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392 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 392-397, jul/set, 1994 OPINIÃO / OPINION Nutrição e Desenvolvimento Nutrition and Development Ilma K. G. de Arruda 1 Bertoldo K. G. de Arruda 1 ARRUDA, I. K. G. & ARRUDA, B. K. G. Nutrition and Development. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 392-397, Jul/Sep, 1994. Discussions on development and nutrition frequently have a double focus: one that considers nutritional status as a reflection of development, and another that admits that nutrition strongly influences the level and rhythm of development. The authors view nutrition as a decisive factor for adequate social and economic development, specifying the fact that nutritional interventions might contribute to significant improvements in individual classroom performance, productivity at the workplace, and resistance to infections. The implications of malnutrition for the economy are thus evident: either by limitations in income expectations, increased costs deriving from burdens assumed by the population to protect themselves, or considerable hidden social costs — absenteeism, work accidents, and rotation of employees. Given modernization and a competitive economy, there is an unquestionable need for nutrition to head the agenda of national priorities, thus promoting human resource development and the preservation of this human capital, one of the chief goals of a socially responsible economy. Key words: Nutrition; Development; Public Policies; Human Resources INTRODUÇÃO Testemunhamos, nos dias atuais, uma vigorosa arregimentação de esforços para enfrentamento do desafio de resgatar a enorme dívida social, configurada por cerca de um terço da população brasileira na pobreza absoluta e metade desse terço na indigência. O eixo nuclear dessas ações está consubs- tanciado no Plano de Combate à Fome e à Miséria, onde um dos pólos de atuação se direciona à luta contra a pobreza estrutural, que é uma condição dependente do desenvolvimen- to, isto é, da ampliação das capacidades de toda a sociedade e dos indivíduos que a compõem. Alerta a Organização Panamericana de Saúde (1990), que superar os estrangulamentos do desenvolvimento é a única fórmula de empreender a rota do progresso efetivo, acentu- ando a necessidade crescente de muitos países das Américas darem atenção prioritária ao capi- tal humano que conforma seus povos, inquestionavelmente o instrumento indispensável para a expressão plena de suas potencialidades criativas e produtivas. Assim, cada ser humano representa um capital que, diz Musgrove (1993), mais do que a simples conotação de produtividade econômi- ca é, essencialmente, a soma de suas habilida- des e conhecimentos, aduzindo que o capital biológico é mais suscetível aos riscos que outros tipos de capital. Dentre os riscos que podem comprometer seriamente a elevação e qualificação das supra- citadas características, assumem particular relevo as deficiências nutricionais. Deste modo, se o fundamental para o desen- volvimento é o homem e se se aceita a qualidade de vida como objetivo do desenvolvimento, a Nutrição adquire importância inconteste como meio para alcançá-lo. As discussões nesse campo estão ganhando novas e significativas dimensões e talvez esteja- mos mais bem preparados para responder essas críticas de Hakim & Solimano (1976), que cobram dos defensores da Nutrição provas mais 1 Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Rua dos Coelhos, 300, Recife, PE, 50070-550, Brasil.

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392 Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (3): 392-397, jul/set, 1994

OPINIÃO / OPINION

Nutrição e Desenvolvimento

Nutrition and Development

Ilma K. G. de Arruda 1

Bertoldo K. G. de Arruda 1

ARRUDA, I. K. G. & ARRUDA, B. K. G. Nutrition and Development. Cad. Saúde Públ., Rio deJaneiro, 10 (3): 392-397, Jul/Sep, 1994.

Discussions on development and nutrition frequently have a double focus: one that considers nutritionalstatus as a reflection of development, and another that admits that nutrition strongly influences the leveland rhythm of development. The authors view nutrition as a decisive factor for adequate social andeconomic development, specifying the fact that nutritional interventions might contribute to significantimprovements in individual classroom performance, productivity at the workplace, and resistance toinfections. The implications of malnutrition for the economy are thus evident: either by limitations inincome expectations, increased costs deriving from burdens assumed by the population to protectthemselves, or considerable hidden social costs — absenteeism, work accidents, and rotation of employees.Given modernization and a competitive economy, there is an unquestionable need for nutrition to head theagenda of national priorities, thus promoting human resource development and the preservation of thishuman capital, one of the chief goals of a socially responsible economy.

