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cermica utilitriaFundo Europeu de Desenvolvimento Regional

c u

normas de inventrio

cermica utilitriaarqueologia

TexTo

Maria das Dores Cruz Virglio Hiplito CorreiaCoordenao de edio

Instituto dos Museus e da Conservao Paulo Ferreira da CostaFoTograFia

Diviso de Documentao Fotogrfica Instituto dos Museus e da Conservao Maria das Dores Cruzdesenho

Catarina Quinteira (Digitalizao: Pedro Arago Barros) Maria das Dores CruzConCepo e exeCuo grFiCa

tvm designerspr-impresso e impresso

Cromotipo Instituto dos Museus e da Conservao. Todos os direitos reservados 1. edio, 2007 1000 exemplares ISBN n. 978-972-776-332-0 Depsito legal n. 263351/07

a p r e s e nTa o

Dando sequncia elaborao das Normas Gerais de Inventrio para Arqueologia, procede agora o Instituto dos Museus e da Conservao publicao do Caderno para a categoria de Cermica Utilitria, da responsabilidade do Museu Monogrfico de Conmbriga e resultado do aturado trabalho de Maria das Dores Cruz e de Virglio Correia, Director do Museu, a quem, desde j, expresso o meu sincero agradecimento. A importncia do presente Caderno decorre, em primeiro lugar, do seu prprio objecto, correspondente a uma vastssima rea das coleces arqueolgicas portuguesas, bem como a uma grande profundidade temporal relativa produo, circulao e utilizao de materiais cermicos, ao longo da qual possvel referenciar em territrio nacional sociedades e culturas to distintas entre si e que, contudo, conhecem nas suas produes cermicas um denominador comum, independentemente da diversidade de solues tecnolgicas adoptada por cada uma. Planificado desde o primeiro momento a partir de uma perspectiva de inventrio desta tipologia de bens no restrita ao Programa Matriz: Inventrio e Gesto de Coleces Museolgicas, este Caderno deve ser entendido, tal como os demais volumes desta Coleco, como destinando-se no apenas aos utilizadores daquele Programa, mas a todos aqueles que utilizam bases de dados concebidas para o inventrio de bens culturais mveis. De notar, alis, que a utilidade do presente Caderno poder inclusivamente estender-se a profissionais que no estritamente da rea da Arqueologia, dada a amplitude de universos, mtodos e tcnicas adoptadas a partir da perspectiva etnoarqueolgica do trabalho da Doutora Maria das Dores Cruz.

apresentao

De igual modo, identificam-se de entre os seus destinatrios preferenciais no apenas os inventariantes propriamente ditos, mas todos os agentes de produo de conhecimento sobre estas coleces, tais como arquelogos e diversos profissionais de museus, em particular nas reas do estudo/investigao e da conservao. Tratando-se, pois, de um manual prtico de enorme utilidade, quer para fins de inventrio quer para fins de identificao e registo sumrio de materiais cermicos em contexto de escavao, aqui deixo expresso enfim o meu desejo de que idnticos instrumentos de sntese, com abordagens em idntico grau de profundidade ao do presente Caderno, possam a partir de agora ser desenvolvidos para demais tipologias arqueolgicas com ampla representatividade nas coleces portuguesas.

Manuel Bairro oleiroDirector do Instituto dos Museus e da Conservao

s i g l a s u T i l i z a da sCA-UL Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa CEACO Centro de Estudos Arqueolgicos do Concelho de Oeiras CMC Cmara Municipal de Cascais FC-UP Faculdade de Cincias da Universidade do Porto (Fundo: Instituto de Antropologia Prof. Mendes Corra) FMBCP/NARC Fundao Millennium BCP / Ncleo Arqueolgico IPPAR-DRE Direcco Regional de vora do IPPAR IA-FL-UC Instituto de Arqueologia (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra) MA/SMS Museu Arqueolgico da Sociedade Martins Sarmento MC/CML Museu da Cidade da Cmara Municipal de Lisboa MM Museu de Mrtola MMAS Museu Municipal de Arqueologia de Silves MMB Museu Municipal de Baio MMC Museu Monogrfico de Conmbriga MMDSR Museu Municipal Dr. Santos Rocha MMS Museu Municipal de Sesimbra MNA Museu Nacional de Arqueologia MRADDS Museu Regional de Arqueologia Dom Diogo de Sousa SMAJA Sala/Museu de Arqueologia Jos Adelino (Canas de Senhorim)

l e g e n da s da s i m ag e n sNa ilustrao do Caderno relativo a Cermica Utilitria privilegiou-se o uso de peas anteriormente apresentadas em exposies promovidas pelo Museu Nacional de Arqueologia, quer se trate de peas pertencentes a Museus dependentes do Instituto dos Museus e da Conservao, quer pertencentes a outras instituies, s quais desde j agradecemos a colaborao na publicao das imagens. Para os fins especficos do presente Caderno, as legendas das peas constituem verses simplificadas, e eventualmente actualizadas, das descries e/ou legendas publicadas nos catlogos onde foram inicialmente apresentadas, remetendo-se sempre para o texto original de descrio. Optou-se aqui por uma legenda pormenorizada como forma de exemplificar uma descrio de artefactos cermicos especficos.

inTroduo Fa s e s p r v i a s ao i n v e nT r i o : r eC o l h a , e sT u d o e C l a s s i F i C a oRecolha PRocedimentos elementaRes de conseRvao seleco maRcao Registo aRmazenamento

11 1

1 1 17 18 19 20 21 21 22 30 34 37 2 8

T Cn iC a s d e p r o d u oFabRico de ReciPientes ceRmicos

aquisio de matrias-primas e utenslios de fabrico tcnicas de manufactura tcnicas de tratamento de superfcies decorao cozedura no m e nCl aTu r a , F o r m a s e pa r T e s d o s r e Ci p i e nT e sPaRtes do ReciPiente

8 9 2 4 7 7 74 74 7 7

terminologia das partes constituintes dos recipientesmoRFologia dos ReciPientes

FormaFoRma e oRientao do boRdo denominao

denominaes gerais denominaes especficas m a rCa s e in s C r i e smaRcas de FabRico inscRies gRaFitos

vesTgios de uso a n l i s e s d e C e r m i C asceRmicas e datao caRacteRizao da manuFactuRa anlises de PRovenincia

7 80 81 82 84 8 87 89 89 91 92 92 93 93 97 98 100 104 104 10 10 10 109 113 11 11 117 117 128 129 132 147

g r u p o s C e r m iC o sneoltico antigo neoltico mdio e Final

megalitismo do sul megalitismo do norte estremadura beirascalcoltico

calcoltico da estremadura calcoltico do sudoeste calcoltico do norte de Portugalidade do bRonze

idade do bronze no sul idade do bronze na estremadura idade do bronze no norteidade do FeRRo

cermicas de tipo oriental cermicas de tradio local cermica gregaceRmicas Romanas

cermica campaniense cermica de paredes finas Terra Sigillatta nforas cermicas comuns romanas de mesa e cozinha glossrio B i B l i o g r a Fi a

i nTr o d u o

Na sequncia da publicao das Normas Gerais de Inventrio para a Super-Categoria de Arqueologia, considerou-se oportuno iniciar o desenvolvimento dos volumes de normas especficas nesta rea com a produo de um caderno para a Categoria de Cermica Utilitria, quer pela sua representatividade na generalidade dos Museus com coleces de arqueologia, quer pela relativa escassez de meios de apoio ao inventrio neste domnio especfico. A Categoria cermica utilitria tem, em larga medida, uma designao auto-explicativa, todavia impe-se delimitar o universo abrangido pelos nossos objectivos. Do ponto de vista tcnico, a designao de cermica exclui obviamente a porcelana, mas exclui tambm as produes vidradas abrangidas, em certas terminologias, pela designao genrica de faiana. Este facto, na prtica corrente da arqueologia e da museologia, constitui um corte cronolgico, situvel nos finais da Idade Mdia, a partir do qual a inventariao do material se far mais provavelmente no universo das artes decorativas ou fazendo recurso a normas de inventrio da emanadas. Contudo, entendeu fazer-se neste volume das Normas a abordagem somente at ao perodo Romano, ficando ausente uma faixa intermdia cujo inventrio recorrer a uma outra origem. Do ponto de vista funcional, fica excluda toda a produo de materiais de construo ou de acessrios industriais produzidos em cermica (pesos de tear ou rede, cossoiros, etc.) e tambm a produo em barro, seja ela de utilizao arquitectural, meramente votiva ou decorativa. Os materiais cermicos provenientes de escavaes compem-se maioritariamente por recipientes, geralmente reduzidos a fragmentos. Ocasionalmente so recuperados objectos cermicos com funes diferentes, por vezes mesmo resultantes do reaproveitamento de fragmentos de recipientes. o caso das chama-

introduo

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das fichas de jogo, pesos, pesos de tear, cossoiros, cadinhos e tampas. Os recipientes cermicos, sem dvida o tipo de artefactos mais usual e abundante em arqueologia, servem uma larga variedade de funes: podem ser utilizados como utenslios em actividades to diversas como cozinhar, armazenar, servir; podem ter funes rituais, podem ser urnas funerrias ou objectos de prestgio. E assim tem sido durante milhares de anos: desde que os seres humanos comearam a passar de modos de vida nmada, tornando-se sedentrios, os recipientes cermicos tornaram-se utenslios essenciais e ubquos. Mais frequentemente confinados a usos domsticos, os recipientes cermicos tm tido uma importncia central na vida domstica e de comunidades mais alargadas, com uma proliferao, ao longo do tempo, de formas, decoraes e estilos. A cermica adquiriu assim funcionalidades diferentes: tem tido primordialmente funes utilitrias, mas ao mesmo tempo um meio de expresso cultural e social. O potencial e a quase ubiquidade dos materiais cermicos em contextos arqueolgicos fez dos estudos cermicos uma das reas mais fascinantes, e mais debatidas, de entre os estudos arqueolgicos. As caractersticas tcnicas da cermica permitem a sua preservao sem grandes transformaes; a diversidade e a riqueza de informao recolhida tornou este material um dos preferidos para a anlise de problemticas de carcter social, econmico e simblico. Ao mesmo tempo, a sua anlise complexa, muitas vezes requerendo tcnicas especiais e longa prtica, o que torna os estudos cermicos demorados. A investigao de cermica arqueolgica tem sido pautada, ao longo do tempo, por preocupaes distintas. Sheppard (1974: 3) considerou que a histria dos estudos cermicos teve trs fases: 1) o estudo de recipientes inteiros vistos como objectos culturais, de arte; 2) o estudo de fragmentos cermicos com objectivos cronolgicos; 3) e o estudo da tecnologia de produo cermica. Ao longo dos anos, especialmente desde a dcada de 1950, o estudo das cermicas tem sofrido alteraes profundas, mas o seu papel como forma de datao, como vestgio de

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cermica utilitria

distribuio, relaes comerciais e sociais tem pautado algumas das problemticas centrais dos estudos cermicos, independentemente de os objectos serem recuperados directamente de escavaes ou de integrarem coleces museolgicas. A diversidade de problemas que podem ser estudados a partir da anlise de recipientes cermicos torna o registo minucioso e exacto deste tipo de objectos uma questo essencial para arquelogos e muselogos. Assim, um dos objectivos centrais do presente caderno de Normas precisamente fornecer indicaes bsicas para o tratamento e registo preciso de objectos cermicos arqueolgicos, quer se tratem de objectos provenientes de escavaes, quer de achados fortuitos. O registo minucioso essencial para a preservao de informao. Esta ser certamente usada por outros investigadores que no o inventariante, da a importncia de considerar um leque to alargado quanto possvel de informao. O aumento rpido de conjuntos cermicos, resultado da intensificao dos trabalhos arqueolgicos verificada nas ltimas dcadas, coloca algumas questes primordiais: 1) quanto aos modos de registo de grandes quantidades de material cermico que d entrada em museus e outras instituies; 2) quanto ao tipo de informao que ser essencial preservar; e 3) o tipo de informao que dever ser deixada para especialistas que, mais tarde ou mais cedo, iro estudar estes materiais de uma perspectiva acadmica. O presente caderno de Normas de Inventrio no pode ser entendido, nem deve ser utilizado, sem o enquadramento do caderno de Normas Gerais para Arqueologia, de que se constitui como complemento. Na hora de abordar os casos-limite, que inevitavelmente viro a ser identificados, a economia de meios na soluo, a consistncia na prtica do Museu (se possvel inspirando-se nas boas prticas de outros) e o rigor no tratamento da informao devero conduzir o inventariante na sua aco. O presente volume de normas foi desenvolvido de acordo com uma lgica directamente conduzida pela aproximao

introduo

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normal que o arquelogo faz a uma pea: em primeiro lugar o prprio mtodo de recolha, acto criador de um objecto arqueolgico, que sem ele continuaria a ser um elemento andino de composio de um sedimento; segundo, o processo de fabrico; logo a seguir a morfologia deliberadamente conferida ao objecto atravs desse processo que conduz, por ltimo, sua integrao num grupo definido pela sua geografia, cronologia, integrao cultural e utilidade. Esta lgica no necessariamente a mesma que o Programa Matriz, ou qualquer instrumento, informtico ou no, de inventrio museolgico, seguiria em princpio. O volume foi organizado tentando responder ao duplo desiderato de acompanhar uma abordagem analtica de uma pea cermica e como suporte directo do carregamento de uma base de dados. Contempla ainda uma sumria reviso dos principais grupos cermicos que ocorrem no Pas, julgada necessria como concluso da referida abordagem analtica e indispensvel a uma eficaz gesto de coleces, tendo-se estabelecido o perodo Romano como limite da abordagem. Estas normas foram pensadas para servirem de suporte ao desenvolvimento de uma actividade consistente de inventrio por parte do pessoal tcnico dos Museus, que lidaro com uma pluralidade de coleces, eventualmente tratadas sob diferentes pticas, e que aqui encontraro uma proposta de uniformizao terminolgica e metodolgica de base. Podero desejavelmente servir tambm de apoio a arquelogos que pretendam tratar o material das escavaes arqueolgicas sob a sua direco, para que o seu depsito e documentao nos Museus se faa de uma forma tanto quanto possvel transparente para os servios deste. Neste mesmo esprito, e ainda que desenvolvidas no mbito da experincia de utilizao do Matriz: Inventrio e Gesto de Coleces Museolgicas, espera-se que estas normas possam constituir-se como suporte digitalizao de coleces com recurso a softwares afins.

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cermica utilitria

Fa s e s p r v i a s a o i n v e n T r i o : reColha, esTudo e ClassiFiCao

O conhecimento do processo de recolha das peas deve permitir ao inventariante avaliar da qualidade do mesmo por forma a assegurar que aquela se espelha no inventrio e, em alguns casos, em acautelar eventuais deficincias quanto documentao das coleces. Trata-se, contudo, de uma situao ideal que nem sempre encontra correspondncia na realidade dos museus, designadamente aqueles cujo percurso histrico conheceu a incluso de muitos achados ocasionais nas coleces, ou ainda provenientes de recolhas antigas em que no se procedeu documentao do contexto das mesmas. Tal no dever acontecer, todavia, em coleces que incorporem achados recentes e acervos recolhidos em escavaes feitas segundo moldes cientficos. Nestes casos, o processo de recolha, documentado de forma detalhada nos registos de campo associados aos materiais, de importncia crucial para a compreenso do acervo; a preservao destes dados essencial e um factor de importncia equivalente preservao das prprias peas no mbito da gesto de uma coleco.

re Co l h a

As condies de jazida das cermicas arqueolgicas ditam de forma determinante a metodologia adequada sua recolha. A recolha de fragmentos cermicos depositados em estratos em posio no primria, o que constitui a maioria das situaes, no oferece dificuldades de monta. A recolha de fragmentos cermicos escavados em contextos no primrios (contextos de depsito secundrios, tais como lixeiras), o que na realidade constitui a maioria das situaes, no oferece dificuldades de monta. A recolha de fragmentos em sacos de plstico

fa s e s p r v i a s a o i n v e n t r i o : r e c o l h a , e s t u d o e c l a s s i f i c a o

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necessita apenas de cuidado no arejamento das embalagens at completa secagem dos materiais, e de assegurar que a leitura da etiquetagem no seja perturbada pela degradao do suporte ou da prpria marcao. Quando a escavao envolve contextos primrios (ou seja, contextos de uso dos objectos), ou outros onde seja necessrio proceder a um registo mais minucioso das condies de jazida, a recolha dos materiais v potenciado o perigo de deteriorao do registo, com a consequente perda de informao (no limite, retirando todo o valor cientfico do prprio material). Um registo de campo cuidado especialmente importante, pois pode ser determinante para a capacidade laboratorial de reconstituio das peas cermicas, sendo igualmente fundamental, como j vimos, para a constituio do corpus de informao a registar na ficha de inventrio das peas. Em certas condies, a recolha de material cermico requer o uso de tcnicas mais complexas; por exemplo, quando necessrio levantar em bloco uma pea fragmentada que se encontra in situ, ou seja, quando necessrio assegurar a integridade de uma pea fragilizada. Nestas situaes a recolha deve ser efectuada com a superviso de um profissional de conservao habilitado, devendo as condies e mtodos de recolha ser adequadamente registados, com vista integrao desta informao no registo de inventrio das peas.

p r o C e d i m e n To s e l e m e nTares de Conservao

A maioria das cermicas arqueolgicas poder ser simplesmente lavada em gua com uma pequena quantidade de detergente neutro ou de um tensioactivo, usando escovas de dureza adequada ao suporte. Todavia, esta apreciao, bem como qualquer interveno em material arqueolgico, deve, sempre que possvel, ser feita por um tcnico de conservao, a fim de evitar casos de peas

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inadvertidamente destrudas ou gravemente danificadas devido uma interveno no qualificada. Se a cermica for de boa qualidade, dos materiais mais estveis, no se alterando facilmente com mudanas de temperatura e humidade. Os procedimentos elementares, visando acautelar a sua conservao, consistem geralmente em extrair a sujidade, consolidar a pea e, eventualmente, preservar decorao policromtica, quando esta existir. A cermica bem cozida pode ser cuidadosamente limpa com uma escova macia, de modo a evitar que vestgios de uso, pintura e vidrado no sejam retirados. A secagem deve ser feita ao ar livre, ou com secador de mo quando se tratar de um nmero reduzido de peas e se deseja apressar o processo. Peas individuais e de interesse excepcional devero sempre ser restauradas por especialistas.

se l eC o

Normalmente, num conjunto qualquer de fragmentos cermicos com uma provenincia estratigrfica determinada (e tanto quanto possvel considerando todos os fragmentos de um mesmo contexto ou de contextos associveis), o primeiro passo consiste na identificao de fragmentos adjacentes ou pertencentes a um mesmo vaso e a sua colagem ou montagem por tcnicos de conservao e restauro habilitados. Os fragmentos devem ser marcados individualmente, independentemente do seu modo de armazenamento ou do registo, cadastro ou inventrio que deles for feito. Aps este momento, uma primeira fase de seleco dever incidir sobre fragmentos identificveis como partes significativas da morfologia do vaso (bordos, fundos, asas, fragmentos decorados, etc.). Fragmentos no-diagnsticos (isto , fragmentos lisos e sem forma) podem ser mantidos parte ou at, em certas situaes, no ser conservados, todavia impondo-se sempre o seu registo. O registo destes fragmentos no-diagnsticos pode

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ser feito por contagem e peso, tendo sempre o cuidado de os agrupar por mdia de tamanho (fragmentos com dimetro de 5 a 10 cm, de 2 a 5 cm, < 2 cm). Estes materiais devem ser objecto de registo museolgico ainda que, de acordo com o princpio proposto nas Normas Gerais de Inventrio para Arqueologia (vd. p. 23), seja porventura dispensvel (seno impossvel por demasiado extenso) o seu inventrio strictu sensu. Ao estudo e publicao de materiais cermicos impem ainda outras seleces de informao feitas de acordo com objectivos especficos de investigao (por exemplo, datao de contextos, sua caracterizao funcional e a anlise de fenmenos ps-deposicionais). Estes aspectos reflectem-se necessariamente na incorporao museolgica das peas e, em suma, no papel que elas vo representar numa determinada coleco. Sempre de acordo com o princpio geral proposto, estes dados devem reflectir-se no inventrio e muito em especial na abrangncia com que ele levado a cabo dentro dos conjuntos de peas, delimitados pela sua provenincia.

marCao

A marcao de artefactos cermicos (tanto recipientes completos como simples fragmentos) deve ser clara, facilmente localizvel, sem contudo prejudicar a possvel apresentao do objecto em contexto museolgico. Deve ainda incluir dados bsicos de provenincia, tais como stio arqueolgico, estratigrafia e data de recolha do objecto. Para fazer a marcao, deve pincelar-se primeiro uma camada mais ou menos rectangular de verniz incolor no local onde vai ser feita a inscrio. Depois de seco, marca-se com tinta-da-china branca ou preta, de modo a contrastar com a cor do objecto/fragmento, deixando-se secar para aplicar novamente uma camada de verniz incolor; o verniz pode ser substitudo por uma soluo de Paraloid B72 em percentagem adequada. A primeira camada

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cermica utilitria

de verniz tem como objectivo regularizar a superfcie e facilitar a escrita; por outro lado, impede que a tinta se infiltre na cermica, dado tratar-se de um material poroso. A segunda camada, colocada j sobre a marcao, serve para preservar a etiqueta. O verniz deve poder ser facilmente retirado com um solvente no agressivo (lcool ou acetona). A marcao de peas de cermicas arqueolgicas deve incluir a provenincia exacta das peas, de acordo com a informao recolhida pelos arquelogos. A marcao das peas inventariadas com o seu nmero deve fazer-se por este mesmo processo.

marcao. interior de uma taa em que cada fragmento foi marcado individualmente antes de se efectuar a colagem e reconstituio do recipiente makala Kataa, gana Foto: maria das dores cruz

re g i sTo

Em termos ideais, o inventrio de um fragmento ou de uma pea cermica dever ser o mais desenvolvido possvel, incluindo, alm das componentes de texto que integra a ficha de inventrio, representaes grficas do objecto, quer desenho, quer fotografia. Contudo, desenhar e/ou fotografar todos os artefactos de um stio arqueolgico manifestamente impossvel, dado os encargos financeiros, alm do volume de material que se iria gerar. Informao visual torna-se tambm redundante quando se est na presena de objectos que se enquadram em tipologias bem conhecidas. Dever, por isso, proceder-se a uma seleco das peas/fragmentos suficientemente importantes e tipologicamente significativas que suscitem um tratamento individual e a recolha de informao grfica. Assim, o registo fotogrfico poder ser dispensado na documentao de parte significativa de fragmentos, tal como se

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poder dispensar o recurso ao desenho quando os objectos se enquadrem em tipologias bem conhecidas e o desenho individual de uma pea se torna redundante por comparao com os tipos j determinados. Em casos limite, o prprio inventrio sumrio dos achados poder ser dispensado, podendo proceder-se apenas ao cadastro dos fragmentos. Cabe aos arquelogos responsveis pelo estudo da coleco a determinao da forma e extenso adequada do registo (cadastro ou inventrio desenvolvido), mas assegurando-se sempre a preservao e acesso a essa informao. No domnio do inventrio museolgico, estas decises tero de ser respeitadas ou, se julgadas insuficientes, poder o registo ser levado mais longe ou desenvolvido; todavia, o inventrio museolgico no pode nunca ser levado a cabo por defeito relativamente ao pr-existente (ainda que seja admissvel que parte dele possa ser registado por remisso bibliogrfica).

a r m a z e n a m e nTo

O armazenamento de grandes quantidades de cermicas, tratando-se na sua maioria de fragmentos, com algumas excepes de peas completas ou fragmentos suficientemente grandes para se poder proceder reconstituio de uma pea, deve efectuar-se em condies adequadas estabilidade fsica e de segurana dos objectos. O armazenamento pode ser feito em caixas de carto ou tabuleiros de plstico, de fcil transporte, mas tambm de fcil acesso. Os contentores de cermicas devem incluir sempre, de forma clara, a indicao da provenincia e informao que permita a associao dos conjuntos cermicos com a documentao de campo, assim como com o inventrio e/ou cadastro dos materiais, assegurando, a longo prazo, a possibilidade de reconstituio de contextos de achamento.

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cermica utilitria

T Cn iCa s d e p r o d u o

A tecnologia de produo cermica um dos temas mais frequentemente referidos tanto em arqueologia como em etnoarqueologia. Contudo, estudos de cermica no podem limitar-se a descries da manufactura; esta uma parte integrante do processo de produo que inclui outras facetas no-tcnicas. Paralelos etnogrficos so usados como base a partir da qual informao arqueolgica, sobretudo a de carcter tecnolgico, pode ser analisada e interpretada. Devemos ter contudo em mente que semelhana no uso de tcnicas no significa que populaes do passado e do presente sejam semelhantes em reas scio-econmicas ou culturais. Apesar do exemplo etnogrfico poder ser extraordinariamente eloquente quanto a procedimentos e dispositivos tcnicos, estamos face a sociedades diferentes, com prticas sociais e culturais distintas, separadas no tempo e no espao. Da que, em estudos de carcter terico, muitos arquelogos tm chamado a ateno para os perigos de extrapolaes e analogias directas.

FaB r i C o d e r eC i p i e n T e s C e r m i C o s

O fabrico de artefactos cermicos pode ser dividido em trs fases principais de actividades: 1) A aquisio de matrias-primas e utenslios de fabrico e preparao das argilas; 2) O fabrico dos objectos cermicos (incluindo a modelao, decorao e acabamento dos objectos); 3) Secagem e cozedura. Ser recorrendo a informao de carcter etnogrfico e observao de algumas caractersticas denotadas pelos materiais arqueolgicos que poderemos compreender qual ter sido o processo de manufactura das cermicas.

tcnicas de produo

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aquisio de matrias-primas e utenslios de fabrico matrias-primas

A argila (barro) resulta da decomposio de rochas feldspticas, abundantes na crosta terrestre. As argilas so classificadas em dois tipos: as primrias, formadas no prprio lugar de origem a partir da rocha-me, caracterizando-se por partculas de grande calibre; e as argilas secundrias ou sedimentares, transportadas para longe da rocha-me por aco da gua ou do vento. O alto grau de plasticidade caracterstico da maioria das argilas naturais tornou-se a maior vantagem tecnolgica para a produo de cermicas. As argilas so recolhidas em jazidas (ndoa em terminologia popular, ou barreiro). Argilas e outras matrias-primas envolvidas no processo de produo (pigmentos, vidrados e combustvel) podem ser obtidas directamente pelo oleiro e/ou pelos seus ajudantes a curta distncia do local de trabalho, ou podem ser obtidos e comercializados a longa distncia, dependendo das necessidades dos oleiros e dos gostos dos clientes. O mais frequente, sobretudo para sociedades de nvel tecnolgico e socio-econmico pouco complexos, como seria o caso de numerosas sociedades pr-histricas, obter-se a matria-prima a distncias relativamente curtas do local de manufactura, dado que o aumento da distncia resulta necessariamente num aumento do custo das matrias. Materiais especializados, necessrios em menores quantidades, eram transportados e comercializados a longa distncia com mais facilidade. O transporte das matrias-primas varia consideravelmente e dele depende igualmente a quantidade de matrias-primas transportadas. A proximidade geogrfica com reas de aquisio de matrias-primas pode ser determinante na localizao de centros de produo, assim como a composio das argilas ser determinante na identificao de provenincias de objectos cermicos. A identificao arqueolgica de locais de fabrico no tarefa fcil, especialmente quando se est face a pro-

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cermica utilitria

cessos de manufactura simples, sem recurso a infra-estruturas especializadas (por exemplo, oficinas e fornos) ou que deixem vestgios visveis das tcnicas usadas. Em casos de sociedades com sistemas complexos e especializados de manufactura (por exemplo, existncia de grandes oficinas, de fornos, moldes, ou a indicao do fabricante) a identificao torna-se mais fcil. Em casos menos claros de identificao, por exemplo em cermicas pr-histricas, ter de se recorrer a metodologias complexas e a estudos mais apurados, designadamente a anlise qumica e mineralgica da composio das argilas (vd. Anlises de cermicas).Preparao das argilas

A preparao inicial da argila envolve a remoo de impurezas, isto , partculas minerais de grande calibre e restos de material orgnico, nomeadamente de plantas. Seguidamente, a argila seca e armazenada em reas geralmente prximas da oficina ou rea de manufactura, at ser necessria para a utilizao. As quantidades da argila armazenada dependem de vrios factores, nomeadamente a distncia a que se localiza a jazida, a sazonalidade da recolha e outros factores de ordem scio-econmica de que depende a recolha. Antes de serem utilizadas, as argilas so novamente purificadas, retirando-se mais impurezas que poderiam ter consequncias nefastas para a confeco. Frequentemente a argila pulverizada e peneirada para eliminar partculas de maiores dimenses. Um processo mais complexo de preparao das argilas a decantao. Este processo consiste na preparao da argila como se se tratasse de um engobe, adicionando-se bastante gua e procedendo-se a sucessivos transvases. Nestas condies, a argila tem uma consistncia lquida, permitindo que partculas mais grossas e mais pesadas se depositem no fundo do tanque e somente as partculas finas e elementos muito leves passem para os tanques ou recipientes seguintes. Este processo de purificao das argilas mais frequente em

tcnicas de produo

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oficinas que produzem cermicas em grande escala, dado envolver tecnologia e meios de produo mais sofisticados. Para a confeco de cermicas, pode utilizar-se uma nica argila ou podem misturar-se argilas de qualidades diversas. Quando se misturam argilas, uma geralmente mais arenosa do que a outra; a argila mais arenosa tem como objectivo reduzir a plasticidade da mais malevel. Estas partculas adicionadas argila so em arqueologia designadas como elementos no plsticos (ENP), podendo adicionar-se, alm de elementos minerais naturais, matrias orgnicas ou cermicas previamente modas (este ltimo tipo de desengordurante designado por chamota). Os elementos de origem mineral, propositadamente adicionados para reduzir a plasticidade, so por vezes difceis de diferenciar de elementos que ocorrem naturalmente nas argilas. A proporo de elementos no plsticos adicionados varia com as caractersticas da argila, podendo variar entre o 1/5 e 1/2. A mistura das argilas e dos elementos no plsticos pode ser feita antes do armazenamento ou imediatamente antes da utilizao. Seguidamente a argila misturada com gua para adquirir plasticidade, e amassada (sovada ou sobada, em terminologia popular) para libertar o mximo de bolhas de ar que se encon-

Preparao da argila. argila amassada com chamota macupulane, moambique Foto: maria das dores cruz

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trem no interior da pasta e que poderiam fazer estalar as peas durante a cozedura, devido ao aumento de volume do ar contido na pasta por aco do calor. A argila pode ser amassada com as mos, com os ps, pisada por animais ou ainda cortada e sucessivamente recombinada. Depois de amassada, a argila adquire uma consistncia macia, untuosa, plstica e hmida. O(a) oleiro(a) divide ento a argila em pores individuais de acordo com o tamanho do recipiente a ser confeccionado, para serem trabalhadas segundo a tcnica escolhida.componentes da matria-prima Pasta

Pasta (tambm designada como fabrico) uma unidade classificatria utilizando atributos tecnolgicos relacionados com a composio das cermicas. Enquanto pasta dependende principalmente das composio qumica e/ou mineralgica da argilas e incluses (ou seja, refere-se a um nico atributo), o termo fabrico, mais abrangente, inclui, alm da composio da pasta, outros aspectos tais como o acabamento de superfcies. Alguns dos principais atributos integrados no fabrico so: textura, desengordurante, dureza, espessura, cor, engobe (presena/ausncia), acabamento de superfcie (lustro, polimento, etc.). Trata-se da unidade analtica que reflecte a seleco e preparao de argilas e desengordurantes, as tcnicas de manufactura e acabamento dos recipientes (por exemplo, terra sigillata um tipo de fabrico de cermicas romanas muito diferente das paredes finas; estamos perante dois fabricos de cermicas romanas). A manufactura de objectos cermicos envolve a manipulao e modificao de materiais, entre os quais os mais importantes so sem dvida as argilas. Estas so materiais complexos, tendo a sua diversidade uma implicao directa nas caractersticas dos prprios objectos manufacturados.

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elementos no-plsticos

A fraco no-plstica da pasta inclui o desengordurante, introduzido propositadamente pelo oleiro, e elementos naturais que fazem parte das argilas e no foram removidos no processo de depurao. Os elementos no-plsticos podem ter uma natureza muito variada: minerais, orgnicos (vegetais [plantas, palhas secas, sementes], animais [ossos e conchas modos, estrume]), ou de origem humana (o mais frequente sendo cermica moda, designada chamota). Os elementos no-plsticos de teor mineral podem ser classificados de acordo com a sua composio geolgica (neste caso pode fazer-se por observao macroscpica, de forma aproximativa, e.g., quartzo, feldspato, etc.; ou por observao microscpica, sendo este tipo de classificao muito mais fivel), ou ainda de acordo com o tamanho das partculas, ou ambos, isto , composio mineralgica e tamanho de partculas. Quando se pretende descrever de forma geral o tamanho das partculas deve considerar-se o seu tamanho mdio, ao mesmo tempo que se deve registar o tamanho da partcula de maior e de menor tamanho. A forma de anlise mais usual e acessvel , sem dvida, a inspeco visual que resulta numa descrio qualitativa das pastas de acordo com forma (elementos angulosos e arredondados), calibre (pequeno calibre, geralmente considerados os elementos 1mm; a classificao de grande calibre como sendo >2mm pode ser til em algumas circunstncias, neste caso deveria fazer-se uma redefinio da terminologia e uma clarificao dos tamanhos considerados). Pode ainda observar-se a frequncia das partculas: rara, mdia e abundante. A conjugao do tipo de argilas e elementos no-plsticos, nomeadamente o calibre das partculas, permite a identificao qualitativa de tipos gerais de pastas: a) pastas finas: geralmente pastas bastante homogneas, com elementos

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no-plsticos de calibre muito pequeno (um bom exemplo so as terra sigillatas); b) pastas de fabrico mediano, com elementos no-plsticos tambm de calibre mdio; e c) pastas grosseiras, com elementos no-plsticos de grande calibre e possvel textura frivel.engobes, vidrados e pigmentos

Matrias-primas usadas no acabamento de recipientes, aplicadas principalmente na superfcie externa, so necessrias em muito menor quantidade do que as argilas e os desengordurantes, da que possam ser obtidas a distncias muito maiores do que as matrias-primas principais, sendo frequentemente comercializadas, em vez de obtidas por explorao directa. Os elementos principais usados nestes acabamentos so os engobes, os pigmentos para pintura de alguns tipos de cermicas e os vidrados. A sua funo atribuir cor aos recipientes, apesar de engobes e vidrados poderem ter tambm funes impermeabilizantes. Enquanto engobes e vidrados cobrem geralmente a totalidade do recipiente (s o exterior, mas por vezes s o interior, enquanto noutros casos so aplicados tanto no interior como o exterior), os pigmentos usados como corantes de pintura cobrem reas mais restritas, destinadas criao de motivos decorativos. Os engobes so solues aquosas de argilas, aplicadas antes dos recipientes serem cozidos. Frequentemente resultam da depurao e suspenso de argilas (podem ser as mesmas argilas usadas na manufactura ou argilas diferentes), resultando num superfcie macia, pois o volume granalumtrico desta camada muito menor que a das argilas do corpo do recipiente. Se as argilas usadas como engobe forem em tudo semelhantes s do corpo do recipiente, o nvel de contraco durante a secagem e cozedura tende a ser semelhante ao do corpo do recipiente, mas se forem utilizadas argilas diferentes o nvel de contraco pode diferir, verificando-se nestes casos o estalar da super-

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ficie. Os engobes podem ter a mesma cor que a argila primria ou cores diferentes; podem ainda ser polidos ou brunidos aps aplicao o que, no caso de a cor do engobe ser a da argila do recipiente, torna dificil distinguir de um simples brunimento da superficie, devendo ento recorrerse anlise por lmina delgada ou mesmo da composio do engobe. Um engobe pode ser aplicado por imerso do recipiente, resultando numa cobertura uniforme; no caso de ser aplicado com um pincel ou um pano ou ainda derramado sobre a superficie a cobertura menos uniforme. O vidrado um revestimento vtreo, cozido a alta temperatura, que derrete e se funde com a superficie do recipiente, conferindo cor, brilho e textura, ao mesmo tempo que torna o objecto impermevel. O vidrado constitudo principalmente por areia ou slica derretida, mas para baixar a temperatura de fuso junta-se um fluxo slica, enquanto que para aumentar a viscosidade se adiciona alumina. classificado em quatro grupos, em funo da sua composio, principalmente em termos dos fluxos: vidrado de chumbo, alcalino, de silicato de boro e de sal. Os vidrados podem ser transparentes ou opacos, incolores ou coloridos. A cor do vidrado determinada pela presena de xidos metlicos (por exemplo, azul resulta de xido de cobalto, verde de xido de cobre e amarelo de xido de antimnio). As cores variam ainda dependendo da atmosfera de cozedura. Outros corantes podem ser utilizados para modificar a cor da superfcie total do recipiente ou somente de pores da superfcie. O termo pintura refere-se aco do oleiro (ou pintor) e no utilizao de um pigmento ou corante per se, dado que a cor pode ser aplicada e obtida de forma variada, incluindo a cor negra conseguida atravs de uma cozedura redutora. Os pigmentos utilizados na colorao das cermicas podem ser de origem orgnica ou inorgnica, incluindo ocres, xidos metlicos, grafite e corantes vegetais.

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instrumentos de trabalho e outros componentes

Os instrumentos de trabalho utilizados para fabricar recipientes cermicos so geralmente de fcil aquisio, excepto se for j utilizado um torno ou roda de oleiro ou se a confeco for feita por molde; a compreenso do seu papel no processo de produo indispensvel para uma anlise correcta das peas produzidas. Os instrumentos de trabalho dependem da poca, da regio geogrfica a que nos referimos, assim como da tcnica utilizada na manufactura de recipientes. Se estivermos perante uma forma de confeco manual, os instrumentos de trabalho so simples e de fcil aquisio: tecido e/ou pele para alisar, seixo para alisar, polir e brunir. Tcnicas de confeco mais elaborada podem implicar a roda de oleiro (torno), moldes, tinas para decantar engobes e matrias primas importadas para pintar e/ou vidrar as peas, resultando numa maior especializao da produo e na complexificao das relaes sociais de produo. Outros instrumentos de trabalho utilizados na confeco de recipientes cermicos podem ser instrumentos para formar, alisar e decorar os recipientes (tais como matrizes, roletas, pentes, seixos, punes, pincis, etc.). Em oficinas de grande produo utilizavam-se ainda moldes para confeccionar os prprios recipientes (por exemplo, para a terra sigillata ou para as lucernas).

instrumentos de trabalho usados na confeco manual de recipientes: seixos de polir, panos, casca de fruto, carolo de milho, aros de metal, m para amassar a argila. dorbour, gana Foto: maria das dores cruz

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a roda de oleiro

A roda de oleiro pode ser mais ou menos complexa: temos rodas de oleiro baixas, accionadas com a mo (o oleiro est sentado), ou altas (accionadas com a mo e, nas mais complexas, com o p). A parte superior do torno (disco de madeira sobre o qual se coloca a argila a ser trabalhada) designa-se por rodalho e montado sobre um eixo que gira numa outra pea de pedra (chumaceira). Este tipo de roda accionada com a mo ou por um ajudante do oleiro. O tipo mais complexo de roda (accionada com o p) tem, alm do rodalho, uma segunda roda (sobrado). As duas rodas so solidrias, isto , esto ambas ligadas ao mesmo eixo vertical, e o oleiro imprime movimento com o p a esta roda mais baixa que por sua vez acciona o rodalho. Este tipo de roda liberta as mos do oleiro para manufacturar os objectos.torno lento

O chamado torno lento no mais do que um dispositivo simples (por exemplo um fragmento de cabaa, um testo ou uma placa de madeira) onde colocado o recipiente cermico durante a confeco. A base permite rodar o recipiente medida que este est a ser confeccionado, resultando numa maior simetria e homogeneidade formal. Na realidade no se trata de um torno, na verdadeira acepo da palavra, mas somente de um instrumento de trabalho que permite ao oleiro imprimir uma certa rotao ao objecto que est a confeccionar.

Tcnicas de manufactura

A manufactura de recipientes cermicos requer experincia na seleco e manipulao das matrias-primas. O sistema e tempo de aprendizagem de um(a) oleiro(a) dependem da complexidade das tcnicas utilizadas e do grau de especializa-

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o das tarefas. Assim, um contexto de manufactura manual de recipientes requer geralmente tcnicas mais simples que uma oficina de produo que utilize moldes, engobes, vidrados, fornos, etc. Mais ainda, dentro de um mesmo tipo de manufactura, indivduos com experincia e habilidade diferentes produzem artefactos que variam em qualidade e refinamento. A principal distino feita em termos de manufactura se os recipientes so formados manualmente, atravs do uso de instrumentos mais complexos de produo (por exemplo, torno), ou se usam uma combinao de tcnicas manuais, torno e molde.

Fabrico manual

O fabrico manual certamente o tipo mais simples de manufactura, requerendo poucos instrumentos de trabalho, fceis de obter, e por isso mesmo com um baixo nvel de investimento. As principais diferenas em termos de tcnicas manuais relacionam-se com a forma como a argila manuseada e os recipientes construdos. Assim, as principais formas de manufactura manual so: a modelao, a tcnica de rolos, a tcnica de placas, e a moldagem. Abaixo descreveremosFabrico manual de cermicas. dorbour, gana. Foto: maria das dores cruz.

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as principais caractersticas destas tcnicas, informao essa baseada principalmente em estudos etnogrficos. As diferentes tcnicas de fabrico manual podem ser identificadas em cermicas arqueolgicas atravs de diferentes vestgios de manufactura, sobretudo nas reas de fractura.modelao

Parte-se de um bloco ou bola de argila que se vai pressionando progressivamente com os dedos, alargando o tamanho da abertura e do recipiente em geral, assim como se vai reduzindo a espessura das paredes.tcnica de rolos

Uma outra forma de modelar recipientes consiste na unio de rolos de argila com dimetro varivel. Os rolos so sobrepostos e montados em crculo ou em espiral, ao mesmo tempo que se pressionam para se unirem; as faces dos recipientes so alisadas para obliterar os rolos e obter uma superfcie homognea. Em objectos arqueolgicos manufacturados com rolos podem ocasionalmente observar-se fracturas que ocorreram na juno dos rolos ou

Fabrico manual usando a tcnica de rolos macupulane, moambique Foto: maria das dores cruz

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pode ainda observar-se vestgios dos mesmos rolos em corte vertical das paredes. Em vez de rolos podem tambm usar-se tiras, mas a tcnica , no fundo, a mesma, variando apenas a forma e espessura das tiras.tcnica de placas

Formam-se placas por presso de um rolo de madeira ou outro objecto similar que permitia a obteno de placas de espessura uniforme. As placas so recortadas com formas que permitam a sua unio e a formao dos recipientes.moldagem

A manufactura de cermicas utilizando moldes permite a manufactura de um grande nmero de recipientes e com caractersticas uniformes. As formas abertas (ex., pratos ou taas hemisfricas) podem ser confeccionadas em moldes constitudos por uma s parte, em que o objecto resultante, logo que seque e endurea, se desprender facilmente do molde. Alguma cermica de manufactura manual pode igualmente ser confeccionada usando moldes. Nestes casos, os moldes podem ser feitos de pedra, gesso ou simplesmente base de outros recipientes. H ainda que referir a possvel existncia de moldes exteriores (cestos ou mesmo moldes escavados na areia), utilizados sobretudo para a confeco de recipientes de grandes dimenses. A evidncia de utilizao de moldes exteriores pode ser detectada em cermicas arqueolgicas atravs do tratamento cuidado das superfcies internas e superfcies externas pouco cuidadas, mesmo rugosas.Fabrico Roda

O fabrico roda permite a produo mais rpida de recipientes e de espcimes de melhor qualidade, j que as paredes podem ser relativamente finas e a roda confere grande regularidade sua espessura, facilitando a secagem e a cozedura.

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O fabrico roda requer uma argila mais hmida para permitir a elevao das paredes do recipiente. O objecto formado atravs de um movimento de levantar as paredes do recipiente, ajudado pelo movimento centrfugo. Depois de acabados, os recipientes so separados da roda, cortados com um arame ou um fio. Frequentemente a produo roda deixa vestgios sob a forma de estrias horizontais, concntricas ou em espiral nas superfcies dos vasos, que podem ser obliterados atravs de polimento. Outro vestgio do uso da roda so as marcas concntricas no exterior da base, deixadas quando o recipiente separado da roda enquanto esta est ainda em rotao.moldes bivalves

Certos tipos de cermicas com formas particularmente complexas (lucernas romanas, por exemplo) podem ser produzidas com moldes bivalves (ou, no limite, compsitos). Quando se usam moldes, a argila pode ser premida contra os moldes, ou pode ainda usar-se uma argila lquida que seca dentro dos moldes. O uso de molde pode ser inferido do formato da pea e se as superfcies tm salincias indicativas da unio dos moldes.bordo de recipiente manufacturado manualmente. note-se o pormenor do espessamento do bordo, indicado pela fractura desigual da parede. makala Kataa, gana Foto: maria das dores cruz

Tcnicas de tratamento de superfcies

Uma das operaes primordiais no processo de manufactura das cermicas consiste na homogeneizao do aspecto da superfcie das paredes dos recipientes. O objectivo principal obliterar ou remover as irregularidades resultantes do processo de fabrico. possvel que alguns acabamentos de superfcie tambm tivessem em ateno aspectos de carcter funcional (por exemplo, criar rugosidades que permitam uma fcil preenso) ou, ocasionalmente, decorativo, mas o objectivo principal era criar uma superfcie homognea, mais ou menos lisa, que permitiria a aplicao posterior de motivos decorativos.

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A distino entre tratamento de superfcie e tratamento decorativo , por vezes, susceptvel de interpretao subjectiva por parte dos arquelogos, resultando que a mesma tcnica seja interpretada por uns como tratamento de superfcie e por outros como decorao. Isto acontece no que se refere ao brunido e ao tratamento escova, ambos interpretados tanto como decorao e acabamento de superfcie. Ao descrever-se o tratamento das superfcies deve fazer-se referncia superfcie externa do recipiente/fragmento e superfcie interna. De entre os tratamentos de superfcie mais usuais, contam-se os seguintes, aqui abordados sumariamente:alisamento

Tem como objectivo principal eliminar as irregularidades da confeco dos recipientes, resultando numa superfcie uniforme, mas sem brilho. Geralmente este tipo de acabamento obtido com o auxlio da mo, da frico pouco intensa de um pano humedecido ou de um objecto duro, criando uma superfcie lisa e regular.Polimento

Resulta de, aps o alisamento das superfcies, e j com a pasta suficientemente endurecida se no mesmo seca, mas antes da cozedura, se friccionar a superfcie com um objecto macio e duro (por exemplo, um seixo ou osso) de modo a criar uma superfcie ligeiramente brilhante. Na superfcie polida podem, por vezes, reconhecer-se faixas ou estrias paralelas brunidas e mate em consequncia de um polimento menos cuidado; se a tcnica for cuidadosamente executada toda a superfcie apresenta um lustro uniforme. O lustro ou polimento resulta da compactao, reorientao e redistribuio das partculas argilosas mais finas. A designao polimento deve ser usada com referncia ao processo de acabamento; a mesma tcnica, mas usada enquanto tcnica decorativa, e geralmente resultado num brilho muito

grande pote com carena e bordo virado para fora, pintado com engobe vermelho. corpo ovide, pintado s bandas. Fundo cncavo. as asas arrancam do bordo e terminam no colo. santa olaia, santana, Figueira da Foz, coimbra. (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 205). Foto: ddF/ Jos Pessoa. inv. mmdsR: 1543

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mais intenso, aparece designada por brunido. conveniente optar-se por diferenciar a tcnica de acabamento de superfcies e a tcnica decorativa utilizando-se dois termos diferentes, mas sinnimos, de forma a permitir diferenciar a circunstncia em que a tcnica usada. escova (cepillado ou a cepillo)

Resulta de uma raspagem da pasta ainda hmida pela aplicao de uma escova de plos mais ou menos flexveis, resultando num aspecto rugoso da superfcie dos recipientes. O aspecto geral o de traos superficiais que se entrecruzam numa trama sem organizao definida.Rugoso

ampola, pequena jarra de cermica a torno, com corpo periforme e colo estrangulado, destinada a conter azeite; superfcie externa completamente coberta de engobe vermelho sculos vii-vi a.c. alcova de santarm (Lisboa Subterrnea, p. 203) Foto: ddF/ Jos Rbio inv. ca-ul: alc.sant., 1

Se o alisamento pouco cuidado, no havendo uma superfcie lisa, homognea, podemos designar o tratamento como rugoso. Dever ter-se um certo cuidado na diferenciao de um tratamento rugoso (feito intencionalmente) e uma superfcie corroda ou erodida.engobe

Trata-se da aplicao de uma camada de argila fina, lquida, obtida pela depurao/suspenso em gua de partculas muito finas. O engobe aplicado aps a secagem do recipiente, mas antes da cozedura. Geralmente polido com maior ou menor intensidade, permitindo uma melhor fixao s paredes do recipiente. Resulta assim que, nomeadamente quando a cor do engobe semelhante da pasta, nem sempre seja fcil observar, macroscopicamente, a sua existncia. A anlise microscpica ser ento a melhor forma de confirmar a existncia ou no de engobe.erodido

Polimento aps aplicao de engobe dorbour, gana Foto: maria das dores cruz

No se tratando de um acabamento, na verdadeira acepo da palavra, corresponde a um termo frequentemente utilizado

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na descrio das superfcies. A eroso/corroso das superfcies advm essencialmente de dois factores: o desgaste provocado pelo uso prolongado (neste caso geralmente possvel tiraremse ilaes sobre o provvel tipo de uso do recipiente; ver Vestgios de uso), a corroso provocada pelo enterramento dos fragmentos, e tambm da destruio da pelcula superficial aquando da lavagem dos fragmentos cermicos. Este ltimo tipo de eroso deve poder distinguir-se das formas anteriores pela indistinta ocorrncia na superfcie interna e externa dos vasos, nas zonas de fundo e do bordo simultaneamente. Os dados reunidos no mbito da observao destas ocorrncias devero assim ser consideradas relevantes para a informao sobre a pea a registar na sua ficha de inventrio, respectivamente nos campos relativos Funo Inicial e ao Estado de Conservao.

decorao

Apesar de a decorao ser parte integrante do processo de manufactura, em arqueologia as formas de decorao tendem a ser classificadas separadamente das tcnicas bsicas de construo dos recipientes. Com frequncia, a decorao de recipientes tem igualmente funes utilitrias ou simblicas. Quando se descreve ou classifica um objecto arqueolgico devemos, alm da tcnica de decorao, prestar ateno organizao decorativa, ou seja, forma como os diferentes elementos e motivos se ordenam no artefacto.tcnicas decorativas

As tcnicas decorativas podem ser divididas em dois tiposbase: aquele em que foi aplicado (ou seja, adicionado) material superfcie do recipiente, ou aquele em que a sua superfcie foi de algum modo modificada, removendo-se material argiloso. Seguidamente descreveremos de forma sumria algumas

decorao de um recipiente; aplicao de caneluras com um seixo dorbour, gana Foto: maria das dores cruz

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das principais tcnicas decorativas encontradas em cermicas arqueolgicas de carcter utilitrio. Deve salvaguardar-se, porm, que diferentes tcnicas podem ser utilizadas simultaneamente num mesmo objecto.inciso

Pequeno vaso sub-cilndrico decorado, do bordo at base, por trs bandas horizontais incisas que alternam com espaos reservados sem decorao. as referidas bandas so delimitadas por sulcos finos incisos que por sua vez so preenchidos com linhas recticuladas tambm incisas bronze antigo Povoado de boua do Frade, baio, Porto (A Idade do Bronze em Portugal, Discursos de Poder, p. 36) Foto: ddF/ Jos Pessoa mmb

efectuada pelo uso de um objecto duro, mais ou menos pontiagudo, o que permite criar motivos em baixo-relevo, atravs de sulcos com perfil em V ou em U, dependendo da forma da ponta do utenslio utilizado. A designao decorao incisa pode abranger realidades muito distintas, dependendo da textura e grau de humidade da pasta, espessura do instrumento utilizado, ngulo e direco da presso exercida. A nitidez e regularidade dos motivos resulta particularmente do grau de humidade/secagem da pasta no momento em que a decorao efectuada: se a pasta estiver ainda muito fresca, as incises so ntidas e regulares, podendo mesmo deixar uma margem levantada pela deslocao da argila. A inciso pode ainda ser feita aps a secagem completa da pasta, mas antes da cozedura. Um aspecto desta tcnica a merecer algum debate diz respeito s caneluras: enquanto alguns autores classificam caneluras como inciso, outros h que as consideram uma forma de impresso. Aqui sugerimos igualmente a possibilidade de caneluras poderem ser uma forma de exciso, dado que para a sua formao necessrio extrair pasta superfcie do recipiente. De igual modo, o puncionamento pode aparecer em literatura arqueolgica classificado como uma tcnica de inciso ou de impresso em que se usa um instrumento pontiagudo para criar pequenos motivos descontnuos (vd. Puncionamento).inciso ps-cozedura

por vezes difcil de destrinar se as incises foram efectuadas depois da cozedura do recipiente ou se foram

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Fragmentos cermicos decorados por inciso ps-cozedura bronze Final Povoado da moreirinha, monsanto, idanha-a-nova, castelo branco (A Idade do Bronze em Portugal, Discursos de Poder, p. 47). Foto: ddF/ Jos Pessoa ia-Fl-uc

aplicadas quando a pasta estava j muito seca, dado que os resultados podem ser semelhantes. A inciso ps-cozedura tambm feita com um objecto duro e resulta em traos muito finos, pouco profundos e irregulares (as margens do trao apresentam um aspecto estriado ou estalado, resultante do arranque da camada superior do recipiente). Na literatura arqueolgica, a inciso ps-cozedura aparece igualmente designada como grafitado ou esgrafitado, sendo que consideramos a primeira como incorrecta, dado poder ser confundida com a aplicao de grafite como forma de acabamento de superfcies.impresso

A decorao impressa definida pela impresso de matrizes naturais, como a digitao simples ou ungulada (unha), caules de herbceas de vrios dimetros, bordos de conchas (por exemplo, decorao cardial), ou pela utilizao de uma matriz fabricada, seja ela geomtrica ou figurada, simples ou mecnica. As matrizes fabricadas fazem geralmente preterir a designao impresso(ou impressa) por designaes mais precisas de estampilhagem, penteado e roletagem, dependendo do tipo de matriz utilizada.

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conjunto de quatro fragmentos de cermica, com decorao de tipo boquique (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 192) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv.: ma/sms 03/85/24

Puncionamento

Impresso efectuada com um instrumento pontiagudo, ou estilete, criando pequenos motivos descontnuos. O puncionamento pode ser simples ou arrastado, sendo no ltimo caso o estilete enterrado na pasta mole, arrastado levemente e de novo enterrado.decorao penteada

bordos com decorao penteada e combinao de decorao penteada com impressa castelo velho, Freixo de numo desenho: maria das dores cruz

Tcnica decorativa efectuada com um uma matriz mltipla em forma de pente, geralmente arrastada ou impressa sobre a argila ainda fresca. Quando arrastado, o pente imprime na argila sries de linhas contnuas, paralelas, rectas ou onduladas (ver, por exemplo, a tcnica de decorao penteada do Calcoltico do Centro e Norte de Portugal). Designa-se igualmente como decorao impressa denteada a decorao efectuada pela impresso descontnua da matriz, neste caso resultando em pequenas impresses quadrangulares ou rectangulares (os dentes da matriz), semelhante ao puncionamento, mas em que os motivos so organizados em grupos. Alguns autores consideram a deco-

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rao penteada como uma tcnica de inciso, dando nfase aco de riscar a pasta. Aqui optamos pela classificao da tcnica penteada como impresso (dando nfase utilizao de uma matriz mltipla), dado ser a classificao vulgarizada na literatura arqueolgica. A decorao penteada pode apresentar variantes, tais como decorao penteada simples, arrastada, de vai-vem, etc.estampilhagem

Trata-se de uma forma de impresso em que se utiliza uma matriz plana fabricada, frequentemente com motivos esculpidos que so sucessivamente impressos na rea do recipiente a decorar. Enquanto matrizes esculpidas em baixo-relevo resultam em decoraes em alto-relevo, motivos esculpidos em alto-relevo resultam em decoraes em baixo-relevo.

conjunto diversificado de cermica castreja, apresentando decorao estampilhada, proveniente de vrios castros do norte do Pas. entre os motivos decorativos mais frequentes, contam-se os crculos concntricos e ss 2. idade do Ferro castrejo (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 294) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 11896

Roleta

A roleta (ou roulette) uma tcnica decorativa aplicada com um pequeno rolo, ou cilindro, esculpido com motivos decorativos que se faz avanar rodando sobre si mesmo, imprimindo assim um motivo uniforme. A matriz, rolada

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taa (Terra sigillata clara c), com decorao no fundo interno com guiloch em pena de ave, fabricada no centro da actual tunsia e descoberta na Rua augusta, lisboa. poca Romana, sculos iv-v (Lisboa Subterrnea, p. 223). Foto: ddF/ Jos Rbio inv. FmbcP/naRc: 278

Pote, com bordo revirado para fora, terminando num pequeno lbio; bojo ovide, decorado com carretilha. duas finas caneluras, uma na zona superior do bojo, marcando os ombros, outra na zona inferior, delimitam esta decorao Finais do sculo i/incio do sculo ii necrpole romana da Praa da Figueira, lisboa (Lisboa Subterrnea, p. 220) Foto: ddF/ carlos monteiro inv. mc-cml: aRQ PF/62/330c

sobre a pasta j parcialmente seca, repete, em negativo, o motivo esculpido na roleta. Podem usar-se roletas simples (ex., pequenos fragmentos de corda ou fio), naturais (o carolo do milho, quando rolado num recipiente, deixa um reticulado quadrangular resultante da impresso feita pelos alvolos onde estavam os gros) ou roletas esculpidas com motivos complexos (como o caso de motivos decorativos em cermicas islmicas). Para a designao desta tcnica igualmente comum a expresso estampagem por roleta.decorao Plstica

A tcnica de decorao plstica, tambm designada como modelada, consiste numa tcnica aditiva, ou seja, em que se verifica a aplicao de elementos em barro sobre a superbordos com decorao plstica e com impresso digital castelo velho, Freixo de numo desenho: maria das dores cruz

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mbula mensica em forma de pequeno cantil, com bordo afunilado e fracturado, duas asas de seco ovulada e reservatrio redondo. a decorao moldada, em relevo, igual em ambos os lados Perodo copta, sculos v-vii d.c. egipto (Um Gosto Privado, Um Olhar Pblico, p. 158). Foto: ddF/ Jos Pessoa. inv. mna: bsa 987.55.125

cantil de forma circular, de seco plano-convexa, e pequenas asas laterais com dois orifcios para suspenso, decorado por mos moldadas castro da azougada; santo aleixo, moura, beja. Finais da 1./incios da 2. idade do Ferro. (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 241) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 46692

fcie do recipiente, criando motivos em alto relevo. Estes podem ter uma forma contnua (cordes) ou descontnua (mamilos, figuras, etc.). Enquanto a maioria dos motivos aplicados tende a ser simples (por exemplo, os cordes e mamilos previamente referidos), podem encontrar-se motivos decorativos complexos (motivos vegetais, figuras humanas ou animais), modelados ou mesmo moldados separadamente e aplicados superfcie do recipiente (vd. Decorao aplicada). Motivos de pequenas dimenses so facilmente aplicveis ao recipiente atravs de presso; quando se trata de motivos mais complexos e de maiores dimenses poder ser necessrio o uso de argila como elemento aglutinador. Deve frisar-se a distino entre decorao plstica aplicada e decorao repuxada. O resultado final pode ser semelhante, mas a tcnica usada diferente.

conjunto cermico (copos, vasos e tampas [?]/ pratinhos votivos[?]) com elementos plsticos de preenso e variada decorao Provenientes do depsito votivo de garvo; ourique, beja 2. idade do Ferro (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 269; 272) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. iPPaR-dRe: giiv ii 4; gii432; gii v102; gii496; gii311; gii v131; gii v 176; gii832

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decorao aplicada

vaso aberto, de forma subcilndrica/troncocnica e perfil sinuoso. apresenta bordo horizontal estreito e fundo plano-cncavo. asa de preenso horizontal inserida abaixo do bordo. decorao plstica com mamilos e cordes horizontais, paralelos e lisos. Proveniente da sepultura 2 (de inumao) da necrpole do tapado da caldeira, campelo, baio, Porto (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 190) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mmb: 79.01.01

Tcnica decorativa que consiste na colocao sobre a superfcie do vaso de um elemento em argila de forma pr-determinada, por vezes produzido com recurso a um molde. Utiliza-se tambm como forma de produzir um dispositivo tcnico no essencialmente decorativo, como um p ou uma asa. A decorao pode ainda ser obtida com a aplicao de uma barbotina, utilizando um dispositivo semelhante a uma seringa. Neste caso, a barbotina uma suspenso aquosa de argila, frequentemente com uma cor diferente (por exemplo, branca ou beije), mas que resulta numa decorao em relevo.

taas de cermica de paredes finas, possivelmente vasos de beber. necrpole de belo (?) (Um Gosto Privado, Um Olhar Pblico, p. 86-87) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: bus.153; bus.149; bus.154

taa carenada, proveniente da necrpole de belo (?), de bordo arredondado, mais espesso que a parede decorada com motivos vegetalistas em barbotina (Um Gosto Privado, Um Olhar Pblico, p. 89) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: bus.158

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cermica utilitria

j )

vaso em cermica, exibindo decorao plstica de pegas em forma de meia lua alternando com apndices bfidos,situados a cerca de metade do bojo castro da cabea de vaiamonte; vaiamonte, monforte, Portalegre 2. idade do Ferro (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 261) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 984.420.1

taa, proveniente da necrpole de belo (?), de forma hemisfrica e paredes relativamente espessas. decorao constituda por um veado e dois coros (?), correndo para a direita, separados por motivos vegetalistas em barbotina (Um Gosto Privado, Um Olhar Pblico, p. 88) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: bus.156

decorao repuxada

Consiste no repuxamento da pasta ainda mole da superfcie do recipiente, resultando numa decorao tridimensional, por vezes semelhante decorao plstica com relevos contnuos ou descontnuos. Distingue-se da decorao plstica pela forma como efectuada e na resistncia dos mesmos motivos. Os motivos aplicados podem descolar-se com uma certa facilidade enquanto que tal no acontece com os repuxados. Os motivos repuxados tendem a ser mais simples (principalmente cordes e mamilos) enquanto os motivos aplicados podem ter formas bastante complexas, incluindo escultura de figuras humanas e animais.exciso

vaso com o bordo cncavo, inclinado para fora; gargalo estreito; bojo convexo, atarracado, provido na parte superior de dois bocais com bordo revirado para fora, aplicados em pontos no rigorosamente opostos e que assumem um papel eminentemente decorativo belmeque bronze mdio (A Idade do Bronze em Portugal, Discursos de Poder, p. 24). Foto: ddF/ Jos Pessoa

Tcnica decorativa em que se retira pasta enquanto mole, criando uma gravura em baixo-relevo que forma os motivos decorativos ou uma abertura na parede do vaso.

tcnicas de produo

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Queimadores com decorao excisa, provenientes do depsito votivo de garvo ourique, beja 2. idade do Ferro (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 270; 266) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. iPPaR-dRe: gii 314; gii.401.Q.4-20

brunido

usado na acepo de polimento intenso, por vezes mais intenso do que quando aplicado ao acabamento das superfcies (vd. Polimento em Tcnica de tratamento de superfcies), podendo formar padres. Esta tcnica usada como

conjunto de fragmentos de cermica de ornatos brunidos Provenientes da lapa do Fumo, sesimbra, setbal bronze Final (A Idade do Bronze em Portugal, Discursos de Poder, p. 47) Foto: ddF/ Jos Pessoa mms

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cermica utilitria

urna de ombro, em cermica de pasta fina e bem depurada, brunida, com decorao incisa ps-cozedura, organizada numa faixa sobre o colo, formando um ziguezague. Proveniente do Povoado do cabeo do castro de s. Romo (seia, guarda) bronze Final (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 193) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. smaJa: 3122

forma de decorao pelo contraste que provoca com as zonas que so somente alisadas ou sofrem um polimento menos intenso. Pode aparecer como nico meio de decorao, tratando-se neste caso de um polimento muito intenso, quase metlico, sendo mais frequentemente conjugado com outras tcnicas. O brunido resulta do alinhamento das partculas de argila que ficam deste modo paralelas s paredes do recipiente, conferindo-lhe o brilho caracterstico. Em alguns casos, o brunimento pode ser combinado com a aplicao de um engobe, com textura mais fina do que a argila do corpo do recipiente, sendo estes casos bastante difceis de identificar a olho nu. As lupas binoculares e a anlise de lminas delgadas so ento essenciais para a identificao do brunimento de engobes.Pintura

Pintura a aplicao de uma emulso ou de uma suspenso coloidal colorida sobre uma base; distingue-se da aplicao de um engobe, que at pode ser muito fino, por este ser uma suspenso de partculas de argila, o que no acontece na pintura propriamente dita. A pintura pode ser monocromtica, bicromtica ou policromtica, ser aplicada antes ou depois da cozedura, ser figurativa,

tcnicas de produo

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conjunto de fragmentos de cermica pintada, correspondentes a vrios recipientes, tcnicas e estilos decorativos castro da azougada; santo aleixo, moura, beja Finais da 1./incios da 2. idade do Ferro (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 242) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 51228

urna de tipo ibrico, em cermica de pasta fina, feita ao torno; bitroncocnica, com bordo extrovertido e lbio pendente; fundo cncavo, em nfalo. apresenta decorao pintada, de bandas, de cor vermelha escura vinosa necrpole do olival do senhor dos mrtires; santa maria do castelo, alccer do sal, setbal (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 256) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 11258

taa, com pintura sob o vidrado, de produo peninsular, que reproduz modelo oriental sculo X/Xi silves (ptio anexo ao poo-cisterna), Faro (Portugal Islmico: os ltimos sinais do Mediterrneo, p. 98) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mmas: 00115

Jarrinho (sculo Xi) e jarrinha (sculos X-Xi), decorados com pintura branca. castelo de mrtola, beja (Portugal Islmico: os ltimos sinais do Mediterrneo, p. 160) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mm: cR/Pt/0052; cR/Pt/0046

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geomtrica ou de revestimento total ou parcial das superfcies. A barbotina (vd. Decorao aplicada), aplicada a pincel, pode aparecer referida na literatura como pintura a barbotina. Contudo, desaconselhamos a utilizao deste termo, dado que semelhana do engobe, se trata de uma suspenso aquosa de argila e no um pigmento ou suspenso coloidal.empedrado

Tcnica decorativa obtida pela incrustao de fragmentos de pedras, geralmente quartzo leitoso, na superfcie do recipiente. Este tipo de decorao ganha particular realce em recipientes de cor avermelhada. Para a designao desta tcnica igualmente comum surgirem os termos apedrado e empedrado.encrespado

Decorao formada por sulcos paralelos, geralmente oblquos, produzidos por uma palheta de madeira em vibrao, ligeiramente encostada ao recipiente quando este se encontra ainda no torno em rotao. Resulta, assim, em sulcos com distribuio muito regular.organizao da decorao

urna de orelhetas perfuradas, de forma ovide, decorada por sries de estampilhas de contorno losangular, que alternam com bandas e retculas pintadas de cor vermelha escura. a tampa termina numa pega representando uma cabea antropomrfica, onde se reconhece um toucado em forma de leque, um nariz proeminente e largo, olhos circulares e boca com lbios salientes depsito votivo de garvo; ourique, beja 2. idade do Ferro sculos iv/iii a.c. (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 269; 267) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. iPPaR-dRe: g.ii.v.135

A organizao decorativa uma varivel da maior importncia para a caracterizao e classificao dos recipientes cermicos. Todavia, pode no aparecer com todo o seu potencial em casos de fragmentos com dimenses reduzidas, no permitindo reconstituir com fiabilidade a localizao e organizao dos motivos na superfcie dos recipientes. Esta varivel essencialmente estilstica, tendo um maior significado cultural do que somente a tcnica decorativa: tem como base o uso de tcnicas decorativas particulares e, por outro lado, contrariamente ao que acontece com a forma, no to condicionada por parmetros funcionais, mas sobretudo por questes cul-

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grande urna em cermica fabricada ao torno, de pasta fina e bem depurada, de forma globular, com colo curto estrangulado e bordo extrovertido, fundo cncavo em nfalo e decorao de faixas horizontais pintadas a vermelho escuro sobre fundo claro Faro 1. idade do Ferro (De Ulisses a Viriato: o primeiro milnio a.C., p. 222) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 11195

turais e de gosto individual do oleiro(a) ou do cliente. No significa isto que a prpria decorao no possa ter subjacente uma funo (por exemplo, os mamilos das cermicas do Neoltico com funo de asas), mesmo que esta seja de carcter sociolgico e no utilitrio. O princpio fundamental para a descrio e/ou classificao da organizao decorativa baseia-se essencialmente no posicionamento dos motivos no corpo do recipiente, na relao entre os vrios motivos e na sua orientao, por exemplo horizontal/vertical. Frequentemente, a classificao de organizaes decorativas resulta da combinao entre organizao (posio) dos motivos e a tcnica utilizada, acontecendo que por vezes a organizao fundamentalmente a mesma, mas utilizando uma tcnica diferente. A organizao pode ser definida por organizao em mtopas, tringulos, faixas horizontais, verticais, etc. Deve distinguir-se entre a forma dos motivos e a sua organizao. Por exemplo, motivos em tringulo ou em ziguezague podem organizar-se em faixas horizontais. Quando se descreve a decorao deve igualmente referir-se a sua localizao nos recipientes (junto ao bordo, na carena, at 1/3, 1/2, ou 2/3 da pea, decorao total do corpo, na base, etc.). A decorao aplicada com maior frequncia nas superfcies externas dos recipientes, mas esporadicamente ocorre tambm no seu interior, sobretudo em formas abertas. Uma anlise cuidada da organizao decorativa e a sua descrio em termos claros, lgicos e tanto quanto possvel sucintos da maior importncia para um adequado preenchimento das fichas de inventrio, designadamente atravs do registo da respectiva informao no campo Descrio.horizontal

Organiza-se em linhas paralelas ao bordo do recipiente. Pode ser simples ou aditiva, quando vrias linhas se sobrepem paralelamente.

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cermica utilitria

vertical

conjunto de pcaros, com pintura em bandas verticais (e banda de pontos na pea central), provenientes de silves, dos perodos omada, sc. viii (inv. 00293) e taifa, sc. Xi (inv.

Organiza-se em linhas perpendiculares ao bordo. Pode igualmente ser simples ou aditiva.em bandas horizontais/verticais

00122 e 00139) (Portugal Islmico: os ltimos sinais do Mediterrneo, p. 159) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mmas: 00122; 00139; 00293

Os motivos ou elementos repetem-se em faixas ou bandas mais ou menos largas, que se organizam horizontal ou verticalmente. A diferena em relao a a) Horizontal e b) Vertical est em que se trata aqui de faixas/bandas e no de linhas. As bandas decorativas podem ser delimitadas por linhas ou podem ser constitudas somente pelos motivos decorativos.em tringulos

O agrupamento de motivos ou elementos adopta uma configurao triangular. Estes tringulos podem, por sua vez, organizar-se em bandas ou faixas.metopada

Faixas verticais alternando com espaos no decorados ou com motivos com organizao horizontal. As faixas verticais circunscrevem espaos/motivos decorativos e aparecem de forma regular.

tcnicas de produo

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talha, proveniente da alcova do castelo de mrtola, beja 2. metade do sculo Xii 1. quartel do sculo Xiii (Portugal Islmico: os ltimos sinais do Mediterrneo, p. 93) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mm: cR/Rt/0067 Pote, com superfcie vidrada, de cor escura melada, decorada com elementos fitomrficos, dispostos em mtopas, de cor negra de mangans Perodo califal, sculos X-Xi arrochela, silves, Faro (Portugal Islmico: os ltimos sinais do Mediterrneo, p. 158) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mmas: 00003

em reticulado

Linhas ou bandas paralelas ao bordo so cortadas por outras organizadas perpendicularmente, formando uma quadrcula. Outros tipos de organizao decorativa incluem: em espinha, em ziguezague, em grinalda, etc. As diferentes organizaes bsicas podem aparecer combinadas (por exemplo, uma faixa horizontal de motivos incisos em espinha, combinada com uma faixa vertical de decorao penteada); podem ainda aparecer em bandas simples ou aditivas. Quando no seja possvel definir a organizao da decorao, devido sobretudo ao estado fragmentrio do objecto, deve referir-se o(s) motivo(s) decorativo(s) observado(s).

vaso de corpo esferoidal achatado, colo pouco acentuado e bordo saliente. apresenta decorao constituda por oito nervuras em relevo, moldadas por presso da pasta ainda mole a partir do interior, delimitados por caneluras, que convergem no fundo do vaso, como gomos necrpole de ervidel, aljustrel, beja bronze Final (A Idade do Bronze em Portugal, Discursos de Poder, p. 86) Foto: ddF/ Jos Pessoa inv. mna: 2001.43.4

Cozedura

Depois de decorados e acabados, os objectos cermicos tm de secar, geralmente durante vrios dias ou mesmo semanas, antes de ser submetidos a um processo de cozedura. O objectivo principal da cozedura da cermica transformar as proprie-

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cermica utilitria

dades fsicas da argila, tornando-a dura e estvel. Contudo, a cozedura influi tambm no aspecto da superfcie das paredes dos vasos cermicos, sobretudo ao nvel de cor. Quanto mais homogneo o ambiente de cozedura, tanto mais homognea a aparncia da pea; uma cor mais avermelhada ou menos avermelhada depende igualmente do ambiente de cozedura. Podemos dividir as tcnicas de cozedura em dois grandes grupos: 1) em que os recipientes e o combustvel esto em contacto directo; e 2) em que os recipientes e combustveis so segregados, isto , em forno.em fogueira

Este sistema de cozedura dos mais simples, certamente utilizado durante os perodos pr-histricos. As cermicas so colocadas sobre um lastro de madeira mais fina (ex., gravetos, agulhas de pinheiro ou palha); em seguida, so completamente cobertas com ramos de lenha mais grossa que ao serem consumidos pelo fogo vo cozer as cermicas. Vai-se acrescentando lenha medida que for necessrio para completar o processo de cozedura. A durao deste tipo de cozedura curta, se comparada com a cozedura em fornos e, em geral, a temperatura de cozedura varia entre 600 e 850o C. A cozedura em fogueira pouco homognea, com oscilaes no controladas de temperatura; as baixas temperaturas resultam igualmente numa combusto insuficiente e incompleta dos materiais orgncos que podem por vezes ser ainda encontrados, parcilamente carbonizados, no interior das paredes. Para evitar fracturas na sequncia do choque trmico que se produz em cozeduras rpidas, as peas so previamente aquecidas, bem secas ou selecciona-se um desengordurante que obvie este choque. Este mtodo de cozedura eficiente, mas tm algumas desvantagens: as cermicas cozidas em fogueira podem partir facilmente durante a cozedura; as cores dos recipientes no so homogneas devido distribuio desigual de calor; e s alguns recipientes (ou partes de recipientes) esto em con-

tcnicas de produo

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cozedura em fogueira dorbour, gana Foto: maria das dores cruz

tacto directo com o combustvel. Isto provoca uma colorao desigual, com reas castanho mais escuras, outras quase pretas e outras ainda castanho claras ou avermelhadas. Uma forma de obter uma colorao uniforme nos recipientes cozidos em fogueira, cobrir a fogueira com terra. Este processo corta o fornecimento de oxignio resultando em que as paredes dos recipientes se tornam negras devido deposio de carbono.em covas escavadas na terra

Variante da cozedura em fogueira aberta, este tipo de cozedura mais eficiente do que aquele, dado que as paredes da cova conservam uma temperatura mais homognea durante um perodo mais longo, alcanando-se igualmente temperaturas mais elevadas.em forno

O uso de fornos permite a cozedura com temperaturas muito mais elevadas, obtendo-se um aquecimento e combusto completa dos objectos cermicos, assim como um

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cermica utilitria

controlo eficiente da atmosfera de cozedura. Os fornos so geralmente construdos com materiais refractrios, sendo o mais usual tijolos, e compem-se de cmaras separadas para o combustvel e para os objectos cermicos. A cmara de combusto, onde se queima o combustvel, geralmente composta por um estrado (lar) perfurado por tubulaturas (agulheiros) e sustentado por arcadas; o ar quente aquece o lar e circula atravs das perfuraes aquecendo o interior da cmara de cozedura e os objectos nela contidos. As temperaturas de cozedura num forno variam geralmente entre os 1000 C e os 1300o C. A arquitectura dos fornos varia atravs do tempo e do espao, mas a caracterstica comum um controlo completo da atmosfera de cozedura e a produo de cermicas de melhor qualidade, devido a uma cozedura a temperaturas elevadas, resultando na transformao profunda dos elementos que compem a argila e na combusto completa de elementos orgnicos. O aspecto mais importante da atmosfera de cozedura o controlo da circulao de ar, isto , da quantidade de oxignio e de monxido de carbono presente aquando da cozedura das cermicas, o que resulta no controlo da cor final dos recipientes.oxidante

Numa atmosfera oxidante, a quantidade de oxignio superior necessria para a combusto, permitindo que a matria orgnica que se encontra na argila seja completamente queimada, resultando numa colorao clara, geralmente alaranjada ou avermelhada das cermicas. A cor avermelhada depende no s de uma atmosfera oxidante, mas tambm da percentagem de ferro existente na argila. A combinao do ferro com o oxignio est na origem dos xidos de ferro que do argila uma cor vermelha-laranja. O desenvolvimento cromtico completo do ferro numa atmosfera oxidante ocorre geralmente a uma temperatura de cerca de 900 C a 950o C.

tcnicas de produo

Redutora

Uma atmsofera sem oxignio, rica em carbono, denominada redutora e o resultado final so cermicas de cor negra ou cinzenta homognea. Um objecto cermico cozido em atmosfera redutora durante tempo suficiente apresenta uma cor negra nas superfcies externas e internas, mas tambm no ncleo das paredes. A cor da cermica pode ser alterada durante e aps o processo de cozedura. A cor das superfcies das paredes podem mais facilmente ser alteradas do que por exemplo a cor do ncleo. Por isso, essencial indicar se se est a descrever a cor da superfcie, da sub-superfcie ou do ncleo. Apesar de se tratar de um elemento importante, a cor da cermica tem de ser correlacionada com outros atributos. Deve ainda ter-se em considerao que recipientes cozidos em atmosferas instveis (por exemplo, fogueiras ou mesmo fornos no industriais) podem apresentar uma grande variedade de cores. A interpretao de condies de cozedura substancialmente melhorada se se puder proceder a experincias de re-cozedura de amostras cermicas. O clculo da tempera-

Forno, cmara de cozedura macupulane, moambique Foto: maria das dores cruz

Forno, cmara de combusto macupulane, moambique Foto: maria das dores cruz

cermica utilitria

tura de cozedura feito utilizando fragmentos de cermicas arqueolgicas que so re-aquecidas em atmosferas oxidantes, registando-se as alteraes observadas quando se procede a incrementos regulares (de 50 C ou 100o C) em atmosfera oxidante e em condies laboratoriais, registando-se as alteraes de cores observadas. Para um registo mais exacto e objectivo das cores observadas dever utilizar-se uma Tabela de Cores (por exemplo, a Tabela de Cores de Solos [ou Atlas] Munsell). Apesar de se poderem retirar concluses vlidas sobre a possvel temperatura e condies originais de cozedura, estas devem ser compreendidas no contexto em que a cozedura original teria sido feita.

tcnicas de produo

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n o m e n C l aT u r a , F o rmas e par Tes dos reCipienTes

pa r T e s d o r eC i p i e n T e

Esta seco tem como objectivo oferecer uma explicao clara e detalhada da terminologia usada para a descrio formal de recipientes cermicos ou fragmentos de recipientes. Comea-se por descrever e ilustrar as diferentes partes dos recipientes (que em vestgios arqueolgicos aparecem geralmente com carcter fragmentrio), os atributos mtricos necessrios recolher para uma descrio eficiente e, por ltimo, as as formas genricas de recipientes (neste caso recorreremos terminologia utilizada para a descrio de formas geomtricas). A descrio formal do recipiente a base necessria para a descrio precisa dos restantes aspectos caracterizadores da morfologia do objecto.dimetro de abertura lbio bordo interior do bordo colo ombro

bojo/Pana

dimetro mximo

Partes de um recipiente Forma compsita, abertura constrita desenho: maria das dores cruz base

interior da base

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cermica utilitria

lbio/bordo

carena

Partes de um recipiente Forma compsita, taa com P/Pedestal pedestal desenho: maria das dores cruz

Terminologia das partes constituintes dos recipientes abertura

Abertura mxima do recipiente; boca.bordo

Parte superior do recipiente, desde o inicio do colo at zona da boca/abertura.lbio

Remate, geralmente arredondado, do bordo dos recipientes. Os bordos podem ser simples ou podem apresentar uma curvatura para o exterior (aba).colo

Parte constrita do recipiente, abaixo do bordo e acima do ombro.Pana

Poro do recipiente abaixo do ombro; geralmente tambm se pode aplicar a todo o recipiente abaixo do bordo. Em arqueologia, e para fins descritivos, deve designar-se por corpo somente as partes abaixo do colo, que geralmente no tm qualquer forma. O termo bojo igualmente sinnimo da nomenclatura aqui proposta.

nomenclatura, formas e partes dos recipientes

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lbio/bordo

base

lbio/bordo Partes de recipientes taas simples desenho: maria das dores cruz base

ombro

Zona intermdia da parede dos vasos estrangulados (providos de colo) onde se faz a inflexo entre a zona da pana, de dimetro mais largo, e a zona constrita. Pode ser delineado por uma curva contnua ou marcado por uma carena.asas e elementos de preenso Fita com seco rectangular, em D ou outras Rolo com seco circular em trana feitas em dois ou mais cordes torcidos ou

entranados. caneladas quando a face externa apresenta caneluras (isto , em seco apresenta meias-canas, ou caneluras). em boto elemento saliente de forma normalmente cilndrica, moldurada ou no.

Recipiente com asa de rolo castelo velho, Freixo de numo desenho: maria das dores cruz

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cermica utilitria

tubular elemento de preenso vertical, geralmente de

seco rectangular (isto , mais alta do que larga), podendo apresentar perfuraes verticais.Perfuraes

Alguns recipientes apresentam perfuraes, geralmente junto ao bordo ou na parte superior do recipiente, efectuadas antes da cozedura e que permitiriam passar fios de suspenso. Ocasionalmente surgem perfuraes realizadas aps a cozedura dos recipientes e que podem ter a mesma funo, ou ser destinados reparao dos recipientes em caso de fracturas (vd. Vestgios de uso).Paredes

Lados dos recipientes.base

Parte inferior de qualquer recipiente, que pode ser arredondada (e neste caso, quando em forma fragmentria, por vezes difcil de distinguir do corpo, excepto pelas marcas de uso), plana e em forma de pedestal (p). Em alguns tipos de recipientes, bases redondas ou arredondadas podem apresentar uma pequena concavidade, e neste caso podem ser designadas como onflicas (por exemplo, alguns recipientes campaniformes). base redonda definida pela inexistncia de um plano de assentamento. base plana definida pela existncia de um plano de assentamento (podendo o fundo da pea ser liso ou cncavo). P ou Pedestal definido pela existncia de um elemento que eleva a base do recipiente. A juno do p com o corpo do recipiente pode ser angulosa ou arredondada (em contracurva). Fundo parede interior do vaso na zona da base.

Fundos planos e p/pedestal desenho: maria das dores cruz

nomenclatura, formas e partes dos recipientes

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m o rF o l o g i a d o s r eC i p ien Tes

A classificao de cermicas e a relao forma/funo contribuem para o papel central atribudo descrio e caracterizao de recipeintes cermicos. A descrio pormenorizada deve ser efectuada no campo Descrio do Programa Matriz, incidindo sobretudo nas variantes formais e tecnolgicas. Tentaremos aqui sugerir formas de descrio geralmente aceites na anlise morfolgica de recipientes cermicos e que foram desenvolvidas por vrios autores. Para um desenvolvimento mais profundo do tema, poder ser consultada a bibliografia extensa existente sobre o assunto, da qual alguma citada no fim do caderno. A variante tecnologia, tambm central na descrio e anlise de recipientes cermicos, foi j tratada nas seces anteriores. Na variante morfologia daremos nfase forma geral do recipiente e forma e orientao do bordo. As denominaes dos recipientes dependem da sua forma e funo, assim como do tamanho e tipo de abertura, podendo ainda variar segundo os perodos cronolgicos e a subjectividade analtica do arquelogo. Para reduzir ao mnimo a subjectividade da descrio, sobretudo da forma dos recipientes, recorre-se a descries baseadas em formas geomtricas (ver Tabela Geral de Formas). A descrio de forma aqui proposta baseia-se nos trabalhos desenvolvidos por Shepard (1974), Rice (1987) e Balfet et al. (1983). As referncias a formas e slidos geomtricos so usadas no s para d