niveis de construcao da escrita - pag.47-53

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Governo do Paran Secretaria de Estado da Educao

ConCepes e experinCias na alfabetizao de Jovens, adultos e idosos

Cadernos Temticos da Diversidade

GOVERNO DO ESTADO DO PARAN SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE COORDENAO DE ALFABETIZAO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS

CADERNOS TEMTICOS DA DIVERSIDADE

CONCEPES E EXPERINCIAS NA ALFABETIZAO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS

CURITIBA SEED/PR 2010

Governo do Estado do Paran

SRIE CADERNOS TEMTICOSDO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE DO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE SRIE CADERNOS TEMTICOS DepsitoDepsito legal na Fundao Biblioteca Nacional, conformeLei Federal n. 10.994/04, dede 14 de legal na Fundao Biblioteca Nacional, conforme Lei Federal n. 10.994/04, 14 de dezembro de dezembro de 2004. 2004. permitida a reproduo ou parcial desta obra, desde que citada fonte. permitida a reproduo totaltotal ou parcial desta obra,desde que sejaseja citada fonte.

Orlando Pessuti Secretaria de Estado da Educao Yvelise de Souza Arco-Verde Diretoria Geral

Projeto Grfico MEMVAVMEM

Capa, Projeto Grfico e Diagramao XXXXXXXXXXXXXXXXX

Altevir Rocha de Andrade Superintendncia da Educao Alayde Maria Pinto Digiovanni Departamento da Diversidade

Diagramao Reviso Ortogrfica Ideorama Design e Comunicao Ltda. (www.ideorama.com.br) XXXXXXXXXXXXXXXXX

CATALOGAO NA FONTEParan. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Departamento da Diversidade. Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos. Programa Paran Alfabetizado. Cadernos temticos da diversidade : concepes e experincias na alfabetizao jovens, adultos e idosos / Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Departamento da Diversidade. Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos. Programa Paran Alfabetizado. Curitiba : SEEDPR., 2010. 123 p. ISBN:978-85-85380-96-0 1. Alfabetizao. 2. Educao-Paran. 4. Educao de adultos. 5. Educao de Jovens. I. Programa Paran Alfabetizado. II. Ttulo.

Wagner Roberto do Amaral Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos Izabel Cordeiro Ribas Andrade Equipe da Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos Ciomara S. Amorelli Edilson Gomes Costa Franklin Santos Haindy Krger Albuquerque Joo Carlos de Oliveira Lia Burigo Maria Devanir Estrela Paulo Csar Bandeira Santos Priscila Anglica Santos Sehnem Zulsi Maria Teixeira Rohr Assessoria Pedaggica Vera Lcia Queiroga Barreto Organizadores Edilson Gomes Costa Izabel Cordeiro Ribas Andrade Maria Daise T. Rech Zulsi Maria Teixeira Rohr

CDD370 CDU374(816.2) SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO DO PARAN SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO DO PARAN AVENIDA GUA VERDE, 2140 VILA IZABEL SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO TELEFONE(XX41) 3340 1735 3340 8422 www.pr.gov.pr DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE www.paranaalfabetizado.pr.gov.br COORDENAO DE900 CURITIBA/PR DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOS CEP: 80 240 ALFABETIZAO

AVENIDA GUA VERDE, 2140 VILA IZABEL TELEFONE(XX41) 3340 1735 3340 8422DISTRIBUIO GRATUITA IMPRESSO NO BRASIL CEP: 80240-900 CURITIBA/PR www.pr.gov.pr www.paranaalfabetizado.pr.gov.br

DISTRIBUIO GRATUITA IMPRESSO NO BRASIL

APRESENTAO DA SECRETRIAO analfabetismo um fenmeno social e uma realidade que, apesar da progressiva reduo das taxas, se apresenta constante na histria do nosso pas e que atinge, fundamentalmente, as localidades marcadas pela pobreza e pela desigualdade scio-econmica. Portanto, pode e deve ser superado. obrigao constitucional e dever do Estado, em parceria com a sociedade civil organizada, garantir o acesso leitura e escrita a todas as pessoas. Esse um direito de todos os jovens, adultos e idosos, ainda no alfabetizados, alm de uma poderosa ferramenta para o exerccio pleno e incondicional da cidadania e para a conquista de outros direitos que, historicamente, foram negados a esses sujeitos. Segundo Paulo Freire, todos somos incompletos, j que precisamos uns dos outros; inconclusos, j que estamos em transformao; e tambm, inacabados, ou seja, imperfeitos. O cerne desse pensamento freireano est na insatisfao que move o ser humano para o ser mais, para o esperanar. Esperana de alcanar, algum dia, a emancipao, a autonomia e o protagonismo de suas prprias vidas e das transformaes importantes na sociedade em que vivemos. O processo alfabetizador, dessa maneira, deve afirmar e reafirmar a atualidade do aprender e do ensinar, reconhecendo, revelando e potencializando os educadores e educandos, enquanto sujeitos de suas trajetrias, experincias, linguagens, culturas e conhecimentos, como afirma o prprio Freire. Este Caderno Temtico refora o compromisso da Secretaria de Estado da Educao com a melhoria da qualidade da educao, atravs da oferta da alfabetizao e da escolarizao a todos os jovens, adultos e idosos no alfabetizados e no escolarizados, como poltica pblica de Educao de Jovens Adultos. Promove uma reflexo sobre o processo alfabetizador e a relao do educador com o conhecimento, com os valores culturais e, sobretudo, com a autonomia intelectual de si mesmo e de seus educandos. Nosso desejo, ao disponibilizar este material, que ele seja um aliado na formao dos alfabetizadores e coordenadores regionais e locais do Programa Paran Alfabetizado, no processo ensino-aprendizagem, que inerente ao ato amoroso de alfabetizar. Que ele se constitua como um instrumento de elaborao e socializao de conhecimentos e que esses, contribuam para ampliar a viso de mundo. Que dele, enfim, nasam novas proposies e recriaes aliceradas nas prticas cotidianas das turmas de alfabetizao, da realidade de cada educador e educando, do concreto de suas vidas.

Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde Secretria de Estado da Educao

Cadernos TemTiCos da diversidade

APRESENTAO com orgulho que apresentamos esta publicao, resultado da atenta escuta dos depoimentos de milhares de jovens, adultos e idosos alfabetizados nas cerimnias de certificao dos municpios paranaenses livres de analfabetismo, nas Caravanas da Alfabetizao, nas festas de encerramento, nos Simpsios de Alfabetizao, dentre outros momentos de celebrao do direito e da cidadania. Tambm se inspira na expresso de orgulho de cada alfabetizador/a e coordenador/a local ao reconhecer, junto com seus alfabetizandos e alfabetizandas, que agora eles sabem ler e escrever. Tarefa que exige dedicao pedaggica, chamamento de casa em casa, sensibilizao das comunidades locais, observao, estudo, pesquisa, debates, disposio para os encontros semanais ou quinzenais nas reunies pedaggicas, bem como para participar dos cursos de formao em Faxinal do Cu. Este Caderno intenciona prosear com cada educadora e educador sobre suas inquietaes, dvidas, dificuldades, descobertas, avanos e possibilidades no processo alfabetizador. Junto com as demais publicaes organizadas, produzidas e distribudas pela Secretaria de Estado da Educao, esse Caderno fala da instituio, desde Agosto de 2004, do programa Paran Alfabetizado. Um programa que nasceu da parceria com o Governo Federal, com os Governos Municipais e com diversas organizaes da sociedade civil, constituindo uma rede interinstitucional de sustentao, apoio e mobilizao permanente para chamar cada uma das pessoas no alfabetizadas no territrio paranaense para frequentar uma turma de alfabetizao. Essa publicao, articulada ao Programa Paran Alfabetizado, apresenta-se num contexto de resposta institucional dos Governos Federal e Estadual para quitar uma dvida social e histrica para com os milhares de jovens, adultos e idosos ainda no alfabetizados. Aps cerca de duas dcadas de silenciamento da oferta pblica e massiva de alfabetizao de jovens e adultos no Brasil (com o fim do Movimento Brasileiro de Alfabetizao MOBRAL, em 1984), e depois das diversas campanhas organizadas neste pas na luta contra o analfabetismo, podemos, com orgulho institucional, relatar algumas experincias que realizamos por meio do Programa Brasil Alfabetizado e do Programa Paran Alfabetizado nesses ltimos seis anos. Muitas reflexes, orientaes, princpios e conceitos, apresentados nessa publicao e vivenciados na prtica cotidiana do Programa, so inspirados pelos pensamentos de Paulo Freire e pelas experincias de educao popular desenvolvidas pela Associao Projeto Educao do Assalariado Rural Temporrio (APEART) no Paran, no perodo de 1992 a 2004. As experincias de alfabetizao desenvolvidas com os trabalhadores assalariados rurais temporrios (bias-frias), com os povos Kaingang e Guarani, com os assentados e acampados da reforma agrria, com os posseiros, com os atingidos pelas barragens do rio Iguau, com as trabalhadoras do sexo, com

as crianas e adolescentes em situao de risco, com os jovens das periferias urbanas, dentre outros sujeitos e segmentos, inspiraram e influenciaram sobremaneira a possibilidade de se fazer um Paran Alfabetizado. Alfabetizar todas as pessoas, reconhecendo e respeitando seus tempos, seus territrios, seus modos de vida, suas formas de organizao, suas identidades culturais, suas lutas polticas, transformando-as em temas geradores do processo de reflexo, de curiosidade e de descoberta da leitura e da escrita. Dessa forma, o Programa Paran Alfabetizado apresenta-se no contexto da retomada histrica do investimento pblico nas polticas de educao de jovens e adultos, fundamentalmente das aes de alfabetizao de jovens, adultos e idosos. Insere, novamente, na pauta das polticas educacionais, o direito educao de todos os jovens e adultos no alfabetizados e com baixa escolarizao. Torna-se porta de entrada para o sistema pblico de educao por meio de um estratgico chamamento pblico que mistura compromisso, sensibilidade e amorosidade pedaggica e dever constitucional do Estado. Nesse Caderno, encontraremos tematizadas muitas reflexes importantes: o papel poltico, pedaggico e histrico dos/as educadores/as articulado necessria competncia tcnica, terica e poltica em alfabetizar; os princpios do Programa Paran Alfabetizado; a importncia da oralidade e das histrias de vida na alfabetizao; a avaliao da aprendizagem e o planejamento da ao pedaggica; a permanente formao das/os educadoras/es; o significativo pensamento de Paulo Freire nas experincias de alfabetizao e de educao popular; o lugar institucional da alfabetizao nas polticas de educao de jovens e adultos no Brasil; edntre outras discusses. Os textos que compem essa nossa publicao foram elaborados e organizados de forma especial pelas assessoras e assessores que vm contribuindo conosco nos cursos de formao continuada ao longo desses seis anos de trajetria do Programa. As reflexes escolhidas para esse Caderno foram ouvidas, pautadas, debatidas, tensionadas e problematizadas, de forma coletiva, nos diversos momentos e espaos formativos. De forma didtica, foram sensivelmente sistematizadas pelas assessorias que trazem, por meio desses textos, as diversas vozes inquietas, curiosas e orgulhosas pela nobre participao na histria da alfabetizao de jovens, adultos e idosos no Paran e no Brasil. Esse Caderno , assim, coletivo, sendo produo de todos os que participaram dos momentos de formao e, principalmente, dos que nele encontraro espao de debate, de crtica, de problematizao, de pesquisa e de estudo permanente. Nosso desafio o de assumirmos a tarefa de continuar pautando a educao de jovens e adultos como modalidade da educao bsica, pblica, democrtica e de qualidade no nosso estado e no nosso pas. E esse desafio somente ser vencido no encontro cotidiano de alfabetizadoras/es, coordenaes locais, educadoras/es de leitura, professores/as e coordenaes municipais de EJA-Fase I, professores/as estaduais de EJA, dentre outros sujeitos envolvidos nesta modalidade.Cadernos TemTiCos da diversidade

Desejamos que as reflexes aqui pautadas inspirem muitas experincias e muitas outras publicaes.