Key words: Nutrition; Development; Public Policies; Human Resources

INTRODUÇÃO

Testemunhamos, nos dias atuais, umavigorosa arregimentação de esforços paraenfrentamento do desafio de resgatar a enormedívida social, configurada por cerca de um terçoda população brasileira na pobreza absoluta emetade desse terço na indigência.

O eixo nuclear dessas ações está consubs-tanciado no Plano de Combate à Fome e àMiséria, onde um dos pólos de atuação sedireciona à luta contra a pobreza estrutural, queé uma condição dependente do desenvolvimen-to, isto é, da ampliação das capacidades de toda asociedade e dos indivíduos que a compõem.

Alerta a Organização Panamericana deSaúde (1990), que superar os estrangulamentosdo desenvolvimento é a única fórmula deempreender a rota do progresso efetivo, acentu-ando a necessidade crescente de muitos paísesdas Américas darem atenção prioritária ao capi-

tal humano que conforma seus povos,inquestionavelmente o instrumentoindispensável para a expressão plena de suaspotencialidades criativas e produtivas.

Assim, cada ser humano representa umcapital que, diz Musgrove (1993), mais do que asimples conotação de produtividade econômi-ca é, essencialmente, a soma de suas habilida-des e conhecimentos, aduzindo que o capitalbiológico é mais suscetível aos riscos que outrostipos de capital.

Dentre os riscos que podem comprometerseriamente a elevação e qualificação das supra-citadas características, assumem particularrelevo as deficiências nutricionais. Destemodo, se o fundamental para o desen-volvimento é o homem e se se aceita a qualidadede vida como objetivo do desenvolvimento, aNutrição adquire importância inconteste comomeio para alcançá-lo.

As discussões nesse campo estão ganhandonovas e significativas dimensões e talvez esteja-mos mais bem preparados para responder essascríticas de Hakim & Solimano (1976), quecobram dos defensores da Nutrição provas mais

1 Instituto Materno Infantil de Pernambuco. Rua dos

Coelhos, 300, Recife, PE, 50070-550, Brasil.

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convincentes de que a desnutrição é o maiorobstáculo a esforços mais amplos em direçãoao desenvolvimento econômico, e também aconfiabilidade de estudos que extrapolam paradimensão nacional o efeito de deficiênciasnutricionais sobre o indivíduo.

Em que pesem as argumentações de que oestado nutricional é reflexo do desenvolvimen-to, está crescendo a legião dos que advogam ainfluência da nutrição no nível e ritmo dessedesenvolvimento, reconhecendo o capitalhumano como um dos capitais fundamentaispara promovê-lo. Daí a pertinência daobservação de Berg (1974), ao analisar arepercussão das carências nutricionais sobre opotencial econômico do homem, de quedevemos deslocar o enfoque da Nutrição,considerando-a mais um fator de desenvol-vimento do que de bem-estar.

PRINCIPAIS DELINEAMENTOS

Pretendemos, nos limites deste artigo, reali-zar uma abordagem exploratória dos agravosnutricionais referidos na literatura como demaior repercussão na economia. Portanto, estetexto cumpre o papel de position paper, a fim dedespertar o interesse para análises de maiorprofundidade.

Nessa temática, salienta Berg (1985), aindasão desconhecidos muitos dos efeitos da desnu-trição sobre o desenvolvimento, refletindo, emparte, a novidade sobre o tema e, em parte, acomplexidade para determinar o desempenhoe o desenvolvimento do homem.

No Brasil, os inquéritos mais recentes reve-lam a freqüência aumentada de certas carac-terísticas antropométricas — a estatura reduzidae o baixo peso corporal —, indicativas da ocor-rência da desnutrição em estágios diferenciadosnos períodos iniciais do ciclo vital.

Outrossim, o nanismo é referido constante-mente no noticiário da imprensa, como indica-dor de padrões nutricionais inaceitáveis denumerosos contingentes da nossa população.Sabe-se, em relação às crianças nanicas, quesuas realizações e comportamento acom-panham mais a estatura do que a idade.

Estudos da Organização Mundial de Saúde(OMS), referidos por Berg (1975), concluíram

que uma criança de seis anos com o desenvol-vimento físico de uma de três, não pode sercomparada em capacidade de aprendizagem ecomportamento a qualquer dos dois gruposetários — é um ser substancialmente diferente,com características biológicas e de comporta-mento próprios.

Certamente, um dos acometimentos maiscomprometedores da desnutrição é no tocantea capacidade mental, que se manifesta desde operíodo fetal.

