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DIVERSIDADE DE MORCEGOS (CHIROPTERA, MAMMALIA) NA REGIÃO DO VALE DO RIO ACARÁ, PARÁ DIVERSIDAD DE BAT (CHIROPTERA, MAMMALIA) EN LA REGIÓN DEL VALLE DEL RÍO ACARÁ, PARÁ DIVERSITY OF BAT (CHIROPTERA, MAMMALIA) IN THE ACARÁ RIVER VALLEY REGION, PARÁ Victória Carolline do Moraes Gatti; Carlos Henrique Saraiva Dias; William Leslie Overal; Luiz Gonzaga da Silva Costa Introdução Os morcegos são críticos para o funcionamento do ecossistema, sendo um importante polinizador e dispersor de sementes, atuando na recuperação de áreas alteradas (Mikich; Bianconi, 2011), também são considerados bons bioindicadores dos processos de ecológicos por serem vulneráveis a perturbações de causas antropogênicos (Passos, et al. 2003). A mudança no uso da terra está associada à perda de espécies e seus serviços ecossistêmicos, e, pouco se sabe sobre a distribuição e abundância de espécies de morcegos em diferentes tipos de paisagens agrícolas, portanto, o gerenciamento proativo das comunidades de morcegos em paisagens agrícolas é essencial (Kelly et al. 2016; Weier et al. 2018) Desta forma, o presente estudo tem como objetivo relacionar as espécies a diferentes tipos de usos da terra, como floresta, floresta secundária e sistemas agroflorestais, com a hipótese de que os sistemas agroflorestais proporcionam uma maior abrangência de alimentos e condições favoráveis para a ocorrência de espécies de morcegos. Fundamentação Teórica A ordem Chiroptera representa a segunda maior ordem e mais numerosa em termos de riqueza da mastofauna brasileira, com 174 espécies (Paglia; et al., 2012). Na região Amazônica a distribuição de morcegos é bastante assimétrica, o que

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DIVERSIDADE DE MORCEGOS (CHIROPTERA, MAMMALIA) NA REGIÃO DOVALE DO RIO ACARÁ, PARÁ

DIVERSIDAD DE BAT (CHIROPTERA, MAMMALIA) EN LA REGIÓN DELVALLE DEL RÍO ACARÁ, PARÁ

DIVERSITY OF BAT (CHIROPTERA, MAMMALIA) IN THE ACARÁ RIVERVALLEY REGION, PARÁ

Victória Carolline do Moraes Gatti; Carlos Henrique Saraiva Dias; William Leslie Overal;Luiz Gonzaga da Silva Costa

Introdução

Os morcegos são críticos para o funcionamento do ecossistema, sendo um

importante polinizador e dispersor de sementes, atuando na recuperação de áreas alteradas

(Mikich; Bianconi, 2011), também são considerados bons bioindicadores dos processos de

ecológicos por serem vulneráveis a perturbações de causas antropogênicos (Passos, et al.

2003).

A mudança no uso da terra está associada à perda de espécies e seus serviços

ecossistêmicos, e, pouco se sabe sobre a distribuição e abundância de espécies de morcegos

em diferentes tipos de paisagens agrícolas, portanto, o gerenciamento proativo das

comunidades de morcegos em paisagens agrícolas é essencial (Kelly et al. 2016; Weier et al.

2018)

Desta forma, o presente estudo tem como objetivo relacionar as espécies a diferentes

tipos de usos da terra, como floresta, floresta secundária e sistemas agroflorestais, com a

hipótese de que os sistemas agroflorestais proporcionam uma maior abrangência de alimentos

e condições favoráveis para a ocorrência de espécies de morcegos.

Fundamentação Teórica

A ordem Chiroptera representa a segunda maior ordem e mais numerosa em termos de

riqueza da mastofauna brasileira, com 174 espécies (Paglia; et al., 2012).

Na região Amazônica a distribuição de morcegos é bastante assimétrica, o que

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influencia na amostragem da região, deixando fragmentos em total desconhecimento,

(Bernard et al. 2010; Martins et al. 2011) o que compromete os estudos sobre a dinâmica de

suas populações, e os tipos de serviços que prestam ao meio ambiente em que estão inseridos

(Reis et al., 2000). Devido a distribuição heterogênea dos indivíduos, a taxa de endemismo é

relativamente baixa, quando comparada a outros mamíferos em uma mesma amostra de área.

