nº 119, janeiro 2003

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Director: José Paulo Serralheiro · http://www.a-pagina-da-educacao.pt/ [email protected] ano XII | nº 119 | JANEIRO | 2003 · Mensal | Continente e ilhas 2 Euros [IVA incluído] Devesas – V. N. Gaia TAXA PAGA Tel.: 226002790 · Fax: 226070531 www.a-pagina-da-educacao.pt/livros Profedições [email protected] livros consulte o catálogo 09 18 25 Superioridade da gestão pública Alberto Amaral, do Centro de Inves- tigação de Políticas do Ensino Supe- rior sublinha, na rubrica “Do Supe- rior” que “fenómenos recentes, co- mo o colapso da ENRON e de outras grandes empresas americanas (…)”, associadas à quebra de confiança nas empresas de auditoria como a Arthur Andersen questionam forte- mente a superioridade da gestão pri- vada sobre a gestão pública (…). Ler texto, na íntegra, na página 9. 2003, ano de apertos Os portugueses andam preocupados com a crise (…), mas conceitos como "retracção da economia" ou "deficit da despesa pública" pouco dizem à larga maioria. (…) Apesar disto, o pessimismo está instalado e ninguém acredita que o ano de 2003 seja dos bons. Ano de apertos, sim. Ler reportagem nas pági- nas 24, 25 e 26. Menino pobre não pode esperar Quem já entra na vida perdendo, não quer perder mais nada (…) nem que para isso tenha que brigar e receber reprimenda. (…) Os meninos de classes populares sa- bem difusamente o quanto é grande o fosso que os separam dos incluídos. Não podem esperar; amanhã é um tempo mui- to longínquo para quem tem urgências não atendidas hoje. Ler, na página 18, tex- to de Edwiges Zaccur, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil. "Secundário" sem reforma Nada a sério na revisão curricular proposta pelo Governo. Ler página 3 "É saudável manter a nossa identidade nacional" Pablo Milanés e Luís Represas Coliseu do Porto sindicato dos professores do norte 19 concerto comemorativo do vigésimo aniversário Janeiro de 2003 · 21h30 diz Isabel Barca, professora na Universidade do Minho, numa entrevista onde se abordam novas soluções para o Ensino da História

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Jornal a Página da Educação, ano 12, nº 119, Janeiro 2003

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Director: José Paulo Serralheiro · http://www.a-pagina-da-educacao.pt/[email protected]

ano XII | nº 119 | JANEIRO | 2003 · Mensal | Continente e ilhas 2 Euros [IVA incluído]

Devesas – V. N. GaiaTAXA PAGA

Tel.: 226002790 · Fax: 226070531www.a-pagina-da-educacao.pt/livros

Profediçõ[email protected]

livros

consulte o catálogo

09

18

25

Superioridadeda gestão pública

Alberto Amaral, do Centro de Inves-tigação de Políticas do Ensino Supe-rior sublinha, na rubrica “Do Supe-rior” que “fenómenos recentes, co-mo o colapso da ENRON e de outrasgrandes empresas americanas (…)”,associadas à quebra de confiançanas empresas de auditoria como aArthur Andersen questionam forte-mente a superioridade da gestão pri-vada sobre a gestão pública (…). Lertexto, na íntegra, na página 9.

2003, ano de apertos

Os portugueses andam preocupados

com a crise (…), mas conceitos como

"retracção da economia" ou "deficit da

despesa pública" pouco dizem à larga

maioria. (…) Apesar disto, o pessimismo

está instalado e ninguém acredita que o

ano de 2003 seja dos bons. Ano de

apertos, sim. Ler reportagem nas pági-

nas 24, 25 e 26.

Menino pobrenão pode esperar

Quem já entra na vida perdendo, não quer

perder mais nada (…) nem que para isso

tenha que brigar e receber reprimenda.

(…) Os meninos de classes populares sa-

bem difusamente o quanto é grande o

fosso que os separam dos incluídos. Não

podem esperar; amanhã é um tempo mui-

to longínquo para quem tem urgências

não atendidas hoje. Ler, na página 18, tex-

to de Edwiges Zaccur, da Universidade

Federal Fluminense (UFF), Brasil.

"Secundário" sem reformaNada a sério na revisão curricular proposta pelo Governo. Ler página 3

"É saudável manter a nossa identidade nacional"

Pablo Milanése Luís Represas

Coliseu do Porto

sindicato dos professores do norte

19concerto comemorativodo vigésimo aniversário

Janeiro de 2003 · 21h30

diz Isabel Barca, professora na Universidade do Minho, numa entrevista onde se abordam novas soluções para o Ensino da História

a páginada educaçãojaneiro 2003

02

um conto

A primeira vez que a vi, estava acom-panhada por um coronel que seaproximou revirando o bigode comuma mão, ao mesmo tempo que lhemetia a outra na blusa. Sendo eu dotipo confiante e de natureza calma, aatitude do coronel, não me surpreen-deu. Supus que ele perdera qualquercoisa e que era, pois, natural quererrecuperá-la. A ideia que o seu com-portamento pudesse ter significadoerótico não me passou pela cabeçaaté ouvi-lo dizer-lhe:

«Então, bichinha!»Ah! Pensei, então ela não é tão

inacessível quanto eu imaginava. Ti-ve a confirmação da minha desco-berta no dia seguinte, ao vê-la a ca-valo na companhia de três tenentes.Foi nesse momento que nasceu emmim o desejo audacioso de provarque era homem. Controlei-me du-rante toda uma semana, à espera deoportunidade conveniente paramostrar toda a minha virilidade. Es-se momento não se fez esperar. Su-perando todas as minhas inibições,baixei-lhe a cabeça ao passar porela na esplanada e, ainda que ater-rado pela minha própria audácia,disse com um sorriso simpático:«Bom-dia.»

Em resposta a esta aproximaçãoresoluta, inclinou levemente a cabe-ça, levantou as sobrancelhas e con-tinuou o seu caminho.

Fiquei morto de vergonha. Comopude eu comportar-me com tal bru-talidade? Idiota. Aprendera a lição.Tive vontade de correr atrás dela eimplorar o seu perdão, afirmar-lheque não for a intenção minha ser in-delicado ainda que ela assim meconsiderasse pela grosseria cometi-da. Ocorreu-me, porém, que falarcom ela então seria ainda dar maisprovas da minha insensibilidade.

Na dúvida, conservei-me afasta-do durante três dias. Eis a razão porque supus que o que ouvira sobre omovimento das tropas estivesse li-gado a manobras ou exercícios que-jandos. Só saia de noite, caminhan-do por ruas desertas, envolvido nosmeus sonhos e resoluções. Foi porpura coincidência que a vi no parqueabrindo caminho por entre uns ar-bustos. Felizmente, não estava sozi-nha. De outro modo, ter-me-ia deci-dido a aproximar-me para a seduzir.A presença de um esquadrão de ca-valaria tornou a decisão supérflua.

Os escassos dias de separaçãotiveram resultados contraproducen-tes: já não estava certo de quando eonde a poderia encontrar, a não sernos arbustos. Não sabia em que re-cepção, caçada ou inauguração es-taria ela presente, parecendo-meesta espécie de acontecimento omais conveniente para as activida-des de um sedutor.

Ser subtil

foto: a página

foto: a página

O destino salvou-me. Conversavaeu com um civil das minhas relaçõesquando ele inesperadamente men-cionou o seu nome. Fingindo umafria indiferença, insinuei com delica-deza interesse pela dama. O meuamigo chegou à janela e assobioutrês vezes. «Mantenho-a no pátiopara que me não mace», explicou.

Quando ela subiu ao apartamen-to, o meu amigo procedeu às apre-sentações. A minha conversa foi bri-lhante. Inundei-a de epigramas. En-tusiasmado pela minha própria elo-quência e pelo cair da noite, decidi irmais longe do que nunca. A minhamão aproximou-se dela a pouco epouco. Imagine-se a minha alegriaquando, ao tocar-lhe, ela não retiroua sua. Inebriado pela minha primeiravitória, falei ainda com mais brilhan-tismo, enquanto lhe afagava a mãocom delicadeza. O meu triunfo seriaporventura ainda maior, se aquelamão que encontrara tão perto dasua cintura, e que eu julgara indubi-tavelmente sua, não viesse a ser domeu amigo.

Passado tempo, já eu não lamen-tava tanto o sucedido como de prin-cípio. Seis meses após este inciden-te, encontrei-me sentado a seu ladonuma reunião e, quando tomei a suamão na minha, ela retirou-a delica-damente mas com firmeza, acres-centando com modos amigáveis eseveros que não esperava tal proce-dimento da minha pessoa. Fiqueienvergonhadíssimo.

No dia seguinte, levei-lhe flores.Na entrada escura tropecei numbombo daqueles que se vêem nasbandas dos regimentos. Caí e fiz nó-doas negras. Ela explicar-me-ia maistarde que, de qualquer das maneiras,não teria podido ver-me, por estar nacama com uma horrível constipação.

Devia ter sido na segunda Prima-vera após o nosso primeiro encontroque ela, um dia, ao passar por mimme informou que iria a minha casa, aoescurecer, pedir fósforos empresta-dos. Tinha-a visto talvez uma dúziade vezes em caçadas várias, recep-ções, lançamentos de primeira pedra.Desta vez, estava resolvido a com-portar-me com brutalidade cruel.

Quando foi a minha casa, apeloupara a minha honra. Depois expri-miu a sua decepção, ao descobrirque eu era como todos os outroshomens; tinha-me em alta conside-ração e odiava que lhe provassem ocontrário. Pediu fósforos. Tinha-meesquecido completamente e, paralhos poder emprestar, tive de sairpara comprar uma caixa. Ela acenoucom a cabeça. Eu, todo emoção,saudei-a. Foi-se embora.

Não devia queixar-me. Constou-me que ela só diz bem de mim. Afir-ma que sou muito subtil.

O elefanteMrozeck

livro b; editorial estampa; p. 64.

Devia ter sido na segunda Primavera após o nosso primeiro

encontro que ela, um dia, ao passar por mim me informou

que iria a minha casa, ao escurecer, pedir fósforos emprestados.

Tive vontade de correr atrás dela e implorar o seu perdão,

afirmar-lhe que não for a intenção minha ser indelicado

ainda que ela assim me considerasse pela grosseria cometida.

03a páginada educaçãojaneiro 2003

editorial

O documento apresentado pelo ME é

titulado de «Reforma do Ensino Secun-

dário, Linhas Orientadoras da Revisão

Curricular». De facto o ministério, e o

primeiro-ministro, apresentaram estas

ideias como sendo «a reforma do se-

cundário de que o país carece». No

corpo do texto, e a propósito de uma

previsível alteração da Lei de Bases do

Sistema Educativo, diz-se que este

sector de ensino assumirá uma diversi-

dade de oferta traduzida em cinco mo-

dalidades: Ensino cientifíco-humanísti-

co —ainda o tradicional ensino liceal

—; Ensino tecnológico; Ensino Artísti-

co; Ensino profissional e Formação vo-

cacional. Destas cinco modalidades, o

documento apenas se pronuncia sobre

as duas primeiras. E esta é uma das la-

cunas que a «reforma» apresenta. Se o

secundário é constituído por cinco

modalidades de ensino «sem sobrepo-

sição nem concorrência imperfeita»

não se entende como se pede opinião

sobre a «reforma» quando três das cin-

co modalidades nos são ocultadas. A

dificuldade é ainda maior quando o go-

verno nos afirma querer que o futuro

ensino secundário tenha a duração de

seis anos divididos em dois ciclos. Na

verdade, a impressão com que se fica

é que o ME nos quer «vender» uma

«reforma» a retalho. Julgo ser do mais

elementar bom senso pedir ao ministé-

rio que faça o trabalho de casa com

conta, peso e medida, e nos apresente

uma proposta global de reforma em

que cada uma das propostas seja de-

vidamente explicada e sustentada. O

que agora nos apresenta não é uma re-

forma, quando muito são umas linhas

orientadoras da alteração curricular

das modalidades Ensino Geral e Ensi-

no Tecnológico ou uma revisão ou ac-

tualização curricular ou ainda um mero

expediente para reduzir alguns cursos,

algumas disciplinas e alguns custos

em materiais e mão-de-obra.

Defendo, desde os debates sobre a

reforma de 1989, que o nosso sistema

de ensino não precisa de uma reforma

mas de ser reinventado. Estou conven-

cido que as reformas apenas acentuam

a degradação do sistema. As reformas

não põem em causa a estrutura que

enforma o edifício educativo. Ora este

edifício, que herdámos do século XIX, e

temos reformado sucessivamente des-

de então, foi pensado para objectivos

que já não correspondem às necessi-

dades do nosso tempo. Já não quere-

mos um ensino selectivo, normativo,

pensado para uma minoria, tendo co-

mo objectivo formar pessoas para en-

Reforma do ensino secundário:

baralhar e dar de novo

caixar nos patamares das hierarquias

sociais e profissionais. Hoje queremos

um ensino para todos, capaz de tirar

partido da cultura e das capacidades

de cada um, que seja inclusivo e pro-

porcione uma formação que se possa

aprofundar e ampliar ao longo da vida.

O que hoje se pede à escola não cabe

no velho edifício que herdamos, mes-

mo que este sofra ampliações, nova

pintura ou alguns remendos.

Por esta razão as «Linhas orienta-

doras da revisão curricular», agora

apresentadas para discussão, são

ainda mais pobres. A visão que as

sustenta é meramente instrumental,

tecnicista e passadista. De facto, não

basta dizer, como diz no preâmbulo o

ministro, que «assumimos o risco de

mais uma reforma na educação, con-

victos da sua inevitabilidade. A alter-

nativa é a resignação decadentista ou

a ilusão de uma revisão envergonha-

da». Não é só a resignação que pode

ser decadentista. A trapalhice, a igno-

rância dos problemas reais, a colagem

de algumas ideias feitas, o senso co-

mum, o desprezo pelo pensamento e

pelo conhecimento produzidos na

área da investigação em ciências da

educação, podem, entre outros com-

portamentos, conduzir o sistema para

situações não só de decadência mas

também de apodrecimento.

Estas linhas orientadoras apresen-

tadas pelo governo não nos deixam

perceber o que ele quer. Continuamos

sem saber qual é, na opinião do ME, a

natureza do ensino secundário. As de-

cisões enumeradas pelo curto docu-

mento não são justificadas nem clarifi-

cadas. Tudo se confina a uma propos-

ta de «revisão curricular». Ora o ensino

— o básico e o secundário — preci-

sam mesmo de mudar. De mudar as

mentalidades que o sustentam e as ló-

gicas em que ele funciona. E sobre is-

so a «reforma» não diz nada.

Um editorial aqui publicado em De-

zembro de 1999, tinha por título «O en-

sino secundário não é uma ponte entre

o Básico e o Superior». Nesse texto eu

reafirmava a preocupação de se alterar

a natureza deste sector de ensino dan-

do-lhe finalidades em si mesmo e, so-

bretudo, romper com a dependência

em relação ao ensino superior. En-

quanto o secundário for uma ponte en-

tre o Básico e o Superior não interessa

saber se o tabuleiro da ponte foi alar-

gado, quantas faixas de rodagem pas-

sa a ter e se estas são separadas por

traço contínuo ou intermitente, ou qual

o grau de facilidade ou dificuldade em

mudar de faixa de rodagem. Nada mu-

da se no fim for tudo dar ao mesmo fu-

nil e daí ao mesmo fumeiro.

Como todos sabem, nós portugue-

ses partimos à aventura pouco depois

de termos definido as fronteiras do

nosso país. Vivemos primeiro à custa

da Índia. Depois veio o Brasil. Perdido

este, socorremo-nos da África e agora

agarramo-nos à União Europeia. Esta José Paulo Serralheiro

foto: isto_é

O Ministério da Educação (ME) apresentou à opinião pública umas «Linhas Orientadoras da Revisão Curricular» do Ensino

Secundário. Após uma primeira leitura fico com a impressão de que esta reforma não passa de uma reciclagem de decretos

e despachos. Pelo impacto que vai ter na vida dos nossos estudantes, e na actividade profissional dos professores, o docu-

mento merece atenção. A ele voltarei num próximo número. De momento ficam algumas reflexões desencantadas.

dependência externa — que nos

acompanhou nos últimos cinco sécu-

los — deixou marcas. Não investimos

cá dentro. Não tivemos mercadores

que quisessem ser burgueses. Tive-

mos uma nobreza que se fez merca-

dora. E, mais tarde, quando apareceu

uma burguesia frágil, mal esta sentia o

dinheiro a tilintar no bolso pedia títulos

de nobreza. Com o tempo só muda-

ram os nomes. Fomos tendo condes,

comendadores, bacharéis, licencia-

dos, engenheiros, mestres, doutores.

Gente sôfrega de títulos, muito dada

ao estatuto e pouco dada ao trabalho

produtivo. Enquanto assim for, o ensi-

no secundário, enquanto ciclo autóno-

mo de estudos estará condenado. É

que a maioria dos alunos desiste antes

ou no fim do ensino básico — aceitan-

do viver com a miséria do salário míni-

mo ou pouco mais. Os outros, a mino-

ria, procura chegar à capa e batina, du-

rante, e ao título e anel de brasão no

fim do ensino superior. Em Portugal

não se gosta de aprender pelo gosto

de saber ou para exercer uma activida-

de. Estuda-se para se obter um título e

um anel de brasão. E também se é re-

conhecido e pago não pelo que se pro-

duz, mas pelo título de «nobreza» que

se apresenta.

É preciso mudar estas velhas lógicas

instaladas. Na última década decaiu em

Portugal a oferta líquida de emprego

qualificado. Mas permanece o discurso

de que precisamos de trabalhadores

qualificados. Quantos são precisos?

Em que áreas de qualificação? Com

que níveis de formação? Quanto estão

dispostos a pagar-lhes? Importa que

nos entendamos sobre os rumos que

querem para o país e para a globalida-

de do nosso sistema de ensino.

Pelo que até agora produziu e apre-

sentou à opinião pública, somos leva-

dos a concluir que o actual governo da

educação é incompetente. Incompe-

tente, ignorante, arrogante e autista.

Desenvolve a sua actividade em três

andamentos mal tocados. No primei-

ro, alinhava umas ideias rascas, enal-

tece-as, alegra-se com elas e decide

aplicá-las de supetão. No segundo

apresenta as «medidas» à opinião pú-

blica, gaba-se da sua «coragem refor-

madora» e insulta quem o critique. No

terceiro andamento publica o que ras-

cunhou no primeiro.

Estas «linhas orientadoras da revi-

são curricular» fazem parte de um jogo

fraco, envelhecido e sem interesse. Não

adiantam nada à miséria que temos. O

governo só baralhou e deu de novo.

04a páginada educaçãojaneiro 2003

forum educação

A violência no mundo do desportoé, geralmente, desculpada com aendémica carência de "cultura des-portiva" do povo português. A partirdesta constatação de profundo sig-nificado existencial, todos ficam deconsciência tranquila. No entanto,bem vistas as coisas, tem sido pre-cisamente o próprio sistema, ogrande promotor da cultura de vio-lência que, tal como uma praga, seespalha a uma velocidade vertigino-sa pelo país. Em consequência,Portugal vai atingir em 2004 um dospontos mais altos da história do seudesporto, com muitos milhões deeuros investidos em estádios, pistase piscinas, que vão ficar vazios, porfalta de praticantes, por inviabilida-de financeira ou por incapacidadedas federações. Tudo isto, porqueao longo dos últimos anos, os pode-res vigentes, à imagem e semelhan-ça do que se passava nos regimesde Leste antes da queda do Muro,privilegiaram uma política desporti-va direccionada para o rendimento,medida, recorde, espectáculo, pro-fissionalismo precoce, economiasubterrânea e consumidores acéfa-los de espectáculos desportivos,em prejuízo da promoção da práticadesportiva, num país em que as ta-xas de participação desportiva sãoabsolutamente vergonhosas.

Temos de chegar à conclusãoque, se por um lado, a política des-portiva tem sido sustentada no poderde divertir a multidão, por outro, aviolência social já faz parte dos seuscondimentos, no sentido de alienaras massas. Em conformidade, a cul-tura de violência não é do povo, por-

O doce amargo da violência

EDUCAÇÃO desportiva

Gustavo PiresUniversidade

Técnica de Lisboa

[email protected]

dia-a-dia

[03.12]

Menos um milhão

de habitantes

Portugal irá perder um milhão de ha-bitantes nos próximos 50 anos, àsemelhança da Grécia, passandodos dez para os nove milhões de in-divíduos. A esperança de vida dosportugueses é mais baixa do que amédia dos países da Europa Meri-dional, revela o mais recente relató-rio do Fundo das Nações Unidaspara os Assuntos da População(FNUAP).

[05.12]

Dezenas de milhar

protestam contra

propinas

Milhares de universitários participa-ram (…) em Londres, numa manifes-tação contra uma proposta do Gover-no para aplicação de "propinas suple-mentares", queixando-se de que ocusto do Superior é já "insustentável".A União Nacional de Estudantes doReino Unido defende o regresso aosistema de bolsas. Numa ruidosamarcha pelo centro de Londres, osestudantes gritaram "não às propinas,já nem queijo podemos pagar".

[05.12]

Aveiro: Universidade

estuda sangue

artificial

A criação de um composto sintéticoque possa substituir o sangue em ci-rurgias, urgências ou transplantes,baseado em hidrocarbonetos per-fluorados (PFC) está em investigaçãono departamento de Química da Uni-versidade de Aveiro. Isabel Marru-cho, a investigadora responsável pe-lo estudo, considera que os compos-tos baseados em PFC poderão fun-cionar como substitutos do sanguena função de transporte do oxigénio.

[05.12]

Escolas poderão

fechar as portas

Um estudo da Federação Nacional deProfessores a 57 escolas profissionaisdo País revelou que mais de metadeencerrará as suas portas quando, em2006, acabarem as verbas do III Qua-dro Comunitário de Apoio. "Depois de2006, 75 por cento destas escolasnão terão possibilidade de suportar asdespesas inerentes ao seu funciona-mento pelo que não lhes restará outrasolução senão fechar as portas", con-clui o estudo apresentado em confe-rência de imprensa

que decorre da profunda ignorânciaem matéria de política desportiva, demuitos daqueles que nos sectorespúblico e privado têm, desgraçada-mente, governado o país. Estamo-nos a referir a uma política desportivapermissiva em relação à irresponsa-bilidade dos dirigentes desportivospúblicos ou privados, com perspecti-vas enviesadas de compreender o fe-nómeno desportivo, hipócrita eegoísta na análise das situações, ge-radora de incoerências e de assime-trias sociais e promotora de condutasque só servem para alimentar os es-cândalos dos telejornais das vinte ho-ras. Entretanto, enquanto a generali-dade da população jovem sofre àmíngua de uma educação desportiva,alguns dos dirigentes do movimentoassociativo, para além de sonharemcom a candidatura à realização deJogos Olímpicos, banqueteiam-secom Master’s de Lisboa, Campeona-tos do Mundo de Pista Coberta e Eu-ros 2004 que, bem vistas as coisas,não serviram nem vão servir para coi-sa nenhuma, a não ser para os portu-gueses pagarem a factura. Em resul-tado, o que passa lá para fora é a de-plorável imagem de um país a cons-truir estádios de futebol a menos dedois quilómetros um do outro (Benfi-ca e Sporting), enquanto que muitosmilhares de portugueses vivem mise-ravelmente em barracas. Se isto não

é violência…então o que é?A procura da excitação agradá-

vel, do hedonismo, é uma necessi-dade básica da condição humana.Seria bom que os políticos enten-dessem que ou aquela necessidadeé orientada a partir da escola deuma forma positiva e socialmenteútil, ou a sociedade, mais cedo oumais tarde, terá de pagar com ele-vados juros, essa incapacidade denão ser capaz de resolver os proble-mas enquanto eles ainda estão lon-ge. Quando uma sociedade nãoproporciona aos seus membros, so-bretudo às gerações mais jovens,oportunidades para gerirem o pró-prio equilíbrio emocional através deprojectos em que buscam uma exci-tação agradável, podemos estarcertos que eles, para compensaremas agruras de uma sociedade vio-lenta porque injusta, vão procuraressa excitação por conta própria,com consequências imprevisíveis.

O problema não é fácil de resol-ver. Por um lado, vivemos numa so-ciedade que privilegia, fundamental-mente, aqueles que rendem, peloque o desporto, até pela componen-te agonística que comporta dentrode si, é um espaço singular para quesentimentos de agressividade e vio-lência de toda a espécie, sejam po-tencializados à máxima expressão.Por outro lado, é na violência que o

ímpeto vital se manifesta e se tornavisível. Segundo Thomas More(1996) se esta vitalidade fundamen-tal não está presente no coração,parece, pelo menos, manifestar-sede forma distorcida, nas nossas re-pressões e compromissos, nos me-dos e nas manipulações narcisistasde que somos vítimas. – Eliminar aviolência com campanhas de "fairplay" e outros artifícios para o bas-baque ver? – É incorrecto abordar aviolência movidos pela ideia singelade a eliminar. "Qualquer tentativa deerradicar a violência que existe emnós poderá fazer com que nos des-liguemos do poder profundo quesustenta a vida criadora."

Temos um desporto violento por-que somos intrinsecamente violen-tos e o desporto é um espaço privi-legiado de expressão dessa violên-cia da qual adquirimos prazer e da-mos vazão aos "nossos demónios".O problema é que não temos sabidogerir a violência que há dentro denós e dentro da sociedade de quefazemos parte. Uma violência capazde nos levar aos maiores feitos, mas,também, uma violência capaz de ge-rar terror e morte. Uma violência ca-paz de gerar apoios e solidarieda-des, mas, também, uma violênciacapaz de gerar as maiores injustiçase hipocrisias. E é isto que está aacontecer. Desde logo, a partir daescola onde quase trinta anos de de-mocracia não foram suficientes paraengendrar um sistema de ensino dodesporto com objectivos, estratégiae organização credíveis ao serviçodos interesses e das necessidadesdos jovens e do próprio país.

… enquanto a generalidade da população jovem sofre à míngua

de uma educação desportiva, alguns dos dirigentes do movimento

associativo, para além de sonharem com a candidatura à realização

de Jogos Olímpicos, banqueteiam-se com Master’s de Lisboa,

Campeonatos do Mundo de Pista Coberta e Euros 2004…

"(...) o que passa lá para fora é a deplorável imagem de um país a construir

estádios de futebol a menos de dois quilómetros um do outro (Benfica e Sporting), enquanto

que muitos milhares de portugueses vivem miseravelmente em barracas. Se isto não é violência…então o que é?"

a páginada educaçãojaneiro 2003

05

forum educação

DO primárioJosé PachecoEscola da Ponte,

Vila das Aves

foto: isto_é

Eu tenho um amigo que vende livrosde porta em porta. Vai de porta emporta, metendo conversa com even-tuais compradores. É um homem cul-to com quem aprendo da sabedoriaque não vem nos livros. Quando mevisita, eu páro tudo o que estiver a fa-zer. E enceto longas conversas semassunto agendado, mas que nosconduzem sempre a inesperadas re-flexões. Ontem, falou-me da escolados filhos e da escola que foi sua:

— “Antigamente, era muita matériaa que a gente era obrigada a aprender.Mas, vai-se a ver, pouco ficou. Fazía-mos muitas cópias, mas hoje mete-mos muita água a escrever.”

Enquanto o escutava, recordavaum episódio recente. Tinha à minhafrente cerca de uma centena de jo-vens entre os vinte e os trinta anos.Discutíamos as virtudes e os defei-tos da “escola de antigamente”,num ambiente de incómoda letargia.Para os espicaçar, exagerei algumasposições críticas. E, talvez por serapanágio da juventude contrariar osadultos, um dos jovens empertigou-se e assumiu a defesa do chamado“ensino tradicional” (a seguir abre-viado para “ET”):

— “Ó professor, escusa de vircom esses argumentos, que eu an-dei no “ET” e saí de lá muito bempreparado!”

— “Ainda bem.” – respondi, ate-nuando a irritação do meu jovemaluno.

Ele insistiu, realçando as qualida-des do “ET”, nomeadamente, “apreparação que dava na Matemáti-ca e na Língua Portuguesa” (sic).

Eu contrapus, chamando a atençãopara as conclusões de estudos inter-nacionais nesses domínios, que noscolocam na cauda da Europa (como,aliás, é costume), contrariando os hipo-téticos méritos do “ET”. E acrescentei:

— “Permitis que vos coloque al-gumas perguntas?”

— “Faça o favor!” – disseram al-guns num tom desafiador.

Aproveitei a deixa e coloquei-lhesduas questões muito simples, umarelacionada com a Matemática, ou-tra com o Português. Os jovens en-tupiram. Alguns ainda balbuciaramalgo ininteligível, depois fez-se umsilêncio de embaraço.

Eu rematei a discussão comcrueldade. Recorri a uma perguntamatreira à qual nunca ninguém, atéesta data, me soube responder:

— “Quem descobriu os Açores?”Se nas áreas nobres já estáva-

mos conversados, a incursão na

“ET”

História de Portugal acabou com aresistência daqueles jovens tãocombativos. Todos tinham decora-do o sistema galaico-duriense, to-dos tinham decorado o “a ante,após, até…”, todos se gabavam desaber na ponta da língua as datasdas descobertas marítimas portu-guesas e os nomes dos audazesachadores. Tudo se lhes tinha varri-do, à semelhança do que decora-vam para os exames que preenche-ram o seu itinerário escolar até àuniversidade. Tudo tinham “vomita-do” (sic) nos testes e frequências dasaga universitária e depois esqueci-do, para “arranjar espaço para o quenão cabia nos copianços” (sic).

Magnânimo (como convinha àcircunstância…), eu lá fui dizendoque nem tudo se deve rejeitar no“ET”, que é falsa a dicotomia entremoderno e antigo, inovação e tradi-ção. Afirmei-lhes ter testemunhadoinovações no “antigamente”, ilus-trando a afirmação.

Nos primórdios da década de se-tenta e nos vigiados e estreitos corre-dores de liberdade de uma escola su-jeita aos ditames do Estado Novo, umprofessor desafiou-me para a aventu-ra de um conhecimento que nos erasistematicamente ocultado. Incitou-nos a conduzir os nossos destinos:

— O que quereis fazer? O que que-reis aprender? – perguntou logo noprimeiro dia de aulas. E nós ficámosperplexos, receosos de uma eventual

armadilha espoletada no discurso.Rapidamente se desvaneceu a des-confiança, e partimos na aventura dedescobrir. No meu percurso de estu-dante, nunca mais ouviria da boca deum professor esses estimulantes de-safios. Mas as palavras e os gestosdesse professor ficaram a levedar nomais profundo do subconsciente, àespera do momento propício para setransmudarem em actos.

Uma frase proferida pelo meuamigo que vende livros confirmou oque o episódio vivido com os jovensme havia ensinado. Mas a humilda-de digna e sábia das suas palavrascontrastavam com a arrogância decertos detentores de canudos:

— “Por exemplo, estudei a Histó-ria todinha, de ponta a ponta, mas fi-cou pouca coisa. A gente tem de serhumilde e aceitar que as coisas erammesmo assim. Mas deixa-me pena!Sabe, nós éramos dez irmãos e ne-nhum foi capaz de se agarrar aos li-vros. Eu ainda andei a estudar de noi-te, mas não cheguei a lado nenhum.Ninguém nos dizia que podia ser di-ferente e a gente não adivinhava.”

O meu amigo que vende livros deporta em porta tem algo que o dis-tingue de muitos compradores: essemeu amigo lê os livros que vende. E,porque lê, vai preenchendo lacunasherdadas do “ET”. O meu amigo éuma pessoa culta, apesar de terperdido tempo numa escola de“ET”. Mas, se no domínio da acu-

mulação de conhecimentos, o “ET”falhou rotundamente, o que dizer daaprendizagem de outros saberes?Quem se dá conta da falência do“ET” (também) nestes domínios?

Dirão alguns que a tradição jánão é o que era antes de Barran-cos… Porém, o tradicional alhea-mento da escola relativamente àeducação dos afectos, o tradicionalostracismo a que é votado o desen-volvimento sócio-moral dos jovens,contribuem para reforçar a ideia deque teremos de aceitar como fatali-dade uma sociedade de vícios pri-vados e públicas virtudes.

Vede o escândalo da pedofilia e oescândalo de uma comunicação so-cial ávida de escândalos, que maculauma informação que denuncia comexercícios de mórbido sensacionalis-mo. Não vemos os herdeiros do “ET”a consumir programas imbecis queuma televisão à medida do “gostomédio” lhes impinge? Não vemos osherdeiros do “ET” incapazes de deci-frar a mensagem contida na posologiade um medicamento ou num edital?Não os vemos privados de entendi-mento de mensagens estéticas quefazem os humanos mais humanos?Não os vemos ao volante, obscenos eestultos, a ultrapassar-nos numa cur-va, ou “chicos espertos” a ultrapas-sar-nos nas filas de espera? Não osvemos a empurrar o crude para ascostas dos vizinhos, alheios às conse-quências do gesto, esquecendo a ne-cessidade de novos códigos morais ejurídicos, escamoteando a necessida-de do respeito por todas as formas devida e pelo património comum?

Uma das características do “ET”é a insistência numa mera transmis-são de conteúdos desligada dacompreensão e integração dos sa-beres. E o fenómeno da acumulaçãocognitiva atinge o seu clímax emexercícios de erudição balofa. Mui-tas publicações recentes não avan-çam sequer uma proposta original,são alinhavos de citações. Muitoscursos de formação são repositó-rios de citações de citações.

Se já vamos na geração dos quese citam uns aos outros, isto é, dosque citam aqueles que citaram aquiloque outros escreveram, hão-de suce-der-lhes os que farão citações de ci-tações de citações de citações... Háaté quem não tenha conseguido alte-rar o “ET”, há quem se tenha furtadoàs agruras do quotidiano das escolasde “ET”, e agora venha ensinar aospráticos as práticas “alternativas”que não conseguiram pôr em prática.

Não vemos os herdeiros do ensino tradicional (ET) a consumir programas imbecis que uma televisão à medida do “gosto

médio” lhes impinge? Não vemos os herdeiros do “ET” incapazes de decifrar a mensagem contida na posologia de um me-

dicamento ou num edital? Não os vemos privados de entendimento de mensagens estéticas que fazem os humanos mais

humanos? Não os vemos ao volante, obscenos e estultos, a

ultrapassar-nos numa curva, ou “chicos espertos” a ultra-

passar-nos nas filas de espera?

06

forum educação

Admitiendo que muchas veces es difícil saber argu-mentar de forma crítica, la autora reivindica la im-portancia de la ética en la escuela para quién, comolos profesores, tienen la obligación de interesarsepor las formas de interactuar con las personas, porlas decisiones que se adoptan acerca de los dere-chos y expectativas de los demás, o por cualquieraspecto que pretenda contribuir al bienestar de lasfuturas generaciones, vinculando la creación ytransmisión del conocimiento a metas que presu-pongan mayores cotas de libertad y equidad. Todoello sin que se obvie la necesidad de remitir estospropósitos a normas que la escuela promueve o le-gitima con mayor o menor respaldo social.

Con frecuencia, son normas que afrontan pro-blemas cotidianos, como los que el libro aborda: lacensura, la integración, el uniforme escolar, el cas-tigo, los beneficios personales, la violencia, laconstrucción de la diferencia, la honradez o laconfidencialidad; tratándolos a modo de estudiosde casos, con ellos se invita a los profesores a re-flexionar sobre su propia ética, ilustrando en quémedida la atención y el respeto, la autonomía ra-cional o el interés por los frutos a largo plazo sonmás importantes para la comunidad escolar que elpoder y el control inmediatos. Al menos si se aspi-ra a transformar las escuelas en comunidades mu-cho más unidas e integradoras.

Más allá de su relevancia pedagógica, son casosprovocadores, complejos y desafiantes, para losque no existen ni son deseables soluciones únicas,ni tan siquiera principios de uso inmediato. Aunquesí criterios y valores que tratan de abrir las puertasde la inteligencia creadora, de las ilusiones y de losafectos, recurriendo a la educación y al aprendizajecomo soportes fundamentales para internarse en el«laberinto sentimental» del que nos habla José An-tonio Marina: un mundo en el que la «ética» ha deayudarnos a emprender reformas profundas del en-tendimiento humano, enfatizando el papel de la«sensibilidad» y de las emociones, frente el crecien-te dominio de lo material y del pragmatismo.

No es fácil, sin embargo, acertar a precisar dequé «sensibilidad» y de qué «ética» hablamos; co-mo tampoco lo es saber dónde asentar los senti-

Sensibilidad ética Tomo la expresión «sensibilidad ética» de un texto publicado recientemente en España, del que es autora Felicity Haynes - ac-

tual Directora de la Facultad de Educación de la Universidad de Australia Occidental -, con el título «Ética y escuela» (Gedisa,

Barcelona, 2002), al que matiza una sugerente e inquietante pregunta: «¿es siempre ético cumplir las normas de la escuela?».

ÉTICA e profissãoJosé Antonio

Caride GómezUniversidad de Santiago

de Compostela, Galiza

[06.12 ]

Estudantes com fraco

desempenho

As nossas estatísticas relativas à educação conti-nuam uma lástima. Portugal, segundo os últimosdados da Unicef, surge no último lugar quando sefala do desempenho absoluto dos estudantes e is-to quando gasta tanto por aluno como a Coreia, opaís que vem em primeiro lugar no ranking. (...)Mas nem tudo são más notícias. Portugal aparecenos primeiros lugares por conseguir travar o agra-vamento da performance dos alunos com maioresdificuldades.

