nº 5 - novembro 2015 · estudos estão em andamento, como mos- ... dições de saúde dos povos...

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nº 5 - novembro 2015

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n 5 - novembro 2015

Unifesp EntreTeses novembro 2015 1

Imagem capa: Cleiton Coelho, mdico da equipe de Sade da Famlia do Projeto Xingu durante atendimento ao ndio Kamala Wauja

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Esta publicao foi produzida com apoio da FAPESP, RTI-2014/26985-6

Unifesp EntreTeses novembro 2015 Unifesp EntreTeses novembro 20152 3

ExpedienteA revista Entreteses uma publicao semestral da Universidade Federal de So Paulo.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SO PAULOReitora: Soraya Soubhi SmailiVice-Reitora: Valria PetriPr-Reitora de Administrao: Isabel Cristina Kowal Olm CunhaPr-Reitora de Assuntos Estudantis: Andrea RabinoviciPr-Reitora de Extenso: Florianita Coelho Braga CamposPr-Reitora de Gesto com Pessoas: Rosemarie Andreazza Pr-Reitora de Graduao: Maria Anglica Pedra MinhotoPr-Reitora de Ps -Graduao e Pesquisa: Maria Lucia Oliveira de Souza FormigoniPr-Reitor de Planejamento: Esper Abro CavalheiroJornalista responsvel/Editor: Jos Arbex Jr. (MTB 14.779/SP)Coordenao: Ana Cristina CocoloReportagens: Ana Cristina Cocolo, Celina Maria Brunieri, Joo Gabriel, Patrcia Zylberman, Rogrio Dias e Valquria CarnabaProjeto grfico e diagramao: Ana Carolina Fagundes de Oliveira AlvesInfogrficos: Ana Carolina Fagundes de Oliveira Alves e Reinaldo GimenezReviso: Celina Maria Brunieri e Felipe Costa Fotografias: Acervo Unifesp / Crditos indicados nas imagensTratamento de imagens: Reinaldo GimenezConselho Editorial: Maria Lucia O. de Souza Formigoni, Dbora Amado Scerni, Cristiane Reis Martins, Joo A. Alves Amorim, Srgio B. Andreoli, Tania A. T. Gomes do Amaral, Joo Valdir Comasseto e Juliano Quintella Dantas RodriguesConselho Cientfico desta edio: Augusto Cesar, Claudia M.da Penha Oller do Nascimento, Eliane Beraldi Ribeiro, Ieda M. Longo Maugri, Joo M. de Barros Alexandrino, Joo Valdir Comasseto, Maria da Graa Naffah Mazzacoratti, Manuel Henrique Lente, Marcelo Silva de Carvalho, Maria Gaby Rivero de Gutirrez, Plinio Junqueira Smith, Rosilda Mendes, Silvia Daher, Sergio Schenkman, Sergio Gama e Tereza da Silva Martins

Revista Entreteses n 5 Novembro/2015 www.unifesp.br/entreteses | [email protected] Tiragem: 2 mil exemplares

DEPARTAMENTO DE COMUNICAO INSTITUCIONALEquipe de jornalismo: Ana Cristina Cocolo, Antonio Saturnino Jr., Carine Mota, Daniel Patini, Jos Luiz Guerra, Mariane Santos Tescaro, Mayara Toni, Renato Conte e Valquria CarnabaDesign: Ana Carolina Fagundes de Oliveira Alves e ngela Cardoso BragaFotografias: Acervo UnifespEdio de imagens: Reinaldo GimenezReviso: Celina Maria Brunieri e Felipe CostaAssessoria de Imprensa: CDN Comunicao CorporativaRedao e administrao: Rua Sena Madureira, 1.500 - 4 andar - Vila Clementino CEP: 04021 -001 So Paulo SP - Tel.: (11) 3385- 4116 [email protected] - www.unifesp.br

editorial 5 Para alm de 19 de abril

carta da reitora 6 Parabns, Projeto Xingu

apg 8 O ps-graduando e seu papel transformador na divulgao da cincia

entrevista eleonora menicucci 11 Direitos da mulher: a realidade distante das leis

perfil elisaldo carlini 16 Um advogado do canabidiol

projeto xingu 21 H 50 anos cuidando da sade dos povos indgenas

expedio roncador-xingu 32 Onde tudo comeouperfil roberto baruzzi 35 Sinergia entre povosentrevista projeto xingu 38 Uma batalha ainda longe do fim

doenas crnicas 46 Herana do homem branco

inovao

50 Unifesp conquista primeira Carta Patente

nutrio 54 Pes sem glten, base de farinhas integrais, ganham Prmio Jovem Cientista

fale conosco 58 O desafio da informao transparente e de qualidade na internet

programas de ps-graduao campus so paulo / epe

96 Enfermagem97 Ensino em Cincias da Sade

programas de ps-graduao campus baixada santista

98 Alimentos, Nutrio e Sade99 Interdisciplinar em Cincias da Sade

programas de ps-graduao campus guarulhos

100 Cincias Sociais101 Educao102 Educao e Sade na Infncia e Adolescncia103 Filosofia104 Histria105 Histria da Arte106 Letras

programas de ps-graduao campus diadema

107 Anlise Ambiental Integrada108 Biologia Qumica109 Cincia e Tecnologia da Sustentabilidade110 Cincias Farmacuticas111 Ecologia e Evoluo

programas de ps-graduao campus so jos dos campos

112 Biotecnologia113 Cincia da Computao114 Engenharia e Cincia de Materiais115 Matemtica Aplicada116 Matemtica em Rede Nacional117 Pesquisa Operacional

programas de ps-graduao campus osasco

118 Gesto Poltica e Organizaes Pblicas119 Economia e Desenvolvimento

programas de ps-graduao campus so paulo / epm

62 Biologia Estrutural e Funcional63 Cincia Cirrgica Interdisciplinar64 Cincia, Tecnologia e Gesto Aplicadas Regenerao Tecidual

65 Cincias Biolgicas / Biologia Molecular66 Cincias da Sade Aplicadas Reumatologia67 Cirurgia Translacional68 Distrbios da Comunicao Humana / Fonoaudiologia

69 Farmacologia70 Gastroenterologia71 Gesto e Informtica em Sade72 Infectologia73 Medicina / Cardiologia74 Medicina / Endocrinologia Clnica75 Medicina / Ginecologia76 Medicina / Hematologia77 Medicina / Nefrologia78 Medicina / Obstetrcia79 Medicina / Otorrinolaringologia80 Medicina / Pneumologia81 Medicina / Radiologia Clnica82 Medicina / Urologia83 Medicina Translacional84 Microbiologia e Imunologia85 Neurologia Neurocincias86 Nutrio87 Of talmologia e Cincias Visuais Mestrado Acadmico & Doutorado

88 Of talmologia e Cincias Visuais Mestrado Profissional

89 Patologia90 Pediatria e Cincias Aplicadas Pediatria91 Psicobiologia92 Psiquiatria e Psicologia Mdica93 Sade Baseada em Evidncias94 Sade Coletiva95 Tecnologias e Ateno Sade

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Poltica editorial da revista Entreteses

I Do contedo da revistaEntreteses publica trabalhos de divulgao cientfica nas seguintes categorias:1. Perfil: retrata personalidades que contriburam para mudar paradigmas em suas reas de atuao.2. Entrevista: conversa com pesquisadores de destaque em seu campo de especializao.3. Cincia no mundo: aborda a relao do mundo com a cincia, isto , como a esfera cultural, no seu sentido mais amplo, percebe os desenvolvimentos inerentes ao mundo cientfico. Exemplos: os filmes de fico sobre robtica e as sries de TV que abordam a cincia mdica.4. Pesquisa em desenvolvimento: descreve os trabalhos realizados por pesquisadores dos campi da Unifesp, os quais, pelas mais diversas razes, merecem ser apresen-tados com destaque. A seleo das pesquisas indicadas para publicao feita pelas Cmaras de Ps-Graduao e Pesquisa.A pauta geral de cada edio definida pelo Conselho Cientfico (CC) da revista e a forma jornalstica dada por seu Conselho Editorial (CE).

II Da seleo de temas, reportagens e pesquisas para publicao1. Caber s Cmaras de Ps-Graduao e Pesquisa sugerir ao CC matrias para publicao, tendo em vista o objetivo de abranger a totalidade das reas de pesquisa em ativi-dade na Unifesp.2. Todas as sugestes de matrias sero avaliadas para fu-tura publicao; entretanto, dada a quantidade limitada de pginas do peridico, o CC selecionar para publicao imediata aquelas que melhor se enquadrarem na temti-ca de cada edio.

3. Com exceo dos artigos assinados, as matrias sero redigidas por uma equipe de jornalistas, em linguagem rigorosa, mas acessvel a no especialistas, incluindo-se no final as referncias bibliogrficas ou de documentos eletrnicos, de acordo com as normas estipuladas pela Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT) e no pelo estilo Vancouver. Para atender a esta ltima clusula, ser necessrio que o pesquisador envie as informaes bibliogrficas ou eletrnicas sobre os artigos cientficos relacionados, em conformidade com o padro adotado, responsabilizando-se por elas. Antes de ser publicado, o texto final ser submetido anlise do(s) pesquisador(es), que dever sanar eventuais erros e confirmar a correo das informaes cientficas veiculadas.4. Cada edio eleger uma temtica central. Sero publi-cadas, prioritariamente, matrias que contemplem o tra-balho de pesquisadores da prpria Unifesp, cabendo ao CC a deciso de divulgar ou no pesquisas desenvolvidas em outras instituies.

III Recomendaes gerais1. Encorajamos os pesquisadores da Unifesp a enviarem informaes bsicas sobre os trabalhos desenvolvidos s respectivas Cmaras de Ps-Graduao e Pesquisa, para efeito de triagem e eventual publicao.2. Encorajamos tambm grupos de docentes de um mes-mo campus ou de campi diferentes, com interesses cien-tficos afins, a submeterem perfis coletivos de pesquisa apreciao, proporcionando ao maior nmero de pesqui-sadores a oportunidade de ser conhecidos pela comunida-de e, ao mesmo tempo, valorizando o trabalho em equipe. [email protected]

Acesse on-line as edies anterioreswww.unifesp.br/entreteses

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editorial

Maria Lucia Oliveira de Souza FormigoniPr-reitora de Ps-Graduao e PesquisaDesde que em 1943, em referncia ao I Congresso Indigenista realiza-do em 19 de abril de 1940, Getlio

Vargas decretou que 19 de abril seria ofi-cialmente o Dia do ndio no Brasil, mui-to aprendemos sobre, e com, os primei-ros habitantes de nossa terra. Um pouco da histria sobre a troca de conhecimen-tos e experincias com a populao indge-na contada neste nmero por mdicos e pesquisadores que a viveram, com desta-que para o prof. Roberto Geraldo Baruzzi e os mdicos sanitaristas Sofia Mendona e Douglas Rodrigues. da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (EPM/Unifesp). A par-tir do sonho de Baruzzi de conhecer a situa-o de sade da populao indgena e pro-ver-lhe assistncia mdica adequada, foram iniciados muitos projetos de pesquisa, ensi-no e extenso.

