidad quevivimos hoy (Lidón).

Participação

O Congresso de Beja reuniu duzentos esete participantes oriundos de Portugal(127) , Espanha (34) , Brasil (41) ,Uruguai (1) , Chile (1), França (1),Moçambique (1); Angola (1) . Ocongresso on-line reuniu 12participantes do Brasil, México, Portugale El Salvador. Foi difícil ter umarepresentação significativa de outrospaíses da América Latina por razõeseconómicas e por falta de apoios emPortugal e nos países de origem. Váriosinvestigadores e professores deColômbia, Cuba , Argentina e CostaRica mostraram interesse em participarmas não puderam por falta de apoiosnos seus países para a viagem.Profissionalmente a grande maioriaeram professores do ensino superiormas também se viram representadasoutras comunidades profissionais taiscomo professores do ensino básico esecundário, psicólogos, animadores,formadores em serviços educativos demuseus e fundações, educadores dearte em contextos de educação artística

não formal ( por exemplo associações,centros culturais, teatros, escolas dearte) .Esta diversidade de áreas profissionaisfoi positiva e favoreceu o que em meuentender foi uma mais valia nocongresso: a pluralidade de vozes e adiversidade de experiências todos sepuderam exprimir com liberdade, rigore elegância.

Elegância foi o adjectivo mais usadopelos participantes para caracterizar ocongresso, não só para os eventossociais mas designando todo ocongresso. Talvez tal tenha sidoapreciado porque a organizaçãotentou favorecer o equilíbrio entre asvozes, favorecendo contrastes epolifonias. O congresso abriu estasportas ao diálogo construtivo,formalizou a REDE, lançou um debatesério e detectou necessidades que épreciso levar em conta.

Local/Global: Polifonias

O congresso revelou muitaspreocupações locais, mostrou adiversidade, a pluralidade do nossoentendimento e da nossa vivência naeducação e na educação artística.Acreditamos como Ana Mae Barbosaque esta pluralidade nos enriqueceprofundamente. Para Maria do CéuMelo:

Não se podem escamotear asdiferenças que não são meramentevocabulares. Durante o congressoidentifiquei quadros de leitura de vero mundo diferentes. Andamos a lerlivros diferentes... andamos a viverexperiências diferentes porque emcada país as nossas preocupações sãodiferentes. Minhas... tuas... Nossas...Vossas... Sim, porque o que ouvimos

não retrata o que em cada paísacontece. Ninguém pode arrogar-se odireito de falar (ou representar) o seupaís: Seja o Brasil que tem adimensão de um continente, onde osdiscursos e as práticas sobre ' asrealidades são múltiplas; seja Portugaltão pequenino e mesmo assim tãodiversificado e provincial, sejaEspanha tão grande... que tem váriospaíses dentro. A tolerância e ahumildade são actos/palavrasmatriciais do processo de criaçãoartística. e a pausa, claro. Eu sentique neste encontro houve de factopolifonias (Maria do Céu Melo)

Verificámos como práticas do passado epráticas do presente coabitam, comodiferentes discursos e ideologias existemlado a lado. Como as finalidades daeducação artística podem ser diferentes,partindo da arte educação comoreconstrução social, da arte educaçãocomo crítica social, sempre falando daarte educação como um meio paradesenvolvimento cognitivo do indivíduo.Umas vezes instrumentalizando maiscom funções sociais outras vezes com apsicologia da arte educação.

Arte educação e educação artísticaforam como de costume termoscontraditórios. As ideias norteadorasque foram lançadas promoveram odebate sobre uma educação‘multisensorial, multimediática,rompendo com os estritos territórios nosquais se confinam alguns conceitossobre ‘educação artística que não temefectivamente sido capaz de actuar naesfera de experiências que promovam aplena cidadania, o conhecimento einvenção de alternativas para asobrevivência/existência criativa ecriadora de sujeitos/atores, reflexivos ecríticos’ (Lilian Amaral).

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Teoria e Praxis

Notou-se que existem problemas de rigor ede metodologia nas contribuiçõesapresentadas. Essas preocupaçõesapareceram em várias vozes, por exemplo noscomentários de membros do ConselhoCientífico como Maria do Céu Melo eFernando Hernandez

…buscamos un formato en el que lapalabra científico aparece muchas veces, apesar de que casi otras tantas olvidamosesas prácticas analíticas, sistematizadoras oinvestigativas a las que se refiere Maria doCéu y a la que se refirió Fernando en susconclusiones finales (Imanol).