[07.12]

45% dos alunos

sem o 12.º ano

No ano passado, 45 alunos em cada cem, entre os18 e os 24 anos, saíram precocemente da escolaantes de completarem o 12.º ano. Em 1991, o va-lor era de 63,7 %. Os números são avançados pe-lo Ministério da Educação e confirmam os dadosinternacionais, nomeadamente os que constamdo Relatório Conjunto sobre o Emprego na UniãoEuropeia, divulgado em Novembro. Segundo esterelatório conjunto, os 45,2 % verificados em Por-tugal contrastam com os 19 % da média da UniãoEuropeia. 52 % dos alunos portugueses que saí-ram precocemente da escola em 2001 eram dosexo masculino, contra 38 % do sexo feminino.

[19.12]

Alunos do 2.º ciclo com

idade superior ao normal

De acordo com um estudo da população escolardo Ministério da Educação, o 2.º ciclo revela-seum grau particularmente «congestionado» pelafrequência de alunos em idade superior à normal,indicando a existência de retenções, sendo queuma parte significativa teve origem no 1.º ciclo(antiga escola primária). Do total de 259.291 alu-nos que frequentavam o 2.º ciclo em 2001, 54% ti-nha entre os 10 e os 11 anos (idade normal), 36%entre os 12 e os 14 anos e 5% entre os 15 e os 17anos. Com menos de 10 anos, frequentavam estenível 3.995 alunos (2%)

dia-a-dia

mientos concretos o los juicios éticos cuando setrata de proyectarlos en la vida diaria, con nombresy apellidos identificables, en situaciones de tensióno conflicto, en condiciones de riesgo e incertidum-bre, ajustándolos a tareas y responsabilidades pro-fesionales específicas, como las que se atribuyen alos profesores en nuestras sociedades.

De partida, admitimos que en la «sensibilidad»se manifiesta la capacidad que tenemos las perso-nas para reaccionar más o menos vivamente antealgo, activando procesos que conducen las pasio-nes hacia muy diversos logros del quehacer huma-no. Del mismo modo, asumimos que en la «ética»reside una invitación permanente a tener en cuen-ta los derechos e intereses de aquellos con los queconvivimos, supeditando esta convivencia a algúntipo de pacto o acuerdo social, en cuya definiciónlos ideales de justicia, igualdad y libertad son in-cuestionables. Si esto es así, la «sensibilidad éti-ca», que puede llegar a ser muchas cosas, será pri-mero y radicalmente un factor indispensable parala educación y la tarea de educar. Y, consecuente-mente, un elemento clave para la construcción detodo ser moral, ya sea para dar continuidad a la so-ciedad o para provocar cambios que la mejoren.

Ahora bien, ni la pervivencia ni la transforma-ción se consiguen sin aprendizaje social; o lo quees lo mismo sin una educación basada en el co-nocimiento, la tolerancia y la solidaridad hacia losotros, tanto de aquellos con los que coincidimoscomo con los que discrepamos. Del mismo modo,que nada de esto es posible sin el concurso de loseducadores, que «por serlo» y «para serlo» debenacentuar su «sensibilidad» hacia el mundo que lesrodea, siendo coherentes - es decir, «éticos» - conla necesidad de estar atentos a las preocupacio-nes de los ciudadanos, en el escenario de las pro-fesiones públicas y con el inequívoco afán de es-tar comprometidos con un “servicio público”.

Estamos convencidos de que mucho de lo quedecimos acerca de la «sensibilidad ética» tieneque ver con la emoción y satisfacción que produ-ce cumplir con tan estimables encargos, aunqueello suponga sobreponerse a muchas de las difi-cultades inherentes a la profesión docente.

foto: isto_é

(…) se invita a los profesores a reflexionar

sobre su propia ética, ilustrando en qué

medida la atención y el respeto, la autonomía

racional o el interés por los frutos a largo

plazo son más importantes para

la comunidad escolar que el poder

y el control inmediatos.

a páginada educaçãojaneiro 2003

a páginada educaçãojaneiro 2003

07

forum educação

“Iludindo e configurando a economia do conhecimento”

RECONFIGURAÇÕESSusan Robertson Universidade de Bristol,

Reino Unido

Todos os sectores da educação –desde o jardim-escola até à torre demarfim - são agora vistos comoáreas de potencial investimento, co-mércio ou lucro. A dramática ‘recon-figuração’ da educação, até hoje umbem amplamente público e nãomercadorizado, está agora sob amira de forças do mercado privadasencabeçadas por Estados nacionaisagressivos que vêm todas as áreasdos serviços, incluindo a educação,como as suas vantagens competiti-vas e a base da economia do co-nhecimento. Como é que nesta erade interconexões intensivas e ex-tensivas, que ostensivamente ca-racterizam aquilo a que se chamaglobalização, tal coisa, desta magni-tude e relevância, pôde ter aconteci-do diante de nós e nós tivéssemospermanecido de olhos intensamen-te fechados?

Antes de tentar adiantar algumaspossíveis explicações para este es-tado de coisas, permita-se-me queexponha de uma forma mais clara anatureza e a dimensão das activida-des da OIC relacionadas com a edu-cação. Nos termos do Acordo Geraldo Comércio de Serviços (AGCS)que surgiu na sequência da criaçãoOIC em 1995, os Estados-membros(actualmente 140) devem compro-meter-se no sentido de uma pro-gressiva liberalização do sector dosserviços. Para estar protegido destetrâmite regulatório do Acordo, umserviço tem de mostrar que é ummonopólio público sem qualqueractividade privada ou de tipo demercado no sector. Dados os cortesno financiamento em muitos siste-mas educativos nas duas últimasdécadas, a pressão no sentido deaumentar o nível de financiamento e

Quando a Organização Internacional do Comércio (OIC) se reunir em Março de 2003 para consolidar a agenda para a pro-

gressiva liberalização do comércio na área dos serviços, tornar-se-á então evidente o facto de o sector educacional não estar

consciente do conteúdo dessa agenda e acerca daquilo que está em causa.

foto: isto_é

provisão privados, assim como nosentido de gerar eficiência no siste-ma através da criação de quase-mercados, muitos países viram queera muito difícil argumentar que osseus sectores educativos eramcompletamente monopólios públi-cos. Tal tem como consequência ocolocar os sistemas educativos pú-blicos exactamente no quadro e noâmbito dos serviços que podem sercomercializados.

Três outros aspectos do enqua-dramento regulatório da OIC tam-bém se aplicam ao AGCS e à edu-cação; (i) «favorecimento nacional»,(ii) «tratamento nacional» e (iii) «en-quadramento da disputa». A ideiade favorecimento nacional significaessencialmente que o melhor trata-mento dado a «qualquer» fornece-dor de serviços estrangeiro deve serdado a «todos» os fornecedores deserviços estrangeiros. Tal tem comoefeito a consolidação de qualquercomercialização, privatização ouquaisquer outras medidas de aber-tura de mercado que envolvam for-necedores de serviços estrangeiros.Em segundo lugar, as regras do tra-tamento nacional exigem que osmembros ampliem aos serviços efornecedores estrangeiros o melhortratamento que é dado internamen-te. Por outras palavras, esta não dis-criminação na provisão exige quetodas as vantagens dadas a um ser-viço nacional ou a um fornecedornacional devem ser também dadasa um serviço ou a fornecedor es-trangeiros. Na prática isto significa-ria que vantagens como o financia-

mento estatal às escolas ‘públicas’ou a atribuição de subsídios para ogoverno participar nos custos daeducação universitária teriam de serdisponibilizados também para for-necedores de serviços estrangeirosnos mesmos termos que para os na-cionais. Em terceiro lugar, qualquerdesacordo sobre a aplicação das re-gras tem de ser estabelecido atra-vés de um processo de enquadra-mento da disputa.

Numa conferência recente sobreo AGCS nos Estados Unidos, patro-cinada pela OCDE, em Junho pas-sado, um participante colocou timi-damente a questão: porquê tantobarulho acerca disto? Talvez se pos-sa responder a esta com outro con-junto de perguntas. Para começar,porque é que aqueles países e re-giões que estão a promover agressi-vamente o AGCS e a educação, es-pecificamente, os EUA, o Canadá ea UE, querem que os outros paísesofereçam os seus sectores educati-vos, mas são relutantes em ofereceros seus? Uma resposta poderá serque o comércio dos serviços educa-cionais é muito lucrativo, pelo me-nos a julgar pela experiência neoze-landesa e australiana. Na Nova Ze-lândia a educação arrecada maispara o governo do que a internacio-nalmente competitiva indústria dovinho. A relutância em envolver osseus próprios sectores educativosestá claramente ligada a questões àvolta da gestão da sua política inter-na no que diz respeito ao sector daeducação. Trata-se também de in-fluenciar o acordo no sentido de fa-

vorecer os seus próprios interessesem vez de jogar o jogo com as mes-mas regras. Uma outra questão dizrespeito ao papel da UE: como épossível que a UE possa não sócomprometer-se em rondas de ne-gociação, mas também ser um sig-natário único dos processos doAGCS, estando em vigor ainda oprincípio da subsidariedade? E por-que é que muitos dos países menosdesenvolvidos foram excluídos dafamosa Sala Verde das negociaçõesem Genebra quando para eles esta-va tanta coisa em jogo? Finalmente,porque é que o sector da educaçãotem estado tão espectacularmentesilencioso sobre estas questões? Aresposta a esta última pergunta po-de ser, pelo menos em parte, expli-cada por dois factos. Primeiro, asnegociações tiveram lugar em de-partamentos de comércio e não nosdepartamentos ligados à educação.Segundo, a criação de um conjuntode regras a este nível global ocorreuquase fora da vista, longe das preo-cupações nacionais e locais.

De facto, como observaram al-guns comentadores, a globalizaçãoé tanto um produto da descontex-tualização dos dispositivos existen-tes dos seus contextos nacionaiscomo um ‘re-escalonamento’ des-tes para cima, no sentido de seremcobertos por um novo enquadra-mento regulatório que favorece ocapital global e os seus estados cor-tesãos. Se os educadores têm dedizer alguma coisa sobre a configu-ração do nosso futuro, será entãoimportante que eles aprendam aolhar para além dos espaços comque estão familiarizados e envolver-se no debate público sobre estasquestões cruciais.

Na Nova Zelândia a educação arrecada mais para o governo

do que a internacionalmente competitiva indústria do vinho.

08a páginada educaçãojaneiro 2003

forum educação

"O princípio da guerra preventivacria um precedente que pode terconsequências catastróficas". Oalerta tem a assinatura de JimmyCarter e foi lançado pelo antigo pre-sidente norte-americano no discur-so de aceitação do Prémio Nobel daPaz de 2002. Carter lembrou queexistem "pelo menos oito potênciasnucleares, três das quais ameaçamos seus vizinhos".

Como disse Gunnar Berge, presi-dente do Comité Nobel, Jimmy Car-ter não ficará na história como o maiseficaz presidente dos EUA, mas fica-rá como o melhor ex-presidente queo país conheceu. Presidente de 1977a 1981, o Nobel da Paz de 2002apontou o poderia militar e económi-co, sem precendentes, que Washing-

ton detém e defendeu projectos quea Casa Branca repudia, como a proi-bição das minas anti-pessoais, aabolição da pena de morte e o Tribu-nal Penal Internacional.

O político americano que promo-veu o primeiro acordo entre o Estadojudaico e um país árabe (os acordosde Camp David, assinados em 1978,entre o Egipto e Israel) é uma voz crí-tica de George W. Bush, embora evi-te assumir posições muito divergen-tes das que marcam a actual políticaexterna norte-americana. Para ele,no entanto, é claro que o unilateralis-mo defendido pelos falcões de Was-hington, é um erro a evitar.

Outra voz crítica é a do insuspei-to The Washington Post. Este diáriodenunciou que os agentes da CIA

encarregados de interrogar os inimi-gos capturados no Afeganistão es-tão a usar técnicas que roçam a li-nha divisória entre o legal e o desu-mano. De acordo com o jornal, a tor-tura do sono é uma das técnicasmais usadas no centro de interroga-tórios da Base Aérea de Bagram.

Ainda segundo o The WashingtonPost , aos prisioneiros que coope-ram a CIA oferece melhorias nascondições de detenção, fingida ami-zade, respeito, compreensão peladiferença cultural e, em alguns caos,dinheiro. Para este jornal de referên-cia, na luta antiterrorista a frente dosdetidos é das mais secretas e pro-blemáticas. Pouco se sabe sobrequantos e quem são os detidos.

O respeito pelos direitos humanos,

aplicável também aos prisioneiros,poderá não estar a ser asseguradoaos cerca de 3000 detidos, em todo oMundo, na sequência dos atentadosde 11 de Setembro, depreende-se doalerta lançado pelo The WashingtonPost, nas vésperas de um Ano Novoque não parece anunciar nada debom, a julgar pela excessiva manifes-tação de poder que resulta da adver-tência norte-americana segundo aqual o Pentágono tem condições pa-ra aguenter e vencer duas guerras re-gionais ao mesmo tempo.

Como diria o padre António Viei-ra, no Sermão sobre a guerra, peran-te este "monstro", nem Deus nemAlá estarão seguros nos templos.Seja em Bagdad, no Iraque, seja emPyongyang, na Coreia do Norte.

sublinhadoJoão Rita

Guerra, eventualmente preventiva

O tempo está fresco e por vezescinzento, é o Inverno. Por esta altu-ra a natureza muda de figura; umdia destes por que não demonstra asi próprio que é possível fazer coi-sas diferentes na estação do frio?

Posso, para este Inverno, dar-lheuma sugestão ?

Tome a iniciativa. Coloque a rou-pa que “conhece melhor” e os sapa-tos que mais “gostam de si” e vá pa-ra o exterior, entusiasmado por selibertar temporariamente das tarefasdomésticas e das urgências profis-sionais. Procure, uma serra, umafloresta, outro tipo de espaço verde,uma praia. Verá que os seus olhosnão tardam a encontrar a beleza dapaisagem que está preste a percor-rer. Depois os seus pulmões en-chem-se de um ar húmido e vivifi-cante. Respira profundamente. Oabdómen encaixa-se bem em cadaexpiração. Todo o seu corpo seapruma como se crescesse de ummomento para outro. As pernas sol-tam-se, a bacia liberta-se. Os bra-ços descontraídos começam a ba-lançar ao ritmo dos seus passos. Ocoração bate, enérgico e constante.Sente subitamente o corpo a acti-var-se e a animar-se...

Começa a tomar consciência doreal comprimento da sua coluna eaproveita para realizar pequenosajustamentos de forma a sentir o pe-so do seu corpo. Os músculos dassuas pernas concentram-se parabem sentir a transferência desse pe-so, permitindo que os seus pés to-mem, de uma forma controlada, con-tacto com o solo. A base das suas

O Inverno: uma estação (também) para degustar!

Está a andar (a marchar, a cami-nhar...). Está a realizar, de uma outraforma e num contexto diferente,uma actividade que o acompanhatoda a vida, desde os primeirospassos hesitantes da infância aosúltimos passos cambaleantes davelhice. A marcha não pede mais doque a colocação de um pé à frentedo outro. Pratica-se não importaonde, não importa quando, a sós oucom outros. Ela é de todas as ida-des e de toda a condição. Ela nãoexige mais que vontade e uns bonssapatos nos pés.

Ao fim de 30 minutos ou talvezmesmo uma hora, de regresso acasa, descontraído, tranquilo, oxi-genado, estica as suas pernas, es-tira a sua coluna... e retoma as suastarefas.

Neste Inverno combata o sen-dentarismo. Ele tem o mesmo signi-ficado para o corpo do que a secatem para a terra. Ele enfraquece,mirra, espreme. A mobilidade é a vi-da, a liberdade, o desafogo. Anda-mos, marchamos, caminhamos por-que vivemos e porque o corpo estáconcebido para se movimentar. Éum automatismo adquirido desde oinício do crescimento. Desde então,estamos aptos para andar muito edurante bastante tempo. Fazê-lo nomeio da cidade, do trânsito, a cami-nho do trabalho ou de casa é umacoisa. Tomar o seu controlo, habi-tuar e guiar o corpo, sentir o esforçodespendido é outra bem diferente.

Comunique consigo através damarcha. Experimente sobretudo fa-zê-lo de uma forma livre e em con-tacto com a natureza... Deguste es-te Inverno com todo o seu corpo!

TERRITÓRIOS & labirintos

António Mendes Lopes

Instituto Politécnico

de Setúbal

A marcha não pede mais do que a colocação

de um pé à frente do outro. Pratica-se não importa

onde, não importa quando, a sós ou com outros.

foto: isto_é

costas articula-se ligeiramente e esteleve movimento repercute-se até aosombros que, por sua vez, se descon-traem. Como um balão que sobe noar, a sua cabeça oscila no alto da co-luna vertebral, os maxilares estãodescontraídos e sorri... Os sentidos

começam a captar as cores de todasas matizes, os cheiros, os sons maisténues. Os músculos estão quentes.Está plenamente consciente do seucorpo que marcha, sente-se bem.Reconhece que está a movimentar-se em liberdade, que está à vontade.

09a páginada educaçãojaneiro 2003

forum educação

Na arena politica, a Nova Direita, apoiada emAdam Smith (1776) como o seu primeiro e velhoprofeta, e nas teorias mais recentes Hayek e Fried-man, criou um conjunto de ‘verdades’ atraentesque provocaram uma grande transformação daspolíticas económicas. Essas verdades podem re-sumir-se da forma seguinte:

· o Estado tornou-se demasiado caro para sus-tentar e demasiado intrusivo para ser tolerado;

· os mercados sem restrições reguladoras ge-rariam riqueza e prosperidade, local e global-mente;

· a riqueza e a prosperidade eram condiçõesnecessárias (e aparentemente suficientes) pa-ra a democracia e o bem-estar social.

A ideia de que o livre fluxo de bens e de capitalera a autoestrada para a paz e a prosperidade uni-versais foi utilizada por muitos ideólogos neo-libe-rais. O comércio livre contribuiria para a prosperi-dade material das nações e para o progresso inte-lectual da humanidade, bem como para reduzir, oumesmo eliminar, o risco da guerra. Na promoçãodas virtudes do comércio livre foram utilizadasimagens apelativas como as das teorias do ‘trickledown’ – encher a mesa das corporações paraalém dos limites do deboche faria com que o ex-cesso de riqueza caísse para as classes trabalha-doras – ou de bem conhecidos efeitos do nível deágua – quando a maré sobe todos os barcos so-bem ao mesmo tempo.

O processo de globalização está estreitamente li-gado à crença Reaganiana de que o governo é partedo problema e não da solução, pelo que o seu papeldeve ser reduzido, quer como regulador, quer comofornecedor de serviços. Muitos defendem que a tare-fa básica do governo deve reduzir-se a revitalizar ocapitalismo, diminuindo a presença do Estado parapermitir que a mão mágica das forças do mercado re-duza a inflação e torne a economia mais competitiva.

Bolonha, a globalização e o GATS

DO superiorAlberto AmaralCentro de

Investigação de Políticas

do Ensino Superior

foto: isto_é

Iniciado em 1944 com a Conferência de Bretton Woods onde o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional foram

criados, e reforçado pelo consenso de Washington e pela ação da Organização Mundial de Comércio, o fenómeno do des-

mantelamento progressivo das barreiras nacionais ao comércio levou à emergência de uma economia global que colocou

um poder enorme num número limitado de corporações multinacionais. Segundo um relatório de 1995 do Banco Mundial,

600 multinacionais controlavam 25% da economia e 80% do comércio mundiais.

Fenómenos recentes, como o colapso da

ENRON (…), associadas à quebra de confiança

nas empresas de auditoria como a Arthur Ander-

sen questionam fortemente a superioridade da

gestão privada sobre a gestão pública (…)

Qualquer tentativa do Estado para interferircom a actividade livre dos mecanismos do merca-do deverá ser punida. Na nova ordem mundial opapel do Estado limita-se ao de um rendeiro: man-ter um olhar atento sobre o rebanho dos trabalha-dores, antecipando ou eliminando movimentos derebelião ou forças que possam originar lutas so-ciais e políticas que ponham em causa a liberdadedo comércio e a operação livre do mercado, massem cair no erro de desperdiçar o dinheiro públicocomo era característico do Estado Providência.

A proposta recente feita pelos EUA à Organiza-ção Mundial de Comércio para se considerar aeducação como um serviço ou mercadoria transa-cionável, representa um novo passo no sentido damercadorização do ensino superior e pode criaruma forte competição – tipo mercado – que poráem perigo os valores fundamentais da universida-de. As razões da proposta dos EUA são demasia-do evidentes: contabilizando as propinas dos alu-nos estrangeiros como exportações, os EUA terãotodo o interesse em remover as barreiras nacio-nais à venda de serviços de educação por forne-cedores estrangeiros, já que isso fará subir o valordas suas exportações.

Van Weigl define mercadorização como o pro-cesso pelo qual um produto ou serviço se tornapadronizado, de tal forma que os seus atributossão aproximadamente os mesmos; então, esseproduto ou serviço pode ser facilmente compara-do com produtos ou serviços similares e a com-petição faz-se, essencialmente, com base no pre-

ço. Este é o perigo de mercadorizar o ensino su-perior pois abre o caminho a competidores quetem por objectivo apenas o lucro e que oferecerãoo serviço a um preço mais baixo por não terem emconta a qualidade. Por exemplo, uma entidadeque não dedique recursos à investigação ou à so-cialização dos alunos poderá oferecer um curso apreço mais baixo do que uma universidade que te-nha essas preocupações.

Por este motivo é importante que o processode convergência de Bolonha não fuja ao controloacadémico para se tornar num feudo da burocra-cia europeia que conduza a uma homogeneizaçãodo ensino superior Europeu provocando, assim, asua mercadorização e a abertura à cobiça de ini-ciativas privadas visando essencialmente o lucro.Em vez de reforçar a capacidade das universida-des europeias para competir noutros continentes,a convergência poderá criar um mercado atraentepara organizações não-europeias e para activida-des comerciais orientadas para o lucro.

É curioso que estas movimentações tenham lu-gar quando surgem sinais de que a visão neo-libe-ral de uma utopia de mercado globalizada, em vezde promover uma universalização da prosperidadeconduziu, pelo contrário, a um aumento das dispa-ridades entre ricos e pobres e à promoção de umsistema de valores baseado na exclusão e na desi-gualdade. Afinal, as imagens mobilizadoras do“trickle-down e” dos efeitos de maré não passavamde miragens e a ideia neo-liberal de que o comérciolivre aproximaria os países pobres dos países ricosera falsa. Fenómenos recentes, como o colapso daENRON e de outras grandes empresas americanas,associadas à quebra de confiança nas empresas deauditoria como a Arthur Andersen, questionam for-temente a superioridade da gestão privada sobre agestão pública, nomeadamente quando está emcausa o “serviço público”, e devem ser transforma-dos numa oportunidade para questionar o actualmodelo de globalização económica.

10a páginada educaçãojaneiro 2003

forum educação

Os abaixo-assinados declaram publicamente o seu compromisso de em próximos actos eleitorais

não votarem em qualquer partido que mantenha em vigor a ALTERAÇÃO AO REGIME DE APOSENTAÇÃO

apresentada com a proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2003 da autoria do Governo do PSD/PP.

Declaração PúblicaSobre o atentado contra os direitos de aposentação

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Botelho de Melo Oeiras · Ana Jesus Loulé · Ana Maria Cardoso Póvoa de Varzim · Ana Maria da SilvaPinto Santo Tirso · Ana Maria Esteves Catarino Gondomar · Ana Maria Ilhão de Carvalho Vila Nova de Famalicão · Ana Maria Sousa Silva Moutinho Porto · Ana Maria Sousa Braga · Ana Patrícia Pereira Neves Gui-marães · Ana Paula Costa Matosinhos · Ana Paula de Oliveira Pirraco Amarante · Ana Paula Gonçalves Ponte de Lima · Ana Paula Lima Espinho · Ana Paula Pina Espinho · Ana Paula Teixeira Oeiras · Ana Paula VilaReal · Ana Paulino · Ana RosaMelo De Carvalho Teixeira Amarante · Ana Salomé Gonçalves Fernandes Braga · Ana Silva Madeira · Ana Sofia Pereira Rodrigues Lopes Vila do Conde · Ana Sousa Porto · Ana Zita Ro-cha Gondomar · Anabela Cristina da Cunha Melo Ribeiro Felgueiras · Anabela da Cruz Moreira Esposende · Anabela Dinis Cacém · Anabela Morais Marques Vila do Conde · Anabela Moreira Gaio Apelação · André R.Cerqueira Amarante · Andreia Jesus Algarve · Andreia Salazar Porto · Ângela Soares Braga · António Alberto Vieira Ferreira Valença · Antonio Augusto C. 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João da Madeira · Daniel Macedo Teixeira Gondomar · David Amaral Montez Santarém · Davide Miguel Vilas Simões Sintra · Delcina Lage Rosa Mon-talegre · Delfina Mota Póvoa de Varzim · Delmira Carvalho Duarte Montalegre · Diogo Flores Ribeiro Ferreira do Zêzere · Domingos Lima Freamunde · Duarte Gil Fernandes de Castro Lopes Santo Tirso · Dulce MariaVale Cerqueira Cleto Porto · Eduarda Maria Vieia Pinto Gaia · Eduardo Bueso Braga · Eduardo Napoleão Teles de Castro Coelho Porto · Eduardo Prata Pinheiro Vila Nova de Gaia · Eduardo Salazar Porto · Elisa daSoledade Medeiros Amarante · Elísio Mendes Ribeiro Afonso Castelo Branco · Elsa Carreira Diogo Leiria · Elsa Macedo Póvoa de Varzim · Elsa Maria Barros das Neves Matosinhos · Elsa Maria Teixeira M. Jesus Ma-cedo S.Mamede Infesta · Elsa Santos Évora · Emanuel Joaquim Santos C. Soares Esposende · Emília Machado Vila Real · Ercília Amélia P. M. Lima Amarante · Eva Rosa Rebelo Rio Tinto · Felismina Marques Sintra ·Fernanda de Lourdes Lopes Guerra Vila real · Fernanda Maria Fernandes Faria Gondomar · Fernanda Maria Gomes Resende Nogueira Santa Maria da Feira · Fernando António Santos Porto · Fernando GonçalvesLameira Póvoa de Lanhoso · Fernando Ilídio da Costa Martins Faro · Fernando J. O.Novais Ribeiro Braga · Fernando Jorge Costa Carvalho Nogueira Fafe · Fernando Jorge G. Afonso Paços de Ferreira · FernandoJorge Oliveira Vale Braga · Fernando Jorge Pinto André Santo Tirso · Fernando Jorge Pinto André Santo Tirso · Fernando José Breia Vicente Angra do Heroísmo · Fernando Manuel Teixeira Grijó · Fernando NunoQueirós Gonçalves Vila Nova de Famalicão · Filomena Afonso Vila Real · Filomena Amorim V.N. Gaia · Filomena Bill Rio Tinto · Filomena Mendes da Santa Vila Pouca de Aguiar · Flora Cecília Mendonça Ferreira daCosta V.N.Gaia · Francisco Joaquim Martins Vilela Vila Pouca de Aguiar · Frederico Nuno Vilas Simões Sintra · Gabriela Leite Santos Porto · Gaspar Cruz Viana do Castelo · Gastão da Rocha Pinto Pereira Santa Ma-ria da Feira · Gisela Canãmero Beja · Gracinda Cruz Paredes · Guilhermino Oliveira da Cunha Porto · Gurgel P. Fernandes Porto · Helder Pinto Olivais Sul · Helena Chaves Patricio Sintra · Helena Franco Cruz Algés ·Helenna Isabel Silva Setúbal · Humberto José de Sá Medeiros Chaves · Idilia angela Neto Fachada Carnaxide · Ilda Maria Cabral Mendes Valente Amadora · Ilda Monteiro Barbosa Porto · Inês Durão Braga · Irene Z.P. Calaça · Isabel Barbosa Matosinhos · Isabel Brito Gonçalves Vila Real · Isabel do Rosário Parra Rodrigues Cerqueira Monção · Isabel Grave Oliveira Faria S.M. 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Gaia · Maria Cristina Félix Gaia · Maria da Conceição Ara Porto · Maria da Conceição da Silva Rocha Póvoade Varzim · Maria da Conceição Falcão Ferreira Braga · Maria da Conceição Lama Montalegre · Maria da Conceição Martins Campos Dinis Rio Tinto · Maria da Conceição Salazar Porto · Maria da Encarnação Por-tuguês Barreira Porto · Maria das Dores Luís Monção · Maria de Fátima Carneiro Ribeiro Pereira Senhora da Hora · Maria de Fátima Duarte dos Santos Vila das Aves · Maria de Fátima Soares R.Carvalho Amarante· Maria De Fátima Vieira Ribeiro Soares Valongo · Maria de Lurdes Correia Braga · Maria de Lurdes F. Mendes Alves Monção · Maria do Carmo Dias Lisboa · Maria do Carmo Rodrigues Miranda Chéu Carrazeda deAnsiães · Maria do Carmo Vilas Sintra · Maria do Céu Nogueira Monção · Maria Dolores Ferreira Silva Moutinho Alfena · Maria Elvira Neto Bragança · Maria Eugénia B. 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Solheiro Mendes Monção · Maria Lucíla Mendes Cos-ta Vila Nova de Gaia · Maria Luzia Pinto de Sousa Porto · Maria Madalena Meireles Valente Gondomar · Maria Madalena Pereira Lopes Vila do Conde · Maria Manuel Lopes Marinho Senhora da Hora · Maria Manue-la Antunes Silva Santa Maria da Feira · Maria Manuela Barbosa Porto · Maria Manuela Barroso Pacheco Braga · Maria Manuela Gomes Coelho Porto · Maria Manuela Morais Clemente Teixeira Amarante · Maria Ma-nuela Moreira Nogueira Porto · Maria Manuela Moura Monteiro Vila Nova de Gaia · Maria Manuela Paiva Vide Marques Barbosa Vale de Cambra · Maria Manuela Taveira Teixeira Sacavém Lisboa · Maria MargaridaEsteves Marques Henriques Esposende · Maria Natália Silva Gonçalves Lírio Amarante · Maria Noemia Lopes Chaves Claro Vila Real · Maria Olinda Rodrigues Fonseca Chaves · Maria Paula Santos Beja · Maria Sa-lomé Fernandes Ribeiro Conde Porto · Maria Teresa Fernandes de Castro Lopes Santo Tirso · Maria Teresa Garcia Viana Porto · Maria Teresa Lopes Ribeiro Braga · Maria Teresa Oliveira Silva Batista Oliveira Porto· Maria Teresa Pereira Boticas · Maria Tresa Garcia Viana · Maria Virgínia Borges Valongo · Maria Virgínia Ferreira Mendes Póvoa de Varzim · Maria Zita Ferreira Bragança · Mariana Dupont Seixal · Marília FernandesGomes Vila Nova de Gaia · Mário Barros Couto Boticas · Mário Eduardo de Sousa Carvalho Porto · Mário Neves Ferreira da Silva Ermesinde · Mario Pinto Porto · Marisa Isabel Pereira Teixeira Campos Vila Real · Mar-lene Alves Braga · Marta Latourrette Porto · Marta Sancho Santos Vila Nova de Gaia · Marta Suzana Silva Lopes Ovar · Martinha de Jesus Ferreira Rocha Lopes Paredes de Coura · Miguel Godinho Portalegre · Moi-sés Igreja Monção · Monica Alexandra Rodrigues Bernardino Valença · Natália Vaz Vaqueiro Pinheiro Bragança · Nélia Guerra Leiria · Norberto da Costa Almeida Vila Real · Nuno Delgado Valongo · Nuno Miguel Bar-bosa Soares da Silva Braga · Nuno Tavares Viana do Castelo · Ofélia Torrão Monção · Palmira Oliveira Saraiva Samapio · Paula Carrilho Sintra · Paula Correia Viseu · Paula Cristina Riobom Soares Ribeiro Braga ·Paula Esperança Lisboa · Paula Sampaio Gonçalves Viana do Castelo · Paulo Eduardo Correia Pomar dos Santos Vila Real · Paulo Fernando Páscoa Ferreira Ermesinde · Paulo Fonseca Porto · Paulo Jorge Carva-lho Mirandela · Paulo Jorge de Sous Santos Silva Rio Tinto · Paulo Manuel C. 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Se partilha das mesmas convicções acompanhe-nos na nossa decisão.

NÃO DEIXE ROUBAR UM DIREITO SEU.

11a páginada educaçãojaneiro 2003

dossier

O financiamento das universidades é en-

quadrado, desde 1997, pela Lei nº

113/97 (Lei de Bases de Financiamento

do Ensino Superior Público) que lhe defi-

ne os objectivos e os princípios gerais e

determina as diferentes componentes: o

orçamento de funcionamento, o orça-

mento de investimento (definido em fun-

ção dos Planos de Desenvolvimento e

formalizado mediante a celebração de

contratos de desenvolvimento), e o fi-

nanciamento contratualizado através de

Contratos-Programa, com vista à pros-

secução de objectivos concretos. Acres-

cem as Receitas Próprias que provêm,

na sua maioria, das propinas e da cele-

bração de contratos de investigação ou

de prestação de serviços.

Quanto ao orçamento de funciona-

mento, o mecanismo de afectação anual

das verbas às instituições do Ensino Su-

perior é baseado numa metodologia

precisa, racional e objectiva, baseada

no número de ETI's, que tem sido consi-

derado, a justo título, um factor de esta-

bilização e de credibilização do sistema

e um pilar essencial da autonomia uni-

versitária. Desde que este procedimento

foi adoptado, deixou de haver derrapa-

gens orçamentais nas universidades. Se

toda a administração funcionasse da

mesma forma, não haveria necessidade

de orçamentos rectificativos. Não é,

pois, das universidades que as finanças

públicas se devem queixar. Bem pelo

contrário, têm vindo buscar às universi-

dades públicas, a meio do ano, os re-

cursos para tapar os buracos que ou-

tros, noutros lados, abriram.

A avaliação muito positiva que se faz

desta experiência não significa, no entan-

to, que se não critique os desvios que

têm acompanhado a aplicação concreta

da metodologia preconizada na Lei (por

exemplo, a introdução de critérios de de-

sempenho e de indicadores de qualida-

de, explicitamente previstos na Lei, nun-

ca chegaram a ser considerados), sem-

pre em prejuízo das universidades. Aqui-

lo que deveria ser uma experiência exem-

plar da afectação dos dinheiros públicos

Financiamento das universidades públicas

(…) bastaria evitar, por exemplo, a derrapagem de uma única obra

pública de média dimensão por ano, para assegurar boas condições

de funcionamento a todas as universidades públicas portuguesas.

Os últimos dez anos de experiência mostram (…) que a cobrança das

propinas nunca permitiu aumentar as receitas da Universidade, tendo

permitido apenas diminuir o montante transferido pela tutela.

Fernando Seabra SantosVice-reitor da

Universidade de Coimbra

foto: isto_é

dos Planos de Desenvolvimento das insti-

tuições, apesar de muitas vezes sugerido

a sucessivos membros do Governo e de

expressamente referido na Lei. Essa op-

ção dos Governos pela cultura do não-

planeamento tem conduzido à aprovação

casuística de investimentos e tem acen-

tuado o desequilíbrio entre as taxas de

instalação das várias universidades, ac-

tualmente situadas entre os 40% e os

100%. É um enorme fosso que urge dimi-

nuir, é uma prática que importa corrigir.

Os últimos dez anos de experiência

mostram, por outro lado, que a cobrança

das propinas nunca permitiu aumentar as

receitas da Universidade, tendo permiti-

do apenas diminuir o montante transferi-

do pela tutela. Com efeito, ao orçamento

calculado para cada instituição, o Gover-

no sempre subtraiu o montante das pro-

pinas e transferiu apenas a diferença.

Aqui está mais um aspecto da deficiente

aplicação da Lei. Será que podemos es-

perar uma modificação de procedimen-

to? Será que o aumento de propinas de

que já se fala vai significar um efectivo

aumento de recursos das universidades?

Parece-me ser lícito duvidar.

Cinco anos após a publicação desta

Lei, revela-se a distância a que estamos

da sua efectiva aplicação. É urgente criar

uma plataforma de entendimento nesta

matéria. Elevem-se os níveis de financia-

mento tornando-os compatíveis com as

actuais responsabilidades do Estado, ou

definam-se, com coragem política, res-

ponsabilidades do Estado compatíveis

com o financiamento que efectivamente

está em condições de assegurar. Em

qualquer dos casos, tenha-se em consi-

deração de que o que está em causa é a

formação de quadros superiores de qua-

lidade, desígnio essencial ao desenvolvi-

mento cultural, económico e social do

País. E que, como tenho repetido fre-

quentemente, bastaria evitar, por exem-

plo, a derrapagem de uma única obra

pública de média dimensão por ano, pa-

ra assegurar boas condições de funcio-

namento a todas as universidades públi-

cas portuguesas. Será assim tão difícil?

tem-se transformado numa luta desgas-

tante entre a Universidade e a tutela, que

todos os anos procura novas justifica-

ções, à margem da fórmula de cálculo,

para diminuir as dotações. Num país de

tão fraca cultura de disciplina orçamen-

tal, o valor intrínseco e as potencialida-

des da experiência não têm sido levadas

a sério pelo Estado, que não só não a es-

tende a outros sectores onde se faz sen-

tir a sua falta, como a contraria sistemati-

camente no único sector onde ela funcio-

na, e com resultados visíveis e palpáveis.