O conhecimento e a experincia adquiri-dos serviram de base a um curso de especia-lizao sobre a sade indgena e instalao de um ambulatrio especializado, oferecen-do um ensino diferenciado aos profissionais de sade formados pela Unifesp. Nas mat-rias sobre o tema, emerge claramente a in-dissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extenso da instituio. Como resultado dessas aes sinrgicas, mais de 20 teses de doutorado e 18 dissertaes de mestrado foram defendidas e mais de 100 artigos publicados, com foco em questes

relacionadas populao indgena. Outros estudos esto em andamento, como mos-tra a matria sobre doenas crnicas, den-tre as quais aparece a sndrome metablica, que tem atingido tambm a populao ind-gena. Muito aprendemos com eles sobre o uso medicinal de plantas, um tema que tem sido estudado h dcadas pelo prof. Elisaldo Carlini. Personagem principal da matria sobre o canabidiol princpio ativo da can-nabis sativa (maconha) ele discute os mlti-plos aspectos relacionados ao tema, da lega-lizao das drogas ao uso com finalidades teraputicas.

Isso inovao assim como o sistema de monitoramento da atividade da enzima conversora da angiotensina I, desenvolvido sob a coordenao da professora Adriana Karaoglanovic Carmona, do Departamento de Biofsica da EPM/Unifesp. A dosagem de inibidores especficos importante para o diagnstico e avaliao de diversas patolo-gias, como sarcoidose, asbestose, silicose, trombose e disfunes endoteliais e esse pro-jeto resultou na primeira patente concedida Unifesp. At hoje, a instituio solicitou ao INPI o registro de 42 pedidos de paten-tes. Para orientar e apoiar os pesquisadores, o Ncleo de Inovao Tecnolgica (NIT) e o Escritrio de Apoio aos Pesquisadores (EAP) oferecem apoio tcnico e administrativo e so tambm apresentados neste nmero de Entreteses. Boa leitura!

Para alm de 19 de abril( ... todo dia, era dia de ndio... - Baby do Brasil)

www.unifesp.br/entreteses

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carta da reitora

Soraya SmailiReitora da Unifesp

Se alguma realizao universitria pode, por si s, servir de paradigma ao que deveria ser o lugar protagonizado por uma instituio pblica de ensi-no superior no Brasil, o Projeto Xingu responde certamente por essa condi-o. O projeto nasceu h cinco dcadas, a partir de um encontro entre o professor Roberto Geraldo Baruzzi especialista em Medicina Tropical pela Universidade de So Paulo e doutor em Medicina Preventiva pela Unifesp e Orlando Villas Bas, ento diretor do Parque Indgena do Xingu (PIX). O sertanista, em visita Escola Paulista de Medicina, props ao mdico, que j havia participado de outras expedies a regies indgenas, a organizao de uma equipe para avaliar as con-dies de sade dos povos que viviam na rea do parque. Era o embrio do projeto.

poca, a falta de cuidado regular, no mbito mdico e sanitrio, acentuava o risco de extino dos cerca de 1.500 ndios, distribudos em 16 etnias que ha-bitavam os 28 mil quilmetros quadrados da regio. A EPM criou um programa de extenso pioneiro na linha de atendimento em sade, ancorado em trs pila-res: cadastramento mdico, imunizao e abertura do Hospital So Paulo como retaguarda de mdia e alta complexidade. No incio, as viagens a campo eram realizadas quatro vezes por ano, e a primeira delas se deu em 1965, quando oito integrantes foram transportados pela Fora Area Brasileira. O principal obje-tivo era, ento, fazer o mapeamento da situao de sade e dos principais pro-blemas enfrentados pelas populaes locais. Deu-se prioridade a campanhas de vacinao, alm da assistncia mdica, curativa e preventiva, com atendimento s queixas e acompanhamento de gestantes e recm-nascidos. A equipe fazia o cadastramento de todos os indivduos, criando pronturios especiais, organi-zados por famlias nucleares e ampliadas, por aldeia e por etnia, estratgia que perdura at os dias de hoje.

A construo dos primeiros contatos com os povos foi, por si s, um processo de delicado aprendizado, cuja premissa era estabelecer uma relao de respeito para com as culturas xinguanas isto exigia o cultivo da cooperao com os pajs, que ocupavam e ainda ocupam um lugar de referncia mtica, religiosa e cultural nas respectivas comunidades. Houve, ao longo dos anos, uma troca consistente e genuna de saberes e conhecimentos em um ambiente poltico nem sempre fa-vorvel, pois o projeto nasceu quando o pas estava submetido ao regime militar, cujas polticas em relao aos povos originrios tambm foram marcadas pelo autoritarismo, pelo total desrespeito a seus direitos e pela busca desenfreada de territrios vistos como oportunidade de negcios milionrios, abertos ao capital brasileiro e transnacional.

Apesar de todos os obstculos, e graas ao empenho de professores, cientis-tas, pesquisadores, antroplogos, socilogos, tcnicos e estudantes da EPM (de-pois Unifesp), bem como de todos os envolvidos, oriundos de outras entidades e

instituies incluindo-se, claro, os irmos Villas Bas, as comunidades ind-genas e os trabalhadores que participaram e participam desse imenso esforo co-letivo , o projeto floresceu e atingiu a plena maturidade. Seus eixos de trabalho abrangem a formao assistencial de indgenas e no indgenas, o protagonismo de todos os atores na produo da sade e a construo coletiva de estratgias de enfrentamento dos velhos e novos problemas nessa rea, os quais afetam as comunidades xinguanas. Hoje, sob a coordenao da mdica sanitarista Sofia Mendona, a iniciativa conta com uma equipe multidisciplinar formada por m-dicos, enfermeiros, nutricionista, cirurgio-dentista, educador, historiador e fo-tgrafo, alm do corpo administrativo, totalizando 17 profissionais. Desde a cria-o do projeto, mais de 500 pessoas j participaram das viagens ao Xingu. Entre as principais conquistas do programa, esto o aumento da expectativa de vida dos ndios, a queda da mortalidade infantil e a erradicao de doenas como saram-po, catapora, poliomielite e difteria. Acrescente-se, ainda, que os casos de mal-ria a principal epidemia que assolava esses povos so muito raros e, quando ocorrem, no evoluem para bito.

Mas, apesar de todos os avanos, h ainda muito por fazer. Hoje, a sobrevi-vncia dos povos xinguanos enfrenta a ameaa representada pelas novas doen-as provenientes de mudanas no modo de viver e nos hbitos alimentares, como a obesidade, dislipidemia, diabetes e hipertenso, alm do paradoxal aumento da desnutrio. Consequentemente, ampliam-se os casos de bito por doenas cardiovasculares.

Do ponto de vista do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil contempo-rneo, os povos originrios so obstculos que atrapalham a implementao dos pactos de governabilidade com o agronegcio e a indstria extrativista predatria (minrios e madeira). No Congresso Nacional tramitam pelo menos 50 projetos legislativos que retiram direitos constitucionais dos indgenas. Alm disso, estu-dos feitos por entidades especializadas mostram que hoje esto em andamento mais de cem obras em territrios indgenas (incluindo-se hidreltricas, gasodutos, estradas e ferrovias), um tero das quais ocorre em reas onde existem grupos in-dgenas com alta vulnerabilidade, em razo de seu isolamento e contato recente.

Esse quadro geral mostra a extrema relevncia do Projeto Xingu. Temos to-das as razes para acreditar que, se o projeto no existisse, os impactos sobre a sade dos xinguanos, resultantes do contato com nossa sociedade, seriam muito piores. Ao longo das cinco ltimas dcadas, conseguimos sobretudo mostrar que h alternativas, quando se trata da defesa e preservao de comunidades indge-nas, desde que sejam lanadas bases slidas e democrticas de cooperao entre a universidade, o Estado e as prprias comunidades envolvidas. um feito que s nos pode encher de orgulho. Parabns, Projeto Xingu.

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Uma das primeiras equipes mdicas do Projeto Xingu, lideradas pelo professor Baruzzi (terceiro da direita para a esquerda)

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De 12 a 18 de julho deste ano aconte-ceu a 67 Reunio Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC) em So Carlos, municpio localizado no Estado de So Paulo. So Carlos um im-portante polo tecnolgico, educacional e in-dustrial, que abriga, alm de uma universida-de federal (UFSCar), dois campi da USP, um instituto federal de educao profissional e tecnolgica (IFSP), uma Fatec e o Centro Universitrio Central Paulista (Unicep); vrias empresas multinacionais, como a Volkswagen, Electrolux e Faber-Castell, es-to tambm ali sediadas. Este ano o desafio da sociedade cientfica, em um local onde o conhecimento rotineiramente produzido e aplicado, foi, portanto, outro: atrair e esti-mular a participao da comunidade na dis-cusso e prtica da cincia. Despertar a curio-sidade da criana e do adolescente, chamar a ateno dos jovens universitrios, provo-car os pais, tios e avs. E pode-se dizer que, mais uma vez, a SBPC triunfou na realiza-o de um evento, cuja programao cien-tfica, com 6.378 inscritos entre eles, cien-tistas, estudantes, professores e gestores de pesquisa e desenvolvimento ligados ao gover-no e a empresas privadas , contou tambm com a participao macia da comunidade, principalmente no ltimo dia, intitulado Dia da Famlia na Cincia. Dentro de imensas

tendas climatizadas e decoradas, realiza-ram-se vrios experimentos; da Astronomia Biologia, da Arqueologia Fsica, crianas e jovens testaram as leis da natureza e colo-caram a mo na massa, discutiram como o corpo funciona, o que fluorescncia, qual a importncia do ciclo da gua, o que DNA, como montar um rob. No foi s uma tar-de de diverso e brincadeiras, foi tambm o despertar de futuros cientistas.

Alm das exposies da SBPC Jovem, 60 conferncias, 74 mesas e 52 minicursos abor-daram a cincia nos mais diversos mbitos, como Medicina, polticas pblicas, biodiver-sidade, Astronomia, indgenas, educao, biotecnologia, luz etc. Dentre todos esses te-mas, a atual crise econmica protagonizou muitas discusses. A crise econmica, que chega tardiamente a nosso pas, e a crise po-ltica associada apresentam-se como difi-culdades que exigem alternativas inovado-ras, provenientes do governo e tambm da sociedade. A cincia e a educao brasileiras, reas estratgicas para o desenvolvimen-to, esto sofrendo perigosos cortes de ora-mento, afetando no segundo caso des-de a educao bsica at o ensino superior. O governo cortou 9 bilhes no oramento do Ministrio da Educao e luta para pre-servar programas como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), o Cincia sem

Fronteiras, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Tcnico e Emprego) e o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciao Docncia). S este ano o Fies sofreu o corte de mais da metade das no-vas bolsas em relao ao ano passado, e o Pronatec, o corte de dois teros do oramen-to. Polticas para a cincia e educao foram amplamente discutidas, e o que se viu foi uma grande inquietao acerca das decises governamentais.

Uma preocupao recorrente da SBPC tem sido a discusso sobre inovao tecno-lgica como aproximar cincia e tecnolo-gia da atividade econmica. Academia e in-dstria juntas inovam, e a economia se torna competitiva. Inovar criar solues criativas, inteligentes, teis para um determinado mo-mento. Diante de um problema (uma crise), inova quem faz diferente, quem arrisca e faz algo a mais. Inovar arriscar.

