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REESCREVENDO A HISTÓRIA, REPENSANDO O ENSINO: HISTÓRIA LOCAL E
ENSINO DE HISTÓRIA NA CIDADE DE XINGUARA/PA- OUTROS SUJEITOS,
SABERES E PRÁTICAS
LUCILVANA FERREIRA BARROS1
ROBERG JANUÁRIO DOS SANTOS2
Introdução
O projeto Novas Perspectivas para o ensino de História local e regional em Xinguara:
diálogos entre a Universidade e a educação básica, projeto desenvolvido no curso de História da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, IETU-Xinguara em diálogo com a educação
básica no município, financiado mediante bolsas de estudos para discentes a partir do Programa
de Apoio a Projetos de Intervenção Metodológica (PAPIM-UNIFESSPA/2016) tem como
objetivo desenvolver uma proposta de intervenção metodológica para o ensino básico (ensino
fundamental II) de trabalho com a história local/regional, de modo que além de sugerir o trabalho
ou o repensar acerca da história local/regional, possa-se ir além de um modelo de ensino
circunscrito as generalizações e distanciamentos provocados apenas pela utilização de livros
didáticos e regras escolares, pautando-se como via de entrada para os conteúdos, a partir da análise
de documentos históricos provenientes do lugar e estudos do meio voltados para a formação de
práticas interdisciplinares.
Nesse sentido busca-se capacitar professores de História da educação básica da rede
municipal de ensino de Xinguara para trabalharem com o ensino da história local junto às turmas
de 6º ao 9º ano do ensino fundamental II, propiciando a inserção do trabalho com documentos
históricos e estudo do meio na prática docente da educação básica, considerando tal procedimento
não só como reforço de estudo, mas entrada por meio de situação problema e interpretação do
mundo mais próximo, bem como aproximando a sociedade xinguarense da Universidade, criando
espaços de diálogos e troca de experiências que buscam enriquecer a formação discente e
qualificação docente no âmbito da educação básica local. A proposta do projeto, em consonância
1 Professora Mestre do curso de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará/UNIFESSPA. Texto resultante das atividades realizadas no projeto Novas Perspectivas para
o ensino de História local e regional em Xinguara: diálogos entre a Universidade e a educação
básica, vinculado ao Programa de Apoio de Intervenção Metodológica – PAPIM/Unifesspa. 2 Professor Mestre do curso de História da Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará/UNIFESSPA.
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com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, bem como com os Parâmetros
Curriculares Nacionais, e a partir do diálogo com Barros (2009); Samuel (1990); Fernandes
(1995); Bittencourt (2004); Fonseca (2012); Fagundes (2006); Martins (2004); Castro (2005);
Pereira (2014); Silva (2006); SCHMINK & WOOD, 2012, entre outros teóricos tem buscado
através de instrumentalização teórica, pesquisas documentais/mapeamento de fontes, realização
de diagnósticos; realização de oficinas temáticas, cursos de capacitação docente, entre outras
atividades, desenvolver esta proposta na perspectiva da releitura da História local repensando-a
na prática do ensino de História no município, estreitando os diálogos entre a Universidade e a
educação básica.
Conflitos, Memória e Migração no Sul e Sudeste do Pará: historicizando a região
Para melhor dá a ler o espaço estudado, se faz necessário a compreensão da historicidade
da região a qual encontra-se a cidade de Xinguara, notadamente a junção regional do Sul e
Sudeste paraense, oriunda inicialmente a partir de dois polos, a saber: Marabá e Conceição do
Araguaia. Marabá, às margens dos rios Itacaiúnas e Tocantins, ganhou sua formação ainda no
século XIX, mediante a sua expressão econômica tornando-se um tipo de entreposto comercial,
principalmente mediante a extração e comercialização do caucho. Na condição de burgo
agrícola, Marabá concentrava a intermediação da exploração das florestas de castanhais e da
goma elástica também advinda das florestas do Xingu. As elites do lugar, capitaneadas pelas
famílias ricas, donas dos meios de produção e comercialização, exerciam a representação
hierárquica e política, oportunidade em que se formava um contingente populacional
considerável com a eminente chegada de migrantes de várias regiões do Brasil, entres estes
lugares, cita-se Goiás e Maranhão. Ao longo dos anos as elites ligadas ao extrativismo vegetal
foram perdendo espaço e com o crescimento urbano da cidade outras elites compõem os
quadros de poder local, como pecuaristas e mineradores, mesclados com outros setores sociais
de uma cidade de porte médio que observou um avanço demográfico fora do comum mediante
a construção de hidrelétrica, estradas e projetos, como o Carajás (mineração).