SUMRIOINTRODUO ..........................................................................................................................11

Boa leitura a todas e todos!

Wagner Roberto do Amaral Chefe do Departamento da Diversidade

Pela superao do analfabetismo no Paran Wagner Roberto no Amaral ........................................................................................................13 Princpios norteadores do Programa Paran Alfabetizado

Alayde Maria Pinto Diggiovanni Superintendente da Educao

Cosme Freire Marins .................................................................................................................25 Paulo Freire e a alfabetizao Vera Lcia Queiroga Barreto .....................................................................................................29 Relao da oralidade com a aprendizagem na alfabetizao Claudio M. da Silva Neto, Cosme F. Marins, Tanija Mara de S. Teixeira ...............................35 Histrias de vida no Paran Alfabetizado Patrcia Claudia da Costa ...........................................................................................................41 Nveis de construo da escrita: como identificar e intervir Patrcia Claudia da Costa ................................................................................................................47 O tema gerador como metodologia conscientizadora Liana Borges ..............................................................................................................................55 Planejamento da ao pedaggica: um bem necessrio Cosme Freire Marins ................................................................................................................ 63 O lugar do portflio no processo de avaliao da alfabetizao de jovens, adultos e idosos Cludio Marques da Silva Neto ...................................................................................................69Cadernos TemTiCos da diversidade 9

A formao do alfabetizador: um processo que no tem fim Andria Queiroga Barreto .........................................................................................................75 A coordenao pedaggica no Programa Paran Alfabetizado Claudio M. da Silva Neto ..........................................................................................................83 As idias de Paulo Freire e suas recriaes na alfabetizao Vera Lcia Queiroga Barreto .....................................................................................................89 O uso do Luz das Letras na alfabetizao de jovens, adultos e idosos Vanilza Josefi ..............................................................................................................................97 A subalternidade da educao de jovens, adultos e idosos nas polticas pblicas educacionais Adriana Medeiros Farias ...........................................................................................................103 A autoafirmao do sujeito alfabetizado: desvelando mitos e desfazendo preconceitos Wagner Roberto do Amaral e Elisiani Vitria Tiepolo ...........................................................109 Sugestes de livros, filmes e stios Sobre EJA e alfabetizao .........................................................................................................117 Sobre escrita e leitura ...............................................................................................................119 Sobre educao matemtica ....................................................................................................120

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INTRODUOOs artigos que compem os Cadernos Temticos da Diversidade: Experincias em Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos foram produzidos a partir das experincias acumuladas pelos sujeitos que participaram da Formao Continuada em Alfabetizao do Programa Paran Alfabetizado, ao longo dos ltimos sete anos. O acmulo dessas experincias de formao encontra-se traduzido nos artigos produzidos por um coletivo de educadores especialistas em Educao de Jovens e Adultos, que assessoram a Formao Continuada em Alfabetizao do Programa Paran Alfabetizado. Educadores, ensinantes e aprendizes, que em estreita sintonia com a consultora Vera Barreto, aceitaram o desafio de partilhar suas experincias e produzir um material de apoio pedaggico com o objetivo de subsidiar a prtica pedaggica dos educadores e educadoras do Programa Paran Alfabetizado. Este caderno cumpre um papel importante na alfabetizao de jovens, adultos e idosos, pois os artigos aqui apresentados so frutos das prosas, dos debates, dos depoimentos, dos relatos, das reflexes realizadas nos encontros de formao. No entanto, antes de serem sistematizados, eles foram pronunciados e compartilhados amorosamente entre os sujeitos envolvidos na alfabetizao. Eles no esto aqui por acaso. Intencionalmente atendem as necessidades formativas geradas e brotadas nos planejamentos desenvolvidos nas turmas de alfabetizao, nos relatrios, nos pareceres emitidos, no acompanhamento e monitoramento da ao pedaggica de alfabetizao. Que, alm de fundamentar terica e metodologicamente a prtica alfabetizadora, possa este caderno suscitar novos conhecimentos, possa auxiliar e subsidiar a reflexo, a criao e a recriao. Que possa promover a curiosidade epistemolgica e instigar todas e todos os envolvidos no processo de alfabetizao a repensar novas estratgias no sentido da qualificao da prtica educativa. Desejamos que a amorosidade presente neste caderno, instigue voc alfabetizadora e alfabetizador, voc coordenadora e coordenador local a mergulhar na busca de uma prtica alfabetizadora que desvele novos caminhos, novos saberes e novos rumos. Que neste mergulho possam cada vez mais possibilitar aos sujeitos alfabetizandos a alegria de aprender a ler e a escrever e que esses faam da leitura e da escrita um instrumento para a autonomia, para a emancipao e para a cidadania.

Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos

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PELA SUPERAO DO ANALFABETISMO NO PARANWagner Roberto do Amaral1

Vivemos uma poca marcada por aceleradas transformaes nos processos econmicos, culturais e polticos que determinam novas exigncias para o acesso s riquezas e conhecimentos socialmente produzidos e para a insero no mundo do trabalho. Dessa forma, o domnio da leitura e da escrita se transformou num desafio imposto como emergencial e vital para grande parte da populao, que ainda jaz na situao de analfabetismo. Na luta pela superao dessa questo social, no Estado do Paran, as polticas governamentais implementaram aes mediadoras no campo poltico e cultural, disponibilizando materiais pedaggicos, recursos fsicos, publicaes para incentivar a leitura, alm de investir na formao dos alfabetizadores e coordenadores locais do Programa Paran Alfabetizado. Para que possamos entender melhor a situao do analfabetismo e a luta pela sua superao em nosso estado, traaremos um panorama da implantao do Programa Paran Alfabetizado e teceremos uma anlise sociocultural da sua abrangncia, abordando as aes, conquistas e metas propostas a serem alcanadas at o final da atual gesto, e para as gestes posteriores, uma vez que estamos fazendo da alfabetizao uma poltica pblica de Estado.

1. Realidade do analfabetismo no ParanNum mundo hegemonicamente letrado, h ainda 880 milhes de pessoas jovens e adultas no alfabetizadas. Nesse universo, o Brasil ocupava, at o ano 2000, o 73 lugar em analfabetismo, segundo a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO, 2000). Na regio sul do pas, a mdia de analfabetismo era de 7,7% e dentre os trs estados dessa regio, o Paran era aquele que possua o maior ndice (9,5%) e ocupava a 7 posio no ndice de analfabetismo entre todos os estados brasileiros, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) de 2000. Aproximadamente 649 mil pessoas com 15 anos ou mais se auto-declararam no alfabetizadas em todo o estado. Atravs das fontes dessas pesquisas, pde-se constatar, no mapa do analfabetismo no Paran, que os municpios que apresentavam maiores taxas de populao no-alfabetizada localizavam-se em regies com grande concentrao de pobreza e fragilidades sociais.1 Professor do Departamento de Servio Social da Universidade Estadual de Londrina, Mestre em Educao pela UNESP/ Marlia e Doutor em Educao pela Universidade Federal do Paran. Atualmente encontra-se Chefe do Departamento da Diversidade da Secretaria de Estado da Educao do Paran.

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Embora haja regresso nos ndices de analfabetismo nas ltimas dcadas, permanece aproximadamente a mesma diferena entre as taxas comparativas de gnero, ou seja, a populao feminina no alfabetizada significativamente superior a masculina (10,3% feminino a 6,9% masculino), indicando que, historicamente, esta populao sofreu mais fortemente os processos de excluso educacionais, vinculados, muitas vezes, a questes econmicas e/ou culturais. Ao analisar os nveis de analfabetismo vinculados ao indicador raa, percebe-se que no Paran, assim como no Brasil, a populao afrodescendente no alfabetizada com 15 anos ou mais, aproxima-se do dobro ou mais, em comparao populao branca e amarela nas mesmas condies, correspondendo a 14% populao parda e negra e 6,6% a populao branca e amarela (IBGE, 2000). Outra parte da populao jovem e adulta que representa uma demanda significativa de atendimento escolar a de indgenas Kaingang e Guarani, uma vez que a oferta universalizada do ensino fundamental nas escolas indgenas, recente e em processo de estadualizao e adequao aos princpios legais e curriculares da interculturalidade, do bilinguismo e da especificidade desses povos. Cinco anos depois, em 2005, a Pesquisa Nacional de Amostra por Domiclio (PNAD), indicou que 540 mil pessoas ainda continuavam na situao de analfabetismo absoluto no estado do Paran, correspondendo a 7,1% da populao estadual com 15 anos ou mais. Alm disso, a quarta parte da populao se enquadrava nos ndices de analfabetismo funcional (25,4%) e vivenciavam situaes de excluso do sistema escolar e de outras polticas sociais. a partir dos 45 anos que se concentra o maior nmero de pessoas no-alfabetizadas (14,4% entre 45 e 59 anos e 28,6% com 60 anos ou mais) porm, essa realidade passa a ser gestada ainda entre os jovens uma vez que a taxa de analfabetismo alcana 0,9% naqueles que se encontram entre 10 e 14 anos e 1,6% de no-alfabetizados na faixa entre 15 e 19 anos (PNAD, 2005). Assim, confirmou-se aquilo que todos j sabiam. Sobre quais parcelas da populao incidiam o analfabetismo e o fracasso escolar. Quais os grupos sociais no tinham acesso escolarizao, a saber, os que viviam em regies com os piores indicadores sociais e econmicos; os que trabalhavam para sobreviver; principalmente os negros e as mulheres. Isso queria dizer que o problema do analfabetismo, na escola ou fora dela, era parte de um problema maior e de natureza poltica. Era, e ainda , um problema da desigualdade, da injustia, da excluso social.2 importante ressaltar a significativa reduo das taxas de analfabetismo no Paran comparando as estatsticas apresentadas pelo IBGE atravs do Censo 2000 e dos resultados das Pesquisas Nacionais de Amostra por Domiclio (PNAD). Destaca-se a queda de 3% na taxa de analfabetismo paranaense de 2000 a 2006 (PNAD), reduzindo de 9,5% para 6,5%, possibilitando a projeo positiva e otimista pela superao do analfabetismo no estado. Neste contexto, 25.4% da populao paranaense com 15 anos ou mais, se enquadra nos ndices de analfabetismo funcional (inferior a quatro sries concludas) e 213.020 educandos matriculados no ensino regular esto em distoro idade/srie (MEC/INEP/SEEC, 2000). Ainda que com significativos avanos na universalizao do acesso, constata-se que a demanda da EJA continua sendo alimentada pela evaso e desistncia de educandos do ensino fundamental e mdio, deduzindo-se da, que o sistema educacional continua produzindo novos no alfabetizados ou precariamente alfabetizados, ou seja, os mecanismos de excluso da populao do sistema escolar continuam presentes. Mesmo diante deste cenrio de excluso, evidencia-se o esforo de organizaes governamentais e no-governamentais, como por exemplo a Associao Projeto de Educao do Assalariado Rural Temporrio (APEART)3, em transformar esta realidade atravs da realizao de vrias experincias de alfabetizao. Inspirada por essas dentre todas essas iniciativas, cabe destacar o papel fundamental do Programa Paran Alfabetizado, evidenciando, na totalizao do atendimento realizado (perodo de 2004 a 2010), a sua amplitude referente diversidade etria, ao gnero e s culturas presentes no conjunto dos alfabetizandos envolvidos nas aes de alfabetizao. Esse Programa ressalta o compromisso poltico do Governo do Estado do Paran, atravs da Secretaria de Estado da Educao em constituir o territrio paranaense em uma imensa rede alfabetizadora, para atender as diversas realidades, alcanando os diversos sujeitos e segmentos, independente de onde estejam residindo, assumindo o compromisso pelo resgate da dvida social junto a estas populaes.