Voc, como ps-graduando, o que tem feito para ajudar na crise do sistema de educao brasileiro? A pesada maioria dos ps-graduandos desconhece o potencial de contribuio que pode oferecer ao pas. Existe, entretanto, um trabalho com im-pacto to alto e imediato quanto qualquer outro publicado na Nature ou Science: a ati-vidade de divulgao cientfica em esco-las do ensino fundamental e mdio. A isso

O ps-graduando e seu papel transformador na divulgao da cincia

Carolina CrdulaPs-doutoranda pelo programa de Biologia Molecular

chamamos extenso. Teoricamente indis-socivel do ensino e da pesquisa acadmica.

Para inovar preciso sair da zona de conforto. Na SBPC Jovem a grande maio-ria dos expositores, oficineiros e monito-res era constituda por estudantes do ensi-no mdio, da graduao e da ps-graduao. Praticando divulgao cientfica. A SBPC proporciona esse tipo de espao. Mas exis-tem muitos outros, nas escolas e comunida-des. Uma grande oportunidade de contri-buir com o nosso pas para a superao desta e de outras crises atrair mentes e coraes, crianas e jovens, para a cincia do futuro.

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67 Reunio Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC) em So Carlos, que reuniu crianas e adolescentes nas exposies da SBPC Jovem

Na condio de ps-graduanda que pratica a extenso, ao mesmo tempo em que desenvolve sua pesquisa, divulgar cincia nas escolas inovador, porque sai do habitual, expande os horizontes, transforma. Resultado: desperta a vocao cientfica em crianas e jovens; desperta a conscincia do ps-graduando acerca da educao pblica e de nossas diferentes realidades, de nossa cultura diversificada, de nossa tolerncia e, principalmente, de nosso lugar no mundo.

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entrevista eleonora menicucci

Direitos da mulher: a realidade distante das leis

Professora titular em Sade Coletiva do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) Campus So Paulo e ex-pr-reitora de Extenso (2009-2011) da Unifesp, a soci-loga e cientista poltica Eleonora Menicucci de Oliveira assumiu h trs anos o cargo de ministra da Secretaria de Polticas para as Mulheres. Em 2 de outubro, a reforma minis-terial e administrativa anunciada pela pre-sidente Dilma Roussef uniu a secretaria de Poltica de Promoo da Igualdade Racial, a de Direitos Humanos e a de Polticas para as Mulheres em uma nica pasta, criando-se o Ministrio das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Com isso, Eleonora pas-sou a ocupar o cargo de secretria especial do rgo no qual havia atuado como ministra.

Graduada em Cincias Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), sua luta pelo posicionamento das mulheres na sociedade comeou a partir da militncia de esquerda nos anos 1970. Sofreu perseguio poltica, tendo sido presa e tor-turada durante a ditadura militar; nessa po-ca foi tambm privada de criar a filha, ento com um ano e dez meses, de quem ficou se-parada por quase trs anos.

Feminista convicta, essa mineira, natural de Lavras, dedicou toda a trajetria acad-mica a pesquisas que tratam das condies de vida das mulheres brasileiras nas mais variadas esferas: direitos reprodutivos e se-xuais, sade integral, envelhecimento, vio-lncia de gnero, aborto, direitos humanos e polticas pblicas. Provocada por Entreteses, a secretria expe o trabalho que vem desen-volvendo e as dificuldades para desconstruir a cultura da violncia de gnero em nosso pas.

Ana Cristina CocoloValquria Carnaba

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Eleonora Menicucci de Oliveira, secretria especial de Polticas para as Mulheres do Ministrio das Mulheres,Igualdade Racial e Direitos Humanos, fala sobre a poltica de sade, o feminicdio e a ateno humanizada aos casos de abortamento

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Sade da mulherEntreteses - Qual sua viso sobre as polticas nacionais voltadas sade integral da mulher? Eleonora Menicucci de Oliveira - A Poltica Nacional de Ateno Integral Sade da Mulher (Pnaism) foi reelaborada em 2003, uma vez que o Programa de Assistncia Integral Sade da Mulher (Pnaism) da-tado de 1983, quando uma equipe tcnica definiu a importncia de redesenhar as di-retrizes que orientam as polticas de sa-de da mulher. O processo de elaborao da Pnaism contou com a parceria dos diferen-tes departamentos, coordenaes e comis-ses do Ministrio da Sade. Incorporou as contribuies dos movimentos feminis-ta, de mulheres negras e de trabalhadoras rurais, das sociedades cientficas, pesquisa-dores e estudiosos da rea, ONGs, gestores do SUS e agncias de cooperao internacio-nal. Por fim, a referida poltica foi subme-tida apreciao do Conselho Nacional de Sade e da Comisso Intersetorial de Sade da Mulher (Cismu). A Pnaism reflete o com-promisso com a implementao de aes e servios de sade que contribuam para a ga-rantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas previsveis e evitveis. Incorpora, em um enfoque de gnero, a integralidade e a hu-manizao da ateno sade como prin-cpios norteadores, bem como consolida os avanos no campo dos direitos sexuais e re-produtivos. Reconhece as mulheres como sujeito de direitos, com necessidades que extrapolam o momento da gestao e parto, com aes que lhes proporcionam a melho-ria das condies de sade em todos os ci-clos de vida. um instrumento de apoio s secretarias de sade dos Estados e dos mu-nicpios. O responsvel pela execuo des-sa poltica o Ministrio da Sade. A SPM apoia, contribui e busca sua implementao.

E. Infarto, AVC, diabetes, gripe e cncer lide-ram o ranking das principais causas de mor-te entre mulheres, segundo relatrio de 2012 do Ministrio da Sade. Como combater o problema?E.M.O. O maior desafio a universalizao das aes do Pnaism. O que significa im-plant-las com qualidade no atendimento em todos os municpios. Temos um sistema federativo Unio, Estados e municpios

que responsvel pela implementao dessas aes e segue as diretrizes da des-centralizao do SUS. Alm disso, impor-tante que os municpios e Estados tenham organismos de polticas para as mulheres, que exeram parcerias com as secretarias de sade e capacitem os profissionais para atender a todas as demandas desse contin-gente, respeitando suas singularidades. Por fim, destaco o papel de controle social dos conselhos de sade e das prprias mulheres.

Violncia contra a mulherE. De acordo com o Mapa da Violncia 2012, de 1980 a 2010 foram assassinadas no pas cerca de 91 mil mulheres, sendo 43,5 mil s na d-cada de 2000. O nmero de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297. A que a senho-ra atribui esses ndices no Brasil? E.M.O. Com uma taxa de 4,4 assassinatos para cada 100 mil mulheres, o Brasil ocupa a stima posio em um ranking de 84 na-es. O feminicdio um crime hediondo, caracterizado pela morte violenta de mu-lheres por razes de gnero. Essas altas ta-xas costumam ser acompanhadas de eleva-dos nveis de tolerncia violncia contra as mulheres, e ainda encontramos alguns obstculos para superar essa situao, tais como: operadores do sistema de justia que reproduzem esteretipos e prticas que re-vitimizam as mulheres e impedem o acesso justia e reparao das vtimas; neglign-cia e irregularidades na produo de provas, com nfase na prova fsica e testemunhal; pouca credibilidade na palavra da vtima e de seus familiares. Por isso, tem grande im-portncia a sano da Lei 13.104, em maro deste ano, como forma de visibilizar e qua-lificar o fenmeno do feminicdio no Brasil. uma clara postura de tolerncia zero vio-lncia contra as mulheres.

E. Em maro, o Instituto de Pesquisa Econmica e Aplicada (Ipea) divulgou que a Lei Maria da Penha fez diminuir em 10% a taxa de homi-cdio contra as mulheres dentro das residn-cias. No entanto, essa reduo no ocorreu de modo uniforme no pas; a explicao, de acordo com o estudo, est ligada aos diferen-tes graus de institucionalizao dos servios de proteo s vtimas de violncia domstica. Qual a sua avaliao?E.M.O. A pesquisa do Ipea considerou os

dados sobre o homicdio de mulheres no apenas do ponto de vista do aumento ou di-minuio da taxa. Foi feita uma anlise con-trafatual para avaliar, caso no houvesse a lei, se os homicdios teriam crescido mais do que foi observado. Como a avaliao foi positiva haveria um crescimento de 10% na taxa de homicdio de mulheres , con-cluiu-se que a legislao efetiva. O estudo tambm aponta como fatores relacionados efetividade da Lei Maria da Penha a respon-sabilizao dos agressores (que no mais se enquadrariam na Lei 9.099/95) e a previso legal das medidas protetivas para a mulher e agressor ou agressora.

No que se refere institucionalizao dos servios especializados de enfrentamento violncia contra as mulheres, dados levan-tados em junho de 2015 apresentam a rede de atendimento mulher composta de 1.565 servios especializados: servios de abriga-mento (79), centros de referncia de atendi-mento mulher (240), delegacias especia-lizadas de atendimento mulher/DEAMs (370), ncleos/postos de atendimento mu-lher nas delegacias comuns (131), juizados de violncia domstica e familiar contra a mulher (80), varas adaptadas de violncia domstica e familiar (22), ncleos de defe-sa dos direitos da mulher das defensorias pblicas (44), promotorias especializadas e ncleos de gnero dos ministrios pblicos (59), servio de promoo da autonomia eco-nmica de mulheres em situao de violn-cia (2), unidades mveis de atendimento (54), servios de sade especializados no atendi-mento violncia sexual (482) e unidades da Casa da Mulher Brasileira (2).

Atualmente, os 1.565 servios especia-lizados esto distribudos por regio em 657 dos municpios brasileiros: Nordeste (302), Norte (186), Sul (260), Sudeste (480) e Centro-Oeste (337). Frisamos a importn-cia das 54 unidades mveis entregues pelo governo federal aos Estados para a orienta-o e proteo s mulheres do campo, da flo-resta e das guas em situao de violncia. Desde 2014, j foram realizados 35.000 aten-dimentos de mulheres do campo, da floresta e das guas em 343 municpios.

E. Em 2014, o Ligue 180 registrou um aumento de 18% nas denncias de violncia sexual em relao ao ano anterior. Qual seria a explicao

para esse nmero? E.M.O. Esse dado no representa necessa-riamente um aumento do nmero de casos, mas de denncias. Percebe-se maior cons-cientizao da populao, em especial das mulheres. Segundo pesquisa do DataSenado, 89% das mulheres entrevistadas garantiram que, caso presenciassem um ato agressivo contra uma mulher, fariam denncia. Nessa situao, a pesquisa quis saber quem a en-trevistada procuraria primeiro. As delega-cias comum e da mulher foram as opes majoritariamente apontadas por 62% e 21%, respectivamente.

E. Quais foram os resultados da portaria in-terministerial que estabelece um atendimen-to integrado s vtimas de violncia domstica e da integrao da Central de Atendimento Mulher (Ligue 180) com os nmeros de emer-gncia 190 (Polcia Militar) e 193 (Corpo de Bombeiros)?E.M.O. Desde a criao do Programa Mulher, Viver sem Violncia, em 2013, a SPM e os Ministrios da Sade, da Justia e do Desenvolvimento Social e Combate Fome tm realizado aes conjuntas visando hu-manizao do atendimento e integrao dos servios. Entre os principais resultados, cabe citar: a definio dos protocolos e di-retrizes de atendimento da Casa da Mulher Brasileira; a definio de indicadores dos re-gistros administrativos dos servios das di-ferentes reas (para subsidiar o planejamen-to e avaliao do programa); a implantao de unidades da Casa da Mulher Brasileira e sua integrao com os demais servios da rede de atendimento; e a humanizao do atendimento s mulheres vtimas de violn-cia sexual nos servios de sade. Em maio de 2015, foram realizados o cadastramento e a classificao de 457 servios no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Sade (CNES), dos quais 56 dizem respeito in-terrupo da gravidez nos casos previstos em lei e 149 tm carter de referncia para a ateno integral nos casos de violncia.