Entre 1998 e 2002, inclusive, ficaram

por transferir para as universidades públi-

cas, em orçamentos iniciais de funciona-

mento, mais de 420 milhões de euros (84

milhões de contos). Estes números são

reveladores da incapacidade dos suces-

sivos governos para concretizar a conver-

gência para o Orçamento-Padrão, consa-

grada na própria Lei como objectivo para

2002. Tanto mais que a estas cativações

iniciais, se juntam ao longo do ano outras

formas cada vez menos imaginativas de

retenção de verbas por parte do Estado.

As revalorizações de carreira, os Progra-

ma de Promoção da Qualidade, as pro-

gressões e promoções de pessoal docen-

te e não-docente, os aumentos da função

pública, ficam por transferir.

Quanto ao orçamento de investimen-

to, nunca até hoje foi possível consagrar o

princípio da contratualização em função

entre o que se passou e o que nos espera

O ensino superior em balançoNo Dossier deste mês abrimos espaço ao debate e abordamos algumas das questões que marcam a actualidade

do ensino superior português. Para concretizar este trabalho – que se prolongará pela edição de Fevereiro – con-

vidamos professores, investigadores e dirigentes estudantis a pronunciar-se sobre temas como o financiamento,

a formação inicial de professores, o acesso, a investigação, as relações das universidades e politécnicos com a so-

ciedade ou a formação ao longo da vida, pedindo ao mesmo tempo sugestões que possam contribuir para um me-

lhor funcionamento do sistema.

Não é das universidades que as finanças públicas se devem queixar. Bem pelo contrário, têm vindo buscar

às universidades públicas, a meio do ano, os recursos para tapar os buracos que outros, noutros lados, abriram.

12a páginada educaçãojaneiro 2003

dossier

Quanto à primeira questão, a considera-

ção da existência de "excesso de docen-

tes" parte de decisões políticas na res-

pectiva colocação, bem como na organi-

zação da rede escolar. Mas parece-me

absurdo, num país com o grau de ilitera-

cia de Portugal – vide inquérito PISA...

mesmo com todas as reservas sobre a

leitura que é feita dos resultados! –, e em

que só a região de Lisboa e Vale do Tejo

atinge níveis médios europeus... que "so-

brem" professores! Não creio que seja

uma fatalidade, devida a uma espécie de

distribuição assimétrica da "inteligência",

que as regiões interiores apresentem pio-

res resultados... É que é aí que há menos

professores qualificados, estabilizados

nos seus lugares (e não há qualquer in-

centivo à fixação nessas zonas... não só

de docentes, como de outras profissões,

sobretudo intelectuais!), e o interior con-

tinua a representar apenas o "calvário"

que os professores mais jovens têm de

atravessar, em condições precárias, lon-

ge da família, até que, anos mais tarde,

se aproximem do litoral.

Também me parece ilógico conside-

rar, por exemplo, que há excesso de pro-

fessores de Matemática – a pior discipli-

na, a nível de insucesso escolar – e se

mantenham turmas de cerca de 30 alu-

nos, além de se extinguirem grande par-

te dos apoios mais individualizados para

a melhoria do sucesso (seja o estudo

entre o que se passou e o que nos espera

Apesar da imposição constitucional que

determina o direito dos cidadãos à edu-

cação e o consequente dever do estado

de proporcionar as condições necessá-

rias para que todo e qualquer cidadão

que o deseje, possa aceder a todos os

níveis de ensino — verificados que este-

jam os pressupostos de sucesso curricu-

lar — o que tem sido regra nos últimos

anos é a criação de uma série de obstá-

culos à execução desse direito.

O «numerus clausus», a propina, a de-

ficiente acção social escolar (ASE). Estes

três factores são obstáculos ao livre

acesso ao ES, constituindo também os

dois últimos entraves à frequência do ES.

O Estado procura limitar o acesso ao ES,

simplesmente porque não consegue (ou

não quer) criar as condições necessárias

para que o preceito da Lei Fundamental

possa ser respeitado na sua plenitude.

As instituições de ES público não têm

tido capacidade para receber todos os

que desejam ingressar no ES. Isto deve-

se exclusivamente à falta de investimen-

to público neste sector. Não havendo in-

fra-estruturas e outras condições físicas

e humanas suficientes, com a imposição

de uma taxa de frequência inconstitucio-

nal e com uma ASE precária, tem de ha-

ver restrições das entradas.

Essa crónica falta de investimento

conduziu, porém, não apenas à insufi-

ciência de condições quantitativas para o

ingresso, como também resultou na gra-

ve degradação das condições qualitati-

vas do ES. Essa degradação, por sua vez,

culminou este ano lectivo no facto de ter

havido mais oferta que procura. Ou seja,

foi pelo pior motivo que houve vagas no

ES público que ficaram por preencher: os

cursos oferecidos não têm qualidade ou

têm uma importância residual no plano do

mercado de trabalho e no das aspirações

profissionais que cada cidadão tem quan-

do ingressa num dado curso.

Mas este estado de coisas é sem dú-

vida imputável ao Estado, que nunca

olhou a Educação com a importância que

ela tem, a longo prazo, para a requalifica-

ção de um país cientifica, técnica e cultu-

ralmente atrasado.

Pelo lado dos cidadãos, existe neste

momento um desequilíbrio sério entre as

aspirações pessoais e profissionais e aqui-

lo que é oferecido. Como explicar as cen-

tenas de pessoas que não conseguem en-

trar em cursos tão necessários ao nosso

país como a Medicina e simultaneamente

as centenas que entram em cursos como

Direito, ou ainda as centenas de vagas que

não são preenchidas em cursos com no-

mes obscuros? Como explicar que os ci-

dadãos mais desfavorecidos recorrente-

mente desistam dos seus cursos ou nem

sequer pensem em se candidatarem, por-

que a ASE não faz face às suas necessida-

des enquanto estudantes — para além da

propina, que incompreensivelmente tam-

bém é paga pelos estudantes bolseiros?

Porquê cercear desde logo sonhos,

ambições e sobretudo potenciais capa-

cidades intelectuais em nome de priori-

dades económicas?

A abolição total do «numerus clausus»

não é defensável — deve haver um pata-

mar mínimo de exigência científica quan-

do se trata de aceder a um nível superior

de ensino. De mais a mais, o país não pre-

cisa apenas de doutores e engenheiros,

necessita também de quadros médios. O

que é de criticar são os outros factores

de dissuasão já referidos, sendo de recu-

sar o principio da propina e de exigir um

verdadeiro financiamento para a ASE.

Isto cabe, todavia, a um Governo que

realmente aplique nas suas políticas uma

visão humanista e não apenas economi-

cista, de médio e longo prazo, em ordem

a ter homens e mulheres devidamente

capazes de melhorar significativamente

a qualidade de vida em Portugal.

A formação de professores e o seu desempregoDuas questões: o desemprego na colocação de docentes, mormente nos ensinos básico e secundário, vem-se

acentuando nos últimos anos. Sobre isto, há duas questões a colocar: i) haverá (e porquê) desemprego real de docentes?

ii) que fazer para formar melhores docentes, aproveitando a capacidade de formação já existente?

acompanhado, ou o apoio a alunos com

especiais carências).

Propostas como a do Ministério, de

fecho puro e simples de cursos com me-

nos de 10 alunos – e muitos serão os de

ensino nestas condições -, sem planea-

mento prévio, podem conduzir à situa-

ção de carência, anos depois, que a In-

glaterra enfrenta agora, fruto de uma po-

lítica semelhante da Srª. Thatcher. Além

disso, uma política de liquidação dos

cursos de formação de professores (só

ao nível do sector público) deixa este

sector aberto apenas às instituições pri-

vadas... que continuarão a formar, para o

ensino público (de largo o maior empre-

gador do sector) quantos docentes qui-

serem... com uma qualidade que nunca

foi aferida por comparação com os pro-

venientes das instituições públicas. É a

privatização galopante deste sector! E

não seria a altura, no momento em que

se pretende avançar para uma escolari-

dade obrigatória de 12 anos, para prepa-

rar esta reforma com antecedência,

aproveitando para melhorar o nível de al-

guns professores já formados?

Quanto à segunda questão, não duvi-

do que a capacidade de formação insta-

lada (pública e privada), se for usada ex-

clusivamente na formação inicial de do-

centes, se revela excessiva, a curto pra-

zo. Será altura de agir a dois níveis: ii) se-

leccionar em cada curso (organizados

com 2 anos de tronco comum com as

formações científicas) os alunos mais vo-

cacionados para o ensino, com um nú-

mero de vagas adequadamente planea-

do, para lhes ser dispensado um comple-

mento de formação (científica, pedagógi-

ca e profissional), após estes 2 anos.

Há ainda desemprego no ensino su-

perior porque o estrangulamento finan-

ceiro que o governo de direita está a im-

por às instituições as leva a não renova-

rem os contratos mais precários... – e

70% dos docentes deste sector têm

contratos precários! – despedindo do-

centes com vários anos de experiência

(que chegam a atingir os 20 anos) sem

qualquer subsídio de desemprego.

E há também o enorme desperdício

que representa, após uma correcta políti-

ca de investimento no aumento intensivo

do número de jovens doutorados (que

quadruplicaram em 12 anos, tendo dupli-

cado nos últimos 5 anos!), o facto de não

lhes serem proporcionadas oportunida-

des ao nível da especialização que obti-

veram, obrigando-os a socorrerem-se de

sucessivas bolsas de pós-doutoramento,

sem reais contratos de trabalho.

Claro que tudo isto é consistente com o

facto de serem os sectores da Educação,

Ciência e Cultura, ou seja, os que implicam

investimento na qualificação pessoal e pa-

trimonial, os sectores que tiveram os cor-

tes no Orçamento de Estado. Afinal será

que, num país em que 98% das empresas

funciona sem qualquer quadro com forma-

ção universitária ou politécnica, já se con-

sidera que "há doutores a mais" ?

Manuel Pereira dos Santos

Professor Catedrático da

Universidade de Évora

(…) uma política de liquidação dos cursos de formação de professores(só ao nível do sector público) deixa este sector aberto apenas

às instituições privadas... que continuarão a formar, para o ensino público (de largo o maior empregador do sector) quantos docentes

quiserem... com uma qualidade que nunca foi aferida (…)

Há desemprego no ensino superior porque o estrangulamento financeiro que o governo de direita está a impor às instituições as leva a não renovarem os contratos mais precários – e 70%

dos docentes deste sector têm contratos precários!

… num país em que 98% das empresas funciona sem qualquer quadrocom formação universitária ou politécnica (…) "há doutores a mais"?

Sobre o acesso ao ensino superiorQuando se fala de acesso ao Ensino Superior (ES), imediatamente surge uma dicotomia na abordagem

possível a este assunto: Uma perspectiva por parte do Estado, tanto pelo lado da Tutela, como pelo lado

das instituições de ensino; uma segunda abordagem, a que é feita pelos cidadãos que querem frequentá-lo.

Nuno MendesPresidente da Federação

Académica do Porto

13a páginada educaçãojaneiro 2003

dossier

entre o que se passou e o que nos espera

O desemprego de licenciados em cursos

de ensino é visível. O facto de haver con-

cursos públicos nacionais para este sec-

tor de trabalho torna essa visibilidade

maior. Após os concursos sabe-se quem

ficou empregado e quem ficou desempre-

gado. Se houvesse um concurso nacional

para preenchimento de empregos na área

do direito ou da comunicação social, por

exemplo, dar-nos-iamos conta de que

também nestas, como noutras áreas, há

desemprego de quadros em larga escala.

Segundo dados do Instituto Nacional

de Estatística (INE), na década de no-

venta, houve uma diminuição — não só

em percentagem do emprego, mas líqui-

da — da oferta de trabalho para quadros,

com formação de nível superior. Isto vem

contrariar o discurso que afirma que um

dos problemas da economia portuguesa

é a falta de quadros qualificados. Na ver-

dade, o que falta é que as empresas por-

tuguesas compreendam que têm vanta-

gens em dar emprego a trabalhadores

qualificados. Por enquanto, o recruta-

mento de trabalhadores para lugares de

responsabilidade nas empresas continua

a ser feito com base nas relações fami-

liares, nas amizades, nas cunhas e não

na formação e no saber dos candidatos.

No caso da área do ensino existem

duas razões fortes para explicar o abun-

dante desemprego existente. Por um la-

do, desde a década de oitenta que as-

sistimos a uma baixa da natalidade. Nas-

cem menos crianças e, portanto, o nú-

mero de alunos a frequentar a escola tem

vindo a diminuir. Por outro lado, no mes-

mo período, criaram-se os bacharelatos

e as licenciaturas em ensino, quer no

sector público, quer no sector privado. A

oferta e a frequência destas formações

em ensino aumentaram bastante a partir

foto: isto_é

É preciso reconfigurar a formação inicial de professores

Duas questões: o desemprego na colocação de docentes, mormente nos ensinos básico e secundário, vem-se

acentuando nos últimos anos. Sobre isto, há duas questões a colocar: i) haverá (e porquê) desemprego real de docentes?

ii) que fazer para formar melhores docentes, aproveitando a capacidade de formação já existente?

de meados dos anos oitenta. É também

de ter em conta mais dois dados. Por um

lado, a expansão do nosso sistema de

ensino ocorreu nas décadas de 70 e na

primeira metade de oitenta. Foi então

que se fez o recrutamento em massa de

docentes. Estes — sobretudo com a ac-

tual directiva de reforma apenas aos 60

anos de idade — só daqui a dez, quinze

anos, entrarão em aposentação, dando

início ao processo de renovação do cor-

po profissional. Por outro lado, não po-

demos deixar de esquecer que o aban-

dono escolar em Portugal é altíssimo e a

frequência do ensino secundário muito

baixa. Tudo junto, permite perceber o

desiquilíbrio entre a oferta e a procura de

trabalho docente.

A composição das turmas, no que

respeita ao número de alunos que as

constituem, deve ser feita por razões pe-

dagógicas e não sob a pressão de alar-

gar o recrutamento de docentes. O nú-

mero de alunos por turma depende dos

objectivos que nos propomos atingir e

dos métodos e dos meios a utilizar. Na

aprendizagem de uma língua estrangei-

ra, por exemplo, se o objectivo for au-

mentar a capacidade de expressão oral

dos alunos, o número de alunos por tur-

ma não deve ser superior a doze ou

quinze; só assim se pode fazer o treino

necessário. As aulas práticas, seja qual

for a disciplina, têm necessidades dife-

rentes das teóricas. É urgente que se de-

fina uma política séria de organização

das turmas que tenha em conta discipli-

nas, objectivos e níveis de ensino. Mas

não é por aí que vamos resolver o pro-

blema do desemprego docente, pelo

menos de forma sustentada.

Nunca fui favorável à criação de cur-

sos vocacionados apenas para o ensino.

Aponto três razões. Uma prendia-se

com a previsível desregulação da oferta

e da procura de emprego. Situação que

é agora patente. Outra com o facto de a

especialização, na formação inicial, ser

sempre um «handicap» em relação à

procura de vias profissionais alternati-

vas. Finalmente, por entender que a for-

mação profissional ganha em ser levada

a cabo em contexto de trabalho e não

assente num conteúdo previligiadamen-

te académico. Sempre defendi que são

precisas cada vez mais formações de

banda larga — que permitam várias al-

ternativas profissionais — e sempre afir-

mei que a profissionalização se faz no lo-

cal de trabalho. Os candidatos a profes-

sores, na licenciatura, devem receber es-

sencialmente formação científica, cultu-

ral, social e política e devem iniciar a pro-

fissão como estagiários, cumprindo as-

sim, no local de trabalho, a profissionali-

zação. Durante o estágio profissional —

de dois anos — , é necessária a frequên-

cia de módulos de formação nas univer-

sidades e politécnicos, que garantam as

aquisições teóricas necessárias ao de-

sempenho da profissão docente, sem

que o estágio deixe de ser centrado na

escola. É um modelo assim que pode dar

estabilidade ao corpo docente, pois os

novos docentes entrariam para um qua-

dro de estagiários e, se aprovados no es-

tágio, teriam direito a lugar no quadro de

zona pedagógica, dando seguimento à

sua carreira profissional. Este modelo,

oferecendo licenciaturas de banda larga,

não deixaria os jovens recém-licencia-

dos num beco sem saída. Podiam esco-

lher ser docentes, ou outra coisa, em

função das oportunidades profissionais.

Reconfigurar a formação inicial é uma

emergência nacional. Se não for assim,

só servirá para aumentar o drama. A

manter-se a actual situação, a maioria

dos licenciados em ensino acabará em

actividades profissionalmente pouco ou

nada qualificadas.

Finalmente, julgo que as instituições

de ensino superior — universitário e po-

litécnico — deveriam voltar a sua aten-

ção para a formação de apoio aos está-

gios profissionais e à formação contínua

dos docentes, para as pós-graduações,

acompanhamento de projectos de ino-

vação e de boas práticas, e para o estí-

mulo à produção de materiais pedagógi-

cos e à investigação nas áreas da edu-

cação e do ensino. O campo de trabalho

é largo, desde que se assuma de forma

franca a articulação entre o ensino supe-

rior e os demais sectores de ensino.

A composição das turmas, no que respeita ao número de alunos que as constituem, deve ser feita por razões pedagógicas

e não sob a pressão de alargar o recrutamento de docentes. O número de alunos por turma depende dos objectivos que nos propomos atingir e dos métodos e dos meios a utilizar.

Os candidatos a professores, na licenciatura, devem receber, essencialmente, formação científica, cultural, social e política

e devem iniciar a profissão como estagiários, cumprindo assim, no local de trabalho, a profissionalização.

José Paulo Serralheiro

14a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Tem o sorriso franco de quem gostade vários dedos de conversa. Osolhos emocionam-se quando faladas tristezas da vida. Mas logo sa-code os ombros, ajeita o lenço aopescoço e guarda as lágrimas parasi. Na sua banca de rua, Quininhavende jornais, revistas e livros hámais de 20 anos.

A rua de Passos Manuel, no Por-to, não teria a mesma cor se Joaqui-na da Piedade Pinheiro, 63 anos,mudasse o seu ponto de venda.Abrigada em toldos e guarda-sóis,Quininha resiste à chuva e ao frio. Évendedora desde “ganapa”. Aos cin-co anos já vendia hortaliças no mer-cado do Bolhão, no Porto. Com aavó, que a criou, vinha a pé de San-to Ovídeo, em Gaia, até à aquelemercado. Sempre descalça… Comos “opecatos” (uns sapatos de panocom atacadores de cordão que seamarravam aos tornozelos). Umavez apanhou uma multa: “No tempodo Salazar – arregala os olhos – nãose podia andar descalço, mas nãohavia dinheiro para sapatos.”

Não faltam histórias a Quininhapara contar. Com nove anos, ia paraa lixeira com a avó “apanhar” vidropara vender. “Um dia levava um sa-co com vidro à cabeça, ele reben-tou, os vidros caíram-me pela cabe-ça a baixo e fizeram-me este golpena perna” – Quininha mostra a cica-triz, por debaixo da meia de vidro. Aavó – “que Deus a tenha” – curou-

lhe o golpe com teias de aranha eaçúcar amarelo.

Anos, muitos anos mais tarde, asvarizes acumularam-se na zona dogolpe. Sem concerto, disse o médi-co que ficou surpreendido com o talmétodo de cura da avó. Doençasem pequena?, ter-lhe-á perguntado.“Só falta de tacho!”

A chuva começa a cair com maisforça e obriga Quininha a mover osolhos da infância para a banca. “Es-tou à espera que o Rui Rio me dêuma barraca das novas (o sonho detodos os vendedores de jornais), masele é assim!” – sacode o braço e cer-ra a mão. “E o negócio vai mal”, re-mata enquanto folheia a revista Lux.Mais tarde dir-me-á que não sabe ler.

Olho para a prateleira dos livrospara ver alguns dos títulos: “Por todaa minha vida”, “Com os olhos no co-ração”, “Antes do sim”, “O milagredo Amor”, “Sonhos de mulher”,“Adoração selvagem”. Isto vende-se? Pergunto. “Troca-se!” Respon-de-me. Os romances da Júlia e daSabrina continuam a aquecer o cora-ção das senhoras. “Por 40 cêntimos,trás um leva outro”, explica Quininha.

Numa prateleira mais acima vejouma revista Playboy meio escondi-da. E isto é para aquecer o coraçãodos homens? Pergunto. Quininhadá uma boa gargalhada: “Depois do25 de Abril vendeu-se muito disso,era uma loucura! Agora já ninguémliga! Dá tudo na televisão.”

Retratos[De gente que toda a gente conhece.

Gente que está nos sítios por onde toda a gente passa. Gente como a gente com vidas para contar]

RETRATOS da cidade

Andreia Lobo

fotos: isto_é fotos: isto_é

Ser professor · Assinar a Página

desconto sócios Sindicatos FENPROF

Na assinatura mencionarnº sócio e iniciais do Sindicato

1 ano1520

2 anos3040

PortugalEstrangeiro

1 ano2025

2 anos4050

PortugalEstrangeiro

Encostado a um dos novos mecosque impedem a circulação automó-vel na rua Sampaio Bruno, no Porto,Fernando Florindo dos Santos, ven-de cautelas. Aos 80 anos já viu me-lhores dias para o negócio. “Antiga-mente – esse tempo que só a gentemais idosa conhece – por esta altu-ra (o dia em que andou à roda) a lo-taria do Natal já estava esgotada”,desabafa. “Davam-se prémios me-lhores, agora o dinheiro vai todo pa-ra as televisões e as cautelas sãomuito caras…”

Fernando “Chora” – alcunha porque é conhecido na praça - tinha se-te anos quando começou a vendercautelas. “Mas também vendi o me-lhor jornal que já existiu: o Diário doNorte”, acrescenta para que não fal-te nada no artigo.

A rua foi a sua cama durante a in-fância, pouco depois da morte dopai. “Dormia com um meu irmão ali,no cavalo!” O dedo indicador viradopara a estátua de D. Pedro V na Pra-ça da Liberdade. “E também ali, noBanco!” Para dar uma ideia vaga daépoca em que isso acontecia tentasituar-se: “ainda nem havia a Câma-ra (o edifício da autarquia do Porto).

O frio e a chuva que apanhou dei-xaram mazelas. Bronquite asmáticae uma doença óssea que o deixousurdo. Não usa aparelho. “Faz-memuita confusão à cabeça”, diz en-quanto gesticula com a mão expres-sando desconforto. Por isso sente

dificuldade em responder às per-guntas. Ás vezes não acerta nas res-postas, mas logo insiste: “Conto-lhetudo, mas não ouço!” E logo redi-recciona a conversa à sua maneira.Quer falar das viagens que fez.

“Gozei muito no tempo do Sala-zar”. Reagindo à minha expressãode curiosidade continua: “Viajei mui-to pela Europa. Fui à Suécia, à Itália,conheço a Espanha toda… Só nãofui a Londres e à Rússia.” Como?Pergunto por escrito. Pela FNAT(Fundação Nacional da Alegria noTrabalho), a antecessora do INATEL,sorri. “Ia com os lordes – explica – le-vava-lhes as malas e ia de graça!”

Passa um freguês e a conversaantes de terminar volta-se ainda pa-ra o negócio. “Dantes não podíamosvender cautelas sem chapa no bo-né. A minha tinha o número 446. Erao Governo Civil que a dava.” E maiscontaria Fernando “Chora” se nãotivesse percebido que temos de irembora. Por isso apressa algumashistórias soltas. “Se precisar demais alguma coisa venha ter comi-go, estou sempre por aqui!”

1. Entre a Lux e a Sabrina 2. Olh’á lotaria!

15a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

NÓS e os outrosJosé Paulo Serralheiro

TECNOLOGIASLuísa Margarida Cagica CarvalhoBoguslawa M. Barszczak SardinhaEscola Superior de

Ciências Empresariais

Instituto Politécnico

de Setúbal

Lula anuncia nomes do seu futuro governo

As novas tecnologias, entendidascomo Internet e Multimédia, come-çam a ser muito conhecidas no nos-so país, mas não são ainda suficien-temente utilizadas no nosso sistemade ensino.

Podemos reflectir acerca dos as-pectos que determinam a fraca difu-são de novas tecnologias no siste-ma educativo português, nomeada-mente:

– Poucos programas e ferramen-tas estão disponíveis em português,sendo na sua maioria em língua in-glesa;

– Custo elevado de instalação ini-cial de programas e ferramentas;

– Custo das chamadas telefóni-cas que condicionam o acesso à In-ternet;

– Dificuldades logísticas na ges-tão de equipamentos e sistemas deinformação;

– Fraca confiança de alguns pro-fessores/tutores relativamente aouso de novas tecnologias comoapoio ou em substituição do ensinopresencial.

O uso de novas tecnologiasno ensino em Portugal

Métodos, técnicas e reflexões sobre o ensino on-line

Embora as novas tecnologias, como a Internet e Multimédia,

comecem a ser largamente conhecidas no nosso país, o seu uso é ainda muito pequeno em contextos educativos.

Luiz Inácio Lula da Silva anunciou nesta segunda-feira o último grupo de ministros do seufuturo governo, que toma posse em 10 de Janeiro e não terá maioria no Congresso. "Comestes nomes que indiquei está constituído o futuro governo que assumirá em 10 de Janei-ro", disse Lula. "Estou certo de que faremos um grande governo. O povo brasileiro quer mu-danças, o povo brasileiro está com sua auto-estima muito alta, está esperançoso, acredita",destacou o presidente eleito."Nosso governo tem que ser marcado pela ética, pela hones-tidade", reforçou.

Com os anúncios feitos hoje, Lula terá 13 ministros do PT, sete de partidos aliados, doisrepresentantes do sector privado e outros quatro sem partido.

"O governo confirmado esta segunda-feira é mais político do que o esperado, um governodo PT, com uma participação minoritária do sector privado e de partidos da sua aliança eleito-ral", disse à AFP o presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), Walter de Goes.

A segunda característica do governo de Lula é que não tem maioria no Congresso. "Lu-la não tem essa governabilidade tradicional ancorada numa coalizão majoritária, mas tem ascondições políticas básicas para arrancar uma agenda legislativa", afirmou o analista.

O carácter político do governo de Lula tem uma excepção: a área económica. "O presi-dente eleito optou por nomear técnicos como responsáveis da área económica, pessoasnão politizadas, o que não acontece com o restante do ministério", avaliou o analista LuizCarlos Costa.

fotos: isto_é

O ministério de Lula: 1. Casa Civil: José Dirceu (PT); 2. Fazenda:

António Palocci (PT); 3. Relações Exteriores: Celso Amorim (sem

partido); 4. Justiça: Márcio Thomaz Bastos (sem partido); 5. Desen-

volvimento, Indústria e Comércio: Luiz Fernando Furlan (sem partido);

6. Agricultura: Roberto Rodrigues (sem partido); 7. Meio Ambiente:

Marina Silva (PT); 8. Educação: Cristovam Buarque (PT); 9. Minas e

Energia: Dilma Roussef (PT); 10. Trabalho: Jaques Wagner (PT); 11.

Saúde: Humberto Costa (PT); 12. Comunicação: Miro Teixeira

(PDT); 13. Ciência e Tecnologia: Roberto Amaral (PSB); 14. Espor-

tes: Agnelo Queiroz (PCdoB); 15. Transportes: Anderson Adauto

(PL); 16. Turismo: Walfrido Mares Guia (PTB); 17. Previdência So-

cial: Ricardo Berzoini (PT); 18. Defesa: José Viegas (sem partido);

19. Planejamento: Guido Mantega (PT); 20. Integração Nacional: Ci-

ro Gomes (PPS); 21. Cultura: Gilberto Gil (Partido Verde-PV); 22. Ci-

dades: Olívio Dutra (PT); 23. Desenvolvimento Agrário: Miguel Ros-

setto (PT); 24. Segurança Institucional: General Jorge Armando

Félix (sem partido); 25. Assistência e Promoção Social: Benedita da

Silva (PT); 26. Extraordinário da Segurança Alimentar e Combate à

Fome: José Graziano (PT). [AFP]

básicas de cidadania em tecnologiade informação a qualquer cidadão;

– Certificação e formação decompetências em tecnologias de in-formação para fins profissionais;

– Desenvolvimento de matériasde auto-formação de nível básico anível especializado em tecnologiasde informação, suportadas pelasnovas tecnologias.

Um dos principais desafios quese colocam à economia portuguesa,é o do desenvolvimento de uma So-ciedade de Informação voltada parao uso das novas tecnologias.

A introdução de novas tecnolo-gias no ensino é inevitável. As esco-las terão de desempenhar um papelfundamental neste processo, atra-vés da criação de cursos mistos on-de o ensino presencial e o ensino on-line se complementem, ou aprovei-tando as vantagens do ensino on-li-ne para conquistarem novos públi-cos, tais como os activos que preci-sam de formação e têm horários in-compatíveis ou dificuldades de mo-bilidade (formação ao longo da vida).

Um dos principais desafios que se colocam

à economia Portuguesa, é o do desenvolvimento de uma

Sociedade de Informação, voltada para o uso das novas tecnologias.

Contudo, nos últimos tempos no-tou-se um interesse crescente pelouso de novas tecnologias no ensino,essencialmente como apoio ao en-sino em regime presencial.

Com o objectivo de melhorar opanorama actual, o governo portu-guês lançou em Outubro de 2001, o

Programa Operacional da Socieda-de de Informação (POSI), definindo-se o objectivo de desenvolvimentode uma Sociedade de Informaçãocomo uma prioridade.

Este programa considera o finan-ciamento de projectos nas áreas de:

– Certificação de competências

16a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

"Inicitação ao genocídio, refugia-dos, territórios ocupados, armasbiológicas, crianças soldado". Por-que a guerra é o teatro das pioresviolações dos direitos do Homem, olivro "Crimes de guerra" propõe umabecedário conciso e pedagógico."O direito é sempre relegado parasegundo plano numa guerra", expli-ca Françoise Bouchet-Saulnier, res-

ponsável jurídica dos Médicos semFronteiras, na introdução desta obra.

Para os coordenadores do livro,os jornalistas Roy Gutman e DavidRieff, o direito da guerra decaiu porcompleto no início dos anos 90 comas guerras da Croácia e da Bósnia.Estes dois conflitos, dizem, revela-ram um "desrespeito total das re-gras estabelecidas antes da II Guer-

ra Mundial" que tinham por objecti-vo traçar, mesmo no meio da guerra,uma "linha de demarcação entre acivilização e a barbárie". A Bósnia, ogenocídio do Ruanda e a Tchetché-nia, bem como outros conflitos,multiplicaram esse sinal de alarme."As actuais guerras não se travamentre exércitos com oficiais movidospor questões de honra, mas entre

combatentes, muitas vezes crian-ças, que não são soldados nos sen-so estrito do termo", dizem os auto-res. Um livro a ler.

("Crimes de guerre", Ed. Autrement, 445 páginas, 38 euros)

Fonte: AFP

"Crimes de guerra", um manual do direito international humanitário

solta

Não vou dizer que este mundo estámaluco, senão catalogam-me logode cota e já não me ouvem. Sim, eudisse cota, fora de aspas. É assimuma espécie de vingança por todasas aspas que sou obrigada a engolire que me arranham os ouvidos co-mo o pau de giz quando descreveno quadro preto a trajectória errada.

Não sei se se deram conta que derepente todas as palavras começa-ram a ser metidas entre aspas, nãosei se para enfeite do discurso, separa protecção do sujeito e do con-ceito, se por trejeito mundano dequem as usa. Hoje logo pela manhãouvi na rádio uma pessoa que, se-gundo dizia, se sentia perseguida en-tre aspas, o que me fez logo pensarna bondade das aspas, assim comoque uma cota de malha a proteger operseguido. Num intervalo de quinzeminutos, mais dois ou três pares deaspas saltaram para o discurso, nãome lembro bem, mas pode ter sido ocaso de uma dívida entre aspas, e ládei comigo a perder-me na interpre-tação do papel das aspas, neste ca-so, sem dúvida, duas sólidas teste-munhas do credor, e até achei pru-dente passar a emprestar dinheiroentre aspas; no terceiro caso era al-guém a tentar descobrir entre aspasnão sei o quê, porque a partir dessemomento apenas conseguia ver odesespero da pessoa condenada aprocurar só em frente, com as aspasa dificultarem-lhe a visão lateral; outalvez não fosse o sujeito quem car-regava as aspas no acto de desco-brir, mas antes o objecto alvo da ac-ção que entre as protectoras asasdas aspas se escondia.

Enfim, pelo menos no que me dizrespeito, as aspas funcionam comoum interruptor eléctrico que com umchoque irritativo me põe fora do cir-cuito e me leva onde a imaginaçãoquer, se calhar por via de um meca-nismo de compensação. A verdade

Fora de aspas ou entre aspas?Não sei se se deram conta que de repente todas as palavras começaram a ser metidas entre aspas,

não sei se para enfeite do discurso, se para protecção do sujeito e do conceito, se por trejeito mundano de quem as usa.

é que não conheço com rigor o nor-mativo das aspas, mas suponhoque se usem, no que aqui nos con-cerne, para distinguir um estrangei-rismo, um neologismo, o calão, paramarcar a ironia ou sugerir que umapalavra habitualmente usada numoutro contexto seja entendida muta-tis mutandis. Mas para quê no dis-curso oral, onde elas não têm lugar,se há tanta forma de esclarecer aeventual, mas certamente intencio-nal, inadequação da palavra? Há atébordões de linguagem que as subs-tituem perfeitamente, tais como “di-gamos assim”, “chamemos-lhe as-sim”. Estou a dizer isto e a imaginaruma multidão atrás de mim, pressu-rosa, a pegar-me nos bordões paralogo os pendurar entre aspas.

Pois o facto é que as aspas estãoa pretender marcar território no dis-curso oral e é manifesto o seu recur-so ao audiovisual nessa campanha.Lembram-se de quantas vezes já vi-ram um cidadão levantar os braços eesticar dois dedinhos de cada mão –normalmente o médio e o indicador –e colocar a própria cabecinha entreaspas? Será que já não sabemos fa-lar português e à cautela vamospondo as palavras que usamos, as-sim, sob custódia, resguardando-nos de qualquer interpretação quenos seja menos vantajosa? Mas en-tão onde anda a coragem? Onde an-da a procura do rigor?

Tudo isto começou por causa dacota, que devia estar entre aspas, vis-to tratar-se de um texto escrito e a pa-lavra não constar no dicionário com osignificado que aqui lhe é dado e quepertence ao sociolecto escolar paradesignar todo e qualquer indivíduocom mais de 35 anos. Depois, nãoera disto que eu vinha falar. Mas co-mo já ultrapassei os 3000 caracteresda conta, fica para a próxima. Se aPÁGINA não me mandar meter a vio-la no saco. Ou entre aspas.

À LUPAManuela Coelho

Escola Especializada de

Ensino Artístico Soares

dos Reis, Porto

foto: isto_é

(…) o facto é que as aspas estão a pretender

marcar território no discurso oral e é manifesto

o seu recurso ao audiovisual nessa campanha.

17a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

vestiu a fatiota de ministro, afiveloua máscara de governante, e prepa-rou-se para comandar as opera-ções. Em vão, a mancha negra es-gueirou-se para a Galiza.

Nesses dias de ansiedade, convo-caram-se autarcas, bombeiros, aguarda marítima, a Cruz Vermelha,várias ONG’s, para reuniões em ho-teis à beira-mar. As organizações dedefesa dos vários animais, entraramem stress. Preparou-se tudo para, fi-nalmente, testar a capacidade de tra-

Onde está a mancha?

CARTAS na mesaJosé Paulo Serralheiro

denou a largada. O navio ia pescar amancha. Enfrentando com determi-nação a brisa da madrugada, sole-nemente, Paulo Portas declarou en-tão à comunicação social: «o que seapanhar lá não precisará de ser apa-nhado cá». Grande visão de jogo!Grande estratego! Grande timonei-ro! Entendam todos e ninguém es-queça: «o que se apanhar lá, nãoprecisará de ser apanhado cá»!

Mais tarde, soube-se, que algu-mas horas após a partida do navionão apareciam as manchas. Grandeaflição, o navio navegava, a tripula-ção e o ministro anseava e não seencontrava a mancha. Aparente-mente, a malandra, pela força dovento e das correntes, tinha escapa-do para Norte. Mas o intrépido mi-nistro não desistiu. Se não estão cáprocurem-nas lá. O navio foi lá e veiopara cá, e, entre água do mar e fue-lóleo, lá trouxe uns quantos litros.Pouco, mas o suficiente para sua ex-celência lavar um pouco a imagem.

Não nos acontece nada de anima-dor. Corre-nos tudo mal. Não temossorte nenhuma. O país está uma lás-tima. A economia não cresce. As re-ceitas fiscais diminuem. O governoarreia no povo a torto e a direito. Osnossos governantes enervam-se. Opovo, de tristeza, esmorece. Anda-mos todos abatidos.

Nem o desastre do navio «Presti-ge» quis nada connosco. Mal sesoube do desastre do petroleiro, osnossos governantes e jornalistas,alvoroçaram-se. Finalmente pareciavir aí um acontecimento capaz depromover actos heróicos, brilho po-lítico, apoio popular e subida dasaudiências nos órgãos de comuni-cação social. Mas o navio pifou lon-ge da nossa costa. Apesar da mal-dade dos espanhóis, a maré negrafoi dar à costa na Galiza.

