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- 442 - Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006 Jul-Set; 15(3): 442-8. JORNADA DE TRABALHO: FATOR QUE INTERFERE NA QUALIDADE DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM WORKING TIME: FACTOR THAT INTERFERE IN THE QUALITY OF NURSING ASSISTANCE HORAS DE TRABAJO: FACTOR QUE INTERFERE EN LA CALIDAD DE LA ASISTENCIA DE ENFERMERÍA Bernadete Monteiro da Silva 1 , Flávia Regina Furtado Lima 2 , Francisca Sônia de Andrade Braga Farias 3 , Antônia do Carmo Soares Campos 4 1 Enfermeira assistencial do Hospital Geral do Exército de Fortaleza. 2 Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Administração Hospitalar. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). 3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Curso de Enfermagem da UNIFOR. 4 Enfermeira da UTI Neonatal da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Enfermagem da UNIFOR. Membro integrante do Projeto saúde do Binômio mãe-filho da UFC e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). RESUMO: A pesquisa teve como objetivos identificar os fatores decorrentes da jornada de trabalho que afetam a qualidade da assistência de enfermagem, bem como propor estratégias para melhorá-la. É um estudo exploratório-descritivo coletado mediante questionário, aplicado com 12 enfermeiros em um hospital geral em Fortaleza-CE, ocupantes de mais de um emprego. A análise dos dados foi feita em duas partes: caracterização dos participantes e das categorias. Os resultados mostram que há déficit no cuidado prestado por esses enfermeiros como conseqüência da longa e pesada jornada de trabalho. Diante disto, são propostas algumas estratégias para melhoria na qualidade dessa assistência. ABSTRACT: This research had as objectives to identify factors resulting from working time that affect the quality of the nursing assistance, as well as to propose strategies to enhance them. It is an exploratory- descriptive study collected through a questionnaire, applied with 12 nurses who had more than one job in a general hospital in Fortaleza-CE. The data analysis was conducted in two parts: characterization of the participants and of the categories. The results show that there is a deficit in the care given by these nurses as a result of the long and hard work time. Before this, one proposes some strategies to enhance the quality of this assistance. RESUMEN: La investigación tuvo el objetivo de identificar los factores decurrentes de las horas de trabajo que afectan la calidad de la asistencia de enfermería y también proponer estrategias para su mejoría. Es un estudio exploratorio y descriptivo colectado a través de un cuestionario que fue hecho con 12 enfermeros en un hospital general en Fortaleza-CE, que posee más de uno trabajo. El análisis de los datos fue hecha en dos partes: caracterización de los participantes y de las categorías. Los resultados señalan que hay déficit en la atención prestada por estos enfermeros como consecuencia de su gran y dura de horas de trabajo. Delante de esto, son propuestas algunas estrategias para mejorar la calidad de esa asistencia. Endereço: Bernadete Monteiro da Silva R. Comandante Riper, 538 60.830-340 - Messejana, Fortaleza, CE. E-mail: [email protected] Artigo original: Pesquisa Recebido em: 21 de fevereiro de 2006. Aprovação final: 26 de junho de 2006. PALAVRAS-CHAVE: Jorna- da de trabalho. Organização e administração. Recursos huma- nos. KEYWORDS: Work hours. Organization and adminis- tration. Human resources. PALABRAS CLAVE: Horas de trabajo. Organización y administración. Recursos huma- nos. Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS

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Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006 Jul-Set; 15(3): 442-8.