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Ao debater o conceito de excluso social, Martins (1997; 2002) explicita sua compreenso sobre a inexistncia de uma excluso pura e sim, de processos precrios e perversos de incluso social. Compreende que a constituio e o uso comum do conceito de excluso social sem acompanhar sua importante reflexo e problematizao podem confirmar o entendimento de que os sujeitos excludos do acesso a diversos direitos ( educao escolar, posse da terra, sade, ao trabalho e renda, dentre outros), encontram-se marginais, alheios e fora da sociedade capitalista, ocultando inclusive seu histrico protagonismo como sujeitos coletivos de interao, resistncia, adeso ou de negao ao modelo de organizao social e econmica em que vivem

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A APEART, no perodo de 1992 a 2004, desenvolveu significativas experincias de alfabetizao de jovens e adultos por meio de diferentes Projetos: O Projeto Educao do Assalariado Rural Temporrio (PEART), o Projeto de Educao Reviver Indgena (PERI), o Projeto de Educao de Crianas e Adolescentes em Situao de Risco (PECRIAR), o Projeto de Educao das Trabalhadoras do Sexo (PETAS) e o Projeto de Educao dos Jovens Universidade (PEJU). Essas aes foram realizadas por meio de convnio e parceria com o Governo do Estado do Paran, alm de outras instituies.

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Cadernos TemTiCos da diversidade 15

2. O Paran alfabetizadoOrigem da iniciativa

de alfabetizao; pelo controle dos pagamentos dos alfabetizadores, dentre muitas outras aes. Alm de Coordenadores Regionais, em cada Ncleo Regional de Educao, nos municpios onde esto funcionando turmas do Programa Paran Alfabetizado, efetivaram-se coordenaes locais de alfabetizao (professores da rede pblica, municipal e particular de educao do Estado do Paran, alm de profissionais sem vnculo, selecionados atravs de edital pblico para atuarem por 10 horas semanais) que so responsveis pelo acompanhamento das turmas de alfabetizao, nas quais desempenham funes como: formao continuada dos alfabetizadores, visitas s turmas, viabilizao da infra-estrutura para a alfabetizao, articulao com instituies locais e lideranas comunitrias, alm da sistematizao dos registros elaborados por eles e pelos alfabetizadores. Os alfabetizadores so selecionados, tambm, atravs de Edital Pblico pela SEED-PR, atravs de critrios como: residncia em local de difcil acesso, experincia em alfabetizao de jovens, adultos e idosos e nvel de escolaridade. Cabe ressaltar que a seleo dos alfabetizadores feita com critrios diferenciados para aqueles que atuam junto s turmas de alfabetizao em acampamentos/assentamentos do Movimento Sem Terra, em terras indgenas e quilombolas. Cada alfabetizador assina um termo de compromisso para trabalhar doze horas semanais, sendo dez horas para as atividades de alfabetizao e duas horas para as reunies pedaggicas e para a formao continuada. A carga horria de alfabetizao corresponde a 320 horas de atividades a serem desenvolvidas pelos alfabetizadores, no perodo de oito meses. Desde 2007, a constituio das turmas de alfabetizao passou a ser contnua, sendo possvel contratar alfabetizadores e iniciar processos de alfabetizao em qualquer perodo do ano. Para esta ao foram institudos chamamentos pblicos para formao de turmas em todos os meses do ano, flexibilizando, desta forma, os calendrios de alfabetizao. Cada alfabetizador e cada coordenador local do Programa Paran Alfabetizado, recebe material de apoio didtico para utilizao nas reunies pedaggicas. Vrias prefeituras municipais contribuem com o Programa atravs da concesso de material escolar, espao fsico das escolas municipais e alimentao escolar. A alimentao escolar de todos os alfabetizandos fornecida pela SEED-PR com recursos estaduais prprios, mesmo para os que so atendidos em locais alternativos s escolasA opo pelos diferentes sujeitos e pelo dilogo interculturalCadernos TemTiCos da diversidade 17

O Governo do Estado do Paran, desde o incio das gestes 2003-2006 e 2007-2010, atravs da Secretaria de Estado da Educao do Paran, desenvolveu e implementou diversas aes vinculadas diretamente poltica pblica de educao de jovens, adultos e idosos. Dentre as aes realizadas, a alfabetizao se constituiu num processo de incluso, acolhimento e envolvimento dos jovens, adultos e idosos no alfabetizados, alm de ser concebida como um resgate da dvida social aos que no tiveram efetivo acesso educao escolar e que deve permitir e incentivar a continuidade da escolarizao dos educandos e educandas como direito de cidadania. Esta perspectiva est estreitamente sintonizada com as Diretrizes Curriculares da Educao Bsica do Estado do Paran e com as Diretrizes Curriculares de EJA do Estado do Paran, documentos que definem como centralidade do processo educativo os educandos e educandas da EJA, considerando sua diversidade de perfis, tempos, relao com o mundo do trabalho e da cultura, e norteando a direo poltico-pedaggica do Programa Paran Alfabetizado. O Programa veio inaugurar, desta forma, uma poltica de alfabetizao de jovens, adultos e idosos abrangente e de relevante impacto social, fundamentalmente, coordenada e gerida pelo Poder Pblico Estadual em parceria com o Governo Federal e em consonncia com as Prefeituras Municipais. Esse aspecto possibilita conceber e desenvolver aes de alfabetizao de jovens, adultos e idosos articuladas continuidade da escolarizao desses educandos, atravs de oferta integrada entre as esferas da rede pblica estadual e redes municipais de ensino com apoio e financiamento da Unio MEC/Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade /Programa Brasil Alfabetizado e Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional (FNDE). O Programa Paran Alfabetizado iniciou suas aes no ms de Agosto de 2004, ampliando progressivamente suas metas, estratgias e aes, instaurando a partir de 2007, pelo Governo do Estado do Paran, a priorizao da meta de superao do analfabetismo no territrio paranaense, almejando reduzir significativamente a taxa de analfabetismo evidenciada pelo Censo IBGE em 2000.Estrutura e mecanismos de funcionamento do Programa Paran Alfabetizado

Na estrutura da SEED/PR, vinculada ao Departamento da Diversidade, localiza-se a Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos constituda por uma equipe composta por uma coordenao geral e uma equipe de professores, responsveis pela direo poltico-pedaggica e tcnico-administrativa dos processos de formao inicial e continuada dos alfabetizadores e coordenadores locais de alfabetizao. Tambm atuam na organizao e anlise geral dos relatrios emitidos; pela elaborao de material de apoio pedaggico (livros e textos de alfabetizao); pelo monitoramento das atividades desenvolvidas atravs do Sistema Paran Alfabetizado-SPA4; pelas visitas tcnicas realizadas s turmas

Desde o ano de 2005, o Programa Paran Alfabetizado vem desenvolvendo aes de alfabetizao e de formao de alfabetizadores voltadas a segmentos especficos tais como: remanescentes de quilombos, povos indgenas, trabalhadores da pesca, assalariados rurais temporrios (bias-frias), acampados e

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O Sistema Paran Alfabetizado (SPA) constitui-se de um software para cadastramento de turmas, alfabetizandos, alfabetizadores

e coordenadores locais envolvidos no Programa Paran Alfabetizado/Brasil Alfabetizado. Tem como funo o controle e monitoramento da carga horria e datas de atividades de alfabetizao desenvolvidas, o registro da frequncia dos alfabetizandos, o registro da carga horria e datas das reunies pedaggicas de formao continuada, o registro da frequncia dos alfabetizadores nas reunies, o registro de evases, as substituies e a situao final dos alfabetizandos. O SPA acessado pelos coordenadores locais de alfabetizao, responsveis pela alimentao, sistematizao e avaliao das informaes inseridas neste banco de dados. Esse Sistema viabiliza tambm o processo de pagamento dos alfabetizadores e coordenadores locais, emitindo planilhas que comprovam o cumprimento da carga horria por eles trabalhada.