Foi grande a frustração. O minis-tro da Defesa, a precisar de dar bri-lho à imagem, baça pela moderna,enxotou o ministro do Ambiente,

foto: isto_é

A retórica e as práticas “manageria-listas” têm gradualmente ocupadoum espaço cada vez mais importan-te em todas as esferas da decisãosocial, cultural, política e económi-ca. A administração pública, particu-larmente no âmbito dos sistemas desaúde e de ensino superior, não es-capa a esta colonização. Frequente-mente, os discursos (políticos e ins-titucionais) sobre o governo e gestãodas instituições homogeneízam-se,e organizam-se quase sempre emtorno das mesmas metáforas: quali-dade, excelência, competição, res-ponsabilização e necessidades e es-colha individual (pelo “cliente”, “con-sumidor” e “utente”, etc.). O desejo,de alguns, da intervenção da “mãoinvisível” ou do “estado sombra” étão evidente, que, à força de quere-rem demonstrar que a águia temquatro patas e é igual a um elefante,transferem aquelas “receitas mági-cas” para qualquer realidade institu-cional e/ou organizacional: uma em-presa é igual a uma escola, a umauniversidade ou a um hospital, e aadministração e gestão destas insti-tuições é uma questão de... qualida-de, excelência, competição…Estamos, de facto, confrontadoscom uma retórica cuja lógica é uni-

Actos de resistênciaComo evitar que o "darwinismo" académico se instale nas universidades?

versal e “totalitária”. Esta retóricatambém vai tentando colonizar o tra-balho académico. Os professorescorrem o risco de, no futuro, já não severem definidos pelo seu trabalhoprofissional, mas pela sua actividadeprodutiva e como receptáculos desimples competências pessoais, de-finidas como uma forma de “capitalintelectual”: competências de ensinopara satisfazer as necessidades dos“consumidores” ou “clientes” (estu-dantes), competências de investiga-ção para, em alguns casos, produzirtecnociência, I & D ou ciência estra-tégica, e servir, através da ligação es-treita às empresas, o mito da “eco-nomia do conhecimento” e da “so-ciedade de informação” (veja-se aquestão das patentes e a privatiza-ção do conhecimento científico), ecompetências de prestação de servi-ços ao exterior, visando captar fun-dos para as instituições e os pró-prios. Assim é possível que os pro-

fessores possam vir a deixar de sersocialmente representados comoacadémicos para passar a sê-lo co-mo um “site” de competências. Esta situação, embora ainda, emPortugal, numa fase muito embrio-nária, pode produzir impactos reaisno trabalho e nas subjectividadesdos professores do ensino superior.Aliás, já é possível constatar um cer-to aumento da pressão, externa e in-terna, sobre os diferentes papéisprofissionais que desempenham.Esta pressão, que significa a vonta-de de aumentar o controlo sobre assuas actividades e, assim, diminuir oseu espaço de autonomia profissio-nal, apoia-se mais uma vez numa re-presentação fantasmagórica das “re-ceitas mágicas” da qualidade, exce-lência, competição... e dos seusapêndices de incentivos, que ten-dem para a individualização da rela-ção profissional dos professorescom as instituições. A ânsia secreta

de estender o domínio da “mão invi-sível” ao trabalho académico é, tal-vez, e mais uma vez em alguns, bas-tante forte: os professores devemalinhar com o mercado e produzir evender serviços de ensino, de inves-tigação e de consultoria. Falar decompromissos desinteressados co-mo a emancipação das sociedadese de determinados grupos sociais,bem como dos papéis que os pro-fessores podem desempenhar nademocratização do ensino superior,na promoção da igualdade de opor-tunidades, ou simplesmente, na livrecirculação do conhecimento científi-co, soa hoje, para alguns políticos eresponsáveis institucionais (e mes-mo alguns académicos), a um dis-curso bastante estranho, vindo dasprofundezas da modernidade. Se aesta estranheza se acrescentar a po-pularidade de noções tais como aadaptabilidade e a flexibilidade, e seesquecer a questão da profissionali-dade, então, provavelmente, o mun-do académico poderá ver emergir,no seu seio, um mundo “darwiniano”de insegurança e de violência sim-bólica, apoiado na docilidade do tra-balho académico. De qualquer for-ma, como diria Bourdieu, são sem-pre possíveis actos de resistência ...

E AGORA professor?Rui A. Santiago Universidade de Aveiro

Os professores correm o risco de, no futuro, já não se verem

definidos pelo seu trabalho profissional, mas pela sua actividade

produtiva e como receptáculos de simples competências pessoais,

definidas como uma forma de “capital intelectual”(…)

Frequentemente, os discursos — políticos e institucionais — sobre o governo e gestão das instituições homogeneízam-se,

e organizam-se quase sempre em torno das mesmas metáforas: qualidade, excelência, competição, responsabilização e ne-

cessidades e escolha individual (pelo «cliente», «consumidor» e «utente» …)

tar das avesinhas e de outros animai-zinhos, vítimas da catástrofe. Umadesilusão para terem umas poucasde aves para tratar, e assim aparecerna televisão, foi preciso ir buscarpássaros sinistrados à Galiza.

Repito. Andamos sem sorte. Nãonos acontece nada de desafiante.Não acontece nada que permita aosnossos governantes mostrar o seubrilhantismo. Mas o nosso ministroda Defesa não podia perder estaoportunidade, de dar algum brilho àsua imagem. Por isso decidiu «se amancha não vem cá, vamos nós lá».

Depois de manobras e segredos,alugou-se e aprontou-se um navio,capaz de recolher a mancha. O mi-nistro da Defesa — insisto, não de-via ser o do ambiente? — determi-nou que o barco largasse de madru-gada. O show mediático teria assimmais efeito. Firme. Empertigado.Olhar em alvo. Perfilado à frente dosseus homens de mão, às cinco etrinta da madrugada, o ministro or-

18a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Pelo quarto ano consecutivo, o nú-mero de raparigas a entrar no siste-ma de ensino superior do Irão ultra-passa largamente o dos rapazes.Dos 195 mil estudantes admitidos noensino superior 122 mil eram mulhe-res, o que representa 62,5% doscandidatos, sendo que dos 1,45 mi-lhões que realizaram os exames deingresso 59,7 eram do sexo feminino.

"O crescente afluxo de mulheresno sistema de ensino nos últimosanos restabeleceu a paridade entreos 1,7 milhões de estudantes irania-nos, que, a este ritmo, fará com queas estudantes sejam mais numero-

sas num futuro próximo", afirma Ela-heh Koulae, deputada do parlamen-to iraniano. E se, tradicionalmente,as raparigas ultrapassam o númerode rapazes nas áreas não científi-cas, aproximam-se agora da igual-dade também nesta matéria.

Esta tendência está a preocupara classe política e religiosa ultra-conservadora, para quem as mulhe-res encorajam a "corrupção", comoescreveu recentemente o jornal YaLessarat, órgão oficial do AnsarHezbollah, grupo islâmico puro eduro. Este jornal pediu a instauraçãode quotas para evitar a criação de

um "perigoso desiquilíbrio", nomea-damente para a área da medicina,de forma a que o país não se veja abraços com um número excessivode médicas (no Irão existe a separa-ção completa de sexos nos hospi-tais). Este pedido foi rejeitado peloparlamento iraniano.

"As raparigas dedicam-se aosestudos porque não têm outrosmeios de expressão", afirma por seulado a deputada Jamilah Kadivar.Esta tendência faz com que as mu-lheres tenham maior consciênciados seus direitos e aumente o seupoder de reivindicação, nomeada-

mente no que se refere ao trabalho,o que a breve trecho poderá consti-tuir uma enorme pressão sobre opoder político. "Em dois ou trêsanos o país terá de fazer face a umavaga de mulheres diplomadas queocupará cargos de direcção nos es-calões intermédios, e isso poderátrazer alterações de fundo na socie-dade iraniana", explica Kadivar. Ac-tualmente, as mulheres não consti-tuem mais do que 12% da popula-ção activa do país.

Fonte: AFP

Irão: a lenta conquista do poder pelas mulheres

Meninos encarnados não aparecemnos dados estatísticos que informamquantitativamente sobre fracassoescolar mas desinformam sobre seumodo de ser e estar no mundo, sualógica e sua ética. São meninos quecausam problemas de que as pro-fessoras se ressentem, sobretudovárias brigas num só dia de aula.Tentando uma aproximação sensíveldesses meninos, percebemos que,entre eles, as brigas possuem váriasconotações, desde o brincar de bri-gar, à extensão de conflitos da co-munidade à escola, além de uma tra-dução em negativo do capitalismoselvagem. Quem já entra na vidaperdendo, não quer perder mais na-da: desde a chance de escolher pri-meiro o lugar, o hidrocor, a caneta,até a de obter atenção da professo-ra, nem que para isso tenha que bri-gar e receber reprimenda.

Sabemos que as brigas estãopresentes também entre criançasburguesas mas não tão frequente-mente a ponto de tumultuar a aula,incluídas que estavam na sociedadedisciplinar antes de chegarem à es-cola. Os meninos de classes popula-res sabem difusamente o quanto égrande o fosso que os separam dosincluídos. Não podem esperar; ama-nhã é um tempo muito longínquo pa-ra quem tem urgências não atendi-das hoje. Querem aqui e agora algu-ma vantagem, por mínima que seja,algo que possam contar e faça dife-rença em meio ao deserto da indife-rença a que se vêem relegados. Des-taco um diálogo travado com Rafael:

Os meninos que não querem perder mais nada

AFINAL onde está a escola?

Edwiges ZaccurUniversidade Federal

Fluminense(UFF), Brasil

— Você me leva, só eu, para an-dar no seu carro?

— E por que eu levaria só você? — Então leva eu e o meu amigo?— E os outros? Como é que eu

posso levar vocês dois e não levartodos os outros?

— Não fala para eles, ora. A gen-te diz que vai buscar água ...

— Mas você acha que é justo agente enganar?

Sua resposta foi corporal: um darde ombros e um trejeito de aborreci-mento. No seu corpo expressavam-

escrita? Não valeria a pena lutar pa-ra se apropriar da escrita? Essachance, no entanto, parecia perdi-da, de antemão, para ele. Uma lei-tura de mundo pela ótica dos domi-nantes o levava a descrer de suaspossibilidades: "Viu, viu , você nãoquis fazer para mim, agora o dela tátodo bonitão e o meu tá todo horrí-vel". A linguagem, que segundo Ya-guello, «conjuga regra e turbulên-cia», em nossa hipótese, se afigura-va para Rafael apenas como deverde obediência ao código, sobameaça de ser menos.

Nossa «ação-reflexão-ação» pros-seguiu na biblioteca do Campus, on-de vários alunos participavam decontação de histórias. Cada um po-dia escolher, na estante de literaturainfantil, dois livros: uma história quelhe seria contada e outra que elemesmo leria. Observei que Rafael, vi-sivelmente feliz, escolhera apenasum livrinho, exclamando: «Esse euposso ler». Tratava-se de um livrosem legenda, o que lhe possibilitavaa chance de ler. Nestas condições,não se veria como perdedor. Seuamigo escolheu um livro com váriashistórias e pouca ilustração. Ouviu aque escolheu, leu duas outras e, fin-do o tempo previsto, revoltou-se aoperder a chance de ler mais.

Eis a extensão do nosso desafio:transformar a escrita, lida por Rafaelcomo código perverso que o conde-na a ser menos, em uma lingua-gem potencializadora, aberta a «sermais», como seu amigo nos pare-ceu compreender.

solta

Quem já entra na vida perdendo, não quer perder mais nada (…) nem que para isso tenha que brigar e receber reprimenda.

(…) as brigas estão presentes também entre crianças burguesas mas não tão frequentemente a ponto de tumultuar a aula,

incluídas que estavam na sociedade disciplinar antes de chegarem à escola.

Os meninos de classes populares sabem difusamente

o quanto é grande o fosso que os separam dos incluídos.

Não podem esperar; amanhã é um tempo muito longínquo

para quem tem urgências não atendidas hoje.

foto: isto_é

se alguns sentidos que colocavamem questão a nossa lógica. O que éjusto para quem sofre na carne a in-justiça social, precocemente inter-nalizada? Como não desenvolver,em resposta, astúcias para tirarvantagem do sentimento de culpada burguesia? Tentando ampliar acompreensão do seu modo de com-preender, resgato uma de suas bri-gas. O motivo era dos mais comuns:tomar da colega o livrinho conquis-tado no jogo. Intervi, tentando me-diar o conflito:

— Você podia escolher jogar enão quis.Você preferiu o teatro.

— É, mas a tia não me deu amáscara.

— As máscaras são usadas só noteatro, para que você e outros meninospossam brincar, não é? Se ela der asmáscaras, como fazer teatro depois?

— Mas você deu o livro para ela.— Eu não dei não. Ela ganhou o

livro no jogo. Para nossa surpresa, entregou o

livro à colega sem se enfurecer, co-mo frequentemente acontecia. O jo-go, em que se pode ganhar ou per-der, fizera a diferença entre brigar eacatar? Outra questão: se Rafaelera capaz de brigar pelo livro, porque parecia não demonstrar interes-se no aprendizado da leitura e da

19a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Cientistas do Comité de Energia Ató-mica (CEA) de Grenoble criaram ra-tos com características esquizóidesque estão a ser submetidos a testesem dois laboratórios internacionaisna esperança de se encontrar medi-camentos para combater a esquizo-frenia, uma doença que atinge cercade 2% da população mundial.

A história desta criação começaem 1996, quando uma cientista, An-nie Andrieux, questionou o que acon-teceria se o organismo de um rato sevisse privado da proteína STOP (Sta-ble only polypeptide). "Achávamosque morreriam, mas sobreviveram emostraram um comportamento es-

tranho: hiperactividade, ansiedade,retraimento social, carência total decomportamento maternal", explicou.

Os recentes trabalhos confirmaramesta "disfunção". Quando um machonormal passa um mês sozinho na suagaiola e outro macho criado em grupoé introduzido, o primeiro residente ata-ca o recém-chegado. Se o macho ca-rece de proteína STOP, deixa sossega-do o novo rato e inclusivamente aceitaser dominado, explicou Andrieux.

Os comportamentos estranhosdos ratos podem ser classificadoscomo depressão, mas os antide-pressivos não causam qualquer efei-to, ao contrário dos neurolépticos

(utilizados para tratar a esquizofreniano homem). "Um tratamento longomelhora claramente o comporta-mento do rato, e a fêmea consegueocupar-se de algumas crias que so-brevivem", acrescentou Andrieux.

Para o dr. Bernard Renaud, pro-fessor de farmacologia e director deuma unidade do Instituto de Saúde ePesquisa Médica (INSERM), o ratoesquizóide apresenta a vantagem deconstituir um modelo de estudo es-tável. "A indústria farmacêutica pre-cisava de um modelo animal para asdoenças psicológicas", explicou.

As gigantes farmacêuticas Mercke Roche passaram um mês a testar

os ratos de Grenoble. A Merck usouseis casais de ratos durante novemeses e a Roche observou outrosdez casais através de um contratoque implica o pagamento de direitosse os ratos permitirem a fabricaçãode um medicamento.

"Desenvolver um novo remédiocusta 600 milhões de euros e não éprovável que isso aconteça num pe-ríodo inferior a dez anos", afirmouAndrieux. Em França, por exemplo,a esquizofrenia tem um custo socialde 30 mil milhões de euros anuais,segundo Andrieux.

Fonte: AFP

Cientistas a caminho de desenvolver tratamento para a esquizofrenia

Essa mulher que mora na rua, bemna rua por onde passam diariamenteas muitas crianças alunas da escolamunicipal, tem características notá-veis. Está sempre muito arrumada.Cuida para que suas roupas mante-nham combinação especial de corese formas. Muito magra, sua figura,semelhante a certas esculturas afri-canas, se adequa com exquiza (1)elegância às suas roupas. Na cabe-ça, tem sempre panos enrolados,exóticos turbantes encimam uma ex-pressão serena e distante. Parece-me, como a maioria das pessoas,mergulhada no seu mundo pessoal,a diferença de sua expressão ter umacerta dose de "estetismo", resultadodo distanciamento do olhar, da com-posição de sua indumentária e tam-bém da organização de seus perten-ces que conserva ora numa calçada,ora em outra, mas, sempre organiza-dos em pilhas simétricas.Observando alguns estudantes quepassavam por ela, ouvi deles pilhé-rias e considerações desqualificado-ras a respeito de sua visualidade.Pensei nas tendências da visualida-de da moda, no estetismo contem-porâneo que outorga as mais inusita-das manifestações plástico-visuais,e nela, elemento então figural, des-cubro qualidades e potencialidadesestéticas, nessa imagem que nãosensibiliza, no sentido que o faz amim, as crianças da escola.A elegância ímpar, a criação e articu-

A mulher figural

lação estética de um universo físicoaparentemente mínimo talvez nadaensine de imediato a muitos dos quepassam. A mim, preocupado apre-ciador das imagens que o cotidianooferece, como possivelmente a ou-tros, oferece mais que indícios dapermanente exigência estética queconduz o mundo artificial. Mas, emcontrapartida, a sua condição de ex-clusão ameaça ensinar fortemente anaturalização do estado de aparta-ção de um número cada vez maior depessoas. Personagens sem nome esem considerações maiores daque-les que por elas passam. São estasmulheres, idosos, negros, pobres,econômica e socialmente desprote-gidos e muitas outras categorias esuas múltiplas combinações que osprojeta a inconsistente sobrevivêncianómade. Exilados nos não lugaresdas cidades e dos discursos. A personagem sobre a qual escrevo,em seu silêncio e desamparo, suge-re saberes ilógicos, saberes que nassuas inusitadas combinações exi-gem a desconstrução das coerên-cias dos discursos estabelecidossobre a miséria e a exclusão. Emsua inconsistente localização, im-põe a percepção da movência dosterritórios outorgados, fala, sem ver-balizar, da crescente invasão dosbárbaros nómades que, a despeitodas muralhas sociais, se impõem,flutuantes nas praças e ruas dosprotagonistas do teatro social.

FORA da escolatambém se aprendeAldo Victorio FilhoGrupo de Pesquisa:

Redes de saberes em

educação e comunicação:

questão de cidadania,

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro

(UERJ), Brasil

solta

Em uma rua perpendicular a rua em que sou vizinho de uma escola municipal,

mora uma mulher. Nada de excepcional a não ser o fato de ela morar na calçada.

Ela é negra e idosa, nada excepcional na paisagem urbana do Rio de Janeiro.

Cenário cada vez mais marcado pela presença «inconveniente» dos moradores de rua,

nómades que aparecem e desaparecem a despeito de qualquer controle ou gosto.

A personagem sobre

a qual escrevo, em seu silêncio

e desamparo, sugere saberes

ilógicos, saberes que nas suas

inusitadas combinações exigem

a desconstrução das coerências

dos discursos estabelecidos

sobre a miséria e a exclusão. Máscara Suku, Zaire

Passam os meninos e meninas, mui-to próximos dos territórios negados,talvez em direcção a esses própriosterritórios, saindo ou entrando na es-cola. Lugar onde supostamente sepreparam para manter ou transfor-mar, o que, por sua vez, também sesupõe fronteiras organizáveis.

(1) Deleuse-Gattari, conforme explica Peter PálPelbart, têm o "esquizo" como o presente e au-sente simultaneamente, aquele que atua e aomesmo tempo te escapa, sempre dentro e fora, daconversa, da família, da cidade, da economia, dacultura, da linguagem. O esquizo ocupa um terri-tório mas ao mesmo tempo o desmancha, dificil-mente entra em confronto direto com aquilo querecusa, não aceita a dialética da oposição, que sa-be submetida de antemão ao campo do adversá-rio, por isso ele desliza, escorrega, recusa o jogoe subverte-lhe o sentido, corrói o próprio campoe assim resiste às injunções dominantes.

20a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Um adolescente de 14 anos que seapresentou na escola com um cortede cabelo à "moicano" foi expulsodurante três dias do estabelecimen-to de ensino. "Ele rapou a cabeça edeixou uma crista de alguns centí-metros no centro da cabeça, comoo irmão mais velho que anda na es-cola ao lado", explica a mãe do ra-

paz. Poucos dias depois foi chama-da ao gabinete do director. "Ele pas-sou-me um sermão, dizendo-meque era um comportamento inad-missível e que tinha decidido excluiro meu filho por três dias".

O responsável pela escola expli-cou no jornal local Derniéres Nou-velles d'Alsace que a medida, justifi-

cada pelo regulamento interno daescola, foi tomada para evitar que aideia se tornasse "moda". A mãe doadolescente, porém, não desarma:"O regulamento interno exige o por-te de uma indumentária apropriadae proíbe o uso de capacete no inte-rior do estabelecimento, mas nãorefere nada em relação ao cabelo",

diz, queixando-se de que o directorisolou o filho dos restantes alunosdurante todo o dia. "O meu filho é omelhor aluno da turma e nunca teveproblemas de comportamento. Nãoposso admitir que seja tratado co-mo um criminoso", disse a mulher.

Fonte: AFP

Aluno expulso por usar corte de cabelo polémico

Que há mundo e um tempo paraalém da escola todos o sabemos.Até o ministro o reconhece quandoafirmou - como o referimos no últimotexto por nós subscrito na “Página daEducação” - que os alunos do ensi-no secundário devem ter tempo pa-ra “fazer tudo aquilo que um jovemdessa idade deve fazer e não faz”.De um discurso tão justo e inegavel-mente sedutor bastou dar, então, umpequeno passo até se anunciar oalargamento da escolaridade obriga-tória para doze anos, quanto maisnão seja para calar as vozes daque-les que acusam o ministério da Edu-cação de seguir uma política de cor-tes, desinvestimento e marasmo.

Muito haveria a dizer sobre esteestilo de governação inédito em queum ministro anuncia uma medida defundo que só um muito futuro minis-tro poderá, um dia, vir a cumprir. Dei-xemos de lado, contudo, estes deta-lhes, bastante interessantes para osestrategas do marketing político, efocalizemos, mais uma vez, a nossaatenção na problemática do alarga-mento da escolaridade obrigatória.Encontramo-nos, importa reconhe-cê-lo, perante um dilema dramático,o da necessidade estratégica dequalificar os nossos jovens atravésdo investimento na sua educação eformação e o da impossibilidade deo fazer através da universalização doensino secundário, caso este nãoseja objecto de uma reforma educa-tiva que o credibilize como um ciclode ensino autónomo e terminal.

Tal como já o havíamos escrito, amanter-se tudo como está, e inde-pendentemente das mudanças cos-méticas que se anunciam, muitos jo-vens serão socialmente sacrificados,quer através do abandono escolarem circunstâncias penosas, queratravés da frequência de um qualquercurso dito profissional que nunca se-rá reconhecido, hoje ou no futuro, nomercado de trabalho local ou global.

Foi no decurso desta reflexão

A escola pode esperar...Encontramo-nos perante um dilema dramático, o da necessidade estratégica de qualificar os nossos jovens através do

investimento na sua educação e formação e o da impossibilidade de o fazer através da universalização do ensino secundário,

caso este não seja objecto de uma reforma educativa que o credibilize como um ciclo de ensino autónomo e terminal.

DISCURSO directoAriana Cosme

Rui [email protected]

Faculdade de Psicologia e

das Ciências da Educação,

Universidade do Porto

solta

colar. Uma opção que recusamosporque, entre outras coisas, dissi-mula uma estratégia através da quala escola contribui de forma respeitá-vel para a exclusão social dos jovensque a frequentam. Uma opção quecontinuamos a recusar mesmo que,em nome do alargamento da univer-salização do ensino secundário, issopossa constituir um ganho, do pontode vista do emprego, para os profes-sores.

Esta é, contudo, uma discussãoque seria interessante desencadear,quanto mais não seja para se equa-cionarem outras alternativas que,dentro e fora da escola, poderemosconstruir com o propósito de pro-mover a qualificação dos jovensportugueses. Não se pode ficar re-fém de uma alternativa que faz de-pender, exclusivamente, tal qualifi-cação do alargamento da escolari-dade obrigatória. Em primeiro lugarporque, nas actuais circunstâncias,corria-se o risco sério desse alarga-mento concorrer para que muitosalunos fossem sujeitos, antes, a umprocesso de desqualificação e, emsegundo lugar, porque se deve reco-nhecer que existem outros espaçose outros actores capazes de contri-buir para que tal objectivo se con-cretize. Importa, por isso, não esco-larizar nem a vida nem as possíveisalternativas a construir.

Também neste caso, como nosrelembra o título de um livro, recém-editado pela ASA, da autoria deAgostinho Ribeiro, “A Escola podeesperar”. Importa até que saiba es-perar, seja pelas crianças às quaisesse livro se refere, os meninos e asmeninas aos quais se permite queusufruam do espaço, do tempo edas actividades que acontecem noJardim-de-Infância, seja pelos jo-vens que um dia, esperamos, pos-sam vir a aceder a um ensino se-cundário credível e significativo,quaisquer que tenham sido as suasopções académicas.

que nos lembramos do testemunhodramático de Nicolas Revol, que, hácerca de dois anos, a editora “Cam-po das Letras” publicou sob o su-gestivo título: “Maldito Profe”, o qualpode ser entendido, se quiserem,como uma espécie de profecia àqual devemos prestar atenção.

Nicolas Revol, era, na altura, umprofessor de “Artes Aplicadas” numLEP, um Liceu de Ensino Profissional,o qual constitui uma alternativa que osistema educativo francês proporcio-na, segundo Revol, a todos os “alu-nos que foram definitivamente ex-cluídos das carreiras ditas gerais” eque é quase sempre o depósito des-tinado “a manter o máximo de tempopossível na escola aqueles e aquelascom os quais não se sabe o que fa-zer”. É que passados os dezasseisde idade, constata Nicolas Revol, “o

Estado prefere ver os jovens atrás deuma carteira do que atrás das gra-des”. Revol fala naturalmente dos“deserdados”, daqueles que fre-quentam cursos como os de “Anima-laria, especialidade-laboratório”,“Manutenção dos equipamentos decomando dos sistemas industriais”,“Técnicas marítimas e conquiliocul-tura”, “Agente de saneamento ra-dioactivo”, “Condutor de aparelhos –Opção indústria farmacêutica” ou,entre outros, “Tecnologia de manu-tenção dos artigos têxteis”.

Partindo do princípio que não nosencontramos perante um manancialde erros da tradutora, somos obriga-dos a confrontarmo-nos, então, coma natureza e o sentido de uma opçãotão inequívoca no domínio das polí-ticas educativas europeias que vi-sam promover a obrigatoriedade es-

(…) a manter-se tudo como está (…) muitos jovens serão

socialmente sacrificados, quer através do abandono escolar

em circunstâncias penosas, quer através da frequência de um

qualquer curso dito profissional que nunca será reconhecido,

hoje ou no futuro, no mercado de trabalho local ou global.

foto: isto_é

21a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

solta

Cerca de setenta países arriscam-se a não cumprir os objectivos fixa-dos para 2015 pelo Forum Mundialde Educação - realizado na capitaldo Senegal, Dakar, em Abril de 2000- e alguns deles tiveram mesmouma evolução negativa, anunciourecentemente a Unesco. Ao contrá-rio destes, 83 outros estão em con-dições de atingir esse objectivo.

O Forum havia identificado seis ob-jectivos: a universalização de umaeducação gratuita de qualidadeaceitável, a eliminação das diferen-ças de igualdade de oportunidadesentre os sexos, a eliminação do nú-mero de analfabetos adultos parametade, o desenvolvimento da edu-cação das crianças e jovens, o au-mento das oportunidades de instru-

ção dos adultos e a melhoria geralda qualidade da educação.Vinte e oito países, a que correspon-de 26% da população mundial, po-derão atingir apenas os três primei-ros critérios, de carácter quantificá-vel. Dois terços desses países si-tuam-se na África sub-sahariana. AÍndia e o Paquistão - que no totalperfazem 18% da população mun-

dial, estão neste grupo. Quarenta etrês outros, correspondente a35,6% da população do globo, ar-riscam-se a não atingir nenhum doscritérios. A educação é o primeirodos quatro domínios de competên-cia da Unesco e representa 35% doseu orçamento total.

Fonte: AFP

Setenta países arriscam-se a não cumprir os objectivos da Unesco para 2015

Contraditoriamente, perante a modados discursos em torno da “forma-ção” e da “aprendizagem” ao longoda vida, cuja realização não retóricajamais será possível à margem deuma política e de um sistema públi-cos de educação de adultos, tal polí-tica vem sendo sucessivamente adia-da e o sector tem oscilado entre umasituação de quase extinção política eadministrativa e uma revalorizaçãoprogramática mais anunciada do querealizada, para de novo ser remetida aum estatuto marginal, sem objectivose sem lugar na nova orgânica do Mi-nistério da Educação (ME), sitiada eameaçada pelo paradigma triunfanteda “formação vocacional”.

Votada ao abandono e politica-mente silenciada, a educação deadultos havia já sofrido um proces-so de fragmentação e dissolução aolongo da década compreendida en-tre 1985 e 1995, face ao protagonis-mo concedido ao “ensino recorren-te” e a novas orientações vocacio-nalistas, de produção de “capitalhumano” e de mão de obra qualifi-cada, através da criação de um sis-tema paralelo de formação profis-sional. Como se as categorias de“formação” e de “aprendizagem” aolongo da vida, subitamente desco-bertas, substituíssem ou dispensas-sem o conceito e as práticas deeducação de adultos.

O ciclo seguinte (1996-2002) foimarcado por uma forte revaloriza-ção programática que retirou a edu-cação de adultos de uma situaçãocrítica, remobilizando vontades e re-cursos e, especialmente, suscitan-do grandes expectativas. O seu “re-lançamento” foi anunciado, tal co-mo a concepção de uma política e acriação de “um serviço de concep-

Sob o signo da «formação vocacional»:a educação de adultos sitiada

LUGARES da educaçãoLicínio C. LimaInstituto de Educação e

Psicologia da Universida-

de do Minho

Objecto de políticas contraditórias, só muito raramente e de forma intermitente conhecendo

algum protagonismo, a educação de adultos representa hoje o sector mais crítico e mais débil,

por referência a um sistema público de educação ao longo da vida em Portugal.

foto: isto_é

ção, planeamento e coordenação”dessa política.

Através do Decreto-Lei n.º387/99, de 28 de Setembro, o Go-verno criava a Agência Nacional deEducação e Formação de Adultos(ANEFA), “com a natureza de institu-to público” e em regime de instala-ção (do qual, lamentavelmente, nun-ca chegaria a ser resgatada). Nãoobstante as virtualidade evidencia-das, a ANEFA viu o seu campo de in-tervenção bastante reduzido e a suacapacidade de acção muito limitada,especialmente em termos de estru-turas e recursos próprios a nível lo-cal. Ao contrário dos projectos e es-tudos que antecederam a sua cria-ção, bem como das promessas de

“relançamento” e de “desenvolvi-mento” de uma política pública, aANEFA não só não foi assumida co-mo o “serviço de concepção, pla-neamento e coordenação” que foraanunciado, mas também não con-templou a maior parte das áreas an-tes reconhecidas como prioritárias.

Os riscos de subordinação a lógi-cas vocacionalistas foram insisten-temente apontados por alguns ob-servadores e, de certa forma, aca-bam de sair confirmados quando oXV Governo Constitucional extinguea ANEFA e remete as suas atribui-ções para um novo departamento,não por acaso designado “direcção-geral de formação vocacional” (De-creto-Lei n.º 208/2002, de 17 de Ou-

tubro). Segundo este diploma, o re-sultado da “integração entre educa-ção e formação”, a cargo do ME,passa a chamar-se “formação voca-cional”, visando a “qualificação dosrecursos humanos” e a resposta às“necessidades da competitividadeda economia global”.

Claramente reduzida e instru-mentalizada, a educação de adultosvoltará, plausivelmente, a eclipsar-se; em processo de transmutaçãopara “formação de adultos” (voca-cional, profissional, contínua…), difi-cilmente resistirá, no interior do ME,às lógicas dos outros domínios: “aaprendizagem, a qualificação inicial,a oferta formativa de educação eformação [sic], entre a qual a orien-tada para os jovens de 15 aos 18anos, o 10º ano profissionalizante, aespecialização tecnológica […], oensino das escolas profissionais[…]” (Art. 16º, 2).

Não é só o conceito de educaçãoque acaba por ser fortemente restrin-gido, é a população adulta que perdeespecificidade por referência à “qua-lificação inicial de jovens” e vê a ofer-ta educativa pública subordinada ao“sistema de formação vocacional”.

Como se o “atraso português”pudesse ser resolvido predominan-temente através da “formação vo-cacional”, ilusão e erro insistente-mente alimentados sem qualquerconfirmação teórica ou empírica. Oque não poderemos nunca vir a dis-pensar é o desenvolvimento de polí-ticas e acções de longo prazo comvista a alcançar uma educação hu-manista, democrática e cidadã aoalcance da totalidade dos cidadãosadultos a quem, historicamente,aquela educação foi maioritaria-mente negada.

Não obstante as virtualidade evidenciadas,

a ANEFA viu o seu campo de intervenção bastante reduzido

e a sua capacidade de acção muito limitada, especialmente

em termos de estruturas e recursos próprios a nível local.

22a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Um jardim da infância na Flórida vi-veu um pequeno drama por alturado Natal quando uma professoradisse às crianças que o famoso avôdas longas barbas brancas nãoexiste, irritando os pais e criandouma situação embaraçosa para a di-recção daquele estabelecimento. Aprofessora Fabiola Mehu-Pelissierlia um livro de natal e a conversa quese seguiu não agradou aos peque-nos, segundo explica Kirk Enge-lhard, porta-voz da junta escolar dodistrito de Coral Springs. "Nenhumanorma foi violada, mas reconhece-mos que a professora podia ter tidouma atitude mais consentânea coma idade das crianças", afirmou En-gelhard ao jornal Sun Sentinel.solta

1. A extinção do INAFOP e a inter-rupção (ou fim?) do processo deacreditação bloquearam o caminhojá percorrido no sentido da afirma-ção: de uma filosofia de fundo para aformação de professores e educado-res em Portugal, dum conjunto coe-rente de padrões de qualidade paraessa formação e das linhas estrutu-rantes de uma profissionalidade do-cente. Não esquecer que, à data dadecisão do governo, o processo deacreditação já estava no terreno de-pois de um longo percurso de prepa-ração, fundamentação e organiza-ção. Trabalho que foi desenvolvido,de modo participado, continuado esistemático, desde 1997 com a cria-ção do Grupo de Missão: Acreditaçãoda Formação de Professores e, de-pois, debatido, aprofundado e conso-lidado pelo INAFOP. É minha convic-ção que, nas condições políticas ac-tuais, é um processo irrepetível. Mas,mesmo que dele mais nada reste, cer-tamente que a ele ficarão vinculados:um quadro filosófico e conceptual di-nâmico para a formação inicial de pro-fessores; um conjunto consistente depadrões de qualidade para essa for-mação; e a identificação de um corpode competências fundamentais paraa acção educativa e para a consolida-ção de uma profissionalidade docen-te. No seu conjunto, constituíram re-ferências para debates nas institui-ções formadoras com impacte naqualidade dos currículos, na culturadessas instituições e na consolidação

E a formação inicial de professores?Em que ficamos senhor ministro?

FORMAÇÃO e desempenho

Carlos CardosoEscola Superior

de Educação Lisboa

[email protected]

de um sentido de projecto na forma-ção inicial de professores. As deci-sões políticas em relação à acredita-ção, aliadas à prevista extinção decursos, ao futuro incerto de institui-ções de formação públicas (ESEs),enfim, à falta de confiança na tutela,têm vindo a diluir o debate em tornoda qualidade da formação que o pro-cesso de acreditação tinha iniciado.Mesmo que o processo venha a serretomado, certamente noutros mol-des e com outros protagonistas, o ca-pital anteriormente acumulado nãoserá, seguramente, recuperado.

2. A formação de professores é,

ram dadas orientações mais espe-cíficas, cresce o clima de indefini-ção quanto ao seu futuro e, a curtoprazo, ao planeamento das activi-dades para o próximo ano lectivo.Apesar deste vazio, as ESEs estãoactivas. Preparam projectos e acti-vidades tendo em conta: indicado-res (vagos e contraditórios) do quepoliticamente se pretende para estedomínio de formação; áreas de in-tervenção social para as quais asESEs poderão formar profissionais;domínios de formação técnico -profissional de nível 4; a necessida-de de complementos de formação ea formação contínua, etc. Mas tudosem uma linha de rumo traçada pe-la instância política.

4. Neste clima de indefinições nodomínio da formação inicial, não sãoindicadas alternativas. Nem para aformação contínua que, enquantodomínio de formação coerente e sis-temático, não existe. A que existe temsido ocasional, dispersa, vaga e des-comprometida. E, francamente, nãoé de crer que o investimento futuro seoriente para a alteração desse estadodas coisas. A nascente dos fundoscomunitários está a secar.

Parece óbvio que o que vai acon-tecendo em relação à formaçao deprofessores, traduz uma nítida se-cundarização deste domínio de in-tervenção social e uma implícita de-sistência face aos desafios que asnovas configurações da sociedadee da escola colocam à educação.

As decisões políticas em relação à acreditação,

aliadas à prevista extinção de cursos, ao futuro incerto de instituições

de formação públicas (ESEs), enfim, à falta de confiança na tutela,

têm vindo a diluir o debate em torno da qualidade da formação

que o processo de acreditação tinha iniciado.