Nas palavras de Lilian Amaral : ‘ No fundomuitos de nós se sentem um pouco solitáriosem suas práticas profissionais, investigativas.Rigor científico é um entre muitos problemasque enfrentamos no cotidiano do ensino-aprendizagem da arte no Brasil, digo istocomo alguém que trabalhou muito tempo compolíticas públicas de educação’.

Sentimos todos que é urgente caminhar parauma investigação mais rigorosa, umaexplicitação maior das metodologias deimplementação das experiências e uma críticamais construtiva. Sentimos a falta daexistência de práticas reflexivas equestionadoras por parte dos sujeitosenvolvidos nalgumas experiênciasapresentadas mas não deveremos por issogeneralizar. Existem perigos que temos te terem conta no debate entre ‘científico’ e‘experimental’ que se abordou durante ocongresso, um perigo grave é o de considerarum mais importante do que o outro e nãoassumir que ambos possam ter razão, comoargumentou Ana Mae Barbosa sendo capazde ver a riqueza conciliadora da diversidade .O congresso foi sentido como um marco dereflexão importante neste binómio entre teoriae prática.

As Pontes

Mas o congresso queria ser muito mais doque uma amostragem de resultados deinvestigação, queria ser um observatórioautêntico da educação artística e promover aconstrução do conhecimento e tal foiconseguido, mobilizaram-se pessoas dediferentes âmbitos e deu-se sobretudo aoportunidade de vivenciar propostasapresentas por gente modesta, como diz Joan:

‘esas personas que son capaces de trabajarpara la mejora y no únicamente pensandoen su curriculum, que son capaces deofrecer mucho más de lo que exigen, queno pretenden dar lecciones a nadie y quesu objetivo principal es compartir susexperiencias para construir colectivamente,...y que a su vez crean puentes con lasrealidades exteriores mientras construyenun proyecto compartido’.

Essas pessoas são a comunidade daeducação artística, da qual muitos de nósfazemos parte. Sentimos queUniversidades e Profissionais da educaçãoartística quer seja em escolas, museus,associações, clubes recreativos ou outroslocais andam de costas voltadas. Nãoexiste grande impacto da investigação noterreno. Não existem pontes entre artistas,universidades e educação artística e isso ésobretudo agudo em Portugal. Uma dasgrandes conclusões que o congressoapontou foi : abrir os muros dasuniversidades para que a pesquisa sejapraticada como instrumento desistematização e enriquecimento da práticadocente. Segundo Lilian Amaral estainiciativa já começou e deverá continuarna Rede Ibero Americana de EducaçãoArtística que deverá ser ‘divulgada PARATODOS, dos professores das primeirasséries iniciais e que estes também possamcontribuir e fazerem se ouvir, até àsinvestigações estruturadas e continuadasdesenvolvidas em âmbitos acadêmicos’.

Acreditamos que muitas comunicações emuitas discussões nos grupos de trabalhotenham de facto revelado problemas demedo ou ausência da crítica. No entantohouve muitas exposições importantes quetrouxeram novas concepções do papel dasartes na educação , de todas as artes enão só das visuais. A própria distinçãoentre as artes foi desafiada a partir doscontextos das artes contemporâneas ondeo multimédia ganha cada vez mais espaço.O congresso serviu para lançar o desafioda construção de pontes entre as sub-comunidades da educação artística.

Nesse sentido foi criada a rede iberoamericana de educação artística a partirdo alargamento da antiga rede ibérica deeducação artística. Um grupo de trabalhoreuniu durante dois dias para definir osespaços e âmbitos de actuação.Deliberou-se que:

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É uma rede rizomática, móvel, organizada apartir de nós tanto geográficos, comotemáticos, por âmbitos etc.

Uma rede livre, independente, onde cadaespaço de grupo pode funcionarautonomamente.

Uma rede que pretende criar instrumentos querecolham as inquietudes, as dinâmicasdistintas, diversas, variadas no âmbito daEducação Artística, Arte Educação, Educaçãopara a cultura visual.

