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NIHIL, uma EPOPÉIA Hugo Scabello 20?? Edição novembro 2013

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NIHIL, uma

EPOPÉIA

Hugo Scabello 20?? Edição novembro 2013

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CantosCanto I.......................................................................................3Canto II....................................................................................61Canto III................................................................................105Canto IV................................................................................141Canto V.................................................................................174Canto VI................................................................................217

Nihil, uma Epopéia – – 2 / 263

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Canto I

A vida está para ser discorrida,

como a vida, como somente a vida.

A mais medíocre de todas as jornadas,

porém a única jornada.

Nunca chegará aos pés de uma história,

pois uma não é!

É somente uma inquietação.

Começa, se desenvolve, e termina,

termina novamente.

Não, sem começo, sem fim, só desenvolvimento, só o agora.

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Real, a única verdadeira, a única existente.

Caótica, estranha, nebulosa, sem sentido,

assim ela é.

Assim é a vida, o que essas linhas um dia serão,

linhas tortas, descompassadas, perdidas, meaninless,

assim elas serão vivas -

momentos duraram -

momentos curtos, momentos de sua vida.

Desperdiçado esses serão,

não que vá faltar, mas também não irá passar.

Talvez a incompreensão venha na luz,

talvez já tenha vindo, e com ela, virá (após, antes, ou junta;

não muito importa)

a intolerância, o ódio, e a saliva.

(Sendo essa última opcional e substituível, por exemplo, por a

tesoura, a força ou o fogo).

Mas!

Mas nessa hora,

então,

lembre-se do criador,

lembre-se que a culpa é sua por não ter tempo,

por não entender, a culpa é só sua!

(Até mesmo parece o sentimento do outro criador).

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Acredito na existência de inteligência,

alguém irá enxergar a leitura,

por isso irei continuar.

Minto.

Inteligência não é fator nem parcela,

pouco importa, é neutra, continuaria de qualquer maneira.

Sua existência é impotente nesse ponto.

(Como em todos os que existem;

entenda isso como quiser, mas;

entenda de todas as maneiras).

Mas, sem a benção da existência,

sem a benção da verdade imutável,

quem poderá, então, proteger essa tinta?

Quem defenderia algo tão medíocre?

Pior!

Tão menor? Tão de baixo?

Quem?

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A essência sulfúrica pode já ser sentida, sim, é ele!

Do mais profundo abismo, Eu o invoco!

O único capaz de atender meu chamado!

Senhor dos pecados, dos mortais, de toda mediocridade.

Simples em seu manto rosso,

Tortos são seus chifres, tortos e lungos.

Belo é seu rosto, mas bruto é tua feição.

Senhor dos mortais!

O que representa a vida, e espera por todos os mortos!

Senhor dos pesadelos!

Matai-vos em seu terreno, antes que despertem!

Peço Tua permissão!

Peço Tua proteção!

Peço Tua maldita Benção!

A benção da negação

não a de Fausto, é insuficiente!

Precisas ser o que tudo nega e mais,

precisas negar a própria negação.

Aí sim!

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Que teu fogo queime o coração de todos aqueles medrosos,

incapazes de enfrentar a mais banal de todas as jornadas!

A única jornada.

Que teus servos dilacerem todos aqueles que não enxergam,

e não sentem.

Pois eles nem mesmo se sentirão dilacerados,

nunca entenderam a dor.

A única dor.

Senhor dos Mortais,

já é hora, as luzes começam a piscar,

sempre piscaram, mas agora são sentidas.

Vá! E não espere agradecimentos ou reverências.

Volte agora para as terras infinitamente longes onde tu moras!

Vire-me as costas!

Verei assim sua solidez,

seu rabo, não se esqueça dele.

Parta agora!

Não deixe rastros, como tu sempre fizeste.

(Ignore esse pedido, supérfluo).

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Agora já me irei,

contudo,

aquele que a mim machas,

de mim terá sempre o cantar manchado!

Apesar de serem sentidas, ainda não é hora,

em breve será o momento, melhor que esteja longe,

nada pode interferir na realidade quando tudo começar.

Quando começar.

E começará em breve,

espere, leia o próximo momento e espere.

O momento passa, de forma estática,

já vejo o tédio nos olhos, no cheiro.

Posso senti-lo...

Não é minha culpa!

O momento ainda não chegou!

A culpa é sua, lembre-se sempre disso!

Sim, a culpa é sua,

o mérito é meu.

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Eu o criador, o modelador,

tudo que se faz sentido é meu.

Eu crio, eu sou Deus (D),

e eu mereço o mérito.

Sou o único real,

com minha longa túnica fúnebre,

enfeitada com vida excitante.

Sementes que poderão, ou não, crescer.

Eu decido.

Minha foice, a mais afiada de todas,

capaz de ceifar mesmo sem encostar,

posso terminar com tudo, ou até mesmo,

nem começar!

Meu olhar é profundo,

vê até mesmo o que não existe.

Vê invisível,

Vê tudo, cheiros, gostos, sons, sentimentos.

A minha vontade modela,

vontade-poder!

Não de verdade,

mas na realidade.

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Por tudo isso,

e por muito mais que fica atrás,

que sou o único que pode merecer,

da jornada os méritos.

(Eu sou a única escolha

todas as outras seriam paradoxos).

Eu escolho o lugar

e o lugar é aqui

Eu escolho o momento

e o momento é agora.

O azul cintilante, forte, das luzes, era insuportável.

Tinham o ritmo baseado numa fração de tempo,

foram arbitrariamente escolhidas, e são.

Dois pontos no espaço.

Um infinito separa-os do ponto mais próximo,

esse mesmo infinito, separa os dois.

Nunca serão um só, por mais que insistam;

Nunca serão, por mais que insistam.

Apesar de que sozinhos,

nada são ou significam.

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Os pontos ganharam,

Linih não mais suporta.

É hora, sim é hora.

Evitar é inútil.

Apesar de tudo ainda escuro estar,

é hora, pois os pontos cintilantes são, agora, acompanhados

pela cacofonia estridente.

Do despertador. (Desperta – dor?).

Os dois pontos tomam forma, no olhar dele,

São horas, cedo, os pontos separam a hora dos minutos,

só isso, brilham, somem, brilham, somem...

Cheiram a monotonia.

Tudo isso tem o mesmo cheiro.

As cores cheiram a monotonia,

tudo tão cinzento, (o sol já nascera).

E ele despertara, tinha que.

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Forças, quase, são necessárias para levantar aquele enorme

corpo.

As cobertas cinzentas são jogadas de lado.

Os traços, em degrades monocromáticos,

que a compõe, acompanham seu trajeto,

e pousam lentamente no chão.

Ao lado de outras coisas inanimadas:

um tapete, um chinelo.

Ao lado de coisas animadas também.

(desprezadas)

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O lugar era aqui,

há de aqui ser...

contudo como poderá?...

Mas há de ser agora?

Justo agora?

A hora era agora...

Forças são reunidas,

Pés tateiam o frio do chão,

procurando por calçado,

os chinelos, em par, atendem o chamado.

Uma ultima coçada.

Uma ultima espiada fugaz no relógio.

Desgraça!Desgraçada!

Era hora, a hora...

Não havia erro.

Essa exatidão era odiosa,

por qual motivo tinham que ser horas?

(não importa).

A ultima irracional esperança foi perdida.

Não havia erro.

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Linih, derrotado, se levanta finalmente.

Havia se rendido para as tropas do padrão.

Tinha que fazer.

Tremeu por um momento,

Talvez o frio, talvez o calor.

Talvez a morte, talvez a vida.

Talvez a derrota, sim a derrota.

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Os passos se seguem lentamente,

não há lógica progressão.

Apesar disso,

nada era visto,

nada causava espanto.

Tudo ali estava estático.

Morto – eram somente fósseis de seres que um dia foram

vivos.

Um dia que não volta mais.

Um dia passado, perdido pra lá.

Lá longe.

Outra luz é acesa,

o banheiro é iluminado.

A água jorra,

esbarra na face de Linih.

Seu reflexo lhe diz algo,

que ele é incapaz de compreender.

(É sempre assim mesmo... Nunca tudo podemos entender).

Outra mensagem seu reflexo lhe transmite,

Linih começa a cortar sua barba, e bigode.

Os mantêm sempre cortados.

Nunca muda nada.

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Sangue escorre, um pequeno corte,

ao lado de seu lábio.

Pequeno demais para ser notado.

Mas grande demais para ser ignorado.

Ódio...

O corte tira o padrão,

sua face não era mais a mesma.

Linih se encara de novo.

O Sentir havia mudado,

mas era a mesma

Dor.

Água está fria...

Pode-se sentir (agora),

não refrescante (nunca).

O cheiro é forte,

mas não causa náuseas.

Causam névoas.

Sobem.

Embaçando o existir.

O existir de Linih.

O único existir.

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Sem raciocínio, não é necessário ainda,

senta-se no vaso.

Olha para o exterior para sentir-se.

Se desfaz, líquidos escapam de si.

O azulejo nada reflete,

nem mesmo a cor azul.

Nada faltava.

E os líquidos se distanciam ainda mais de si,

agora nunca mais serão encontrados.

Ainda sem pensar,

Linih tira sua segunda pele

(diz-se ser esta a mais importante? [!]).

A abandona ao chão gelado da manhã de um dia.

Ela já fica para traz,

a medida que a água traz a limpeza do ser,

e desperta o pensamento.

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Hoje é um dia importante,

o mais importante da vida,

o melhor da vida.

Hoje tudo mudaria,

mudaria de lugar.

Tudo continuaria.

Esse era o futuro,

o que se quer e o que se precisa.

O sabão formava bolhas, como era esperado.

Ele seria, como era esperado.

Longo suspiro,

antecedendo um vácuo de pensamento:

- E se ? E se...

Cuspindo a água e o sangue de sua boca,

o pensamento se distância,

e é esquecido.

Desce pelo ralo,

junto com o cuspe.

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Rapidamente,

o xampu lavava sua cabeça.

Era de uma ótima marca,

uma das mais caras,

a mais cara a qual ele tinha acesso.

Ele agia bem,

uma única passada,

somada com um esforço,

e pronto!

Estava lavado.

Vapores subiam,

e nos vidros condensavam.

A água nem era tão quente.

Mas era bem mais quente

do que Linih;

Um choque térmico.

Uma troca,

agradável para ambos.

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Enquanto os vapores subiam,

o sabão descia.

Levava toda sujeira de Linih embora,

para longe.

Longe o suficiente.

Era algo natural.

Sempre fora,

mas nem sempre será.

Uma melodia é então entoada,

sai de Linih quase que sozinha,

com vida, simples era ela,

nem tanto sentido fazia,

mas o tempo passaria,

enquanto ele se ocupasse de cantar,

de lembrar da canção:

"(...)

Our time is here

it's now!

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I'm the enemy!

I'm the arachne! (?)

Watch me close

(...)

Now!

We will rise;

(We will rise)

Rise!

Above!

We will rise;

(We will rise)

Rise!

Above!

(...)

I can be anything,

Anything I want to be!

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I'm the enemy!

I'm the arachne! (?)

Watch me close

(...)

Now!

We will rise;

(We will rise)

Rise!

Above!

We will rise;

(We will rise)

Rise!

Above!

We will rise!"

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O resto havia fugido de sua mente,

o resto e parte do que ele havia cantado.

Provavelmente errara alguns fonemas,

mas a canção era lembrada:

Tan tan tan tan tan tan tum tum tum tum tum ta ta ta ta...

Não fazia muito sentido,

só Linih compreendia.

(Só ele ouvia).

A luz refrata no vapor,

como para lembrar que é hora.

Ele não podia mais demorar.

Cessa o movimento da água.

Lentamente,

aproveita cada gota.

Tenta.

Várias escapam de seu controle,

ele não tinha controle.

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Ó! Como queria ter controle!

Como queria ser alguém!

Como queria ser deus!

Mas se contentaria com algo menor.

(É claro).

Só ser alguém,

isso é, ter poder.

Poder ter.

Não podia,

até a menor das gotas,

escapa de seu alcance.

Até suas próprias merdas fugiam.

E ele,

nada podia,

nada podia fazer.

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Já imaginou?

(Já a imagem se formava)

Ser um Deus grego,

(Um grande, musculoso e poderoso Deus grego)

assim algo ele poderia.

Algo, talvez não muito,

mas algo pelo menos.

(Zeus?)

E se fosse Zeus?

O maior de todos!

Assim poderia muito...

(Talvez tudo)

Ah!

Quanta perda de tempo...

Quantos momentos desperdiçados!

Seque-se e continue.

Siga em frente.

Sempre em frente.

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Inicia-se pelo cabelo,

mas esse será o último.

Depois o resto do corpo

Lentamente o azul escuro da toalha absorve a umidade de

seu corpo.

O pé é o ultimo.

Está seco.

Totalmente seco já.

Só seu cabelo permanece um pouco úmido.

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Paciência...

Os vapores obscureciam sua imagem,

um pouco de seu contorno era visível,

mas não era suficiente para identifica-lo.

(Poderia ser qualquer um).

Isso incomoda.

Uma falta de personalidade!

De essência!

Do eu!

A toalha é instintivamente levada ao reflexo.

O limpa,

ainda um pouco embaçado.

(ainda poderia ser qualquer um).

Linih se enxerga então.

Era ele.

Uma pessoa.

Uma essência.

Um eu.

(Uma pessoa, não A pessoa).

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Odiou todos vapores.

Iria ignorá-los.

Poderia muito bem ignora-los,

assim eles deixariam de existir,

e ele continuaria a existir.

Não precisava de vapores.

Eram só vapores.

Somente vapores.

Nem mesmo sólidos eram!

Até uma voz, meiga,

(meiga e sonolenta)

invadir o ambiente

rasgando o véu de vapores.

(Uma esperança?

Sim.

Ela, Polloa, acreditava em Linih.

Dizia todo dia.

Mas nem assim, ele conseguia se enganar.)

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Longa camisola,

a luz penetrava, algo era refletido, pouco.

Suas formas eram ressaltadas.

Um dia, foram bonitas formas,

das mais formosas da região.

Mas esse dia havia passado,

e não voltaria.

(nada voltava)

Apesar de recente ser o dia.

E de que ela pouco mudara,

talvez nada mudara.

O tempo mudara.

Costume.

(Tudo resumido e sintetizado).

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Polloa o queria bem.

Ele também a queria bem.

Mas não sabia se a queria,

nem se ao menos um dia quis.

Mas aconteceu, agora eram um só,

eram para ser.

Nunca em essência foram um.

Apesar de freqüentemente estarem um só,

mas a essência nunca se misturava.

Essa rejeição involuntária era odiosa.

Contudo, era involuntária, ninguém tinha culpa

(Ninguém?)

Era uma existência suportada.

Como quase tudo.

Fora bela, fora algo mais.

Agora era suportada.

Crueldade?

Não, ambos eram meigos.

Se amavam...

Tanto tanto.

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Apresse-se!

Algo é dito,

palavras flutuam em meio a pensamentos,

pensamentos prevalecem.

Uma afirmativa simbólica.

E tudo se concretiza.

Ela parte.

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Page 32: NIHIL, uma EPOPÉIA - hugoscabello.milharal.org · Precisas ser o que tudo nega e mais, ... que sou o único que pode merecer, ... esbarra na face de Linih. Seu reflexo lhe diz algo,

Ainda despelado.

Houve um dia que tinha vergonha de mostrar o que era,

o monstro que era.

Ainda tem vergonha de mostrar o monstro que é.

Mas não mais para Polloa,

Costume.

(Sintetiza tudo).

Mas os outros não podiam ver quem ele era.

Iriam rir, iriam faze-lo sofrer.

Iriam prendê-lo, torturá-lo, matá-lo.

Pois seria frágil.

É frágil.

Mas não aparenta.

Ou talvez,

fosse aquela sua única pele.

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(Perguntas perguntas!

Comem tempo!

Mastigam tempo,

lentamente,

para sentir cada parte,

instante,

do tempo.

Degustam tempo)

Estava sozinho,

sem ninguém.

(ninguém, nenhuma pessoa estava)

Veste a sua roupa,

e agora, finalmente, estava sozinho.

Pronto para continuar,

sozinho.

E assim continuou.

(por pouco).

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Vento,

vem lhe fazer companhia.

O cômodo então se enche.

Não havia espaço para tantos!

O frio.

Os pelos arrepiam.

Os vapores se vão.

A água ainda persiste.

(A névoa também)

O cheiro também.

As cores monotônicas não.

Inquietação.

Algo era preciso.

Adaptar-se ao novo

ao vento.

Feche a janela!

Nada mais.

O vento se vai.

E tudo com ele.

A solidão volta.

A monotonia,

era tão reconfortante.

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Gotas, rebeldes, se instalam no teto.

Longe de alcance.

Quando o que as secavam,

é deixado para ser seco.

Eram rebeldes?

Ajuda foi necessária para levá-las a ascensão.

Mereciam elas então:

Glória?

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Passos se seguem,

semi-ritmados,

ritmo artificial, forçado.

Queria que tivesse ritmo.

Sentiria rejuvenescido.

A água teria lavado a mágoa.

Seu ego seguiria ritmado,

sintonizado com sua pose.

Mas não,

esse continuava como a lua;

Crescia, crescia;

Minguava, minguava;

Sumia.

Na cama se acomodara,

os pés começava a vestir,

ainda úmidos,

esfregava-os para secar.

Eficaz.

Calor.

Um cheiro pesado pairava no ar.

Sem nunca tocar o chão.

Por uma fresta pequena,

toda luz vinha,

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 36 / 263

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manchas de sangue,

cediam a vida.

Sem com isso importar,

veio logo o calçado

e o chamado.

Já sentia o cheiro.

Frio.

Café preparado na hora.

Feito há dias ou meses.

Era tudo que merecia.

Era prático.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 37 / 263

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Já podia ver Polloa.