JORNADA DE TRABALHO: FATOR QUE INTERFERE NA QUALIDADE DAASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

WORKING TIME: FACTOR THAT INTERFERE IN THE QUALITY OF NURSING ASSISTANCEHORAS DE TRABAJO: FACTOR QUE INTERFERE EN LA CALIDAD DE LA ASISTENCIA DE

ENFERMERÍA

Bernadete Monteiro da Silva1, Flávia Regina Furtado Lima2, Francisca Sônia de Andrade Braga Farias3, Antônia doCarmo Soares Campos4

1 Enfermeira assistencial do Hospital Geral do Exército de Fortaleza.2 Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Administração Hospitalar. Docente do Curso de Enfermagem da Universidade

de Fortaleza (UNIFOR).3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Curso de Enfermagem da UNIFOR.4 Enfermeira da UTI Neonatal da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutora

em Enfermagem. Docente do Curso de Enfermagem da UNIFOR. Membro integrante do Projeto saúde do Binômio mãe-filho da UFCe Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

RESUMO: A pesquisa teve como objetivos identificar os fatores decorrentes da jornada de trabalhoque afetam a qualidade da assistência de enfermagem, bem como propor estratégias para melhorá-la. Éum estudo exploratório-descritivo coletado mediante questionário, aplicado com 12 enfermeiros emum hospital geral em Fortaleza-CE, ocupantes de mais de um emprego. A análise dos dados foi feita emduas partes: caracterização dos participantes e das categorias. Os resultados mostram que há déficit nocuidado prestado por esses enfermeiros como conseqüência da longa e pesada jornada de trabalho.Diante disto, são propostas algumas estratégias para melhoria na qualidade dessa assistência.

ABSTRACT: This research had as objectives to identify factors resulting from working time that affectthe quality of the nursing assistance, as well as to propose strategies to enhance them. It is an exploratory-descriptive study collected through a questionnaire, applied with 12 nurses who had more than one jobin a general hospital in Fortaleza-CE. The data analysis was conducted in two parts: characterization ofthe participants and of the categories. The results show that there is a deficit in the care given by thesenurses as a result of the long and hard work time. Before this, one proposes some strategies to enhancethe quality of this assistance.

RESUMEN: La investigación tuvo el objetivo de identificar los factores decurrentes de las horas detrabajo que afectan la calidad de la asistencia de enfermería y también proponer estrategias para sumejoría. Es un estudio exploratorio y descriptivo colectado a través de un cuestionario que fue hechocon 12 enfermeros en un hospital general en Fortaleza-CE, que posee más de uno trabajo. El análisis delos datos fue hecha en dos partes: caracterización de los participantes y de las categorías. Los resultadosseñalan que hay déficit en la atención prestada por estos enfermeros como consecuencia de su gran ydura de horas de trabajo. Delante de esto, son propuestas algunas estrategias para mejorar la calidad deesa asistencia.

Endereço: Bernadete Monteiro da SilvaR. Comandante Riper, 53860.830-340 - Messejana, Fortaleza, CE.E-mail: [email protected]

Artigo original: PesquisaRecebido em: 21 de fevereiro de 2006.Aprovação final: 26 de junho de 2006.

PALAVRAS-CHAVE: Jorna-da de trabalho. Organização eadministração. Recursos huma-nos.

KEYWORDS: Work hours.Organization and adminis-tration. Human resources.

PALABRAS CLAVE: Horasde trabajo. Organización yadministración. Recursos huma-nos.

Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS

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Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006 Jul-Set; 15(3): 442-8.

INTRODUÇÃO

Como a arte e ciência do cuidar, a enfermagemé necessária a todas as nações, imprescindível em qual-quer época e indispensável à preservação da saúde eda vida dos seres humanos em todos os níveis, classesou condições sociais.1

Com a evolução da enfermagem como ciênciae prática social, o enfermeiro passou a assumir papéisnão só na assistência, mas na liderança e na pesquisa.Além disso, incorporou em sua formação profissio-nal conhecimento de outros saberes, a exemplo daciência da administração.2

A interrelação da administração na enfermagemestá, entretanto, alicerçada nos princípios da própriaprofissão, apoiados nos pensamentos e ações deFlorence Nightingale. Entre estes princípios sobressa-em quatro conceitos fundamentais: “ser humano, meioambiente, saúde e enfermagem”.3:15 Para a mesma au-tora, o trabalho na saúde está concatenado aos pensa-mentos teóricos da administração, que é dinâmica notempo, devido à necessidade de acompanhar sua evo-lução em razão das alterações tecnológicas eambientais.3