assentados da reforma agrria, e pessoas com necessidades especiais (deficincia mental/intelectual e surdez). Foram desenvolvidas oficinas com alfabetizadores e coordenadores locais vinculados a estes segmentos, contando com assessoria especializada nestas reas. A partir dessas oficinas, foi iniciada no ano de 2007, a produo de trs livros de apoio alfabetizao sendo um voltado para os alfabetizandos das comunidades Kaingang, outro para os Guarani e outro para os quilombolas. No ano de 2008, tambm, foi iniciada a realizao de oficinas de cartografia social para resgatar a memria dos povos e comunidades tradicionais (populaes quilombolas, indgenas, assentados e acampados rurais da reforma agrria), processo do qual derivou outra publicao a partir dos materiais produzidos. Esses livros pblicos contam com a participao efetiva de educadores destes segmentos no processo da elaborao. Ressaltamos que nas aes voltadas aos grupos remanescentes de quilombos no Paran, o Programa Paran Alfabetizado trabalha em estreita sintonia com o Ncleo de Estudos das Relaes tnico Raciais e Afrodescendentes (NEREA), vinculado ao Departamento da Diversidade, da Secretaria de Estado da Educao do Paran/SEED e com o Grupo Intersetorial Clvis Moura, criado pelo Governo do Paran para propor, articular e acompanhar polticas e aes sociais voltadas aos direitos das populaes quilombolas no estado. O Programa Paran Alfabetizado segue as orientaes do MEC/SECAD para alfabetizao de pessoas com necessidades educativas especiais, com maior nfase s pessoas surdas e pessoas com deficincia mental. A alfabetizao de jovens, adultos e idosos com surdez considera os nveis de linguagem e de apropriao da Linguagem Brasileira de Sinais ou no, de cada educando; a alfabetizao de jovens, adultos e idosos com deficincia visual tambm considera os nveis de apropriao do alfabeto em braile ou no, de cada educando; e a alfabetizao de jovens, adultos e idosos com deficincia mental considera o desenvolvimento cognitivo e a idade cronolgica dos alfabetizandos, utilizando esses elementos como referncia pedaggica fundamental, na perspectiva de sua incluso social. O processo de alfabetizao considera os temas geradores definidos pela turma de alfabetizao com a participao dos alfabetizandos e, fundamentalmente, de seus familiares e das escolas especiais das quais, porventura, eles estejam vinculados. A opo e o compromisso firmados pela SEED/PR no atendimento e investimento a esses diferentes sujeitos esto vinculados poltica pblica de diversidade que orienta a Rede Estadual de Educao do Paran, explicitada pela atuao do Governo do Estado do Paran em defesa dos territrios dos povos tradicionais paranaenses e no efetivo apoio s suas organizaes populares e junto aos movimentos sociais.A produo de material de apoio pedaggico na perspectiva da coautoria

locais do Programa e duas assessoras convidadas pela SEED, a partir das vrias realidades locais, regionais, estadual e dialogando com temas sociais e culturais, bem como com poetas, pintores e fotgrafos consagrados no Paran, no Brasil e na Amrica Latina. Esses livros de apoio apresentam diversas linguagens textuais, possibilitando dilogos entre os diversos sujeitos e suas culturas, suas expectativas e necessidades em torno da alfabetizao, superando a simples e mecnica silabao de letras e fonemas. Alm dessas obras foi publicado e distribudo aos alfabetizadores e coordenadores locais os Anais do I Simpsio Estadual de Alfabetizao, evento ocorrido no perodo de 25 a 27/04/05, no Centro de Formao Continuada em Faxinal do Cu, envolvendo educadores e educandos do Programa. O livro Na Roda de Prosa: Histrias de Educadores e Educadoras traz, como o nome diz, histrias de vida com textos produzidos pelos prprios alfabetizadores nos cursos de formao continuada, nos anos de 2005 e 2006. Esto ainda em processo de editorao as seguintes obras: O livro Poesia da Imagem: Poesia da Palavra, produzido coletivamente por alfabetizadores, coordenadores locais, tcnicos pedaggicos da Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos da SEED e assessoria convidada pela SEED. Este material foi organizado a partir da idia de um livro que apresentasse, atravs da linguagem fotogrfica, o universo dos diversos sujeitos atendidos pelo Programa: suas caractersticas, pertencimentos e identidades. Pensar este livro significou para os participantes, olhar mais atentamente para as diferentes realidades o seu redor, para dentro de si mesmos e para suas memrias, na tentativa de traduzir olhares, idias e sentimentos em imagens e palavras. Na prtica pedaggica dos alfabetizadores, este livro, ser mais um instrumento destinado a ampliar a leitura de mundo, permitindo que os alfabetizandos possam ir alm da simples decodificao do cdigo escrito. Os livros de apoio pedaggico dos educadores Kaingang: Ler, Escrever e ser Kaingang no Paran e o livro de apoio pedaggico dos educadores Guarani: Ler, Escrever e ser Guarani no Paran so o resultado de um trabalho coletivo que contou com a participao de professores bilngues, alfabetizadores e pedagogos Kaingang e Guarani, das escolas estaduais indgenas e das turmas de alfabetizao nas terras indgenas do Estado do Paran. Apresenta em seu contedo temas da tradio e da cultura indgena numa proposta de afirmao e fortalecimento das mesmas.Cadernos TemTiCos da diversidade 19

Para o Programa Paran Alfabetizado, as vrias linguagens textuais, inspiradas pelos temas geradores, so referncias metodolgicas fundamentais no processo de alfabetizao. a partir desta perspectiva que a SEED-PR elabora materiais de apoio pedaggico como mais uma das referncias a serem utilizadas pelos alfabetizadores e alfabetizandos. Na perspectiva do livro didtico pblico, foram publicados e distribudos a todos os alfabetizadores e alfabetizandos os livros: Um Dedo de Prosa, sendo um, de apoio aos alfabetizadores e outro, de apoio aos alfabetizandos. Estes dois livros foram elaborados por um grupo de alfabetizadores e coordenadores18

O livro: Experincias na Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos nos Quilombos elaborado a partir das cosmologias das populaes remanescentes de quilombos no Paran, contou com a autoria e participao de lideranas e moradores das comunidades, alfabetizandos e alfabetizadores que atuavam nas turmas de alfabetizao do Programa, nessas comunidades. O livro traz como contedo as vozes e as impresses dos sujeitos desses segmentos. O livro Cartografia Social e Alfabetizao de Povos e Comunidades Tradicionais, organizado a partir da expresso grfica dos diversos sujeitos alfabetizadores e alfabetizandos do Programa Paran Alfabetizado, buscando mapear manifestaes culturais e econmicas, bem como conflitos e conquistas territoriais das comunidades tradicionais paranaenses: quilombolas, indgenas Kaingang e Guarani, assentados e acampados.

Cadernos Temticos da Diversidade: A Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos e os Sujeitos da Diversidade Idosos. Material de apoio pedaggico pensado para qualificar a prtica pedaggica de alfabetizao dos sujeitos da diversidade, voltado ao processo de formao dos educadores envolvidos no Programa Paran Alfabetizado. Esse material est em sintonia com as Polticas Pblicas de Educao e Diversidade da Secretaria de Estado da Educao, representando a luta e a resistncia desses sujeitos. Alm deste material distribudo para todos os alfabetizandos e alfabetizadores o livro didtico de alfabetizao do Programa Nacional do Livro Didtico de Alfabetizao, e a coleo Literatura para Todos, coordenados pelo MEC/SECAD.Os Crculos de Leituras

O Projeto Crculos de Leituras tem por objetivos: Oportunizar experincias de leitura aos jovens, adultos e idosos para sua afirmao como sujeito alfabetizado. Valorizar a leitura como instrumento de transformao social e de construo da cidadania atravs da formao de neoleitores jovens, adultos e idosos. Formar educadores mediadores de leitura para atuarem na Educao de Jovens, Adultos. Incorporar o uso de tecnologia no processo de leitura por meio do software Luz das Letras. Fomentar e democratizar o acesso aos livros na educao de jovens, adultos e idosos O acervo dos Crculos de Leituras composto por dois kits da Coleo Literatura para Todos, um CD do software Luz das Letras e o livro Um Dedo de Prosa. Alm disso, cada educador recebe uma bolsa para transportar o acervo e um expositor de livros.

O Projeto Crculos de Leituras de Jovens, Adultos e Idosos consiste em uma poltica pblica desenvolvida pela Secretaria de Estado da Educao do Paran/Departamento da Diversidade/ Coordenao de Alfabetizao de Jovens, Adultos e Idosos, concebido para articular aes governamentais que garantam o acesso continuidade da leitura e escrita aos jovens, adultos e idosos recm alfabetizados. Foi criado para suprir a oferta insuficiente da Educao de Jovens e Adultos, contribuir para a auto-afirmao dos egressos do Programa Paran Alfabetizado/Brasil Alfabetizado como pessoas alfabetizadas e possibilitar a formao de neoleitores, tornando-os proficientes, autnomos e crticos, atravs da interao com uma multiplicidade de linguagens e manifestaes culturais. Os municpios contemplados com essa ao foram escolhidos mediante critrios que complementam ou efetivam a Educao de Jovens e Adultos. Dentre os critrios de escolha dos municpios, esto os Territrios da Cidadania/Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, os municpios que contam com a disponibilidade de bibliotecas pblicas e centros culturais e com demanda de educandos alfabetizados para a constituio dos grupos. A ao dos Crculos de Leituras foi amplamente divulgada em todos os municpios paranaenses, tendo sido implementada como experincia piloto em outubro do ano de 2009, em 25 municpios paranaenses. Em 2010, o Projeto foi ampliado estabelecendo como meta o atendimento a 5.000 educandos, 100 educadores, e em 100 municpios do Estado. Inspirado nos crculos de cultura freiriano, os grupos dos Crculos de Leituras de Jovens, Adultos e Idosos foram institudos preferencialmente, em bibliotecas e espaos culturais. Na impossibilidade de utilizao desses espaos, os grupos podero ser constitudos em espaos alternativos. A dinmica de organizao dos Crculos de Leituras prev dois encontros semanais . com durao de duas horas cada. A metodologia dos Crculos de Leituras tem como foco a leitura e a oralidade, contedos que abrem diferentes possibilidades de ao, integrando principalmente a contao de histrias, a arte e a cultura como meios de concretizao da ao. As estratgias metodolgicas apresentadas atravs dos tempos de leituras se estruturam da seguinte forma: Tempo do acolhimento-roda de conversa, tempo de mediao-contao de histrias, leitura individual ou em grupo, tempo de problematizaodesafio ao educando, para reflexo e estimulao da criao literria, artstica ou cultural, tempo de criao-concretizao de uma produo artstica ou cultural e finalizando, o tempo de compromissocomprometimento do educando com a leitura atravs do emprstimo de livros e da leitura diria.20

3. A Perspectiva da Superao do Analfabetismo no EstadoC Considerando os atuais ndices de analfabetismo no Paran, a SEED-PR est viabilizando, desde 2006, a agenda permanente pela superao do analfabetismo, na perspectiva da declarao dos municpios paranaenses como territrios livres de analfabetismo. No ano de 2010 foram reconhecidos 34 municpios paranaenses como territrios livres de analfabetismo. A meta ampliar esse nmero para cerca de 120 no ano de 2011. Esta meta est articulada perspectiva e estratgia do Governo do Estado em superar o analfabetismo no Paran. Para tal, torna-se fundamental o desenvolvimento de experincias de mobilizao local pela alfabetizao, atravs da parceria entre as vrias instncias governamentais e da sociedade civil, difundindo pelo estado a perspectiva de se declarar territrios livres de analfabetismo. As aes de mobilizao local permanente devem ter em perspectiva a transformao de cada municpio, bairro ou comunidade em um ambiente alfabetizador, instigando sua populao a vislumbrar, atravs da alfabetizao, um campo de possibilidades de exerccio da cidadania, articulando polticas, programas, projetos, benefcios e servios sociais, bem como fortalecendo a participao poltica dos educadores e educandos envolvidos. Visa, ainda, atender e provocar a inter-setorialidade das polticas pblicas atravs de aes como: articulao de cadastros sociais, vinculadas s polticas de sade, assistncia social, trabalho e renda, emisso de documentao civil, atendimento oftalmolgico e fornecimento de culos, e concesso de benefcios sociais aos alfabetizandos, dentre outros. Um dos objetivos desta ao de criar e disseminar referncias concretas da possibilidade de superao do analfabetismo, atravs das experincias iniciais nestes 34 municpios, possibilitando a sensibilizao e o envolvimento progressivo dos demais municpios paranaenses nesta ao. Outra ao fundamental em processo de viabilizao pelo Programa Paran Alfabetizado a articulao das demais organizaes governamentais e no-governamentais que desenvolvem aes de alfabetizao, articuladas ao Frum Paranaense de EJA e a Comisso Estadual de EJA/Alfabetizao. Esta perspectiva se apresenta atravs da constituio de redes locais, regionais e estadual pela superao do analfabetismo no Paran. Estes espaos plurais suprapartidrios e interinstitucionais devem contribuir