Ela estaria com o seu olhar reflexivo.

Olhando para si;

Mas sem nada ver.

Esperando o momento passar.

Era atarefada,

momentos assim eram raros:

Os dois sozinhos e quietos,

contemplando o momento.

Interpretavam aquilo,

fingindo inevitabilidade,

mas ambos sabiam,

não degustavam o café,

(esse era velho)

degustavam o momento.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 38 / 263

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Polloa olhava sem olhar,

exatamente como era imaginado.

O café frio o esperava,

despejado sobre a xícara.

Um comprimento vazio.

E a contemplação silenciosa se inicia.

Ótima era essa companhia silenciosa

que o casal prestava um ao outro.

O melhor momento do dia.

Não havia nele metas, objetivos, explicações.

Ele explicava a si mesmo.

Infelizmente,

a contemplação, também, lentamente envelhecia,

então incomodava.

E o silêncio era cortado por algo sem importância,

porém totalmente imprescindível.

Um diálogo banal.

Função única de existir,

nada transmitia além da própria inquietação do ar.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 39 / 263

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Ouvia, mas sem entender,

respondia sem pensar,

e não ofendia.

O ato era mútuo.

Era sabido que o ator principal,

e único,

era o próprio momento.

Aos poucos,

engolia o café,

líquido descia quente

e aquecia todo seu interior,

O gole funcionava como uma ampulheta,

ao seu controle;

Quando o café terminasse,

era hora de terminar a cena.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 40 / 263

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Telefone toca,

um imprevisto interrompe a teocracia do café.

Seca a xícara e a abandona.

Não iria lavar-la hoje.

Não era machista,

(nem ele, nem ela)

quem estivesse com tempo lavava,

e ele tinha pressa,

(ela também)

todos os dias ele tinha pressa,

(ela também).

Quando houvesse tempo lavaria,

ele jurava.

Mas, e a chamada?

Quem seria?

Era cedo.

A luz mal iluminava.

Não muitos ligavam para Linih.

Amigos? Sim tinha,

parentes também.

Mas tão cedo, não os tinha.

Quem seria?

Não houve tempo,

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 41 / 263

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para o tecer da dúvida.

O espaço era curto.

Alo?

Ola, meu nome é Hermes, sou representante do grupo

Poloim, de Ciências e Rituais. Essa ligação é para avisa-lo

que você tem uma vaga em nossa empresa.

Como assim? Não conheço vocês.

Mas nós conhecemos seu Currículo Vitae.

(Surpresa, admiração e medo se misturam,

um eclipse na pré-história)

Obrigado pelo convite, mas não, já tenho trabalho.

("O mundo vai acabar! O sol apagou!")

Hum, muito obrigado, caso mude de idéia, nossa sede fica na

Praça Monte Olimpo.

Obrigado.

O contato é encerrado.

Estranheza.

(O sol voltou!)

Por que o queriam numa empresa?

(Por que o sol sumiu?)

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 42 / 263

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Entrou em estado de transe.

Será que ele seria alguém?

(Finalmente!)

Fora requisitado,

e não fora por um.

Foram vários, um grupo.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 43 / 263

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Sua estima entrou em fase de lua cheia.

Energia encheu seu organismo.

Repetia a si mesmo baixinho

Sou Alguém, alguém eu sou!

Foi até o banheiro,

precisava ver a si mesmo.

O reflexo era tão grandioso.

Uma majestade.

Nem mesmo parecia ele.

Não era capaz de se ver,

mas dessa vez,

ficou feliz com isso.

(Fugira de si mesmo,

fugira de seu nada.)

E os vapores?

Além do ódio, agora,

sentia desprezo.

Estava tão acima disso tudo.

Eles não mais eram capazes de borrar sua imagem.

(Tamanha era sua grandiosidade!)

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Será que não seriam capazes?

PARE!

Não...

(Hesitou, não era tanto).

Fitou o corte em seu rosto.

Era pequeno, muito pequeno.

Mas ainda era o mesmo.

Ele se cortara.

Ainda era o mesmo...

Provavelmente era só um engano...

Talvez fosse só um engano...

Uma brincadeira...

Talvez, nada fosse...

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De súbito,

seus contornos sumiram.

No ápice da lua cheia,

um eclipse.

Uma grande explosão de fogos,

crescem, se dispersam,

iluminando e extasiando.

Depois somem.

Sentiu-se sozinho.

Lua cheia se fora.

Frágil.

As fases eram desiguais.

Provavelmente não era nada.

Era só um engano.

Um grande engano.

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Mas não pensava no corte,

(no outro corte)

não resolveria nada...

Nada mudaria.

(Não era uma opção,

não tinha forças).

Polloa,

novamente,

trazia Linih de volta.

Não tão calma,

estava atrasado!

Apresse-se!

Ou irá perder sua vida.

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Do corte?

Desistiu,

ela acreditava nele:

Pensava que ele era capaz.

E ele, acreditava nela:

Pensava que ela falava a verdade.

Mas se falava ou não,

nunca saberia.

(O pacote "Condição Humana" inclui essa miséria).

Mas não importa!

Ainda era hora!

Ainda era hora...

Ainda dava tempo!

Dava tempo...

Era agora.

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Ruído leve,

já estava à porta.

E o esperava.

Pressa a tinha também.

Poderia ir sozinha,

não dependia de Linih.

Mas não.

O esperaria.

Sempre saiam juntos.

Saíra.

O corredor era iluminado.

As paredes cheiravam mofo,

já estava ali o suficiente para sentir o mofo,

mas ainda não o via.

A porta é fechada.

Tudo estava nítido.

Acenderá o botão.

Pronto.

Agora era só esperar.

A demora não era mais sua culpa.

Momento de descanso.

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Silêncio,

observava um ponto vazio,

ouvia seu pensamento:

A voz de Hermes... O convite.

E Polloa o observava,

acabou por sentir isso.

(Hermes se foi)

Pôs-se a observá-la,

seus olhos tão profundos,

e vazios,

(Nada mostravam, nada refletiam)

algo nela que ele não enxergava,

que não sentia.

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Abraçaram-se.

O calor o aqueceu,

era um alívio.

Passavam pouco tempo juntos...

Apertou-a mais forte:

Algum dia iria amá-la...

Sentiu-se emocionado, e triste,

estavam juntos,

grudados,

abraçados,

mas não a conhecia...

Não a via.

A sentia, mas sem vê-la.

Algum dia iria conhecê-la...

Uma lágrima furtiva escorre,

viaja seu rosto,

no cabelo de Polloa, ela para.

Então olhou seu reflexo na lágrima...

Não via.

Algum dia iria conhecer-se.

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Era preciso...

Já imaginara isso antes.

Apesar de nunca ter pensado nisso.

Você me ama?

Sim... Morreria por você!

E sem mim?

Também, não viveria sem você!

O tempo parou,

a cena se estendera.

Fora rápido.

Mas todas as lembranças que tinha dela

foram projetadas naquela lágrima,

naquele instante.

Tantas coisas juntos...

Como podiam ser tão distantes?

Era inexplicável.

Muitas outras lágrimas nasceram,

mas sofreram aborto.

Nunca saíram de seus olhos...

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Talvez ela pensasse o mesmo...

Talvez ela pensasse...

Talvez ela não pensasse.

Não sabia.

O infinito da miséria humano os isolava...

Dois pontos no plano,

o infinito sempre os separarão.

Um barulho brusco,

havia chegado.

Os dois entraram.

Estava lotado,

lotado de faces inexpressivas.

Silenciosas e distantes.

Teciam destinos semelhantes.

Apesar de parecerem tão distantes.

Nihil, uma Epopéia – Canto I – 53 / 263

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Linih sentiu isso.

Náusea.

Queria vomitar.

Cuspir seu interior para fora.

Era nauseante.

O cheiro da humanidade.

Horrível.

Do silêncio fez-se cacofonia.

A luz se intensificou, ofuscava-lhe a vista.

Náusea.

Não estava entre eles,

até Polloa entrara na mistura.

Menos ele.

Hoje ele se cortara.

Não era um deles.

Tanta luz o cegou,

tanta cacofonia o ensurdeceu.

Estava a ponto de desmaiar.

Eram tantos no recinto.

Porém ele tinha certeza que nenhum notara sua náusea.

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Estava confuso,

tudo a sua volta mudara.

Mudara e ainda muda.

De uma forma dinâmica.

Nada mais era estático como antes.

Isso causava mais enjôos.

Náusea.

Polloa tentou procurar,

não a achou...

Estava sozinho,

sozinho no meio de ninguém.

Uma parada,

todos saem.

Vamos Linih, vamos.

Não consegue.

Esqueci algo.

Estou atrasada, tchau.

Até.

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Até.

Não entendeu o que disse,

nem o motivo.

Estava voltando.

Mas aqui era o lugar...

Aqui!

Aqui?

Mas hoje era o dia...

Hoje!

Hoje?

Agora...

Olhou-se no espelho.

Era terrível se ver,

(não se ver.

Vapores???)

Náusea.

Virou o rosto.

Fechou os olhos.

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Caiu, cambaleando.

Colidia com as paredes.

Abrira a porta,

ainda no escuro.

Pílulas!

Remédio!

Estava doente?

Pílulas?

Algumas tinha.

Engolira várias.

O que estava acontecendo??

Náuseas.

Pensara no corte...

Será?

(Não conseguiria).

Levanta a xícara.

não conseguiria...

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Vazia, a xícara estava...

Além de vazia,

estava limpa,

sem sinais do café.

O que importa o café?

Eu o odeio!

A xícara se partiu em várias.

Eu odeio...

O Nilo descia de seus olhos.

Era sua vida...

Sua vida.

O que estava acontecendo?

Náuseas.

Um barulho.

O telefone.

O telefone!

Corre.

(Uma esperança).

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Alo?

Sadeh está?

Não, não mora ... Não mora aqui.

Desculpe o engano.

Desculpe o engano...

Náuseas

A linha se fora.

(A esperança se fora)

Ele junto.

Não agüentava mais.

Sentiu-se fraco.

Sentiu-se nada.

Não se sentia mais.

Era o ápice.

Fechou os olhos.

Abriu a boca.

Vomitou.

Um vomito sólido,

sangue.

Uma parte dele.

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Náusea.

Não agüentava mais.

Sentiu-se fraco

Não se sentiu mais.

Perdeu os sentidos

Desaba no chão sobre os seus próprios restos.

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Canto II

Um livro completo,

com páginas em branco.

A mais linda capa

que pudera comprar.

Tinha um nome, um autor.

Vendagem razoável.

Mas, um livro em branco.

O que importa?

Todos da capa gostavam.

Enfeita a estante.

Era útil,

útil e agradável.

Apesar de estar em branco...

Escuro.

Silêncio.

Desistira de tudo.

O tempo e o espaço se foram.

(parou)

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Na chuva não se molhava.

Pois ele era a chuva.

(não, não era...)

A própria queda.

Instabilidade...

Escuro.

Silêncio.

Desistira de tudo.

O tempo e o espaço se foram.

(parou)

O que fizera?

(não fizera...)

Ahhhhhh...

ummm...

O que fizera?

(não fizera)

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Meu dia?

Meu lugar?

Minha hora?

Ahhhhhhhhhhhh...

Minha morte...

(Nem mesmo minha)

Escuro.

Silêncio.

Desistira de tudo.

O tempo se foi.

(parou)

Ele se foi.

Polloa se foi...

Polloa se foi...

Polloa...

Redemoinhos de escuro.

Vórtice de silêncio.

É a dança das sombras.

Formando imagens.

O silêncio sendo ouvido.

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Da escuridão azeviche.

Uma massa azul, lentamente, se forma.

Linih! Linih!

(Nada via, ou compreendia, ainda)

O azulado se separa.

Dois pontos.

Cintilantes.

Como o oceano,

lua refletida.

Vamos, acorde! Linih!

A Consciência insiste em ignorar...

Uma defesa.

(natural)

Não queria voltar...

Voltar a ser lua.

(sempre em eclipse)

Voltar a ser chuva.

Mas o azul insiste.

Iria perder novamente para ele...

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Sim.

Linih! Acorde!

A sua Consciência falha.

Era insuportável ignorar mais...

Como era bela Polloa...

(Ela se fora...)

Mas agora, seu rosto estava ali,

tão perto.

Seus olhos azuis o fitavam.

Sua voz o focalizava.

O que ela queria?

Não via que ele não queria?

Vamos Linih! Levante-se...

Ela não ia desistir?

Ah, meu belo adormecido...

Já estava consciente,

involuntariamente consciente.

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Lento movimento de Polloa.

Agora mais perto.

Seus cabelos caem para a direita.

Um leve sorriso.

Silhueta mista:

Conhecida e reservada.

Estava pronta e a espera.

Esperava a resposta.

Per la prima volta,

esperara em vão.

Não houve resposta...

Sentira o cheiro do fracasso.

Mas o ignorara.

Confusa.

(Mas nem tanto).

Continuou.

(Sem resposta).

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Os olhos se fecham.

(Não queriam ver.

Não de novo...

Não precisavam ver...

Era trágico.)

As bocas se fundem.

(As existências estavam tão próximas...

Tão próximas...

Por que não poderiam se fundir,

também?)

O Amor se funde com a essência do vômito.

(Algo novo?

Sim era algo novo.

Algo bom?

?)

Ela não se importava com isso.

(O vômito saíra dele...

Era ele?

?

Saíra dele.)

Mas ele se importava, as náuseas voltando...

(Era ele?

Era dele.

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Toda a essência em refluxo.

Inútil.)

Devorava a si mesmo.

No nada:

Via espíritos dançarem.

Via o cheiro da Decadência.

Via a voz da humanidade.

Via o gosto de si mesmo.

Não estava pronto.

Não ainda.

Não para si.

Não. Não. Não.

Ahhhhhhhhh

Não.

(Nunca?)

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Não era só repudio.

Polloa queria ajudar...

Ele admirava a ajuda.

Não estava sozinho.

O que seria mais difícil.

(Fácil ou impossível.

Nada ou tudo.

Zero ou infinito).

Não era culpa dela...

Mas ele não estava pronto.

Será que não tinha culpa?

("Culpa? Prefiro encher a cara!")

Não importava em essência.

Duas tragadas.

Uma arritmia.

Êxtase e repúdio.

Uma harmonia dissipada.

O repúdio vence.

O vômito o acompanha.

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O refluxo do refluxo,

ainda mais vermelho.

Um caminho percorrido:

dois corpos.

Essência com físico.

Náusea com êxtase.

Vômito com saliva.

E sangue com vômito.

Por pouco Polloa mantivera o êxtase.

Também não estava pronta.

(Nunca estaria,

Oh iludida...)

O caminho é rompido.

A esperança perdida...

O repúdio vence.

A miséria vence.

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Polloa cai para o lado.

Seu cabelo desaba a esquerda.

Os fluídos seguem para a outra direção.

Eternidade até a calmaria.

Eternidade que se diluíra em versos,

vindos da derrotada:

"I wish I could be

Who you want.

I wish I could be

Who you want

All the time.

All the time.

Ah ah ah..

All the time..."

Era tudo que podia fazer...

Tudo...

Era tudo que podia fazer...

Tudo que podia fazer foi feito.

Em nada resultará...

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As náuseas continuam.

Outro desmaio era inevitável...

O nada novamente o consome...

Enquanto lágrimas surgem em Polloa.

O que podia fazer?

Tudo o que podia fazer foi feito...

Fora feito.

O abismo continuava intransponível.

Não eram metros ou quilômetros;

Era o infinito.

Nunca iria alcançá-lo,

nem mesmo uma visão terá.

Nada,

Nada além de nada.

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O ambiente sufocava.

O ar faltava em si.

As formas tremiam.

Ondas trêmulas seguiam inconstantemente.

Rio que terminava em queda sem fluxo.

Sinuosos raios percorriam o regaço.

Natureza refletia a vida.

(triste e mórbida)

A gaia catafórica...

Uma fancaria da ilusão de realidade,

que um dia possuíra.

(E carregara consigo).

A Pangéia mofava,

ela chorava,

e ele gemia.

Não me compreendia...

Não...

Mas chorava por mim.

Sem nunca me conhecer.

Hipocrisia?

Fogo-fátuo...

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De forma cataléptica, gemia...

Os sentidos estava a perder...

Inconsciente ficaria de novo?

Inevitável seria a síncope?

Ofegava de forma hesitante.

Ah, uh uh uh, Ah... Ah ... Uh.

Não gritava...

A dor gritava por si.

Minguava enquanto a pressão o comprimia...

Calor perdia.

Era um teste?

Cutuca, está vivo?

Chuta, é oco?

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 74 / 263

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Tremia de frio.

(Medo)

Corava de vergonha.

Vexame...

E Polloa ali estava...

Por que ainda?

Insistia...

Não era útil...

Agravava a ferida.

Era o ácido despejado na sensibilidade.

Ingrata!

Ignorante...

Ingênua...

(Acreditava...

Ela ainda acreditava.)

Ali ela estava,

espremida contra sí.

Num canto qualquer.

Soluçava continuamente.

Cabisbaixa.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 75 / 263

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Como se sentisse sendo observada.

Levanta a visão, vagarosamente e de súbito,

até os olhares se cruzarem.

Ambos permanecem imóveis,

apesar de não se contemplarem,

hora ou situação não era.

Poucos momentos duradouros:

Do soluço ela se recuperava,

de forma harmônica e sem pressa,

pensava estar entendendo.

(Ó ilusão...)

E Linih,

Era consumido pela idéia de esconjura-la.

Não ajudava...

Não era útil...

Não agora...

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 76 / 263

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Mas eu a amo!

(Preciso amá-la!

Preciso amá-la...

Preciso!

Amar é preciso!)

Dane-se!

Se vá!

Vá para longe...

Longe daqui...

VÁ!

(Por favor...)

Ah...

Ha hahaha...