(Nowak, 1994).

Muitas espécies como Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) e Sturnira lilium

(Geoffroy, 1810) devido as suas dietas, são reconhecidas como dispersoras pioneiras de

gêneros como Piper, Solanum e Ficus. As formas variadas na dieta desses mamíferos lhes

atribuem uma função importante na composição e dispersão de espécies de fácil propagação,

tornando-os fundamentais no processo de sucessão ecológica, com importância na

recuperação de áreas.

Metodologia

O estudo foi realizado na Região do Vale do Rio Acará, localizada no nordeste

paraense, nos municípios de Bujaru e Tomé-Açu. O clima na região é tropical, caracterizado

por temperaturas sempre acima de 18 ºC, ventos de baixas velocidades, altos índices de

umidade relativa do ar (superior a 85%) e, precipitação média anual superior a 2.500 mm,

com uma alta pluviosidade ao longo do ano, mesmo no mês mais seco (RadamBrasil, 1974).

A vegetação da região é composta por floresta ombrófila densa com alta ação

antrópica (exploração madeireira, agricultura intensiva e plantações de dendeicultura.). A

área é caracterizada por fragmentos florestais cuja fitofisionomia é na maioria a Floresta

Primária e a Secundária em avançado estágio sucessional. Foram selecionados três tipos de

uso da terra: floresta primária (FLO), floresta secundária (denominada capoeira CAP) e

sistemas agroflorestal (SAF).

Em cada tipo de uso da terra foram demarcadas duas parcelas e, em cada parcela para

a captura dos morcegos foram instaladas redes de náilon do tipo neblina que mediam cada

uma 3,0 m de altura e 10 m de extensão, alinhadas sequencialmente em 10 unidades

(totalizando 100 m) (Handley, 1968; Manley, 2006).As redes foram abertas durante quatro

horas por noite, durante dez noites (totalizando 40 horas-rede por noite). A identificação dos

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morcegos e, caracterização dos hábitos alimentares, foi realizada em campo (Figura 1) com

auxílio dos livros “Morcegos do Brasil” (Reis et al., 2007), “Morcegos do Brasil: Guia de

campo” (Reis et al., 2007, 2013) e, “Plantas e Morcegos” (Bredt et al., 2012). O tratamento e

aspectos biométricos e morfológicos dos exemplares capturados seguiu as recomendações de

Brendt et al. (1998), nenhum animal foi machucado ou morto durante o manejo dos

exemplares.

Figura 1: Captura de morcegos em rede de neblina e, medição dos aspectos biométricos.

Fonte: Própria (2019)

Resultados e Discussões

Foram coletados um total de 219 indivíduos (122 fêmeas e 97 machos), em 14

espécies. O tipo de uso da terra com maior número de indivíduos e espécies foi o SAF, com

46,57% e, 85,71% respectivamente (Tabela 1), para florestas e capoeiras foram observados

valores similares entre esses tipos de uso. Tabela 1: Dados de biodiversidades obtidos a partir do número de espécies, indivíduos e índices Simpson de

diversidade por tipo de uso da terra.

Parâmetro FLO CAP SAF Total

Número de espécies (S) 8 7 12 14

Indivíduos (N) 57 60 102 219

Índice Simpson de diversidade (D) 0,63 0,38 0,32 0,40Fonte: Própria (2019)

A espécie com maior abundância foi Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758),

representando 61,2% da comunidade (Tabela 2), com nenhuma outra espécie representando

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mais que 12% da abundância total. C. perspicillata é uma espécie abundante nas florestas

da América do Sul e Central, sendo bem distribuída entre os biomas brasileiros (Reis et al.,

2007), possuindo várias estratégias utilização de variados habitats (Fleming, 1988). Não

houve registro do morcego hematófago Desmodus Rotundus (É. Geoffroy St.- Hilaire, 1810),

apesar desta espécie ter sido relatada por moradores na mesma área do monitoramento.

Tabela 2: Relação de espécies observadas, tendências alimentares (dieta) e tipos de uso da terra.