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para refletir e propor novas aes articuladas em torno da formao dos educadores, da qualidade no atendimento aos alfabetizandos. Essas e outras iniciativas de alfabetizao, somadas aos esforos das Prefeituras Municipais em atender demanda do 1 segmento do ensino fundamental em EJA (denominada de EJA fase I no Paran), vem compondo um novo desenho para a poltica de educao de jovens e adultos no estado, gerando uma crescente e planejada demanda de acesso e continuidade escolarizao. Para incrementar esse processo, nas sete edies do Programa Paran Alfabetizado, foram utilizadas estratgias de sensibilizao da populao jovem, adulta e idosa no-alfabetizada e da populao alfabetizada utilizando canais de comunicao como rdios de abrangncia local e regional, carros de som, emissoras regionais e estadual de televiso (comercial e estatal), jornais impressos locais, regionais e estadual, escolas estaduais, contatos e reunies com igrejas de vrias denominaes religiosas, associaes de moradores, sindicatos, dentre outros grupos. Foram confeccionadas pela SEED-PR diversas peas publicitrias sendo: cartazes, folhetos, imagens para out-door, imagens para mobilirio de nibus, jingles utilizados em emissoras de rdio e carros de som nas comunidades, e vdeos para divulgao em canais de televiso. Tambm foi criado, em 2007, o programa Frum Social pela Alfabetizao, veiculado pela TV Educativa do Paran (emissora pblica de televiso), semanalmente, com depoimentos e relatos de alfabetizandos, alfabetizadores, coordenadores locais, secretrios municipais de educao e prefeitos, disseminando a experincia paranaense de alfabetizao em rede nacional e latino americana. Em 2008, foi criada a referncia do agente mobilizador de alfabetizao da escola estadual - um funcionrio ou professor da Rede Estadual de Educao em cada uma das 2.146 escolas estaduais - responsvel pelo acolhimento de potenciais alfabetizandos e alfabetizadores do Programa, alm da mobilizao de turmas de alfabetizao na comunidade escolar. A SEED-PR realizou tambm contatos com as secretarias municipais de educao atravs de reunies centralizadas e descentralizadas com todos os dirigentes municipais de educao, apresentando a dinmica do Programa Paran Alfabetizado e do Programa Brasil Alfabetizado/MEC, bem como definindo estratgias para a continuidade da escolarizao, considerando as iniciativas de alfabetizao realizadas pelo Governo Estadual, Governo Municipal, e demais organizaes sociais nos municpios. O processo de mobilizao nas terras indgenas contou tambm com reunies junto s lideranas indgenas dentre caciques, professores indgenas,organizaes indgenas e as Administraes Regionais da Fundao Nacional do ndio. Nestas reunies definiu-se a necessidade e a importncia de selecionar, prioritariamente, alfabetizadores indgenas das etnias Kaingang e Guarani para atender as 43 comunidades indgenas no Paran, incluindo este critrio nos editais pblicos de seleo. O mesmo processo ocorreu junto s lideranas quilombolas no estado, identificando e selecionando educadores das comunidades para atuarem como alfabetizadores no Programa. Dentre as estratgias de mobilizao, destaque para as Caravanas de Alfabetizao cujo objetivo era o de intensificar o envolvimento da populao paranaense junto s aes de alfabetizao de jovens, adultos e idosos desenvolvidas pelo Programa Paran Alfabetizado, possibilitando a divulgao e a ampliao do atendimento na alfabetizao, bem como a renovao do compromisso das instituies governamentais e da sociedade civil pela superao do analfabetismo no Paran. As caravanas foram22

desenvolvidas pela SEED-PR atravs da realizao de um dia de mobilizao programada, contando com a participao de estudantes, professores e diretores das escolas estaduais, alfabetizadores, alfabetizandos, lideranas e autoridades polticas e diversas representaes institucionais de cada um dos Ncleos Regionais de Educao do Paran. Nos anos de 2008/2009 foram realizadas 33 caravanas pela alfabetizao, regionalizadas por todo o estado do Paran. A Caravana tinha incio com a concentrao da populao que inclua: alfabetizandos ,alfabetizadores e coordenadores locais alm da comunidade dos municpios pertencentes quela regio e se encerrava com uma cerimnia de lanamento do Programa Paran Alfabetizado, que contava com a participao de autoridades, lideranas e representantes de diversas instituies governamentais, empresariais e organizaes da sociedade civil, os quais compunham uma mesa de cerimnia para assinatura da Carta Compromisso pela Superao do Analfabetismo no Paran. Este documento foi assinado em todas as regies do Paran, inspirando-se na cerimnia de lanamento do Programa Paran Alfabetizado no ano de 2007, que contou com a presena do Ministro da Educao, Fernando Haddad. Por sua incansvel batalha na busca da superao do analfabetismo, o programa tem recebido reconhecimento nacional e internacional. Neste sentido, em 2006, o Programa Paran Alfabetizado foi premiado pelo MEC com a Medalha Paulo Freire, indicando essa experincia como uma das mais exitosas no pas. No ano de 2009, o Programa Paran Alfabetizado recebeu em Assuno, Paraguai, o Prmio Ibero Americano de Alfabetizao. Enfim, cabe tambm a todos ns acompanhar e contribuir com esse esforo de superao do analfabetismo no estado. E no s isso. nossa responsabilidade ainda, registrar, arquivar e preservar os documentos orais, escritos, fotografados e/ou filmados nesse processo, uma vez que o acervo biblio-documental fundamental para se fazer uma anlise scio-histrica e cultural das aes desse programa e de outros que contribuem para tal. Entendemos que a ao do PPA deva ser registrada como marca e que esse estudo requer especial ateno, uma vez que o esforo para alcanar a superao do analfabetismo em todo o pas, e com mais afinco neste estado, um momento histrico a que no se deve ficar alheio, nem desprezar.

RefernciasAMARAL, Wagner Roberto do. As trajetrias dos estudantes indgenas nas universidades estaduais do Paran: sujeitos e pertencimentos. Curitiba:Tese de doutorado, UFPR, maro 2010. BRASIL. Mapa do analfabetismo no Brasil. Braslia: MEC/INEP, s.d. BRASIL. Ministrio da Educao. Educao de Jovens e adultos: uma memria contempornea, 1996-2004. Braslia: UNESCO/MEC, 2004. FREIRE, Ana Maria Arajo. Analfabetismo no Brasil da ideologia da interdio do corpo ideologia nacionalista. Braslia: INEP, 1989. FREIRE. Paulo . Pedagogia do oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetizao: leitura do mundo, leitura da palavra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.Cadernos TemTiCos da diversidade 23

MARTINS, Jos de S. Excluso social e a nova desigualdade. So Paulo: Paulus, 1997. _____. A sociedade vista do abismo. Novos estudos sobre excluso, pobreza e classes sociais. Petrpolis: Vozes, 2002. PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Diretrizes Curriculares da Educao de Jovens e Adultos no estado do Paran. Curitiba, 2005. PARAN. Secretaria de Estado da Educao. Departamento de Jovens e Adultos: relatrio de gesto 2003-2006. Curitiba, 2006. ZANETTI, Maria Aparecida. As polticas educacionais recentes para a Educao de Jovens e Adultos. Dissertao de Mestrado. Curitiba, UFPR, 1998.

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PRINCPIOS NORTEADORES DO PROGRAMA PARAN ALFABETIZADOCosme Freire Marins1

Conhecer tarefa de sujeitos, no de objetos. E como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer. (Paulo Freire)

Como qualquer programa de carter pblico, o Programa Paran Alfabetizado se pauta em princpios. Este texto pretende dar uma contribuio reflexo sobre as concepes, objetivos e procedimentos que norteiam o PPA, visando a uma atuao o mais consciente possvel, por parte dos alfabetizadores e coordenadores. Primeiramente enfatiza-se que os princpios norteadores do Programa Paran Alfabetizado baseiam-se em compromissos, assumidos tanto pelo Estado, a partir do momento em que promove o Programa, quanto pela equipe administrativa nas esferas central, regional e local, que viabiliza as aes e, sobretudo, pelos alfabetizadores e coordenadores imprescindveis para que os objetivos sejam atingidos. Assim, citam-se dois compromissos que orientam as aes do Programa Paran Alfabetizado: Compromisso poltico: ao proporcionar a alfabetizao de uma populao historicamente excluda, para quem a apreenso da leitura e da escrita significa muito mais que a capacidade de decodificar palavras e reconhecer a correspondncia entre a fala e a escrita, representa minimizar o grau de excluso, produto do sistema capitalista, tambm responsvel pela intensa e profunda produo das condies de misria e explorao nas quais vivemos, dentre estas, o analfabetismo. Compromisso humano: ao possibilitar a integrao, sociabilizao e valorizao do sujeito e de sua histria de vida, viabilizando a convivncia e a partilha de sonhos e de ideias, promovendo sua autoestima a partir da educao, assegurada como um Direito Humano.

Esses compromissos so respaldados pelas concepes contidas na metodologia de alfabetizao de adultos de Paulo Freire e na pesquisa da psicognese da lngua escrita, realizada por Ana Teberosky e Emlia Ferreiro, que orientam, prioritariamente, o Programa Paran Alfabetizado. So aspectos importantes da concepo freireana:

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Cosme F. Marins ([email protected]) bacharelado e licenciado em Histria. Mestre em Educao pela Universidade de So Paulo - USP.

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Valorizao dos conhecimentos trazidos pelo sujeito, pois a histria no algo externo s pessoas. Elas so os agentes histricos e devem ser concebidas e se conceberem como sujeitos. Aprendizado significativo e no meramente tcnico, a partir de aspectos que faam sentido para os educandos, em oposio a um ensino em que letras, slabas e palavras descontextualizadas parecem mais importantes que o conhecimento. Educao libertadora, pela qual a alfabetizao transcende a leitura e a escrita, preconizando a leitura de mundo e a tomada de conscincia de que somos sujeitos neste mundo e responsveis por transform-lo.