Os Espaços de encontro da rede são: umespaço do portal ( em construção emhttp://www.rede-educacao-artistica.org/) ;uma revista on-line ( em construção) econgressos trienais.

O congresso foi também espaço para criação eparcerias para projectos futuros como porexemplo um futuro núcleo português deinvestigação em educação artística nos museuse uma proposta de Master internacional de arteterapia. Através do diálogo e da partilhageram-se nós dentro da rede, como referiuTeresinha Sueli Franz no seu relatório sobre ofórum on-line:

‘ Nossas tentativas de diálogo com colegasdo México, de El salvador e Brasil, Portugal eEspanha serviram mais que nada para deixarclara a necessidade de continuar o diálogo, atroca de idéias e de experiências na área deeducação artística’.

OO qquuee oobbsseerrvvaammooss nneessttee mmoommeennttoo::

Podemos afirmar sem alguma dúvida que todose todas estiveram de acordo no seguinte:

1. As artes são essenciais ao conhecimentohumano, são praticadas por todas associedades, factores determinantes da culturae do desenvolvimento psico-social doindividuo, devem portanto fazer parteintegrante de todos os currículos educativos enão podemos permitir que fiquem à margemou fora da educação.

2. A educação das artes está a viver ummomento crítico e perigoso, está em risco desair das escolas , não há lugar para as artesna visão de educação que se apresenta nosnossos contextos políticos, onde as escolasocupam pouco destaque e a educaçãoartística quase nenhum. Observamos umagrande tendência para a narrativa da

educação artística como pedagogia daexpressão, do lúdico, centrada na produçãode experiências e não tendo em conta aaprendizagem.

3. Temos uma escola tecnicista moldada por umdiscurso educativo economicista. Um modeloprisão, um modelo armazém, um modelopassivo, de transmissão e recepção acríticade informação. Uma escola ‘anestesiadora’como diz Joaquim Luís Coimbra , umaeducação artística frágil, deficiente por vezestraumatizante. Precisamos exigir uma escolade valores, uma educação cultural e artísticade qualidade e para isso temos que batalharpela qualidade profissional dos educadores eprofessores.

4. Sentimos a necessidade de resistiractivamente para criar outra narrativa deescola. Como comunidade temos que nostornar vísiveis, temos que atacar em todas asfrentes nas escolas, nos museus, em centrosculturais, nas comunidades . Apostar naeducação infantil , apostar na arte comoelemento de reconstrução social, nasmudanças de baixo para cima , no processoartístico como processo de investigação.

5. As nossas estratégias de actuação sãodemasiado passivas, defensivas, baseadas empráticas sem contexto. Estamos a serignorados, se calhar já nem nas margensexistimos, estamos de fora do discursoeducativo e nem nos demos conta disso.Perdemos muito tempo a discutirsuperficialidades , existe pouca abordagemteórica existem confusões entre objecto deinvestigação com teoria e com procedimentosde investigação, não podemos confundir ateoria com procedimentos.Precisamos pensar os tempos e os espaçosonde e como possamos estar presentesPrecisamos definir estratégias de actuação, deresistência, de visibilidade, de ataque porquenós somos responsáveis pela educaçãoartística e pelo que se está a fazer daeducação artística nos nossos países, temos odever de intervir , de tomar posições políticasfortes.

As conclusões do congressopodem ser consultadas na páginada APECV (www.apecv.pt)e na página da rede iberoamericana de educação artística(www.rede-educacao-artistica.org)

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Tive desde muito novo o privilégio defrequentar uma escola onde osprofessores que me instruíram asprimeiras letras também “gostavam” deensinar a dançar e a cantar astradicionais cantigas popularesportuguesas.

Resumindo, na minha escola primáriarapazes e raparigas, dos sete aos dezanos ensaiavam duas vezes por semanadanças e cantares que depois eramapresentadas nas festas de Natal ou nofinal do ano lectivo para os pais efamiliares assistirem.

Mais tarde, já no secundário, fiz partedo coral onde o professor da disciplinade Canto nos “afinava as cantigas”para o sarau final.Ao nível da preparação física, haviaalém da ginástica “sueca”, a dançarítmica onde se incluía também ofolclore.

Havia realmente uma fórmulapedagógica colectiva de disciplinar osalunos e ao mesmo tempo incentivar ogosto pela nossas raízes culturais.