Foram realizados trs cursos de capacita-o, com a presena de 240 profissionais (da rea da sade e dos IMLs); foi tambm pu-blicada a Portaria Interministerial n 288, de 25 de maro de 2015, da SPM e Ministrios da Justia e da Sade, que estabelece orien-taes para a organizao e integrao do

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atendimento s vtimas de violncia sexual pelos profissionais de segurana pblica e pelos profissionais de sade do SUS, quanto humanizao desse atendimento e ao re-gistro de informaes e coleta de vestgios. Tambm acabamos de publicar a norma tc-nica de ateno humanizada s pessoas em situao de violncia sexual com registro de informao e coleta de vestgios. Quanto ao Ligue 180, a Central de Atendimento Mulher, trata-se de um servio de utilidade pblica, gratuito e confidencial, oferecido pela SPM desde 2005. Alm de receber de-nncias de violncia e reclamaes relativas aos servios de atendimento, informando as mulheres sobre seus direitos e a legislao vigente, o Ligue 180 orienta as pessoas que buscam a central sobre os telefones de emer-gncia disponveis, tais como o 190, o 192 e o 193.

E. Quais so as polticas pblicas em que a pas-ta est trabalhando para prevenir a violncia?E.M.O. A preveno passa pela desconstru-o da cultura da violncia com seus este-retipos de gnero, que alimentada pelo machismo. A SPM apoia e realiza campa-nhas continuadas, como Compromisso e Atitude ou Quem Ama Abraa Fazendo Escola, e programas de informao sobre direitos, como os veiculados pelo Ligue 180 e Casa da Mulher Brasileira (CMB). Alm disso, foram repassados recursos para fi-nanciamento de campanhas em Estados e municpios. A SPM tem parceria com o Ministrio da Educao, visando formao

de educadores na temtica da violncia con-tra as mulheres, como no caso do Programa Gnero e Diversidade na Escola. Foi tam-bm includo na CMB um servio voltado para a autonomia econmica das mulhe-res. Embora as pesquisas demonstrem que a dependncia econmica no seja a nica causa da violncia, essa questo pode ser um dos entraves para dar fim ao ciclo da violncia. Tambm foram entregues a cada um dos Estados duas unidades mveis de atendimento, que tm por objetivo (entre outros) orientar as mulheres do campo e da floresta sobre seus direitos e sobre a Lei Maria da Penha, alm de prestar atendimen-to. Temos tambm o barco-agncia da Caixa Econmica Federal, que leva esses servios s ribeirinhas do arquiplago do Maraj.

E. As campanhas tm mostrado alguma mu-dana no comportamento dos homens?E.M.O. difcil mensurar seu impacto. Apesar de no podermos estabelecer uma relao de causa e efeito, possvel notar, no Ligue 180, uma mudana no perfil das pessoas que ligam relatando as situaes de violncia. Houve a diminuio do nmero de relatos informados pela prpria vtima, concomitante a um aumento do nmero de amigos, familiares e vizinhos. Avaliamos como um indicativo da maior conscientiza-o da sociedade para o fenmeno da violn-cia contra as mulheres e para a desconstru-o da concepo da violncia (em especial, da violncia domstica) como um assunto privado. Outro dado que corrobora essa mu-dana cultural diz respeito aos indicadores da pesquisa do DataSenado, segundo a qual 97% das mulheres entrevistadas concordam em que o agressor deve ser processado, mes-mo contra a vontade da vtima. Apenas 2% acham o contrrio.

E. A reincidncia no incomum nos casos de violncia contra a mulher. O que falta para ga-rantir a segurana da mulher ameaada?E.M.O. Com a Lei Maria da Penha, a mulher passa a contar com importantes mecanis-mos que visam garantia de sua segurana: a criao dos juizados de violncia doms-tica e familiar contra a mulher e as medi-das protetivas de urgncia. Alm disso, a lei prev o fortalecimento da rede de aten-dimento mulher em situao de violncia

(casas-abrigo, centros de referncia de aten-dimento mulher, defensorias e promoto-rias especializadas e, mais recentemente, a Casa da Mulher Brasileira). No tocante aos agressores, a lei estabelece a necessidade de criao de servios de responsabiliza-o e educao do agressor. Temos tambm um importante marco legal que a Lei do Feminicdio, de maro de 2013. Espera-se que, com a tipificao penal, seja possvel visibilizar o problema social em torno des-sas mortes. Destacamos, ainda, a amplia-o para a rea rural da Patrulha Maria da Penha, cujas diretrizes esto sendo defini-das por grupo de trabalho criado em agosto deste ano. A patrulha atende s reivindica-es da Marcha das Margaridas, como for-ma de enfrentar a violncia contra as mu-lheres e o preconceito de cor, raa, gnero e etnia, alm de reduzir as desigualdades sociais.

Aborto, gravidez e mortalidade maternaE. Existem registros sobre o nmero de inter-naes e mortes, por ano, em funo dos abor-tos clandestinos?E.M.O. No temos dados sobre os abortos clandestinos. Existem dados oficiais e con-fiveis do DataSUS, ano a ano. De acordo com o levantamento dos trs primeiros me-ses do ano, 47.452 mulheres em situao de abortamento ficaram internadas no SUS, sendo 22.411 por aborto espontneo, 416 por razes mdicas e 24.625 por outras gravide-zes que terminaram em aborto. Em todo o ano de 2014 foram 206.572 internaes, sen-do 101.575 por aborto espontneo, 1.581 por aborto devido a razes mdicas e 103.416 por outras gravidezes que terminaram em aborto. Existem metodologias de clculo, mas as estimativas da magnitude dos abor-tos divergem conforme as tcnicas e fontes utilizadas.

E. O Conselho Federal de Medicina estabele-ce at o terceiro ms de gestao como limi-te para a prtica do aborto. A tentativa de im-plementar o atendimento s mulheres no SUS, baseada nessa recomendao, no foi em fren-te. Como a senhora percebe essa questo?E.M.O. No SUS existe a norma tcnica de ateno humanizada ao abortamento, com diretrizes gerais de acolhimento, orienta-o e ateno clnica. Essa norma fornece

aos profissionais subsdios para que pos-sam no s oferecer um cuidado imediato s mulheres em situao de abortamento, mas tambm, na perspectiva da integrali-dade do atendimento, disponibilizar alter-nativas contraceptivas, evitando o recurso a abortos repetidos. Para mulheres com abor-tamentos espontneos e que desejem nova gestao deve ser garantido um atendimen-to adequado s suas necessidades. Alm da publicao de normativas sobre a organiza-o de servios de referncia para a inter-rupo de gravidez nos casos legais no Brasil (estupro, risco de morte da me e anence-falia), h o cadastramento no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade (SCNES) Portarias nos 485/2014 e 618/2014 , que dispem sobre o funciona-mento desses servios e garantem sua di-vulgao para toda a sociedade por meio do acesso ao SCNES no site: http://cnes.datasus.gov.br/ .Alm disso, a Portaria n 485/2014 estabele-ce as competncias dos rgos gestores da sade em mbito federal, estadual e munici-pal para organizao e funcionamento des-ses servios. Atualmente, em nvel nacional, constam 63 servios de referncia para in-terrupo de gravidez nos casos previstos em lei cadastrados no SCNES.

E. Quantos servios atualmente existem no pas para atender aos casos legais de aborto? Quais so os Estados que precisam de mais ateno? E.M.O. O Ministrio da Sade lanou em 2 de abril de 2014 uma portaria que redefine o funcionamento do servio de ateno s pessoas em situao de violncia sexual no mbito do SUS, faz a classificao de servi-os e determina como estes sero organiza-dos e monitorados. No cadastro de servios especializados, nos casos previstos em lei, constam 63 modalidades. Temos que fortale-cer os Estados da Regio Norte, buscando a interiorizao do atendimento s mulheres.

E. A maioria da populao brasileira con-tra o aborto, conforme indicam as pesqui-sas de vrios institutos (Ibope, Vox Populi e DataSenado). Convm prevalecer o desejo da maioria ou o assunto deve ser considerado de sade pblica e ser decidido pelo Estado?E.M.O. uma questo de sade pblica.

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perfil elisaldo carlini

Aos 85 anos 50 deles dedicados pes-quisa sobre os efeitos das drogas psi-cotrpicas Elisaldo Luiz de Arajo Carlini est longe de ter uma vida paca-ta. Mdico, pesquisador, professor emri-to da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) Campus So Paulo e diretor do Centro Brasileiro de Informaes sobre Drogas Psicotrpicas (Cebrid), Carlini de-dica pelo menos dez horas de seu dia ao tra-balho. Atualmente, est no stimo manda-to como membro do Expert Advisory Panel on Drug Dependence and Alcohol Problems (Painel Consultivo de Especialistas em Dependncia de Drogas e Problemas com lcool), da Organizao Mundial da Sade (OMS), e atua como coordenador da Cmara de Assessoramento Tcnico-Cientfico da Secretaria Nacional de Polticas sobre Drogas (Senad), rgo do Ministrio da Justia.

No entanto, nem mesmo as limitaes causadas pela idade fazem com que ele redu-za o ritmo de suas atividades. Pai de seis fi-lhos, fruto de seus trs casamentos, com sete netos e uma bisneta, acorda diariamente s

seis horas e vai dormir por volta da meia-noite. Antes de ir descansar, porm, faz questo de responder a todos os e-mails re-cebidos ao longo do dia, de reservar um tem-po para conversar com a esposa e, ainda, de passear com os cachorros. Eu no sei viver de outro jeito, reconhece.

Durante a conversa na sede do Cebrid, na manh de uma quarta-feira de muito calor, o professor pediu apenas uma pausa para abocanhar a barrinha de cereal e tomar o suco de laranja. Diabtico, Carlini precisa evitar a queda do nvel de glicose no sangue e as consequncias da hipoglicemia; por isso, no pode passar muito tempo sem se alimentar. Eu no sofro de doena, sofro de velhice. Tudo que voc imaginar que um velho tem, eu tenho, comenta aps o lanche.

A paixo do mdico especialista em Psicofarmacologia a pesquisa da flora me-dicinal. O contato com as plantas comeou cedo, aos sete anos, quando deixou a cida-de natal de Ribeiro Preto (SP) para ir mo-rar com os pais e cinco irmos em Piraj, um pequeno distrito rural do municpio de Neves Paulista, que fica no extremo norte do

Estado de So Paulo. Com cerca de 20 casas, na poca, foi nesse vilarejo desprovido de gua encanada, energia, esgoto, mdicos e enfermeiros que o incansvel pesquisador aprendeu as diferentes formas de tratamen-to, base de ervas, para a cura de doenas.

Como era o filho mais velho, acompanha-va as visitas que sua me professora prim-ria e a pessoa mais bem informada daquela regio fazia aos moradores com problemas de sade, na tentativa de ajud-los. Eu via coisas pavorosas, como o parto de uma mu-lher que gritava continuamente, sem dispor de nenhum recurso. A passagem por Piraj marcou-lhe a vida de tal modo que se pro-ps a cumprir um objetivo: Eu no queria ter clnica, ser cirurgio, nada disso. Eu que-ria aprender Medicina. Depois de formado, seu sonho era trabalhar em navios que, na poca, subiam o rio Amazonas para socor-rer a populao local.