Como se tivesse forças,

ou coragem...

Tinha só melancolia.

(Naquele momento [?]

Nem isso tinha...)

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 77 / 263

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Sorriso.

Ela expressa um sorriso.

Falso sorriso.

Como podia sorrir?

Como podia sorrir agora?

O que estava a pensar?

O QUE PENSAVA?

Ahhh

Agonia...

Se vá daqui!

Vá!

Vaca!

Nada saíra novamente.

Provavelmente nem a menor expressão de ódio.

Talvez um átomo.

Talvez um átimo.

Um solitário,

sem real expressão.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 78 / 263

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Se arrastando de uma forma sensual,

(Patética)

Polloa se aproxima.

Rebola:

Vibra a cintura para esquerda direita, esquerda, direita...

(Funesto)

O que ela quer de mim agora?

Arrasta-se sobre Linih.

O força ao chão.

Lentamente oscula sua face.

Atrita-se com ele.

Corpo com corpo.

Ritmo conhecido.

Devagar,

divagado.

Aproveitando o momento.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 79 / 263

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Mas não agora...

Agora não...

Asco.

Asco é a palavra...

Para selvagerias, não era o momento...

Precisa de si.

De eu.

De um eu.

De o Eu.

Não do primitivo...

Do primata.

Do necessário selvagem...

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 80 / 263

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Mantendo o ritmo,

sem sentir o asco de Linih,

Polloa escorre sua mão pelo corpo do outro.

(Calafrios... Asco)

Chega aonde ela queria,

roça seu tato.

Como ele tanto gostava.

Acariciando-o lentamente e com paixão.

(Paixão? Asco...)

Lambia sua face simultaneamente.

Tudo conforme ele tanto gostava...

Ele estava gostando...

(Sempre gostou!)

Era o que queria.

(Sempre quis!)

Devia ser pelo menos...

Polloa refletia.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 81 / 263

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Sim, estava vivo...

E reagia como.

Seu corpo.

Estava pronto.

Mas por dentro.

Sentia-se nauseado...

Asco.

Não queria nada...

Só. Solidão

Nada que ela poderia fazer.

Polloa só atrapalhava!

Essa vadia ingrata...

Tudo que havia feito por ela...

E era assim que ela retribuía...

Com dor.

Com asco.

E ela não sentia.

Não sentia o ódio.

Ódio e asco...

Nenhum dos dois!

Oh! Insensível!

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 82 / 263

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Polloa continua,

desnudando-o.

Sentiu-se alegre.

Alegre por estar agradando.

Agradando Linih.

(E a si)

Por um momento hesita.

Esperava que Linih fizesse sua parte.

A desnudasse também.

Mas esse permanece inalterado.

(Por quê?)

Ah não importa...

Faça vista grossa e continue.

Por um momento,

Polloa pára o ritual.

Mas ele sabia que não era o fim...

O pior estava por vir...

Não iria suportar.

Ela já estava a arrancar sua vestimenta...

Asco.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 83 / 263

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O momento chegara

num único instante.

Linih ainda imóvel...

Cataléptico.

E ela seguia com o ritual.

Uma espécie de autopossessão.

Ele nada fazia,

nada irá fazer.

Nada.

Talvez parar.

Vomitar.

Desmaiar.

Abandonar.

Desistir.

Desistir...

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 84 / 263

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Enquanto Polloa fugia da situação,

concentrando-se em si.

No momento.

Nos sentimentos.

Na dedicação.

Linih não.

Via cada movimento.

Cada vibração.

Sentia cada golpe.

Seguia o movimento.

Sem dedicação.

Nada conseguia ver.

Ou sentir.

Além do movimento.

Não se sentia.

Não sentia Polloa.

Sentia a ação.

O resto afogava em trevas.

Balançava no ritmo imposto.

Náusea.

Asco.

Ritual primata.

Era tudo o que era...

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Tudo o que era...

Tudo.

O casal gemia.

Ela de alívio.

Ele de dor.

Asco.

Ou isso acaba.

Ou ele acabaria.

(Ele? hehahhe

Ele...

Sim ele,

seria ele)

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 86 / 263

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O momento,

que antes era tão rápido

e leve,

se estendera.

Cada instante era sentido.

Era sofrido.

Seus olhos lentamente eram cerrados.

Uma tentativa de fuga...

Mas, além da inconstância,

ao se enclausurar não fugia.

Sentia com cores e minúcias o movimento.

Enjôo.

Era tudo que com aquilo sentia.

Náuseas.

O primitivismo necessário era tudo.

Asco.

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Maculada seja!

Desgraçada!

O que ela quer?

Por que ela me faz sofrer?

Vadia!

Vaca!

Saia de mim!

Vá embora!

Do reflexo da dor.

Lembra-se de sons distantes,

lentamente se aproximam.

Uma canção.

Em um momento de sofrimento.

Sem saber como, Linih a canta:

"(...)

And I don' care where just far...

A w a y !

And I don't care where just far...

A w a y !

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 88 / 263

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Far!

A w a y !

Far!

A w a y !

(...)"

Por um instante,

Polloa se aquieta para ouvir.

Admirava essa canção.

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Linih respira.

Ah!

Ar!

Alívio!

Finalmente se liberta.

Junta forças:

Empurra, então, Polloa para o lado.

De forma bruta até.

Essa assustada desaba no chão.

Total mau jeito.

O que ocorrera?

Surpresa, espera uma resposta:

Vá daqui! A solidão preciso. A matar-me você está!

Mas queria ajuda-lo!

Não é possível. Só agrava. Só agrava. Vá! Rápido!

Me espulsas?

SIM! Vá!

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O ar escapa novamente.

A náusea retorna.

Então cai para trás.

Volta a deitar-se semidesmaiado.

Refletia, mas não sentia.

Polloa se recompunha,

confusa e triste.

Sobretudo triste.

Por quê?

(Mas)

Merecia?

Ingrato!

O que fiz?

Por quê?

Nunca fizera isso...

(Sempre gostara de mim...

Me amara...)

Gostava tanto de me possuir...

O que fiz?

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Lembro-me de quando me olhavas com semblante de

desejo... Gostavas tanto... O que houve com você?

Nem mais me sentes... Hoje nem olhar eu olhava.

Mas por quê? Não mais me amas?

...

Não mais me amas?

...

Ingrato! Não mereço isso... Fiz tudo que pude! Irá arrepender-

se!

Parte.

A porta soa.

Seu soar era sentido suavemente,

cintilante,

entre os sentidos do selvagem

e o silêncio.

Mas a separação se vai subitamente,

o silêncio esmaga o som.

O silêncio sobe a soberania.

E agora?

E agora?

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O que faria?

Estava só.

Não mais existia.

Ninguém para vê-lo,

ou julgá-lo,

ajudá-lo,

matá-lo.

Agora estava só.

E agora?

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 93 / 263

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Mantinha a posição.

Semiconsciente.

Os olhos se cerram.

(Dormindo esquecerei)

A escuridão retorna.

Salvo pensou estar.

Deixou de sentir o mundo.

Iria dormir e nunca acordar.

Ir sem nunca voltar.

Era o que queria.

Exatamente o que queria.

Abandonar tudo aquilo,

que nunca o pertenceu,

que nunca o importou,

que nunca o sentiu;

Do mundo ficaria tão alheio

quanto esse é dele.

Era tudo o que queria.

Tudo o que agora queria.

(O corte?)

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 94 / 263

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Ou melhor,

agora nada queria.

Não queria estar,

Não queria sentir.

Não queria nada.

(Queria o nada.)

Abandonar a vontade.

Junto com a escuridão,

o barulho vem.

(Mas não há como fugir.

Existir é necessário...)

Dançava no nada.

Passos lentos freqüentes.

O acertava o tempo todo:

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 95 / 263

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E agora? O que farás agora? Polloa se fora... Sua culpa. A

oportunidade perdera. Sua vida irá perder. E nem mesmo tem

lágrimas. Escarra sobre tudo que lhe conforta. E agora? Não

podes fugir. Nem retornar. Não há retorno. O que fazer? A

culpa foi sua. Sua culpa. Sua.

Desperta num grito,

levanta o dorso abruptamente,

escancara os olhos:

Não! Culpa minha não é! Foram os vapores... Os vapores...

Ou talvez o corte... SIM! O corte! Não eu... Eu não fiz nada...

Nada fiz... Nada. Sei que não... E a névoa? Tens culpa? ...

Polloa! E Polloa! Ó maldita ingrata! Matavas-me! Tentando me

salvar... Agora estou só... Mas sem culpa... Culpa não é

minha! Não! Nada fiz... Deveria ter feito? Fui conduzido a

fazer... Nada fiz... Nada.

(Conduzido a fazer...

Deixou-se conduzir...)

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 96 / 263

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Desespero para um desesperado.

Recém despertado.

E ainda desprezado.

Por si despojado.

Pelo mundo devorado.

E é assim...

Ajoelhe e chore,

chore até as lágrimas não nascerem.

Saberás então que chegara no ponto.

Na melancolia de um morto-vivo.

Dai então reze...

(Reze a si mesmo...)

Não!

Peça ajuda a alguém, pois é nada.

Incapaz de levantar a si.

Próprio corpo pesa múltiplos.

Abandone a solidão.

Acha o eu em outro.

Tudo que podes fazer.

Nihil, uma Epopéia – Canto II – 97 / 263

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E agora?

Agora chores!

Derrubado sobre si.

Tristessa vence.

Chora sem lágrimas.

Chora sangue.

Sofrimento e dor.

Preciso de lucidez.

Conclui refletindo.

Preciso sair.

Fugir.

Esse lugar me dá asco.

(Há vapores neles!)

Cospe sua massa longe.

Levanta.

Lava o rosto.

(Sem olhar o reflexo)

Parte.

A porta deixa aberta.

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O caminho se esvaziava para sua passagem.

O elevador o esperava.

O trajeto foi mais curto que o pensamento.

Em um instante estava na rua.

Seguia a esquerda.

Pela rua sem carros.

Não será atropelado.

Sabe disso.

Não há carros na rua.

Não há pessoas nas calçadas.

Não há pessoas no mundo.

Não as via e ponto.

Uma liberdade vazia.

Andar na rua.

Brincar com a listra.

Olhar ao horizonte.

Negrume do progresso.

Nada mais.

Vazio.

Estranho?

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Escarra no chão.

Do chão uma flor cresce.

Metamorfoseia-se em árvore.

Essa cria a vida.

Dá frutas de onde brotam macacos.

Que comem a árvore.

Linih continuava.

Andando na rua,

sobre a listra branca.

Que as árvores queimem

e os macacos explodam!

Terei outros frutos pra comer.

Outros macacos para observar.

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Sentiu-se leve por um momento.

A brisa o arrastaria para longe.

Era só esperar.

Calar-se e meditar.

Concentrar-se nos alísios.

Acompanhando-o como parceira,

a cidade, bailavam uma valsa

de forma etérea.

Suavemente confusa.

Era um incomodo

(novo)

ver o movimento.

Senti-lo.

Hesita nos passos.

Errava sim.

Mas prosseguia.

Incondicionalmente.

Irracionalmente.

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Lentamente,

partes de sua dançarina se cansavam.

Rígidas se tornavam.

Mas partes somente.

(O todo ainda era de pensamento.

Flutuava com o sopro da vontade.)

Mas, nessas surgiam

pessoas sem face ou caráter.

Vinham e partiam.

Sem observá-lo.

Sem nunca observá-lo.

Formas maiores sólidas surgem:

Olha no além do horizonte.

Carros são avistados.

Partem em fúria em direção a Linih.

(Ignore-os. Nada farão.)

Esse segue a listra branca minguante.

Ainda bailando.

Tão interiorizado na dança,

ligado com o resto por uma fina linha imperceptível de

percepção.

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Motores soltam seus gritos guturais de ódio.

Linih os ouve.

(Ou não os ouve...

Não importa.)

Não reage.

Viajava no vazio negrume,

a espera de encontrar seu objetivo.

Os carros chegam e desviam.

Um para esquerda.

Um para direita.

Dois para esquerda.

Dois para direita.

Três para esquerda.

Três para direita.

Seis continuam sem desviar.

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Tentava somente seguir.

Não pensar.

Mas no fundo, pensava em Polloa.

E agora?

Perdera-a...

Onde ela se fora?

Estaria ela realmente brava?

Encontrava-se tão acostumado...

Sua presença iria faltar...

Sabia disso...

Mas tentava não saber.

E agora?

Agora podia escolher:

Chegar atrasado para o momento de sua vida,

Ou chegar atrasado para sua vida.

E escolhe então.

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Canto III

Acho que talvez parar eu devesse.

Não há sentido,

tão pouco um objetivo.

Mensagens obscuras.

Camufladas em estradas sinuosas.

Atrás de inimagináveis muralhas do abstrato.

(Um abstrato consistente, sim.

Mas translúcido.)

O eu sempre triunfa sobre o coletivo.

A verdade não irá existir.

Nunca.

Não é esse o objetivo.

(Não há um objetivo)

O relativo sobre o absoluto.

É assim, e continuará assim...

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A menos que termine...

Não...

Nem mesmo caso agora morresse,

a salvação não viria.

Algo já foi feito,

algo que não será assassinado.

Que já do controle fugira.

Não há mais o que lamentar...

Só o seguir em frente.

A única opção,

não a mais viável.

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Ao fundo ouço um questionamento:

E o tempo?

Esse desperdiçado,

por e para nada!

Já que não há objetivo,

ou sentido,

ou absoluto!

O tempo?

O tempo não existe.

(E fim

Enfim.

E ponto)

(Não abandone Linih!

Perdido ele já está

como será sem ninguém para olhar por ele?

[Para ele]

O que dele será?)

Bah.

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A taverna era suja.

Em algum lugar dela,

a fraca luz se unia com o cheiro de DecaDência.

Ali sentava um formoso jovem,

acompanhado sempre de vinho.

Em outro lugar,

onde a luz era mais forte que a média do lugar,

sentava-se um mais velho,

com o trabalho nas mãos,

no corpo,

e nas pernas.

O próprio ar denunciava quem governava.

O vinho:

Enquanto o jovem sorria,

e bebia.

O mais velho fechava a cara,

e se afundava em seu ofício,

o tear da madeira.

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Nesse ambiente, Linih entra.

Calmamente e cambaleando.

Ainda abalado.

Tinha uma única intenção:

Esquecer.

Talvez cair ou desmaiar também.

Dirigiu-se ao mais escuro dos cantos,

sentou-se e esperou ser atendido.

O jovem viera antes:

Posso sentar?

...

Sentou-se então.

Quer vinho?

Forte?

Sim

Quero.

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Lentamente despeja o vinho.

Lentidão a qual irrita Linih,

não podes ser mais rápido?

Preciso beber.

Mesmo antes da estabilização,

Este já estava a engolir o vinho,

de uma só vez, tinha pressa,

muita pressa.

Queria bailar sozinho.

Chamo-me Nidyosios, você?

Não me chamo, sou nada.

O que o Nada faz aqui?

Tento ser nada.

Todo nós tentamos...

...

Mas não é necessário tentar.

? (Luz da dúvida)

Um dia você consegue, é sempre assim. Mesmo sem tentar.

Mais vinho, por favor.

Sem problemas, tenho mais do que o suficiente.

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Focaliza de leve o ambiente.

Nada era interessante ali.

Tudo discreto demais para existir.

Havia o trabalhador dedicado.

Bebia novamente,

mas calmamente já.

O vinho era ótimo,

o melhor que já bebera.

Sentia-se mais à vontade.

O cenário havia parado a transação.

E iniciado a antitransação.

Até parecia essa ser a natural.

Enfim, era mais prazerosa.

Requeria menos esforço interno.

(Força externa)

Por que aquele não bebia também?

Trabalhava tanto!

Idiota...

Era tão feio também:

Barbudo, alto e forte.

Tinha face ranzinza e dura.

Vinho não bebia.

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 111 / 263

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Porque vieste para cá? Não estais certo de ti?

Não, não entendi... Mas vim para cá, pois estou com

problemas.

Disto eu sei, ninguém vem para cá quando está bem!

Briguei comigo, com minha vida, e com minha companheira...

Beba... Beba mais, você precisa...

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 112 / 263

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Mais um copo cheio,

que lentamente se esvai para o íntimo de Linih.

(Adicionando-se.)

Ainda com o copo pela metade,

ele fortemente o focaliza.

Se vê refletido.

Invertido e oscilante.

Sem muitos contornos.

O líquido fornecia as cores,

poucas variações possíveis.

Sua imagem vibrava mais do que o ambiente.

(No qual estava contida)

Sentiu.

Identificou-se finalmente:

(Líquido instável, imagem também,

copo estável.)

O copo refletia um céu diferente.

E esse,

ele enxergava.

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Continuou a beber.

Esvaziou o copo desta vez.

Deixou-o.

Reflexo não mais existia.

Mas ainda identificava-se.

Agonia.

Enche novamente o copo.

Então, conte-me, porque brigaste?

Mal estava a passar, ela não via, não sentia...

Normal.

...Mas insistia em ajudar... Mas não ajudava, não era capaz!

Só piorava! Então foi quando a mandei embora, e esta se foi.

Se foi?

Sim, e novamente a me atender, talvez a me ajudar tentando,

só piorou. Abrira um abismo na pior das feridas.

Beba, beba mais... Você precisa.

Sim, até cair de esquecer.

Levou mais uma vez o copo a boca.

Mas uma vez os reflexos o agradaram,

sabia que viria-os sempre e em todos lugares,

em breve.

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 114 / 263

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Já estavam a tempo junto?

É... Sim, bastante.

Amava-a?

Sim, ela era, e é, o amor da minha vida! Nunca tive... Na

realidade, que opção eu tenho a não ser entre humanos

amar? Eu precisava amar. Então eu amei, eu amo!

Lindo!

Só o sujeito que deveria ocultar-se.