As crianças ficaram chocadas, euma delas começou inclusivamentea chorar ao ouvir as palavras da pro-fessora, segundo relataram algunspais. Estes queixaram-se e exigi-ram que a professora não voltasseàs aulas. Segundo Melissa Shea,uma das mães indignadas, o jardimda infância recusou-se a adoptarmedidas disciplinares. Para resolvero problema e convencer os desacre-ditados petizes, um Pai Natal decarne e osso visitou a escola, deacordo com uma decisão das auto-ridades do ensino locais.

Fonte: AFPfoto: isto_é

Uma série de episódios expressos por decisões políticas de frágil sustentação e por vagas declarações

de membros do governo, têm conduzido, em poucos meses, a formação inicial de professores em Portugal

a um estado de indefinição e, mais do que isso, perda de referências de qualidade. Senão vejamos.

ainda, fragilizada por outras vias.Uma delas é, por exemplo, a ênfasepolítica colocada no facto, emborareal, de haver excesso de cursos deformação inicial de professores.Outra, são as declarações do minis-tro da Ciência e Ensino Superior(entrevista ao Diário de Notícias),acerca da formação de professores.Com elas, deixou ficar a ideia deque é uma formação académica(questão essencial que merece serdiscutida) e que deverá (por isso?),ser exclusiva do subsistema univer-sitário. Mais não disse, deixandoum estado de dúvida que fere aqualidade da formação de profes-sores e a estabilidade das institui-ções. Como é usual dizer-se, asdeclarações valem o que valem...mas há declarações que valemmais do que outras. Convém consi-derar que um político não gera es-tas dúvidas inocentemente! Ou es-tarei enganado senhor ministro?

3. As consequências imediatassão óbvias. E são-no particular-mente para as escolas superioresde educação (ESEs), enquanto uni-dades do ensino superior politécni-co. Como, até ao momento, não fo-

Professora provoca drama ao dizer que o Pai Natal não existe

foto: isto_é

23a páginada educaçãojaneiro 2003

verso e reverso

Ler, às vezes, dá desejo de escrever. Sim, desejo;

não é apenas vontade! E, como desejo que se pre-

ze, partilhado tem que ser.

Do que (re)li, já cuidarei de dar notícia. Quanto à

partilha, que melhor forma há de, sem paixão, que

para isso mais convém haver presença física, ser

cúmplice com amor do que escrever uma carta?

Nem que seja para mais tarde a olhar... ou rasgar.

Escreve Nemésio em “Mau tempo no canal”: [...]

naquele viver estúpido e presumido da Horta estava

decretado que uma rapariga da sua condição não

podia ganhar a vida. Era uma vergonha receber di-

nheiro pelo suor do seu rosto! Mas não ter onde cair

morta e ficar de um dia para o outro mulher de her-

deiro cobiçado, filho único de um velho podre de ri-

co, ou destes menos felizes que têm que repartir

com os outros a bolada, acabando por lhe sair a sor-

te grande de um irmão tísico ou tolo, de uma irmã

dócil que se entrega pouco a pouco nas mãos de um

confessor e acaba mirrada num convento... – isso,

na moral da Horta, era extremamente chique!, isso

não era uma vergonha!...”

Então, como mandam os cânones, aí vai epístola.

Meu querido 2003

Como te sentes nesta curta experiência de vida?

O útero da tua mãe não deve ter sido paraíso para

o teu corpo nem para a tua alma. Pensando bem, tam-

bém ela, 2002, não foi gerada em universo de dignida-

de human(izad)a e não nasceu em berço tecido de li-

nhas iguais em riqueza, em trabalho, em solidariedade,

em poderes, enfim, gerada por tear ora bordado a ou-

ro, ora preso por teias de laboriosas aranhas ignora-

das, ora sustentado por destroços de mundo retorcido

e humilhado à conta de explosões /implosões com

cheiro a pólvora e outros materiais mais sofisticados

mas não menos arrasadores.

Pede que te contem uma história muito bonita

que aconteceu em Portugal num membro da tua ár-

vore genealógica, o 1974. Aprende, quer dizer, co-

nhece, também verdades de Timor, de um outro

país muito grande em tamanho que mora entre o

Atlântico e o Pacífico e que dizem ser sobrinho de

um Sam qualquer... dos meninos e das meninas de

África, da Ásia e das outras áfricas, ásias, américas

e europas escondidas.

Pára um bocadinho e ajuda-me a contar as ve-

zes que empreguei nomes que seriam precedidos

de “a”. Vamos tentar ainda fazer o exercício de pro-

curar, se existir, uma conjunção de valores ou ca-

racterísticas associados a cada uma das categorias

dos artigos definidos. Vamos contar de conto e não

de contas.

Comecei por chamar-te meu querido. É a necessi-

dade e o merecimento que uma mulher te reconhece

de seres querido. Aludo ao ventre da tua mãe; foi ela

que, embora com influências externas, te acolheu, te

educou, te secou a sede e te deu canções de ninar.

Para países, fugiu-me o tom para “ o“ e “os“ Estados.

Ainda são eles quem mais decide sem se apercebe-

rem que elas, as pessoas, são quem manda.

Os oceanos e as áfricas, as ásias, etc. Eles unem

e separam; elas sofrem e afirmam-se. Mas, confun-

dem-se e misturam-se em noites de sangue e lágri-

mas e em volúpia de paixão ardente.

Não há mais lugar para as raparigas de certa con-

dição, para a vergonha de receber pelo seu trabalho,

para o chique da docilidade, para a cobiça de herdeiro

rico. O tempo é, imperativamente, de partilha, de amor,

de busca de dignidade feliz. Senão, pobre mundo que

imundo passa a ser.

Entendes, 2003, por que ligo o escrito do autor aço-

riano à nossa carta?

Ridículo? Uma conversa, se merecer a designa-

ção, nunca é ridícula!

Mas foi uma carta de amor e, a acreditar no Poeta, fe-

lizmente é ridícula!

Aceita o calor de uma mulher em jeito de abraço

de esperança.

CARTA de mulheresIracema Santos ClaraProfessora

foto: isto_é

Uma carta para 2003

24a páginada educaçãojaneiro 2003

reportagem

Os portugueses andam preocupa-dos com a crise e com o futuro dopaís. E, principalmente, com o seupróprio futuro. Conceitos como "re-tracção da economia" ou "deficit dadespesa pública" não dizem nada àlarga maioria, mas certo é que aspessoas sentem o seu poder decompra baixar e um crescente pes-simismo quanto à possibilidade demelhoria das condições de vida.Apesar de existirem excepções, amaioria das opiniões recolhidas re-vela que o grau de confiança é bai-xo. Como vai ser 2003?

"O ano passado (2002) foi difícilpara o negócio e receio que nospróximos tempos iremos pelo mes-mo caminho", diz Rosa Teixeira, 36anos, empregada de comércio nu-ma loja da baixa portuense, que nãose lembra de assistir a um ano "tãofraco". Em troca de nove horas detrabalho diário recebe pouco maisdo que o salário mínimo, que, ga-rante, mal lhe chega para cobrir asdespesas básicas. "Só no aluguerda casa e nas despesas fixas domês o dinheiro some-se. O que valeé sermos dois a ganhar, porque de

contrário seria impossível viver", diz.Mesmo ao lado, Conceição Ferreira,28 anos - colega de trabalho -, quei-xa-se também da precária condi-ção de vida e assume um discursoresignado: "Hoje em dia é precisoagarrar qualquer oportunidade, mes-mo que o salário seja baixo. Infeliz-mente é assim..."

No principal centro de empregodo Porto - localizado na baixa da ci-dade - existe alguma azáfama no fi-nal da manhã. Não será para menos,a avaliar pelos números do Institutode Emprego e Formação Profissio-nal. De acordo com este organismo,o número de desempregados regis-tado até ao final de Outubro de 2002ascendia a mais de 365 mil, mais 15mil do que no mês anterior (o quecorresponde a cerca de 500 novosdesempregados por dia) e mais 42mil relativamente a igual mês de2001. Estes números fazem comque a taxa de desemprego se eleveem 2003 a 6,7%, longe dos 5,5%previstos pelo governo e pela pró-pria Comissão Europeia.

Um das pessoas que ali aguardapelo atendimento é Mário Sousa,

34 anos, desempregado desde hátrês meses. Trabalhava como mo-torista numa empresa de transpor-tes. As dificuldades financeirasagudizaram-se no último ano e fi-zeram com que vinte pessoas per-dessem o posto de trabalho. Ape-sar disso, Sousa não se mostramuito preocupado. "Na minha áreahá muita oferta de emprego; empior situação estão os colegas quetrabalham em sectores menos pro-curados do que o meu".

Quem também aguarda ali pelachamada é Alberto Martins, 33anos, trabalhador especializado nofabrico de moldes industriais. Ape-sar de, aparentemente, também elenão se mostrar preocupado com asituação temporária de desemprego- "falta sempre gente nesta área",diz com alguma confiança -, senteque o país está a "caminhar parapior" e atribui a responsabilidade aquem, na sua opinião, tem a "obri-gação de fazer andá-lo para a fren-te": os políticos. "Não é possível ter-mos andado a receber tanto dinhei-ro da Europa e estarmos agora nes-ta situação. Algo não bate certo."

Portugueses pouco qualificados

Os trabalhadores mais habilitadossão aqueles que maiores dificulda-des encontram na procura de umemprego e de um salário compatívelcom a sua formação. Em Portugal,há actualmente mais de 23 mil licen-ciados inscritos nos centros de em-prego. À falta de melhor, muitosacabam por recorrer a trabalhostemporários e a actividades quepouco ou nada têm a ver com assuas competências.

É o caso de Ana Meireles, 27anos, também ela utente daquelecentro de emprego. Apesar de pos-suir formação na área da gestãoempresarial, estreou-se no mercadode trabalho como telefonista-recep-cionista numa empresa de seguros.Trabalhou ali ao longo de dois anose até admite ter gostado da expe-riência, mas achou que estava na al-tura de "dar o salto". Nessa manhã,aguardava a marcação de uma en-trevista para uma vaga de gestorade serviços numa empresa retalhis-ta dos arredores do Porto. A espe-

2003 Ano Novo

foto: isto_é

O futuro da nossa preocupação

25a páginada educaçãojaneiro 2003

reportagem

rança estava estampada no rosto:"Pode ser que finalmente tenhaoportunidade de desempenhar aminha profissão...". Oxalá.

Conseguir uma colocação numaempresa privada através do centrode emprego, porém, é ainda uma si-tuação excepcional. De acordo comdados do Departamento de Estatís-tica do Trabalho, Emprego e Forma-ção Profissional os empresáriosportugueses continuam a empregarpoucos licenciados, existindo ape-nas 6,9% de diplomados entre ostrabalhadores por conta de outrémno sector privado.

Ainda de acordo com números di-vulgados por aquele organismo, ocrescimento das habilitações da po-pulação activa portuguesa foi nega-tivo entre 1995 e 2000. Esta tendên-cia verificou-se em particular no seg-mento das altas qualificações, ondese registou um decréscimo de 4,2%.Nos estratos das médias e baixasqualificações verificou-se um com-portamento semelhante, com dimi-nuições dos níveis qualificacionaisde -0,9% e -1,6%, respectivamente.

Mais preocupante é o facto de

calcular-se que, em 2004, cerca de68% da força de trabalho portugue-sa possuirá baixas qualificações,valor que continuará a colocar opaís como o "campeão" da UE como maior défice de competênciaseducacionais. A distância face àGrécia e à Espanha é significativa:naquele mesmo ano, as duas na-ções empregarão respectivamente40% e 43% de trabalhadores comfracas qualificações.

A "ameaça" que vem do frio

Mas provavelmente nem será face àGrécia e à Espanha que o país teráde enfrentar o maior desafio. O bai-xo grau de qualificação de nível se-cundário da população activa portu-guesa irá pôr em risco muitos maispostos de trabalho no território na-cional depois de 2004, ano da ade-são do primeiro grupo dos países doleste à União Europeia. Actualmen-te, apenas 21% da população acti-va possui uma educação superior anove anos, ao contrário de uma mé-dia de 80% da força laboral daque-les países. Questionadas sobre as

foto: isto_é

foto: isto_é

pessimismo velho

26a páginada educaçãojaneiro 2003

reportagem

possíveis consequências do alarga-mento a leste para o futuro de Portu-gal, boa parte das pessoas entrevis-tadas pela PÁGINA desconhece ofacto ou não sabe responder. Quemacompanha mais de perto o tema,porém, tem uma visão pessimista.

É o caso de Hélder Pereira, 27anos, designer publicitário, que refe-re já ter lido e ouvido sobre o assun-to e considera que o alargamentoconduzirá inevitavelmente a um "au-mento do desemprego" e à "diminui-ção das exportações". De qualquermodo, salvaguarda, "não é fechan-do a porta a outros países que va-mos resolver os nossos problemas".

Há também quem defenda que sedeva "baixar os salários" como formade fazer face às dificuldades econó-micas. Assumindo um discurso quefaria corar o primeiro-ministro DurãoBarroso, Leonel Silva, 44 anos, agen-te imobiliário, defende que essa é "aúnica solução para competir" comaqueles países. De outra forma, ex-plica "não teremos quem queira in-vestir em Portugal". Além disso, de-fende que o governo deveria ter idomais longe na legislação do código

de trabalho. Tudo, diz, porque "é pre-ciso fazer sacrifícios para mais tardecolher os frutos".

Outros ainda encaram a adesãodos novos membros como um "estí-mulo" para os portugueses. "É umdesafio que nos encorajará a sermosmais competitivos e a procurar me-lhorar em relação aos outros", afirmaJoel Martins, 22 anos, estudante do2º ano do curso de economia e ges-tão. Mas esse esforço não resultará,garante, se não se investir de forma"sistemática" e "coerente" na edu-cação. "Está provado", diz que "o in-vestimento na educação traz sempreum retorno a médio e longo prazo".

De acordo com um relatório daComissão Europeia sobre educaçãoe formação ao longo da vida, Portu-gal investe mais do que a média dos35 países europeus mas os resulta-dos que obtém são inferiores. O re-latório mostra, por exemplo, que ototal das despesas públicas com aeducação em percentagem do PIB(Produto Interno Bruto) aumentouem Portugal de 5,37 por cento em1995 para 5,73 em 1999, enquantoque a média dos 35 países analisa-

dos baixou no mesmo período de5,44 para 5,23.

Apostar na educação

"Sem resolver o problema do aban-dono escolar no ensino básico não sepode pensar em qualificar uma popu-lação com níveis mínimos de exigên-cia". Quem o afirma é Luísa Macha-do, professora do ensino secundárioem Lisboa, que na altura em que aentrevistamos se encontrava de visitaao Norte. "Como se pode estar já apensar em alargar a escolaridade mí-nima obrigatória ao 12º ano sem seresolver previamente este problemagrave do sistema educativo?", ques-tiona-se. Na sua opinião, este deveriaser o principal "cavalo de batalha" dequalquer governo no futuro próximo.De contrário, garante, "perderemoscada vez mais terreno" face aos nos-sos parceiros europeus.

Os números parecem dar razão aesta professora. Segundo dados di-vulgados pela Comissão Europeia,Portugal tem a maior taxa de aban-dono escolar precoce da União, aci-ma do dobro da média comunitária.

O relatório conjunto sobre o empre-go na UE refere que a taxa de aban-dono escolar precoce em Portugalfoi de longe a mais elevada em 2001,com 45,2%, ao passo que a médiacomunitária se quedou pelos 19,4%.

Em números reais, são mais de 30mil alunos que anualmente abando-nam os estudos sem completar a es-colaridade obrigatória, número, aliás,reconhecido pelo próprio Ministério daEducação. Nesse sentido, a ComissãoEuropeia já alertou Portugal que osmaiores desafios que o país terá deenfrentar na área do emprego são a lu-ta contra o abandono escolar e o in-vestimento na formação contínua.

Na sessão comemorativa dos 15anos da criação do Conselho Nacio-nal de Educação, realizada em mea-dos do ano passado, o ex-ministroda Educação Marçal Grilo fez umaafirmação que reflecte bem a gran-deza do desafio que temos pela fren-te: "Quando no país cerca de 60% dapopulação não tem mais de seisanos de escolaridade e 70% diz es-tar satisfeita com a formação quepossui, está-se perante um problemade fundo na sociedade portuguesa". Ricardo Jorge Costa

um ano denovos apertos

foto: isto_é

2003

27a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

Já não se compra giz na escola básica Augusto

Gil, no Porto. Os quadros pretos deram lugar

aos brancos e os professores utilizam canetas

de cor recarregáveis. Os horários foram feitos

de modo a que os 600 alunos tenham aulas

todas as manhãs e duas tardes por semana. Às

quartas é dia de desporto escolar, as tardes de

segunda e sexta estão livres. Na escola não há

sinais de desleixo. Olinda Varejão, presidente

do Conselho Executivo acredita que uma es-

cola bem cuidada será sempre estimada pelos

alunos e imune a vandalismos. À PÁGINA DA

EDUCAÇÃO falou da relação entre pais, pa-

trões e escola, do alargamento da escolarida-

de obrigatória ao 12º ano e de gestão escolar.

Disse-me que por vezes a escola tem

dificuldades em contactar os pais du-

rante o horário de trabalho…

Não é o primeiro caso em que eu tenho

de ligar para o emprego dos pais e quem

me atende recusa-se a chamar o funcio-

nário. Nessa altura eu identifico-me e pe-

ço para que no fim do horário de traba-

lho peçam ao funcionário para entrar em

contacto com a escola. Mas há pais que

mesmo durante as horas do trabalho não

têm possibilidade para vir à escola por-

que os patrões não deixam. Nesses ca-

sos, que são muito graves, os directores

de turma disponibilizam-se a vir ao fim

da tarde atender os pais.

Dificuldades públicas

Nasceu em Vila Real. Aos 64 anos, Gil Montei-

ro recorda com saudade as viagens de comboio

até ao Porto onde estudou Geologia na Uni-

versidade do Porto. "Chegava à Estação de São

Bento e ia ao café tomar um galão com canela."

Durante 32 anos foi professor de Biologia e

Geologia na escola Alexandre Herculano. Ac-

tualmente é director pedagógico do Colégio

Vieira de Castro. "Sem papas na língua", Gil

Monteiro fala das diferenças entre o ensino

público e particular,do alargamento do ensino

obrigatório ao 12º ano e de desemprego.

Tendo em conta a sua experiência de

trabalho tanto no ensino público como

no particular pode fazer uma aprecia-

ção sobre o que os distingue?

As condições económicas dos pais. Em

geral, os mais desprotegidos do ponto

de vista económico procuram o oficial e

os que têm mais possibilidades o parti-

cular. Isso leva a que no particular haja

mais sucesso, porque o aluno tem con-

dições para adquirir material, livros, etc.

No colégio, se eu precisar que um miúdo

tenha um determinado livro telefono ao

pai que me diz logo "ponha-lhe o livro".

No ensino público deveria ser o Esta-

do a dispender de tudo isso e não o faz

a seu tempo devido. Acresce que devi-

Virtudes privadas

PROTAGONISTASAndreia Lobo

do à estrutura do Ministério da Educa-

ção (aos custos com funcionários, pro-

fessores, instalações, etc) é provável

que um aluno da escola Alexandre Her-

culano custe ao Estado 150 contos por

mês. Ao passo que no colégio paga 40

ou 50 contos.

E a solução para essa situação seria

a crescente privatização do ensino

público…

Não é por aí… É preciso racionalizar mé-

todos, processos e estabelecimentos de

ensino. Escolas como o Alexandre Her-

culano estão obsoletas porque foram fei-

tas para 3 mil alunos e agora tem 500 e

podiam ser racionalizadas. Por exemplo,

no edifício do Alexandre Herculano fazia-

se um complexo para outra coisa e

construiam-se várias escolas mais pe-

quenas. Os estabelecimentos de ensino

cresceram em número, mas agora têm

de diminuir. O dinheiro que o Estado gas-

ta na educação é de todos nós. Não es-

tá certo que uns tenham de pagar 50

contos para andar na escola e outros pa-

guem zero. Ou pagamos todos zero ou

todos 50. O rico deve contribuir e o po-

bre se não poder contribuir alguém deve

contribuir por ele.

Quantos alunos abandonam a escola

antes do 9º ano?

A taxa de abandono é baixa, nem chega

aos 2%. O que numa escola com 600

alunos seriam 12. Existem casos de insu-

cesso escolar que tentamos orientar pa-

ra outros cursos da via profissionalizante.

O que pensa do alargamento da esco-

laridade obrigatória para o 12º ano,

será que não vai potenciar a taxa de

abandono?

A priori podemos ser levados a concluir

isso, mas pode não acontecer. No entan-

to, acho que as vias profissionais deviam

ser mais exploradas. Devia haver um en-

sino mais profissionalizante, mais prático

e orientado para a vida activa. Porque há

miúdos que sentem muita dificuldade

em seguir o percurso da via geral até ao

9º ano. É claro que uma reforma neste

sentido requer um tempo de adaptação.

Mas quanto mais escolaridade melhor.

No que toca à gestão das escolas o

primeiro-misnistro manifestou a in-

tenção de ver o voluntarismo a dar lu-

gar ao profissionalismo. O que lhe

suscita isto?

Não há duvida que a gestão da escola im-

plica muitas horas de permanência aqui e

temos de gostar muito do que estamos a

foto: isto_é

foto: isto_é

O que pensa do alargamento da esco-

laridade obrigatória para o 12º ano?

Actualmente o abandono escolar no 12º

ano é de 40 a 50%, portanto o que po-

demos esperar deste alargamento? É

uma utopia… Nos países ricos a escola-

ridade obrigatória até ao 12º ano já é ob-

soleta porque os indivíduos têm todos

cursos superiores. Mas Deus queira que

essa utopia se concretize. E que seja

obrigatório o ensino superior! As pes-

soas dizem que Portugal é um país de

doutores, mas todos os outros países

têm mais doutores do que nós. O que te-

mos é doutores de papel, os outros têm

doutores na eficiência do trabalho. O

país precisa de ter mais licenciados. Co-

mo podemos evoluir se ainda temos

10% de analfabetos?

Mas os licenciados estão no desem-

prego…

É óptimo… Porque aparece um lugar de

amanuense numa autarquia e como o li-

cenciado não tem mais que fazer vai para

lá. E como tem mais conhecimentos tem

outra produtividade… O problema é que

havia de ganhar mais. Mas o que é preciso

é ter pessoas com cabeças bem formadas

e cheias de ensinamentos depois elas de-

senrascam-se! Aqui há uns anos houve

uma grande caixa porque um jornalista

descobriu que um estudante do quarto

ano de medicina trabalhava na recolha de

lixo à noite… Daqui a uns tempos não nos

vai surpreender ver um indivíduo com cur-

so superior num campo com um tractor…

Mas ele com certeza tirará mais proveito

da maquinaria do que um analfabeto!

o testemunho de uma presidente de Conselho Executivo

o testemunho de um director de colégio

fazer. Não acredito que a intenção seja

pôr aqui (no lugar do presidente do con-

selho executivo) um gestor administrati-

vo, porque numa escola a base principal é

a parte pedagógica. É evidente que a par-

te administrativa tem um peso muito

grande e até influencia muito a pedagógi-

ca… Às vezes propõem-se algumas coi-

sas na parte pedagógica que administra-

tivamente não podem ser executadas.

Mas também acho que a escolha de

um professor para o Conselho Executi-

vo não pode ser feita por o corpo do-

cente entender que ele é boa pessoa.

Neste momento a gestão de uma esco-

la é já muito complexa e exige muitos

conhecimentos. Pelo que é muito difícil

para um professor sair de dar aulas e vir

para o gabinete. Eu mantenho-me no

Conselho Executivo há doze anos por-

que quando vim para aqui tinha estado

da Direcção-Geral do Ensino Básico e

isso deu-me alguns conhecimentos que

facilitaram a minha integração. Penso

que a escola pode ser administrada por

professores mas tem de lhes ser dada

uma formação específica. E actualmen-

te existe uma grande falha nesse as-

pecto que deve ser colmatada pelos

próprios professores.

28a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

CARTASdos leitores

Ex.mo Senhor DirectorTendo lido na PÁGINA de Dezembro um artigo sobre o

Bairro do Lagarteiro (p. 27), não resisti à tentação de

acrescentar e corrigir algumas das coisas que foram di-

tas pela D. Fernanda Gomes.

Efectivamente, o Bairro do Lagarteiro pode ser consi-

derado um bairro isolado na periferia da cidade e esque-

cido pelas autarquias no que respeita a obras de melho-

ramento habitacional e de criação de zonas de lazer e de

cultura. Na entrevista, a D. Fernanda esqueceu-se de re-

ferir algumas " coisas" boas que foram criadas pelo ante-

rior Governo e que continuam agora com o que lá está.

Com efeito, ao ler o artigo, ficamos com a ideia que, no

Lagarteiro, só existe um Jardim de Infância, o do Centro

Social. No entanto, na Escola nº 10 do Lagarteiro, a que o

artigo dá o nome de Escola Básica de Azevedo de Cam-

panhã (que não existe) foi criado há 5 anos um jardim de

infância com duas salas amplas, cheias de luz e apetre-

chado pela Câmara Municipal do Porto com o que de me-

lhor existe no mercado. Gostaria também de referir, visto

que me pareceu que a D. Fernanda desconheceria, que

esse Jardim e as crianças que nele estão, tem sido muito

acarinhado quer pelos Serviços Educativos da Câmara

quer pelo Sr. Presidente da Junta de Campanhã. Ao

apoiarem o Jardim, as crianças e as famílias estão tam-

bém a apoiar o Bairro, pelo que me parece injusta a acu-

sação que no artigo é feita às autarquias. Não sou Educa-

dora do Centro Social, mas penso ser justo referir, pelo

facto de trabalharmos em articulação, que o Centro Social

efectivamente não terá as condições ideais e que gosta-

riam de ter. No entanto essas instalações foram cedidas

pela Câmara do Porto e o trabalho que lá se faz tira da rua

uma centena de crianças que de outra forma andariam

pela rua ou estariam em casa com muito piores situações

físicas e humanas do que aquelas que têm no Centro.

A D. Fernanda esqueceu-se ainda de referir os variadís-

simos Projectos Sociais que têm decorrido no Bairro do La-

garteiro, nomeadamente o Projecto da Fundação para o

Desenvolvimento do Vale de Campanhã, com actividades

de capoeira, música, dança, sala de estudo, ludoteca, etc.

para crianças e jovens, e também projectos para ocupação

da Terceira Idade, mães solteiras e Toxicodependentes.

Com tudo isto, não estou a dizer que o Lagarteiro é um

mar de rosas. O bairro está fisicamente muito degradado,

completamente isolado da cidade pela VCI e Circunvala-

ção e padece de muitos males e de muitas promessas não

cumpridas. Sabemos que existe um plano de requalifica-

ção que todos pensávamos que seria antes do do Bairro S.

João de Deus mas isso não aconteceu. Ficamos à espera.

Se me permitem, relembro ao Sr. Presidente da Câmara

aquilo que uma vez lhe disse na nossa escola: não interes-

sa só requalificar fisicamente, é preciso investir na Educa-

ção Social. É urgente que a requalificação física seja acom-

panhada pela requalificação social. Já que estamos num

compasso de espera, porque não aproveitá-lo para colo-

car no bairro Educadores Sociais que ajudem as pessoas

as valorizar-se a si próprias e a valorizarem aquilo que têm,

tornando-se mais intervenientes no espaço que habitam e

nas infraestruturas que por ventura possam vir a ter? Só

assim os residentes do Bairro do Lagarteiro poderão sa-

borear e viver o verdadeiro pôr do sol da Foz do Douro.

Joaquina Maria Oliveira

Educadora de Infância da EB1 nº10 do Lagarteiro

1. A proposta de Reforma Curricular doEnsino Secundário altera a carga lectivados alunos. O número de horas lectivassemanais dos alunos deve: ¬ Aumentar

¬ Diminuir

¬ Ficar como está

É relativoO número de horas lectivas deve estar relacionado com

as ofertas de formação fora da sala de aula.

a Página on-line - participe em www.a-pagina-da-educacao.pt/inqueritos

cartas “on-line” 2. O número de cursos e de disciplinas àdisposição dos alunos do futuro ensinosecundário deve:¬ Aumentar

¬ Diminuir

¬ Ficar como está

É importante diversificar a ofertaÉ importante diversificar a oferta quer de disciplinas quer

de cursos. Os alunos são muito diversificados e com in-

teresses muito variados. Julgo que a diversificação de

disciplinas e de cursos pode permitir ajustar melhor o

ensino aos interesses e vocações dos alunos. É errado

querer forçar o estudante a interessar-se por uma disci-

plina que nada lhe diz. Tratar com igualdade não é ofere-

cer a todos o mesmo, mas oferecer a cada um segundo

os seus interesses e necessidades.

Sou a favor de uma ampla gama de ofertas de forma-

ção. Neste aspecto a reforma proposta é negativa.

João Pedro

Qualidade e não quantidadeNão defendo os cursos de banda estreita.

Ao terminar o secundário o aluno não deve sentir-se

circunscrito a um determinado posto de trabalho. A for-

mação para um posto de trabalho específico deve ser da

responsabilidade dos empregadores.

O aluno, ao terminar o secundário, deve estar preparado

para enfrentar várias ofertas de possíveis postos de trabalho

(ou de prosseguimento de estudos) e deve estar munido de

capacidades que lhe permitam ir fazendo outras escolhas

ao longo da vida. Isso passa por obter conhecimentos sóli-

dos de carácter científico-disciplinar, mas sobretudo por ad-

quirir uma sólida formação cultural e educativa. Passa obri-

gatoriamente por adquirir hábitos de estudo, de trabalho,

curiosidade, capacidade crítica, iniciativa, auto-estima…

Estas aquisições podem ser feitas em várias áreas do

conhecimento. Não há conhecimento obrigatório (a não

ser a língua materna). Julgo que se não deve restringir o

campo de escolha dos alunos. Sou por isso a favor da ofer-

ta de mais disciplinas e de mais cursos. Julgo, no entanto,

que os cursos não devem ser enciclopédicos. Depois de

apostar na educação e na cultura do aluno, não se lhe de-

ve exigir quantidade mas qualidade de conhecimentos.

Sara Bernardo

Uma escolha económicaSem cair na tentação da especialização precoce, julgo que

a oferta de cursos e disciplinas deve cobrir os mais varia-

dos campos do conhecimento e da cultura.

A Reforma apresentada pelo Governo, pelo menos apa-

rentemente, apresenta um número de cursos sem ser por

razões pedagógicas ou imperativo científico, mas por ra-

zões económicas. São apenas estes cursos porque mais

alguns ficaria mais caro. Não se percebe porque diminuíram

o número de cursos. E porque propõem estes e não outros?

Alberto Melo

Reconstruir o currículoJulgo que é essencial fazer um corte radical com o currí-

culo tradicional. Perante os novos saberes e o novo papel

do conhecimento nas sociedades deveria ser pensado de

novo todo o campo de estudo a fazer pelos alunos nas di-

ferentes idades. A proposta feita pelo Governo é apenas a

continuação do mesmo. Não há TIC que lhes valha.

Pedro

3 . As contribuições do Estado para aCaixa Geral de Aposentações devemser equiparadas às dos privados? ¬ Sim

¬ Não

¬ Sem opinião

O Estado não pode ser caloteiroO Estado deve contribuir para a Caixa como os privados. A

Caixa vive da contribuição das entidades empregadoras e

Se a ideia é libertar os alunos para actividades de for-

mação e de enriquecimento cultural e de vivêncial social

e cívica, estou de acordo com a redução. Se a ideia é di-

minuir as horas lectivas para dispôr de mais tempo para

«marrar» para os exames, estou contra.

Julgo que o actual ministério está sobretudo a pensar

no trabalho para os exames. É pena. A dimensão cultu-

ral e educativa é, porventura, o aspecto mais pobre do

nosso ensino secundário. Se ainda o empobrecem

mais...onde é que isto vai parar?!

Pedro Pinheiro

Ensinar é fora da sala de aulaA massificação do ensino levou a que as escolas sejam ho-

je frequentadas por todos. Quer dizer por uma total diver-

sidade de alunos, de interesses e de culturas.

A aprendizagem escolar aproxima as culturas dos

alunos, mas não as igualiza mesmo no final do processo.

Quer dizer que cada vez mais se tem de trabalhar nas es-

colas para cada aluno e cada vez menos para o aluno

médio, o aluno idealizado pelo professor ou pelo progra-

ma escolar. O espaço turma é um espaço de homoge-

neidade. É um espaço cada vez mais em desuso. O

atendimento individual é cada vez mais necessário.

O tempo de ocupação lectiva deve ser cada vez me-

nor. O tempo de trabalho individual e de grupos de inte-

resse deve aumentar.

Li a proposta do ME sobre a reforma e as razões pa-

ra a diminuição não são estas. Isto é, não diminui a car-

ga lectiva por se pensar num outro modo de trabalhar na

escola. Diminui a carga lectiva para poupar no número

de professores ao serviço.

Conclusão é positivo que a proposta vá no sentido de

diminuir o peso da carga lectiva. É negativo que a pro-

posta não abra perspectivas de trabalho individual e em

grupo dos alunos — projectos individuais e de grupo. É

negativo que nada se diga sobre as componentes dos

programas que se pensa aprender melhor for a do tempo

lectivo, for a da sala de aula.

A minha votação neste inquérito é, sim, mas…

José Paulo

Mais qualidadeDefendo a redução do número de horas lectivas dos alu-

nos. A quantidade é aqui inimiga da qualidade. A cada

hora lectiva, corresponde um tempo significativo de es-

tudo individual e de grupo.

Defendo que se incentivem os alunos a trabalharem

mais fora da sala de aula, nomeadamente ao nível da in-

vestigação.

Os alunos precisam também de tempo para viver, de

tempo para fazerem aquisições culturais e sociais.

A proposta do Governo está ainda acima do que se-

ria desejável.

Joana Reis

Melhorar qualitativamenteA qualidade deve sobrepor-se à quantidade, naturalmente.

O fundamental é os alunos poderem contar com recursos

que potenciem as estratégias curriculares e, concomitante-

mente, as suas capacidades. O factor material não deve ser

menosprezado em benefício de reformas curriculares que

no essencial, nada mudam.

Paulo Gonçalves

29a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares dos fora

inquérito/página “on-line”

Total respostas: 453

dos trabalhadores. Os trabalhadores pagam a mesma per-

centagem do seu salário quer trabalhem no público ou no

sector privado. Sendo assim, não tem sentido que as enti-

dades empregadoras não tenham as mesmas obrigações.

As pensões só poderão ser asseguradas, no futuro,

se o Estado não for caloteiro e pagar como pagam os

privados. Esta distribuição de responsabilidades poderá

inclusivamente permitir baixar, e não aumentar, as con-

tribuições de cada uma das partes.

Paula Seixas

Convergência entre o público e o privadoO Estado é uma entidade patronal como qualquer priva-

do. Os sistemas de reforma não pertencem nem aos pri-

vados nem ao Estado. Os sistemas de pensões e de

contrapartidas sociais pertencem aos trabalhadores que

para eles descontam. A parte descontada pela entidade

patronal faz parte da remuneração do trabalhador.

Os sistemas de segurança social deviam ser geridos

por representantes dos trabalhadores e não pelo Estado. O

Estado devia pagar, enquanto entidade patronal, mas não

devia meter o nariz na gestão do sistema.

João Santos

4. A pensão mínima dos pensionistas doregime geral foi actualizada em 7,58 Eu-ros por mês. O Salário Mínimo Nacionalfoi actualizado em 8,00 Euros por Mês.Estas medidas do Governo são: ¬ Justas

¬ Injustas

¬ Razoáveis

O preço do "aumento"O valor da actualização salarial dos pensionistas permi-

te comprar, rigorosamente, os seguintes produtos (de

baixa qualidade):

1 kg de Maças (1,19€); 1 kg de Pêras (1,49€); 6 Ovos

(0,89€); 1 Pasta dentífrica (2,19€); 400 gr Café (1,78€).

Total = 7,54€ Troco = 4 cêntimos.

Comprei estes produtos hoje no Pingo Doce. É claro

que a pasta dentífrica era a mais barata que estava no

A proposta de Reforma Curricular do Ensino Secundário altera a carga lectivados alunos. O número de horas lectivas semanais dos alunos deve:

Aumentar 14%

Diminuir 45%

Ficar como está 39%

Total respostas: 436

As contribuições do Estado para a Caixa Geral de Aposentações devem serequiparadas às dos privados?

Sim 54%

Não 26%

Sem opinião 18%

Total respostas: 433

O número de cursos e de disciplinas à disposição dos alunos do futuro ensino secundário deve:

Aumentar 63%

Diminuir 23%

Ficar como está 12%

Total respostas: 397

A pensão mínima dos pensionistas do regime geral foi actualizada em 7,58Euros por mês. O Salário Mínimo Nacional foi actualizado em 8,00 Eurospor Mês. Estas medidas do Governo são:

Justas 0%

Injustas 92%

Razoáveis 07%

Actualização das pensões"O Conselho de Ministros aprovou ontem uma actualiza-

ção da pensão mínima do regime geral da Segurança

Social – pensionistas com menos de 15 anos de carreira

contributiva – de quatro por cento, dando início ao pri-

meiro passo de convergência das pensões mínimas ao

salário mínimo nacional (SMN)" (Diana Ralha, PÚBLICO,

28 de Novembro, p. 16)

Sou uma das pessoas que em 1998 comprou o livro

de estilo do PÚBLICO. Nele se recomenda que os jorna-

listas distingam informação de opinião e propaganda.