Nas revisões da literatura, conforme Berg(1981: 11), está demonstrado “que a diminuiçãodo crescimento, tanto em estatura como em peso,associada com diversos graus de má nutrição éacompanhada de diminuição da circunferência docrânio, do tamanho do cérebro, do número decélulas cerebrais e também, em casos menos graves,de déficits nos resultados das provas de capacidadecognitiva e sensorial”. As avaliações realizadasrevelaram que “todas as regiões cerebrais sãoafetadas, embora diferentemente, pela diminuiçãoda divisão celular que acompanha a nutrição emidade precoce, no ventre materno e no primeiroano de vida”. Por sua vez, a constatação maispreocupante na cronologia da deficiência foia de que “as crianças que se rehabilitaram depoisde uma má nutrição grave seguem atrasadas nodesenvolvimento da atividade motora, da audição,da linguagem, do comportamento social e pessoal,da capacidade de resolver problemas, dacoordenação manual e visual e do pensamentoabstrato”.

Nesse contexto, a irreversibilidade do danoé um aspecto que vem polarizando as discus-sões.

Entretanto, consta de documento da Confe-rência Internacional sobre Nutrição (FAO/OMS, 1992a: 08), que “um estudo inovador deMartorell et al., realizado na Guatemala, locali-zou ao fim de l4 anos a maior parte das crianças emidade escolar, que haviam recebido alimentaçãocomplementar por intermédio de um projeto deestudo, achando que, apesar de não ter havidointervenções posteriores em sua alimentação, ascrianças que receberam a alimentação comple-mentar mantinham sua diferença de estatura e conse-guiam melhores resultados nos testes derendimento”.

Outro aspecto significativo são as alterações

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Arruda, I. K. G & Arruda, B. K. G.

do sistema imunitário nos desnutridos,constituindo a imunidade medida peloslinfócitos T o setor de resposta imune maisafetado, bem como o prejuízo na síntese ativade anticorpos (Sampaio, 1987).

Acreditamos que se torna desnecessárioampliar as citações a respeito desses agravos,porque já suficientemente elucidativas dosdesdobramentos negativos que podem acarretarpara o futuro dessas crianças carentes, influen-ciando:

• na gravidade e elevada mortalidade pordoenças infecciosas;

• na capacidade para concentrar-se e aprender;• no desenvolvimento do que os psicólogos e

pedagogos denominam “características deprontidão”, entre as quais a coordenaçãoviso-manual, a discriminação visual eauditiva, a orientação espacial, a ordenaçãotemporal, a memorização e a concentração;

• na repetência e evasão escolar;• na interação satisfatória com o meio onde

vivem;• na mobilidade ascendente na sociedade.

Enfim, se os especialistas evidenciam que ascrianças desnutridas não são bons estudantes,perdem boa parcela dos conhecimentos ofereci-dos pela escola, têm a atividade física reduzida einibida a capacidade de enfrentar as demandasda existência no dia-a-dia, cabe indagar:

• não seriam restritas as possibilidades deprogresso dessas crianças, levando-as aresultados deficientes na escola, à privaçãode experiências estimulantes e à perda deoportunidades de aprendizagem?

• quando adultos, não teriam limitadas ascondições de acesso ao mercado de trabalho,sujeitando-se a ocupações inferiores no setorprodutivo?

• no trabalho, o seu rendimento não seriainferior ao normal, limitando, portanto, asua expectativa de renda?

• as altas taxas de morbidade e de mortalidade,tendo a desnutrição como causa básica ouassociada, não implica aumento dos custosdos compromissos que a população assumepara proteger-se?

No tocante à melhoria da capacidade labo-ral, é bastante esclarecedor o estudo de SerraLeoa, referido em documento da FAO/OMS(1992b), demonstrando que um aumento de 10%no aporte calórico dos trabalhadores agrícolasaumentou sua produção em 5%.

Não hesitamos em deduzir que esses fatosrepercutem na economia. Daí a afirmação deReutlinger & Selowsky (1977), de que o estadode nutrição, principalmente na infância, consti-tui um importante instrumento de política naformação do capital humano.

Vale salientar, em que pese o declínio nosúltimos anos, que a desnutrição energético-pro-téica ainda constitui o mais grave e complexoproblema nutricional no país. Porém, outrosproblemas nutricionais igualmente relevantestrazem repercussões econômicas, que adiantesumariamos em seus delineamentos marcantes(Chahad & Cervine, 1988; Silva, 1986; Singer,1988).