É talvez, mas ele assim não fez.

Não, não mesmo...

Então talvez não devesse.

Talvez não pudesse, ou não quisesse!

Sim, talvez. Mas enfim, se importa se conversarmos?

Não, já estamos a conversar não estamos?

É verdade.

(Silêncio)

Outro copo.

Dessa vez ambos bebem.

Linih mais devagar.

Ainda se adaptava.

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Como se conheceram?

Fora perfeito! Eu estava só, ela também. Precisávamos um do

outro! Rápido também, pouco tempo, e já nos afogávamos no

amor. Na química dele. Sentia-me bem sendo amado. Já

estávamos em época de acasalamento também. Era inevitável

nossa união.

Quanto tempo isso durou?

Ah... Algumas coisas pouquíssimo tempo, outras ainda duram.

Por quê?

Porque sim! Não sei oras...

Acalme-se...

....

Continue por favor.

Acasalamos pouco tempo depois, pouco tempo tínhamos para

desperdiçar com bobagens.

E como foi?

Ainda me lembro, como se fosse hoje:

Lá estava "eu", vestido a rigor, mantinha um grandioso sorriso

no rosto. Sim estava feliz, pelo menos assim pensava. Mamãe

me ajudara com minhas vestimentas. Papai me dava os

parabéns. Dizia-me que agora eu era homem, o filhinho dele,

seu orgulho. Comentava como Polloa era bela, inteligente,

trabalhadora, convicta, organizada, e tantos outros adjetivos

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 116 / 263

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que eu nem sei se existem fora do livro. Muitos e muitos

conhecidos vieram também me cumprimentar. Diziam que eu

era sortudo. Outros apelavam para deus... Enfim. Estava tão

alegre, tão no centro de tudo. Não me senti ansioso em

momento algum, o tempo passara rápido demais até, bom

passara como sempre passa, continuamente e

irresponsavelmente.

Irres pon sa vel mente, grande essa palavra...

Sim... O templo era grandioso, de épocas antigas de

ostentação. As paredes derramavam ouro. Lugar melhor era

impossível para marcar tal divina e eterna

(ETERNAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAA. [PONTO])

união. Polloa demorara mais do que o programado, mas não

mais do que o esperado. E eu, enquanto isso, aproveitava

cada pingo de momento. Ficava em uma pequena sala branca

da onde eu me dirigiria posteriormente ao altar. Em um raro

momento de solidão, sentei-me em uma cadeira manchada

branca. Lembro me muito bem do momento. Acho que de tudo

é o que melhor recordo. Passei a mão a fim de acariciar minha

muitíssima bem-feita barba. A fizera naquele mesmo dia. O

único problema: havia me cortado um pouco, um corte

ridículo. Insignificante, nem mesmo fixando estaticamente a

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 117 / 263

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visão na direção dele seria possível que alguém o visse.

Naquele dia, nem mesmo Polloa seria capaz de enxerga-lo.

Ninguém além de mim, pois eu o via e o sentia. Ele me

incomodava, não muito, era suportável. O problema mor

ocorreu quando olhei para o céu. Nele havia pinturas

centenárias. O suposto salvador, anjos, discípulos,

milagreiros, santos (ou deuses menores). Pasmei ao vê-los.

Eram tão bem desenhados tão perfeitos. Perfeitos até demais.

Comecei a procurar algum corte neles. Não, não havia corte

algum, nem mesmo o menor dos riscos. Ou sequer um

arranhão! Como isso podia? Não percebi, naquele exato

momento, como aquilo seria possível, hoje eu sei que são

somente pinturas. Contudo, o simples fato já foi suficiente

para causar a hesitação.

Hesitava o que?

Questionei se deveria continuar. Dizer o sim era fácil, qualquer

um pode proferir um sim. Entretanto, não sei se deveria fazê-

lo. Fora tudo tão rápido... Os cortes ainda eram pequenos

demais para a cegueira contemporânea. Lembrei-me que

Polloa também os tinha. Lembrei que mal a conhecia. Apesar

de, claro, já conhecer dela a mais profunda parte dentre as

simples. Naquele momento, parei e disse a mim mesmo:

Algum dia irei amá-la; Melhor: Algum dia irei conhecê-la...

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 118 / 263

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Será? Ah... Algum dia irei conhecer-me. Assim adiei o

inadiável. Tudo se arrastou até hoje. Quando senti novamente

o corte.

Você, então, não se acasalou?

... Acasalei-me sim. Esse monólogo foi o veneno para o

problema. Após ingerí-lo, consegui esquecer. Pensamento

semelhante nenhum mais me afligiu, não naquele dia. Chamei

meu progenitor. Este me fez companhia e assassinou

qualquer resquício de inquietação. Assim o tempo passou.

E na hora do sim? Hesitaste?

Não. Fora um sim tão afirmativo que até hoje duvido que

possa ter existido algo tão convicto em toda a história da

humanidade. Não que eu a tenha visto. Todo o ritual fora

realizado sem muitos problemas, os símbolos vazios foram

todos respeitados. Até mesmo, depois, partimos em lua de

mel.

E como foi?

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Parou por um instante.

Nada olhou.

Levou mais vinho a boca,

enquanto pensava no que poderia dizer.

Falar dessas coisas com homens é tão bom,

causa uma espécie de inveja nos que ouvem.

O instante era um charme,

acima de qualquer coisa.

Ahhhh! Não foi nada demais na realidade! Não foi a primeira

nem a ultima vez com ela, e ela também não foi a minha

primeira nem a minha ultima. Só fomos em lua de mel para

cumprir o esperado... Tanto que nem durou muito tempo, dois

dias somente, um mísero fim de semana e nada mais. Fomos

para o interior, uma cidadezinha turística e pacata. Um hotel

bom o suficiente.

No final, nem gostara então?

Não, não foi assim também. Naquela época, ainda estávamos

juntos a pouco, e sem falar que tudo era relativamente novo.

Ainda havia química...

Mas uma coisa que eu definitivamente não compreendi: Por

que está triste se Polloa quase nada era para você?

Quando que eu disse isso?

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Levou-me a entender...

Ela é sim importante para mim! Há anos a tenho, a tenho a

meu lado... Sinto sua falta! Estou já tão acostumado com sua

leve presença...

Hum...

Outra parada.

Pouco mais de líquido.

Dessa vez deixa na metade.

Charme tomou aquele copo,

meio cheio, meio vazio.

Sem falar que o pior não foi a briga com ela... Essa foi

somente conseqüência. Ela, coitada, só tem culpa de tentar

ajudar.

Ah! Deixe disso! Bebas mais e vamos aproveitar o momento!

Não vou, eu vou esquecê-lo.

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Esquecer.

Lentamente já ia.

Álcool.

Despojava a melancolia.

Esperança?

A sua única era uma falácia.

Fantasia...

Uma fantasia coletiva.

No canto de sua boca,

um sorriso surge,

escondido nas malícias.

Novamente,

focava o trabalhador.

Ainda,

tão dedicado...

Graça,

achou graça...

Enquanto bebiam,

ele suava.

Belo idiota.

(Belo?

Não...

Horrendo idiota...)

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Apesar da impropriedade,

resolveu cantar,

naquela escuridão era capaz.

Lembrara toda a letra,

uma música extensa e lacrimosa.

Gostava bastante,

da lira, e da musicalidade.

Fazia o lembrar de coisas,

coisas as quais não se deve esquecer,

nunca esquecer:

"Imellom buskene vi stirret paa de

som minnet om andre tider

og fortalte at haapet var borte

for alltid...

Vi hoerte alvesang og vann som

sildret

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Det som en gang var er nu borte

alt blodet...

all lengsel og sorg som hersket

og de foelelser som kunne roeres

er vekk...

for alltid...

vi har aldri levd"

Gosto muito desta música também... Me lembra de como tudo

é essencialmente.

Hum... Conte-me uma coisa, quem é aquele ser?

Parente meu... Não gosta de mim... Diz que sou vadio, pois

enquanto ele tanto trabalha, eu bebo vinho!

Que grande idiota!

Aletheia! Mas venha cá! Não trabalhas também?

É... Sim...

E enquanto trabalhas eu bebo vinho!

É... Mas agora sou eu que bebo vinho! Enquanto ele trabalha!

Ele trabalha pois não sabe beber! Ou talvez, não sabe beber

pois trabalha, não sei ao certo... Mas tornou-se ranzinza,

moral e limitado... Nem tentes conversar com ele... Nada sabe

sobre si, ou sobre o mundo, sabe somente sobre o tear a

madeira... Não... Iludo-me, nem isso sabe ele... Sabe somente

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 124 / 263

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como tea-lá... E assim passa o tempo, a vida. Perdido em seu

imenso universo pessoal. Sobrevivendo a vida. Talvez sua

maior lamúria seja o fato de sua mulher ter que trabalhar

muito também.

O que faz ela?

Se vende... Uma meretriz. Fora amaldiçoada com a própria

beleza.

E você? Por que não trabalhas?

Não preciso... Tenho vinho! O mais que preciso alguns, como

você, me dão. E isso o deixa ainda mais enraivado, pois eu

vivo sem nada fazer e vivo tão bem como ele. Tão bem não,

melhor. Eu vivo.

Queria eu viver também!

Viva! Inspire com força, acorde seu pulmão, ele não mais

parará.

Estou muito velho para isso já.

Tenho que discordar... Você ainda tem pulmões, ainda

respira, a sua mão-morta ainda não foi paga.

Ah! Como se alguém fosse paga-la!

Caso você não viva, ninguém irá mesmo paga-la... Vamos lá,

deixe de ser!

...

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Esvazia o resto,

enche somente para

novamente esvazia-lo.

(Objetivo?)

Viu um pouco de si no horrendo.

Não! Não era ele.

Mas lembrava vagamente.

Estava a cima!

Pois ele ainda podia estar.

Enquanto o outro não.

Ele era.

A reciprocidade talvez existisse,

entretanto,

nunca saberia,

nunca sentiria.

(Nunca existiria então?)

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Tonto,

(nem tanto ainda...)

levantou-se.

Vivo sentia-se,

algo de si queria mostrar-se!

Incomodado,

partira rápido em trajeto sinuoso.

Os pensamentos acompanhavam.

(Nem sequer uma palavra dissera...

Mas uma valia deixara.)

Próximo ao laborador passa.

De relance o observa.

Curioso.

Esse, também de relance,

o observa.

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Na intersecção,

ainda mais Linih sente...

Era seu próprio olhar...

Pouco a menos:

não era coxo.

Passara...

Foi!

(FOI!)

Na toilet,

realizou-se.

Menos vivo sentia-se...

A face no chão,

sentado,

membros fixos para manter-se.

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A essência do vinho divaga ainda...

Esvaindo-se aos poucos,

enquanto Linih retornava.

O giro lentamente estabilizava-se,

apesar de outro forte seguir,

Linih sente que eram independentes...

De nada adiantava.

A fugir estava...

Somente a fugir...

E falhara.

Em todos os lugares podia ver.

E não no borrado reflexo da suja parede.

Mais uma vez o cheiro monotônico retorna...

(Até mesmo a DecaDência se vai.)

Não existiam...

Nem o vinho nem a madeira...

Opostos eram,

a existência equilibrava-se na ponte.

(Não no meio necessariamente.)

Escorregando sempre, a todo o momento.

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Talvez deuses fossem...

Mais provavelmente nada eram.

Caricaturas...

Rascunhos do perfeito desequilíbrio.

Linih mesmo os desenhara.

(Com toda a imperfeição da perfeição.)

Para onde fugir agora?

Onde se esconder?

Um baque.

Um murro na parede.

Não há grito.

Um (outro) baque...

Um (outro) muro na parede...

Não há grito...

Um baque (mais um).

(Mais) um muro na parede.

Não há grito.

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Há sangue.

Do punho fechado saíra o sangue.

(Apesar de lá não nascer)

Espalhara-se como uma praga.

A própria peste.

Logo o todo sangrava.

Incessantemente...

Iria morrer?

Não...

Em seu reflexo,

nem sequer uma hemácia aparecera...

Desvie a visão...

O piso...

Também sangrara?

Estava ensangüentado...

Tingido de vida.

E essa vida,

um eu refletia.

Um eu limpo...

Sem sequer uma hemácia...

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Repetia a si:

(?

Era repetido para si.)

Para onde fugir agora?

Onde se esconder?

(No toilet não podia...)

Uma aventura?

Que tal?

Arriscar-se um pouco...

Poderia ser verdade...

Por que não checar?

(Para não humilhar-se?)

Não há um porque!

(?)

Tente...

Tente.

Tente,

repetia a si.

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A esperança:

A quimera dos olhos semi-cerrados.

A estrada dourada que ao nada leva.

A falácia é seu fim.

O ópio para os já dopados.

Tenha esperança que não mais terás esperança.

Absorva a quietude,

crie-a,

caso ela não vibre.

Mas lembre-se:

Não a de o tapa da vida...

(Nem esperes que vivas.)

Assim a deixaria de ser.

Seria mais um estar oscilante.

Mais um;

Nada mais!

O que esperas?

Nitidez maior?

Desista!

São somente borrões!

E assim continuarão a ser!

(O único "ser".)

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Levanta-se lentamente:

Nada tinha a perder.

Faca na boca,

encare e siga.

A peste o havia contaminado.

Não há cura, porém há deus.

Há chance...

Talvez haja chance...

(Não, não há...)

Há fé!

Siga Então!

Pegue sua espada e junte-se!

Nada tens a perder...

Limpa o punho de sangue,

e o rosto de vergonha.

Lentamente.

Um espelho quebrado.

Uma teia do tempo.

Nada imortal.

Nada mortal.

Nada imoral.

Nada moral.

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Finalmente, coragem, sai.

Duvida.

Mas triunfa.

Mantêm-se ereto.

Passa olhando longe.

Por cima.

(Não condiz com o real,

mas aparenta.)

Nidyosios o encara:

Sente-se, vamos continuar a conversa!

Não, estou partindo.

Não podes... Ainda não estas bem.

Estou partindo...

Beba mais!

Estou partindo, mais um copo e me vou!

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Senta-se.

O copo é cheio.

O líquido estremece.

Os sentidos descansam.

A vida flui.

O pensamento navega.

A reflexão se estabiliza.

(Ali não podia,

não na frente dos outros.)

Não há vontade de contato.

Uma ilha.

Qualquer contato era com esforço.

O mundo estava distante.

Restringia-se a si.

O mundo.

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Era o último.

A última dose.

Últimos oitenta e três mais um quarto de vinho.

A unidade cortada em duas

duas vezes.

Não pode ser medida,

tão pouco comprada.

Porém calculada.

(E sabida)

Com esse acúmulo final,

sentiu-se tonto.

A rotação torna-se abrupta.

(quanto peso,

somente um símbolo!

[Sete {Não há erro, há divergência}

para a exatidão da visão]

Apesar da pouca massa...)

Aconfuso:

era hora!

Já passara dela...

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Levanta-se.

Não há despedida,

ou gesto,

nem sequer um olhar;

Nem elogio,

ou ofensa,

nem sequer reação...

Desprezo,

Esquecimento...

(Pior do que o amor...

Do que o ódio)

Nada.

Desprezo e nada mais!

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Retirando-se do buraco,

agora nota:

Era um buraco.

Nada mais...

Escuro, fétido...

Lívido.

O cheiro o rondava.

Ainda prendia-o.

Poderia até incomodar-se...

(Caso a rotação não fosse pior.)

Entretanto,

somente desprezava.

Distraia-se.

Desprezava somente,

nada mais!

Seguiu os antigos passos.

O portal.

Cruza-o.

Este se inquieta:

Qual motivo da partida? Vais tão cedo! Fora tão breve a visita!

Ah! Não perturbes o ar com tão tolas vibrações! Deixe-me ir,

somente isso, melhor assim será!

Tão agradável fora o tempo, o instante, compartilhado!

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 139 / 263

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Não, não o fora! Revogue e esqueças! Vos mescier está atrás!

Abaixo! Distante já! Agora serei perfeito! Seguirei o condor em

direção a mais elevada colina. Lá, encontrar-me-á, em breve!

Dissiparei a névoa, serei agora sol, luz, claridade! E, nada

disso representas tu!

O que tens contra mim! O que te fizeste?

Nada tenho contra ti.

Por que então, qual o motivo, a razão, para partir, abandonar-

me assim? Para que as altitudes!

Nada tenho a favor de ti também!

Nada...

Somente o desprezo, nada mais.

Nihil, uma Epopéia – Canto III – 140 / 263

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Canto IV

Este não será somente um canto,

este será o canto, canto perfeito.

E, sei o que sentes, emana o espanto:

"Porque tal esforço por este feito?

Não perderás, assim, todo encanto?

Liberdade esquivar-se-á do peito?"

Não! Não julgues ainda, há motivo!

(Apesar de ser obscuro e esquivo...)

O número deste é sua razão:

Quatro, o algarismo cuja raiz

é exata, e igual sua divisão

por dois, a metade imperatriz.

Da soma também vem a produção,

até mesmo de uma, dois dois, matriz.

Onde há perfeição, há o dígito.

Seu vigor sempre estará implícito!

Nihil, uma Epopéia – Canto IV – 141 / 263

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Sei... Isso parece tanto abstrato...

Mas não há para fugir, um lugar...

Sempre haverá distante contato!

Desista! Não há como escapar!

Livre-se deste seu antigo contrato,

escancare a visão (e o paladar!).

O sentido da ausência da vida.

Enfie o quarenta e dois na ferida.

Existe sim razão! Veracidade?

Com esta, agora não me importo!

Não mais! Nem tenho, ainda, idade,

por tal coisa, excluo e me recorto:

dane-se o detrito da humanidade!

Invocá-lo-ei do meu poço, o morto,

com os cavaleiros do apocalipse,

a luz então minguará: um eclipse!

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Pois insistes em estar não convicto?