Neste contexto, ao longo da sua história, a en-fermagem tem sofrido modificações na dimensão doseu processo de trabalho, vivenciando uma rotina detrabalho estressante sem planejamento operacional desuas atividades cotidianas o que tem ocasionado des-gaste, cansaço e sobrecarga, principalmente devidomuitas vezes este profissional ter uma longa jornadade trabalho. Segundo alguns autores referem, o pro-cesso de trabalho é o modo como o ser humano pro-duz e reproduz sua existência.4 Portanto, o modo comoo enfermeiro realiza o seu trabalho cotidiano, depen-de do seu existir. Nós somos seres que estamos emconstante construção, visto que estamos abertos a trans-formações decorrentes de valores do nosso ambienteinterno como também do ambiente externo ondedesenvolvemos nossas ações. Desse modo o agir doenfermeiro, em realidades concretas pode-se apreen-der as condições e dinâmicas da prática e contribuircom estratégias de mudanças da realidade. Em facedas crescentes mudanças no mundo e, particularmen-te, na profissão, o enfermeiro tem buscado a especia-lização como forma de abrir espaços para atuar aomesmo tempo em diversas instituições e empresas.

Esta nova realidade despertou o interesse empesquisar sobre a jornada de trabalho e verificar seinterfere na qualidade da assistência de enfermagem,em especial, a partir da experiência como atuante na

saúde. Este interesse cresceu no cotidiano de nossaprática, e, estimulada por ele, temos observado e re-fletido no dia-a-dia no âmbito hospitalar que a quali-dade da assistência prestada pelo profissional enfer-meiro, submetido a uma rotina exaustiva de trabalho,apresenta-se vulnerável. Desse modo, passa a existiruma assistência fragmentada, na qual esses profissio-nais transmitem falta de estímulo, acúmulo de servi-ços, muitas vezes gerando conflitos nas passagens deplantão, em virtude dos atrasos ocorridos quando esseprofissional tem de sair de uma instituição para outrae dar continuidade a sua jornada de trabalho.

Ante esta realidade, questionamos sobre a quali-dade da assistência prestada por enfermeiro. Comoesse profissional qualifica a assistência por ele presta-da? Será que em algum momento ele percebe que oacúmulo de empregos o está afastando das suas atri-buições e de ver o cliente holisticamente?

Como observado, a enfermagem vem se man-tendo em ascensão. Portanto, o estudo mostra-se rele-vante, pois é importante contar com profissionaiscompromissados e conscientes da responsabilidade dasua profissão, dos inúmeros conhecimentos e áreassurgidos a cada dia. Diante destas ações, os profissio-nais podem seguir os diversos ramos, conforme suaaptidão, desenvolvendo atividades motivadoras, trans-mitindo ao cliente um bem-estar geral necessário aoseu tratamento.

OBJETIVOS

- Identificar os fatores decorrentes da jornada detrabalho que afetam a qualidade da assistência deenfermagem prestada pelo enfermeiro em um hos-pital geral.

- Propor estratégias passíveis de contribuir para amelhoria da qualidade da assistência de enferma-gem.

REFERENCIAL TEÓRICOQualidade da assistência x sobrecarga de tra-balho

A evolução de uma sociedade está interligada ascondições de saúde de sua população. A saúde resultada relação do homem, mediante sua inserção no meionatural e social e sob sua influência socioeconômica ecultural.

Neste contexto, de acordo com a ConstituiçãoFederal, em seu artigo 196, o acesso à saúde é direito

Jornada de trabalho: fator que interfere na qualidade da assistência de enfermagem.

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de todos, garantido por políticas sociais e econômicasque visam à redução do risco de doenças e dos agra-vos à saúde, acesso universal e igualitário às ações eserviços para a sua promoção, proteção e recupera-ção.5 Entretanto, no dia-a-dia, pelos mais diversosmotivos, isso não tem se concretizado, devido à exis-tência de desigualdades sociais, econômica, educacio-nal e estrutural no Brasil. Entre estes motivos mencio-nam-se a ausência de uma política social ampla e ver-dadeira sem demagogia, com preocupação na quali-dade de vida do ser humano; oferecendo melhorescondições de moradia, saneamento básico, educação,emprego digno, recursos para a área de saúde, tantomatérias, como humanos e financeiros, resultando umatendimento mais humanizado e de qualidade.