Nº Espécie Dieta

Fl

o CAP SAF

1 Artibeus lituratus (Olfers, 1818) F,I 1 3 3

2 Artibeus planirostris (Spix, 1823) F 4 6 10

3 Carollia perspicillata (Linnaeus, 1758) F,I 45 35 54

4 Dermanura cinerea (Gervais, 1856) F 2 9 14

5 Hsunycteris thomasi (J.A. Allen, 1904) I,N,P 1 4 4

6 Mesophylla macconnelli (Thomas, 1901) F,I 0 1 0

7 Platyrrhinus sp. F 0 0 1

8 Rhinophylla pumilio (Peters,1865) F 2 2 9

9 Rhynchonycterisb naso (Wied- Neuwied,1820) N,P 0 0 1

10 Saccopteryx bilineata (Temminck, 1838) I 0 0 2

11 Sturnira lilium (E. Geoffroy, 1810) F 0 0 2

12 Thyroptera tricolor (Spix, 1823) I 0 0 1

13 Tonatia saurophila (Koopman & William, 1951) I 1 0 0

14 Uroderma bilobatum (Peters, 1866) F,I 1 0 1

Fonte: Própria (2019)

Legenda: F=Frutas, N=néctar, P=pólen, I=insetos.

Seis espécies foram observadas nos três tipos de uso da terra e, cinco espécies

somente nos SAF’s. No total apenas duas espécies (T. saurophila e M. macconnelli) não

ocorreram nos SAF’s, oito e sete espécies respetivamente, não foram registradas nas florestas

e capoeiras. A única espécie ocorrente somente na floresta T. saurophila pode ser uma

espécie indicadora ecológica mais sensível as perturbações antrogênicas.

Analisando as tendências alimentares, a maioria das espécies eram frutívoras ou

insetívoras, as espécies frutívoras são potencialmente dispersoras de sementes e, as

insetívoras podem atuar como controladoras de pragas. A maior ocorrência de indivíduos e

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espécies no SAF, pode estar relacionado a maior disponibilidade de alimentos (frutas e

insetos) nestes ambientes devidos as alterações antrópicas, ou seja, no SAF é possível

conservar morcegos e os serviços ecossistêmicos que eles podem fornecer. Em decorrência da

quantidade de atividades antrópicas na região, os hábitos noturnos dos morcegos e, a seca na

região no período do presente estudo, as consolidações de dados por espécies foram

dificultadas e, o inventário dos quirópteros, necessita ser trabalhado com maior ênfase. Isso

facilitará a identificação e o processo de catalogar esses mamíferos, possibilitando uma

melhor base para o planejamento ambiental na região.

Conclusões

Um inventário com maior número de pontos amostrais é necessário para se relacionar mais

fortemente as espécies aos tipos de uso da terra ou as espécies são adaptáveis aos três

ambientes estudados devido suas similaridades ambientais, com as capoeiras em bom estado

de conservação e, os Saf’s já estabelecidos, servindo como refúgio a perda de habitat devido a

fragmentação florestal na região. Embora este estudo não elucide os efeitos diretos nas

populações de morcegos, os resultados sugerem influência das modificações antrópicas pelo

uso da terra no comportamento dos morcegos.

A hipótese de que os sistemas agroflorestais proporcionam maior abrangência de espécies foi

aceita, devido a maior disponibilidade de alimentos nestas áreas.

Morcegos são difíceis de estudar por causa dos seus hábitos noturnos e muitas áreas

da Amazônia ainda não possuem uma lista de espécies. Assim, o estudo representa uma

contribuição ao conhecimento dos quirópteros e, em consequência, um melhor planejamento

ambiental para conservação da diversidade nesta região.

Referências

BIANCONI, G.V.; MIKICH, S.B. Restauradores de florestas: aromas de frutas pode fazermorcegos dispersarem sementes em áreas desmatadas. Ciência hoje, v. 48, n. 285, p. 46-50,2011.BRASIL. Projeto RADAM. Folha SA-22 Belém: geologia, geomorphologia, solos, vegetaçãoe uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Ministério de Minas e Energia. DepartamentoNacional da Produção Mineral, 1974. (Levantamento de Recursos Naturais, 5).

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