Julgo que por distracção a jornalista Diana Ralha partici-

pa, na notícia de que transcrevo parte, no esforço de

propaganda do Governo. De facto a jornalista assume –

não põe na boca do ministro – a tese de que esta actua-

lização das pensões dá «início ao primeiro passo de con-

vergência das pensões mínimas ao salário mínimo na-

cional». Pura e descarada propaganda.

É certo que a jornalista não afirma que é o primeiro pas-

so. Diz que a medida dá «início» ao primeiro passo. Podía-

mos entender que se inicia a descolagem do calcanhar

tendo em vista dar um possível primeiro passo. Ainda as-

sim, e se compararmos o valor desta actualização com o

valor das actualizações dos últimos anos, este não é se-

quer o «início» do primeiro passo ou mesmo a descolagem

do calcanhar. Quando muito será um primeiro passo atrás.

Que o Governo diga que não está disponível para tratar

com respeito os pensionistas é uma coisa, que os insulte

oferecendo-lhes 7,58 euros por mês, e ainda tecendo loas

à bondade da medida, é outra coisa. Em qualquer caso é

descabida a conclusão da jornalista.

Que diriam os nossos governantes se nós — os popula-

res simplórios — fossemos irresponsavelmente mais esban-

jadores e lhes déssemos — a todos os governantes por igual

— um aumento salarial de oito euros por mês? É certo que

eles não merecem. É certo que em comparação com o que

recebe o pensionista o que eles ganham é um escândalo,

mas refiro-me de um gesto magnânimo e irresponsável. Não

seria uma boa maneira de lhes dar a oportunidade de, tam-

bém eles, colaborarem no «esforço nacional» tão necessá-

rio ao equilíbrio das nossas contas públicas?

Paulo Serralheiro

supermercado. O café era também dos da casa e des-

tes, era o mais barato. Se a pessoa comprasse um den-

tífrico de média qualidade, na mesma loja, como sabem,

gastava entre 3 e 4€.

Esta é a realidade! A actualização feita aos pensio-

nistas é revoltante. Um insulto a qualquer alma por mais

velha que seja, ou talvez mais por isso.

E se tivermos em conta a inflação ao longo de 2002?

Em que ficamos?

É vergonhoso que o governo fale em esforço de con-

vergência... etc., etc. Convergência? Só se for com a in-

digência.

As pessoas que nos (des)governam são NOJENTAS.

Sara Abranches

Falta de respeitoQuer a actualização das pensões, quer a actualiza-

ção do salário mínimo nacional, são miseráveis. Estes

valores representam uma enorme falta de respeito para

com as pessoas.

A convergência com a União Europeia não pode ser

apenas convergência no que respeita ao déficit. É fun-

damental que haja convergência ao nível do rendimento

das pessoas.

Os preços, a inflação, o déficit, as cargas horárias, a

precariedade dos vínculos de trabalho... já estão em

convergência. E os salários? E as pensões? Só conver-

gem as do pessoal dirigente?

Carlos Meira

Não houve actualizaçõesHoje o Governo aprovou o que chamou "actualização"

do salário mínimo nacional. Verdadeiramente não houve

actualização. O acréscimo sobre o salário existente foi

inferior à inflação efectiva. Isto significa que o salário mí-

nimo continuará desactualizado.

Esta ideia de não trabalhar para a convergência entre

o salário mínimo português e a média da União Europeia,

mostra como este governo se empenha em perseguir e

castigar os mais fracos. Que terão feito eles para mere-

cer tal castigo?

João Melo

CARTASdos leitores

30a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

O Jornal de Notícias publicou em 16Novembro de 2002 um anúncio de 19de Novembro de 1902. Não tinha al-go de novo em relação ao que já en-tendi; ou seja, o português usava umagrafia muito diferente da de hoje.

"(...) São já hoje conhecidos oseffeitos curativos da Badiana Phos-phatada (...) é tambem um excellen-te tonico (...) do mesmo auctor (...)cautella com as imitações. Reduc-ção no preço ás classes pobres".

Ao ler cartas de Abel Salazar pa-ra António Sérgio, posteriores a es-teanúncio, aí se falava em "onibus",por exemplo. Há muitas formas deaumentar o poder (no bom sentido)de um País. Portugal, membro da

QUOTIDIANOCarlos Mota

Universidade de

Trás-os-Montes

e Alto Douro, Vila Real.

Para a minha discípula Darlinda Moreira, doutorada ontemem Etnomatemática.

Luís Souta denominou-a «A escolada minha saudade», em 1995; Ste-phen Stoer e Helena Costa: «A ca-pacidade de nos surpreender»,1993, Luiza Cortesão: «Escola, So-ciedade, que relação?» 1998, LuizaCortesão e Stephen Stoer: «Levan-tando a pedra», 1999; Ricardo Viei-ra: «Entre a Escola e o Lar» 1996,Telmo Caria: «A cultura profissionaldos professores», 1999, Ana Bena-vente: «Do outro lado da escola»,1987. Entre as várias denomina-ções, que o desejo de escrever estetexto, me faz omitir, obriga-me aomitir, manda-me não lembrar. Por-que Darlinda Moreira e eu debate-mos durante anos, qual a utilidadeda escola para as crianças. Espe-cialmente para crianças descenden-tes de pais, avôs, ou família, deno-minada por Paulo Freire, oprimida,sem alfabetização, ou, como dizemhoje, sem literacia. Referem sem li-teracia, entro outros, Filipe Reis,1997:«Da antropologia da escrita àliteracia», em «Educação, Socieda-de e Culturas», António Firmino daCosta e Ana Benavente, 1996: «A li-teracia em Portugal. Resultado deuma pesquisa intensiva e extensi-va», Augusto Santos Silva em 1994:«Tempos cruzados. Um estudo in-terpretativo da cultura popular», eFernando Madureira Pinto, 1994:«Propostas para o ensino das Ciên-cias Sociais..» Ou João Ferreira deAlmeida e equipa, «socialmente ex-cluídos», no texto de 1992: «Exclu-são social». Excluídos do quê e dequê?. Eu diria, simplesmente, do sa-

ber social, da capacidade de enten-der o que Darlinda Moreira chegou adenominar, a mais básica das rela-ções, a da interacção social. Expli-cada e definida para nós por ÉmileDurkheim, em 1893: «De la divisiondu travail social», e 1924:: «Le socia-lisme», ratificada por Marcel Maussem 1923: «Essai sur le don. Forme etraison de l’echange dans les socié-tés archaïques», escarafunchadapor Pierre Bourdieu, em 1993, nasua obra colectiva «La Misére dumonde» e na sua autónoma, de2000, «Les structures sociales del’économie». Uma escola para o in-sucesso, uma pedagogia do oprimi-do, parafraseando o nosso Mestrecomum, Paulo Freire, uma escolaque controla a força de trabalho deforma erudita. A escola tem utilidadepública quando ensina os meandrosda cultura portuguesa e universal, atodos os seres humanos em geral. Aescola é homogénea, se nela todossão iguais e usufruem do mesmosaber. Parafraseando Stephen Stoere António Magalhães, somos, orgu-lhosamente, filhos de Rousseau.Mas, de qual Rousseau? Do republi-cano, do das Luzes, do «Emilio», doentusiasta Jean-Jacques que queriaas crianças nascidas, criadas e lim-pas, antes de as ensinar? E de qualigualdade, a das Luzes? A dos direi-tos do cidadão de 1791, que, atéhoje, se não materializaram?

A escola do insucesso é o melhorqualificativo para uma instituiçãoque nasceu para igualar os sereshumanos no saber, mas que envere-dou pelas ruas da diferenciação he-terogénea das classes sociais. A es-cola do insucesso é frequentada pe-los descendentes dos iletrados, dosiletrados de direitos e dos iletrados

de posses económicas para repro-duzir a vida. Iletrados não de pala-vras, mas de ideias que os impedemde entender um fenómeno como oda globalização. Uma instituiçãoque é suposto dar carinho, acolhi-mento, simpatia, lar, aos excluídos,descosidos, diria eu, da nossa so-ciedade. Porque a escola acaba porser obrigatória, para aprender o queo investigador da academia temprazer em descobrir e o docente detodo ciclo, prazer em ensinar. A es-cola é do insucesso calculado paracriar a força de trabalho necessáriapara as indústrias funcionarem, tra-balhando em horários diurnos ounocturnos, com base em saláriosque, já em 1890 Durkheim referia noseu: «Leçons de sociologie physi-que de moeurs et de droit», Bor-deaux e Istanbul, como Mauss em1923, no ensaio já invocado, deno-minavam de mais valia para os pro-prietários e de miséria para o opera-riado. Quem, ao saber desta expe-riência social, ao saber destes fac-tos, dentro dos quais o Estado ésempre devedor à maior parte dapopulação, denominada cidadãos,quem, dizia, quer ter sucesso na es-cola? Vivemos a época da proprie-dade, da posse, de mostrar o valor amais do nosso saber e capacidadede mandar com autoridade e segu-rança. Essa segurança que, até co-mo diz António Nóvoa no seu textode 1991: «Profissão Professor», faltaao docente: nunca sabe se o seutrabalho continua e em que sítio en-sinará. A escola é uma guerra entreo saber cultural e o saber eruditoque se tenta impingir aos indivíduosmais novos de todo e qualquer lar,saber erudito que nunca teve a pre-caução de entender antes de falar,

esse saber escondido na mente doestudante e da sua família, do seubairro ou rua ou aldeia ou etnia. Umsaber menosprezado, como refiro emoutro texto, por ser «conveniente» pa-ra incutir o saber «devido» porque alei o define, porque um conjunto deacadémicos bem remunerados, defi-ne em instituições que custam maisdo que cem declarações do IRS. Es-pecialmente, o saber do cálculo.Quanto mais longe da economia,mais certo passa a ser o poder do in-vestidor, porque, a quem menos sai-ba, menos dinheiro é pago ao fim domês. Caso não hajam desemprego,despedimentos ou falências.

A escola da minha saudade, co-mo diz Luís Souta, é, para mim, au-tor deste texto, a escola da igualda-de. Escola semelhante às privadascomo o «Moderno», os «Maristas»,os «Salesianos» e outros, que cus-tam imenso dinheiro e que o povo éincapaz de “agarrar”. A escola do in-sucesso foi criada para produzir aforça de trabalho de toda nação. Es-sa que divide o grupo social numaminoria de intelectuais e numa maio-ria de operariado, com amplas pos-sibilidades de desemprego. Análiseestruturada pela Doutora DarlindaMoreira, ao longo de dez anos.

A miséria do mundo começa, pa-ra o estudante, no seu insucesso.Provocado pela diferença de classesocial da origem dos saberes quesão obrigados a entenderem, quei-ram ou não. E que, digo eu, acabampor abandonar. O nosso país é oque mais faltas acusa de conclusãodo currículo escolar. O insucesso é amiséria do mundo e é causado pelasestruturas sociais da economia ou,como eu denomino, a reciprocidadedentro da mais valia.

A escola do meu insucesso

DA criançaRaúl Iturra

[email protected]

ISCTE/CEAS

Amnistia Internacional

foto: isto_é

Comunidade de países de língua portuguesa

parceiros de Espanha, não enviarampara as nossas águas, porque estavalá (na fronteira marítima) uma fragataportuguesa. O Poder projecta-setambém pela diplomacia, ou pelacultura (aspectos nunca descuradospelos Estados Unidos, por exemplo).

É por isso ridículo, para não dizeroutras coisas, que ainda hoje não secelebre um acordo ortográfico como Brasil, nem se caminhe para a ci-dadania da Comunidade de Paísesde Língua Portuguesa. Preferimosimigrantes que nada têm a ver coma nossa cultura aos outros; e, no en-tanto, precisamos de imigrantes.Faremos algum acordo ortográficocom a Moldávia?

OCDE, Organização para a Coopera-ção e Desenvolvimento Económico,membro da União Europeia, desco-briu, espantado que temos amigos

que podem ter interesses diferentesdos nossos, apesar de muito "ami-gos"; foi o caso recente do navio"Prestige" que os nossos amigos e

31a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

Duas equipas de cientistas france-ses descobriu um dos mecanismosque permite colonizar as células dofígado pelo parasita da malária, umadoença que afecta centenas de mi-lhões de pessoas em todo o mundo.O professor Dominique Mazier, dohospital da Pitié-Salpetriere de Pa-ris, e o dr. Claude Boucheix, do hos-pital Paul Brousse, de Villejuif (peri-feria de Paris), cujos trabalhos sãopublicados na versão on-line da re-vista Nature Medecine, descobriramque para ocorrer a colonização dascélulas do fígado pelo parasita é in-

dispensável a presença de uma mo-lécula na superfície das células, atetraspanine CD 81.

Os cientistas experimentaram ateoria com ratos artificialmente pri-vados dessa molécula e comprova-ram que nestes roedores o parasitanão infectou as células hepáticas,nas quais se multiplica habitualmen-te antes de propagar-se ao sangue.A molécula tetraspanine CD 81 de-sempenha ainda um papel impor-tante na infecção pelo vírus da he-patite C, enfermidade que, em vá-rias regiões do mundo, é uma das

maiores causas de morte depois damalária. A partir desta descoberta,os cientistas esperam compreendermelhor o processo infeccioso do pa-rasita e conseguir exercer uma ac-ção preventiva contra ele.

A descoberta foi anunciada ape-nas seis semanas depois de ser tor-nada pública a decifração do geno-ma do mosquito, responsável pelatransmissão da malária e do parasitaque provoca a doença. Também de-signada por paludismo, a malária éprovocada por um parasita do san-gue, o "Plasmodium falciparum",

transmitido exclusivamente pela fê-mea dos mosquitos anéfeles. Con-siderada durante anos como adoença mais mortífera do planeta,recentemente superada pela Sida, amalária ameaça 2 mil milhões depessoas, afecta entre 300 e 500 mi-lhões e mata anualmente entre 1,5 e2,7 milhões, o que significa umamorte a cada dez ou doze segun-dos. Nove em cada dez mortes pormalária são registadas em África.

Fonte: AFP solta

Identificado um dos mecanismos de infecção da malária

A professora sentiu-se esquisitaquando lhe disseram o número docódigo da escola que lhe saíra noconcurso. Ter um número era sinalde que ia ter trabalho. Mas onde?Ficou imensamente curiosa em sa-ber que nome se escondia por trásdo número. Quando lhe disseram onome da terra esta era-lhe comple-tamente desconhecida. O nome es-tranho da terra fez-lhe aumentar onervosismo e aquele sentimento es-quisito que tinha tomado conta dela.

Em casa procurou o nome da ter-ra num mapa das estradas de Portu-gal. Mas o nome não constava. Al-guém alvitrou que talvez através do118 conseguisse saber alguma coisasobre a terra, por exemplo um nú-mero de telefone ao qual ligar a pe-dir informações. Ao fim e ao cabodevia haver um telefone naquele sí-tio. Havia. Foi assim que recebeu in-dicações sobre o modo de lá chegar.

A professora acompanhada pelonamorado aproveitou o primeiro fimde semana para ir descobrir o seufuturo local de trabalho. Descobriuuma aldeia perdida numa serra, iso-lada mas ainda com vida. Na peque-na aldeia, assustadoramente silen-ciosa, havia algumas crianças.

Alguns dias depois, ultrapassadaa surpresa e controlado o sentimen-to esquisito, a professora encetou otrabalho de se fixar no local, duran-te o ano de trabalho que tinha pelafrente. E lá ficou, como pôde.

Iniciou o trabalho com entusias-mo. Com a ajuda das crianças deuum jeito ao espaço de trabalho paraque não continuasse tão feio e frio.Depois do primeiro fim de semanalevou algumas coisas de casa. Hu-manizou, como pôde, o mundo on-de ela e as crianças iriam trabalhar eviver. E começaram então a traba-lhar e a aprender.

A professora foi conhecendo assuas crianças e, pouco a pouco, elas

EDUCAÇÃO e cidadaniaJosé Paulo Serralheiro

Os «hominhos» verdes

começaram a ser-lhe indispensáveis.Foi reparando nas imensas carênciasque tinham. Umas mais dolorosasque outras. Umas mais difíceis de su-perar que outras. Mas não desistiu.

Entre outras coisas de menos, ascrianças nunca tinham visto o mar,um combóio, uma cidade. E os ma-nuais escolares falavam dessas coi-sas. Foi por isso que se meteu nacabeça da professora a indispensa-bilidade de levar as crianças a visitara cidade. Foi um objectivo que serevelou difícil de concretizar.

Conversas com o presidente dajunta de freguesia. Ofícios à CâmaraMunicipal. Reuniões com os pais.Idas à Câmara que os ofícios não ti-nham resposta. E depois de muitotrabalho, de muita conversa, de mui-

to anda para cá e para lá, conseguiu-se uma camioneta. E um lanche pre-parado pelas mães das crianças.

A professora decidiu-se por umavisita à cidade do Porto. Era umaoportunidade de irem ver o mar, es-preitar os comboios e sentir uma ci-dade. Assim foi. Saíram cedo. Fize-ram boa viagem. Cantaram. Foram àfoz e viram o mar. Merendaram noPalácio de Cristal. Viram os com-boios na estação de São Bento epassearam pela rua de Santa Cata-rina. No fim do dia estavam, crian-ças e professora, excitadas e can-sadas. Regressaram à aldeia ondechegaram com grande alarido econtentamento da pequenada eolhar saudoso e aprovador dos pais.

Diz a professora que a visita deu

um inestimável material de trabalho. Durante algumas aulas conver-

sou-se sobre a viagem. Tudo serviupara descobrir e redescobrir coisas.A viagem, os pequenos aconteci-mentos, os comportamentos destee daquele, foi tudo devidamente ex-plorado e comentado. Depois daconversa passou-se a aulas práti-cas. A professora decidiu começarpelo desenho. As crianças tiveramdias de desenho. Assim ilustraram,com muita cor, o que viram e comoo viram. Veio depois a escrita. Es-creveram, primeiro sobre vários as-pectos da viagem, a pedido da pro-fessora. Finalmente chegou-se à ex-pressão livre, ao exercício de criati-vidade. A professora pediu a cadamenino e menina, das que já sabiamescrever, que escrevessem um textosobre o que mais gostaram de verna cidade. Foi então que uma dascrianças escreveu: «o que mais gos-tei de ver na cidade foram os ‘homi-nhos’ verdes». E mais à frente expli-cava: «nas cidades só se atraves-sam as ruas quando os ‘hominhos’estão verdes». «A senhora professo-ra disse que se os ‘hominhos’ esti-verem vermelhos não se pode pas-sar». «Quando os ‘hominhos’ estãoamarelos, temos de olhar para umlado e para o outro para ver se po-demos passar».

Esta composição que falava dos«hominhos» impressionou muito aprofessora e foi muito comentadapor ela. É que só ao ler o texto dacriança se deu conta de quanta coi-sa faltava explicar. Lá começou pordizer aos meninos e às meninas queera verdade que, por agora, só havia«hominhos» verdes, vermelhos eamarelos, mas que um dia, quandoo mundo não fosse só mandado pe-los homens, nos semáforos das ci-dades, também haveria «mulheri-nhas» verdes, vermelhas e amarelase a cidade seria ainda mais bonita.

foto: isto_é

32a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

O Governo irlandês decidiu aumen-tar em 43 euros anuais o valor da ta-xa de televisão, a partir de 1 de Ja-neiro, com o objectivo de combatero défice da televisão estatal e vai al-terar a regulação do audiovisual,criando uma única autoridade paratodo o sector.

A televisão pública RTE dispen-sou 500 trabalhadores desde 1999 edeverá ter, este ano, um défice de 28milhões de euros. Através do aumen-to do valor da taxa, o governo de Du-

blin procura reforçar o serviço públi-co, contrariando a tendência que severifica noutros países europeus.

Este aumento foi acolhido favo-ralmente pelos sindicatos, os quaiscolocam reservas quanto a outrasmedidas apresentadas pelo Execu-tivo. Um dirigente sindical do sector,Jimmy Jordan, sublinhou que, ape-sar deste reforço, vão ser propostasrescisões a mais 170 trabalhadoresda RTE. "Esta equação que consis-te em produzir mais com menos

pessoas não funciona", afirmou. O governo irlandês decidiu que

cinco por cento do valor total da ta-xa será destinado a produtores in-dependentes ou de comunidadeslocais, com o objectivo de produzi-rem conteúdos inovadores, desti-nados à emissão em televisõesemitindo em aberto, nomeadamen-te a RTE.

Os sindicatos consideram que ofinanciamento do sector comercial edo sector público deveriam ter sido

divididos e não englobados na mes-ma fonte. Séamus Dooley, secretá-rio da National Union of Journalistas(NUJ), lembrou que os produtoresindependentes têm de respeitar osdireitos laborais, nomeadamente odireito de pertencer a sindicatos, epagar ordenados dignos.

No plano da regulação, as entida-des que fiscalizavam o sector co-mercial e a televisão pública serãosubstituídas, nos próximos meses,por uma única entidade reguladora.

Ao afundar-se, a 3500 metros deprofundidade, com 75000 toneladasde óleo combustível nos seus esven-trados porões, libertou uma marénegra que tem vindo a contaminar omar e as costas galegas (e, amanhã,quiçá também, o mar e as costasportuguesas) e que continuará a fa-zê-lo não se sabe por quantos anosmais, com incalculáveis prejuízos.

É um caso flagrante de crime eco-lógico, que despertou a legítima in-dignação e revolta das suas vítimas.“Legítima” porque se trata de um ca-so igualmente flagrante de incúriagovernamental, que abrange, nestecaso, todos os governos dos paísesmembros da UE — os governos ac-tuais e os seus predecessores. To-dos eles sabem que nós sabemos(ou podemos vir a saber) que elessabiam que o dito Prestige faz partede uma lista de mais de 60 outrasbombas-relógio em-forma-de-navioelaborada pela Comissão Europeiajá há algum tempo. E eles sabemtambém que nós sabemos que secontinuarem a deixar essas 60 bom-bas-relógio nos mares, sob o pretex-to de que são objectos flutuantes, is-so equivale a autorizar novos crimesecológicos, uma forma disfarçadade terrorismo ambiental.

Outras formas de terrorismo

Há, porém, outras formas de terro-rismo que não são reconhecidas co-mo tal pelas suas vítimas — e todossomos, pelo menos potencialmente,suas vítimas. O terrorismo rodoviá-rio, por exemplo, que, só este ano,já fez mais de 1250 vítimas nas es-tradas portuguesas. Os seus agen-tes chamam-se incivilidade, arro-gância, incúria e estupidez, em do-ses q.b. Quando tomam a figura degente (e tomam sempre), não sãofáceis de reconhecer porque não

Taxa de televisão aumenta na Irlanda

OFNI’sJosé Catarino Soares

Instituto Politécnico

de Setúbal

solta

Marés negras

gia. Resumidamente, trata-se deconvencer as camadas mais influen-ciáveis (as crianças, os adolescentese os novos ricos) que o idioma portu-guês pode e deve ser tratado com amesma sem-cerimónia com que setrata uma bola de couro: dando-lhepontapés. E que, com um par de bo-tas texanas e um sotaque a condizercom as botas, até na lua podemosdar o nosso coice de mula. Essa es-tratégia tem tido um êxito assinalável.

Trégua natalícia

Mas esse assunto terá que ficar parao próximo artigo. Não quero terminarem tom pessimista porque estamosem vésperas de Natal, “dia de serbom, dia de passar a mão pelo rostodas crianças, de falar e de ouvir commavioso tom, de abraçar toda a gen-te e de oferecer lembranças”; diatambém (como nos lembra o poeta)“de perdoarmos aos nossos inimi-gos, mesmo aos que não merecem,de meditar na nossa existência, tãoefémera e tão séria”, dia, enfim, emque o Pai Natal ou o menino Jesus,irão pôr no sapatinho do Pedrinhouma metralhadora e no sapatinho daJoaninha um telemóvel, desses commáquina fotográfica e tudo.

Façamos então uma pausa paradesejar Paz na Terra aos homens deboa vontade e Venturas aos leitoresdeste jornal, pelo menos no dia Na-tal, a não ser que o Pedrinho, logo demanhã, estratègicamente escondidoatrás das portas, fuzile tudo e todoscom devastadoras rajadas, rá-tá-tá-tá-tá-tá-tá!, obrigando as pessoas acaírem no chão como se fossemmortas e fazendo-as erguer para denovo matá-las, enquanto a Joaninhafotografa tudo tim-tim por tim-tim,até mesmo aquele instante mágicoem que a mamã e o papá fingirãoque caiem crivados de balas.

Um navio bomba-relógio, com o nome de “Prestige”,

implodiu recentemente, como era fatal que acontecesse mais dia menos dia.

usam longas barbas e turbante à BinLaden, não têm campos de treinomilitar, nem se vangloriam dos seuscrimes em prelecções delirantes.Matam só (e quando não matam,estropiam), sem aviso prévio, semideologia, sem comunicados de im-prensa, sem intenção.

Psitacismo

Há ainda uma terceira espécie deterrorismo, que se distingue das de-mais por passar quase despercebi-da. Entende-se porquê. Não causavítimas mortais, nem danos mate-riais. Mais, o alvo dos seus ataquesé tão recôndito que parece não exis-tir: a Língua Portuguesa, uma enti-dade intangível, como são todos os

idiomas, mas não menos real doque os oceanos e as estradas. Des-tarte, não desperta a indignaçãonem a revolta popular e deixa indife-rentes as autodenominadas “élites”.Na verdade, nem nome tem, o quemuito contribui para passar desper-cebido. Mas posto que é necessáriodar-lhe um, se quisermos falar dele,proponho chamar-lhe, à falta de me-lhor, psitacismo (= imitação do pa-pagaio que fixa e repete palavrascujo sentido ignora).

O psitacismo não é um fenómenohomogéneo. É um conglomerado detendências unidas por um comumdesdém pelo idioma português. Masuma das componentes do psitacis-mo, que considera o português umaforça de bloqueio, tem uma estraté-

foto: isto_é

33a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de fora

Ficha Técnica

Director e Coordenador editorial José Paulo Serralheiro | EditorJoão Rita | Editor Gráfico Adriano Rangel | Redacção Andreia Loboe Ricardo Costa | Secretariado Lúcia Manadelo | Paginação--Digitalização Ricardo Eirado e Susana Lima | Fotografia JoãoRangel (Editor) | Ana Alvim | Joana Neves.

Rubricas

À Lupa Ana Maria Braga da Cruz, Comissão para a Igualdade epara os Direitos da Mulher, Lisboa. Manuela Coelho, Escola Es-pecializada de Ensino Artístico Soares dos Reis, Porto. IracemaSantos Clara, Escola Pires de Lima, Porto. | AFINAL onde está aescola? Coordenação: Regina Leite Garcia, Colaboração: Gru-palfa—pesquisa em alfabetização das classes populares, Univer-sidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. | ANDARILHODiscos: Andreia Lobo, Em Português: Leonel Cosme, investiga-dor, Porto. Galerias e palco: António Baldaia, Livros: RicardoCosta, Música: Guilhermino Monteiro, Escola Secundária doCastêlo da Maia. O Espírito e a Letra: Serafim Ferreira, escritor ecritico literário. O vício das imagens: Eduardo Jaime Torres Ri-beiro, Escola Superior Artística do Porto. Paulo Teixeira de Sou-sa, Escola Especializada de Ensino Artístico Soares dos Reis,Porto. | CARTAS aos professores convidado do mês | CARTAS deMulheres — convidada do mês | DA Ciência e da vida ClaudinaRodrigues-Pousada, Instituto de Tecnologia Química e Biologicada Universidade Nova de Lisboa. Francisco Silva, Portugal Tele-com. Rui Namorado Rosa, Universidade de Évora. | DA criançaRaúl Iturra, ISCTE Universidade de Lisboa. | DISCURSO DirectoAriana Cosme e Rui Trindade, Universidade do Porto. | Do Pri-mário José Pacheco, Escola da Ponte, Vila das Aves. | Do supe-rior Adalberto Dias de Carvalho, Universidade do Porto. AlbertoAmaral, Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior,Universidade do Porto. Bártolo Paiva Campos, Universidade doPorto. Ana Maria Seixas, Universidade de Coimbra. | E AGORAprofessor? — José Maria dos Santos Trindade, Pedro Silva e Ri-cardo Vieira, Escola Superior de Educação de Leiria. Rui Santiago,Universidade de Aveiro. Susana Faria, Escola Superior de Educa-ção de Leiria. | EDUCAÇÃO desportiva Gustavo Pires e ManuelSérgio, Universidade Técnica de Lisboa. André Escórcio, Funchal.EDUCAÇÃO e Cidadania Américo Nunes Peres, Universidade deTrás-os-Montes e Alto Douro, Chaves. Miguel Ángel Santos Guer-ra, Universidade de Málaga, Espanha. Otília Monteiro Fernandes,Universidade de Trás-os Montes e Alto Douro, Chaves. Xesús R.Jares, Universidade da Corunha, Galiza. Xurjo Torres Santomé,Universidade da Corunha, Galiza. | EDUCAÇÃO e ComunicaçãoCoordenação: Guadelupe Teresinha Bertussi, Universidade Na-cional do México. | ESTADOS Translúcidos Luís Fernandes, Uni-versidade do Porto. Luís Vasconcelos, Universidade Técnica deLisboa. Rui Tinoco, CAT-Cedofeita e Universidade Fernando Pes-soa, Porto | ÉTICA e Profissão Docente — Adalberto Dias de Car-valho, Universidade do Porto. Isabel Baptista, Universidade Por-tucalense, Porto. José António Caride Gomez, Universidade deSantiago de Compostela, Galiza. | FORA da escola também seaprende Coordenação: Nilda Alves, Universidade do Estado doRio de Janeiro UERJ, Brasil. Colaboração: Grupo de pesquisaRedes de Conhecimento em Educação e Comunicação: questãode cidadania | FORMAÇÃO e Desempenho Carlos Cardoso, Es-cola Superior de Educação de Lisboa. Manuel Matos, Universi-dade do Porto. | IMPASSES e desafíos João Barroso, Universi-dade de Lisboa. Pablo Gentili, Universidade do Estado do Rio deJaneiro, Brasil. José Alberto Correia, Universidade do Porto. LU-GARES da Educação Almerindo Janela Afonso, Licínio C. Lima,Manuel António Ferreira da Silva e Maria Emília Vilarinho, Uni-versidade do Minho. | OFNI´s José Catarino Soares, Instituto Po-litécnico de Setúbal. | OLHARES: Apontamentos José Ferreira Al-ves, Universidade do Minho. Registos Fernando Bessa, Univer-sidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. José MiguelLopes, Universidade do Leste de Minas Gerais, Brasil. Maria An-tónia Lopes, Universidade Mondelaine, Moçambique POSTAL de:da Cidade do México, Guadelupe Teresinha Bertussi, Universi-dade Nacional do México. do Rio, Inês Oliveira, Universidade doEstado do Rio de Janeiro. de Paris, Isabel Brites, coordenação doensino do português em França. do Rio de Janeiro, Regina LeiteGarcia, Universidade Federal Fluminense, Brasil | QUOTIDIANOSCarlos Mota e Gabriela Cruz, Universidade de Trás-os-Montes eAlto Douro, Vila Real. | RECONFIGURAÇÕES Coordenação: Ste-phen R. Stoer e António Magalhães, Universidade do Porto. Fáti-ma Antunes, Instituto de Educação e Psicologia da Universidadedo Minho.Fernanda Rodrigues, Instituto de Solidariedade e Se-gurança Social e CIIE da FPCE Universidade do Porto. Roger Da-le, e Susan Robertson, Universidade de Bristol, UK. Xavier Bonal,Universidade Autónoma de Barcelona. | SOCIEDADE e territórioJacinto Rodrigues, Universidade do Porto. | TECNOLOGIAS CelsoOliveira, Escola José Macedo Fragateiro, Ovar. Ivonaldo Neres Lei-te, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. LuisaCarvalho e Boguslawa Sardinha, Escola Superior de Ciências Em-presariais de Setúbal. TERRITÓRIOS & labirintos — António Men-des Lopes, Instituto Politécnico de Setúbal.|

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Num excelente texto publicado em 1979, ReinhartKoselleck faz notar como, depois da assinatura dapaz religiosa de Augsburgo, levada a cabo em1555, foi dado início a um processo no decorrer doqual a percepção do futuro seria radicalmente alte-rada. Com a passagem da gestão das relações en-tre o que se viria a chamar “Estados” para os se-nhores territoriais, foram criadas as condições pa-ra que o dogma do fim do mundo próximo, até aícriteriosa e rigorosamente mantido pela Igreja, dei-xasse de ocupar todo o espaço conceptual dedi-cado à reflexão sobre o devir. Até aí dependente davontade de Deus, a profecia transforma-se entãonum determinismo de ordem natural, resultante daposição dos astros, para, mais tarde, se transmu-dar no prognóstico, este último fundado na razãohumana. Finalmente, a noção de um futuro apenasdependente das relações estabelecidas entre oshomens e, por isso, passíveis de ser transformadaspelas suas próprias mãos. E foi este lento mas con-tínuo alargamento do «horizonte de expectativa» –acompanhado pela progressiva erosão da ideia deum tempo composto pela repetição dos mesmosciclos – que viria a transformar o «campo da expe-riência» de uma forma tão profunda quanto se te-rem tornado possíveis as grandes transformaçõesque constituem os factos que hoje denominamos

Saber-poder das drogase temporalização

ESTADOS translúcidos Luís AlmeidaVasconcelosUniversidade

Técnica de Lisboa

Para além de uma destrinça entre as várias drogas (…) haveria também a referir

que esta relação entre a expectativa e a experiência vem a construir-se de forma

mediada. É sobretudo aos junkies de heroína que a última parte da asserção se

refere (…) quando dos primeiros consumos, a maior parte daqueles não pensa

que seja possível vir a ficar «agarrado». No entanto (…) o uso é ocultado.

por Revolução Francesa. Tal como a entendemoshoje e permeando por completo a organização dasnossas práticas do quotidiano, a ideia de futuro –para não falar numa outra que lhe surge agregada,a de progresso – é resultado de um complexo pro-cesso de construção discursiva. E pegamos aqui a crónica de Luís Fernandes sobreo saber-poder das drogas. Ao definir, difundir emanter a ideia do uso destas últimas como umainescapável forma de destruição do futuro – querdizer, ao reduzir drasticamente o horizonte de ex-pectativa daqueles que usam esses produtos –aquele dispositivo coloniza todo o espaço de inte-racção onde esse futuro se constrói. Ou seja, ocampo de experiência onde a utilização é levada acabo é desde logo marcado pela qualidade dasclassificações a que as drogas têm sido sujeitas.Trata-se, por isso e também, de um dispositivo depoder sobre o tempo.Para além de uma destrinça entre as várias drogas,cujos consumos se representam e apresentam demaneiras diversas, haveria também a referir queesta relação entre a expectativa e a experiênciavem a construir-se de forma mediada. É sobretudoaos junkies de heroína que a última parte da asser-ção se refere. De facto, e quando dos primeirosconsumos, a maior parte daqueles não pensa queseja possível vir a ficar «agarrado». No entanto, eno que se revela a eficácia das representações aci-ma referidas, o uso é ocultado. As consequênciasdeste facto prolongam-se para além da sua ocor-rência na medida em que a experiência e as rela-ções desta espécie de mundo invisível para os nãoutilizadores tendem a estruturar-se e a legitimar-seunicamente por relação a si próprias. Ora é justamente neste ponto que a dimensãocomparativa nos pode ser útil. Independentemen-te da discussão sobre a forma como o uso de pro-dutos com um potencial psicoactivo integra as vi-sões do mundo de algumas sociedades ditas tra-dicionais, a realidade é que, nestes contextos, nin-guém deixa de participar nas actividades quotidia-nas só porque usa tais produtos ou, talvez aindamais importante, ninguém deixa de, pela mesmarazão, interagir como até aí com aqueles que osusam. Dito de outra maneira, e ao contrário do queacontece entre nós, a sua utilização não vem a de-senvolver-se numa ruptura com os quadros rela-cionais e agenciais anteriores aos consumos. É a isto que chamámos mediação. Por muito queos utilizadores de heroína tentem integrar o seuconsumo numa vida cujo quotidiano resulte dumprolongamento dos quadros a ele anteriores – etentam-no muitas vezes – a verdade é que rara-mente o conseguem. Não porque não queiram,mas porque passam desde logo a ser tratados co-mo seres potencialmente perigosos cujas acçõessão quase sempre encaradas como esgotadas emsi. E é também nesta permanente reserva que assuas vidas são temporalizadas, quer dizer, destituí-das de um futuro cuja construção vem a ocorrernas pequenas e grandes coisas do dia-a-dia.

foto: isto_é

Por muito que os utilizadores de heroína tentem integrar o seu consumo numa vidacujo quotidiano resulte dum prolongamentodos quadros a ele anteriores (…) raramente o conseguem. Não porque não queiram, masporque passam desde logo a ser tratadoscomo seres potencialmente perigosos (…).