Aos 15 anos, ao chegar a So Paulo, con-seguiu emprego como office-boy na multina-cional White Martins, especializada na ven-da de tubos de oxignio. Com ele, vieram os pais e mais trs irmos; todos em razo

da situao financeira muito difcil foram morar com os avs. Eu dormia numa cama no corredor da casa e entregava todo o sa-lrio ao meu pai, que me devolvia apenas o dinheiro da conduo.

Em 1952, aos 22 anos de idade, ingressou na EPM, aps duas tentativas anteriores. A vida do jovem Carlini comeou a ganhar um novo rumo quando conheceu o professor de Farmacologia Jos Ribeiro do Valle, no 2 ano do curso de Medicina. Ele mudou mi-nha vida, garantiu ao reconhecer que her-dou de seu mestre o interesse em estudar a Cannabis sativa. Ribeiro do Valle foi o pri-meiro brasileiro a trabalhar cientificamen-te com a maconha, utilizando animais de la-boratrio. Ele me ensinou as coisas da vida, muitas delas por meio de ditados populares. Um deles relembrado por Carlini: Confia apenas na forte fora do seu brao fraco.

A partir da, o renomado especialista nun-ca mais deixou a pesquisa. Em 1957, quando se formou, abandonou o trabalho como ins-trutor de propagandistas, que exercia em um laboratrio farmacutico, para dedi-car-se exclusivamente carreira. O salrio

Um advogado do canabidiol

Da RedaoCom a colaborao de Rogrio Dias

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Dedicado pesquisador da Cannabis, Elisaldo Carlini reconhece que a substncia pode causar efeitos adversos; no entanto, enftico: os benefcios medicinais so bem maiores

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cobria as despesas com o pagamento da fa-culdade (naquela poca a EPM era paga) e complementava o oramento da famlia.

Trabalhou como assistente volunt-rio da disciplina de Farmacologia at 1960, quando aps ser contemplado com uma bolsa da Fundao Rockefeller foi aos Estados Unidos aprender Bioqumica e Psicofarmacologia. Durante sua perma-nncia no pas, por quatro anos, cursou o mestrado na Universidade Yale no perodo de 1962 a 1964. Apesar do convite para con-tinuar na instituio, Carlini decidiu voltar para o Brasil, mesmo sem emprego. Uma das principais razes para que ele tomas-se essa deciso no estava relacionada ao desenvolvimento de pesquisas. Comecei a sonhar com tudo que era do Brasil, e um dia imaginei que estava comendo feijoada. Acordei dizendo: Quero comer feijoada. Fui preparar. Mas s consegui fazer uma lenti-lhada. Da pensei: No d para ficar mais aqui.

Em 1964, de volta ao pas, Carlini passou por algumas instituies da capital paulista,

Em janeiro deste ano, a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) aprovou a excluso do canabidiol (CBD) da lista de substncias proi-bidas no Brasil, reclassificando-a como substn-cia controlada. Em julho, a importao de me-dicamentos destinados a pessoas fsicas deixou de ter tributao federal; entre eles, figura o canabidiol, que representa uma alternativa para tratar, por exemplo, de casos graves de epilepsia. Portanto, desde que cumpridas as regras estabeleci-das, a nova disposio da Anvisa possibilita aos cidados brasileiros o acesso queles medicamentos sem a incidncia de im-postos federais.

No Uruguai a legalizao da Cannabis uma realidade parcial: o cultivo permitido desde que o responsvel conste do registro oficial, no qual esto inscritos at agora cerca de 2.000 nomes; por sua vez, as cooperativas para o cul-tivo coletivo da maconha os clubes canbicos

multiplicam-se por todo o pas. O secretrio na-cional de Drogas, Julio Heriberto Calzada, afirma que o pas conseguiu reduzir a zero as mortes li-gadas maconha desde que foram adotadas re-gras para regulamentar seu uso, venda e cultivo.

Em relao aos Estados Unidos, Elisaldo Carlini argumenta que

no Estado de Washington a maconha tem sido utiliza-

da como medicamento h mais de 20 anos. Os

mdicos prescreviam [a substncia psicoativa] com a licena das autorida-

des e gostavam dos resultados obtidos; os pacientes, que geralmente eram pessoas mais idosas, tambm estavam

felizes com isso. Segundo ele, a legalizao facilitou o acesso

droga, cujo glamour em parte desapareceu, fa-zendo com que os jovens, surpreendentemen-te, perdessem o interesse por ela. Ento, acre-dito que esse fato [o no aumento do consumo] pode realmente acontecer, e deve estar aconte-cendo em alguns Estados dos EUA e no prprio Uruguai.

Legalizao aponta resultados positivos

como o Instituto Biolgico e a Faculdade de Cincias Mdicas da Santa Casa. Em 1970, o pesquisador de plantas medicinais foi acolhido pelo diretor da EPM na po-ca, o professor de Cardiologia Horcio Kneese de Mello , como professor adjunto. Nessa instituio fundou o Departamento de Psicobiologia e chefiou a disciplina de Psicofarmacologia. Em 1978 foi aprova-do no concurso para professor titular de Psicofarmacologia.

Desde seu retorno EPM, trabalha ar-duamente para comprovar que a maconha uma planta fascinante e pode ser uma eficiente alternativa para o tratamento da epilepsia e dos efeitos colaterais (nuseas e vmitos) causados pela quimioterapia de cncer, alm de aliviar as dores miopticas. So mais de 50 anos de estudo, com foco na compreenso dos mecanismos pelos quais a Cannabis sativa age no organismo huma-no. Juntamente com sua equipe, j publicou diversos trabalhos em revistas cientficas in-ternacionais, reunindo cerca de cinco mil ci-taes. At o momento, orientou cerca de 24

dissertaes de mestrado e 25 teses de dou-torado. Os primeiros estudos publicados no mundo sobre o efeito benfico do canabidiol em adultos com epilepsia foram nossos. O Cebrid, Carlini e a EPM so os precursores dos trabalhos com a maconha.

Foi necessrio, entretanto, esperar mui-tos anos para que finalmente pudesse acom-panhar os resultados positivos do uso dessa droga psicoativa no Brasil. Apesar de ser uti-lizada em cerca de 40 pases, somente no in-cio do ano a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) aprovou a resoluo que retira o canabidiol da lista de substncias proibidas, transferindo-a para a de produ-tos controlados no pas. Foi o primeiro pas-so. Espero que isso progrida. No h senti-do na presso negativa que antes existia. H mais crena e ideologia na proibio total da maconha. Ele explica que na planta her-bcea ainda existem mais de 60 substncias que podem ajudar a Medicina.

Mesmo reconhecendo que a Cannabis pode causar efeitos adversos, Carlini acre-dita que estes representam experincias menores perto das qualidades mdicas que

a primeira oferece. Lembra, ainda, que seu uso era uma teraputica corrente no mundo inteiro para vrios males at o incio do s-culo XX e que, somente depois dos anos 1930, o composto psicoativo passou a ser consi-derado uma droga maldita por questes co-merciais. O grande segredo do mdico fa-zer a avaliao risco benefcio. Ele tem de saber que toda droga, sem exceo, traz al-gum risco ao paciente. E tem de avaliar se o benefcio que traz suficientemente forte para valer o risco.

Seus trabalhos e pesquisas renderam-lhe vrias condecoraes e ttulos, entre eles: a medalha de Grande Oficial da Ordem do Rio Branco (1996) e a Gr-Cruz da Ordem Nacional do Mrito Cientfico (2000), am-bas concedidas pela Presidncia da Repbli-ca; e os ttulos de Conselheiro Emrito do Conselho Federal de Entorpecentes (1987), membro titular do International Narcotics Control Board, eleito pelo Conse-lho Econmico e Social das Naes Unidas (2001), e doutor honoris causa pela Uni-versidade Federal do Rio Grande do Norte (2002).

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Imagem acima, esquerda Carlini no Departamento de Farmacologia da Universidade Yale (1963), nos EUA, onde concluiu o mestradoImagem acima, direita Carlini (em p, direita) ao lado de colegas da ps-graduao em Yale: David (meio), Joseph (esquerda) e Anthony (sentado, esquerda). direita (sentado), aparece o professor Jack Peter Green, orientador dos componentes do grupoImagem abaixo, esquerda Os professores Carlini (em p) e Orlando Bueno observam a caixa de Skinner, usada para experimentos com animais nas reas de comportamento e aprendizagem (EPM/Unifesp, 1967)Imagem abaixo, direita O professor e seu grande companheiro: o co Samuel, com dois anos

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Pouco mais de cinco dcadas atrs, em 1954, um surto de sarampo vitimou 20% dos ndios de vrias etnias do Alto Xingu. O ndice de mortalidade dos povos da regio, em decorrncia da precariedade da sade e da alta transmisso da malria, era assustador. Havia alto risco da varola, alta-mente letal e ainda no erradicada no Brasil poca. Para essas novas doenas, introdu-zidas pelo contato com o homem branco, os mtodos de cura adotados pelos pajs mui-tas vezes eram impotentes. A falta de assis-tncia sanitria regular acentuava o risco de extino dos cerca de 1.500 ndios, distribu-dos em 16 etnias que habitavam os 28 mil km2 da regio. As epidemias, como as cita-das, tiveram efeito muito mais letal e inten-so que as grandes guerras ocorridas entre diferentes grupos indgenas e a ao preda-tria dos colonizadores.

O cenrio devastador representava um desafio para mdicos, antroplogos,

socilogos, historiadores e cientistas sociais que se preocupavam com o destino das co-munidades xinguanas. Uma das respostas foi dada pela Escola Paulista de Medicina (EPM) que, a convite do sertanista e ento diretor do Parque Indgena do Xingu (PIX), Orlando Villas Bas, iniciou a implantao de uma atividade pioneira: um programa intitulado Projeto Xingu, que agora com-pleta cinco dcadas de existncia. Hoje, sob coordenao da mdica sanitarista Sofia Mendona, a iniciativa conta com uma equi-pe multidisciplinar formada por 17 pessoas entre mdicos, enfermeiros, nutricionista, cirurgio dentista e educador, alm de his-toriador, fotgrafo e o corpo administrativo, que visa levar melhores condies de sade aos ndios do parque. Ao todo, mais de 500 pessoas j participaram das atividades de campo desde a criao do programa.

Dentre as principais conquistas do pro-grama, esto o aumento da expectativa de

projeto xingu

H 50 anos cuidando da sade dos povos indgenasIniciativa pioneira implementada pela Escola Paulista de Medicina reduziu o alto ndice de mortalidade decorrente das grandes epidemias na regio e celebra o aumento populacional das etnias

Da RedaoCom colaborao de Ana Cristina Cocolo

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Criana Kamaiura na Lagoa Ipavu, no Alto Xingu

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vida dos ndios, queda da mortalidade in-fantil e a erradicao de doenas como sa-rampo, catapora, poliomielite e difteria. Alm disso, os casos de malria, que era a principal epidemia que assolava esses povos, so muito raros e, quando ocorrem, no evo-luem para o bito.