De acordo com os dados disponíveis, o Brasile a Bolívia constituem os dois paísessulamericanos em que a hipovitaminose Aostenta proporções endêmicas, manifestandotendência epidêmica durante as grandes estia-gens. Além de estar associada aos elevadosíndices de mortalidade, os estudos indicam(Unicef, 1980) que cerca de 25% dos sobrevi-ventes à xeroftalmia grave perdem por comple-to a visão; cerca de 50 a 60% ficam parcialmentecegos e somente 15 a 20% escapam com a visãoinalterada. A nosso ver, as conseqüências sociaise econômicas são severas, cabendo apenasressaltar o pesado fardo que representa para afamília e a sociedade a manutenção de um cego.

Surpreendentemente, a prevalência dasanemias nutricionais vem aumentando deforma expressiva no país. A anemia reduz acapacidade para as atividades que exigemenergia, provocando, por exemplo, a apatia nascrianças e concorrendo, assim, para o fracassoescolar, e quanto mais intensa a anemia maiorserá a redução do rendimento laboral máximo.A carência de ferro também entorpece aresposta imunitária, reduzindo a capacidadebactericida dos fagócitos e há indícios dealterações da imunidade celular e humoral.

O bócio é um problema nutricional que estápraticamente controlado, convindo somente

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registrar a associação com o cretinismo e asurdo-mudez irreversíveis e com a deficiênciamental, constituindo, então, um onerosoencargo para a família e a comunidade.Ressalte-se que o bócio representa, ainda, aprincipal causa de idiotia evitável no mundo.

Finalmente, reforçam estes comentáriosacerca dos desperdícios humanos e econômicosocasionados pela desnutrição, os resultados deestudos da FAO/OMS (Berg, 1985) com variá-veis múltiplas de dados provenientes de 39países, chegando a conclusões surpreendentessobre a deficiência de energia como fatordeterminante da esperança de vida, do cresci-mento, da mortalidade infantil e da mortalidadede um a quatro anos.

A temática em foco foi objeto de discussãona Conferência Internacional sobre Nutrição(CIN), realizada em dezembro de 1992, emRoma, sob o patrocínio da FAO e da OMS,onde especialistas de 159 países revisaram esalientaram a grande importância das conse-qüências da má nutrição, em suas diversasformas, para o bem-estar humano e o desenvol-vimento sócio-econômico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reafirmamos o intuito de não esgotar oassunto, simplesmente oferecer uma base parao exercício da reflexão construtiva.

Em virtude do exposto, é inconteste que osinvestimentos em nutrição resultam em benefí-cios econômicos, porque:

• contribuem para um aumento potencial ouefetivo na capacidade produtiva das pessoas;

• liberam o setor saúde de recursos emprega-dos no tratamento de determinadas doençaspara aplicação em outro uso alternativo;

• propiciam aumento da freqüência à escola emelhoria dos resultados das inversões emeducação;

• concorrem para diminuir a incidência dedoenças transmissíveis e redução do númerode dias de trabalho perdidos devido aenfermidades;

• em sendo fundamentais para a saúde, oaprendizado, o trabalho e o bem-estar, in-fluenciam fortemente na conduta social dapopulação.

Por conseguinte, procede a assertiva deMusgrove (1993: 124), ao concluir que “os gastospúblicos em saúde parecem ser os mais distributivosque qualquer outro gasto público de ordem social”.

Na realidade, a obtenção de elevadas taxasde retorno desses investimentos sugere quequantidades adicionais de recursos devem serdirecionadas para nutrição e saúde.

Todavia, em tempos de crise, sentenciamalguns especialistas (Opas, 1990: 05), “a relaçãoentre saúde e desenvolvimento tem uma face amarga,pois à medida que mais se necessita dar atenção aosproblemas sociais mais drásticos são os cortes nosrecursos públicos”.

Isto está ocorrendo quando as maiorespreocupações convergem para a eficiência e aprodutividade, na alavancagem com vistas adesenvolver e modernizar o Brasil.

No quadro de desafios para atingir essesmarcos referenciais, desponta o desafio daqualidade que, esclarece Falcão (1993), étambém um desafio de desenvolvimentohumano e este depende, basicamente, dodesenvolvimento da educação.

Para aquilatar a gravidade da situação, diz esseautor que, segundo dados da ONU, apenas 12%dos trabalhadores brasileiros estariamhabilitados para trabalhar numa economiatecnologicamente moderna. Por sua vez, pesqui-sas de Lima (1993) têm registrado em empresas eorganizações, a existência de disfunções que setraduzem financeiramente em custos ocultos de10 mil a 20 mil dólares americanos portrabalhador e por ano, que poderiam ser trans-formados em lucro para a empresa e os traba-lhadores. E são alarmantes os indicado-res de custos ocultos de origem social — absen-teísmo, acidentes do trabalho (o Brasil écampeão mundial) e rotatividade de pessoal.

Daí a conclusão de Bezerra (1993), de quenão adianta somente investir em altatecnologia, temos que investir também naspessoas, pois são os elementos que vão impor oritmo ao desenvolvimento da qualidade,concorrendo para perpetuá-la.

Numa economia socialmente responsávelseria fácil identificar e combater os fatorescontributórios para situações tão desastrosas.Então, é preciso insistir no relevante papel daNutrição no desenvolvimento dos recursos

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Arruda, I. K. G & Arruda, B. K. G.

humanos e, conseqüentemente, na preservaçãodesse capital, considerado uma variável-chaveda modernização e da competitividade.

Será este o cenário que estamos descorti-nando no país?

Os objetivos do Plano de Combate à Fome eà Miséria conduzem à estimulação do cresci-mento econômico e do progresso social, promo-vendo um esforço de organização da sociedadesem precedentes na nossa história.

Desta maneira, vislumbramos um grandepotencial de mudanças nos anos finais destadécada, com a perspectiva da nutrição figurarbem alto na lista de prioridades nacionais.Sem dúvidas, seria difícil encontrar umaalternativa de investimento mais louvável ecompensadora.

Para isso, precisamos ficar atentos aoscompromissos assumidos pelos governos dos159 países participantes da CIN, inclusive oBrasil, que unanimemente aprovaram umaDeclaração em que prometeram “revisar oupreparar, antes do final de 1994, Planos de Açãopara a Nutrição” (FAO, 1993: 01), acentuandoque a melhoria da nutrição deve ser vista como“um objetivo de desenvolvimento por direito próprioe como um meio para consegui-lo” (FAO, 1993:12), e realçando a necessidade de serem “clarosos objetivos nutricionais que devem incorporar-seàs políticas e programas de desenvolvimento” (FAO,1993: 13).

Conclusivamente, os signatários dessaDeclaração Mundial enfatizaram que “se reco-nhece que a pobreza, a desigualdade social e a faltade educação são as causas radicais da má nutrição ese insiste que o melhoramento do bem-estar humano,incluído o nutricional, hão de ser o eixo dos esforçosdo desenvolvimento social e econômico” (FAO,1993: 01).

Para finalizar, cabe repetir as judiciosaspalavras de Josué de Castro (Castro, 1984: 91),o qual alertava para que os planos “não sejamuma espécie de cartão de visita do governo”, “comoum jogo de palavras que poderia cobrir a ineficáciade uma ação até hoje mal conduzida” (Castro,1984: 100).

RESUMO

ARRUDA, I. K. G. & ARRUDA, B. K. G.Nutrição e Desenvolvimento. Cad. SaúdePúbl., Rio de Janeiro, 10 (3): 392-397, jul/set,1994.

As discussões sobre desenvolvimento enutrição freqüentemente se realizam sob umduplo enfoque: aqueles que consideram oestado nutricional como reflexo dodesenvolvimento, e os que admitem que anutrição influencia fortemente no nível eritmo desse desenvolvimento. Os autoresfocalizam o tema visualizando a nutriçãocomo um fator decisivo para um bomdesenvolvimento social e econômico,particularizando o fato de que as intervençõesnutricionais podem contribuir para melhoriassignificativas nos resultados escolares, naprodutividade do trabalho e na resistência àsinfecções. Assim, os reflexos da desnutrição naeconomia seriam evidentes: quer pelaslimitações na expectativa de renda, quer peloaumento dos custos dos compromissos que apopulação assume para proteger-se, quer pelosavultados custos ocultos de origem social —absenteísmo, acidentes do trabalho erotatividade de pessoal. Em face dospropósitos de modernização e competitividadeda economia, é inquestionável a necessidadeda nutrição figurar bem alto na lista deprioridades nacionais. Com isso,promover-se-ia o desenvolvimento dosrecursos humanos e a preservação dessecapital, que é o ideário de uma economiasocialmente responsável.

Palavras-Chave: Nutrição; Desenvolvimento;Políticas Públicas; Recursos Humanos

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