34a páginada educaçãojaneiro 2003

olhares de foraNão há sector social que tenha esta-do mais sujeito à pressão da mudan-ça do que o sistema educativo, emparticular nas últimas décadas. Con-tudo, neste domínio, houve uma evo-lução interessante: passou-se deuma “lógica de reforma” (mudançaglobal, estruturante, com objectivosdefinidos e delimitados no tempo, im-posta, a partir do centro, à periferia),a uma “tirania da transformação”, demudança pela mudança, de busca daadaptação contínua. A mudança tor-nou-se “imperativa”, “natural”, “per-manente”, sendo considerada o úni-co meio para “modernizar a escola”,“aumentar a qualidade e a eficácia”,“lutar contra as forças adversas”,“vencer os desafios da competitivida-de”, “gerir na incerteza e turbulência”.

Esta “tirania da transformação”(enquanto obrigação de mudar)constitui uma recuperação, pelocentro do poder político, da “lógicada inovação” que, contra as refor-mas e apesar das reformas, permitiuaos actores situados na periferia dosistema educativo (aos professorese às escolas) reagir às mudançasglobais impostas do exterior.

Hoje os ministros não falam em“reforma”, baniram esta palavra dosseus discursos, mas tentam decre-tar a “inovação”. Esta institucionali-zação da inovação destruiu a sua di-nâmica crítica e criadora, transfor-mando-a numa espécie de produtodescartável (usa-se e deita-se fora)ao sabor das circunstâncias e dasmodas de cada momento.

Vem tudo isto a propósito de mui-tas das mudanças que estão em

A «tirania da transformação» permanente

curso, em Portugal, no domínio edu-cativo, na área do currículo, da ges-tão ou da formação de professores.A maior parte destas mudançastêm-se efectuado sem qualquer ar-ticulação entre si, com agendas, rit-mos e estratégias diferentes, semobjectivos globais claramente defi-nidos e fora de qualquer perspectivasistémica. Não existe, na maior par-

te das vezes, uma coordenação in-tegrada nem uma política global quelhes dê coerência.

E isto é tanto mais grave quantoa “crise da escola”, hoje é uma criseglobal que não se compadece comsoluções e estratégias sectoriais.

Na verdade, a escola massificou-se sem se democratizar, isto é, semcriar estruturas adequadas ao alarga-

mento e renovação da sua populaçãoe sem dispor de recursos e modos deacção necessários e suficientes paragerir os anseios de uma escola paratodos, com todos e de todos.

Verifica-se, assim, um claro desfa-samento entre a “oferta” escolar queconserva, no essencial, uma organi-zação pedagógica criada para públi-cos homogéneos, recrutados e se-leccionados em grupos sociais restri-tos, e uma “procura” escolar de lar-go espectro social, composta porpúblicos heterogéneos (do ponto devista cultural, social, académico) ecom interesses muito divergentes.

Esta contradição é responsávelpela perda de sentido do trabalhopedagógico (entre o desejo de ins-truir, a necessidade de educar e autilidade de estudar), quer para alu-nos quer para professores, e peloagravamento de conflitos e situa-ções de ruptura no quotidiano esco-lar, em particular na sala de aula.

Neste sentido, é possível dizerque, embora não exclusivamente, a“crise da escola” é, acima de tudo,pedagógica e organizacional, se nãonos esquecermos que, neste caso,a pedagogia e a organização sãosobredeterminadas pela interacçãodo meio educativo com o meio so-cial mais geral e, evidentemente,com as opções políticas que regu-lam essa interacção.

Por isso, torna-se necessário estaratento às “reformas” que se avizi-nham, nomeadamente no que se refe-res ao estatuto do ensino público, àssuas modalidades de gestão e aoexercício profissional dos professores.

IMPASSES e desafios

João BarrosoUniversidade de Lisboa

O sistema educativo tem sido o sector mais sujeito à pressão da mudança. A lógica da reforma,

enquanto mudança global, foi abandonada. Passou-se à mudança pela mudança, numa busca de adaptação contínua.

(…) é possível dizer que, embora não exclusivamente, a “crise da escola” é, acima de tudo, pedagógica e organizacional (…)

foto: isto_é

Mais de metade dos jovens dos 18aos 24 anos de nove países ociden-tais não consegue localizar Israel nomapa mundo - 83% dos americanosdesta faixa etária não consegue en-contrar o Afeganistão - e apenas umquarto sabe quais os países que de-têm a bomba atómica, de acordocom os resultados de um estudopublicado recentemente pela revistaNational Geographic.

No total, três em cada dez partici-pantes é incapaz de localizar o Ocea-no Pacífico, que cobre 33% do glo-bo. No entanto, mais de metade dosjovens inquiridos sabia que a emis-são do "Survivor" - um programa detelevisão onde os concorrentes ten-tam sobreviver numa ilha deserta - se

desenrola numa das milhares de ilhasdispersas por aquele oceano.

O México classificou-se atrás dosEUA, país onde os habitantes tendema ter uma visão exagerada da sua im-portância geográfica e populacional,já que 30% dos jovens americanosafirmou que o seu país conta com milmilhões de habitantes, quando, narealidade, a população americananão ultrapassa os 280 milhões.

Os americanos foram os últimosclassificados quando se pedia paralocalizar o Afeganistão no mapamundo e menos de metade foi igual-mente incapaz de localizar o Japão,a Grã-bretanha e a França. Menosde um terço encontrou a China e56% não sabia localizar a Índia, que

alberga 17% da população mundial.Somente metade conseguiu apontarno mapa a cidade de Nova Iorque.

Apesar do receio que desperta, abomba atómica é mal conhecida. Me-nos de um quarto dos franceses, ca-nadianos, italianos, britânicos e ameri-canos conseguiram citar quatro paísesdetentores da bomba, para além doscinco que oficialmente a possuem (Es-tados Unidos, Rússia, China, França eGrã-Bretanha). À excepção dos sue-cos, apenas 45% dos participantessoube dizer que os dois países comuma população superior a mil milhõesde habitantes são a China e a Índia.

Globalmente, os melhores resulta-dos foram registados na Suécia, Ale-manha, Suécia e Itália, sem que ne-

nhum dos países se distinga dos ou-tros por uma grande margem. OsEUA, o Japão e o México, onde os ha-bitantes viajam pouco ao estrangeiroe são menos numerosos a falar outralíngua que não a materna, classifica-ram-se nos últimos lugares do pelotão

"Se os nossos jovens não sabemlocalizar países num mapa e são ig-norantes no que toca a conhecimen-tos de cultura geral, como poderãoeles compreender os problemas cul-turais, económicos e de recursos na-turais no mundo com que actual-mente somos confrontados?", alar-ma-se John Fahey, presidente daNational Geographic Society.

Fonte: AFPsolta

Sabe onde fica o Afeganistão?

35a páginada educaçãojaneiro 2003

entrevista

A História é muitas vezes encarada pelos alu-nos como um desfilar de reis e de rainhas e co-mo uma enumeração de acontecimentos histó-ricos que nem sempre os atrai para a discipli-na. Concorda?Será talvez esse entendimento um dos problemaspara o reforço da educação histórica no curriculo.Hoje observamos ao nível europeu algum esque-cimento da História quando se fala nas disciplinasmais importantes. Isso é visível nos exames no fi-nal da escolaridade obrigatória, que englobam alíngua materna - em alguns países também umalíngua estrangeira -, a matemática e as ciências,mas esquece-se a História.

Que razões encontra para essa situação?Talvez porque para alguns a História continua a re-sumir-se ao conhecimento de um passado imutá-vel, transmitido aos alunos através dos manuais edo discurso do professor. No entanto, se quere-mos que a educação, e neste caso a História, se-ja um factor de desenvolvimento na formação dosalunos, não faz muito sentido que ela seja enten-dida como uma informação que o aluno deve

apreender e regorgitar nos testes escritos, aca-bando daí a um tempo por esquecer o que supos-tamente aprendeu.

Há uma outra proposta, no entanto, - sobre aqual eu própria e dois outros colegas trabalhamos- que aborda a disciplina através do conceito deeducação histórica, ou seja, através da aquisiçãode competências de análise, de crítica, de argu-mentação, a par com a aquisição de informação(ver caixa). Uma metodologia que seja, de facto,uma forma de compreender melhor o mundo, nãoapenas numa perspectiva sincrónica, mas diacró-nica, multi-perspectivada, que seja mais do que osimples regorgitar do passado. É esse aspectoque importa considerar na História.

Tentando dar um sentido prático à História enão reduzi-la a uma perspectiva meramenteacadémica...Num certo sentido, já que pode manter-se esse as-pecto académico mas trabalhá-lo de uma formamais sofisticada. Os historiadores não trabalhamapenas uma perspectiva, de contrário estariam aser parciais e subjectivos. O verdadeiro historiador

tem em conta fontes e pontos de vista diversos. Éisso que nós propomos: trabalhar a componenteacadémica de uma forma multi-perspectivada, demodo que os próprios alunos percebam que é maisprática, porque mais próxima da vida. Porque, paratodos os efeitos, a História é o estudo da vida.

Não considera o programa de História dado atéao 9º de certa forma redutor, tendo em conta quedeixa aspectos importantes do processo históri-co para o programa do ensino secundário?O actual conjunto de conteúdos constantes noprograma de História da escolaridade básica pro-vêm do final dos anos 80. É um programa, na mi-nha opinião e segundo muitos professores quetêm trabalhado com ele, talvez demasiado exten-so. Mas não houve ainda nenhum trabalho quepropusesse alterações nessa área. Seria uma se-gunda etapa, no caso de se ter prosseguido coma reorganização curricular.

Mais recentemente, tem-se procurado olharpara os conteúdos do ensino básico - tanto no ca-so da História como das restantes disciplinas -,como um instrumento de trabalho das competên-

"A História é o estudo da vida"Isabel Barca (Universidade do Minho) em entrevista à PÁGINA

Isabel Barca, com doutoramento em Ensino de História (History in Education) pela Universidade de Londres, mestrado em

Ensino de Ciências Sociais pela Universidade de Boston e licenciatura em História pela Universidade do Porto, é Coordenadora

da área científica de Metodologia do Ensino da História e Ciências Sociais, na Universidade do Minho, onde também coor-

dena o Mestrado em Supervisão Pedagógica em Ensino da História. Desenvolve actividades de docência e de investigação no

campo da cognição histórica, com diversos projectos e estudos nesse âmbito, designadamente em torno das concepções de

professores e alunos em História e do desenvolvimento de competências na educação histórica. Presentemente, é também

Presidente da Associação de Professores de História. Tendo como pano de fundo a publicação do livro “Perspectivas em

Educação Histórica", esta entrevista foi uma oportunidade para falar do ensino da História em Portugal, do papel da História

na construção da cidadania e de uma nova abordagem no ensino desta disciplina: a educação histórica.

foto: isto_é

36a páginada educaçãojaneiro 2003

entrevista

cias dos alunos. Competências que não se limitamà compreensão — no caso da História, a com-preensão do passado — como à utilização de fon-tes diversas, por vezes contraditórias.

Há uns anos havia escassez de profissionais deensino na História. Continuam a faltar profes-sores de História em Portugal?Nesse capítulo assiste-se a uma situação parado-xal. Ao nível do 3º ciclo e do ensino secundário háprofessores de História no desemprego e este anotudo indica que a situação se tenha agravado.Com a proposta de reorganização curricular aindahouve a esperança de minorar o problema, mas oadiamento deixou tudo na mesma. Entretanto, oproblema começa a estender-se ao 2º ciclo.

A explicação reside no facto de embora as uni-versidades poderem formar profissionais para o 2ºciclo, habitualmente direccionam o estágio para o3º ciclo e secundário. Isto, porque os alunos prefe-rem realizar o estágio no ensino secundário, já queno 2º e 3º ciclos teriam de fazer também estágioem Português. E a maioria não está disposta a is-so porque não reúne as competências para tal.

Por outro lado, não tem havido oferta de varian-tes para o 2º ciclo por parte de outras instituiçõesde ensino. Os que têm apenas uma licenciatura emHistória, sem qualquer formação na variante de en-sino, ficam a trabalhar nas escolas do 2º ciclo. Po-rém, e aqui reside o paradoxo, aqueles que têm um

diploma vocacionado para o ensino secundárionão podem concorrer a essas vagas por excessode habilitação ou por ser diferente da exigida.

Ou seja, o problema não está na falta de procu-ra, mas no condicionamento das saídas...A questão é essa. Se os candidatos pudessem daraulas no 2º ciclo, porque fizeram estágio no 3º ci-clo, não apenas no secundário, haveria concerte-za muitos menos problemas de desemprego, se-não o pleno emprego.

História e Cidadania

De que forma é encarado o ensino da Histórianos restantes países europeus? Há diferençassignificativas?Sim. Desconheço a realidade de todos os paísesda União Europeia, mas no caso que conheço maisde perto, a Inglaterra - e a Irlanda de certo modosegue o mesmo caminho -, houve um trabalho pio-neiro nesta nova forma de trabalhar a História.

Assim, partindo dos ideais românticos das dé-cadas de 60 e 70, em que se procurava promoverum ensino activo, explorou-se mais profundamen-te quais os processos que os alunos desenvolvemna aprendizagem dos conteúdos hsitóricos e quala origem das ideias e conceitos que trazem comeles. A partir dessa investigação tem-se percebidoque os alunos chegam às escolas com um deter-

minado conceito sobre a sociedade e esse é quepassam a ser o ponto de partida para eles perce-berem a sociedade do passado.

Uma compreensão crítica da história...Sim. Estas novas ideias que põem a enfâse na cogni-ção (que em Inglaterra não são tão novas como isso),foram iniciadas no final dos anos setenta e passarama integrar o curriculo no início dos anos 90. Nestepaís, a educação histórica é iniciada logo no 1º cicloe os alunos trabalham-na como disciplina obrigatóriaaté aos 14 anos, utilizando os conteúdos como formade compreensão das diversas interpretações históri-cas e do papel desempenhado pelas diferentes fon-tes. Neste trabalho, são eles próprios que cruzam asfontes e retiram conclusões, percebendo que, afinal,não existe um retrato único do passado.

Na Irlanda começa a haver algum trabalho nessesentido, bem como na Finlândia e nos restantes paí-ses nórdicos. Nos países mediterrânicos e em Françaesta perspectiva ainda está a dar os primeiros passos.

Que papel pode ter hoje a História na construçãode uma cidadania mais activa e esclarecida?Depende da maneira de como encaramos aaprendizagem da História. Se a trabalharmos namera perspectiva de reprodução da informação,ela poderá, quanto muito - para aqueles que de-fendem uma identidade local, nacional ou planetá-ria mais ou menos imutável, mesmo que bem in-

reconhece Isabel Barca, doutorada em Ensino da História pela Universidade de Londres

foto: isto_é

"É saudável manter a nosssa identidade nacional"

37a páginada educaçãojaneiro 2003

entrevista

Ricardo Jorge Costa

"Os historiadores não trabalham

apenas uma perspectiva, de

contrário estariam a ser parciais

e subjectivos. O verdadeiro

historiador tem em conta fontes

e pontos de vista diversos."

"Hoje em dia, qualquer

indivíduo numa sociedade

aberta e plural como a que

vivemos, precisa de saber

fazer escolhas, ou seja,

ser capaz de seleccionar

e organizar informação."

foto: isto_é

tencionada e progressista - dar uma noção dos di-ferentes tipos de democracia que se foram cons-truindo ao longo dos tempos e compreender que,face a essa evolução, existem hoje diversas socie-dades onde os valores democráticos não são res-peitados. Essa noção tácita das diferenças podedar aos alunos a possibilidade de, eventualmente,construirem um valores de tolerância e de partici-pação para que esse melhores valores se desen-volvam na sociedade onde eles se integram.

No entanto, na perspectiva da educação histó-rica que temos vindo a defender, incluem-se outrotipo de competências que são fundamentais paraa construção de uma cidadania esclarecida: a se-lecção e a organização da informação. Hoje emdia, qualquer indivíduo - já nem falo no cidadão -,numa sociedade aberta e plural como a que vive-mos, precisa de saber fazer escolhas, ou seja, sercapaz de seleccionar e organizar informação. E éaqui que esta perspectiva de educação históricaassume um papel fundamental.

Não fará sentido alargar a compreensão da his-tória a uma dimensão mais internacional, mes-mo na escolaridade básica?Com certeza. Daí ser muito importante atender-seà selecção de conteúdos. A serem trabalhados naescola, nomeadamente na escolaridade básica,deveria sempre apostar-se nos três tipos deabrangência: as questões da história local - nãopodemos eclipsar a nossa identidade mais ime-diata com questões de âmbito mais global -, dahistória nacional e da história planetária.

Isso entra de certa forma em contradição como programa da escolaridade básica, centradona história nacional...Se de facto ele fosse centrado na história portugue-sa poderíamos encarar isso como um perigo, masnão é bem assim. Estou neste momento a finalizarum artigo para a revista da Associação Europeia deProfessores de História onde faço precisamente a

análise dos conteúdos do programa da História dePortugal e, na minha opinião, apesar de previligiar-sea história e geografia de Portugal no contexto da his-tória portuguesa a nível do 2º ciclo, no 3º ciclo existea preocupação de dar uma tónica mais global.

Fez-se um grande esforço na proposta de selec-ção de conteúdos, que é sempre alvo de questõesentre os professores e os especialistas, havendosempre aqueles que defendem uma perspectivahistórica mais conservadora e desligada de umcontexto alargado. Felizmente, os organizadoresdos curriculos têm resistido a essa pressão e têmcolocado os conteúdos históricos ligados à Históriade Portugal num contexto europeu. E quando avan-çam para o nível planetário, nomeadamente quan-do se aborda a expansão das economias mundiais,essa perspectiva é fundamentalmente europeia. Ouseja, concordaria se me dissesse que a História no3º ciclo é talvez um pouco eurocêntrica. Aí ainda énecessário dar uma "volta".

Depois do documento que saiu sobre as com-petências, que já reflecte esta preocupação de en-sinar a História no sentido do desenvolvimento dascompetências de selecção e organização da infor-mação - está previsto, se os professores o quise-rem fazer -, o trabalho de selecção de conteúdosconstituiria uma segunda etapa. Mas, dada a actualsituação política do país, não sei como é que essetrabalho, a ser continuado, será feito: se nesta pers-pectiva ou se numa tendência mais paroquial.

Por outro lado, e tendo em conta que a UE ca-minha quase inevitavelmente para um sistemafederal, será que o ensino da História não seráuma maneira de manter viva a identidade na-cional de cada país?Há aspectos da nossa identidade nacional e localque devem ser saudavelmente mantidos. Porquepodemos trabalhar a identidade num sentido in-clusivo, respeitando-nos a nós próprios e aos ou-tros, ou num sentido exclusivo, respeitando-nos anós próprios contra os outros.

Outra História

Para Isabel Barca, autora de "Perspectivas emEducação Histórica", há uma nova abordagemdo ensino da História, particularmente acolhidana Universidade do Minho, escola que foi pio-neira em Portugal no apoio a esta área de ex-ploração científica.

"Os objectivos desta nova abordagem doensino da História passam por apresentar fun-damentos científicos - porque provêm de umainvestigação empírica e sistemática -, parauma abordagem crítica de competências ana-líticas e argumentativas, não descurando a im-portância da apreensão de factos essenciais",diz Isabel Barca.

Quanto ao objecto – prossegue – ele pode-rá ser designado como cognição histórica(mais precisamente por cognição histórica si-tuada) e debruça-se sobre as ideias que os jo-vens, inclusivamente os professores (e um dia,eventualmente, os historiadores) desenvolvemem torno da História. Que ideias têm, de ondeprovêm e quais as fontes de conhecimento his-tórico que influenciam a sua percepção - quenas crianças, e não só, são muito influenciadaspela televisão, pela família, pela comunicaçãosocial e por outras fontes de informação. Emresumo, são as origens do conhecimento his-tórico e a forma como ele se constrói o objec-to previligiado desta área".

Isabel Barca reconhece que se procura,com estas inovações, que os alunos gostemmais de História. "É importante que, antes decomeçarem a apresentar a matéria, os profes-sores dispendam algum tempo com os alunose procurem compreender o que eles já sabem,ir ouvindo o que os alunos têm a dizer, fazendocom que eles ganhem auto-estima e percebamque as suas ideias são importantes, ganhandoestímulo para trabalhar e ir mais longe nestadisciplina. Será mais gratificante tanto para oaluno como para o professor"

A história assim "ensinada" pode contribuirpara uma sociedade mais crítica, que não se li-mite às escolhas óbvias e saiba pensar e argu-mentar - o que não quer necessariamente dizerque tenhamos de tomar as mesmas opções.Esta é também uma forma de trabalhar parauma educação para a paz para a tolerância.

38a páginada educaçãojaneiro 2003

modos de viverDe volta ao Rio, penso na minha ex-periência em Coimbra. Oito mesesnos quais percebi e aprendi um pou-co mais sobre o "velho continente",suas formas de criar e de preservar,e suas formas de destruir e de negar.

O último "grande" evento quepresenciei, o acidente na costa daGalícia, escandalizou-me, tanto pe-las conseqüências ambientais, co-mo pela atitude das autoridades,mais preocupadas com suas pró-prias posições de força do que comas populações ou a gravidade doacidente. Descubro a mesma preo-cupação na criação e manutençãodas posições de força na história da"grandiosidade europeia".

De passagem pela Normandia,estive em Bayeux, uma pequena ci-dade cujos prédios impecavelmentepreservados e as ruas enfeitadasservem de moldura à grande atrac-ção do lugar, sua tapeçaria. Um bor-dado sobre tela de linho que, em 70metros, conta a saga de "Guilherme,o conquistador" na Inglaterra. Teci-da/bordada em princípios do séculoXII, a peça ainda está quase perfeitae sua beleza é extraordinária. Ex-posta no Centro Guilherme o Con-

Cidade Maravilhosa:paisagem, colonização e resistência cultural

POSTAL do Rio de Janeiro

Inês Barbosa de Oliveira

Universidade do Estado

do Rio de Janeiro,

UERJ, Brasil

A escola da nossa saudade · Luís Souta · Preço 5,00 € : : A escola para todos e a excelência académica · António

Magalhães · Stephen Stoer · Preço 6,00 € : : Carta de chamada: depoimento da última emigrante portuguesa em

Habana · Aurélio Franco Loredo · Preço 4,00 € : : Como era quando não era o que sou: o crescimento das crianças

· Raúl Iturra · Preço 5,00 € : : Educação intercultural: utopia ou realidade · Américo Nunes Peres · Preço 8,00 € : :

Em mortalidades : Óscar Gonçalves · Preço 3,00 € : : Escolas superiores de educação e ensino politécnico: uma

década de debates, algumas polémicas e critica que baste · Luís Souta · Preço 3,00 € : : Fiat Lux: regime discipli-

nar dos alunos e regime de autonomia das escolas · Manuel Reis · Preço 3,00 € : : Multiculturalidade & Educação

· Luís Souta · Preço 6,00 € : : Orgulhosamente filhos de Rousseau · António Magalhães · Stephen Stoer · Preço 3,00 €

: : Paixão segundo José Saramago · Conceição Madruga · Preço 4,00 € : : Pedagogia para a igualdade, uma escola

não sexista : Iracema Santos Clara · Maria Manuela Silva · Ariana Cosme · Preço 2,00 € : : Por uma escola para todos

· Unidade didáctica · Preço 2,00 € : : Por uma pedagogia da não violência · Unidade didáctica · Preço 2,00 € : :

Princípios e orientações para a administração da escola secundária · Eurico Pina Cabral · Preço 3,00 € : : Quando

eu for grande quero ir à Primavera e outras histórias · José Pacheco · Preço 7,00 € : : Ser igual ser diferente, encru-

zilhadas da identidade · Ricardo Vieira · Preço 4,00 € : : Viver Abril com Zeca Afonso · Unidade didáctica · Preço 2,00 €

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quistador, recebe os visitantes ma-ravilhados, expondo-lhes a grandio-sidade da história do país e preser-va, com isso, a obra e a auto-estimados habitantes locais, a posição deforça francesa perante os "outros",ingleses ou turistas, conquistados,pelo poder da força ou da beleza ede sua preservação.

Em Lisboa, o grandioso e belomapa mundi que cobre o chão emfrente à Torre dos Descobrimentos,com sua estética primorosa, mostraaos visitantes, Portugal, a grande

potência dos séculos XV e XVI,"descobrindo" lugares onde já vi-viam populações que, sem força pa-ra resistir às velas e armas portu-guesas, descobriram-se subalter-nas. A posição de força do país pe-rante os "selvagens" permitiu-lhedestruir o que não interessava man-ter, preservar a ideia das grandesdescobertas e, com isso, ampliaressa mesma força.

No Rio de Janeiro, as marcas des-sa contraditória acção de criação/des-truição, preservação/aniquilamento se

espalham pelos principais pontos dacidade, em prédios monumentais eem formas culturais que resultaramdesse processo, no qual a resistênciados subalternizados desempenhouum papel fundamental.

Das Igrejas e Mosteiros aos "nos-sos" museus, as culturas portugue-sa e francesa, se erguem e se exi-bem nos lembrando que nossa his-tória foi traçada pela força de umaeuropeidade marcada na nossa pai-sagem urbana e na nossa identida-de. Depois de visitar a "sede" denossa erudição, as marcas pare-cem-me ainda mais evidentes.

Por outro lado, essa mesma euro-peidade se encontra com aquelesque, não tendo sido "preservados",insistem em estar aqui. No seio dacontradição entre a riqueza branca eeuropeia e os seus "outros" existemmuitos Rios de Janeiro. Na nossa so-ciabilidade alegre e informal, no colo-rido das nossas gentes, está o modopróprio de estar no mundo do cario-ca. Junto com a estética privilegiadada paisagem, essa alegria quase na-tural e as contradições sociais fazemdo Rio de Janeiro um lugar de forçaúnica, uma Cidade Maravilhosa.

39a páginada educaçãojaneiro 2003

modos de viver

E a história reza assim. A ideia decriar uma alternativa mais justa aocomércio convencional surge na se-quência de um apelo dos países doSul às Nações Unidas: "Comércio enão ajuda". O que pretendiam eraque fossem criadas as condiçõespara que as comunidades produto-ras das zonas pobres pudessemcontribuir para o seu próprio desen-volvimento. Estávamos em 1964.

O comércio justo pauta-se porprincípios éticos que envolvem todosos intervenientes na cadeia de pro-dução e comercialização. Daí que es-teja a cargo de organizações não go-vernamentais para o desenvolvimen-to e associações sem fins lucrativos.A adesão ao movimento tem sido po-sitiva. Existem cerca de três mil lojasde comércio justo espalhadas por 18países da Europa. E estima-se quetrabalhem neste movimento cerca decem mil voluntários.

Os artigos comercializados naslojas do comércio justo podem seralimentares, têxteis e de artesanato.São produzidos em cooperativas lo-calizadas em algumas das zonascarenciadas da América Latina, Áfri-ca e Ásia. Os produtores assumemum compromisso de investir partedos lucros obtidos na supressãodas carências básicas da comuni-dade onde se inserem. E desta for-

ma potenciam eles próprios o de-senvolvimento local. Sem que paraisso necessitem da tal "ajuda" dis-pensada em 1964.

Uma vez que os lucros visam odesenvolvimento local, a base destesistema comercial alternativo as-senta na não exploração do produ-tor. A quem é assegurado um preçojusto pelo que produz. No comércioconvencional "o produto passa porvários países, por várias transforma-ções e acréscimos de mais valia quenão revertem para o produtor", con-testa Miguel Pinto.

Para evitar esta situação é preci-so eliminar todos os intermediáriosdesnecessários. Por isso – explica opresidente da Reviravolta – o comér-cio justo só tem três entidades bási-cas: o produtor, o importador que éuma ONGD sem fins lucrativos liga-da ao movimento e as lojas de co-mércio justo. Cada um destes inter-venientes recebe em média um terçodo valor de venda do produto ao pú-blico. No final, o consumidor compraum produto a um preço competitivoe com um valor ético. "As pessoassó têm de fazer o que fazem nas ou-tras lojas: consumir." Mas – concluiuMiguel Pinto – "sabendo que estão acontribuir para o desenvolvimentosustentável dos países de onde pro-vêm os produtos."

ONG’sAndreia Lobo

foto: isto_é

Reviravolta no consumo

Em nome da justiça

Loja do Comércio JustoAssociação Reviravolta

Tipo:Associação sem fins lucrativo

Objectivos:Alterar as relações comerciais nomundo tornando-as mais justas ecriar uma nova forma de consu-mo ético e responsável

Direcção:Miguel Pinto

Morada:Rua Santos PousadaCentral Shopping, 4º pisoLoja 2114000-478 Porto

Correio Electrónico:[email protected]

PRODUTORES

Na loja do comércio justo cada produ-

to espelha o esforço dos homens e

mulheres que o produziram. A lista que

se segue dá a conhecer o trabalho de

seis cooperativas produtoras prove-

nientes de vários continentes. Cada

uma delas, à semelhança de muitas

outras, intervém directamente no de-

senvolvimento da sua região.

El Ceibo

A cooperativa El Ceibo é formada por

cerca de mil famílias camponesas de

Alto Beni, na Bolívia. Produz e comer-

cializa cacau e vende 20% da sua

produção através do comércio justo.

O seu contributo para o desenvolvi-

mento da região faz-se nas áreas da

formação profissional, da saúde e do

apoio aos camponeses reformados.

MCCH

A Maquita Cushunchic Comerciali-

zando como Hermanos, é criada em

Quito, no Equador. As comunidades

que lhe estão associadas produzem

açúcar, compotas, bolachas e doces.

A MCCH desenvolve programas de

saúde, formação e dispõe de uma

cooperativa de poupança e crédito.

Mzilikazi

O Centro de Arte e Artesanato de

Mzilikazi, no Zimbabué dá formação

e emprego a cerca de 150 jovens que

realizam trabalhos de cerâmica com

desenhos típicos da cultura local.

Este centro prima pela não discrimi-

nação sexual e étnica.

Preda

É uma organização que ocupa meni-

nos da rua e jovens com problemas,

nas Filipinas. Fazem trabalhos em vi-

me: cestos, artigos para o lar e biju-

taria de prata e madeira.

YWCA

250 Mulheres do Bangladesh traba-

lham na YWCA fabricando artigos têx-

teis. Provêm de famílias com dificulda-

des de subsistência e esta foi a forma

encontrada para satisfazer as suas ne-

cessidades mínimas. Cerca de 10%

do lucro é destinado a um fundo de

poupança para serviços básicos.

La Malinche

É constituída por mulheres das co-

munidades indígenas de El Chile e El

Zapote, na Nicarágua. Produzem

manualmente tecidos e couro. Com

eles fazem mochilas, bolsas, cartei-

ras, etc. É uma alternativa de traba-

lho essencial uma vez que a região é

afectada por uma crise económica.

Comércio Justo – Perguntas & Res-

postas CIDAC – Centro de Informa-

ção e Documentação Amílcar Cabral

(Organização Não-Governamental

de Desenvolvimento)

O colorido salta à vista. Entre os alaranjados e as cores da terra, o som am-

biente e o sorriso de quem nos atende, há algo que deixa antever não se tra-

tar de uma loja como as outras. As prateleiras têm chãs, cafés e compotas.

Têm peças de vestuário, tapeçarias e brinquedos. Na loja do Comércio Jus-

to "o produto é um pretexto para contar uma história de igualdade entre

os países do Norte e do Sul", explica Miguel Pinto, presidente da Revira-

volta a associação que trouxe uma dessas lojas para o Porto.

40a páginada educaçãojaneiro 2003

O que é que origina uma depres-são infantil?Qualquer miúdo pode fazer uma de-pressão porque lhe morreu um fami-liar chegado ou por circunstânciasque os adultos consideram banais:mudança de escola, de casa, etc.Trata-se de depressões reactivasmotivadas por factores externosevidentes, isto é, são casos em queos miúdos andam bem e de repenteficam tristes. Por isso, depois doapoio prestado – normalmente umaintervenção semanal que pode ir atétrês meses – eles recuperam.

Há outro tipo de depressão liga-da à alteração precoce da relaçãomãe-bebé. Não tem de ser uma al-teração na relação actual, mas umamãe pode ter estado deprimidaaquando do nascimento do bebé e ainteracção com ele ter saído afecta-da. São depressões relacionadascom as figuras de vinculação. Porum lado, podem estar relacionadascom o estado emocional da mãe -se está ou não deprimida, se está ounão a investir no bebé - e, por outro,podem estar relacionadas directa-mente com o bebé - se ele é ou nãoprematuro, se tem ou não outro tipode patologias que o tornam "menoscompetente" e em que se tornamais difícil assumir o papel de mãe.Nestes casos o tratamento da crian-ça irá fazer a diferença na sua vida,mas, de qualquer maneira, será umadulto mais vulnerável e com maispotencialidade para o desenvolvi-mento de psicopatologias.

Os primeiros anos de vida são ful-crais em termos de estruturação dapersonalidade, e quem acompanhaa criança nesses anos torna-se a fi-gura chave. Pode até ter sido umaavó - entretanto falecida -, mas queproporcionou à criança uma boa vin-culação enquanto esta se organizouem termos psíquicos e de individua-lidade. E isso é muito importante.

Quais são os sintomas da depres-são infantil?Geralmente, a partir dos seis anos ossintomas que mais meninos trazemàs consultas são o insucesso esco-lar e as alterações do comportamen-

foto: isto_é

Crianças no mundo das depressões

“A menina estava a brincar quando a mãe a chamou para almoçar. Mas a comida era peixe e a menina ficou muito triste

porque queria carne. Só que o peixe até lhe soube bem. Tão bem que a menina queria mais. Mas não havia mais peixe."

Era uma vez um menino deprimido que comunicava a sua tristeza através de uma história. Quem a conta é Graça Fernandes,

pedopsiquiatra no Hospital Magalhães de Lemos no Porto. A PÁGINA foi falar com esta médica sobre depressão infantil.

to na linha da instabilidade, daagressividade e da hiperactividade.São sintomas que, de certa forma,incomodam os outros. É claro queum hiperactivo não tem forçosa-mente de ser um deprimido, maseste pode manifestar o seu mal-es-tar através de um comportamentodesse género. Isto porque a crian-ça ainda não consegue dizer porela própria que anda triste e desin-vestida. No entanto, uma criançapode ser excessivamente sossega-da, não incomodar ninguém e serdeprimida.

Os bebés deprimidos apresentamalguma inércia. Alguns podem terum atraso nos grandes marcos doseu desenvolvimento: no sentar e namarcha, outros são muito difíceis dealimentar, chegam a sofrer de des-nutrição, sem que se encontre umacausa física ou orgânica para essequadro. Ou podem ser perfeitamen-te inconsoláveis e chorar sem parar.Do ponto de vista da interacção, sãobebés muito "pobres". Não olham

nos olhos, não se riem e atrasam-senas vocalizações antes da fala.

Uma criança deprimida pode vir atornar-se num adulto com essapatologia?Quem teve uma patologia na primei-ra ou segunda infância e na adolos-cência apresenta alguma vulnerabili-dade na idade adulta. Os estudosnesta área indicam que não há um«continuum» no quadro patológico, anão ser quando [associado ao qua-dro depressivo infantil] haja outro tipode doenças, como as perturbaçõesvinculares (que são grandes altera-ções do humor em termos de esta-dos depressivos e maníacos). Masessas perturbações vinculares sãomuito difíceis de detectar na infância.

Que tipo de sequelas pode trazerum quadro depressivo não diag-nosticado?Se nada alertar os pais, os educa-dores ou os professores para o fac-to de a criança precisar de um apoio

diferenciado, só por sorte ela nãodesencadeará nenhum quadro psi-copatológico quando atingir a idadeadulta… O mais certo é ficar com al-terações de personalidade que sãoformas de funcionamento menossaudáveis. No que toca à reacçãoàs adversidades, por exemplo, po-derá revelar-se mais susceptível aosproblemas do meio exterior (‘lifeevent’) e não conseguir adaptar-se auma nova realidade.

Além disso, um quadro depressivonuma criança tem consequências aonível do aproveitamento escolar. En-tre os seis e os dez anos o sucesso naescola é imperioso. Um miúdo quenão consegue ser bem sucedido naescola sofre não só em relação aosadultos, mas também em relação aele próprio, já que nesta fase os miú-dos vêem-se em função daquilo queconseguem fazer. Se não consegui-rem fazer uma coisa que todos espe-ram que ele faça, inclusive ele pró-prio, como aprender a ler e a escrever,a auto-estima e a auto-confiançadessa criança vai ser muito afectada.E como numa primeira fase ninguémnotou que o menino não aprendiaporque estava triste, numa segundafase ele vai achar que é mesmo inca-paz. É obvio que nessa segunda faseele vai ter mesmo menos competên-cia do que os outros. Provavelmente,o psicólogo faz-lhe um teste e desco-bre que o menino tem um QI (Coefi-ciente de Inteligência) mais baixo.Não que ele tivesse desde o iníciomenos competência, mas porque natal primeira fase estava com menosatenção, trabalhava menos em casae tinha menos vontade de aprender.

De que modo as crianças lhe co-municam o seu estado emocional?Os meninos com três e quatro anosjá conseguem dizer alguma coisaatravés do jogo, os mais velhosatravés do desenho ou da históriaem episódios. Esta técnica consisteem pedir que contem uma históriasobre uma menina. E como habi-tualmente a história é muito projec-tiva, no caso dos meninos deprimi-dos ela nunca acaba bem… Por ve-zes pode indiciar sinais de grande

41a páginada educaçãojaneiro 2003

FACE a faceAndreia Lobo

foto: isto_é

foto: isto_é

diz Graça Fernandes, pedopsiquiatra no Hospital Magalhães de Lemos no Porto

"Um menino que desenha uma flor no meio dodeserto dá logo sinal de um grande isolamento"

avidez, de insaciedade, que depoisse manifesta em termos alimenta-res. «Como a história da menina queestava a brincar quando a mãe achamou para almoçar. Mas a comi-da era peixe e a menina ficou muitotriste». É o primeiro sinal de decep-ção. «A menina ficou triste porquequeria carne». «Só que o peixe atélhe soube bem». «Tão bem que amenina queria mais». Um sinal de in-saciedade. «Mas não havia maispeixe». Nova decepção.