Atualmente, a maioria dos povos superou as epidemias e o risco de extino. No entan-to, todo cuidado ainda pouco e os ndios j esboam o que esperam dos prximos 50 anos do programa.

Sade do ndioPesquisadores do projeto atuam intensa-mente na questo da sade indgena, prin-cipalmente em relao s doenas advindas do contato com o homem branco. Essa a principal ameaa aos xinguanos, porque esto muito vulnerveis, tanto do ponto de vista biolgico, quanto do social e cultural. A equipe realiza campanhas frequentes de imunizao e vigilncia em sade, em co-laborao com o Distrito Sanitrio Especial Indgena do Xingu, a Secretaria Especial de Ateno Sade Indgena e o Ministrio da Sade (Sesai/MS).

O contato cada vez mais frequente com

so promovidas aes conjuntas para me-lhorar a oferta de alimentos e o acompanha-mento das crianas desnutridas, alm da promoo e valorizao da culinria tradi-cional indgena. Como os alimentos indus-trializados j so uma realidade cada vez mais latente nas aldeias, regras de preparo e consumo para uma dieta equilibrada tam-bm so abordadas.

Em tempos de comemorao do Projeto Xingu, importante lembrar que ainda temos o privilgio de compartilhar com esses povos indgenas, sociedades mais igualitrias, ideias e ideais sobre as rela-es entre as pessoas, sobre a natureza e sobre a vida. Quero aproveitar e fazer um alerta para as ameaas crescentes aos di-reitos e vida da populao originria do nosso Pas, observa Douglas Rodrigues, que j coordenou a iniciativa e hoje atua como chefe da Unidade de Sade e Meio Ambiente, onde est o programa de ex-tenso desenvolvido pelo Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp.

Os pactos de governabilidade com a bancada ruralista e da minerao e com a estratgia de desenvolvimento focada em um modelo primrio exportador, que lembra os tempos coloniais, alm de impactar a maioria dos povos e territrios indgenas, fomenta o discurso de muita terra para poucos ndios, retomando o argumento de que os ndios so empecilhos ao desenvolvimento do pas e que so obstculos a serem removidos

Necessidade de institucionalizar Apesar dos ganhos sade da populao do Xingu, no sentido de diminuir os casos de mortes em razo das grandes epidemias que assolavam a regio, ainda h necessidade

de muitos progressos. Os indicadores m-dios de mortalidade infantil e materna, as-sim como as taxas mdias de incidncia de tuberculose e outras doenas infectoconta-giosas so duas a trs vezes maiores entre os indgenas do que na populao brasilei-ra como um todo. Os recursos para a manu-teno do programa ainda so insuficientes. Embora existam parcerias com o Ministrio da Sade, o Instituto Socioambiental, o Instituto Caititu, as organizaes sociais (OS) e vrias associaes indgenas, o obje-tivo delas auxiliar no trabalho de campo, mas no no sentido de viabilizar o programa economicamente.

A ampliao de recursos necessria de-vido expanso do programa, que hoje no se restringe apenas ao atendimento aos xinguanos. O trabalho tambm vem sendo desenvolvido com populaes ribeirinhas e comunidades tradicionais. Ou seja, o le-que de atividades foi expandido para aten-der a diversos conjuntos de povos que cons-tituem a grande diversidade da sociedade brasileira.

Pioneira na formao especializadaDesde 2007, a Unifesp oferece cursos de es-pecializao em sade indgena. pioneira na Amrica Latina e uma das poucas insti-tuies que possuem no currculo de gradua-o mdica e de enfermagem essa temtica. Na especializao, j formou 350 profissio-nais e outros 400 esto em processo.

Devido dimenso do programa, o Hospital So Paulo (HSP/HU/Unifesp) tam-bm atua em vrias frentes, desde a ateno

a nossa sociedade trouxe tambm altera-es alimentares e, consequentemente, no-vas doenas s aldeias. A entrada de alimen-tos industrializados, como acar refinado, sal, biscoitos, enlatados, bebidas alcolicas e refrigerantes, contriburam para o surgi-mento de um nmero cada vez maior de n-dios com sobrepeso, algo que praticamente inexistia. Comearam tambm a aparecer casos de alteraes na presso arterial e de diabetes. Alm do uso abusivo de bebidas alcolicas.

Atualmente so realizadas, pelo menos, seis viagens anuais com durao de 15 a 35 dias. Alm da equipe, alunos e docentes da universidade participam dos trabalhos. Nessas idas a campo, alm da imunizao que realizada desde o incio do programa, feita a avaliao das gestantes, dos meno-res de 5 anos de idade, dos pacientes por-tadores de doenas crnicas como diabetes e hipertenso arterial, coleta de citologia cervico-vaginal para controle do cncer do colo uterino, acompanhamento de pacientes com tuberculose, bem como a capacitao da equipe local. H tambm as oficinas de sade, nutrio e culinria que so realiza-das com os diferentes povos do PIX. Nelas

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Equipe de vacinao no posto indgena Pavuru

Criana indgena recebe vacina no posto indgena Diauarum (Ona Preta)

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hospitalar no Ambulatrio do ndio, do pr-prio hospital, para os casos de maior com-plexidade, at o trabalho de campo no Xingu, com a ida de alunos e residentes, alm de toda atividade de pesquisa e extenso.

A Unifesp tambm promove, desde a d-cada de 1990, a formao de indgenas como agentes de sade e auxiliares de enferma-gem. A primeira turma de agentes de sade se formou em 1996 e, em 2001, outros 16 au-xiliares de diferentes etnias xinguanas re-ceberam o diploma. Essa formao de au-xiliares de enfermagem indgenas foi um processo indito, desenvolvido quase intei-ramente no interior do PIX, com reconheci-mento da Secretaria Estadual de Sade do

Ikpeng, Ksdj, Yudj, Trumai, Kawaiwete, Kamaiur e Wauja, no Polo Pavuru, do Distrito Sanitrio Especial Indgena do Xingu, no PIX.

Respeito culturaO perfil epidemiolgico entre os povos in-dgenas muda muito rapidamente no pas. Em consequncia disso, o programa preci-sa de adaptao constante. As atividades de-senvolvidas e os cuidados precisam ser ade-quados e ampliados para que o objetivo de colaborar com a ateno, sade e qualidade de vida dos povos originrios do Brasil seja alcanado. Nesse contexto, as viagens tam-bm tm por objetivo a capacitao da equi-pe local de sade, realizao de encontro de mulheres, oficinas de culinria, encontro de jovens, etc. Tambm so desenvolvidas pes-quisas sobre problemas de sade relevantes para a populao.

Um dos principais papis da equipe le-var ateno mdica aos ndios, procuran-do interferir minimamente na cultura. Eles desenvolveram seus prprios sistemas tra-dicionais de sade, constitudos por dife-rentes atores e prticas, como a pajelana, plantas medicinais, rezas e cantos de cura. Isso est ligado ao modo como compreen-dem o mundo e, consequentemente, o pro-cesso de adoecimento. Por essas razes, o desafio consiste em desenvolver a escuta, para entender o outro e o que diferente da nossa cultura.

Coleta de exame Preventivo do Cncer de Colo de tero (PCCU)

Aldeia Pop. totalPop. Fem.

19 anos e vida sexual

N. de Exames PCCU

coletados Cobertura

PCCU

Waura 349 68 44 64,7%

Kamayura 335 81 69 85,2%

Yawalapiti 174 42 34 81,0%

Plo Leonardo 76 17 10 58,8%

Aldeia Velha 21 4 3 75,0%

Sava (Saido) 79 13 9 69,2%

Base do Jacar 24 7 7 100,0%

Fazendinha 8 1 0 0,0%

Nafukua 95 23 17 73,9%

Kalapalo 215 40 36 90,0%

Matipu 113 25 17 68,0%

Kuikuro 278 64 49 76,6%

Buritizal 10 3 0 0,0%

Aweti/Salve Jorge 88 21 19 90,5%

Mehinako 89 23 18 78,3%

Yaram 48 11 8 72,7%

Kurisevo 31 9 8 88,9%

Utawana 94 21 14 66,7%

Aturua 17 4 2 50,0%

Total 2136 477 364 76,3%

Entre as causas da porcentagem de mulheres que no realizaram o exame esto: recusa, au-sncia da aldeia, regra menstrual, purperas, etc.

Fonte: Projeto Xingu / Alto Xingu (2014)

Mato Grosso, Estado com grande populao indgena. Embora o projeto inicial contem-plasse apenas o Xingu, o governo estadual decidiu ampliar para todas as reas indge-nas da unidade da federao. Dessa forma a universidade ajudou a montar os cursos em outras reas, nas quais vivem os povos Xavante, Bororo e Pareci. Conhecido como Projeto Xam, a iniciativa profissionalizou 120 indgenas que esto em atividade.

No entanto, o programa de formao de agentes de sade est parado h trs anos por falta de investimento e articula-o governamental com outros centros for-madores. A ltima turma formou-se em 2012, contemplando 55 agentes das etnias

Ns mesmos, como profissionais de sa-de, temos que nos despir de nosso olhar et-nocntrico, que nos leva a achar que apenas o conhecimento cientfico e biomdico tem valor. estratgico entender e valorizar o conhecimento tradicional, para que os mo-dos de ver possam dialogar e as prticas

Imagem maior: Thais Santos, mdica da equipe de Sade da Famlia do Projeto Xingu em atendimento na aldeia AwetiImagem abaixo, esquerda: Ao de Sade da Mulher na aldeia Pyulaga, do povo WaujaImagem abaixo, direita: Agente indgena de sade em atendimento na unidade bsica de sade, polo base Pavuru Terceiro Encontro de

Mulheres Indgenas Xinguanas sobre gestao e parto no polo base de Diauarum

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com a sociedade do entorno ocorrem de for-ma intermitente.

Atualmente, a equipe acompanha os Panar oficialmente o primeiro con-tato ocorreu em 1973 , no Mato Grosso; os Txapanawa, que residem no alto do rio Elvira, no Acre; os Zo, na Serra do Cuminapanema, no Par; e os Korubo, no vale do rio Javari, no Amazonas.

De acordo com Douglas Rodrigues, o pri-meiro contato sempre uma situao tensa, tanto para a equipe quanto para os indge-nas. Pouco sabemos uns dos outros e por isso no sabemos exatamente como vo rea-gir, afirma. Nem mesmo os ndios, pois na maioria das vezes recordam-se de encontros pouco amistosos com os brancos.

O mdico sanitarista tambm explica que, desde o final dos anos 1980, a Fundao Nacional do ndio (Funai) est revendo sua poltica de proteo com relao aos gru-pos indgenas isolados e, a partir de 2000, houve uma mudana radical nesse sentido.

Antes, acreditava-se que era preciso o pri-meiro contato para proteg-los. Hoje, pre-conizada a interdio da rea e as Frentes de Proteo Etnoambiental, de responsa-bilidade da Funai, sendo feitas incurses

cuidadosas no territrio para obter o mxi-mo de informaes sobre esses povos e iden-tificando potenciais ameaas, bem como es-tabelecendo estratgias de proteo.

Os contatos, nesses casos, ocorrem quan-do os indgenas buscam aproximao por vontade prpria, aparecendo nos arredores das aldeias indgenas j contatadas ou em vilarejos no interior da Amaznia, ou quan-do preciso a interveno do Estado em vir-tude das ameaas integridade dessa popu-lao em consequncia de invases de seus territrios por madeireiros, narcotrafican-tes, grileiros ou garimpeiros.