Este bichinho do folclore ficou semprecá dentro!...E reforçou-se ainda mais, quando o Dr.Pedro Homem de Melo, na rádio edepois na televisão, explicava a música,as danças, os trajes e utensílios detrabalho dos muitos e bons gruposfolclóricos que existiam, e alguns ainda“resistem” de norte a sul do país. Eramverdadeiras aulas vivas, onde seadquiria sensibilidade paracompreender as origens da nossaautenticidade cultural.

Tempos esses, em que verdadeiramente seenaltecia o folclore. Tempos em quemuitos portugueses saíam de casa, paraassistir e aplaudir as danças e os cantaresda aldeia ou região onde nasceram.

O que resta deste tempo? Pouco ounada… Em Abril pusemos tudo em causa. Eraurgente corrigir !…

Mas, nem tudo era para aniquilar…Os portugueses, em especial os jovens,vivem hoje uma situação de apatia e detotal indiferença a tudo o que énacional. Ao folclore ridicularizam-no.Salvaguarda-se o fenómenofutebolístico pela sua desmesuradamediatização… Estimulado pela omnipresença dodiscurso televisivo, é agora opequeno/grande ecrã mágico quepassa a impor a lógica do tempo derepouso, antes do sossego de umashoras de sono.

Metralham-nos com “talks-shows” degosto fácil e duvidoso, “futebois” edebates afins q.b., telenovelas lamechasdo melodrama doméstico, música ecinema “made in the word”, e um eficazincentivo ao consumismo para os quaisnão estamos nem psicológica nemeconomicamente prudentes…Esporadicamente nas televisões apareceum ou outro grupo folclóriconormalmente em horário incompatívelcom o do comum dos portugueses.

Quanto às rádios nacionais, essasdesterraram definitivamente a músicado nosso folclore… A comunicação social alheia-se doassunto e pouco ou nada incentiva aoseu interesse e divulgação.

A demonstrá-lo é a parcimoniosa ouinexistente difusão jornalística etelevisiva dos muitos encontrosfolclóricos que acontecem no nossopaís, em particular no período estival.

Ao contrário outros estados europeus,nomeadamente a Espanha, a França, aItália, Bélgica, ou os ex-países de lestededicam ao folclore páginas inteiras nacomunicação social escrita e difundem“directos” televisivos desses mesmoseventos.

Que diferença de tratamento da culturapopular!...Temos de aprender com estes países,onde no ensino secundário e, emalguns casos, no ensino superior o

estudo do folclore é obrigatório.Tudo isto evidencia que o nosso paísnecessita de superar esta crise deidentidade cultural e de valores tãoressentida e apregoada … Mas, não culpemos as televisões e as

rádios…O desejável não é que as pessoasdeixem de ver televisão, para passarema assistir a todos os encontros oufestivais de folclore, isso seria utópico… Desejável é sim que se instruampúblicos para todas as formas deexpressão artísticas, culturais, sejam elesde índole popular ou erudita, e queesses mesmos públicos saibamdeterminar com agudeza crítica, qual omomento certo para ver televisão, veruma exposição de artes plásticas, ir aocinema, ao teatro, ao bailado, aoconcerto da orquestra, da filarmónica,do coral ou assistir ao encontro defolclore.

Acontece que em Portugal ainda nãohá hábitos culturais sólidos esustentados, de maneira a que cadaum, entre outras coisas, tenha tambémprazer em saber porque é que o grupofolclórico de uma determinada regiãodança e canta daquele modo e usaaquele traje.

Continuo a acreditar na urgentemudança de atitude para com o nossovalioso folclore. Para isso é necessário edesejável apostar na componentepedagógica das escolas, porque seránestas que se encontrará a verdadeirasolução do problema.

Seria injusto não referir o apoio eincentivo de muitas autarquias,associações recreativas e culturais,casas do povo, em especial do INATELe da delegação portuguesa do ComitéInternacional de Folclore CIOFF, paraque os inúmeros grupos nacionaisexistentes continuem a (e)levar ogenuíno folclore e o nome de Portugalpor esse mundo fora.