"Não fundamentas! O inverso tu faze!

No vazio o elemento está restrito!"

Alerto-te! Não tenho alguma tese!

(O) Nada quer provar este escrito!

"Abençoe-se! E em silêncio reze!

Herege! Disseminador do mal!"

(Oh! Tão bonita... Toda esta moral...)

Burrice persistir! Ouça o corvo,

este anuncia a morte do ideal!

Do seu ideal arcaico! Choque o ovo,

espere! Dele nascerá o real:

Velha vida (humana), faro novo;

Sinta a podridão da crença, Babel!

Corra! Os urubus já estão a rondar!

(Isto faz uma música soar:

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"When night falls

She cloaks the world

In impenetrable darkness

A chill rises

From the soil

And contaminates the air

Suddenly...

Life has new meaning")

(E Linih?) Linih ouvia a música,

no próprio ar era feita a melodia.

Dele, ascendia uma luz impudica,

a abortar névoas com ousadia.

Não era mais primeira, mas a única,

a frieza assegurava a estadia.

Atingindo-se falta de partido,

a vida recebe novo sentido.

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Será possível ele evitar isto?

Era esta sua obsessão: a altura.

Isolar-se? Adentrar-se no cisto?

Não há como, seria só loucura!

Vontade fixa: de correr o risco,

Sairá agora da sala escura,

olhará a existência tão pequena,

e sentirá dela somente pena!

Seguia dessa maneira pensativa,

voava alto e caminhava no vento.

Sua percepção era a tal inativa.

Subir até o Olimpo era seu intento,

e subjugar o poder de Shiva.

Poder realizar o próprio sustento.

Agora iria na certa direção

do chamado, sem a alucinação.

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Assim seguia até ser interrompido,

Os pombos em seu futuro caminho;

Um casal deles no canto espremido.

Na sujeira da ponta de um espinho.

Mistura homogênea, o resido,

da vida com um problema mesquinho.

A cena aparentava ser de morte,

mas era de vida, sua própria sorte

O par, naturalmente, copulava,

atos isentos de orgulho ou pudor

(madeira não seria nunca clava),

assim sendo isento de estupor.

Não via a terra satânica de lava,

não existia nem sequer um temor.

Não personificava o acaso e o azar.

Nem escondia-se atrás de um czar.

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Linih não conseguiu sentir vexame,

razão fora então para sentir ódio:

"Pombos indolentes! Raça infame!

De tuas doenças não serei custódio!

Arrastem-se longe de meu athame!

Ou este será o teu ultimo episódio!"

Sem temer da justiça alguma karma,

Linih prossegue com mãos em sua arma.

Uma pata é recuada, medo,

incompreensão perante ameaça:

"Não fora eu que o atrapalhei hoje cedo!

Quem copulavas eras tu, o aça!

Qual motivo dessa ação de penedo?

Queres tu ser portador da desgraça?

Deixe-me viver em prol... Ou sem prol...

Enfim, não necessito de seu álcool!"

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"Não me venha com tal fútil balela!

Sei eu muito bem toda diferença!"

(Será mesmo? Brilhar de uma estrela?)

"Tens em você a suja vã cobiça!

Queres injetar sua social mazela

em minha livre, e natural, raça!"

"Silêncio! Tratarei-o como igual!

Igualdade! É de minha moral!"

"A moral? Quem precisa dessa bosta?

Se fosse ela boa, seria natural!

Não é! Moral é amoral, imposta!"

"Ó vivas, então, no seu matagal!

Sem ela aqui seria somente costa."

"Melhor do que mata artificial!"

"Suma logo daqui, maldito pombo!

Ou, em tua carne farei grande rombo!"

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O casal de pombos abre suas asas

e foge, em direção ao horizonte,

beirando as construções duras (as casas?).

A fêmea, já em vôo, vira sua fronte

para Linih, libera energias rasas.

Da ligação não compreende a ponte:

"Estes pombos voam sem nunca ascender

deve ser. Precisa, deveria ser..."

Lininh prossegue o caminho confuso:

"Como podiam ir tão alto?

Leve pareciam, um modelo difuso?

Deve ser somente um salto...

a aceitar esta ascensão, eu me recuso!"

Assim, Linih retorna ao seu daimiato.

Aliviando a força do impacto,

melhor, esquecendo-a de fato.

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Seu caminho retorna a velha rua,

que ficou sozinha desde a partida

de Linih; "A culpa é tua!

Desde que me abandonaste, a ferida

nunca mais fechou. E nem a lua

quis mais chamar-me de querida!

Ó imploro-te! Baile comigo! "

Linih prossegue, focalizando seu umbigo.

Poderia, ele, suportar a falsa?

(Nem estava lá muito certo desta).

Dançara sim, porém vestindo calça,

não livre, ao todo, do que detesta...

Fora esta a verdade oculta da valsa,

fugia outra vez aviltado da festa.

Porém, agora mudara, seguia

à nova, que nem ele conhecia.

No fundo de seu útero a certeza,

(?) de que tudo o que iria realizar o era.

(?) O gênesis, dessa, era a incerteza,

do próprio inprincípio

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Hoje daDerri nasceu (já morrendo).

"In a World without feelings/My dreams are all dead/No one

beside me/I know where I am at"

"It's a cold damned night,

and it seens that i'm loosing my sight,

but i can't run from this fight,

cause i know that is dead all the right.

But i don't care

i don't care

No i don't care...

i don't want to care."

Recusa a mocinha do baile e segue.

Como se nada ocorrido houvesse.

(Como se ao aborto aquele fosse entregue).

Mas a memória insiste em seu esse,

pouco depois Linih está envolto em neve,

vê-se retornando, pequeno, a quermesse.

Era ele que ali brincava, trepando no leão,

antes do mundo existir, da tentação.

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Um dia ele fora sim inocente!

E agora se recorda dessa tempo,

fora feliz? Hoje em dia recente,

diz "sim", mas na época, por exemplo,

nisso não pensava (decente/indecente,

feliz/triste, bem/mal, casa/templo,

não existia nenhuma polaridade simples).

Vivia, sem precisar de um deus.

E quanto durara a situação?

Um pouco, muito pouco...

Ainda recorda a hora da destruição,

da perda de todo desejo solto,

todos já viviam a masturbação,

porém ele não, ainda não era louco.

Apesar de muito ter demorado,

na corrupção, também se vê adentrado.

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Sim fora, fora o primeiro passo,

Linih disso não tinha conhecimento,

(Seria um anúncio o corte no espaço?)

mas contribui para o espalhamento

da corrupção, (um erro crasso?

Não tinha ele mesmo o intento?)

Derrubara, de seu amor, todo pudor,

maculando assim todo o amor.

Amor o qual ele sentira jamais,

não tinha interesse nisso algum

(não fora criado para feito tais).

Corrompia somente ab ore ad aurem,

excluía todas as formas demais.

Assim tornara-se, a ela, o infernum,

primeiro de uma infinda trajetória,

que forma, de sua vida, a história.

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Desta despertou toda a ira,

fez-se sentir-se uma cocota...

Do Amor onde estaria toda lira?

Não passava de desejo à xoxota!

O porco merecia sim a pira,

grunhiria, do suíno, a mesma nota.

Não passa disso, um porco,

multiplicaria-se esperando a hora do orco.

Não que a maculada coitada tenha

ficado só, como um lobo idoso.

Não, não é possível extrair tal resenha

do trajeto involuntário luxurioso,

como cavala ciosa, trespassa a penha,

e arruma o cabelo de modo toso.

E já está a entregar-se, como todas,

a qualquer que lhe aceite, às rodas.

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Linih não dera alguma importância,

agira exatamente como ela,

agora, experiente, cativava a ânsia

e sempre desposava alguma cadela.

Essa era a tal racial libidomância:

Viçosos a ver, através da tela

da selvageria, a própria imagem,

mas, imaginando-se sempre a margem.

Finalmente Linih enxerga o fantasma

que dirigia-se a sua direção exata:

Sua infância viera mostrar a miasma

de sua própria existência idiota:

Um súbito ataque efêmero de asma,

era o resumo simples de su vita.

E, mesmo plácida, sugere a perspectiva:

"Queres ser mais? Com qual ativa?"

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Poderia desprezá-lo e seguir o trajeto,

como se não houvesse ocorrido nada,

(poderia mesmo ser um inseto?)

ou simular uma cínica risada,

mas não, Linih seleciona o dejeto,

faz emergir um catarro cor-de-fada,

(verde) e lançá-o ao seu passado,

porém, este não atinge o resultado...

A vibrar eternamente no ar,

sem perder o seu movimento,

fica o projétil a sempre voar

seguindo a contra-direção do vento,

permanecendo em sua posição impar

sem nunca atingir seu intento.

e a Infância entende, e recua.

segue atrás agora, então desvirtua.

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Após ultrapassar o velho ser seu,

o Herói prossegue de forma oscilante,

ora encarnava o próprio Deus Prometheu,

ora era somente um medíocre infante...

("Recorda-me um degenerado Ateu...

Junto a um regenerado Errante.")

Andava de forma altiva e torta,

a honra gemia, mas não estava morta...

Com esse incessante rolar de dado

(Com cento e cinqüenta [dízima] faces),

avista no centro da avenida um fado,

acima até mesmo das grandes lices,

um ser amarrado sendo estuprado,

todos sentiam desdém às imundices,

ninguém cogitava agir porém,

no fundo máscara era o desdém...

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Linih ("o perturbado!"), o estranho,

vê-se indagando sobre tal fato,

por um momento, limpa o ranho

de seu passado, e ask sobre o ato:

"Isto é algo deplorável? Canho?

Já estou a confundir o abstrato!"

"Sim, ensinaram-nos desta forma!

Violentar alguém é fora de norma!"

Após o minguar da incerteza,

achega-se para questionar o abuso,

a donzela estava sobre uma mesa

(mais se assemelhava a um altar obtuso,

contudo gêmicos eram a reza.

[Haveria diferença, então, no uso?]).

Notou quem o ato estava a realizar,

Resa era seu nome, um militar.

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Defensor do valor nacional,

um verdadeiro herói altivo.

Com seu âmago todo moral.

Exemplo para todo homem cativo

(Até mesmo para o, o Abissal?):

"Com minha índole, eu vivo!"

A nação, havia já, habilmente, salvo,

e hoje encontra-se já pouco calvo.

Como se fosse o passado somente,

militar ainda era, mas sem batalha,

era dos soldados líder, a mente.

Talvez mantivesse aversão a gentalha,

mas, ainda assim, na nação era crente.

A pouco voltará de uma terra canalha

(uma outra pátria estranha a dele),

mas a luta não cessara, para ele

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Mantinha ainda um ar grave,

até, bastante, ameaçador.

Mas Linih ainda lembrava da ave,

não comportava nenhum pudor

(mantinha-se ingênuo, era fase...):

"Por que fazes tal ato, senhor?

Um ser tão bom, com virtude!

Praticando tamanho ato rude!"

"Eu rude! Rrrrrrr! Ó Jeunesse!

Estou a salvar a tua fértil nação,

sem incluir nada do meu interesse,

e, davantage, devo-lhe explicação?"

"M-m-m-m-m, desculpe-me, mas existe um "se",

pois busco somente total perfeição,

e pensei que poderíeis ser exemplo meu,

todavia, agora, a dúvida já me abateu!"

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"Dúvidas de que? Minha pureza?

Minha moral? Minha perfeição? Ein?"

"No momento, já não tenho certeza

de nenhuma, talvez, até, desdém..."

Tal fonema tão cheio de riqueza,

faz com que Resa hesite, ("Quem es? Quem?

como podes ainsi macular-me!

Quem es? Um mísero verme!")

Como prevendo o póstumo momento,

a estuprada lança um gemido agudo,

logo um bofetão e o silenciamento:

"Quieta vaca, lembra-me um curdo!

Sabes, necessitas de tal tratamento!"

Não há, dela, resposta para o absurdo,

já, de Linih, há sim uma réplica

(Quer ele visitar a tal da Meca?):

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"Perdoe-me, mas perfeição não vejo!"

As palavras penetravam-lhe o íntimo,

de forma idêntica a do seu desejo,

um, de especial violência, consumo.

O conflito geral resultou no despejo

de ambos os atos, em simples resumo.

Resa detêm-se por um átimo,

negava, odiava o real cáustico...

"Como ousas dirigir tal heresia

a moi? A profanar a perfeição minha!"

Linih sente ainda mais a hipocrisia:

"Perfeição? Duvido que a tinha!

Pois hoje percebo a miopraxia!

Tão nítida em sua (i)moral linha!"

O ódio finalmente aborda rente

a seu ego, contra o insolente:

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"Proves que a perfeição me falta!"

Estranha intimação... Reação estranha...

Olhou para o céu, a estrela de malta

emanava uma luz enfadonha.

(Por quê? Por que uma luz assalta

a obscuridade de sua entranha?)

Então, flutuava acima do leito,

tentando refletir algo direito.

Havia necessidade da prova?

A ausência desta, uma, não era?

"Prove-me tu a imperfeição da chuva!"

"Sou tanto quanto o marido da Hera,

caso negue, mando-lhe para a cova!

Sou mais forte que tu, e estou a espera

de só mais uma única disputa

para matá-lo, filhinho da puta!"

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A intimação teria então de aceitar?

Tinha opção alguma de escolha?

Poderia morrer. Num mero azar

e sua vida acabaria, como uma bolha

dissipando-se ao simples alheio olhar.

Um pequeno ato e já faria uma molha

com seu sangue. Frágil, Sentiu-se fraco.

Era imperfeito, sempre... Um fiasco...

Abaixou a cabeça, ignorava os gritos

da vitima... (Tinha de ser desta maneira).

Já havia aceito a realidade dos ritos,

dos horrendos ritos de pura sujeira.

Quando sente o ofuscar da luz dos mitos

(Este não pára o estupro à estrangeira...):

Sim! É ele sim, senhor e senhora!

Jesus Cristo de Nazaré em pessoa!

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Vinda da profunda ofuscante luz

uma voz grave e penetrante invade

a inocente existência, e a reduz

a injusta, a inferior igualdade

de seu sujeito, posto sempre à cruz:

"Que está a acontecer? MINHA vontade

está a ser respeitada? Pois bem sabei

que todo desejo meu é uma lei!"

Em Linih, rejuvenesce a razão,

agora obteria o formal apoio

de que toda aquela discussão

à pouco necessitava, o arroio

de seu sangue queimava o coração,

formando o emotivo enorme comboio,

o seu ser é tomado pela inquietude:

por pouco, perdera a solicitude.

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Mal ouvira a palavra inicial

que o semi-deus proferiu ao seu lado

(não percebeu,delas, o tom fatal):

"Quem sois vós? Tens cargo?

E tu? Qual fim tem a amostra carnal?"

"Ó Monsieur não cogite, que um pecado,

estou eu a cometer! Sou um defensor

da nação! O bem faço, meu senhor!"

Ainda surpreso pela mentira,

Linih protesta, com vigor, o inimigo:

"Não acredite nele! Este ser respira

a podridão de um cadáver antigo!

Nada mais tens de perfeito! Uma mera

parasitose a procura de abrigo!"

"Eu, apesar de não saber quem és,

vejo, nas palavras, estupidez"

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Breve pausa, e o sermão prossegue:

"Não vês que está herege donzela

está a receber o que merece?

É uma pagã atéia, daquela

terra onde, por pecados, se perece!

Contudo, é uma garota bela...

O que reforça a alma superior

de nosso tão devoto defensor!"

Em meio a gritos de dor e gemidos,

a humilde acusada solta um protesto:

"Não sou atéia! Tenho todos residos

de um exato tal deus como o seu, funesto!

Tenho cultos, agora interrompidos!"

Sem se dignar a olhar aquele resto

de ser sofrido, responde Cristo:

"Crença irreal da sujeira! Um cisto!"

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Resa, esbofeteando a estuprada,

argumenta a favor de seu batismo:

"Quieta! Caso ouse falar, minha espada

sacarei e a mandarei direto ao abismo!

Não passas de uma indolente safada!"

Sem nada poder fazer, o organismo

entrega-se totalmente às lágrimas.

Porém, Linih não aceita tais lástimas:

"Tu podes ser conivente com tal

estupro? A tamanha violência!

Como podes ignorar o mal?

Não vês toda podridão desta essência?"

Sem perder nada da pose formal,

o salvador explica a sua ciência:

"O livro sagrado tu nunca leste?

Recorde-se destas palavras neste:

Mateus 10:34-36 "Não penseis que vim trazer paz à terra; não

vim trazer paz, mas espada. Pois vim causar divisão entre o

homem e seu pai; entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua

sogra. assim os inimigos do homem serão os da sua própria

casa."

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Minha conduta, agora entendes?

Espero ter sido o bastante claro!"

"Devo eu então, matar todos meus parentes?

Mas que dotes de virtude tão raros!

Queres somente brotar as sementes

da discórdia?"(Sim, é Jesus meus caros...)

Resa: "Quieto não abuses da sorte!"

Cristo: "Tu queres já tão cedo a morte?"

Linih fica extremamente inquieto

(apesar de não pronunciar som algum),

enxergou curvas no ser moral reto,

farto alimento em tempo de jejum.

Lentamente abortava o belo feto

da virtude a qual dera espirtum.

Olha com profundidade o santo,

nele vê um corte, para seu espanto.

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Ele arrisca uma interrogativa

para acabar com a possível dúvida:

"Como sabes que a divindade viva

é a sua, não é só uma bela música?

E que a da donzela não é a ativa?"

Resa: "Eu sei! Ao meu lado, de túnica,

está Cristo! O filho do deus único!

Que nunca mente nem só nem em público!"

Sim, era sim um corte... Não um estigma,

Apesar de nem mesmo ser profundo,

já era sim um possível paradigma...

Linih se distancia. Mas ouve ao fundo:

"Eu violentarei também a tal vítima,

pois sou eu, também, filho do deus do mundo,

de acordo, Resa?" "Espere na fila!"