Um dos ltimos povos a serem contata-dos, mais especificamente em julho de 2014, sete jovens (duas mulheres e cinco homens)

da etnia Txapanawa atualmente reduzidos a pouco mais de 50 pessoas apareceram em uma aldeia dos Ashaninka, povo que vive prximo ao rio Elvira (AC). Todos estavam doentes, com infeco respiratria aguda, febre, tosse e dor de garganta. A mais nova do grupo, com aproximadamente 13 anos, apresentava uma conjuntivite severa. Os sintomas nos ndios isolados so sempre exacerbados, j que essas doenas so desco-nhecidas para eles. Nossos analgsicos so mgicos para eles, pois aliviam os sintomas rapidamente. preciso delicadeza, cuida-do, uma vez que nossa assimetria tecnol-gica pode, ainda que no intencionalmente, afogar os sistemas tradicionais indgenas de cura. Na maioria dos contatos, o grupo ou

Cinquenta anos de atuao do programa junto ao Parque Indgena do Xingu (PIX) rendeu Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) um acervo his-trico de valor incalculvel. Por iniciativa do Prof. Roberto Baruzzi e apoio de lideranas xinguanas, de professores e da fotgrafa Maureen Bisilliat, um mu-seu foi inaugurado em 1991 em um anexo da antiga Reitoria da universidade, onde permaneceu aberto at 2013. Devido necessidade de adequao de es-pao, o local, hoje, ocupado pela Diretoria da EPM.

A antiga Sala Prof. Roberto Baruzzi EPM Xingu abrigava mais de 500 peas produzidas por todos os povos do PIX, entre elas: cestarias, cermicas, arcos, flechas, pedras usadas em trabalhos dirios e macha-dos usados antes da introduo do metal, alm de re-des, adornos e outros artefatos.

De acordo com Lavnia Oliveira, coordenadora de recursos humanos do Projeto Xingu, esse acervo permite demonstrar que a cultura material dos povos

xinguanos tem sido preservada por geraes ao se fazer a comparao com exemplares coletados por Karl von den Steinen, em 1887, e demonstrado em li-vro por ele publicado em 1894 e traduzido por Egon Schaden, em 1940.

O programa tambm possui cerca de 10 mil fi-chas mdicas das diferentes etnias que permitem conhecer o padro de sade/doena dos ndios do PIX em diferentes perodos, desde 1965; h aproxima-damente 600 livros e publicaes em Antropologia, Demografia, Estudos de Povos Nativos, Sade Pblica e Medicina Tropical, alm de um grande nmero de documentos e teses relacionadas ao Projeto Xingu, poltica indigenista e trajetria da EPM/Unifesp na ateno sade dos ndios; mais de 65 mil fotogra-fias e slides e um vasto nmero de VHS, DVDs e fitas cassete do trabalho em campo que mostram alm das atividades desenvolvidas pelas equipes, o dia a dia das aldeias, o preparo dos alimentos, as festas e rituais, como o Quarup e a recluso pubertria de am-bos os sexos.

O local era aberto visitao pblica e recebia alunos de escolas de ensino fundamental e mdio, alm de visitantes brasileiros, estrangeiros e indge-nas. Principalmente no ms de abril, quando come-moramos o Ms do ndio, o museu tambm realizava exposies itinerantes.

Atualmente, a equipe aguarda a definio de um novo espao fsico para o museu na Diretoria do Campus So Paulo, que abriga a EPM/Unifesp. Enquanto isso, algumas peas encontram-se ex-postas na casa que abriga o Projeto Xingu, na Vila Clementino.

Vasto material histrico

possam ser articuladas, em benefcio da-queles que procuram tanto a ns, mdicos cientficos, quanto aos mdicos tradicio-nais, comenta Sofia Mendona, coordena-dora do programa.

Por vezes mais difcil conseguir essa articulao, especialmente em casos mais graves ou naqueles cuja etiologia, para os indgenas, envolve a dimenso espiritual e para a qual eles sabem que a Biomedicina tem menor eficcia. Esses momentos so difceis, mas sempre possvel o dilogo e o trabalho articulado. Alm disso, a maior parte das mortes que ocorrem, especialmen-te nas crianas, so mortes evitveis. So si-tuaes nas quais uma boa ateno bsica pode diminuir significativamente, reduzin-do assim as chances de ocorrerem essas si-tuaes mais difceis. Nas raras situaes em que no h entendimento, prevalece a deciso da famlia, que pode seguir uma ou outra orientao, como de direito.

Ultrapassando fronteiras Os profissionais do Projeto Xingu atuam alm das fronteiras do PIX e tentam acom-panhar povos em condio de semi-isola-mento, ou seja, etnias nas quais as relaes

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Imagens areas da aldeia Nacepotiti, povo Panar

Prof. Baruzzi recebe grupo de alunos holandeses no antigo local do Museu do Projeto Xingu (2007)

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est doente ou adoece com o contgio e a que a assistncia mdica pode fazer toda a diferena, afirma Rodrigues.

Para a equipe, o maior entrave reside na comunicao, que minimizada com a ajuda de intrpretes indgenas. No entanto, outros obstculos precisam ser superados, alm do estranhamento inicial e a lngua. preciso ter boa formao clnica para encarar as con-dies de trabalho e as dificuldades impos-tas pela floresta, como a falta de tecnologia para diagnsticos mais precisos e a adminis-trao de medicamentos que necessitam de horrios especficos para aplicao.

Muitos grupos isolados esto localiza-dos nas regies fronteirias com a Colmbia, Peru, Equador, Venezuela, Bolvia e Paraguai e, segundo Douglas Rodrigues,

existe um grupo no Itamaraty que traba-lha por marcos legais para a cooperao en-tre os pases. H pouca estrutura tanto na Funai quanto na Sesai/MS, especialmente nas regies mais remotas, onde esto essas etnias, afirma. Ainda assim, o esforo de alguns tcnicos tem garantido um mnimo de assistncia e o Projeto Xingu tem colabo-rado nas situaes de contato, na capacita-o de equipes do Distrito Sanitrio Especial Indgena (DSEI) e na elaborao de planos de contingncia.

Os prximos 50 anosLideranas indgenas e toda a comunidade indgena tm reivindicado tanto ao Projeto Xingu quanto EPM/Unifesp que no so-mente deem continuidade ao programa,

Regio Centro-Oeste

Parque Indgena do Xingu- MT (16 etnias)

Formao de indgenas de nvel tcnico para o trabalho em sade; apoio gesto local de sade e participao social; aes matriciais em sade da mulher, imunizao, oftalmologia, dermatologia, controle da tuberculose; encontros de mulheres indgenas; oficinas de culinria e rastreamento de doenas metablicas e capacitaes de profissionais universitrios e apoio tcnico

Kayap - Mato Grosso Capacitaes em imunizao, tuberculose e apoio tcnico

Bororo - Mato Grosso Capacitaes de equipe tcnica e oficina sobre sade e sobre a vida: perspectivas para o futuro

Xavante- Mato Grosso Capacitaes da equipe tcnica, vigilncia nutricional e preveno de diabetes

Panar- Mato Grosso Abordagem inicial para grupo isolado, vigilncia sade e sade da mulher e controle de tuberculose

Regio Norte

Korubo - Vale do Javari no AcreCapacitao de profissionais de sade e indigenistas na elaborao de plano de contingncia para situaes de contato com grupos isolados e trabalho de sade com grupos indgenas de recente contato

Alto Rio Negro - AM (21 etnias) Superviso de campo do trabalho de profissionais de sade e formao de tcnicos de enfermagem indgenas

Txapanawa - Acre Abordagem inicial para grupo isolado e vigilncia sade

Kayap - Par Capacitao de profissionais em imunizao e apoio tcnico e em tuberculose

Wajpi - Amap Apoio para formao de agentes indgenas de sade

Zo - Par Abordagem inicial de sade para grupo indgena isolado

Regio Sudeste

Municpio de GuarulhosEtnias: Tupi, Pankarar, Wassu Cocal, Kaimb, Pankararu, Xucuru, Xavante, Patax, Fulni- e Guajajara

Apoio matricial e capacitao de profissionais para atendimento de indgenas em ateno primria de sade e na organizao de servio de referncia para indgenas moradores da cidade

Municpio de So PauloAldeias Guarani (Tenond Por, Tekoa Ity, Teko Pyau

Acompanhamento de pacientes e famlias segundo grupos de risco, oficinas e atividades de promoo da sade nas aldeias, capacitao de equipes de sade e preparao de agentes indgenas de sade, alm de apoio s lideranas nas demandas sociais e de sade

Municpio de Bertioga - Aldeia Rio Silveiras

Capacitao de equipes de sade e preparao de agentes indgenas de sade, viagens de intercmbio cultural ao Parque do Xingu e Sul da Bahia (etnia Tupinamb) e apoio s lideranas nas demandas sociais e de sade

Municpio de Aracruz (ES)Etnias Guarani e Tupi

Capacitao de profissionais para atendimento de indgenas em ateno primria de sade

Ambulatrio do ndio do HSP\HU\Unifesp

Referncia nacional em atendimento mdico tercirio para indgenas; capacitaes de equipes, estgios de graduao em Medicina e Enfermagem, residncia em sade da famlia; acolhimento de pacientes indgenas e famlias na cidade de So Paulo

CASAI- SP (Casa de Sade do Indio da SESAI- Secretaria Especial de Sade Indgena- MS)

Capacitao profissional das equipes de sade, promoo da sade com indgenas e acolhimento de pacientes indgenas e famlias

Regio Sul

Trplice Fronteira (ARG- BRA- PAR)Guarani

Capacitao de profissionais da gesto e das equipes locais em sade indgena e apoio matricial para organizao local de servios de ateno primria

Outros

Ministrio da Sade FUNASA e SESAI (Braslia)

Assessoria para elaborao de material didtico para formao profissional de agentes indgenas de sade; oficinas de trabalho em linhas de cuidado, antropologia da sade, sade bucal, assessoria para elaborao de planos de contingncia para situaes de contato com grupos isolados e para epidemias em grupos de recente contato

Universidade Aberta do Brasil (UAB) e Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS)

Parceria para oferta de curso de especializao em sade indgena distncia, com formao de 350 especialistas e 400 alunos, em curso, em todas as regies do Brasil:Amazonas: Manaus, Maus, Lbrea, Coari Par: Belm, Marab Tocantins: Palmas Pernambuco: Recife Paraba: Joo Pessoa Mato Grosso: So Flix do Araguaia, Juara, Cuiab, Lucas do Rio Verde So Paulo: So Paulo e Cubato.

Sntese do trabalho em sade com povos indgenas por regio (1965-2015)

Imagem acima, esquerda: Reunio com alunos com o cineasta Hermano Penna na sede do Projeto Xingu, em So PauloImagem abaixo, esquerda: Equipe do Projeto reunida em frente sede em So PauloImagem acima, direita: Alunos do 5 ano de Medicina em visita aldeia Tekoha Pya no Pico do Jaragu, em So PauloImagem abaixo, direita: Douglas Rodrigues em viagem junto aos ndios isolados do Acre (povo Korubo)

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Mairaw Kaiabi, 64 anos, um dos lderes do povo indgena Kawaiwete (Kaiabi), acompanha, desde os 14, as idas dos profissionais da rea da sade da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) ao Parque Indgena do Xingu (PIX).

Descendente de um povo com uma histria mar-cada por conflitos de invaso de terra por seringuei-ros no sculo XIX, Mairaw lembra bem quando chegou ao PIX, aps a rea onde vivia ser ocupada gradualmente e os ndios induzidos ao trabalho para extrao de ltex. A chegada da Expedio Roncador-Xingu, comandada pelos irmos Villas Bas, ajudou a garantir a sobrevivncia cultural desse povo com a proposta de levar os Kaiabi para o Parque do Xingu.

Atualmente, algumas famlias do povo Kawaiwete (Kaiabi) habita o PIX e constitui a etnia mais populosa do local. A lngua original desse povo da famlia do tupi-guarani. No entanto, quase todos que habitam o parque so bilngues e dominam bem o portugus. Outras famlias dos Kaiabi vivem na terra indgena prxima ao rio Teles Pires, que a regio natal des-sa etnia, e l muitas j no falam a lngua nativa. So denominados tambm como Cajahis, Cajabis, Kajabi, Caiabis, Cayabi, Kayabi.

Casado, pai de dez filhos, Mairaw sempre atuou como brao direito da equipe do Projeto Xingu, seja como tradutor intrprete, orientando a equipe, ne-gociando tratamentos, encaminhamentos ou mes-mo dirigindo os barcos que levavam os profissionais da sade para imunizar as populaes indgenas de diversas aldeias do PIX.

Histrias no faltam a ele. A remisso s lembran-as faz com que o olhar do lder Kaiabi v de sombrio

ao lembrar das perdas de integrantes do seu povo devido s doenas maroto, quando relembra as peripcias e aventuras no rio Xingu e seus afluentes diante das falhas dos motores dos barcos, as boas ri-sadas e os improvisos para manter as vacinas con-servadas e cumprir os prazos estipulados pelo Prof. Baruzzi. Ficava horas segurando um guarda-chuva para minimizar o calor sob o isopor com gelo, sorri ao falar. Era tudo muito seguro e organizado e o pro-fessor sempre tinha pressa para atender o mximo de pessoas possvel.

Mairaw conta que a princpio custou para ele en-tender quem era e o que queria exatamente a equipe do Prof. Baruzzi. Os Villas Bas traziam muita gen-te para conhecer os ndios. Mas eles eram diferen-tes. Isso ficou claro quando comearam o trabalho de vacinao contra o sarampo, a coqueluche e tan-tas outras doenas ruins. Tudo comeou a melhorar para ns, afirma. O que mais vamos e ainda vemos como dificuldade a demora para a chegada de me-dicamento para que a equipe faa um trabalho ainda mais completo.

Para ele a Medicina do branco veio para com-plementar a do ndio. A confiana no trabalho de-senvolvido se resumiu a uma frase ao final da entre-vista: Mais que profissionais e amigos, eles so nossa famlia.

Histrias de um chefe KaiabiAna Cristina Cocolo

assim como a sua expanso. Vrias semen-tes esto sendo plantadas nesse sentido.

Alm da proposta, junto s secretarias da Sade e da Educao do Estado de Mato Grosso, de formao profissional tcnica nas reas de Enfermagem, vigilncia em sade, sade bucal e gesto em sade indgena, a Unifesp tambm est discutindo a reserva de vagas para indgenas em todos os cursos

ofertados pela instituio. Para isso, esta-mos montando uma equipe de apoio a esses estudantes para minimizar os obstculos da lngua, as dificuldades do prprio aprendiza-do e o preconceito, afirma Sofia Mendona.

A coordenadora do projeto explica que a ideia para as prximas dcadas ampliar a presena da temtica sade indgena na gra-duao e ps-graduao, com visitas s al-deias localizadas em So Paulo e no Xingu, com a residncia mdica em sade da fam-lia, com uma rea de concentrao em sa-de indgena, bem como com ampliao na oferta de cursos na modalidade do ensino distncia. Estamos na quinta turma de es-pecializao em Sade Indgena e temos a perspectiva de ampliar as ofertas para p-blicos mais especficos com o curso de aper-feioamento e posterior especializao em sade mental, sofrimento psquico e povos indgenas. Esse ltimo ainda est em fase de concepo.

In loco, a equipe de sade est com um projeto de investigao de doenas metab-licas, controle do cncer do tero e oficinas de culinria para o resgate da alimentao tradicional indgena que deve abranger v-rios povos do Xingu.

Produes acadmicas e de pesquisas do Projeto Xingu (1966-2015)Projetos de pesquisa financiados 16

Projetos de iniciao cientfica 12

Teses de livre docncia 2

Teses de doutorado 20

Dissertaes de mestrado 18

Projetos de mestrado em andamento 6

Projetos de doutorado em andamento 1

Artigos publicados em revistas indexadas 102

Publicaes em outras modalidades 22

Livros publicados 8

Captulos de livros 27

Trabalhos apresentados em congressos e publicados em anais 111

Totalidade de apresentaes de trabalhos em congressos 157

Trabalhos de concluso de curso de graduao 4

Monografias de concluso de curso de especializao 350

Fonte: Projeto Xingu, 2015

Montagem com vrias geraes de mulheres de diferentes povos do PIX

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ndio Mairaw com aproximadamente 20 anos de idade

Mairaw durante encontro na Unifesp com lideranas do Projeto Xingu e da Secretaria Especial de Sade Indgena (Sesai), do Ministrio da Sade (2011)

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At a dcada de 1940 a ocupao das re-gies Norte e Centro-Oeste j habi-tadas por povos indgenas constitua um desafio para o governo central. Mapear e colonizar essas regies, reeditando a em-preitada dos bandeirantes nos sculos XVII e XVIII, era um dos objetivos do Estado Novo (1937-1945), instaurado por Getlio Vargas. O projeto de interiorizao do de-senvolvimento, que se denominou Marcha para o Oeste, pretendia criar novas vias de comunicao, abrir campos de pouso e fixar ncleos populacionais. Paralelamente, havia a motivao de preencher os vazios demo-grficos, que segundo a doutrina do espa-o vital, difundida pelo nazismo poderiam servir aos pases europeus para o assenta-mento de seus excedentes populacionais.

Gerenciada pela Fundao Brasil Central, a Expedio Roncador-Xingu representou a principal frente do projeto e seu objeti-vo na etapa inicial era alcanar a Serra do Roncador (Mato Grosso) e os formado-res do rio Xingu. Em 1943, uma composio frrea com 19 vages, que comportavam uma colossal carga, alm do pessoal efeti-vo, transportou a expedio de So Paulo at Uberlndia (MG). O trecho seguinte, com 900 quilmetros, foi feito em cami-nhes e outros veculos de transporte, que se deslocaram por precrias estradas de ter-ra at Aragaras, s margens do rio Araguaia. Nesse ponto, foi instalada a primeira base de operaes, com edificaes para os ser-vios e alojamentos. Feita a transposio do rio, a expedio avanou 150 quilmetros,

desbravando trilhas com o auxlio de mua-res, at alcanar em meados de 1945 o rio das Mortes e as primeiras elevaes da Serra do Roncador. Embora a Fora Area Brasileira provesse os servios de retaguar-da, o grupo de expedicionrios enfrentava condies difceis devido ao suprimento ir-regular de vveres e medicamentos, mal-ria e hostilidade dos ndios Xavante. Em 1946, os irmos Villas Bas que passaram a liderar a expedio atingem as cabeceiras do rio Xingu e estabelecem contato amisto-so com os povos indgenas, debilitados por epidemias e pela alta mortalidade infantil.

Em sua rota, a expedio abriu 1.500 qui-lmetros de trilhas, construiu 19 campos de pouso, instalou trs bases operacionais e fi-xou mais de 40 ncleos de povoamento.

A criao do Parque Indgena do XinguConvictos de que o ndio s poderia sobre-viver dentro da prpria cultura, os irmos Villas Bas apoiados por lideranas polti-cas e intelectuais como o antroplogo Darcy Ribeiro e o mdico sanitarista Noel Nutels

mobilizaram-se para a criao de um par-que indgena no Alto Xingu. A demarca-o de uma reserva natural garantiria aos povos dessa regio os meios de subsistn-cia, o atendimento sade e a defesa con-tra as frentes de ocupao da sociedade. Em 1952 foi, ento, apresentado ao Congresso um requerimento com esse teor, no obs-tante a oposio do governo de Mato Grosso, que promovia a concesso de glebas s em-presas colonizadoras. Em 1961, no governo de Jnio Quadros, a proposta foi retomada, concretizando-se com a edio do Decreto n. 50.455/61.

Somadas as terras indgenas de Wawi, Batovi e Pequizal de Naruvoto, o Parque Indgena do Xingu (PIX) perfaz atualmen-te 2,8 milhes de hectares e abriga naes que preservam as lnguas tradicionais, vin-culadas na maior parte s famlias j, ka-rib, aruak e tupi-guarani. Na poro sul (Alto Xingu) esto instaladas dez etnias que j ha-bitavam esse territrio e mantm padres culturais similares. As seis restantes foram transferidas para reas especficas do PIX por correrem risco de desaparecimento ou necessitarem de assistncia material.

Em contraste com as extensas reas de pastagens e plantaes de soja que com-pem seu entorno, o PIX exibe uma rica paisagem natural, formada pelas florestas de transio, constituindo um santurio da sociobiodiversidade.

Celina M. Brunieri

Onde tudo comeouExpedio Roncador-Xingu instala ncleos de povoamento, abre campos de pouso e chega s cabeceiras do Xingu; a experincia de contato com os povos do Alto Xingu inspira a criao do parque indgena

expedio roncador-xingu

Orlando Villas Bas no posto indgena Leonardo, no PIX, na dcada de 1960

Orlando Villas Bas que nesta foto de 1965 medica o ndio Mengrire, de origem Panar, criado pelo povo Kaiap Metuktire assumiu em 1945 a liderana da Expedio Roncador-Xingu, juntamente com seus irmos, Cludio e Leonardo

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Em 1962, o jornal A Gazeta poca de grande circulao em So Paulo publicou uma notcia sobre a caravana mdica do doutor Oswaldo Monteiro, que estava de partida para a re-gio do Araguaia com o objetivo de atender populao ribeirinha. Aquela matria despertou a ateno de Roberto Geraldo Baruzzi, professor titular aposentado da Universidade Federal de So Paulo (Unifesp) e idealizador do Projeto Xingu.

Depois de algum tempo, por acaso ou sorte, conheceu Monteiro em uma visita ao departamento mdico da Caixa Econmica Federal, onde atuava desde 1957. Falei que havia ficado sabendo da expedio e, de imediato, ele me convidou para participar da prxima.

No ano seguinte, Baruzzi, que especialista em Medicina Tropical pela Universidade de So Paulo (USP) e doutor em Medicina Preventiva pela Unifesp, j estava integrado equipe da caravana. Os participantes dividiam-se em grupos que eram transportados pelo avio da Fora Area Brasileira (FAB) at determinados lugares,

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Sinergiaentre povos

Da redao

Livros e artigos relacionados:BARUZZI, Roberto G.; JUNQUEIRA, Carmen (Org.). Parque Indgena do Xingu: sade, cultura e histria. So Paulo: Terra Virgem, 2005.

COTA, Luiz Gustavo. Os irmos Villas Boas e o Xingu. Planos de Aula. Nova Escola. Disponvel em: . Acesso em: 16 jul. 2015.