Às margens do Rio Araguaia surgiu outra cidade antiga da região, notadamente
Conceição do Araguaia, palco da chegada, ainda no século XIX, dos primeiros habitantes
brancos da região, estes sendo sertanejos advindos do que hoje é o Nordeste na busca por pastos
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para a criação de gado. Outros grupos familiares chegaram à Conceição do Araguaia em função
de fugirem de conflitos por terra na região do Norte Goiano, assim passando a ocupar a região.
Todavia, a cidade só seria fundada em 1888 por freis dominicanos, como Gil Villa Nova e
Ângelo Dargainaratz, que na busca da catequização de indígenas, chegaram a região e iniciaram
a instalação de um povoado. Com uma formação agrícola, a cidade passou a viver do
extrativismo e do pastoreio, espaço ainda de considerada presença indígena dos Kaiapós e
Carajás.
Interessa evidenciar que a ideia de espaço vazio e a penetração do capital na região
promoveu um intenso fluxo migratório fazendo com que a região se torne complexa em pouco
tempo após a década de 1960. A busca da terra e do emprego, promessas dos governos militares
pós 1964, atraíram um contingente considerável de migrantes para a Amazônia Oriental,
quando pessoas do Goiás, Maranhão Piauí, Pernambuco, Ceará, Bahia, Minas Gerais, Paraná,
Mato Grosso, entre outros, atravessaram os rios Araguaia e Tocantins, gestando uma situação
de conflitos por terras e exploração dos recursos naturais da região.
Inicialmente relembra-se a condição de Xinguara enquanto cidade recente e formada no
impacto dos grandes fluxos migratórios para a Amazônia Oriental, em grande medida os planos
de desenvolvimento do Estado brasileiro para a Amazônia, incluindo o Sul e Sudeste paraense, se
intensificaram a partir das décadas de 1960 e 1970, por meio da abertura de rodovias, grandes
projetos hidráulicos/hidrelétricos, minerador e agropecuários. Assim, o Estado desempenhou
papel decisivo no processo de colonização da região. O Governo Federal visava integrar à
Amazônia brasileira ao restante do território nacional. Logo diversas propagandas circularam em
torno da Amazônia dentre os períodos de 1964 a 1985, Slogans como: “homens sem terra” para
“terra sem homens”, servindo como atrativos para migrantes que lutavam por uma porção de terra.
Com a implantação de eixos rodoviários, como a rodovia Belém-Brasília e a PA-150, ao
lado dos incentivos fiscais e apoios de créditos estabelecidos pela SUDAM (Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia), para projetos agropecuários e a descoberta da mina de ouro de
Serra Pelada, foi considerável o crescente fluxo de migrantes para as regiões Sul e Sudeste
paraense. A abertura de grandes estradas deu início a um processo de corrida às terras marginais
e devolutas. A partir deste contexto migratório, diversas famílias procedentes de Goiás, Mato
Grosso, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais, Bahia, entre outros estados do país, se deslocaram
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rumo ao Sudeste do Pará, em busca de uma vida melhor, assentando-se em terrenos laterais das
rodovias e em outros espaços da região.
Os conflitos agrários na Amazônia brasileira tiveram sua ascensão a partir da década de
1970 do século XX, e ocorreram, entre outros motivos, em razão da expropriação e expulsão dos
posseiros por grandes empresas privadas. Esse processo, de acordo com Martins (2004) foi
denominado de superposição da frente pioneira sobre a frente de expansão. Mas o que são esses
dois processos? E o que caracterizam essas frentes? Conhecidos como Frente de expansão, os
posseiros, em sua grande maioria compostos por migrantes de longas datas que ocuparam terras
devolutas e viviam em suas terras, sem nenhum tipo de documento que os legitimasse como
proprietários das mesmas. Já no que se refere à Frente pioneira, tratou-se de um movimento
essencialmente empresarial e capitalista de ocupação do território, representando a marcha das
grandes fazendas, o banco a casa de comércio, a ferrovia, o cartório, o Estado, etc.