A enfermagem, como parte integrante da equi-pe de saúde, tem implementado ações no intuito deassistir o ser humano no atendimento de suas necessi-dades básicas. No entanto, estas ações, de caráter pre-ventivo, curativo ou de reabilitação, desenvolvidas pelaenfermagem, à sua clientela através de processoeducativo muitas vezes, não são inseridas na vida coti-diana do profissional enfermeiro, devido à sobrecar-ga de atividades diárias que afetam a qualidade de suaexistência nem sempre têm sido aplicadas por essesprofissionais em seu próprio benefício.6

As condições de trabalho e saúde da equipe deenfermagem têm sido denunciadas no mundo inteiro,inclusive no Brasil.7 Na maioria dos hospitais, a formade trabalho é inconcebível, doentia e contradiz todasas regras básicas para ambientes saudáveis em todosos aspectos. Diante disto, conforme evidenciado, algoprecisa ser feito para mudar esta situação. Além disso,é preciso se considerar a qualidade do trabalho. Dessaforma é preciso investir nas pessoas que é o bem maisvalioso que as organizações possuem. É necessárioneste novo século enfrentar novos desafios,com umaprática mais humanizada, tornando o ambiente de tra-balho mais livre e leve para o uso de todas as capaci-dades dos indivíduos e grupos, visando a qualidadeno serviço na assistência e na vida do trabalhador. Comeste objetivo, a luta pela melhoria das condições detrabalho do profissional enfermeiro tem sido alvo dedebate no meio acadêmico e no contexto geral dasorganizações. Como se sabe, a saúde no trabalho éessencial para o desenvolvimento socioeconômico dequalquer nação no mundo, principalmente neste mo-mento em que o desenvolvimento tecnológico temfacilitado a substituição da mão de obra de certas ati-vidades pela maquina, exigindo cada vez mais traba-lhadores criativos e qualificados, oferecendo-lhes cada

vez menos, em termos de condições de trabalho enível salarial.

É neste contraste de correrias e desencontrosque os eventos estressantes permeiam os hospitais elevam os enfermeiros, bem como os demais profis-sionais, ao esgotamento, gerador de profissionais in-diferentes, apáticos e cansados, dominados porestresse e desmotivação, com conseqüente conflitose insatisfações. 8

Perante este quadro surgem questionamentos arespeito do hospital como ambiente de trabalho, poispor ser este um ambiente onde são tratados proble-mas de saúde da população, deveriam existir condi-ções adequadas para o exercício profissional 8. Noentanto, consoante se observa, estas são organizaçõesexigentes, competitivas e burocratizadas, que massa-cram os trabalhadores, e provocam repercussões naqualidade da assistência, ou seja, no cliente.

Segundo mostra toda esta situação adoecer éficar sem contribuir, enquanto força de trabalho.Nessecaso, cabe ao hospital recuperar a pessoa e devolver-lhe a condição anterior. Para isto se faz necessário apresença de profissionais “sadios”, capazes de ofere-cer um cuidado humanizado.9

Desse modo, a partir do momento em que oenfermeiro for visto como um ser com direito a umambiente onde existam condições de trabalho, este játerá melhores condições em sua qualidade de vida,pois o estresse físico e mental dará lugar ao bem-estargeral. Qualidade de vida no trabalho é ouvir as pessoase utilizar ao máximo suas potencialidades. Ouvir é pro-curar saber o que as pessoas sentem, querem, pensam; édesenvolver nas pessoas condições para que elas, ao sedesenvolverem, consigam desenvolver a empresa.10