Fernando Saraiva - ProfessorFigueira da Foz Outubro de 06

Já nem a escola promoveo nosso folclore!…

Fernando Saraiva

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• Concurso de trabalhos de alunos para o próximoano Tema: Interpretar a obra de Júlio Resende,para crianças e jovens dos 2 aos 21 anos (desde oensino pré- primário ao ensino superior)

• Seminário: Avaliação do Desempenho11 de Outubro -Faculdade de Belas Artes daUniversidade d e Lisboa

• Seminário : Compreender a Artecom Michael Parsons e John Steers 25 de Outubro -ISMAI - Maia ( Porto)

• Seminário: Educação Arte e Terapia15 e 16 de Novembro - Educação Arte e Terapia - em parceiracom a Sociedade Portuguesa de Arte e Terapia - local Porto

No início de Setembro serão divulgados os programasna página da APECV(http://www.apecv.pt/).

Próximas actividades da APECV

Na sequência dos nossos concursos de trabalhos gráfico/plástico/multimédia de alunos sobre umartista português este ano lançamos um outro autor,Júlio Resende, para que crianças e jovens das escolasportuguesas possam conhecer a sua obra, dialogarcom ela e interpretá-la visualmente.

Sugerimos aos professores que elaborem umaunidade de trabalho para este concurso, cujo ponto

de partida é a interpretação e questionamento deobras do pintor Júlio Resende e o produto final umdesenho/pintura/ objecto visual/multimédia feito a partir daInterpretação crítica de uma obra de Júlio Resende.Cada estabelecimento de ensino poderá participarcom 10 trabalhos, a enviar até ao dia 31 de Janeirode 2008, para a APECV. O Regulamento e ficha deinscrição estão disponíveis na página da APECV.

Um olhar sobre: Júlio ResendeVI Concurso de trabalhos artísticos de alunos

EDUCAÇÃO ESTÉTICA E TECNOLOGIAS VISUAIS

• No 3º Ciclo e no Ensino Secundário• Por Elisabete Oliveira (Coord) , Albertina Sousa.

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O livro pretende estimular uma dinâmica de/ exploratório / na Educação, através da Expressão/ Cultura Visuais, que se defende que deve manter-seobrigatória no currículo pelo menos até àAdolescência, pelo final do 9º ano.

Pedidos à Livraria Escolar Editora - Edifício CaleidoscópioJardim Campo Grande - 1700-089 Lisboa Mail: [email protected] - Tel.: 217575055

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Notícias

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Para informações, contactar:

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1º CICLO1º Prémio: Gregório Gil – 8 anosEB1 das Devesas

2º Prémio: Alexandre Vieira, Catarina Leite e Andrew Corral – 6/7 anosCentro Infantil Justino Teixeira

3º Prémio: Filipa Moreira, Rita Ferreira e Diogo Neves – 6/7 anosCentro Infantil Justino Teixeira

2º CICLO1º Prémio: Luminita Zahrciuc – 11 anosEscola EB 2/3 de Santana

2º Prémio:Raquel Lima – 10 anosEscola EB 2/3 Bento Carqueja

3º Prémio: Miguel Bajouco – 12 anosColégio Senhor dos Milagres

Menção Honrosa: Trabalho colectivo dos alunos do 6º CEscola EB 2/3 N.º 1 de Lagos

3º CICLO1º Prémio: Trabalho colectivo dos alunos do 8ºA, 9ºB, 9ºC, 9ºD e 9ºEEscola EB 2/3 Bento CarquejaFormato digital

2º Prémio: Trabalho colectivo dos alunos do 8ºA, 8ºB, 8ºC, 8ºD e 8ºEEscola Secundária de Palmela

3º Prémio: Trabalhos realizados pelos alunos do 8ºA, 8ºB e 8ºCEscola EB 2/3 Gualdim Pais de Tomar

“Olhar Josefa de Óbidos” Lista de Premiados

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ENSINO SECUNDÁRIO1º Prémio: Ana Margarida Marreneca - 18 anosEscola Secundária com 3º Ciclo Henriques Nogueira

2º Prémio: Sandra PintoEscola Secundária Alves Martins

3º Prémio: Melissa Monteiro – 17 anosEscola Secundária Serafim Leite

Tiago Ascensão Escola Secundária de Ermesinde

Menção Honrosa: Alfredo Mota e Catarina RochaColégio Casa-Mãe

ENSINO SUPERIORMenção Honrosa:Trabalhos realizados pelos alunos da Escola Superior deBragança

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