No que diz respeito aos dese-nhos, um menino de sete anos quedesenha uma flor no meio do deser-to dá logo sinal de um grande isola-mento e de uma grande tristeza. Ou-tro menino que desenha uma bola elhe dá um pontapé que a fura, nor-malmente relaciona-se com a temá-tica do esvaziamento.

São estas técnicas, associadas àobservação da criança e tendo emconta o quadro clínico e o que ospais nos contam, que nos permitemreiterar o diagnóstico.

O que acontece depois de feito odiagnóstico?No caso de a criança sofrer efecti-vamente de uma depressão é casopara entrar num tratamento de psi-coterapia. Além deste tratamento,as crianças são também medicadas- não para o quadro em si, mas pa-ra os sintomas de mal-estar e dedesadaptação ao meio como as fo-bias e as perturbações de sono,etc. Depois pedimos aos pais paravoltarem daí por seis meses ou umano. O problema é que como faze-mos cada vez mais primeiras con-sultas, ficamos sem agenda paradar resposta às segundas consul-tas. A solução passa inevitavelmen-te por recorrermos a profissionaisexternos à instituição.

A psicoterapia funciona no hospi-tal [Magalhães de Lemos], ondeexistem grupos terapêuticos sema-nais baseados no jogo ou na pintu-ra. Os pais têm reuniões quinzenais.

Apesar de a avaliação do estadoda criança ser feita aqui [no consul-

tório da pedopsiquiatra] e de poderobservá-la mensalmente, posso pe-dir o apoio de uma psicóloga exte-rior à instituição para a acompanharuma vez por semana. E até há bempouco tempo a segurança socialcomparticipava estes tratamentosna totalidade... Porque ter uma de-pressão não é uma coisa leve, re-quer um investimento muito grandeno tratamento! Por vezes, os miúdoschegam a precisar de vir aqui [aohospital] uma vez por semana du-rante dois anos...

Que tipo de relação estabelececom os meninos que observa? Tem de ser uma relação afectiva. Mastambém temos de criar alguma distân-cia para que certo tipo de situaçõesnão nos perturbem. É claro que hásempre um ou outro miúdo que levono pensamento. Ainda há bem poucotempo tive uma consulta em que tivede fazer um esforço muito grande pa-ra não chorar… Não sou lamechas,mas há situações complicadas.

Noto cada vez mais, talvez porestar a lidar com crianças de certaforma mal tratadas pelo meio, querem termos sociais quer parentais,que tenho tendência a posicionar-me do lado da criança. Geralmente,quando falamos com duas partesprojectamo-nos mais numa do quenoutra. Veja-se o caso de pedofilia[na Casa Pia, de Lisboa]: ganhou es-tes contornos porque as pessoas seprojectaram nas vítimas. O que meleva a ter cada vez mais cuidado e aganhar alguma distância. Porque,apesar do envolvimento, temos deter sempre a consciência de quenão "levamos" estas crianças paracasa. Logo, elas vão ficar tanto me-lhor quanto mais adequadas ficaremaos pais. E estes vão ficar tantomais adequados quanto mais sesentirem de alguma forma aptos einvestidos por nós. Se investimosmuito na criança e pouco nos pais,pode acontecer que os pais não atragam à próxima consulta. E elanão vem por si própria...

42a páginada educaçãojaneiro 2003

praça da república

Um garoto de 15 anos pede ao pai que compre umjogo de computador. Para jogar, o garoto não rea-liza a leitura do manual, prefere começar direto pe-la prática. No jogo, se lança para conhecer: perso-nagens, ambientes, ações, ferramentas, busca nosistema uma lógica, a lógica das relações dos ob-jetos componentes do sistema: a lógica a que es-tá submetido no mundo real. Coisas do mesmo ta-manho devem ter mesma força. Um ser vivo nãopode ficar por muito tempo debaixo d´água semrespirar. Com raríssimas exceções, um tiro mata. Eassim sucessivamente.

Não perde tempo analisando o ambiente e par-te para a ação. Como todo jovem, começa subes-timando o jogo, tenta inúmeras vezes e é derrota-do. Percebe que apenas o senso comum do mun-do real em que vive, não basta. Começa seu dile-ma: o que me impede de vencer? Neste momen-to, se vê tentado a buscar o manual e aprender ajogar. Parece lógico que basta tomar conhecimen-to de como as coisas funcionam. Mas não o faz.Ele resiste a leitura do manual e volta para o jogo.

Agora, está ciente de como é necessário co-nhecer melhor aquele novo mundo, e erguer a par-tir da sua experiência ali, uma proposta de sensocomum. Observa o ambiente novamente. Estabe-lece estratégias de tentativa e erro, investe de for-ma acentuada nas variáveis, busca seus limitesmínimos e máximos, atinge estados de equilíbrionos quais percebe ter maior domínio sobre toda alógica fugidia do jogo.

Escolhe a maior arma, que lhe exige menospontaria, sai atirando para todos os lados, acaba

O segredo do aprendizado

foto: isto_é

Jogar com a vidaAs crianças preferem começar a aprendizagem pela prática.

Nos jogos perdem pouco tempo a analisar os ambientes e partem para a acção.

Perante o insucesso estabelecem estratégias de tentativa e erro. Pela prática acabam por descobrir a lógica do sistema.

OPINIÃOGustavo Gadelha

[email protected]

Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial

(Senai) e Centro de

Tecnologia Industrial

Pedro Ribeiro

(Centid) – Brasil

A educação hoje é a mesma educação que deveria ter sido feita no passado.

Não há diferença, há talvez, uma mudançade qualidade, uma superação,

com uma essência que se mantém.

morrendo com o próprio tiro contra a parede, ou aocontrário, armas maiores exigem balas maiores eem menor número, suas balas acabam e morreatacado por uma faca do jogador adversário. Nema faca, nem o foguete. Escolhe uma metralhadora.Avança e sobrevive por mais tempo.

Quando menos espera, meio que de surpresa,atinge o primeiro objetivo, vence a primeira fase.Habilitado para conhecer a segunda fase, percorretodo o caminho novamente, mas desta vez, comvariáveis diferentes, outros ambientes, novas ferra-mentas e personagens. A lógica se amplifica, ain-da mais complexa, mas permanece a mesma paratodas as fases. Seu objetivo no jogo não é mais oobjetivo do jogo, sobreviver ali é sinônimo de ven-cer, visto que cedo ou tarde, os ambientes vão sen-do conduzidos para o mesmo lugar, no sentido deatingir o objetivo do jogo. (qualquer analogia destemodelo lógico de funcionamento com o que cha-mamos de destino não é mera coincidência).

Sem ler o manual, apenas conhecendo o am-biente, aprende a jogar. O aprendizado não se dáde forma simples, sem seu envolvimento integral,sem errar e morrer repetidas vezes. Mais que to-mar conhecimento do jogo, participa de ativida-des, confere as habilidades que adquire in loco e

é avaliado imediatamente, pois não há neste caso,outro significado para sua morte virtual.

Pensar em educação hoje exige uma reflexãosobre as formas de uso destes ambientes para de-senvolver nossa curiosidade ingênua, buscandotransformá-la em curiosidade epistemológica, su-peração que se dá na medida em que a curiosida-de ingênua se criticiza e ao criticizar-se, metodica-mente rigorizando-se na sua aproximação ao ob-jeto, conota seus achados de maior exatidão. Acuriosidade muda de qualidade, mas não de es-sência, pois é a mesma curiosidade que move einquieta todos nós, sempre em busca da supera-ção e da transformação nesta curiosidade maior,mais crítica e humana, epistemológica. A educa-ção hoje é a mesma educação que deveria ter si-do feita no passado. Não há diferença, há talvez,uma mudança de qualidade, uma superação, comuma essência que se mantém. Da curiosidade pa-ra a educação, como propôs Paulo Freire, peda-gogo brasileiro e referência mundial, autor da "Pe-dagogia da Autonomia", fonte das idéias expostasneste parágrafo.

Enfim, proponho uma reflexão que justifica ouso das novas tecnologias para a educação: jogarcom a vida a uns dez, vinte anos atrás, tambémensinava, mas ensinava os outros aquilo que nãodeveria ser feito, porque o ator do processo dificil-mente escapava da morte. Jogar com a vida hojeé apenas mais uma fantasia do universo virtual, ede uma coisa podemos estar certos: ao menos damorte real, estaremos todos salvos por enquanto,e de quebra, podemos até aprender alguma coisa.

43a páginada educaçãojaneiro 2003

andarilho

O "franchise" de mais confiança domundo do Cinema nasceu assim: "Ja-mes Bond suddenly knew that he wastired . He always knew when his bodyor his mind had had enough and heacted on the knowledge." O autor IanFleming apresentava assim o seu au-to confiante e sádico agente secretoem " Casino Royale ", publicado em1953. Mas Bond está , claro, em 20 fil-mes desde essa altura. Estes conser-varam-no fresco e deram-lhe umaidentidade para além da marca.

Vejamos o actual Bond, PierceBrosnan, cuja estreia "Die AnotherDay" aconteceu o mês passado. Asua expressão facial faz com que asfotografias pareçam não ter qual-quer significado. Brosnan é, sem du-vida, o mais discretamente (?) bidi-mensional de todos os 007. É tãoprofissional que nos poderia con-vencer que qualquer um poderia fa-zer um filme do 007. Mas enquantoantes a sua indiferença significava asua impermeabilidade ao destino,agora parece mais um acto de mími-ca. Para provar que James Bond éuma ideia cansada, basta notar queas energias de todos os envolvidosna feitura dos filmes de Bond são di-rigidas para desviar a nossa atençãodo inevitável da sua redundância.

É claro que continua a ter muitapiada descobrir os "fait-divers" darotina habitual: as novas "Bond girls",os novos cenários naturais, novosadereços ("gadgets" ... mas mesmoque se seja um fã de Bond , e eu sou,não nos passa às vezes pela cabeçao desejo de ver o "Death of Bond"?

Afinal, para quase todas as gera-ções de frequentadores de cinema,

Bond is forever

CINEMAPaulo Teixeira de SousaEscola Artística

Soares dos Reis

Bond está aí… forever ( e logo quese diz a palavra, ouve-se a voz deShirley Bassey ). É verdade que, co-mo diria qualquer dos seus arqui-ini-migos, ele sobreviveu à sua inutili-dade. É verdade que ele fez parte dareconstrução da identidade multi-cultural britânica, com as suas atitu-des de superioridade para com oresto da Humanidade.

James Bond acumula dois fac-tos: é o último super-herói e o últi-mo êxito de bilheteira britânicos.Não que os lucros fiquem no ReinoUnido – vão, naturalmente, para osprodutores americanos – mas o or-çamento é gasto em estúdios e téc-nicos britânicos.

Enfrentemos os factos como seestivéssemos num congresso deoperacionais do SMERSH: enquan-to fizer montes de dinheiro, 007 éimortal, digamos o que digamos. Eletem apenas de vencer cada geraçãode frequentadores de cinema en-quanto puder. Durante os anos deRoger Moore, Bond estava tão fatal-mente fora de moda quanto erapossível com a juventude dos anos70. No entanto, as intermináveis re-posições na televisão tornaram-noparte do vazio cativante da década,o que mais tarde, algo perversa-mente, o tornou "in" para os ironis-tas das gerações X e Y.

De qualquer maneira Bond já fazparte da nossa cultura. Ao ler "CasinoRoyale" parece que Ian Fleming inspi-

rou o mundo moderno consumista.Se Fleming não tivesse sido tão pro-fético ao perceber as aspirações auma vida sofisticada e em grande es-tilo por parte dos ocidentais dos anos50, não teria dado a Bond aquele arsnob, epitomisado pelo célebre "Vod-ka Martini shaken not stirred". Mas seBond não fosse assim, estaríamos,hoje, tão "apanhados" por estilistas esuper-modelos?

Quem sabe? Bond nasceu du-rante a revitalização da indústria ecomércio Britânicos do pós-guerra.Asfixiado pelas dívidas de guerrapara com os Estados Unidos, o Rei-no Unido recuperou mais lentamen-te do que os seus ex-inimigos, aAlemanha (Ocidental) e o Japão.Mas a meados dos anos 50 a eco-nomia melhorou e a mobilidade so-cial renasceu.

O feito genial de Fleming foi aconstrução do perdurável "glamour"de Bond. Pode-se louvar o insubsti-tuível Sean Connery por ter feito oseu trabalho: aquele sotaque e artrocista de Edimburgo tornaram su-ficientemente crível o seu gosto porduches gelados, enquanto o seusorriso, meio cativante, meio iróni-co, era suficiente para explicar qual-quer pouco plausível conquista fe-minina. A sua excelência criou umafantasia, não só para os conhecedo-res da ficção de espionagem, mastambém para o verdadeiro públicode Bond: os fantasistas de colarinho

branco. Bond encaixa melhor no ar-quétipo do grande homem de negó-cios do que no do verdadeiro es-pião. Com o seu reconhecido bri-lhantismo, Bond é a imagem do queveio a ser , devido à sua influência, o"executive style" : o ar "cool" no ca-sino, o vestir para o jantar, os carrosespampanantes, os fabulosos "gad-gets", as conquistas de mulheresexóticas e a intrínseca superiorida-de sobre todas as raças tornam-nona definitiva fantasia do executivodo pós-guerra.

Então o que está ele a vender-nos? O Bond de Fleming é o últimogrande patife do imperialismo britâ-nico, um sinal de que o imperialismomoribundo ainda tinha um ferrãoterrível para usar. O James Bond dePierce Brosnan parece cada vezmais uma piada pós-moderna deresposta ao novo intelectualismobritânico, representado por HughGrant, num filme com argumento deRichard Curtis. É xenofobia. Claro,que vai progressivamente desapa-recendo, mas que ainda se nota emalgumas piadas. Não admira que orealizador do último Bond, Lee Ta-mahori (sim, o do interessantíssimo"Once We Were Warriors", por iro-nia, um neozelandês), não esteja an-sioso "por ser muito politicamentecorrecto".

P.S. John Carpenter , além de ser o realizador ecompositor que se conhece, lançou no mercadoum jogo de computador, baseado no seu filme"The Thing", e vai ainda editar albuns de B.D. Segundo os especialistas é algo a não perder.

"De repente James Bond soube que estava cansado.

Ele sabia sempre quando o seu corpo ou a sua

mente tinham atingido o limite e agia de acordo com isso."

44a páginada educaçãojaneiro 2003

andarilho

Espirito e letra Serafim Ferreira

Crítico literário

Entre Pássaros e o MarMaria Albertina MiteloEdições Afrontamentopp. 69

M. Albertina Mitelo escreve uma poe-sia minimalista, tensa e concentrada.Embora fale do avassalador ímpetodo poema (...), apetece dizer que éuma poesia "silenciosa", tal a suasubtileza e discrição, que prefere su-gerir (e muitas vezes insinuar), em vezde declarar.

O Rapaz que Viviana TelevisãoLuísa Ducla SoaresManuela BacelarEdições Afrontamentopp. 44

Luísa Ducla Soares é uma das maisreconhecidas escritoras para crian-ças. Manuela Bacelar escreve e ilustra

para crianças e foi já premiada nacional e internacional-mente. Da dupla do livro "Os Ovos Misteriosos", nasceagora mais uma história para encantar miúdos e graúdos.

Memória e UtopiaCompanhia ilimitadaIsabella OliveiraEdições Afrontamentopp. 132

Este é um livro que resgata a infânciae a adolescência da autora num Mo-çambique colonizado a quem as lu-tas de libertação e a revolução portu-guesa deram o conteúdo a esta me-

mória carregada de utopia.

AdágioRevista do Centro Dramático de Évorapp. 142

Um número duplo dedicado a Gil Vi-cente (500 anos cumpridos sobre aprimeira representação vicentina),onde também se dá conta da Progra-mação de Coimbra- Capital da Cultu-ra 2003.

40 Actividadespara a Formação CívicaGuia de recursos para o director de turmaEnsino BásicoCândida VieiraEdições Asapp.111

Um livro que tem como finalidade "odesenvolvimento integral da do aluno", uma vez que, co-mo alguém disse, "crescer implica, entre outros factores,aprender a relacionar-se".

O Espaço e o TempoDa Ciência gregaà ontologia existencialDaniel Duarte de CarvalhoJosé Ferreira BorgesEdições Afrontamentopp. 248

Da tradição grega ao Renascimento,da física newtoniana à de Albert Eins-

tein, do criticismo Kantiano à filosofia de Heidegger sãoos percursos eleitos pelos autores para evidenciar o sen-tido que assumiu a evolução do conceito de espaço etempo ao longo da história do pensamento ocidental.

foto: isto_é

Sabemos como desde O Secreto Adeus (1963),Baptista-Bastos tem procurado testemunhar asrazões da asfixia cultural e social vivida nos anos60 (quando o fascismo salazarista pôde reforçaras suas amarras no advento da guerra colonial),nesse desejo tão coerente de "transformar a soli-dão em revolta" e ser isso um belo pretexto paraum escritor tantas vezes pretender reconstruir asua moral "a partir de pequenas afirmações quoti-dianas de protesto, honradez e incomodidade". Eé assim que toda a prosa de ficção de Baptista-Bastos se deve entender como denúncia de umtempo asfixiante, surdo e tão mentiroso, por entreo conhecimento de mentalidades rasteiras e me-díocres, num modo de deixar-andar por não serpossível outra forma de conivência que não fossefalar à boca calada, ao luar das esquinas ou àsmesas dos cafés, na atenção de olhares suspeitose conversas cruzadas de muitas outras intenções,por entre boatos e sonhos depressa desmentidos,angústias, prisões e mortes um pouco por toda aparte no Portugal salazarista e marcelista que oautor de Cão Velho Entre Flores sempre recuperanas páginas dos seus breves romances.

Por isso, não se descobrem nas suas páginasnarrativas quaisquer personagens de que o leitordepois se lembre, porque o que sempre orienta o"discurso" ficcional de Baptista-Bastos é esse ape-lo à memória como sentimento do tempo vivido porentre aventuras e histórias de que se torna no prin-cipal narrador ou esse mesmo se joga num proces-so narrativo e confessional que recorre à memóriacomo forma de reconstituir um tempo presente epassado, mas recuperado através das sombras efantasmas que marcaram o seu próprio trajecto emquase setenta anos de vida. Assim, nas elegias, ale-gorias ou parábolas de que se justifica esse "cos-mos" do autor de A Colina de Cristal, o que maissobressai é ainda o sentido pessoal de saber evo-car as mesmas gentes e os mesmos lugares por ca-minhos visíveis e recuperados sob outras perspec-tivas ou sentimentos, mas sempre num processo li-terário único e individualizado de a escrita ser a suapossível salvação, mesmo na repetida atitude de fi-xar a realidade nos limites do sonho e da certeza,da ilusão e de alguma não escondida inocência poresses lugares de espanto e de denúncia.

Assim, uma vez mais este romance-narrativa,intitulado No Interior da Tua Ausência, que parecedizer desde logo o mais essencial, o que de novose depara ao olhar atento do leitor, nos fios da me-mória e no tom tão coloquial e de sobreposição co-mo se articula toda a história ficcional, é ainda es-sa mesma relembrada amargura (amores feitos edesfeitos, caladas humilhações ou desgostos, no

meio de uma vida cinzenta, pesada e difícil comoera a dos tempos desse Portugal salazarista que acada passo se evoca) com que Baptista-Bastosassume uma vez mais essa razão e força de nãosaber "fazer batota com as palavras" e sempre de-sejar "escrever coisas que as pessoas compreen-dam, mesmo se aquilo que escrevo possa parecercodificado, exactamente porque é minucioso".

Mas, nesta repetida forma de descer aos infer-nos da memória pelos mesmos rios e lugares deoutrora, uma e outra vez o Autor faz entender a li-teratura ou a prosa de ficção como a atitude deverdade em que todas as tensões e ilusões secombinam nos passos dados e andados, mesmona evocação de quem se encontrou nesse cami-nho de tantos anos (Aquilino, Carlos de Oliveira,Fernando Namora, Manuel da Fonseca e outros).E, quase no termo desse percurso revivido oureinventado, ainda desabafar: "Não me reconheçonesta casa, neste país. Tenho medo. Não é demorrer, é de envelhecer. A velhice é muito maischata do que a morte. Porque a morte é assim,não se sabe como." Ou, ao reconhecer-se comoum "homem sem terra e sem sítio", procurar re-solver os problemas do livro que escreve (este ououtros que hão-de chegar), na plena consciênciaou sentido desencanto de proclamar ser "um ho-mem que não viveu o que desejava viver, inventotudo, recupero memórias que me não pertencem,memórias dos outros, de outra gente,de gente queme não pertence, gente muito velha e morta".

Mas neste acto de se assumir em consciênciapessoal, numa espécie de ajuste de contas consi-go mesmo e com os outros que andaram ou secruzaram no seu caminho, Baptista-Bastos decla-ra uma vez mais, no entusiasmo da escrita e na sin-ceridade narrativa que nunca deixa de lado, que "oque lhe fazia falta era aquele tempo, tempo de ami-gos. O que faz falta aos homens é o tempo em queviveram um determinado tempo, onde os amigosdefinem e marcam esse tempo". E por isso é dotempo que sempre se fala, desse tempo "em que amemória cresce", e os amigos ou os homens queforam companheiros de aventura se arvoram aindacomo sombras ou marcos que ficaram para escla-recer ou evocar esse tempo e espaço de cobardiase esperanças, de tantos actos de amor e de ódio.Enfim, uma profunda "ausência" relembrada pordentro, na intimidade dos lugares e das pessoas.Um tempo de outrora e de hoje, sempre.

Baptista-BastosNO INTERIOR DA TUA AUSÊNCIAEd. ASA / Porto, 2002

ou a memória como sentimento

Baptista-Bastos

45a páginada educaçãojaneiro 2003

andarilho

EM portuguêsLeonel Cosme

foto: isto_é

O observador preocupado com os sintomas da"sociedade unidimensional" de que falava Marcu-se há-de reflectir sobre o imperativo práxico e éti-co de apurar o seu "sentido de escolha" para es-capar à rasoira uniformista que todos os poderesabsolutos (políticos, económicos, religiosos, mi-litares) empunharam, ao longo dos séculos, emnome de uma suprema aspiração: o reino da li-berdade e da abundância.

Só que este desiderato, sempre proclamado co-mo um ideal colectivo, em que todos seriam iguaisa todos, em consideração e oportunidades, logo seperfilou como uma expressão ideológica das váriasculturas e civilizações, que, embora reclamando-sedo reconhecimento de representações universaiscomo a Natureza, o Homem e Deus, tendo verifi-cado não ser fácil mudar o mundo, quiseram recriá-lo segundo as suas "interpretações", postulandoentão as leis e os rituais que correspondiam às exi-gências da manutenção dos poderes efectivos.

Invasores, descobridores, cruzados, colonizado-res - todos foram agentes duma "recriação" que, afi-nal, só visava "retocar" o mundo, a partir de um mo-delo neutralizador das diversidades culturais dospovos mais fracos, portanto à feição e medida dos

interesses prevalecentes dos povos mais fortes. Milénios decorridos sobre encontros e confron-

tos de povos, culturas e civilizações, em que mui-tos poderes desapareceram e outros surgiram nacorrente tumultuosa de um Rio chamado História(passe o "empréstimo" de um título de Mia Couto),e outros ainda, por instinto de sobrevivência, se re-meteram para as margens do Tempo, esperança-dos em que o turbilhão não fosse o prenúncio doArmagedão - eis que um novo poder se apresentacomo sendo o último paradigma: tem o nome deEstados Unidos da América, arvora a glorificadabandeira da Liberdade e da Abundância e, pela pri-meira vez na história da humanidade, é único a rei-nar sobre a Terra, empunhando duas "armas" - ocapital e a técnica - e um "escudo" - a timocracia -com que se afirma capaz de suster ou desviar todasas torrentes e assim reformular o sentido da vida.

Nas margens, rendidas perante o desafio ameri-cano ou não resignadas perante o sentimento de quea vida é um jogo de poderes em que ganha quempossui mais trunfos, entrecruzam-se as vozes dos es-pectadores: "Agora nós somos todos americanos!" -"Eu não sou americano e a vida não é um jogo!"

Num recesso televisivo da ocidental margem

lusitana, um grupo de "experts" da Economia (queBurnham incluiria na "pós-moderna" classe direc-torial dos "managers"), em ameno circunlóquioem que se debatia a inelutabilidade da dependên-cia das "economias abertas" e o imperativo da"competitividade" para evitar que os 20% de maisricos da população mundial se somassem aos80% de pobres e remediados, assentiam com ver-dadeira fé de jogador darwinista: "Isto é um jogo,sim, em que só perde quem ficar de fora!"

É verdade que nenhum declarou "Nós somostodos americanos", nem era preciso, face à evi-dência de um mundo de "soberanias limitadas".Mas estarrecia o observador preocupado, mesmocerto de que no mundo das ideias nada está con-cluso, verificar que, em Portugal, a espectral so-ciedade unidimensional que Marcuse, Baudrillardou Lipovetsky caracterizavam como filha da racio-nalidade técnico-administrativa do aparelho pro-dutivo e da "servidão voluntária" do consumidorpor aquele induzida, já se manifestava tambématravés de uma espécie de psitacismo - a doençaque faz os papagaios repetir maquinal e acritica-mente o que lhe dizem - e tranquila alienação: "Seo que nos dizem está errado, a culpa é deles!"

A doença dos papagaios

46a páginada educaçãojaneiro 2003

andarilho

"Às dezessete horas da sexta-feira, 13 de dezem-bro do ano bissexto de 1968, o marechal Arthur daCosta e Silva, com a pressão a 22 por 13, parou debrincar com palavras cruzadas e desceu a esca-daria de mármore do Laranjeiras para presidir oConselho de Segurança Nacional, reunido à gran-de mesa de jantar do palácio. Começava uma mis-sa negra. Composto por ministros demissíveis adnutum, o Conselho sempre fora uma ficção. Suasdecisões, sem a chancela do presidente, nada va-liam. Sua competência legal para tratar da matérialevada à suposta consulta era nula.

O marechal deteve-se na porta do salão, con-versando baixo com o vice-presidente Pedro Alei-xo, que acabara de chegar de Belo Horizonte. De-moraram-se por quase meia hora. Quando Costae Silva ocupou a cabeceira da mesa, cada minis-tro tinha uma cópia do Ato Institucional nº 5 emfrente a seu lugar. Dois microfones, colocados os-tensivamente sobre a mesa, gravariam a sessão. Asala estava tomada pelo barulho de sirenes de veí-culos que circulavam no pátio da mansão.

O presidente abriu a sessão com um discursoem que se denominou "legítimo representante daRevolução de 31 de março de 1964" e lembrou quecom "grande esforço [...] boa vontade e tolerância"conseguira chegar a "quase dois anos de governopresumidamente constitucional". Ofereceu ao ple-nário "uma decisão optativa: ou a Revolução con-tinua, ou a Revolução se desagrega". Batendo namesa, anunciou que "a decisão está tomada" e pe-diu que "cada membro diga o que pensa e o quesente". Era o primeiro discurso desconexo daque-la sessão presidida pela determinação de procla-mar uma ditadura. O marechal suspendeu a reu-nião por vinte minutos, para que cada ministro les-se o texto, e desculpou-se pela pressa. Com umpreâmbulo de seis parágrafos, o Ato tinha doze ar-tigos e cabia em quatro folhas de papel. Sua leitu-ra atenta exigia pouco mais que cinco minutos.Costa e Silva retirou-se debaixo de aplausos.

Na volta, deu a palavra ao vice-presidente Pe-

dro Aleixo, respeitado liberal da udn mineira, co-nhecido tanto pela sua retidão como por uma so-lene tibieza. Sereno e com elegante pronúncia,Pedro Aleixo falou como se estivesse numa salade aula da faculdade de direito. Defendia simulta-neamente o regime constitucional e sua biografia.Mais esta que aquele. Começou ensinando que aCâmara só poderia ter dado a licença para pro-cessar Marcio Moreira Alves se agisse com basenum critério político, pois não poderia fazê-lo "se-gundo as normas do direito aplicáveis ao caso".Ou seja, o "insólito agressor da dignidade dos ele-mentos componentes das Forças Armadas" nãopodia ser processado pelo conteúdo de um dis-curso proferido da tribuna. O vice-presidente de-clarou-se favorável a um remédio constitucional —o estado de sítio — e denunciou o conteúdo doAto que acabara de ler: "Da Constituição, que éantes de tudo um instrumento de garantia dos di-reitos da pessoa humana, e da garantia dos direi-tos políticos, não sobra [...] absolutamente nada"."Estaremos [...] instituindo um processo equiva-lente a uma própria ditadura."

Falara o respeitado bacharel, mas cabia ao vice-presidente concluir. Com a ditadura na mão, pros-seguiu: "Todo ato institucional [...] que implique namodificação da Constituição existente, é realmen-te um ato revolucionário. Que se torne necessáriofazer essa revolução, é uma matéria que poderáser debatida e acredito até que se pode demons-trar que essa necessidade existe". Admitiu que seo estado de sítio viesse a se mostrar insuficiente,"a própria nação [...] compreenderia a necessidadede um outro procedimento". Despediu-se reafir-mando obliquamente sua discordância e, dirigin-do-se a Costa e Silva, anunciou sua "certeza deque estou cumprindo um dever para comigo mes-mo, um dever para com Vossa Excelência, a quemdevo a maior solidariedade". Em nenhum momen-to Pedro Aleixo disse diretamente que condenavaa promulgação do Ato. O bacharel denunciou a di-tadura, mas nela se manteve vice-presidente.

"Acabamos de ouvir a palavra abalizada do vi-ce-presidente [...], da qual discordo absolutamen-te", emendou o almirante Augusto Rademaker, mi-nistro da Marinha. Era expoente da linha dura naArmada. Militante integralista nos anos 30, mem-bro do comando revolucionário de abril de 1964,tomara dois dias de cadeia durante o mandato deCastello por ter criticado o governo. Ganhara ocargo depois de ter passado dois anos numa es-crivaninha de adido ao gabinete do ministro. "Oque se tem que fazer é realmente uma repressão",acrescentou. O marujo foi às águas do direitoconstitucional e argumentou que "o recesso, ameu ver, não requer estado de sítio, por enquan-to". Naufrágio, pois pela Constituição ainda vigen-te o estado de sítio nada tinha a ver com o reces-so parlamentar, que nem sequer poderia ser de-cretado durante sua duração.

Entrou o ministro do Exército, Lyra Tavares:"Nós estamos agora perdendo condições [...] demanter a ordem neste país". E ameaçou: "É preci-so assinalar que foi com grande sacrifício que asForças Armadas, particularmente o Exército, guar-daram até aqui, como fato inédito na história polí-tica do Brasil, o seu silêncio, à espera de uma so-lução, e convencidos — todos os quadros — deque não pode deixar de haver essa solução" (…)

*excerto do primeiro volume (de uma série de cinco) da obra do jor-nalista Elio Gaspari que reconstitui o período da ditadura brasileira.Neste primeiro volume do início do governo militar, em Março de1964, até a edição do Ato Institucional nº 5, em 1968.

Editora: Companhia das LetrasISBN: 8535902775Ano: 2002Volume: 1Edição: 1Número de páginas: 424

(Para conhecer melhor o Brasil que Lula herda)

A missa negra*

foto: isto_é

47a páginada educaçãojaneiro 2003

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48a páginada educaçãojaneiro 2003

Esta espantosa imagem do Sol foi

obtida no passado dia 15 de Julho

pelo novo telescópio solar sueco, em

La Palma, nas Canárias. Só foi possí-

vel graças a um conjunto de novas

tecnologias que eliminaram os efei-

tos da turbulência atmosférica da

Terra. É a imagem solar com maior

detalhe conseguida até hoje e retrata

uma mancha solar. Aí se pode obser-

var uma zona central, escura (a um-

bra), onde o forte campo magnético

local impede a ascensão à superfície

do plasma - gás ionizado - quente

proveniente do interior. Esta fotogra-

fia foi, por motivos estéticos, colorida

artificialmente.

Sol com grande detalheFOTO ciência com legenda

Luís Tirapicos

Os recursos hídricos merecem a nos-sa crescente atenção na medida emque as necessidades de água doce,em quantidade e em qualidade, au-mentam ao ritmo do crescimento dapopulação e da poluição, à escalamundial. Hoje, a água é consideradaum bem natural precioso, por escas-so e pela qualidade frequentementeinadequada para o abastecimentohumano. O desenvolvimento susten-tado terá de ser suportado na preser-vação dos recursos naturais, desig-nadamente em fontes de energia ten-dencialmente renováveis, em recur-sos minerais reciclados, em disponi-bilidade de água e na preservação dabiodiversidade.

O aproveitamento dos recursosde água doce superficiais colocam aevidente necessidade de constru-ção de barragens cujas albufeirasregularizem os cursos de água eidealmente optimizem a disponibili-dade de água colhida e escoada emcada bacia hidrográfica.

As barragens colocam contudouma variedade de problemas querequerem consideração atenta - de-signadamente riscos geotécnicos esísmicos e impactos biológicos, cli-máticos, agrícolas, sócio-culturais eeconómicos, nos territórios e naspopulações adjacentes.

As barragens representam sem-pre uma violenta perturbação, des-truindo frequentemente patrimóniocultural, levantando problemas so-ciais, interferindo nos equilíbrios na-turais e contribuindo para a diminui-ção da biodiversidade. As barragensperturbam a dinâmica fluvial, interfe-

DA CIÊNCIAe da vida

Rui Namorado Rosa Universidade de Évora

Recursos hídricosPortugal tem, desde a década de 1950, uma considerável experiência no projecto e construção de grandes barragens (…)

Desde então tais empreendimentos tornaram-se mais exigentes (…) Consequências indesejáveis não previstas ou não pon-

deradas, visão redutora da utilidade económica e social da água e erros de apreciação cometidos, são lições do passado que

devem ser reflectidas.

As grandes barragens e os exten-sos sistemas hidráulicos contri-buem para alterações locais e regio-nais, pelo que se coloca a necessi-dade de avaliar este tipo de em-preendimentos no contexto vastodas suas diversas consequências.Sendo as barragens e as redes hi-dráulicas elementos fundamentaisna gestão dos recursos hídricos, im-portantes também no âmbito dosrecursos energéticos renováveis, aanálise dos seus impactos positivose negativos deve ser vista integra-damente, sendo em cada caso im-perativa a realização de estudos queintegrem o conhecimento da atmos-fera, da biosfera, da hidrosfera e daparte superior da litosfera, no qua-dro geográfico concreto.

Agora que a albufeira de Alquevaestá já em enchimento, para além dosestudos prévios do empreendimentoque foram (ou não foram) feitos, im-pera agora a necessidade de mantersob observação e monitorização, aolongo de largos anos, os impactosdesta grande albufeira, alguns que sefarão sentir no curto prazo mas outrosque só a longo prazo se tornarão evi-dentes. Estão reconhecidamente emcausa a sismicidade induzida ou de-sencadeada pelo peso da massa deágua, a alteração da climatologia lo-cal e regional induzida pela absorçãode radiação solar e o incremento devapor de água na atmosfera, a quali-dade de água afluente, que deverápermitir a utilização dessa água paratodos os fins úteis previstos e permi-tir manter a albufeira em condiçõesde vida biológica equilibrada.

rindo no ciclo natural dos processoserosivos e sedimentares, causandoimpactos locais mas também regio-nais que alcançam o mar, subtraindonutrientes necessários nas águasestuarinas e costeiras e contribuindopara a erosão das linhas de costa.

A longa experiência acumulada,desde a Antiguidade até ao séculoXX, século em que se realizaram asmais ambiciosas obras de engenha-ria deste tipo, desde os EstadosUnidos ao Egipto e à China, permiteque os problemas inerentes a estetipo de empreendimento sejam emprincípio antecipáveis. O que nãoquer dizer que tenham sido – e se-jam já – completa e inteiramenteponderados, o que só será possívelse, aos interesses económicos sec-

toriais ou mesmo privados de curtoprazo, se sobrepuser o interesse so-cial de longo prazo, em que o inte-resse humano não é separável doequilíbrio dos sistemas naturais.

Portugal tem, desde a década de1950, uma considerável experiênciano projecto e construção de gran-des barragens, para fins de irrigaçãoe de produção hidroeléctrica. Desdeentão até agora tais empreendimen-tos tornaram-se mais exigentes, naavaliação dos respectivos benefí-cios e dos respectivos impactos.Consequências indesejáveis nãoprevistas ou não ponderadas, visãoredutora da utilidade económica esocial da água e erros de apreciaçãocometidos, são lições do passadoque devem ser reflectidas.

foto: isto_é

O aproveitamento dos recursos de água doce superficiais colocam

a evidente necessidade de construção de barragens cujas albufeiras

regularizem os cursos de água e idealmente optimizem a disponibili-

dade de água colhida e escoada em cada bacia hidrográfica.

Foto: STS, Real Academia Sueca das Ciências