Avaliao: ao que envolve vrios procedimentos cujo sentido pode ser resumido, por parte de quem avalia, nas perguntas: o qu, para qu, quando, como e quem avaliar? A avaliao constitui uma reflexo sobre o processo pedaggico, por meio da observao e da anlise dos mltiplos aspectos que envolvem o aprendizado (oralidade, participao, leitura, escrita etc.). Sua finalidade a apreenso dos avanos e dificuldades, visando a correo de rumos. Todo dia o processo de observao e avaliao deve ocorrer, sendo necessria a sistematizao, pelo alfabetizador, para cada alfabetizando. Considera quem so os sujeitos envolvidos, oferecendo, tanto para o alfabetizador quanto para o alfabetizando, informaes sobre o desenvolvimento do processo pedaggico.

Considerando esses pontos, para a efetivao da alfabetizao de jovens, adultos e idosos h alguns elementos fundamentais, como o planejamento, a abordagem do tema gerador, a avaliao e o portflio. Abaixo sero feitas algumas consideraes sobre cada um desses aspectos: Planejamento: um importante elemento para a orientao do trabalho do educador todo processo pedaggico exige planejamento sobre o qu, como, para qu, para quem e quando ensinar. Mais que uma exigncia burocrtica, o planejamento a referncia a guiar o trabalho do educador. Tema gerador: um dos principais elementos para tornar o aprendizado significativo. Ao comparar o trabalho a partir do tema gerador com o realizado, exclusivamente e de forma centralizada, com cartilhas, ressalta-se que nestas transparece uma concepo de educao onde o objeto mais importante do que o sujeito. Como exerccio, sugere-se a leitura coletiva de textos componentes de cartilhas e do Dedo de Prosa2, a partir do que se verifica o quanto frustrante ler ou ouvir textos descontextualizados, que subestimam a capacidade crtica das pessoas (sobretudo dos adultos), em comparao com outros que tenham sentido e geram interesse naqueles que leem ou ouvem. A ao alfabetizadora a partir do uso do tema gerador se apresenta como um procedimento importante na medida em que aborda questes significativas para os alfabetizandos, o que possibilita, mais do que a decodificao de letras e palavras, a leitura de mundo.

No processo de alfabetizao cabe avaliao demonstrar o que est dando certo e o que necessita correo de rumos. No processo de alfabetizao avaliam-se os procedimentos e contedos trabalhados e, percebendo-se a necessidade, replaneja-se, num processo contnuo de planejamento e avaliao. Portflio: um importante instrumento de avaliao do processo pedaggico como um todo, na medida em que permite a anlise e observao do desenvolvimento do alfabetizando em atividades peridicas datadas e providas de pareceres do alfabetizador. Por meio do portflio possvel analisar a efetivao ou no do planejamento, o uso dos temas geradores e a eficcia das atividades, tanto para o desenvolvimento dos alfabetizandos, quanto para sua utilizao como instrumento de avaliao. Obviamente a avaliao um processo complexo e muito mais amplo. Dessa forma, o portflio deve ser utilizado como mais uma ferramenta de avaliao, no obstante possa ser uma das que mais demonstra a evoluo dos alfabetizandos. H vrios modelos e possibilidades de elaborao de portflios. Contudo, seu aspecto mais importante a possibilidade de avaliar o desenvolvimento dos alfabetizandos em todo seu percurso. Assim, qualquer que seja a forma, suporte e apresentao escolhida pelos alfabetizadores, os portflios devem informar, a quem os consulta, os avanos e dificuldades dos alfabetizandos no processo de alfabetizao. A clareza sobre os princpios que norteiam o Programa Paran Alfabetizado condio imprescindvel para uma ao consciente, que tenha como valor fundamental a libertao, a valorizao do alfabetizando e do alfabetizador como sujeitos histricos e a transformao social, pois, como disse Paulo Freire, a educao sozinha no transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda (2000).Cadernos TemTiCos da diversidade 27

Para a compreenso da concepo poltica do Programa Paran Alfabetizado e, consequentemente, dos princpios norteadores do Programa, sobretudo os defendidos por Paulo Freire, essencial a percepo da distino entre a concepo libertadora de educao e a chamada concepo bancria. Para a primeira, o elemento mais importante no processo pedaggico o sujeito que pensa para aprender, e no a simples memorizao de slabas. No se pode esquecer que esse sujeito, alfabetizando, tem uma histria que deve ser considerada no processo. A partir dessa histria e do contexto em que o sujeito vive que se d o processo de alfabetizao partindo-se ento do que significativo para quem aprende em direo aquisio da escrita. Assim, a diferena entre esta concepo e a que se apresenta na cartilha que a primeira parte do conhecimento do educando para chegar ao processo pelo qual lemos e escrevemos. A segunda no considera os conhecimentos e os interesses dos alfabetizandos, propondo a eles palavras e slabas descontextualizadas.

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Indicam-se textos do Dedo de Prosa porque constituem o material didtico do Programa Paran Alfabetizado, mas ressalta-se que poderiam ser poesias, contos, histrias de vida, canes ou quaisquer outros gneros.

RefernciasFREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessrios prtica educativa. So Paulo: Paz e Terra. 1996 _____. Pedagogia da indignao: cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: UNESP, 2000. HADJI, Charles. Avaliao desmistificada. Trad. Patrcia C. Ramos. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2001.

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PAULO FREIRE E A ALFABETIZAOVera Lcia Queiroga Barreto1

Uma viso de alfabetizao que vai alm do ba,be,bi,bo,bu. Porque implica uma compreenso crtica da realidade social, poltica e econmica na qual est o alfabetizando... a alfabetizao mais, muito mais que ler e escrever. a habilidade de ler e escrever o mundo, a habilidade de continuar aprendendo e a chave da porta do conhecimento (Paulo Freire)

Um mtodo ou uma metodologia?Muito j se escreveu e discutiu sobre o chamado Mtodo Paulo Freire, mesmo quando o prprio Paulo Freire dizia que no havia criado um mtodo, mas, sim, uma metodologia. possvel que voc que est lendo este artigo esteja perguntando: o que muda entre estas duas palavras to parecidas: mtodo e metodologia? Por mtodo se entende um processo organizado de pesquisa ou ensino que, no caso da alfabetizao, serve de guia para os alfabetizadores. A palavrao, por exemplo, segue um mtodo. Isto , acompanha determinados procedimentos que se desenvolvem gradualmente, numa certa sequncia. Na palavrao a ordem a ser seguida a seguinte: primeiro vem uma palavra, depois a sua diviso em slabas, depois a apresentao das famlias silbicas, depois a criao de outras palavras utilizando o que se aprendeu. S ento aparecem pequenos textos. Mas as idias de Paulo Freire em torno da alfabetizao de adultos sempre foram muito mais amplas que qualquer mtodo. Ele mesmo dizia que seu interesse pela questo da alfabetizao sempre foi mais gulosa, sempre foi muito alm do ba-be-bi-bo-bu. Afinal, ele sabia que a existncia de analfabetos, numa sociedade letrada, era uma das marcas mais fortes da discriminao presente nessa sociedade. Acreditava que era necessrio desenvolver uma alfabetizao que restitusse aos alfabetizandos o direito de ser mais, de reconstruir o que ele chamava de humanidade roubada. Para isso a alfabetizao deveria permitir que as pessoas conquistassem seu direito de ler e escrever para entender melhor o mundo em que vivem, para poder intervir nesse mundo e transform-lo num outro mundo menos competitivo, mais solidrio, mais feliz para todos.

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Vera Barreto ([email protected]) graduada em Pedagogia e especialista em Orientao Educacional. 29

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Pensando assim, Paulo Freire considerou mais correto dizer que criou uma metodologia de alfabetizao, pois a palavra metodologia comportava a escolha de diferentes caminhos para se chegar ao conhecimento, diferentemente dos mtodos.

As marcas da alfabetizao pensadas por Paulo FreireVamos apontar aqui, as principais ideias que identificam a alfabetizao na viso de Paulo Freire:1. A alfabetizao como ato de conhecimento

As bases da Alfabetizao proposta por Paulo FreireQuando comeou a pensar na alfabetizao, em 1962, Paulo Freire trazia mais de 15 anos de experincias no campo da Educao de Adultos, nas reas pobres urbanas e rurais de Pernambuco. No momento em que formulou sua proposta, tinha mais de 20 anos como professor de portugus e havia participado ativamente do Movimento de Cultura Popular, onde comeou a desenvolver a sua metodologia de alfabetizao. Nessas experincias, coordenou projetos de educao de adultos, atravs dos quais surgiram os Crculos de Cultura e os Centros de Cultura, que depois foram trazidos para a proposta de alfabetizao. Mas, em se tratando de alfabetizao, havia a necessidade de encontrar uma forma de trabalhar com a lngua escrita para que ela se tornasse conhecida e utilizada pelos alfabetizandos. Para essa tarefa, Paulo contou com a colaborao de Elza, sua mulher e experiente professora de alfabetizao. Foi a professora Elza quem sugeriu a escolha de palavras seguindo o caminho da palavrao, que naquela poca era uma novidade. A sugesto foi aceita por Paulo que acrescentou que essas palavras deveriam ser escolhidas a partir da realidade e da vida da comunidade dos alfabetizandos onde aconteceria a alfabetizao. Essas palavras ganharam o nome de palavras geradoras porque, a partir delas, surgiam conhecimentos em torno dos fatos e ideias que elas representavam e da aprendizagem da leitura e da escrita. Mais tarde, tendo em vista a amplitude temtica provocada por estas palavras, Freire passou a usar a expresso temas geradores. No final do estudo de cada palavra geradora, Paulo Freire props a criao de um quadro com o conjunto das famlias silbicas relacionadas palavra que havia sido estudada. Com este quadro, batizado como ficha da descoberta, os alfabetizandos eram desafiados a formar novas palavras, descobrindo o processo pelo qual escrevemos. O grande cuidado que se precisou ter durante todo este trabalho era o de fugir do perigo de transformar a alfabetizao num trabalho de mera memorizao, como muitas vezes acontece nas escolas.

Para pensar sobre essa afirmao vale a pena comear ouvindo (no nosso caso lendo) o prprio Paulo Freire: A alfabetizao um ato de conhecimento. No um ato de transferncia de conhecimento. O meu papel, como alfabetizador, no o de transmitir sem trgua o ba-be-bi-bo-bu. No, absolutamente no! o de propor o desafio. Com essa afirmao, Paulo Freire assume a sua diferena em relao ao que ele chamou de educao bancria, processo em que o educando visto como um ser vazio de conhecimentos na expectativa de ser preenchido pelo educador. Apontemos, ento, algumas das marcas da viso de conhecimento presente na proposta freireana de alfabetizao: Todas as pessoas tm conhecimentos. No h ningum que saiba tudo; no h ningum que no saiba nada. Quando os alfabetizandos procuram o curso de alfabetizao, eles no se encontram vazios de conhecimentos. Certamente, a escola da vida lhes ensinou a trabalhar, a conviver com diferentes pessoas, a educar seus filhos, a administrar o curto salrio de cada ms, etc. Assim, no podem ser considerados como pessoas que nada ou pouco sabem. Seus conhecimentos nascidos da experincia vivida so to vlidos quanto os produzidos nas universidades. O conhecimento pessoal e intransfervel. Isto quer dizer que ningum aprende no lugar do outro. Mas, tambm, ningum aprende sozinho.