Conforme já comentado, as questões relaciona-das ao direito do trabalhador de enfermagem vêmsendo discutidas no mundo inteiro e o Comitê de Ser-viços Profissionais, bem como o Comitê do Conse-lho Internacional de Enfermagem (CIE), estão am-plamente envolvidos nestas discussões. Segundo o queo (CIE) formulou sobre as ações de enfermagem li-gadas ao CIE devem estudar o problema da saúde eda segurança no trabalho, sob o ponto de vista doenfermeiro e de sua equipe. Estes devem ser conside-rados tanto como profissionais de saúde, no exercíciode atividades assistenciais e administrativas, quanto comoindivíduos, ao contribuir para a reflexão e conscientizaçãodo problema dentro do contexto atual.7

Ao longo do tempo, a Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT) e a Organização Mundial de

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Saúde (OMS) vêm atuando com vistas às melhorescondições de vida, trabalho e emprego para estes pro-fissionais e sua equipe. Neste intuito, representantes daOIT/OMS reúnem-se freqüentemente com integran-tes de vários segmentos sociais com o objetivo depromover a realização de convenções capazes de re-sultar em Tratados Internacionais, onde cada país opteem ser ou não um seguidor.7

ASPECTOS METODOLÓGICOSTrata-se de uma pesquisa exploratória e descri-

tiva sobre jornada de trabalho. A pesquisa descritiva éum delineamento da realidade, pois descreve, registra,analisa e interpreta os processos atuais mediante com-paração e contraste.11 A exploratória tem por finalida-de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos en-volvidos, possibilitando ao pesquisador uma visão geralacerca do fato investigado.11

Este estudo foi desenvolvido em um hospitalgeral de médio porte na cidade de Fortaleza-CE, quepresta atendimento exclusivo a clientela fechada, seusdependentes e funcionários, centrado na atençãoterciária nas seguintes especialidades: clínica médica,cirúrgica, obstétrica, pediátrica, ambulatórios, fisiote-rapia e UTI. Tem seus objetivos pautados na assistên-cia integral do paciente.

Como participantes da pesquisa, contou-se com12 enfermeiros, todos com mais de um emprego. Osdados foram coletados por meio de um questionário,com perguntas abertas, respondidas sem a presençadas pesquisadoras, no período de fevereiro a marçode 2005.

A análise dos dados foi dividida em duas par-tes: caracterização dos participantes da pesquisa e ca-tegorias. Para a análise dos resultados adotou-se oreferencial teórico da qualidade da assistência de enfer-magem, buscando, por meio de leitura qualitativa, acompreensão das falas dos participantes da pesquisa.

Em atendimento aos aspectos éticos legais depesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foiencaminhado inicialmente ao Comitê de Ética e Pes-quisa (CEP), para apreciação e aprovação. De posseda autorização do (CEP), procedeu-se à coleta dedados na instituição de pesquisa, usando o termo deconsentimento.

ANÁLISE DOS RESULTADOSOs resultados obtidos foram agrupados segun-

do a caracterização dos participantes da pesquisa e emcategorias.

Categoria A - Motivação que leva o profissionala ter mais de um empregoCategoria B - Sobrecarga de trabalhoCategoria C - Qualidade da assistênciaCategoria D - Qualidade de vida

Caracterização dos participantes

Os participantes desta pesquisa estão caracteri-zados de acordo com o tempo de graduação, tempode experiência profissional, atividades que realizamextratrabalho, número de filhos, instituição e setor ondetrabalham.

Entre os profissionais pesquisados 50% destesapresentaram com formação profissional concluídavariável entre 11 e 16 anos. Possuem opinião formadae conhecimento da realidade da enfermagem comoprofissão. De todos os enfermeiros participantes doestudo 58,4% exerce suas atividades entre 5 e 10 anos,considerado o menor tempo entre os demais, massuficiente para terem adquirido experiência e habilida-de profissional.