A formação das cidades no Sul do Pará, como Xinguara, ocorreram devido a combinações de
processos econômicos que representam a frente de expansão, pois a extração da madeira, do ouro
e a exploração da terra denotam os principais atrativos para o Sul do Pará, região do Araguaia
paraense. Estas economias criaram as condições de emergência de uma série de cidades, bem
como de uma diversidade de conflitos. Conforme Pereira (2014), as décadas de 1970 e 1980 foram
marcadas no Sul do Pará por intensos conflitos de terras, o que inclui Xinguara. Conforme Silva
(2015), a propaganda em torno da Amazônia enquanto espaço vazio contribuiu para os referidos
conflitos, pois aos olhos do agronegócio, se a terra se encontra “vazia” gera-se a ideia de
disponibilidade para o “avanço” da “produção”. Importa dizer, ainda conforme Silva (2015), que
os territórios os quais se pretendem criar os estados dos Tapajós e Carajás registram um percentual
entre 60% e 80% de terras devolutas, ou seja, terras públicas sem destinação pelo Poder Público,
dado que permite Silva (2015) evidenciar que a criação destes dois Estados aceleraria o processo
de apropriação destes fundos territoriais. Ou seja, a estadualização destas terras, em grande
medida, será uma forma de oficialização de propriedade para vários grupos que compõem as elites
agrárias da região, fazendo avançar a frente do agronegócio sobre comunidades tradicionais que
habitam parte destas terras, como índios, quilombolas e camponeses.
Xinguara surge deste movimento em finais da década de 1970, quando chegavam os
primeiros migrantes, formando um pequeno povoado no qual recebeu o nome de “Entroncamento
do Xingu”, em virtude da sua localização no encontro das rodovias PA-150 e PA-279. A ocupação
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do território, onde está localizado o município de Xinguara, ocorreu devido à abertura da rodovia
PA-279, com a finalidade de ligar o município de São Félix do Xingu à rodovia PA-150. O marco
inicial da estrada foi fixado no entroncamento. Levas de imigrantes de diversas regiões vieram ao
município movido pelas notícias de terras baratas e fáceis, trabalho farto, muita madeira e ouro,
dando origem a um povoado em 1976 que recebeu por nome a junção de dois rios: Xingu e
Araguaia. De acordo com Shimink e Wood (2012), “Xinguara posicionou-se estrategicamente
entre as já consolidadas cidadezinhas de Conceição do Araguaia e Marabá. Sua localização fez do
povoado destino preferencial de milhares de migrantes que inundavam o sul do Pará nos anos 70”.
O Sul e Sudeste paraense formam uma região marcada por intensos conflitos, memórias
traumáticas e agressão ao meio ambiente, uma vez que o choque entre grupos, como índios,
camponeses e latifundiários por questões de terra passou a ser frequente produzindo eventos
traumáticos para a região, como o massacre de camponeses em Eldorado do Carajás, no ano de
1996. A extração da madeira ainda é um forte problema na região, sendo a floresta amazônica
extensamente devastada. Soma-se à extração da madeira o fato da construção de hidroelétricas e
a presença dos garimpos que além de derrubarem a floresta ainda danificam o solo.
Ensino de História e História Local em Xinguara/PA: desnaturalizando olhares
Desenvolver um projeto de pesquisa que busque repensar a história local traz em sua
natureza a necessidade de repensar não apenas as memórias e histórias estruturantes da identidade
local, mas as próprias formas de vivências elaboradas pelos habitantes deste espaço. Falar sobre
o Sul do Pará e a cidade de Xinguara e em especial nos obriga a analisar a historicidade das
camadas de discursos e memórias elaboradas sobre esta região. Em nossas pesquisas realizadas
entre os anos de 2016 e 2017 temos identificado muitas representações construídas tanto pelas
estruturas de poder local (nos documentos e discursos oficiais, sites, blogs, publicações, livros,
jornais, revistas, bibliografias e arquivos do município sobre a História local, etc), quanto pelos
próprios habitantes do município.
Em pesquisa de campo desenvolvido no ano de 2016 no município, em que buscávamos
mapear as representações sobre a História local elaboradas pelos estudantes da educação básica,
apreendemos uma série de informações que nos impulsionou a aprofundar as pesquisas sobre a
cidade em questão. Assim, para o desenvolvimento do projeto, a nossa equipe optou por realizar
um trabalho de reconhecimento do público que iríamos trabalhar, bem como perscrutar as
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possibilidades temáticas ligadas ao local e regional, este reconhecimento foi realizando mediante
a aplicação de um diagnóstico junto ao ensino fundamental II do município. Os diagnósticos
versaram sobre questões acerca da naturalidade dos pais, dos alunos, da renda familiar, do acesso
à rede mundial de computadores, da disciplina de História, da história local e regional e ainda um
espaço destinado a criatividade dos estudantes em representarem sua cidade por meio de
representação gráfica (desenhos).
Das respostas apresentadas pelos alunos muitas nos chamaram atenção, não apenas como
professores, mas como historiadores que buscam refletir sobre a região. Ao perguntarmos se estes
estudantes se sentem parte da História da cidade e região, percebemos que muitos não
responderam à questão; segundo, nota-se, pelas respostas, que a maioria dos estudantes
responderam que não se sentem parte da história destes espaços, o que nos conduz a pensar que
tal resposta muitas vezes foi impulsionada pelo desconhecimento da história da cidade e região,
pois a dimensão histórica apreendida pelos estudantes ainda guarda resquícios de um modelo de
conhecimento que:
“priorizava conteúdos relacionados à chamada “História da Civilização Brasileira” e
até mesmo à dita “História Universal” em detrimento da História Local. Isto estava de
acordo com uma visão político-ideológica proveniente do século XIX e que bem serviu
ao poder oficial, com o objetivo de se forjar a ideia de uma Brasil homogêneo, coeso,
sem conflitos e contradições sociais” (FERNANDES, 1995, p.45).
Assim, ao perguntarmos sobre a história do município em que vivem, muitos estudantes
reafirmaram o desconhecimento sobre a historicidade deste lugar, como podemos observar no gráfico
a seguir:
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Consulta aos estudantes do município acerca dos conhecimentos prévios sobre a História de
Xinguara/PA- ano 2016.
A equipe do projeto também perguntou antecipadamente, através dos diagnósticos, sobre
o conhecimento dos estudantes acerca da história de sua região ou a região que circunda a cidade
de Xinguara (Sul e Sudeste do Pará). O desconhecimento da história regional ainda foi maior do
que o desconhecimento sobre a história da cidade, o que implica pensar que é preciso rever a
disciplina de Estudos Amazônicos, que em tese deveria contemplar o estudo da história da região.
Vejamos o gráfico:
Consulta aos estudantes do município acerca dos conhecimentos prévios sobre a História do Sul do Pará- ano 2016.
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Estes dados serviram para o mapeamento da situação inicial das turmas e contribuíram
para o planejamento das atividades a serem desenvolvidas. Uma das etapas do diagnóstico,
aplicado junto aos estudantes, foi também requisitar destes a elaboração de uma representação
gráfica (desenho) acerca da sua cidade. Esta atividade demonstrou como determinados eventos e
temas fazem parte do imaginário e da percepção identitária dos estudantes, dando a ler suas formas
de apego espacial e maneiras de se reconhecer na sociedade em que se encontram inseridos. Como
podemos observar em algumas representações a seguir:
Estudante 1- Registro gráfico elaborado por estudante do 9º A
Neste desenho o estudante representa a migração para sua cidade, ocasião em que
possivelmente sua família chegou à região e a Xinguara em momentos de grandes fluxos
migratórios para estes espaços, seja na época da busca pela terra, dos garimpos, da extração
madeira ou da instalação das grandes fazendas de gado, entre as décadas de 1970 e 1990 ou ainda
entre as décadas de 1990 aos dias atuais, oportunidade em que continuou a chegada de pessoas
para trabalhar em fazendas e nas atividades extrativistas, principalmente em garimpos espaçados
nas regiões que circundam Xinguara, como Araguaia e Xingu. Deve-se ainda perceber, por uma
leitura da imagem, que o estudante 1 possivelmente representa a história da sua família, de modo
a enfatizar que chegados a região em ônibus estabeleceram residência e foram trabalhar no campo,
possivelmente em fazendas ou em garimpos, como podemos observar na imagem (parte inferior
do desenho).
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A representação dos garimpos também aparece como uma imagem bastante presente nas
narrativas dos estudantes, como podemos observar na imagem abaixo:
Estudante 2- Registro gráfico elaborado por estudante do 8º ano “A”
O imaginário do ouro que circula na região, notadamente aquele em que o minério, em
muitos casos, vale muito mais que pessoas, pois dimensiona várias pedras preciosas dando-lhe a
representação de grandiosidade em relação ao tamanho da pessoa que aparece ao lado de um
instrumento de trabalho, como a pá. A imagem também nos proporciona o estudo da relação entre
passado e presente, pois a representação da atividade revela certa percepção da extração do
minério tanto efetuada no passado com técnicas rudimentares, como a pá, quanto praticada no
presente, por meio do uso de equipamentos, como o trilho e carrinhos para o transporte do minério.
O ouro e a extração de madeira foram os dois grandes projetos que inicialmente foram os
responsáveis pela ocupação da região do Araguaia paraense. O estudante 2 representou as duas
atividades conectadas, o que implica presumirmos que o estudante 2, pela idade em média que
possui, entre 13 e 15 anos, ouviu as narrativas de parentes ou amigos e conhecidos sobre os dois
processos econômicos na região. É frequente as pessoas com um pouco mais de idade fazerem
menção aos tempos do ouro e da madeira em Xinguara, gestando na memória dos mais novos a
elaboração de lembranças de tempos passados marcados pelo auge de atividades extrativistas. A
construção positiva deste tipo de atividade extrativista, a ponto de a mesma ser representada
graficamente como ilustração da cidade, necessita ser problematizada no campo da história, pois
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a lógica extrativista na região é uma lógica predatória, não respeitando a natureza e seus recursos,
bem como merece atenção a condição dos trabalhadores vinculados a estes tipos de atividades
econômicas, pois a região do Sul do Pará é um espaço marcado pela violação dos direitos
trabalhistas e humanos.
Contudo, a partir das pesquisas realizadas nos acervos documentais e nos diagnósticos
apresentados, e uma vez realizada a leitura e análise das fontes, identificamos a temática da
Migração dentre as demais apresentadas, como uma das mais frequentes nas fontes, e, portanto,
de suma importância a ser analisada no ensino e na pesquisa histórica. Pois, a partir das pesquisas
realizadas nas fontes pudemos observar como ocorreu o processo de constituição da região Sul e
Sudeste do Pará, e Xinguara como parte deste processo, se constituindo a partir das mais diversas
ondas migratórias, advindas das mais diversas regiões do Brasil. Muitos destes migrantes,
identificados nas fontes históricas pesquisadas (documentos paroquiais, certidões de batismos e
casamentos, bem como das entrevistas realizadas com moradores locais) constituem estas
estatísticas de migrantes integrantes da população xinguarense, e seus filhos constituem as salas
de aulas do município, inclusive as salas de aulas parceiras deste projeto.
Assim, ao refletir acerca da História Regional e Local no ensino de História neste
município, a partir do diálogo sobre Migração para o Sul e Sudeste do Pará, pode-se demonstrar para
os alunos que eles e seus familiares fazem parte da História do município e região, e que os mesmos
são parte importante no processo de elaboração destes espaços. Comumente quando pesquisamos
sobre a história de Xinguara e região, as principais narrativas que aparecem sobre o lugar versam
acerca da participação de um conjunto de "homens pioneiros" advindos principalmente dos Estados
de Goiás, São Paulo e Minas Gerais, em geral grupos que teriam migrado para esta região com o
intuito de abrirem fazendas e se estabelecem no lugar, estes grupos são destacados nas narrativas
locais, atribuindo-lhes os principais papeis nas narrativas oficiais. Entretanto, a partir das pesquisas
nas fontes locais, identificamos a ampla participação popular no processo de construção da região,
migrantes, principalmente de estados nordestinos advindos do Maranhão, Bahia, Ceará, Piauí, entre
outros. Estes migrantes durante várias décadas foram silenciados nas histórias locais ou foram
sendo marginalizados na formação da região, como observou a historiadora Idelma Santiago da
Silva (2006, p.54) em relação aos:
“[...] migrantes maranhenses ainda hoje continuam sendo uma frente de migração negra
para o sudeste do Pará. Portanto, uma população de trabalhadores(as) que
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protagonizaram a história local, mas que tem sofrido um processo de invisibilidade ou
tem sido vista através de estereótipos”.