Nenhum alfabetizador pode conhecer pelos seus alfabetizandos. Entretanto, sem a presena do alfabetizador, a aprendizagem da leitura e da escrita no acontece. Para saber ler e escrever necessrio que os alfabetizandos se esforcem para compreender a forma pela qual transformamos letras em palavras e textos, cheios de significados que nos informam, ensinam e divertem. Desconsiderando o que fazemos por uma determinao gentica, como por exemplo, ficar de p, segurar objetos usando o dedo polegar, tudo o mais que realizamos foi aprendido no nosso convvio com os outros. Na alfabetizao no diferente. Muitas pessoas nos ajudaram a aprender como se l e como se escreve. No chegaramos a estes conhecimentos sem nunca ter ouvido algum ler, sem ter presenciado algum que escrevia, sem ter tido nas mos algum livro, revista ou mesmo pedao de jornal, sem contar com algum disposto a nos ensinar esclarecendo nossas dvidas. Todas essas situaes que acabamos de citar envolvem o contato com outras pessoas e carregam informaes teis e necessrias para poder aprender a ler e escrever. O simples contato com um livro, revista ou jornal s foi possvel com um trabalho que envolveu vrias pessoas, at chegar em nossas mos. Pensando assim, fica fcil compreender que toda alfabetizao depende da ao de vrias outras pessoas alm dos alfabetizandos e do alfabetizador. fazendo e pensando sobre o que se fez que aprendemos. a ao humana sobre o mundo que abre o caminho para o conhecimento. Entretanto, o simples fazer no cria o conhecimento. preciso que o pensar, a reflexo faa parte deste processo. Paulo Freire

A alfabetizao como educao de adultosDesde o momento inicial da presena de Paulo Freire na alfabetizao, ele considerou esse momento como o inicial de um processo educativo maior que passava pela educao bsica dos adultos at terminar com a formao de um pblico participante, crtico e a criao de uma cultura popular onde o povo fosse criador e no apenas consumidor. Esse entendimento tinha o sentido do que mais tarde se chamou de educao permanente e hoje damos o nome de educao para toda a vida.

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sempre ressaltou que os alfabetizadores deveriam enfatizar o pensar dos seus alfabetizandos. Propunha o uso de atividades onde o pensar estivesse sempre presente, impedindo as repeties mecnicas na busca da memorizao. Na sua compreenso, o trabalho dos alfabetizadores nunca seria o de favorecer a decorao de palavras e slabas. Coerente com sua viso de conhecimento, Paulo Freire enfatizou que textos, palavras ou slabas deveriam ser usados como provocadores da capacidade de pensar dos alfabetizandos.2. O dilogo como um instrumento para se chegar ao conhecimento.

ser poltica. Para Freire, toda educadora ou educador precisa se situar a favor de quem trabalha. A alfabetizao de jovens e adultos est intimamente ligada ao grupo dos mais pobres, dos desfavorecidos. Para ser coerente e solidria com seu pblico, a alfabetizao, como toda a educao de jovens e adultos ,teria de se constituir como espao de uma educao transformadora. No podemos esquecer que a proposta pedaggica de Freire uma crtica radical situao socioeconmica e cultural que impede a democracia. tambm uma opo pela transformao desta realidade e a construo dos grupos populares em sujeitos de mudana, a partir da tomada de conscincia da realidade e de seu potencial transformador. No h como aplicar a metodologia de Paulo Freire sem compartilhar desse horizonte poltico. O uso de palavras geradoras, a codificao/decodificao, o dilogo como estratgia didtica, no so, por si mesmos, o centro desta proposta.

Para Freire, a educao que desenvolve a conscincia crtica se constitui como um espao de dilogo e participao. Ele acreditava que atravs do dilogo era que os seres humanos se tornavam humanos. Na alfabetizao, a fora do grupo de grande importncia para a aprendizagem de todos. A troca entre os alfabetizandos nos momentos em que realizam tentativas de leitura ou de escrita em duplas, trios ou mesmo grupos maiores so momentos privilegiados para aprender e tambm ensinar. Quando alfabetizadores, como voc que nos l, transformam o grupo de alfabetizao num espao especial de trocas de saberes, fazem crescer a capacidade de autoestima dos alfabetizandos e cria um ambiente propcio para a conquista de novos conhecimentos. No grupo de alfabetizao, o dilogo se faz presente na relao do alfabetizador com os alfabetizandos, dos alfabetizandos entre si e de todos em torno dos temas geradores. Mas, para Paulo Freire, o dilogo que promove o conhecimento exigente. Exige uma relao horizontal entre os que dele participam: ningum mais que o outro em relao ao que sabem. Os saberes so diferentes, mas ningum sabe tudo. O dilogo exige uma participao verdadeira e um esforo de todos, no sentido de apreender o que est sendo estudado. Nesse trabalho, os alfabetizandos so estimulados a aprofundar a sua observao destacando semelhanas e diferenas e chegando a concluses, mesmo que provisrias.3. A alfabetizao como ato poltico A educao um ato poltico, independentemente do educador saber disso ou no. (Paulo Freire, Encontro com educadores)

A coerncia da metodologia de Paulo FreireA proposta alfabetizadora de Paulo Freire deve ser vista e assumida como um todo, uma vez que no possvel separar os fundamentos tericos e a sua realizao prtica, como muitas vezes se pretendeu fazer. Assim, por exemplo, a apreenso da cultura escrita acontece a partir de uma forte relao com o contexto social e cultural dos alfabetizandos. Por esse motivo, no se torna possvel o uso de cartilhas. Os temas, textos e as palavras usadas devem ser significativos para os diferentes grupos de alfabetizandos. A idia do crculo de cultura contribui para tornar real a ideia da aprendizagem coletiva e a construo coletiva do conhecimento. No se trabalha com pessoas isoladas: o grupo assume a responsabilidade de sua aprendizagem. Todos aprendem com todos. O papel do educador de grande importncia. Alm do domnio da metodologia de todo o processo da alfabetizao, deve possuir conhecimentos sobre a realidade local/nacional e uma prtica suficiente de trabalho em grupos. Deve ser algum atento para provocar a palavra dos alfabetizandos e a dizer a sua palavra, quando isso se tornar necessrio. No podemos esquecer que essa proposta pedaggica uma forte crtica situao socioeconmica e cultural que impede a ao da verdadeira democracia e a opo pela transformao dessa situao de excluso. Longe desse horizonte poltico, no se pode dizer que se aplica a metodologia freireana. Hoje, os alfabetizadores que se sentem influenciados pelas ideias de Paulo Freire so muitos. Essa presena nas atuais prticas alfabetizadoras, no entanto, no significa um engessamento nos procedimentos utilizados nos anos 60. A marca do pensamento de Paulo Freire aparece quando esses alfabetizadores tomam como ponto de partida a realidade vivida pelo educando, quando usam a discusso como instrumento pedaggico, quando consideram o alfabetizando como algum que tem um saber, quando enfatizam o pensar e o criar como elementos do processo de conhecer.Cadernos TemTiCos da diversidade 33

Paulo acreditava que da natureza da educao ser poltica. Desta forma, viu a alfabetizao como uma tarefa poltico-pedaggica. Dizia que a educao sempre contribui para manter a realidade tal como ela est. Quando no trabalha a favor da manuteno, a educao contribui para a mudana dessa realidade. Ela no tem como fugir dessas duas possibilidades. Quando apregoa a neutralidade, acaba ficando do lado da manuteno do sistema, empurrada pela prpria fora do dominador. No primeiro caso, da situao de neutralidade, Paulo Freire chamou de educao domesticadora. a educao que convm aos que esto satisfeitos com a situao atual. E o segundo caso recebeu o nome de educao libertadora. a educao que favorece os que no esto se dando bem na situao em que se encontram. Mas, seja ela transformadora ou domesticadora, no podemos esquecer que a educao sempre32

RefernciasFREIRE, Paulo. Educao como prtica da liberdade. RJ: Paz e Terra, 1969. _______. Pedagogia do Oprimido. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. _______. Pedagogia da esperana: o reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. _______. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. 12 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. FREIRE, Paulo. A importncia do ato de ler. So Paulo: Cortez, 1992.

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RELAO DA ORALIDADE COM AS SITUAES DE APRENDIZAGEM NA ALFABETIZAO DE JOVENS, ADULTOS E IDOSOSClaudio Marques da Silva Neto1 Cosme Freire Marins2 Tanija Mara de Souza Teixeira3

No podemos deixar de lado, desprezado, como algo imprestvel, o que educandos, sejam crianas chegando escola ou jovens e adultos a centros de educao popular, trazem consigo de compreenso do mundo, nas mais variadas dimenses de sua prtica social. Sua fala, sua forma de contar, de calcular, seus saberes em torno da sade, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da fora dos santos, dos conjuros. (Paulo Freire)

A expresso cultura no enfoque antropolgico representa o conjunto de conhecimentos produzidos e acumulados pelos homens e mulheres ao longo da histria da civilizao a qual pertencem, o processo pelo qual esses homens e mulheres se apropriam dos valores encontrados na riqueza do saber popular. A expresso desses conhecimentos a ao vital por meio da qual se exterioriza o que se esconde no ser interior e manifesta a elaborao individual e cultural que conformou a partir dos estmulos percebidos em seu entorno. Com a percepo do que vivencia o sujeito, este pode transformar-se e tomar atitude nova frente s situaes. Procuramos nessas afirmativas argumentar a favor da ideia de que essa relao sujeito-humanidade, permeada, entre outros saberes, pela cultura popular oral, no est fora do ambiente escolar, bem comoCadernos TemTiCos da diversidade 35

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Claudio Marques da S. Neto ([email protected]) graduado em Pedagogia, especialista em Direito Educacional e mestrando em Educao. Cosme F. Marins ([email protected]) bacharelado e licenciado em Histria. Mestre em Educao pela Universidade de So Paulo - USP. Tanija Mara de S. Teixeira ([email protected]) graduada em Letras e Pedagogia, especialista em Pedagogia com Administrao e Superviso Escolar.