Para prestar a assistência de enfermagem ao cli-ente, o enfermeiro precisa ter conhecimento científicoe domínio dos procedimentos a fim de desempenharsuas atividades de forma ordenada e sistematizada,essenciais para avaliar o estado de saúde do cliente.12

Entre estes profissionais, 75% exercem ativida-des como lazer, viagens, praias e cinemas como for-ma de suavizar o estresse gerado pelo acúmulo deserviço, e 58,3% não possuem filhos, o que representajornada de trabalho diferenciada dos demais. Aindacomo observado, 66,7% desenvolvem suas ativida-des somente na área hospitalar, a qual exige um aten-dimento de maior complexidade, pois o hospital éum lugar onde se evidencia o esgotamento dos indiví-duos, com equipes de trabalho cansadas, indiferentese apáticas, denominadas por estresse e desmotivação.Isto, por vezes, gera conflitos e insatisfação em algunsprofissionais.9

A unidade de terapia intensiva (UTI) é o setorde maior atuação desses profissionais, com 33,3%. Emvirtude das condições das pessoas aí internadas, estesetor se diferencia dos demais por ser fechado,estressante e de maior complexidade. Além disso, re-quer profissionais especializados em constante treina-mento. O trabalho na UTI deve enfocar não apenas acompetência para manusear a tecnologia utilizada parao tratamento, mas a qualificação dos profissionais paralidar de maneira mais humana com os indivíduos queali se encontram.13

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Categorias

Na condição de categorias foram abordadas asdemais informações obtidas por meio desta pesquisa.Com o objetivo de salvaguardar o anonimato dosparticipantes da pesquisa, como forma de respeito eadmiração, usaremos como pseudônimos nomes deflores. Quanto aos resultados, foram analisados des-critivamente conforme as convergências encontradasnas respostas aos questionamentos e transcritas na ín-tegra. Emergiram, então, quatro categorias.

Categoria A - Motivação que leva o profissio-nal a ter mais de um emprego

A motivação tem sua origem no interior do in-divíduo.14 Diversos motivos ou causas são importan-tes para mover o comportamento.15Ao se questionaras motivações dos participantes da pesquisa para termais de um emprego, obteve-se o seguinte depoimen-to, revelado por Violeta. Interesse financeiro em primeirolugar e interesse na aprendizagem juntamente com o interesse emampliar os horizontes profissionais (Violeta).

Ao se deter neste depoimento, fica evidenciadoo problema da má remuneração, aliado as outras difi-culdades diárias a induzir muitos profissionais de en-fermagem a buscarem outro emprego onde perce-bam melhores salários.

Categoria B - Sobrecarga de trabalho

No Brasil ainda não existem dados segundo osquais se definam os custos que as pessoas estressadasrepresentam para as instituições e tão pouco a parcelada população com alterações da saúde decorrentes doestresse.9 No entanto, o que tem ocorrido normalmen-te entre estes profissionais, em virtude da sobrecarga detrabalho, é a falta de tempo para descansar, refletir, or-ganizar, aprender. Isto, para muitos enfermeiros, acabacausando desgaste físico e emocional, como se podeconstatar nas falas de Cravo e Jasmim, a seguir.

A maioria dos profissionais atuam em mais de um hospi-tal, tendo como conseqüência o comprometimento algumas vezesda assistência de enfermagem excelente, pelo grau do desgastefísico e mental a que são submetidos (Cravo).

Carga horária extensa, com poucos funcionários e muitospacientes, prejudica a qualidade de assistência de enfermagem,principalmente devido à complexidade dos cuidados e estado ge-ral do paciente (Jasmim).

A partir destes relatos, percebe-se o quanto éimportante estes profissionais se organizarem e se

mobilizarem com o objetivo de obter mudanças ca-pazes de amenizar o estresse gerado com essa formade se trabalhar.

Categoria C - Qualidade da assistência

Qualidade é uma palavra constante do dia-a-diae desempenha papel importante em todos os aspec-tos. É o melhor que se pode fazer, padrão mais eleva-do de desempenho em qualquer campo de atuação.15

Para Orquídea, qualidade é assim definida: realizar umaassistência ao cliente através de uma avaliação e planejamento daassistência de enfermagem (Orquídea).