Não se obscura a grande presença de goianos na cidade, mas outros grupos de outros
lugares também constituíram a cidade e região. Estas populações estavam presentes em vários
momentos e espaços construtores do município, apesar de não possuírem destaques nas narrativas
oficiais, como foi possível observar na pesquisa, por parte da equipe do projeto, nos documentos
paroquiais da Igreja de São José Carpinteiro, em Xinguara, oportunidade em que os registros de
casamento, no quesito batismo dos noivos (homens) revela a presença de pessoas de vários
Estados do país em Xinguara, vejamos o gráfico:
Registros de casamentos com efeito civil (1979 – 2012). Paróquia de São José Carpinteiro em Xinguara
Outra temática bastante presente nas fontes pesquisadas foi a questão da terra, um tema
caro para a região, pois os conflitos agrários na Amazônia brasileira tiveram sua ascensão a partir
da década de 1970 do século XX, e surgiram, como mencionado anteriormente, de entrechoques,
em muitos casos, tanto de agentes da frente de expansão, quanto outros agentes da frente pioneira
que ocupavam terras e se confrontavam pelo domínio das mesmas. Em várias situações, os
trabalhadores passaram a ser expulsos das terras que ocuparam, terras estas devolutas, ocupados
pelos chamados posseiros: “(...) pequenos produtores agrícolas que compõem unidades de
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trabalho familiar, detentores de benfeitorias, roçados e animais de tração [...] abriram áreas
próprias de cultivo em terra devolutas e disponíveis, à margem das grandes explorações
agropecuárias. (ALMEIDA Apud PEREIRA, 2013, p.30). As ocorrências de conflitos de terra na
região do Sul e Sudeste do Pará ainda são uma realidade, demonstrando estes acontecimentos ser
não apenas um profícuo campo de estudos e pesquisas, mas uma importante área para
preocupações ligadas aos direitos humanos, frente aos dados:
PEREIRA, Airton dos Reis. Ocupações e conflitos de Terra no sul do Pará. 2014.
É preciso considerar que a situação do campo na cidade de Xinguara e região foi
possibilitada pelo perfil do trabalhador que migrou para esta região, pois conforme documentos
pesquisados na Igreja de São José Carpinteiro em Xinguara, boa parte dos homens chegados à
cidade tiveram como profissão ser lavrador, ou seja, condição que colocava um considerável
contingente de trabalhadores nas mãos dos fazendeiros da região. Os documentos referentes aos
casamentos nos mostram uma forte presença de lavradores na cidade, especialmente nas décadas
de 1980 e 1990. Vejamos o gráfico:
NÚMERO DE MORTES DECORRENTES DOS CONFLITOS DE TERRA NO
BRASIL, NO PARÁ E NO SUL DO PARÁ (1980 – 1993)
Períodos Brasil Pará Sul do Pará
1980 – 1984 499 100 66
1985 – 1989 641 361 157
1990 – 1993 215 67 16
Total: 1.355 528 239
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Registros de casamentos com efeito civil (1979 – 2012). Igreja de São José Carpinteiro em
Xinguara
Ao pesquisarmos nas fontes do poder Legislativo do município, especificamente naquilo
que se reporta aos requerimentos feitos à mesa diretora, identificou-se o discurso de um
parlamentar da cidade requerendo a mesa diretora da Câmara que interceda junto as autoridades
competentes acerca de ameaças feitas a membros do sindicato dos trabalhadores rurais de
Xinguara, relatando ainda ameaças feitas por pistoleiros. Uma situação não muito distante das
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representações feitas pelos estudantes ao retratarem a imagem da morte nos diagnósticos como
algo natural ao cotidiano da história do município, como podemos observar na imagem abaixo:
Estudante 3- Registro gráfico elaborado por estudante do 9º B.
A partir das várias representações elaboradas pelos estudantes pudemos mapear as
percepções destes sobre a história do município, pois o comando apresentado no diagnóstico os
interpelava sobre como estes imaginavam a história de Xinguara, demonstrando que os estudantes
detêm um conhecimento histórico sobre o município, e este destaca-se a partir de um mosaico de
imagens e representações mistas, imagens estas a serem problematizadas como detentoras de
camadas de discursos constituintes de identidades sobre a cidade e a região, como podemos
observar nas representações sobre a identidade do município atrelando-a a festividade típica do
lugar: a Festa Agropecuária de Xinguara - FAX, portanto, a cultura do latifúndio no município,
demonstrando assim o quanto o evento é parte dos seus referenciais sobre o local. Para melhor
dimensionarmos, observemos o brasão da cidade de Xinguara e o desenho elaborado pelo
estudante nº 4:
A sua maneira, é possível perceber a intenção do estudante em recriar, guardadas as
proporções, o brasão da cidade. Um brasão marcado pelos processos econômicos da produção de grãos
(trigo), uma castanheira e a agropecuária. A agropecuária dá o tom de certa produção da identidade
local em Xinguara, é notório a circulação da ideia de Xinguara a “capital do boi gordo”, o que provoca
Brasão da cidade de Xinguara. Disponível
em: http://www.xinguara.pa.gov.br/ Acesso
em: 13/08/2017.
Estudante 4- Registro gráfico elaborado por estudante do 9º A.
http://www.xinguara.pa.gov.br/
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certo apego a tal ideia, por parte das pessoas do lugar, inclusive os estudantes. Outro estudante
reverbera esta questão quando a expressou em seu desenho:
O fato de o estudante nº 5 resumir o seu desenho em um “boi gordo” exemplifica que a
produção da memória e da identidade é uma invenção humana, conforme interesses e contextos
históricos. É recorrente que as cidades construam pórticos em suas entradas principais representando
sua projeção identitária, neste ponto Xinguara também possui não um pórtico, mas sua placa de
entrada, seus dizeres identitários que tentam dizer aos que passam e aos ficam a sua identidade local,
como podemos observar na placa de entrada da cidade, localizada às margens da BR 155:
Estudante 5- Registro gráfico elaborado por estudante do 9º A.
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Placa de entrada da cidade, BR 155, Xinguara/PA.
A reprodução da ideia de “Boi Gordo” acaba ofertando uma ideia de fatura e robustez, todavia,
muitas vezes as pessoas do lugar não refletem que apesar de estarem em uma “capital do Boi Gordo”,
estas mesmas pessoas vivem em condições difíceis, que muitas vezes não possuem condições sequer
de comprarem o essencial para a alimentação diária. Por outro lado, “a capital do boi gordo” custa
caro ao meio ambiente da região, pois conforme estudo recente do sociólogo Francisco Durães, em
seu livro A Pata do Boi e os impactos ambientais na região do Araguaia Paraense (2016), o slogan “
o progresso na pata do boi” é uma falácia do ponto de vista ambiental, pois as fazendas de criação de
gado na cidade e região foram montadas a custo da derrubada de muitos km de mata nativa, destruição
do solo e das nascentes dos rios. A grande riqueza do gado não é distribuída na região, pois grande
parte dos fazendeiros são de outros estados e concentram a arrecadação da produção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das considerações apresentadas demonstramos o quão importante é o trabalho
com a história local no ensino e na pesquisa histórica, pois enquanto abordagem da História
contribui para que os estudantes compreendam seu lugar na história, pois é somente
dimensionando o local e regional é que os alunos conseguem perceber até que ponto os projetos
de saber e poder os silencia das narrativas da história estudada. O trabalho mediante diagnósticos,
oficinas, atividades, etc., apontam por um lado que há certo desconhecimento da história local e
regional; por outro lado, aqueles estudantes que fazem menção a história local/regional assim o
fazem se remetendo, em boa parte, a temas que acabam por corroborar com imagens que
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expressam domínios, mando, violência e/ou imagens harmônicas e sem dimensão de conflitos,
distorções e diferenças sociais, o que é no mínimo estranho para uma região formada a partir de
inúmeros conflitos e desrespeito aos direitos humanos. É com base nestas expressões da história
local, que nosso projeto tem buscado desnaturalizar lugares e imagens canônicas do local, pois
possibilita professores e estudantes questionarem os saberes locais exaltadores dos grandes
homens e projetos capitalistas, bem como questionarem suas próprias percepções do local, vista
como história dos pioneiros dominantes ou de modo harmônica, o que na realidade revelam
formas de exclusão e alienação. Portanto, como aponta Selva Guimarães (2012), o estudo do local
tem permitido aos estudantes a construção de suas identidades, pois os modos de pertencer e se
reconhecer estão sendo repensados.
REFERÊNCIAS
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