salientar que as manifestaes culturais so de fundamental importncia na formao do sujeito. No contexto das prticas contemporneas da educao e no seria diferente, na educao de jovens adultos e idosos, deve-se conceber um processo educativo que se faa baseado nas relaes entre o mundo e as pessoas. Sabe-se que essas relaes passam primeiramente pelo plano da linguagem oral. Alfabetizador e alfabetizando constroem e atuam sobre o conhecimento produzido oralmente. Buscamos relacionar abaixo situaes de aprendizagem que valorizam a oralidade de forma significativa para os alfabetizandos com enfoque em suas vivncias: A narrativa oral pode se transformar em texto escrito, acolhendo as estruturas prprias de cada tipo de texto. Por exemplo, da lenda, do cordel, da msica, da poesia ou do conto; As atividades de leitura e produo textual podem ser realizadas a partir da narrativa literria popular, por se caracterizarem como forma de comunicao verbal; A possibilidade de conhecimento, por parte dos alfabetizandos, da estrutura da linguagem utilizada para representao em textos escritos; A relao com a vivncia cotidiana dos alfabetizandos constitui textos originados do imaginrio coletivo e veiculados pela oralidade; A prioridade dada contao de histrias pelo alfabetizador motiva os alfabetizandos a exporem suas experincias de vida atravs do relato oral; A vivncia de situaes de fala formal, instigadas pelo alfabetizador, em sala de aula, potencializa, no adulto, a expresso na elaborao de ideias e argumentos sobre o que pensa; As atividades de alfabetizao devem enfatizar a trade: leitura, escrita e oralidade. A linguagem oral no se distancia das demais relaes de aprendizagem estabelecidas nas turmas da Educao de Jovens e Adultos - EJA; A reflexo individual pode gerar a discusso coletiva; Os relatos orais permitem a identificao das diferentes reas do conhecimento por parte de alfabetizadores e alfabetizandos. A partir da ser possvel contemplar diferentes estudos tendo em vista os interesses do grupo; Os alfabetizandos e a comunidade escolar, por meio dos relatos orais, devem refletir sobre a realidade pessoal e comunitria, propondo melhorias e participando da vida pblica, base para uma conduta cidad.

constitui um ponto central para reflexes sobre nossa prpria situao. fundamental, entretanto, que o alfabetizador perceba que as situaes de fala que objetivam um trabalho de reflexo e construo de saberes coletivos necessitam de sistematizao, ou seja, no significa produzir conhecimentos e vivncias e no vincul-los prtica pedaggica. Lembremo-nos que somos seres sociais e nossos processos no ocorrem de forma fragmentada. O que abordado em sala de aula deve, basicamente, contribuir para a formao de cidados conscientes, informados e capazes de melhorar a sociedade. O conhecimento decorrente das prticas que envolvem a linguagem oral deve ser produzido e reproduzido coletivamente com os alfabetizandos, respeitando as diferenas culturais, as demandas da sociedade e dando nfase s especificidades desta realidade cultural. Outra dimenso da oralidade diz respeito arte de narrar histrias, vividas ou inventadas. Quem j teve contato prximo com adultos e idosos sabe que quanto mais velhas so as pessoas mais elas gostam de contar histrias. Por muitas vezes as repetem constantemente, outras vezes s querem ter a quem falar um ouvinte sem se importar muito com o interesse de seu interlocutor, como o jaguno Riobaldo da obra Grande serto: veredas. A disposio para contar histrias pode aumentar mais ainda se o narrador da zona rural, onde a relao com o tempo, os valores e costumes diferem da cidade. O pblico majoritrio das turmas de alfabetizao de jovens, adultos e idosos composto por sujeitos idosos, moradores ou provenientes da zona rural, cujas ricas experincias gostam de compartilhar por meio de narrativas, desde que sejam estimulados para isto. Walter Benjamin, um intelectual alemo da primeira metade do sculo XX, escreveu um texto intitulado O narrador, no qual afirmou que as pessoas capazes de narrar estavam desaparecendo em razo das mudanas provocadas pela modernidade. Chegou a dizer: Cada vez mais rara vai se tornando a possibilidade de encontrarmos algum verdadeiramente capaz de historiar algum evento (BENJAMIN, 1975, p. 63). interessante observar como a oralidade esteve no s no centro da transmisso de informaes entre geraes, como tambm exerceu um papel fundamental para o entretenimento; para os ensinamentos; e para as explicaes sobre o mundo, a religio e o homem (por meio dos mitos e lendas), em todos os povos antes de terem descoberto a escrita. Muitos relatos, transmitidos oralmente, depois foram agrupados em textos assim ocorrem, por exemplo, com parte significativa dos livros do Antigo Testamento. Por isso em muitos daqueles textos encontramos trechos repetitivos, pois a repetio um importante recurso para a memorizao um povo sem escrita precisa encontrar meios para no perder sua memria.Cadernos TemTiCos da diversidade 37

Nas situaes de aprendizagem citadas acima, bem como em qualquer proposta que envolva a oralidade, dar importncia ao que os alfabetizandos j conhecem e expressam no significa cair na superficialidade, prender-se a interesses imediatos, destacando apenas acontecimentos pontuais. Ao contrrio, significa construir um roteiro de trabalho com base na relao entre a proposta pedaggica e a realidade, orientado por concepes polticas e pedaggicas partilhadas pelo alfabetizador. O objetivo em refletir sobre a linguagem oral e sua importncia, principalmente na educao de adultos, tem raiz na dimenso educativa desta prtica, pois permite que os alfabetizandos verbalizem e, ao mesmo tempo, analisem sua situao de vida. Falar, por exemplo, sobre nossos costumes e crenas36

A inveno da escrita, e posteriormente da imprensa (que permitiu a impresso de livros), associada enorme quantidade de informaes a que somos submetidos e pressa imposta pela vida moderna, deram um duro golpe na memria elemento fundamental para a oralidade. Em seu texto, Benjamin aborda este problema ao afirmar queo cio o pssaro onrico a chocar o ovo da experincia. Basta um sussurro na floresta de folhagens para espant-lo. Seus ninhos as atividades, ligadas intimamente ao cio j foram abandonados nas cidades, e no campo esto decadentes. Assim, a capacidade de ouvir atentamente se vai perdendo e perde-se tambm a comunidade dos que escutam (BENJAMIN, 1975, p. 78).

Contudo, nas turmas de alfabetizao de jovens, adultos e idosos h muitos narradores natos, seja por sua origem rural, seja por sua vivncia, seja porque no dominam a leitura e a escrita e tm

na oralidade sua principal forma de comunicao cabe lembrar que visar o interesse prtico trao caracterstico de muitos narradores natos (BENJAMIN, 1975, p. 67). Talvez a melhor maneira de demonstrar respeito a esses alfabetizandos seja buscar compreender suas necessidades a fim de planejar a ao pedaggica. Ouvir o que eles tm a dizer uma forma de diagnosticar a turma como um todo e cada um individualmente, mas ao mesmo tempo uma maneira de valorizar o sujeito e sua histria de vida. Ainda Walter Benjamin quem cita um dito popular alemo que afirma: quem viaja tem muito a contar, o que nos leva a esperar um narrador que vem de longe. No entanto, Benjamin conclui que no com menos prazer que prestamos ateno a quem permaneceu no pas, tratando de sobreviver e vindo a conhecer suas histrias e tradies (BENJAMIN, 1975, p. 64). Ouvir histrias uma necessidade humana. No passado ensinava-se por meio de narrativas. Hoje nosso tempo tomado de outras formas, desde o momento em que acordamos at a hora de dormir somos bombardeados por informaes, mas nossa carncia por histrias no suprida. Sobre isto, ainda escreveu Benjamin:Cada manh traz-nos informaes a respeito das novidades do universo. Somos carentes, porm, de histrias curiosas. E isto porque nenhum acontecimento nos revelado sem que seja permeado de explicaes. Em outras palavras: quase nada mais do que acontece abrangido pela narrativa, e quase tudo pela informao. (BENJAMIN, 1975, p. 67).

Contudo, ressaltamos que no processo de transformao das narrativas orais em escrita deve-se respeitar o vocabulrio e a coerncia discursiva dos autores para no correr o risco de desqualificar suas falas e, por conseguinte, suas ideias. Por fim, no defendemos aqui o espontanesmo descompromissado, oposto ao princpio da rigorosidade metdica defendida por Paulo Freire. Mesmo uma roda de prosa deve ser fruto da intencionalidade dos alfabetizadores, de um planejamento coerente. A narrativa de histrias de vida tambm uma metodologia de pesquisa e de alfabetizao reconhecida e incorporada pelos alfabetizadores e coordenadores do Programa Paran Alfabetizado, perfeitamente concilivel e convergente com um processo de alfabetizao que contemple a oralidade, a leitura e a escrita.

RefernciasBENJAMIN, Walter et al. O narrador. In: LOPARIC, Zeljko e FIORI, Otlia B (orgs.). Textos escolhidos. So Paulo: Abril Cultural, 1975. (Coleo Os Pensadores, v. XLVIII).

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. So Paulo: Paz e Terra. 1996 _____. Pedagogia da indignao: cartas pedaggicas e escritos So Paulo: UNESP, 2000.

H que se deixar os narradores natos contarem suas histrias, no s porque isso importante para eles e para o processo pedaggico, como tambm pelo fato de que, como foi exaustivamente lembrado por Paulo Freire, quando se ensina tambm se aprende e ns, educadores, somos to carentes de ouvir narrativas como qualquer outro ser humano. E na condio de alfabetizadores, cabe-nos ainda uma responsabilidade histrica, que a documentao de algumas narrativas de alfabetizandos, as quais podem compor um acervo para ser trabalhado em sala de aula, na forma de texto. Tal iniciativa favorece alguns aspectos importantes no contexto de sala de aula alguns dos quais j bem demarcados ao longo deste texto que associam a linguagem, a escrita e a leitura. Sobretudo aqueles que incidem sobre a valorizao do saber dos alfabetizandos, que traz como decorrncia sua afirmao de sujeito de conhecimento, a legitimao de suas histrias e, consequentemente, de suas vidas, bem como a possibilidade de participao no prprio processo de alfabetizao. Transformar histrias orais em textos para serem trabalhados nas turmas de alfabetizao, como dizia Paulo Freire, criar acervo para bibliotecas populares. Esses textos podem ser potencialmente compartilhveis pela comunidade e por vrias turmas do mesmo ncleo. Assim, importante que as narrativas saiam do campo do discurso e ganhem corpo textual, preservando a memria. Tornando-se memria, ganham uma dimenso pblica e jamais voltaro a ser reminiscncia, pois reminiscncias so experincias que habitam o ntimo e que, embora em alguns momentos sejam contadas, sobrevivem no limite da existncia de quem as detm. Sobre isso nos lembrou Walter Benjamin: (...) ningum morre to pobre que no deixa alguma coisa atrs de si. Em todo caso, ele deixa reminiscncia, embora nem sempre elas encontrem um herdeiro.38

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HISTRIAS DE VIDA NO PARAN ALFABETIZADOPatrcia Claudia da Costa1

Sou um alfabetizador e fico muito feliz de poder passar para algum o que eu sei e tambm aprender com eles o que eu no sei. Porque nunca sabemos tudo, sempre estamos aprendendo. O conhecimento bom quando voc compartilha com as pessoas, no quando voc guarda s para voc. (Jos Bueno - Ncleo de Laranjeiras do Sul)

A escrita sobre histrias de vida tem sido uma estratgia metodolgica na formao polticopedaggica dos