De acordo com a fala, trabalhar de forma pla-nejada demonstra cientificidade no desenvolver de ati-vidades, gerando assistência de qualidade. Conformeé notório, no decorrer da história da enfermagem,Florence já utilizava o planejamento na assistência aocliente, mesmo de forma empírica. Isto facilitava ocuidar. O planejamento é uma ferramenta que auxiliao enfermeiro a organizar, executar e avaliar as açõesde enfermagem de forma a alcançar racionalmente osseus objetivos e obter melhor desempenho e maiorprodutividade no seu trabalho.16 Dessa forma, paraprestar uma assistência com qualidade, é indispensávelatender de modo eficaz as necessidades do cliente,promovendo a participação ativa deste no seu cuida-do, de acordo com sua individualidade, e ter uma vi-são holística do ser humano.17 Consoante se observa,a transformação para a qualidade na assistência exigeesforços e trabalho em equipe, como afirma Tulipaao se manifestar sobre qualidade: [...] é prestar uma as-sistência com destreza, atenção nas técnicas dos procedimentos, éuma equipe de enfermagem atenciosa, prestativa, com pouca de-mora para atender ao paciente [...] (Tulipa).

Segundo denota a fala de Tulipa, prestar umaassistência de qualidade é ter como resultado a eficiên-cia e a precisão de seus atos. Tais comportamentossão evidenciados pela teoria burocrática de Max Weber,a qual preconiza que a burocracia é uma forma deorganização humana baseada na racionalidade, isto é,a adequação dos meios aos objetivos pretendidos afim de garantir a máxima eficiência.18

Categoria D - Qualidade de vida

Esta categoria avalia o planejamento destes pro-fissionais para terem uma qualidade de vida melhor,uma vez que o trabalho, muito mais do que uma for-ma de sobrevivência, deve ser também uma formade se buscar prazer.19 Por isso, a realização profissio-

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nal, o bom desenvolvimento das atividades, estar felizcom o trabalho é de fundamental importância para amotivação do profissional e satisfação do cliente alvodo serviço. As falas de Crisântemo e Girassol eviden-ciam como fazem para ter qualidade de vida: apesar daextensa carga horária a ser cumprida, procuro conciliar bempara que não haja choques de horário intercalando com repousoe lazer (Crisântemo).

Procuro conduzir meu trabalho de modo prazeroso comoforma de aliviar o estresse que pode ser gerado em conseqüênciada longa jornada de trabalho (Girassol).

Para estes profissionais ocupantes de extensacarga horária, crescer e conquistar objetivos são me-tas. Entretanto, com criatividade e motivação, é possí-vel conciliar trabalho e lazer, manter a qualidade devida e proporcionar qualidade na assistência. Dessaforma, conceitos de qualidade de vida precisam estarfocados no ambiente organizacional, em busca doequilíbrio e da paz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dos anos a enfermagem tem-se em-penhado em assistir o ser humano da melhor forma.Para isso, adquire conhecimentos e princípios científi-cos que embasem sua prática: o saber-fazer. Todavia,diante do que foi pesquisado, as condições de traba-lho dos enfermeiros refletem-se em desgaste físico eemocional. No intuito de superá-lo, as maiorias dessesprofissionais buscam motivação como o dinheiro e oconhecimento para seguir uma jornada dupla de tra-balho, desafiando os fatores extrínsecos e intrínsecosque surgem constantemente.

Ante esse modo de se trabalhar, nem todos osprofissionais conseguem uma excelência nas suas ati-vidades e acabam buscando outras vertentes da pro-fissão, e, muitas vezes, distanciam-se totalmente docuidado humano, ou se mantêm desempenhando suasatividades sem grandes satisfações.

Além disso, à falta de uma reorganização dasatribuições destes profissionais, estes ficam sobrecar-regados e passam a delegar suas atribuições aos técni-cos e auxiliares de enfermagem, com conseqüente re-dução na qualidade da assistência. Mesmo assim, mui-tos profissionais ainda conseguem administrar o tem-po, planejam-se e buscam desenvolver suas atribui-ções. Exige-se, porém, uma força sobre-humana paratal desempenho, o que tem levado este profissional auma vida estressante, em decorrência da longa jorna-da de trabalho.