"Ó Não entendeste! Eu quero uma orgia!"

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Piorara, o som da última palavra,

mais ainda a condição linihesca.

Prosseguiu até um ponto de cruza,

e subiu, com a idéia ainda fresca,

trocou pela da morte, sem escusa,

simplesmente houve uma interior pesca

(escusa alguma! Poderia pular,

morte certa, na altura de seu andar!).

Um ato, assim, tão simples, tão rápido.

Por que não? O que impedia tal ato?

Sabia que nem mesmo seria algo trágico,

pois o ser homem morria como um rato.

A morte já não era mais algo mágico

(Nunca fora, mas hoje há o exato

cálculo da taxa de morte e vida).

Saltaria de cabeça na avenida?

Nihil, uma Epopéia – Canto IV – 171 / 263

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Olha em volta, sobe no parapeito

e grita com a voz em um alto tom:

"Algo pode me impedir deste feito?

Algo que tenha o valor do cupom

de minha vida neste beco estreito?"

"Eu! Seu passado! Um passado bom!

Ó! Não esqueças de mim! Todos os dias,

poucos dias teve de tardes frias!"

"Você é meu problema! É sim!

Abandonar-te-ei! A morte causarei!

Assim minhas as mágoas terão fim!

Sem passado, serei um futuro rei!"

"Acalme-se Linih! Não hajas assim!

Amanhã pensaria: "Ó como errei!""

"Não! Eu sei, não terei nenhum remorso!"

Suicidou seu passado sem esforço.

Nihil, uma Epopéia – Canto IV – 172 / 263

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MAS! O remorso vem durante a queda

(aceleração igual dez metros por

segundo ao quadrado[?]): "Ó grande merda!

Lembrei! Existe sim algo! (amor?)

Polloa... Muitas delas, uma meda..."

Salta, em um instante de estupor,

e a salva sem fazer nenhum esforço.

Mas! O passado matou sem remorso.

Nihil, uma Epopéia – Canto IV – 173 / 263

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Canto V

Posso ler a leitura de seus olhos

sentir o sentir de seu tato,

e degustar as idéias de sua mente.

(Sim! Sim [Não! Não?]!)

Para que tanta lamúria!

Queres uma Epopéia?

Alegas receber um Ditirambo (nada mais do que isso?)!

(Pense novamente...

Tente outra vez! [Mais outra?])

Argumentos existem eu sei:

Epopéia sem jornada...

Sem herói...

Sem rima e sem métrica...

Sem ética...

Sem ratio...

Sem exaltação...

Mas um Ditirambo?

Não! Não (Sim! Sim?)!

Há vinho!

Há essência dionisíaca!

Há Decadência!

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 174 / 263

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Ó! Não seja radical!

(Seja medíocre?

Medíocre como toda a luz vinda da Sol?)

Não há herói, mas há Linih!

(Há realmente? Quem o é?)

Rima e métrica já foi dada!

(Mas fora abandonada... Se quiser, imagine-a! Adicione, por

exemplo, o fonema ar no final de cada verso)

De resto há a existência!

Já foi dito!

Está é sim uma Epopéia!

(Talvez uma Epopéia ditirâmbica,

ou quem sabe, um Ditirambo epopéico.)

(Mas) porém (contudo todavia entretanto) uma epopéia viva.

De um ser que nunca viveu, mas vive, seu sangue queima até

a calefação, e lentamente drena forças minhas, sim minhas...

Vives então! (Posso sentir! Podes sentir?)

Já foi dito anteriormente... Tudo isso.

...

Sim...

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 175 / 263

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E jornada?

Desejá-a também?

Já a tem...

Que isto fique sabido...

Já a possui, uma jornada na qual força é envolvida, mas sem

realização de trabalho...

(Mas o que fazes?

O que fazes?

O que desejas?

?)

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 176 / 263

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Linih imóvel.

Brisa trespassa.

Não há sentir.

Os sentidos são evanescentes...

(Os vermes!

Sim os vermes estavam dentro dele ainda!

Podia sentir, sim, sentir suas presas presas em seu intimo...

Pelejava... Dentinhos furavam-lhe o intestino...

Mas pior do que isso,

[pior até mesmo que o cheiro de podridão, de carne morta a

séculos, {era somente a casca, todo o resto já morrera...

apodrecera a tempo...} que tanto lhe incomodava, até mesmo

surdos ou cegos....] era sentir a putrefação de seu destino,

pensara que já não iria sobreviver para ver o dia de sua

própria morte... Não, não iria... E disto poderia até mesmo se

arrepender [poderia mesmo ser capaz de tal fato? Cuspa

cuspa cuspa fora! Puke {fonema pu + fonema que...

“Estrondo!”}! Puke!]

Mas uma coisa era certa [era não obscura, apesar da “?”

{“???”}]:

Ainda não havia sido embalado no saco-de-lixo preto. Não

fora evento para si.)

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 177 / 263

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E perguntou a si “por que não, porque não, porquê não, por

quê não...”

(Não ouviu resposta...)

Olhara para o horizonte, um chamado...

(Ouviu resposta)

E atendendo ao chamado,

dissolveu-se.

Virou a brisa que outrora sentia.

Sentia-se leve, quase leve...

Ainda pesava-lhe as verminoses...

(contudo, já estavam no intestino...

Muito não mais durariam, não, não. [?Poderiam, quem sabe,

retornar... Não! NÃO! Blahhh ft!])

Ventava,então, rente a superfície.

Já era um começo.

Sim.

(Obs: Polloa ficou.

Não poderia voar com ele,

Nem em cima dele

Sozinha talvez,

Mas não era o caso.)

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 178 / 263

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“Venha venha

A

q

u

i

T

e

r

á

s

E

l

e

g

i

a

U

n

i

f

o

r

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 179 / 263

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m

e

Ao menos...”

Algum lugar perdido

no acaso de um rolar de dados

e na onipotência divina...

Era uma equação bioquímica

havia a certeza,

porém,

havia, também, a certeza da eterna ignorância.

O lócus era igual

ao acaso de um rolar de dados...

(Poderemos prever?

Poderíamos prever...

Pois não

Podemos nunca saber.

[Shhhhhhhh!

Abra os olhos! Ela não fecha!

Não... ão ão,

A Certeza

Certeza de todos humanos...])

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 180 / 263

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Linih! O que estava a fazer? Ou já fizeras? Contá-lo-ei

somente que me chamo Hera! E mando aqui! Ligou-me não?

Por que demorastes? E o que estavas a fazer brincando na

altura? Tens vertigens? Enfim, o que desejas?

Ola.

Ola...

Ola.

Ola?

Posso entrar?

A la vonte!

Ainda não...

A la vonte...

Bem, vamos agora.

Adentraram-se.

Um salão grande demais para ser visto...

Tinha-se a impressão de estar em campo aberto,

Porém com uma certa falha luminosa,

Com a qual névoas minguavam vagarosamente...

Apesar de não sumirem,

Sempre estavam a rodeá-lo.

Sentia-se bem assim.

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Não estava só agora.

(Não queria estar só...

Não agora.)

Pensou, até mesmo,

Se seu amigo vento pudesse ser companhia.

Amigo?

(Ao menos, as névoas que obscureciam sua visão, também

obscureciam a visão dos outros que tentavam lhe focalizar!)

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 182 / 263

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Conte-me! Não estavas tímido para me ligar não é moço?

É... Não liguei...

Não mintas, você ligou!

É... Liguei.

Trate de parlare!

Pode ser... Tremer! Tremer! Estava a matar meu passado.

Suicidei-o já.

Hummm, muito bem. Assim tudo será mais fácil. Mas o que

abandonaste lá?

É... Nada.

Está certo disto?

Não... Polloa...

Não a matou ainda? Não é?

Não...

Melhor, será mais fácil assim...

Que? Por quê? O que estas a dizer?

É bom ainda ter polloa em sua mente ainda. E é

imprescindível não ter mais passado.

E agora? Poderei ter futuro?

Nada sei sobre isso... No futuro você saberá, eu nem nunca

assim saberei.

Mas você não é a dona daqui?

Se você deixar...

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 183 / 263

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?

!

??

É... Sou sim então.

Desejo a perfeição... Quero ser o condor a voar sobre os

picos!

Hum... Fácil fácil.

?Acha?

Sim, sim.

Como?

Não tentes atingir a perfeição, faça com que ela venha até

você.

?

Defina perfeição como o seu presente estado. Essa é toda

perfeição.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 184 / 263

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Quietude momentânea.

Esqueceu dos sons.

E se concentrou no timbre da visão.

Diferente no mínimo...

Não há limites.

Não há marcas,

Ou trajetos...

Nada.

Tão limpo.

Somente o próprio e Hera.

Concentrando-se pouco mais...

Nem ela.

Suas cores empalideciam.

Cheiro não possuía.

Som não produzia...

E no ar sumia.

Em meio a névoas desaparecia.

E ambas se dissolviam.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 185 / 263

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(Assim)

Cores empalideciam pouco mais,

Intensamente,

Mas

Até a intensidade sumia...

Linih sentia-se só.

Mas falava a si mesmo.

Não estou só... Não não estou.

E assim prosseguia.

Menos ou mais, conhecia o trajeto.

E então, não necessitava de concentração.

Seguia o trajeto.

Pois o conhecia.

Quando se viu dentro de um recinto:

Não mais havia a luz companheira,

Apesar dele ainda ali estar.

Pentagonal era a forma desta,

Com todas as diagonais ligadas.

Velas haviam em cada vértice.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 186 / 263

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Linih prossegue ao centro,

Hera aproxima-se com um atroz castiçal em punhos.

O que era aquilo?

Para que tanta feiúra?

Apesar de saber o que ali fazia, Linih arrisca uma indagação.

O que faço aqui?

Irás ascender, libertar-se de seus grilhões matérias, e etéreos.

Como?

Não sou eu quem sabe.

Larga o castiçal triplo à frente dele.

E agora?

O que devo fazer?

Nunca agi por mim...

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 187 / 263

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Permanece imóvel.

Vapores sulfúricos ascendem à sua face.

Sente-se diferente...

Um frio percorre sua espinha.

Terror...

O que deveria fazer?

O castiçal não se prezava a olhar-lhe nos olhos...

Hera o encarava indiferente.

E as velas queimavam suas parafinas,

Incessantemente.

E ele permanece imóvel.

Até mesmo, por motivo de um tremer:

Suas pernas tremem.

Sente-se diferente.

Paulatinamente sua percepção fraqueja.

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Não iria nada fazer...

Nem mesmo tinha conhecimento do intento.

Estava perdido.

Em quietude.

Em solicitude.

(Não mintas!

Sabeis exatamente o intento!

Só fingia não saber.)

Desiste.

Dê-me um cogumelo! Necessito de um!

Necessitas de ajuda?

Não, só de uma erva.

Respira fundo.

Aspira todas incertezas.

Toda a escuridão,

Todo o gás.

(Toda a névoa).

São tragadas para seu íntimo.

Alívio.

Ó!

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 189 / 263

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Contempla o horizonte,

Inicia a fazer um giro completo em torno de si.

A bailar uma música de vitória:

“Revolution!

The exodos of the souls!

Revolution exodos!

The paradox of minds!”

Não pudera termina a cantiga,

Pois se tomara conta de que Hera ali permanecia,

E não sozinha,

O castiçal triplo com sua forma atroz,

Suportando três grandes velas negras

Que se contorciam sobre seus baricentros.

Bizarramente.

O frio voltará...

Não faria.

Não seria...

Capaz... (?)

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“It opens all the sky on me,

released me shaken on my belief,

it takes my hand just to drag me down

and makes me a stranger in the ground.

Give me isolation just for now

I feel the hungry coming down

I promissed that I ll be back soon

And for now I return to my cocoon.”

Nenhum outro som fora pronunciado

Enquanto Linih sentia o estupor.

Nenhum.

Nenhum fora abafado sequer...

Nenhum fora abortado.

Nada quisera visitar.

Havia falhado?

...

!

Ajude-me!

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 191 / 263

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Hera caminha até o castiçal,

Este, imóvel, a encara grunhindo.

(Linih abandonara-se ao nada.

E sentia-se tão confortável.

Mais do que nunca talvez

Por nada ter de fazer).

Um sorriso nas trevas.

Logo um pequeno sopro,

Delicado, colocado no lugar exato.

Uma chama negra surge,

Por espontânea combustão.

Outra dupla de distorções aérea se segue,

Causando uma dupla de chamas negras.

O castiçal,

Agora flamejante,

Vira-se para Linih,

Porém abaixa os olhos,

Ainda não digna a olhá-lo.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 192 / 263

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Pensa em praguejar...

Porém ele detinha razão...

Para que deveria ele esperar um olhar?

Merecia um?

Nada fizera...

Enfim.

Achega-se.

E o suor derrama,

Começa a derreter,

(A chama era quente demais?)

Sua mão hesitava.

Suas patas escorregavam,

O suor chorava por todo seu corpo.

Sua vestimenta torna-se úmida demais.

Não conseguiria.

Já até mesmo disto sabia,

Mas tenta ignorar seu próprio conhecimento.

Transmutado em informação,

Poderia reduzi-lo a um quasi-nada.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 193 / 263

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Seu intento:

Levantá-lo.

Com esforço concentrava-se,

Com facilidade sua força de vontade se esvai:

O líquido,

A secreção,

O calor,

A vergonha,

O sentir,

O dever,

O menosprezo.

A fraqueza...

Distração!

Divagação...

E assim permanece.

(Distraindo-se,

Divagando-se?)

Vegetando.

Fatigado.

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Raízes crescem sobre seu estado,

E o enlaçam.

O verdejamento tem início.

Mas não haveria fotossíntese.

Não haveria autonutrição...

Nem ao menos autofagia!

Disso também, já sabia...

(Poderia servir como experimento,

ganhando XP,

avançando alguns níveis de seu psg,

[ou melhor de seu {meu?} pdm]

o que você vai querer?

Hum, bem bem,

Já jogue o seu pv.)

Ganha um momento de lucidez:

“Não possuo clorofila!

Nada fizera sozinho...

Necessito de mais...

Ainda não estou maduro!”

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Primeiro;

Queima seus (fetos) galhos superiores com a primeira chama

do castiçal.

Segundo;

Queima seu (imaturo) tronco com a segunda chama do

castiçal.

Terceiro;

Queima suas (novatas) raízes com a terceira chama do

castiçal.

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Em meio às próprias chamas avista Hera,

Mantinha uma expressão nula,

Não temia as chamas,

De frio não tremia

(XP já tinha?):

Desistirá, já?

Não Não Não. Só ainda não estou preparado, e agora admito

minha insensatez! Sei perdera comigo seu tempo, tens o

direito da ira... Mas espere e ouça uma nota de minha lira, no

futuro próximo retornarei, e finalmente serei meu rei! Terás até

mesmo inveja, pois verás a mais linda coroa em mim! Este

será desta (estória) história (desta Epopéia) o grandioso fim!

Foda-se.

Sumas! Agora sou todo fogo! O grande triângulo símbolo da

mudança! Meu sangue queima! Porém nada mais temo! Não!

Sinto-me (quase) livre! Pouco mais! Somente um pouco!

Até.

Hera some.

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Linih prossegue:

Partirei em busca da tinta plástica verde metálica para forrar o

resto de que necessito! Terei apoio sobre o vento de tão leve

que serei! Finalmente chegara minha hora!

Em extasi dançava sozinho

(agora nem mesmo o vento

ou o ambiente lhe fazia companhia,

ele sorria

pois estava próximo,

sentia-se próximo

Estava próximo dA hora)

as chamas vibravam.

O espetáculo pirotécnico.

E cantava em extasi:

“This is the time I break your balls

This is the time I crush your head

This is My time!

This is My time!

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 198 / 263

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This is the time you feel the fear

This is the time tou wish you were dead

This is My time!

This is My time!

This is the time you pray for mercy

This is the time you beg for your des

This is My time!

This is My time!

This is the time your rip on the sins

This is the time, you won’t forget!

This is My time!

This is My time!

This is My time!

This is My time!

Never again you ll touch a god!

Never again you ll touch my god!

...”

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 199 / 263

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As chamas nunca mais lhe queimariam.

Poderia agora excitar a autocombustão sempre que quisesse!

E iria querer,

O tempo todo

Todo o tempo

Todo!

Sorria.

Pois agora estava sozinho!

Sorria.

Agora estaria?

Quase

Quasi

.

(Esquecera dos vermes em seu intestino...)

O caminho já era sabido

(apesar dos perigos não...)

só seguir agora...

Flamejando!

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Declara então para que todos ouçam,

E acima de todos,

Para que ele mesmo

e eu ouçam:

“Agora serei, para sempre, um viciado em metanol!

Sinto! Sinto!

Já não sinto!”

Desaba em gargalhadas!

Ha ha ha ha ha!

HaaaaaaaaaaHUAhuahuahuahu!

(Rs?

Bwuhauhauhahahuahu [Mikhail]):

Farei do meu sangue veneno! Meu próprio veneno! Já sei

onde ir! Só me faltam o ato e o como! Ó sinto que vou voar!

Por cima do mar, contemplando o Caos! Acima de todas as

vidas terrenas! Ó ambiciono! Sim! Já sei onde ir, só faltam-me

o ato e o como! Queimar-me-ei! Quantas vezes necessário for

tragarei Zyklon-B!

Parte então.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 201 / 263

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Como farás Linih?

Mas,

Parte.

Viajando e dançando,

Dirige-se até uma medíocre casa, em uma medíocre vila, em

um medíocre país.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 202 / 263

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Ao entrar,

O odor ataca seu olfato,

Afrodisíaco.

Forte até à tontura.

Tudo gira em labirintite.

A cor ataca sua visão,

Rubro.

Semelhante a sangue,

Esparramado por todos os cantos.

O risinho ataca sua audição.

Suspiros.

Lágrimas e risos,

Ó tanta dramatização!

O prazer ataca seu paladar.

Saliva.

Tantos beijos e lambidas.

O mesmo que escarrar sobre!

A volúpia ataca seu tato

Nudez.

Compartilhamento de sentir.

Corpos amassavam-se.

A idiotice ataca sua razão.

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Relembra-se do asco.

(Lembra-se?)

Em meio a olhares, gemidos e pessoas,

Questiona uma sobre a dona:

Onde está a dona deste lugar?

Ocupada, ocupada... Mas eu estou livre.

Não... Não estou aqui para isso.

Agora uma indicação recebe como resposta (mais “está

ocupada”)

Segue para a indicação:

Uma porta fechada e barulhenta,

Ó! Como geme esta porta!

Fica por ali mesmo a esperar.

Outra se aproxima:

Cumprimentam-se.

Beijam-se.

Lambem-se.

Abraçam-se.

Desnudam-se.

Copulam-se.

Despedem-se.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 204 / 263

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Então a uma retorna às lágrimas,

Linih pergunta, desesperado:

Onde está a dona deste lugar?

Ocupada, ocupada... Mas eu estou livre.

Não... Não estou aqui para isso.

Não? Vá a merda!

? Não entendi...

Ah! Finge não entender!

Você que não entendeu o motivo de minha visita!

Por que me despreza tanto?

Você não está entendendo!

Eu sei, você me contou! Traiu-me!

? Tenho algo com você? Estou eu preso?

Não! Não! Mas por quê? Por que tanto me odeia!

Não odeio... Nada mudou para mim!

“Você é a pessoa mais horrível que eu já conheci em minha

vida!”

Pelo jeito nunca mais conversaremos de novo...

É.

É.

Sei lá. (=Palavra chave).

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 205 / 263

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E desliga.

Como deveria sentir-se Linih?

Pense o bom lado!

Não és horrível,

És o mais horrível!

Ò grande título!

Cuspa,

Sorria,

E siga.

Nada que importe.

Nada importa.

Nada mais o enlaça.

Trespasse!

Cuspa!

Sorria...

E siga!

Durara demais para ser esquecido,

Mas durara muito pouco para lesar,

Para abrir profunda cicatriz.

(Há tempo suficiente para lesar?

Para abrir profunda cicatriz?

Sim: X = Vtot – Vdis)

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 206 / 263

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Abre um monólogo,

Entre as paredes ainda úmidas de tinta fresca daquele recinto:

Queimei-me! Sim! Queimei-me! Não fora a primeira! Não!

Também não será a última! Mas será a última vez que gritarei

de dor ao queimar-me! Sei que a queimadura fora

extremamente profunda, atingindo até minha âmagoderme!

Porém não é mais motivo suficiente para gritos! Não tenho

motivo para temer o fogo! Apesar de não mais gritar, o

“Pessoa mais horrível que conheci em minha vida” ecoa em

minha mente... Sem que haja qualquer manifestação

sentimental. Sem que haja nenhum grito ou risada.

Linih aquieta-se.

Focaliza a porta

Que se abre

Dando caminho a Zeus

Que sai e trafega rapidamente

Escondendo-se até a porta

De onde Linih viera.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 207 / 263

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Antes mesmo de levantar-se,

A donzela:

Estás na fila?

Não.

Espere um pouco, estou cansada.

Não estou na fila.

Queres o que então?

Conversar.

Que?

Conversar...

Para que?

Preciso de algo para ascender.

E no que um diálogo pode ajudá-lo?

Preciso só de informação... Já sei aonde chegar!

Vamos logo para meu leito!

Você é dona daqui?

Sim, Efroteda a seu dispor, de quatro se precisar, porém com

extra.

Podemos conversar?

Quer mesmo isso?

Acho que sim...

Certeza?

Não sei nada que seja melhor...

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 208 / 263

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Vamos para o meu leito... É melhor.

Não quero isso! Você não me ouve? Vamos conversar.

A traz até o lugar para o diálogo.

Senta-se.

Ela mantém-se em pé por um momento,

Então aproximá-se de Linih,

Tenta sentar em seu colo,

Este a coloca de lado sutilmente

E inicia:

Posso conseguir algo com você?

Claro!

O que?

Minha bainha...

Não é isto que quero...

Vamos logo!

...Quero ascender!

...

Pode me ajudar, me levar a algum lugar?

Estou excitada.

Qualquer coisa...

(Coloca o dedo dentro da boca e o lambe lentamente).

Você está me ouvindo?

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 209 / 263

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Hu-rum, oh, hummm.

Pare, por favor! Falaram-me que você poderia me levar a

ascensão!

Hu! Hu! Na cama posso levantar qualquer homem!

Não é isto! Qual seu problema?

Ahhh! Ai, a cadeira serve se preferir!

Silêncio linihesco.

Gemidos Afrodisíacos.

Observa aquela bela donzela,

Que se contorce em libido.

É bela, é sim muito bela.

Mas?

Mais?

0

Linih seleciona o dejeto,

faz emergir um catarro cor-de-fada,

(verde) e lançá-o à bela donzela,

e este segue a percurso perfeito

até atingi-la em cheio em sua face.

Este, lentamente, escorre pelo corpo da vítima.

E, como um ácido, dissolve a pele,

Deixando, somente, os ossos intactos.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 210 / 263

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E Linih observa,

Inquieto.

Espera todo o catarro destruí-la,

Cada parte de seu antigo perfeito corpo.

Linih observa.

Inquieto.

Era horrenda agora.

Ó como era feia... Doíam-lhe as vísceras.

Linih observa.

Concluindo:

É a pessoa mais horrível que eu já conheci em minha vida.

Apesar do choque,

Permanece até o fim.

Recolhe os seus ossos.

Tão semelhantes a ossos de pombos...

Tão semelhantes...

Tão iguais.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 211 / 263

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Decepcionado,

(Mas sem gritar,

Não iria mais gritar ao queimar-se.)

Enterra os restos a seis palmos do solo,

E se esvai.

E quando estas a partir,

(Cabisbaixo, diga-se agora)

Já até imaginas a comunhão com o vento,

Porém é interrompido,

Uma garota imponente toca-lhe as costas,

Vestia-se com luxo,

Apesar de não ter a beleza perfeita da outra.

Sussurra aos seus ouvidos:

Venha cá.

E parte em direção oposta a da entrada, sempre puxando

Linih pelo braço.

Atravessam corredores até pararem bastante longe.

Solta-o e atravessa um balcão

Em uma sala de muitos armários.

Um momento.

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Vira-se para Linih:

Desejas algo?

Não acho que poderás me ajudar...

Sim sim! Claro que poderei, só dependerá de você!

Quem és?

Thaena.

Sabes o que quero?

Não, mas terei o que quiser.

Como sabes?

Eu tenho tudo.

Eu quero ascender! Preciso de tinta verde.

Um momento.

Esquiva-se da visão

E imediatamente retorna:

Aqui está. Proves se quiser.

Sim sim.

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Pequenino pote,

Viscoso líquido contido.

Odor plástico.

Despeja sobre a pele.

Somente um pouco.

Sente-se isolado.

Cessa a respiração cutânea.

Abafa-se a vida.

Não é isto que preciso...

Não? Quer outro marca?

Preciso de algo que me deixe livre, não que me prenda mais.

Que tal outro modelo?

Acho que não vai servir...

O que precisas? Diga, tenho tudo!

Ajuda, informação... Já sei aonde chegar, falta como.

Informação-ajuda? Isso eu não vendo...

Não? Nem se eu pagar bem?

Hummm... Quanto?

Posso te dar os ossos da Efroteda.

Para que eu desejaria isto?

Deve valer bem...

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Não, meu bem, Efroteda nada vale... Estou em sua casa para

aumentar a clientela, mas, ela, não tem valor algum...

Nem tenho como lhe pagar então...

Ah... Estou a perder meu tempo...

Thaena

Guarda o pote,

Com desprezo encara Linih,

Forçando-o com o olhar, a partida.

Linih

Abaixa a cabeça.

Aceita o comando.

Parte.

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Vagarosamente saí do recinto.

Onde poderia, agora, buscar sua auto-suficiência?

Como faria?

Não tinha nem idéia de como...

Nem sequer estava disposto ao fracasso.

Morreria quantas vezes fosse necessário.

Mas seria suficiente?

Receio.

Receia.

(Re-ceia?

Ba-a.)

E (com isso)

A porta da casa se abre para Linih.

(Linih espanta-se.)

E este

Ao cruzá-la ouve um chamado.

Era Tecaeh em sua longa fúnebre túnica negra:

Sei como fazer para fazê-lo se ajudar. Siga-me, mas sem

seguir meus passos.

Nihil, uma Epopéia – Canto V – 216 / 263

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Canto VI

Deus ex machina?

deus ex machina?

Deus ex machina?

DEUS ex machina?

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 217 / 263

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Bah!

O que realmente importa?

Na real? Algo destes traços importa?

Não será somente sujeira?

(Não... Ainda nem isso o são...

Ainda são e-.

Girando em torno de um núcleo.)

Sim.

Sujeira...

Nojo! E Asco! Sinto eu já!

Sim não minto!

(Nunca!

Hahahahah)

Nunca!

[Negação eTerna]!)

As baratas e os rastejantes aproximam-se enquanto

desperdiças tempo...

Lembre-se:

Os vermes rondam a sua vida.

Su Vita.

A espera do tropeço inoportuno.

(Tanto se assemelha...

Seria o mesmo?

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 218 / 263

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Si i i i i i mmmm

[Afirmação eTerna]!)

=*

Queres uma verdade?

Queres um cristo (um cisto?) para ser uma finalidade?

Para ter Alguma finalidade?

Queres justificar seu medo, ódio e intolerância?

Ok Ok Ok!

Criarei um ismo somente (e exclusivamente) para você:

(Sinta já o medo.

O ódio

E o preconceito...)

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 219 / 263

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Arcaísmo!

Eis meu ísmo!

Declaro já,

só se for agora,

Guerra contra meus antigos inimigos de sempre.

Sim!

Possuo a verdade, e

Justifico-me com meu ismo:

Arcaísmo!

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 220 / 263

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O que estas a falar Linih? O que? Desista dos ismos... Desista

e siga-me... Mas lembre-se, sem nunca seguir meus passos.

Ajudá-lo-ei mas nunca darei sequer um tiro para você, ou,

nem mesmo em você.

Arcaísmo.

Arcadismo?

Não. Arcaísmo!

Modernoísmo futurístico?

Não. Arcaísmo!

Teismo?

Não! Arcaísmo!

Arcaico?

Sim... Criação natimorta. Criador natimorto.

Hum.

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 221 / 263

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Ao longe,

Linih tinha sua voz minguada

Pela distância.

O som andava em círculos,

Ao acompanhá-lo.

Caminho labiríntico, Linih seguia.

Sempre a ver Tecaeh ao longe,

Mas sem nunca aproximar-se.

Os diálogos tendiam ao limite.

As perturbações recebidas diferiam das desejadas.

Contudo,

Ela já era acostumada,

E não se importava.

Pois, tinha já a consciência,

De que fora sempre assim.

O infinito sempre o separara...

(Lembra-se de Polloa?

Não? E de sua polloa?)

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 222 / 263

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Aonde vamos?

Não vamos.

(Sarcasticamente;)

Faltará o espaço real?

Sim.

No surprise at all...

Só confirmação do esperado.

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 223 / 263

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Entram pelos fundos da casa de Efrodita.

No silêncio da escuridão.

Sem temerem.

Sem nem mesmo um involuntário movimento.

E no nada,

Linih sente a expressão facial de Tecaeh.

Nítida.

Mítica.

E fica a espera do inesperado,

A relembrar cada palavra proferida pela bruxa no futuro

próximo,

Que começa:

Vamos, agora, para o fim.

Por favor, estou cansado. Mentalmente fatigado.

O que ainda lhe aborrece? Sei não está completamente

pronto.

Sim verdade, sem ter razão... A pedra em meu caminho é

que ainda carrego o peso do mundo em meus ombros, e ele

não pesa menos do que eu posso agüentar.

Abandone-o agora mesmo! A lixeira mais próxima está muito

distante... Ninguém irá ver... (Ou mesmo, se importar.)

Tentarei! Tentarei! Mas não agora, ainda não, por favor...

Quem sempre tem a razão é você, já lhe disse isto!

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Mas ainda necessito de mais uma ultima coisa antes de partir,

somente mais uma ultima informação.

Estou aqui somente para te ouvir.

O que faço comigo? O que faço comigo dentro deste mundo

que será, futuramente, abandonado?

Hum, isto quem decidi é você... Não sei direito, nem mesmo

posso deixar mais claro.

O que fizera você nesta situação?

Não sigas meu caminho!

Ok ok! Mas necessito de base, algo para refletir sobre!

Linih, eu não fiz esta escolha, nunca cheguei ao final, morri

louca antes, esta é a verdade por trás de minha túnica

fúnebre.

Não podes mais ajudar-me?

Não.

Breve silêncio.

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Nem mesmo se eu quisesse... Posso somente leva-lo até

aqui, Linih.

Então chegou a hora de me despedir?

Sim.

Andar sozinho?

Sim.

Pelo meu próprio caminho?

Sim, como sempre fizeste.

Sentirás algo positivo por mim no começo?

Não. Meu momento já se fora.

E no fim?

Não, seu momento também irá.

Serei sua continuação?

Não, serás minha negação.

Tens certeza?

Sim, você proclamou o novo no Arcaísmo.

Sentirás algo negativo por mim no começo?

Não. Meu momento já se fora. Fora para nunca mais retornar.

Tens certeza?

Não. Talvez ele nunca fora, pois nunca veio.

Triste...

Também não, nem um pouco.

Não? Eu me sinto triste!

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Sigas em lado, isso passará depois do ritual.

Tchau.

E vem.

Do escuro silêncio se faz a luz que brilha intensamente ao

redor de Tecaeh:

Aqui o que você primeiro precisa entender.

Vamos iniciar o diálogo. Reiniciar o antigo diálogo.

Polloa - Imagine a seguinte alegoria: Um homem sem

serventia alguma para a comunidade e para si mesmo,

consumido até o âmago por ressentimento e amarguras, não

sente nada pela existência que não seja asco. Incapaz de

compreendê-la, incapaz de compreender-se. Incapaz de

absorver a energia radiante da vida, incapaz de dançar,

incapaz de criar, desabando progressivamente em ciúme e

sentimento vil.

Linih - Imagino tudo isso.

Polloa - Supõe ainda que esse ser não possui forças para

isolar-se, e vê-se então obrigado a viver junto com outros.

Outros que vivem, outros que dançam, outros que criam.

Linih - Singular individuo!

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Polloa - Pois é uma boa imagem. Mas, conte-me: desta

maneira tal criatura poderia viver em harmonia?

Linih - Não, uma vez que inveja tudo que floresce.

Polloa - E poderia ele aceitar tal condição?

Linih - Não.

Polloa - Ora, sendo este verme rastejante nada mais, seria

possível ele supor uma outra existência na qual ele fosse algo

mais?

Linih - Sem dúvida.

Polloa - E, se, ele pensasse que este mundo é algo inferior,

enquanto o outro é algo perfeito, estaria de acordo com um

degenerado?

Linih - Claro que sim.

Polloa - Em suma, crer que nada é real, fora o seu "outro"

mundo.

Linih - Necessariamente.

Polloa - Vejamos agora o que aconteceria se esse vil tentasse

de imediato achar sua "existência" alternativa. De diversas

maneiras procuraria forma de atingi-la, especularia meios,

faria força com sua atrofiada mente, sem, ao fim, encontrar

seu mundo, porém a dificuldade da busca seria um motivo

para aumentar a crença na importância dessa.

Linih - Sem dúvida nenhuma.

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Polloa - Obrigado a ver a realidade da sua impotência e

inferioridade, não desviaria os olhos para o seu mundinho tão

belo e querido?

Linih - Certamente.

Polloa - E se fosse forçado a voltar ao mundo real, habitado

por outros a voar tão acima de sua cabeça, e visão, este não

teria ainda mais necessidade de ilusão?

Linih - A principio teria.

Polloa - Com o tempo, se distanciaria cada vez mais do

mundo no qual ele nada é, e adentraria proporcionalmente no

seu mundo, no qual sua vida é perfeita, a realidade perderia

sua cor, enquanto o seu mundo brilharia intensamente dentro

de seu íntimo.

Linih - Não há dúvida.

Polloa - O próximo passo seria inverter os mundos, chamaria

o seu de real, e o real de imaginário.

Linih - Fora de dúvida.

Polloa - Refletiria sobre o seu mundo, tentando preencher o

vazio, faria regras arbitrárias sem fundamentos, com a única

razão de serem de sua preferência.

Linih - É claro que gradualmente teceria tudo isso.

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Polloa - Recordando, então, dos outros seres do mundo, o

qual agora ele chama de falso, não sentiria orgulho de

parecer, e pensar, estar acima deles?

Linih - Evidentemente.

Polloa - E não teria preferência por esse nunca mais retornar

ao mundo junto dos outros de sua comunidade?

Linih - Não há dúvida de que suportaria toda a espécie de

sofrimentos de preferência à viver da maneira antiga.

Polloa - Mas, se por um momento, este homem, como se

sentisse o prelúdio da própria falácia, espalhasse a idéia de

um outro mundo, não seria por receio da própria mentira?

Linih - Certamente.

Polloa - Fazer com que os outros acreditassem no que nem

mesmo ele tinha como comprovar não faria com que sua

crença, e também seu viver no mundo deles, ganhasse força?

Não poderia ele fingir que também sabia dançar, que era

também um condor a voar? E assim, as ovelhas, os vermes, e

todos outros degenerados não acreditariam nele?

Linih - Por certo que o fariam.

Polloa - Pois agora, meu caro Linih, é só aplicar com toda a

exatidão esta imagem da ilusão a tudo o que conhecemos

como outro mundo, paraíso, nirvana... A decomposição da

realidade, realizada por um asqueroso fungo, alimentando-se

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 230 / 263

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de ressentimentos, ódio e podridão. Incapaz de compreender

ou aceitar a altivez de outrem. Não existe metafísica que

passe disso: ódio à realidade física. Todo imperativo, toda

alma, todo deus, toda ética, todo duende, toda verdade

absoluta, alethéia; e sobre tais, por isso mesmo, cumpre ter

olhar perspicaz, e intestino forte.

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 231 / 263

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Preciso primeiro saber uma coisa polloa.

Tecaeh por favor.

Sim, desculpe-me.

Não.

Ok.

Sem problemas.

Estou me sentindo estranho, muito estranho, bizarro até...

Hummm... Que coisa estranha... Muito estranha... Bizarra

até...

Ainda não sei uma coisa essencial.

Faça então a primeira pergunta.

Estou a me lembrar dela: Como farei para me alimentar?

Não entendi o sentido da pergunta.

Como farei para me alimentar sozinho?

Faça seu próprio alimento.

Como?

Fotossíntese, seja seu próprio alimento.

Já tentei, não consigo! Preciso de clorofila verde.

Sim sim, precisas.

E como que eu consigo?

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Tecaeh escancara os olhos.

Vira-os lentamente para o alto.

Linih os sente.

Linih sente sua visão.

Penetra-lhe o íntimo.

O nada de seu íntimo

O nada de seu ser

De seu âmago

O nada de seu nome.

(O nada sentir. O não sentir.)

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Você nunca conseguirá. Você sempre teve tudo o que

precisou. Vire para si mesmo. Feche os olhos. Abra os olhos

de dentro. A falta está para ser sentida. Você disso sabe.

Disso saberá. (Sempre soube). Não tenha medo! Não há

motivo! Não. Imagine-se verde e seja então verde, tudo o que

necessitas tudo, pois, sempre foi o que quer. Tenha coragem.

Somente coragem. Nada mais precisa Linih. Nihil. Hoje é seu

dia. Se assim você quiser. Pois toda tinta verde (metálica)

para nada serve, você tem todo verde que precisa contigo. Eu

nada tenho para ensinar-lhe.

Não?

Não tenho. Nem no passado nem no futuro. Nunca terei. Você

nada tem também para aprender, nem mesmo com você

mesmo. Cuspa, sorria, e siga em frente, ou em qualquer outra

direção.

Parte sem mais palavras.

Abandona.

E parte.

Aparte.

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Na distância.

(À distância)

Lança-se em combate.

Contra Linih (Contra si).

E perde.

Despedaçando-se em milhares de pedaços.

Porém em nenhum.

Em nenhum fora capaz de encontrar Linih.

Nenhum mantinha a unidade.

A persona Linih.

A persona Linih faltava.

Em algum lugar poderia estar

(Poderia?)

Mas ali não estava.

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 235 / 263

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Linih entende.

Compreende antes de se recompor.

Volta a (não) ser Linih.

E se vê sem dor.

Sem lágrimas.

Sentindo-se esquisito sim.

Uma sensação nova.

A qual cinqüenta por cento nunca iria sentir.

Sangrava.

E ele persistia.

Pois a pouco.

A pouco percebeu que em sua mão estava a clorofila.

Um pouco de clorofila.

Pouco que precisa.

Sem sobra ou corpo de fundo.

Helofila?

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 236 / 263

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E ali mesmo,

Em meio ao sangue

E a clorofila,

Prepara um novo ritual.

Era hora.

Finalmente, era hora.

(Que hora?

Meio dia.

O raiar de um novo dia.

Um novo dia sem sol.

Com um novo sol.)

E os raios dissolvem toda a neblina.

Nada mais obscurecia sua visão.

Nada mais o protegia.

E ele sorria,

Pois, estava vulnerável a todos,

E todos estavam vulneráveis a ele.

Sorria.

Com o sangue e a clorofila.

Venha! Venha a mim! Estou à espera e não mais esperarei!

Pois não mais temo! Nada mais! Eu lhe convoco! Sim! Caso

não atendas o chamado! Eu, EU lhe invoco!

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 237 / 263

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E o atroz castiçal surge cabisbaixo.

Estava tão belo.

Tão pequenino.

Subjugado pelo meu poder.

Não focava Linih.

Agora sentia vergonha.

Linih era tão alto,

Tão atroz,

E sorria,

Sorria de forma pavorosa,

Com o sangue e a clorofila.

6

Vapores sulfúricos sobem,

Para durarem não mais de um momento.

Pois dissolvidos são,

Pelo meio dia Linihesco.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 238 / 263

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O frio tenta subir-lhe a espinha.

Mas,

Sem pensar,

Arranca sua espinha e longe a joga.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

E as velas queimavam tímidas.

De Linih, não absorviam o calor.

Este não sentia frio.

Era todo calor de seu meio dia.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

Mesmo sem saber exatamente o que fazer.

Faria exatamente o que deveria fazer.

Pois criaria o seu próprio “deveria”.

Em seu caminho não iria perder-se.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 239 / 263

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Dançava com sangue e clorofila

Dançava sobre eles.

Sem tremer, sem temer.

Era todo movimento.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

Já começa a pronunciar os versos cantados

da Vitória.

Pois dessa já tinha a certeza irracional.

A mais profunda irracional certeza intuitiva.

Nada o deteria agora.

Era sua hora!

“We don’t need no education

We don’t need no thought control

No dark sarcasm in the classroom

Hey teacher! Leave the kids alone!”

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Agarra o castiçal triplo.

Com tanta falta de convicção,

Que este se aquieta tremendo.

Tremendo sob o noitecer linihesco do meio-dia.

O encara.

Sem ajuda.

Assopra-o.

Sem ajuda e sem grunhidos.

O castiçal é aceso.

Triplamente aceso.

(Sem opção.)

Sem suor.

Sem dor.

Sem resistência.

Sente orgulho.

Tão somente,

Orgulho.

(Orgulho de estar)

Nihil, uma Epopéia – Canto VI – 241 / 263

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Levanta o castiçal,

A altura de sua boca,

E o traga.

O absorve.

Sente-o entrando em seu âmago.

E seus reflexos diminuem,

Enquanto o castiçal diminui,

Diminui ainda mais sob seu poder.

Era todo vento.

Todo ar.

Leveza.

Levita em volta de sua própria criação,

De suas próprias percepções.

(Era Isso a “Realidade”?

Ou era somente mais uma realIdade?)

Girava sem foco.

Imóvel.

Atento a cada borrão.

Sentia.

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Enraíza-se.

Porém sem estabelecer um lócus.

Sem nenhum habitat.

Poderia em qualquer lugar,

Em qualquer lugar,

Estar.

(Estar,

Estar nunca ser.)

Vegeta.

E levanta o castiçal,

Sem sentir seu peso,

Sem sentir peso algum,

Ele não existia.

Não havia suor

Ou atrito ou,

Sequer,

Resistência.

Já flamejava.

(ambos).

E sem ter dignidade para olhá-lo

Sua coragem superava qualquer imaterialidade.

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Sem pressa,

Sem expectativa,

Sem esperança,

Sem vontade,

Sem convicção,

Inicia:

Primeiro;

Queima seus galhos superiores com a primeira chama do

castiçal.

Segundo;

Queima seu tronco com a segunda chama do castiçal.

Terceiro;

Queima suas raízes com a terceira chama do castiçal.

Quarto:

Queima seus vermes com a quarta chama do castiçal.

E nada sente.

Nenhum ressentimento.

Nenhum arrependimento.

Orgulho.

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Agora eu posso.

Venha!

Venham a mim todos os deuses.

Sim!

Posso todas as mentiras encarar.

Posso cuspir minhas vísceras!

Estou em chamas!

O meu “eu” em chamas,

Eternamente em chamas.

“Eternamente” em chamas.

Inicia a dança da vitória.

As chamas são suas parceiras,

(Enquanto o castiçal mingua.)

Pois dança,

Agora,

Sozinho,

E indiferente.

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Com a maior pirueta,

Interrompe a dança,

Pois ouve um grito desesperado,

Um verme remanescente,

Um sobrevivente,

Porém tão pequenino,

Tão insignificante...

(“Ignoro-o pelo princípio da insignificância!”)

Salta para longe,

Temendo a sua extinção,

A sua insignificância.

Torpe-se;

Catarra;

Lambe-se;

Arrota um destino não realizado,

O seu ser.

Uma falha.

Em erro humano.

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A chama aproxima-se a fim de cumprir seu intento.

Cercando-o dançando.

Assusta-o ainda mais.

Pois este não sabe dançar...

O tremor visível é por qualquer um.

(qualquer)

O medo em seu veneno.

O suor em suas presas.

Seu corpo desossado gemia,

O nojo respondia.

Cospe de seu veneno.

Um ato de pavor,

Um último ato,

Um último esforço,

Um último canto:

SSSSSSSSsssssss.

(TRTrTRtRtrtrtrtr)

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A chama é atingida,

Porém não ferida,

Nem mesmo sente,

As trevas do veneno.

Nem mesmo o percebe.

(Está tão acima

De baixas importâncias.

Eis a gran chama!)

Chhhhhhh

E o veneno evapora,

Sem mudar de estado...

Deixa de existir.

Chhhhhhh

O veneno desintegra-se.

A chama,

Como se estivesse sorrindo,

Ergue-se acima do céu sobre o verme.

A chama,

Como se soubesse que é sua vez,

Avança, atacando o verme.

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Porém,

Nada ocorre.

O verme não pode ser queimado...

Não pode nunca ser queimado...

Seus esporos lentamente secam a chama,

E ela nada pode fazer sozinha...

Uma nojenta risada lambe o ar.

Linih volta a si,

Surpreso,

O que era aquele verme?

Respondia boquiaberto.

A chama sua estava a ser apagada...

Não poderia ceder agora...

Não agora...

Não!

Estava tão perto.

De entender.

E entende.

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Levita até o local do conflito intimo.

Observa por um momento ambos.

Verme e Chama.

A chama instável mostra-se.

Não se mostra.

Mudava-se incessantemente.

Suas brasas ardiam sonoramente:

“Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante.

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante,

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Eu quero dizer

O oposto do que eu disse antes.

Eu prefiro ser

Essa metamorfose ambulante.”

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O verme estável mostra-se.

E agora que podia admirá-lo,

Enojava-se.

Seu intestino apertava-se,

Lembrava de quanto tempo aquilo passara lá.

E continuara igual desde então...

Com única diferença de,

Agora,

Estar visível.

Agora,

Seu silêncio era audível.

E decide.

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Socorre a chama.

Coloca-a de lado.

E encara o verme:

Não mais o temo. Parta daqui para nunca mais voltar, pois,

compreenda: meu intestino nunca mais ira parasitar.

Hum. Huahauhaha! Desista, pois depois será tarde para

ARREPENDIMENTOS.

Nunca me arrependerei mais! Não perderei mais tempo com o

passado inexistente! Verme. verme.

O verme gira a cabeça desaprovando as palavras.

Mostra suas presas como resposta.

Prepara o bote.

(E o veneno)

E inicia um canto próprio:

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“Here I Am

I Am Lying In Your Womb

I Am Your Child

An Unwanted Child

I Do Not Care About Anything Else But Me

And You Think About Killing Me

Forget About That

I Will Be With You

For The Rest Of Your Miserable Days

Ha Ha Ha”

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Volta a dançar sozinho.

Ignorando cada palavra sistematicamente.

Cada palavra cuspida pela verme.

Sente-se forte (quase o suficiente...):

Não! Não voltarás nunca!

Sim... Ssssim! Não importa o que dizes! Não importa o que

queres! Alguém me enfiará em ti novamente! Disso tenha

certeza a mais absoluta certeza! Tu podes pensar que és forte

o bastante... Mas não vives sozinho...

Engana-te, já sou capaz de meu próprio alimento produzir,

algo bem mais puro que teus pútridos excrementos!

Talvez, talvez... Mas nem todos que te rodeiam são capazes...

E por eles voltarei a ti. Nada podes fazer! Nada!

Não...

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Uma janela.

Ausência do ferro da grade forma retângulos.

(com ângulos retos)

Uma janela com grade.

Todo ferro é tingido de um profundo azul.

(Uma cela)

Uma paisagem.

Ao longe, muito longe, inalcançável.

(Não importa o quanto)

O branco céu.

O qual é escondido e tingido de azul.

(Um profundo azul)

Uma vida que foi (e sempre será) sem nunca ser.

Um rosto ainda úmido.

Lágrimas escorrem por trás da lente divergente.

Um mundo virtual insano.

Um mundo (real?) existente.

Uma vida que carece de falta-de-sentido.

Uma completude desconexa.

Heloréxico. (Ilusão...)

Sim.

Sim para todo não.

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Não para todo.

Seu pai regurgita sempre os vermes.

E o fez engolir.

Sua inconsciência pouco sabe das conseqüências,

Porém sua consciência sabe...

Sabe e as (o) odeia.

Enquanto ali estiver,

Sempre estará atrás.

Enquanto ali viver,

Sempre terá seu abafado ar.

Enquanto ali morrer,

Sempre será limitado.

Enquanto ali estiver,

Nunca será ouvido.

Enquanto ali viver,

Nunca poderá vomitar.

Enquanto ali morrer,

Nunca fugirá.

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E a grade lentamente aumenta.

E a grade lentamente aumenta.

E a grade lentamente tira sua visão.

E a grade lentamente tira sua visão.

E a grade lentamente ressoa:

Idiota, idiota, idiota, idiota...

E insiste, (Ilusão...)

Até tornar-se verdade.

E insiste,

Até (a) verdade tornar.

E insiste,

Até ser aceita.

Até não houver outra opção...

Por mais longínqua que possa parecer

A mais longe de todas as ilhas

Brilha em eterno carinho (Ilusão...)

Pelo mais próximo dos icebergs

Mas a vida continua (Ilusão...)

Mesmo quando começam os pássaros a cantar

Dentro e fora de suas gaiolas.

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E isso são (ou já são horas)?

De se atingir (ainda a a)?

... Mas não desista!

Pois sempre há fuga!

para todas ilhas!

Elas não fogem,

Mas mentem,

Mas como mentem bem!

(Sim a troca é válida,

e como vale!

[Um momento por um câncer.])

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E a vida (Continua ou contínua)?

Ela existe?

A existência do abstrato?

O substantivo é encontrado no conjunto?

Nunca em si?

Nunca em si mesmo?

Será então...

Ilusão?

(Ilusão...)

(Volte ao chão!

Saia do teto!

Volte ao feto!

Saia cão!

Corra a a a)

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Existe?

Existe o inexistente?

Jogo léxico?

Sim... (Ilusão...)

Em vão!

Brincadeira vã.

Bah!

(Encontre o nada em algo!

Mostre-me linih!

Mostre-me! Linih!

[Onde estás?]

Estou sempre à espera crônica de nada.)

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Ssssssim. Agora compreendes? Demoraste? Chegaras tão

longe... Em vão! Para nada! À nada!Ssssssim Linih! Chegara

a hora de desistir! Pois estás derrotado... Tanto tempo

perdido... Tanta força gasta. Não existe nada fora de mim.

Ssssssim! Ssssssou tudo que podes pensar que sabes. Não

foge sozinho, nem tens companhia, e nunca terás! Tens sim

opção (Ilusão...)! Entre eu ou o fim, a morte (Ilusão...)! Isssto é

tudo o que podes escolher! Ssssei! É somente uma

imposição, não uma escolha (2/∞ = Ǿ ou 0?), mas te ilude!

Ordeno! Cumpre! Ordem! Compromisso! (Pasta! Come grama!

Agradece! Ajoelha! Chupa! Engole! Sorri! Mostra língua para

checagem! Sim! Perfeito! Agora dessscanssssaa! Sim! Muito

bom! Mas me cansei! Finge de morto.[Morre!] Cansei-me.)

Temos assim, hierarquia, e logo (inferimos diretamente que)

temos progresso. De forma retrógrada claro, progredimos com

aquilo que eu no (ilusão...) passado tinha como futuro do

progresso da humanidade. Sim chego ao universal pelo

pessoal, inferência válida? Claro! Não existem silogismos em

pensamentos claros! Nada de duendes ou doentes! Tudo é

antinatural, porém óbvio e prenunciado. E deseja mais? Para

que? Deseja, então, menos? Daí, entendo, estas doente. Vejo

em teus olhos, toda dor, pois são portas de sua pungente

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alma, sim tens uma. Presssssica ter, pois assim quero,

assssssim fazzz, assssim obedecesss!

Verme!

Ssssss! Eu? Na! Obssserve bem, quem rasssteja agora? Tu!

Rassstejas ssssob minha putrefação! Que de agora em

diante, até o termino de teus miseráveis sssegundosss,

chamarásss de paraíso. Ordeno! Cumpre! Não queressss

aceitar? Ssssss! Dogma! Quieto! Sim! Essstás aprendendo

direitinho. Cheguei a pensssar que essscolheria (ilusão...) a

morte, a tua (minha) morte. Oh! Lembrei-me, essscolha!

Hehehehe! Ssssss. Não a possui! Não a possuía! Nada tens.

Contenta-te! Aquieta-te! Seja humilde.

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Deus continua escondido atrás do arbusto de urtigas

Agora, tenho a mais fria certeza de que já estarei morto no dia

de minha morte... polloa já jaz morta em meu âmago.

Grande deus! Porque sou o que eu sou? (Por que não sou

vossa divindade?)

(Não há padrão nem mesmo nestes malditos parênteses!

MERDA DE PARENTESES [-SES, + S]! Onde irei me apoiar

para olhar a Epópeia DiTirâmbica? Em que muro?)

Música – Mortiis Parasite God

Egoteísta

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