Após estas constatações, e com vistas à melhoriada qualidade da assistência de enfermagem, recomen-dam-se algumas estratégias, como: 1) que sejam reali-zadas reuniões, e estas questões referentes à jornadade trabalho vesus qualidade da assistência da enferma-gem vesus qualidade de vida, sejam expostas e analisa-das; 2) que o profissional avalie os riscos e benefíciosem termos de se expor a uma jornada de trabalholonga e duplicada por ter mais de um emprego; 3)que sejam desenvolvidas no ambiente de trabalhomotivações profissionais, tais como: momentos delazer, incentivo à participação em cursos, congressos,maior atenção às necessidades dos funcionários; 4) queo ambiente de trabalho seja favorável às atividades de-senvolvidas; 5) que o quantitativo humano seja suficien-te; 6) que a remuneração seja satisfatória com piso sala-rial compatível com as necessidades de sobrevivênciadestes profissionais com qualidade de vida evitando queo mesmo tenha longas jornadas de trabalho; 7) que hajavalorização profissional; 8) que a jornada de trabalhoseja adequada e respeitável à categoria.

Poderiam ser aplicadas também medidas estru-turais nas organizações de saúde como forma de me-lhorar a qualidade de vida dos profissionais de enfer-magem tais como: integração da equipe de Enferma-gem, mesmo por que por um curto espaço de tempo,diariamente, antes do início das atividades laborais, pormeio dinâmicas com vistas ao relaxamento, seja ofe-recida alimentação de valor nutritivo, locais adequa-dos para repouso, banheiros apropriados para umaboa higienização entre as jornadas de trabalho

Para se alcançar esta meta, entretanto, é indispen-sável estarem estes profissionais unidos na luta por seusideais. Dessa forma, tais estratégias poderão tornar-serealidade para todos os profissionais enfermeiros.

REFERÊNCIAS1 Geovanini T, Moreira A, Dornelles S, Machado WCA.

História da enfermagem: versões e interpretações. Rio deJaneiro (RJ): Revinter Ltda; 1995.

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Jornada de trabalho: fator que interfere na qualidade da assistência de enfermagem.

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Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2006 Jul-Set; 15(3): 442-8.

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8 Lautert LA. Sobrecarga de trabalho na percepção deenfermeiros que trabalham em um hospital. Rev. GaúchaEnferm. 1999 Jul; 20 (2): 50-4.

9 Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. 2a ed.Porto Alegre (RS): Sagra Luzzatto; 1999.

10 Fernandes EC. Qualidade de vida no trabalho: como medirpara melhorar. Salvador (BA): Casa da Qualidade; 1996.

11 Lakatos EM, Marconi MA. Fundamentos de metodologiacientífica. 2a ed. São Paulo (SP): 2001.

12 Thomaz V, Guidardello E. Sistematização da assistênciade enfermagem: problemas identificados pelos enfermeiros.Nursing: rev. técn. Enferm. 2002 Nov; 54 (5): 28-32.

13 Martins JJ, Faria EM. O cotidiano do trabalho em UTI:prazer e sofrimento. Texto Contexto Enferm. 2002 Jan-Abr; 11 (1): 222-43.

14 Marquis BL, Huston CJ. Administração e liderança emenfermagem: teoria e aplicação. 2a ed. Porto Alegre (RS):Artmed; 2002.

15 Maximiano ACA. A teoria geral da administração darevolução urbana à digital. 4a ed. São Paulo (SP): EditoraAtlas; 2004.

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17 Soares MCP. Sistematização da assistência de enfermagem:contribuições do ensino para a prática assistencial[dissertação]. Fortaleza (CE): UFC; 2002.

18 Chiavenato I. Introdução à teoria geral da administração.6a ed. Rio de Janeiro (RJ): Campus; 2000.

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Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS