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Negócio processual acerca da distribuição do ônus da prova Página 1 NEGÓCIO PROCESSUAL ACERCA DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 463 - 487 | Mar / 2015 DTR\2015\2135 ___________________________________________________________________________ Lucas Buril De Macêdo Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo. Advogado. Ravi de Medeiros Peixoto Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo. Procurador do Município de João Pessoa. Área do Direito: Processual Resumo: Com a crescente importância atribuída aos chamados negócios jurídicos processuais ou acordos processuais, inclusive diante do incremento de importância que o novo Código de Processo Civil proporciona, o negócio processual acerca do ônus da prova merece ser analisado com cuidado - já que foi praticamente ignorado pela doutrina. O presente trabalho se propõe a fornecer uma compreensão adequada dos negócios processuais acerca da distribuição do ônus da prova, esclarecendo os seus pressupostos, requisitos de validade e condições de eficácia, sem deixar de lado a importante questão da postura do magistrado perante ele. Palavras-chave: Ônus da prova - Negócios processuais - Distribuição do ônus da prova. Abstract: With the enhancing importance assigned to the procedure agreements, including because the relevance growth proportioned by the new Brazilian Procedure Code, the procedure agreement about the burden of proof deserves to be carefully examined - since it has been nearly ignored by the Brazilian doctrine. This work intends to provide a proper comprehension of the procedure agreements about the burden of proof, clarifying it premises, validity requirements and efficacy conditions, without neglecting the important issue of the magistrate posture before it. Keywords: Burden of proof - Procedure agreement - Burden of proof distribution. Sumário: - 1.Introdução - 2.Aspectos gerais acerca dos negócios jurídicos processuais - 3.Ônus da prova: noção básica, distribuição dos encargos probatórios e aplicação - 4.Convenções acerca do ônus da prova Recebido em: 27.08.2014

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Negócio processual acerca da distribuição do ônus da prova

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NEGÓCIO PROCESSUAL ACERCA DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Revista de Processo | vol. 241/2015 | p. 463 - 487 | Mar / 2015

DTR\2015\2135 ___________________________________________________________________________ Lucas Buril De Macêdo Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo. Advogado. Ravi de Medeiros Peixoto Mestrando em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE. Membro da Associação Norte Nordeste de Professores de Processo. Procurador do Município de João Pessoa. Área do Direito: Processual Resumo: Com a crescente importância atribuída aos chamados negócios jurídicos processuais ou acordos processuais, inclusive diante do incremento de importância que o novo Código de Processo Civil proporciona, o negócio processual acerca do ônus da prova merece ser analisado com cuidado - já que foi praticamente ignorado pela doutrina. O presente trabalho se propõe a fornecer uma compreensão adequada dos negócios processuais acerca da distribuição do ônus da prova, esclarecendo os seus pressupostos, requisitos de validade e condições de eficácia, sem deixar de lado a importante questão da postura do magistrado perante ele. Palavras-chave: Ônus da prova - Negócios processuais - Distribuição do ônus da prova. Abstract: With the enhancing importance assigned to the procedure agreements, including because the relevance growth proportioned by the new Brazilian Procedure Code, the procedure agreement about the burden of proof deserves to be carefully examined - since it has been nearly ignored by the Brazilian doctrine. This work intends to provide a proper comprehension of the procedure agreements about the burden of proof, clarifying it premises, validity requirements and efficacy conditions, without neglecting the important issue of the magistrate posture before it. Keywords: Burden of proof - Procedure agreement - Burden of proof distribution. Sumário: - 1.Introdução - 2.Aspectos gerais acerca dos negócios jurídicos processuais - 3.Ônus da prova: noção básica, distribuição dos encargos probatórios e aplicação - 4.Convenções acerca do ônus da prova

Recebido em: 27.08.2014

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Aprovado em: 22.12.2014

1. Introdução

No direito processual, um dos temas que ganha bastante relevância, e é cada vez mais estudado entre os processualistas, é o dos negócios processuais ou, como preferem alguns, contratos processuais. Com o futuro Código de Processo Civil sua importância apenas cresce, diante de novas possibilidades, notadamente a do calendário processual.1 Começam a surgir textos doutrinários com a propositura de negócios processuais atípicos, que podem modificar bastante a nossa prática processual.2

Trata-se de instituto que permite aos litigantes modular aspectos processuais ou o próprio iter processual conforme sua vontade, estabelecendo-se efeitos que reputem importantes para a dissolução da controvérsia.3 Há forte chancela da autodeterminação dos sujeitos processuais, assumindo verdadeira corresponsabilidade pela prestação jurisdicional.

O tema vem angariando um número crescente de estudiosos, que se dedicam aos negócios processuais com o intuito de esclarecer tanto as diretivas gerais como, especialmente, as condicionantes que a matéria deve ter ao ser versada no direito processual civil.4

É notável a influência que a arbitragem causou no novo Código de Processo Civil, com a valorização da autonomia da vontade das partes. Uma vez que, na arbitragem, existe grande amplitude de flexibilização do procedimento,5 o aprendizado doutrinário daquela experiência acaba motivando aprendizados que garantem uma nova forma de se observar a jurisdição estatal. Inclusive, destaca a doutrina, que a ampla participação das partes na moldagem do procedimento, seria um dos fatores que geram o elevado índice de “efetivo cumprimento das sentenças arbitrais”.6

Um processo civil extremamente burocrático e inapto à flexibilização dificilmente conseguirá se moldar aos anseios das partes e aos seus respectivos direitos materiais, diminuindo a legitimidade do procedimento pela ausência da valorização da autonomia da vontade das partes. Se o procedimento é um dos fatores legitimadores da atividade judicial “De certo o afastamento das iniquidades da rigidez procedimental contribuiriam para melhor aceitação do produto concebido após regular procedimento”.7 A partir do aprendizado sobre a valorização da autonomia da vontade que ocorre na arbitragem, muito pode ser aproveitado para o processo estatal. Um dos grandes exemplos é a previsão, no art. 478 do novo CPC, da possibilidade da escolha consensual dos peritos, experiência já utilizada amplamente no processo arbitral.8

Um particular tema em que se permite sua utilização há muito, conquanto a notória resistência de setores particulares da doutrina e da jurisprudência à admissão da categoria dos negócios jurídicos processuais, é o da distribuição voluntária do ônus da prova.

Desde a promulgação do Código de Processo Civil vigente, em 1973, o parágrafo único do art. 333 permite, a contrario sensu, a regulação acerca de a quem cabe provar os fatos relevantes para a causa. Realmente, o dispositivo em comento disciplina que é “nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando”, estabelecendo em seus dois incisos as restrições a negócios sobre o onus probandi, quais sejam, os “sobre

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direito indisponível da parte” ou que acabem por “tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.

Muito embora a previsão tenha mais de 40 (quarenta) anos, não se tem notícia de casos relevantes sobre o tema ou mesmo de algum setor negocial em que o dispositivo tenha sido empregado com proveito.9

De toda forma, diante do verdadeiro estímulo do vindouro novo Código de Processo Civil aos negócios processuais, ao que se soma o entusiasmo doutrinário com o tema, parece que novos ventos efetivamente virão para os negócios processuais. Dentre eles, se inclui a inversão consensual do ônus da prova, que, justamente por ter sido uma regra relegada a segundo plano, precisa ser analisada com uma visão renovada e cuidadosa.

Portanto, este trabalho buscará esclarecer suas principais características e sua relação com as demais normas que regulam o ônus da prova, estabelecendo-se seus limites. Todavia, antes de analisar propriamente os negócios processuais sobre o onus probandi, cumpre destacar alguns aspectos gerais sobre os negócios processuais e sobre o ônus da prova.

2. Aspectos gerais acerca dos negócios jurídicos processuais

O conceito essencial para o funcionamento do direito é o de “fato jurídico”.10 Fato jurídico é o resultado do fato concreto da vida que, por ser previsto em hipótese normativa, acaba por ingressar no mundo jurídico, atribuindo-lhe determinados efeitos. Nas palavras de Pontes de Miranda, “Para que os fatos sejam jurídicos, é preciso que as regras jurídicas – isto é, as normas abstratas – incidam sôbre êles, desçam e encontrem os fatos, colorindo-os, fazendo-os ‘jurídicos’. Algo como a prancha da máquina de impressão, incidindo sôbre fatos que se passam no mundo, posto que aí os classifique segundo discriminações conceptuais”.11 Assim, o fato social, diante da incidência normativa, pode ser perspectivado como jurídico, que detém eficácias próprias.12

Os fatos jurídicos são classificados conforme o seu suporte fático, ou seja, de acordo com os elementos necessários para a incidência da norma. Em apertada síntese, os fatos jurídicos lícitos podem ser classificados em: (1) fatos jurídicos stricto sensu, quando se tratar de fato não humano que possua efeitos jurídicos previstos (ex.: aluvião, art. 1.250 do CC/2002);13(2) atos-fatos jurídicos, que são os atos humanos que independem da vontade, pelo que são perspectivados como fatos (ex.: revelia, art. 319 do CPC/1973, art. 351 do NCPC); (3) atos jurídicos stricto sensu, que são aqueles nos quais a vontade é relevante para sua existência, embora insignificante para os efeitos, que são previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico e são invariáveis e inexcluíveis;14 e, finalmente, (4) os negócios jurídicos,15 conceituados como fatos jurídicos nos quais a vontade é relevante e a produção de efeitos, dentro de certos parâmetros, poderá ser regulada pelos sujeitos, o que dá ensejo ao chamado autorregramento da vontade.16

No que toca à atribuição de processualidade ao fato jurídico, ou seja, o que define o fato jurídico como processual, não se deve observar a “sede” do ato, se praticado durante a cadeia de atos que forma o processo ou fora desta,17 mas sim se houve a incidência de normas processuais neste. Desta forma, não só os atos processuais em sentido estrito

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farão parte deste universo, mas todos aqueles relacionados ao processo, como, por exemplo, um negócio jurídico de alienação de direito litigioso, uma vez que, embora este seja realizado fora do processo, produz o efeito processual ao adquirente de ingressar no processo como assistente.18

Embora existam opiniões contrárias, não interessa se o fato em questão é de direito substancial, porque o fato de ser contemplado pelo direito material não impede de sê-lo também por normas processuais. O mesmo fato do mundo, caso interesse ao direito, pode corresponder a dois ou mais fatos jurídicos, uma vez que “o fato do mundo continua lá, com a sua determinação no espaço e no tempo, a despeito da sua entrada ou das suas entradas no mundo jurídico”.19 É dizer, muito embora o fato seja único, a incidência de diferentes normas jurídicas pode gerar, a partir dele, mais de um fato jurídico, cada um com suas respectivas eficácias.

O conceito de negócio jurídico pertence à Teoria do Direito, e, por isso mesmo, é plenamente aplicável ao direito processual civil, como o é a qualquer outro ramo especializado do Direito.20

O âmbito de autorregulação, entretanto, no direito processual civil, é que se diferencia do permitido no Direito Privado, diante da estrutura triádica da relação processual e da participação do Estado-juiz, que presta serviço essencial.21 Como é evidente, a intermediação do Estado-juiz na relação processual apresenta características próprias, que precisam ser delineadas com cuidado. Assim, muito embora o conceito de negócio jurídico recebido em sua plenitude, o seu cabimento no direito processual não é tão simples.

Assim, a existência dos negócios jurídicos processuais foi posta à controvérsia, visto que muitos negavam a possibilidade dos sujeitos processuais adequarem conforme sua vontade o processo, especialmente diante da natureza pública de suas normas.

É dizer, enquanto se precisou afirmar a natureza publicista das normas processuais, determinadas a regular a prestação do serviço jurisdicional, certamente público e informado por importantes valores coletivos, acabou-se, por ricochete, eliminando a possibilidade teórica de existência de negócios jurídicos processuais, pois permitiriam que a vontade dos jurisdicionados se sobrepusessem à lei processual, o que seria incompatível com a indisponibilidade do interesse público ditado pelas normas reguladoras do processo.22

Pois bem.

É certo que o processo não equivale ao direito privado e que a participação do Estado nesta relação jurídica, de essencialidade social, reclama uma tratativa específica. Todavia, não há de se esquecer que os maiores interessados na solução da relação material posta à decisão são as próprias partes, que podem, sendo o caso, dispor do bem da vida do processo como bem entenderem. É dizer, dependendo da normatização do direito material em questão, podem os sujeitos processuais, caso tenham legitimidade para tanto, dispor do direito afirmado, transacionando, renunciando a ele ou reconhecendo sua existência e cumprindo-o.

Não há razão, portanto, para excluir a possibilidade de negócios jurídicos processuais de forma absoluta. É certo que a presença do Estado, como suas características fundamentais

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de necessidade de aparelhamento adequado e necessidade de funcionamento em conformidade com o império do interesse público, não permite uma amplitude tão larga de regulação do processo como se daria numa celebração negocial típica de direito privado.23 Dizer que a liberdade é limitada, no entanto, não equivale a negá-la.24

Ora, desde que não haja disposição contrária ou incompatibilidade sistemática ou pragmática, deve ser oportunizado às partes a chance de determinarem qual a melhor forma procedimental para a solução da controvérsia, com possibilidade de disposição sobre suas situações jurídicas processuais. Com efeito, quando a celebração do negócio jurídico estiver nos limites do propósito do Estado, que é resolver conflitos e afirmar o ordenamento jurídico, e for desejado e pactuado de forma livre pelos sujeitos parciais, a sua realização, ao contrário de confrontar o devido processo legal, é medida que o afirma e, mais do que isso, leva a um regime de colaboração entre os sujeitos processuais que reforça verdadeira corresponsabilidade no processo.

Não há, portanto, qualquer óbice jurídico racional à realização de negócios processuais. Todavia, não cumpre apenas afastar o radicalismo injustificado de sua proibição, mas também os excessos típicos das ideias novas e da empolgação: o processo não é ambiente apropriado para a celebração de quaisquer pactos. “Daí se pode concluir que a margem deixada à vontade pelo sistema jurídico traça os contornos do campo onde se pode exercer o poder de autorregramento (autonomia)”.25

A conveniência do Judiciário deve ser levada em conta.26 Caso as partes queiram estipular procedimento atípico e custoso, ou irrazoável ou mesmo incompatível com a carga de trabalho do órgão jurisdicional, nada justifica sua simplória imposição ao Judiciário, que, bem vistas as coisas, é sujeito na relação processual e, por isso mesmo, sua vontade é imprescindível. Não se pode tolerar a criação de uma teoria que, a pretexto de possibilitar a autorregulação dos sujeitos processuais, prescinda da vontade do Estado-juiz, que também participa da relação processual.27

Igualmente, e além do disposto acima, não se deve tolerar negócios que imponham cerceamento desmedido aos direitos fundamentais processuais.28 É dizer, não se pode admitir como válido acordo que crie situação de extrema desvantagem para algum dos sujeitos parciais, o que feriria a igualdade processual, bem como é impossível negócio processual que afaste a boa fé processual ou o dever de cooperação, que são expressões indisponíveis do due process of law.

O desafio se põe a toda a processualística: aclarar o instituto, dando precisão ao seu âmbito de aplicação, às suas condições de validade, especialmente no que toca à extensão da regulação do Código Civil à espécie, e seus limites.

3. Ônus da prova: noção básica, distribuição dos encargos probatórios e aplicação

Malograda29 a atividade instrutória, o juiz não terá condições de vislumbrar as premissas suficientes à perfeita aplicação do direito objetivo, no entanto, “impossível será ao juiz tirar do non liquet em matéria de fato um non liquet nas questões jurídicas, pois ao magistrado

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sempre incumbe o dever indeclinável de sentenciar e decidir”.30

Dessa forma, cuida o ordenamento de fornecer meio para que, malograda a instrução do processo, ainda que em estado de dúvida, o julgador possa proferir decisão, completando a prestação jurisdicional. A decisão será baseada no ônus da prova, instituto tido como a espinha dorsal do processo civil,31 essencial, já que “la seguridad jurídica, la armonía social, el interés general en que se realicen los fines propios del proceso y la jurisdicción reclaman su existencia”.32 É esse, basicamente, o objetivo do ônus da prova: permitir uma decisão definitiva, mesmo nos casos onde não haja convicção de certeza.33

Pode-se ter o onus probandi sob dois vieses, subjetivo, ou seja, regra de procedimento, servindo como norte à atividade das partes, para que se empenhem na produção das provas da fattispecie necessária à consecução do efeito jurídico pleiteado; ou objetivo, regra de julgamento, vislumbrada a situação de inesclarecibilidade, o julgador atribuirá o insucesso a uma das partes, conforme a distribuição do risco.

Ressalta-se que o ônus da prova é um ônus imperfeito, eis que, mesmo tendo o sujeito cumprido a carga legal, poderá não receber o efeito esperado quando o fato jurídico não autorizar o pedido, ou pode ocorrer a produção de prova de fato extintivo, modificativo ou impeditivo pela parte adversa, gerando, apesar da iniciativa da parte incumbida do ônus da prova, um resultado a ela desfavorável. Ao contrário, ainda que a parte onerada não cumpra com seu encargo, pode vir a ter o julgador convencido a seu favor, seja por prova produzida pela parte adversa – decorrência do princípio da aquisição das provas –, pelo próprio juiz, ou mesmo quando não houver prova.34

Tratemos do Código de Processo Civil de 1973.

Cabe, segundo a regra geral do art. 333 do CPC, ao autor a prova dos fatos constitutivos do seu direito, e ao réu a prova dos fatos extintivos, modificativos e impeditivos do direito do autor; não necessita, portanto, provar a negativa direta da causa de pedir (negativa non sunt probanda). Logo, o critério de repartição da carga é fixado com base na natureza do thema probandum e no polo processual integrado pelo sujeito.

Tem-se, na regra esculpida no Código de Processo Civil de 1973, na verdade, pouca preocupação com a justiça do caso concreto, mas apenas com a mera solução do caso – “justiça da lei” –,35 não se perquirindo quem é mais hábil a provar ou se a aplicação da regra, em certas situações, provoca injustiças. Toda sua determinação se exaure na posição processual da parte e da fattispecie a depender de comprovação. Sua função é principalmente a de obstar o non liquet.36

O novo Código de Processo Civil manteve a distribuição prévia nos mesmos moldes. É dizer, segundo a vindoura lei processual, a princípio, caberá igualmente ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor, tudo conforme o dispositivo normativo do art. 380. Todavia, há uma novidade de extrema relevância, prevista em seu primeiro parágrafo: é possível, quando preenchidos seus requisitos, a dinamização do ônus da prova.37

No ponto, cumpre uma digressão acerca das teorias sobre a distribuição da carga probatória, que são a estática e a dinâmica.

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A teoria da distribuição estática do ônus da prova é caracterizada pela predisposição em norma da carga probatória, de maneira fixa e geral, a partir dos critérios previstos em lei. Ao longo da história do processo foram adotados diversos critérios, tais como o da alegação (Ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat), o da normalidade (os fatos comuns não necessitam de prova, mas unicamente os extraordinários), o de prova do autor a priori (actore incumbit probatio), entre outros.38

O Código de Processo Civil pátrio, consoante exposto, adota a doutrina da distribuição estática do ônus da prova, utilizando como critério a posição processual da parte e a natureza do fato probando, conforme enuncia o art. 333 do CPC. A distribuição é feita pela lei e, a princípio, não cabe ao juiz refazê-la no caso concreto, salvo exceções previstas, como a inversão do ônus em favor do consumidor (art. 6.º, VIII, do CDC), ou redistribuições prévias feitas pelas leis (as chamadas inversões ope legis, a exemplo da previsão do § 3.º do art. 12 do CDC).

No entanto, diante da constitucionalização do processo e da preocupação com o acesso à justiça e por força do princípio da cooperação e da boa fé processual, passou-se a entender necessária uma técnica que equilibrasse as forças dos sujeitos parciais quando um deles detivesse maior capacidade probatória, em detrimento da parte adversa, que, conquanto sua deficiência, via-se instada a produzir uma prova de grave dificuldade, ou teria sua ação julgada improcedente. Nesses casos, negar uma nova distribuição do onus probandi equivale a negar o próprio direito do sujeito, impedindo o acesso à justiça. Sublinhe-se que, para afastar o art. 333 do CPC, faz-se essencial o método adequado: o controle circunstancial de recepção do texto normativo frente à Constituição Federal.

Muito embora o forte alicerce constitucional da técnica, sua aplicação levou os tribunais ao dissenso e à dúvida. Sua aplicação foi tanto realizada como negada.

O novo Código de Processo Civil, fincado na realização da Constituição e dos direitos fundamentais processuais, acabou com as dúvidas: passa-se a prever, expressamente, a dinamização da carga probatória, não se fazendo mais necessária a sua construção jurisprudencial, com o enfadonho controle de recepção.39

A dinamização nada mais é do que a aplicação da teoria dinâmica a um sistema processual que adotou a teoria estática da distribuição do ônus da prova.

Explica-se.

É que a distribuição dinâmica não é compatível com o prévio estabelecimento do ônus da prova. Segundo suas determinações, a carga probatória deve ser distribuída em cada caso, de acordo com suas circunstâncias, em momento processual específico, por decisão do juiz. Conforme bem esclarece Jorge Peyrano, segundo a teoria dinâmica da distribuição do onus probandi, “incumbe la carga probatoria a quien – por las circunstancias del caso y sin que interese que se desempeñe como actora o demandada – se encuentre en mejores condiciones para producir la probanza respectiva”.40

Certamente o novo Código de Processo Civil não adota a teoria dinâmica, mas a aplica à teoria estática, permitindo flexibilizar as cargas rígidas estabelecidas previamente pela lei. Tem-se a chamada dinamização.

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Para a escorreita aplicação do dispositivo, o juiz deve dinamizar o ônus da prova na decisão de saneamento do processo, ou, caso só vislumbre o cabimento da técnica em momento posterior, deve oportunizar à parte que passou a ser incumbida de provar tempo para produzir as provas que entender viáveis.41 Além disso, é fundamental que a decisão de dinamização seja fundamentada com precisão e clareza, e que determine os fatos específicos sobre os quais a dinamização é aplicada. Por fim, a decisão que determina ou que nega a dinamização requerida é atacável por agravo de instrumento, visto que se trata de provimento que estrutura a atividade instrutória dos sujeitos processuais.

Imperativo apontar que a aplicação da técnica processual da dinamização do ônus probatório só deve ser utilizada in extremis, ou seja, quando for medida necessária à prestação adequada da tutela do direito material, fora disso, sua aplicação no processo civil é ilícita.42 Para Bruno Garcia Redondo, no entanto, “a distribuição dinâmica não deve ser mera exceção, mas sim a própria regra geral”.43

Traçadas as linhas gerais sobre o tema, passa a ser possível ingressar no tema objeto deste trabalho.

4. Convenções acerca do ônus da prova

4.1 Compreensão

As convenções acerca do ônus da prova são negócios processuais que têm por objeto a distribuição específica e diferenciada da carga probatória, colocando-a de maneira distinta da regulada previamente em lei.44 Os sujeitos definem, de acordo com sua vontade, quem deve provar determinados fatos e, portanto, qual deles assumirá as consequências da ausência de prova sobre eles. A inspiração legislativa veio do Código Civil português e há previsão semelhante no Código Civil italiano.45

Não é possível atrelar o negócio processual acerca do onus probandi à tutela específica da situação material em questão. É dizer, não é ínsito à vontade de redistribuir negocialmente o ônus da prova a finalidade de melhor tratar o caso concreto.

Realmente, a convenção é uma estipulação que visa garantir vantagem a um dos sujeitos. A razão de sua estipulação é variável e não pode ser limitada à regulação adequada da situação material. Basta, ao negócio, a vontade de redistribuir o ônus da prova e o respeito aos limites impostos pelo ordenamento jurídico, independentemente das razões que ensejaram a celebração da convenção, que pode, por exemplo, ser estipulado mediante pagamento de quantia – é dizer, o sujeito trocará eventual situação processual por vantagem econômica.

Finalmente, é de se relembrar que negócio processual acerca da distribuição do onus probandi é permitido expressamente pelo Código de Processo Civil de 1973, em seu art. 333, parágrafo único,46 e tem também sua permissão textual no novo Código de Processo Civil, em seu art. 380, § 3.º,47 que possui uma redação mais técnica.

4.2 Pressupostos, requisitos de validade e eficácia no processo

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Cuida-se de negócio jurídico processual, portanto deve ser realizado em harmonia às disposições gerais acerca dos negócios jurídicos. Para a existência de convenção é essencial sujeito capaz de direitos, manifestação de vontade e objeto – que, nesse negócio processual típico, é a distribuição do ônus da prova. Há, portanto, os pressupostos de existência de qualquer negócio jurídico.

Quanto à validade, os requisitos da lei cível de validade dos atos jurídicos lato sensu em geral aplicam-se plenamente às convenções sobre o ônus da prova. Assim, para que seja válido o negócio processual, exige-se a presença de agentes capazes, objeto lícito e forma admitida ou não defesa em lei.48

No particular, a inversão convencional é lícita quando não recair na previsão dos referidos incisos ou for prejudicial ao consumidor (CDC, art. 51, VI), e, no mais, não possui quaisquer formalidades previstas em lei condicionando a sua validade. É dizer, não é necessária forma específica para a celebração de convenção que trate da distribuição diferenciada do ônus da prova, não há ilicitude formal.49

Pode ter, nesta esteira, previsão no próprio instrumento contratual que disciplina a relação material, quando as partes determinam que, na eventualidade de um litígio, a prova de determinado fato caberá especificamente a uma delas. É possível também que a inversão seja feita no decorrer do próprio processo, caso em que autor e réu, no decorrer da marcha processual, acordam que determinado item do thema probandum deve ser esclarecido pela parte que normalmente não possuiria o ônus – hipótese que, apesar de possível, é pouco factível. É certo, então, que a convenção sobre o ônus da prova pode ser celebrada no âmbito judicial ou extrajudicial, mesmo quando já iniciado o processo.50

Cumpre destacar requisitos de validade específicos previstos na lei – coincidentes no Código de Processo Civil e no futuro Código de Processo. Assim, segundo a literalidade das disposições, é inválido o negócio processual que: “I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.

É proibida a convenção que recaia sobre direito indisponível, disposição normativa que visa proteger efetivamente este grupo de direitos, já que, como cediço, a atividade probatória é, muitas vezes, determinante para a sorte do litigante no processo. A razão de ser da norma decorre do fato de que eventual convenção sobre o ônus da prova que torne difícil a tutela do direito indisponível permitiria, ainda que de forma indireta, a disponibilidade do direito que se visa proteger.

Deve-se salientar, contudo, que a previsão não impede a inversão convencional nos processos que tratam de direitos indisponíveis, mas tão somente a inversão nestes casos contra o titular do direito em questão. Em outros termos: se a inversão por convenção for feita em processo que se litiga sobre direito indisponível em favor do titular do direito, então não há que se falar de nulidade.

Evidentemente, nada justifica uma interpretação literal e empobrecedora, que acabaria por limitar demasiadamente o autorregramento da vontade. Com efeito, nada impede que a parte detentora de suposto direito disponível – por exemplo, direito a crédito – disponha de sua situação probatória confortável, por qualquer que seja a razão, em favor de sujeito

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que alega ser titular de direito indisponível – por exemplo, direito à saúde. Trata-se de uma norma protetiva que não pode ser utilizada para tolher a situação do sujeito que alegadamente encontra-se na situação protegida.

No ponto, é importante que o negócio processual sobre ônus da prova, nos casos em que o Ministério Público atua como supervisor do respeito a determinadas situações jurídicas ou pessoas, deve ser efetivamente supervisionado pelo Parquet, sem o que o negócio não terá validade.51 Todavia, caso o juiz reconheça seus efeitos no processo antes da manifestação do Ministério Público, nada obsta que o órgão ministerial seja intimado para que se manifeste quanto ao negócio processual, convalidando-o.

Uma conclusão interessante seria no sentido de que a Fazenda Pública, de modo geral, não poderá firmar o negócio jurídico processual de inversão convencional do ônus da prova. Isso porque, em regra, o seu direito é indisponível, tanto é que ela não pode, enquanto envolvida em matéria de direito público, sofrer os efeitos materiais da revelia, o que ocorre devido à indisponibilidade do seu direito. No entanto, o STJ, no REsp 1.084.745, permitiu a aplicação do efeito material da revelia à Fazenda Pública nos casos em que se trate de uma relação jurídica de direito privado.52 A partir da ratio decidendi do julgado, a Corte acabou por reconhecer a disponibilidade do direito da Fazenda Pública, que justifica a aplicação dos efeitos da revelia. Sendo assim, excepcionalmente nestes casos, é possível admitir a convenção do ônus da prova mesmo envolvendo a Fazenda Pública, desde que se trate de relação jurídica de direito privado.

Ademais, não se admite qualquer negócio jurídico sobre o risco da não prova que acarrete extrema dificuldade para a instrução – não somente a impossibilidade.53 Prestigia-se, com isso, a busca da verdade54 e o direito de acesso efetivo à justiça por uma decisão correlata ao direito material. Note-se que a proibição incide também sobre casos em que o direito material seja disponível. É que a disponibilidade da situação jurídica de vantagem que se alega ter não significa a possibilidade de dispor dos direitos fundamentais processuais. Neste aspecto, o Judiciário precisa garantir o núcleo mínimo de tais direitos, o que não é incompatível com a convenção que enseja extrema dificuldade ou mesmo impossibilidade de provar o suporte fático do fato jurídico alegado, por implicar em cerceamento do direito à prova, corolário do acesso à justiça que preenche o processo de significado.55

Neste sentido, há de se compreender como inválidas também as cláusulas de inversão insertas em contrato de adesão, quando prejudiciais ao aderente, visto que contradizem a igualdade processual, que configura abuso de poder em detrimento da situação de vulnerabilidade de uma das partes, mais fraca econômica, social ou culturalmente.56 Ou seja, o negócio jurídico probatório só deve ser admitido nos contratos de adesão quando este seja favorável ao aderente, que é a figura vulnerável do negócio jurídico.

No que toca à eficácia57 do negócio sobre ônus da prova, destaca-se que se trata de tema multifacetado, pelo que a sua sistematização não é fácil de ser realizada. Todavia, cumpre sublinhar duas nuances.

A convenção sobre distribuição da carga probatória necessita de determinação quanto aos fatos específicos sobre os quais incide. Realmente, o negócio processual deve especificar com precisão quais fatos ou possíveis fatos serão ônus do sujeito que normalmente não o teria. Convenção que não discipline com a necessária exatidão os fatos sobre os quais recai

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ou recairá é ineficaz, não pode produzir seus efeitos.

O segundo ponto digno de nota é que, quando o negócio for celebrado fora do processo, antes ou depois de sua instauração, é indispensável que a aplicação da norma negocial seja efetivamente requerida em momento oportuno, o que equivale dizer, em momento anterior à abertura da fase de instrução. Ou seja, mesmo que tenha havido a celebração válida da convenção sobre o onus probandi, a parte deve requerer sua aplicação anteriormente à instrução processual. Isso se dá porque o Estado-juiz é sujeito da relação processual e precisa, necessariamente, manifestar sua vontade, o que faz mediante decisão, como será esclarecido adiante.

O mesmo momento processual também deve ser obedecido nas hipóteses em que o negócio jurídico probatório ocorra após a instauração da relação processual. Como destacado anteriormente, a referida convenção processual pode ocorrer antes ou depois do início do processo, porém, terá como limite a abertura da fase de instrução probatória.

Por mais que se possa afirmar não ter o juiz o dever de conceder à parte que tenha sobre si um novo ônus probatório a possibilidade de produção de novas provas, posto que se trata de um risco por ela assumido, mediante exercício da sua autonomia da vontade, a admissão de que esse negócio pudesse ser firmado após o início da instrução probatória esbarraria em outro óbice: a inadmissibilidade de convenção sobre ônus da prova que gere excessiva dificuldade para o exercício desse direito. Como não haveria mais oportunidade para a produção de provas, seria impossível à parte se desincumbir desse novo ônus e, por isso, não seria admissível a convenção. Portanto, impõe-se que, em regra, só possa ser firmado até o início da fase instrutória, de forma a permitir que a parte possa se desincumbir dele de maneira adequada.

No entanto, excepcionalmente, é possível admitir que ele seja realizado após a instrução probatória, o que, porém, dependerá de decisão do magistrado, que irá ponderar sua possibilidade a partir da incidência do princípio da duração razoável do processo. Isso porque esta modificação deve permitir à parte se desincumbir desse ônus mediante atuação probatória e poderia gerar um atraso injustificável do processo, caso admitida sem ressalvas mesmo após finda a fase instrutória, uma vez que esta teria, necessariamente, de ser reaberta, sob pena de ser vedada a própria realização da convenção probatória – repita-se: inversão consensual não pode gerar ônus impossível de ser satisfeito, o que ocorreria ao se possibilitar sua inversão sem nova oportunidade para produção de provas.

4.3 Afastamento e aplicação da regra pelo juiz

Cabe ao magistrado verificar a validade do negócio processual e sua capacidade de produção de efeitos no processo, cumprindo-lhe, ademais, esclarecer em decisão os efeitos produzidos pela convenção celebrada.

Inicialmente, é importante perceber que não há qualquer razão para inadmitir os negócios processuais sobre o ônus da prova, como alertam alguns, especialmente por causa de uma exagerada – e equivocada – visão da relação processual como pública e do princípio inquisitivo.58 Precisamente, além da expressa permissão no sistema jurídico brasileiro, os

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limites gerais aos negócios processuais não alcançam a disposição acerca da carga probatória. Como bem destacou o jurista alemão Leo Rosenberg, uma coisa seria a eleição pelos sujeitos de um único tipo de prova como possível ou a pretensão de vinculação do magistrado a determinada prova, o que é inadmissível, pois exclui um poder-dever do Estado-juiz, o que não se encontra no âmbito de autorregramento, já que dispõe acerca de situação jurídica alheia protegida por direito imperativo.59 Na regulação negocial do ônus da prova as partes fixam situação jurídica própria de modo distinto do estabelecido legalmente, instituindo elas mesmas os fatos que devem provar no processo para que tenham a solução desejada.60

No ponto, há de se perceber que os negócios jurídicos processuais probatórios, de uma maneira geral, não podem buscar ajustar situações jurídicas típicas da posição do Estado-juiz. Isso porque, como de um modo geral nos negócios jurídicos, só é possível o autorregramento acerca de situações que se encontram no âmbito de disposição das partes. Caso contrário, há ineficácia. É justamente o que acontece quando as partes pactuam sozinhas acerca de poderes ou deveres do magistrado, excetuados os casos em que houver expressa autorização legal ou participação direta do magistrado no negócio processual. Assim, por exemplo, é admissível um negócio processual acerca do ônus da prova, mas não um negócio que intente impedir que o magistrado tome em conta determinada prova em espécie – apenas seria possível, nesse sentido, pactuar uma obrigação de não fazer com a própria parte, no sentido de os sujeitos processuais utilizarem-se apenas de provas documentais.61

Como já foi dito, o juiz, como sujeito da relação processual, precisa participar do negócio. Isso não significa que se faz indispensável uma análise da conveniência e oportunidade do negócio pelo magistrado, ou que ele poderá recusá-lo por qualquer motivo. Não. Na verdade, embora possa ser dito, peremptoriamente, que a vontade do Estado-juiz é imprescindível, isso não significa que cabe ao juiz verificar sua concordância pessoal com o negócio. Incumbe-lhe unicamente verificar a validade e a eficácia da convenção, o que lhe vincula à ratificação do negócio. No mais, é importante destacar que referida decisão o juiz precisa esclarecer quais fatos são objeto de inversão.62

Cumpre destacar: a participação do Estado-juiz, como sujeito da relação processual, é imprescindível, ainda que seja vinculada à vontade que foi exposta, desde que presentes seus requisitos de validade e suas condições de eficácia.63

Pois bem.

Questão interessante relacionada com a convenção probatória de caráter extrajudicial é a da preclusão lógica que a envolve. A boa-fé objetiva impõe alguns deveres anexos, dentre eles o de reprimir a contradição comportamental decorrente de uma omissão da parte, tendo sido denominada de supressio (verwirkung). Nesse caso específico, ela atuaria no sentido de limitar o momento de alegação da existência de uma convenção probatória até o momento de fixação do despacho saneador, pois, ultrapassado este momento, “haveria uma inação significativa de que as partes renunciaram à avença”.64 Haveria perda da faculdade de alegar uma distribuição convencional diversa do ônus da prova.

De qualquer forma, é importante frisar que as convenções do ônus da prova não impedem a utilização da iniciativa probatória do magistrado.65 Assim, mantém-se a possibilidade de

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atuação do magistrado neste sentido, que pode realizar atividade probatória, desde que em seus limites,66 tendo tal negócio jurídico influência apenas na aplicação do ônus objetivo da prova, se for o caso.

Tendo em vista essa constatação, há quem defenda a inoperância desta possibilidade de inversão, pois os poderes instrutórios do magistrado prevaleceriam sobre esta convenção, podendo o magistrado determinar a produção das provas ainda que as partes houvessem pactuado diversamente.67 Essa posição encontra-se em desacordo com a lógica probatória: a disposição refere-se ao ônus objetivo e não ao sujeito que deverá produzir a prova – que, como cediço, por conta do princípio da comunhão da prova, é questão irrelevante quando há suficiência probatória.68 É equivocada, pois acaba por tornar um negócio acerca da assunção do risco de não convencer o magistrado em um verdadeiro negócio proibitivo de atuação do juiz; atuação que é um poder-dever doutro sujeito processual, e, portanto, não pode ser validamente limitada, já que não se encontra na esfera de disposição das partes.

Na verdade, assumindo o referido posicionamento, qualquer modalidade de inversão ou dinamização probatória tornar-se-ia inútil. É que, em nenhuma destas possibilidades, seja na inversão prevista no Código de Defesa do Concsumidor ou na dinamização, se impede a atividade probatória.69 Acontece que, havendo essa inversão, há natural modificação na atuação probatória das partes – ônus subjetivo – como também a modificação de quem arcará com os riscos de não se desincumbir do ônus probatório – ônus objetivo –, mas nada dispõe sobre os poderes probatórios do magistrado.

Ressalte-se que a decisão que declara a ineficácia ou que decreta a nulidade do negócio processual deve ser fundamentada de forma adequada, esclarecendo que a carga probatória que se buscava distribuir quanto aos fatos específicos mantém-se a mesma. Importante destacar que, tanto no Código de Processo Civil atual quanto no novo Código de Processo Civil, a decisão que aplica a convenção sobre o onus probandi precisa ser devidamente fundamentada, reconhecendo que o negócio processual preencheu os seus requisitos, e esclarecendo quais os fatos efetivamente abarcados pela convenção.

5. Conclusões

A possibilidade de distribuição convencional do ônus da prova, de fato, vem sendo tratada com pouca preocupação doutrinária e, na prática, não se vê muito o seu uso. Todavia, trata-se de consequência da cultura processual que impede o autorregramento da vontade, que tem um grande passo para sua superação no vindouro Código de Processo Civil, e do patriarcalismo que reflete na relação processual, retirando dos sujeitos parciais o ímpeto para assunção de corresponsabilidade pela prestação jurisdicional.

Assim, é possível afirmar que, com o novo Código de Processo Civil, somado à doutrina do processo cooperativo, que busca uma reconfiguração do processo, tirando o magistrado de uma posição exageradamente assimétrica e impondo uma postura dialógica, a utilização da convenção acerca do ônus da prova passará a ser mais comum.

Desta forma, o presente estudo, inserindo-se nessa conjuntura, buscou trazer uma

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sistematização adequada da convenção sobre o ônus da prova, colocando-a no contexto dos negócios jurídicos processuais. Sabe-se que a precisão da compreensão do tema é matéria indispensável para sua utilização apropriada.

Consoante todo o exposto, é importante compreender os negócios processuais acerca da distribuição da carga probatória à luz da teoria dos negócios jurídicos, bem construída no direito privado e merecedora de adaptação. Assim, buscou-se identificar seu suporte fático, aclarar suas condições de validade, estabelecer seus requisitos de eficácia e, sobretudo, ter em conta qual deve ser o papel do Estado-juiz nestes negócios processuais e em geral.

1. “Art. 191. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.§ 1.º De comum acordo, o juiz e as partes podem estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa, fixando calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.

§ 2.º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.

§ 3.º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.

§ 4.º De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual qualquer parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

Destaca a doutrina que a elaboração de calendários processuais pelo juiz e com a participação das partes seria uma das principais ferramentas da gestão processual. Seria uma forma de melhor adaptar o rito previsto em lei às peculiaridades do direito material. Para além disso, mediante o estabelecimento de um diálogo franco e aberto entre os juízes e as partes, será possível o alcance de um calendário que atenda a disponibilidade e a conveniência dos participantes da relação processual e também estimule o cumprimento do cronograma construído de forma colaborativa. (CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. O gerenciamento de processos judiciais: em busca da efetividade da prestação jurisdicional. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 45, 51).

De fato, o princípio da flexibilidade procedimental, notoriamente relacionado com o calendário processual, é um dos que têm recebido um aumento da atenção da doutrina. Mesmo sob o ponto de vista do Código de Processo Civil de 1973, que não possui grande abertura para tanto, defende a doutrina a possibilidade de sua construção a partir do sistema jurídico constitucional de diversas formas, pois decorre, por exemplo, do princípio do devido processo legal, que impõe a existência de um processo justo (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo valorativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 134; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil. Lisboa: Almedina, p. 83). Há também quem destaque a participação do princípio da eficiência como basilar à possibilidade da

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adequação procedimental pelo magistrado. (REDONDO, Bruno Garcia. Eficiência da prestação jurisdicional e flexibilização do procedimento pelo juiz e pelas partes. Revista Jurídica UNIGRAN. vol. 15. n. 30. p. 103-104. Dourados, MS, jul.-dez. 2013; REDONDO, Bruno Garcia. Os deveres-poderes do juiz no projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Informação Legislativa. n. 190. p. 100-101. Brasília, abr.-jun. 2011).

De forma geral, sobre o tema, cf.: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2008; OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Adaptabilidade judicial: a modificação do procedimento pelo juiz no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2013; REDONDO, Bruno Garcia. Flexibilização do procedimento, pelo juiz e pelas partes: negócios jurídicos processuais no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Dissertação de Mestrado defendida na Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), 2013.

2. Dentre outros, cf.: SANTOS, Marina França. Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo novo Código de Processo Civil. Texto inédito, gentilmente cedido pela autora; DIDIER JR., Fredie. Fonte normativa da legitimação extraordinária no novo Código de Processo Civil: a legitimação extraordinária de origem negocial. RePro 232/69-76. São Paulo: Ed. RT, jun.-2014; COSTA, Eduardo Fonseca da. A ‘execução negociada’ de políticas públicas em juízo. RePro 212/25. São Paulo: Ed. RT, out.-2012.Há quem chegue a admitir a possibilidade, com a qual não se concorda, de recurso extraordinário per saltum por meio de negócio jurídico entre as partes. Nesse sentido: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. A flexibilização do procedimento e a viabilidade do recurso extraordinário per saltum no CPC projetado. FREIRE, Alexandre et alli (orgs). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2014. vol. 3. É evidente que tal acordo contraria a regra constitucional de cabimento do referido recurso.

3. Destaque-se que a flexibilização procedimental vem sendo adotada em diversos países, a exemplo da Inglaterra, EUA e Portugal. Para uma análise da temática, cf.: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental… cit., p. 107-132; CAHALI, Cláudia Elisabete Schwerz. Op. cit., p. 201-217. 4. Ressalte-se que o tema não é novo, embora ganhe ares de novidade atualmente. Os negócios processuais foram analisados pela maioria dos processualistas clássicos, mesmo que para concluir por sua impossibilidade. Ainda assim, muitos dos processualistas concluíram por sua efetiva existência e possibilidade. Nesse sentido: “São permitidos, por exemplo, os negócios jurídicos sobre desistência da demanda ou do recurso (e.g., obrigação de desistir), a obrigação de não usar rito especial (e.g. de não empregar o procedimento executivo), a de só se admitir prova documental, ou alguma outra, sem determinados negócios jurídicos entre os figurantes (e.g., o dever e o haver da conta-corrente só se alterarem mediante instrumentos assinados por ambos os interessados, pessoalmente). São inadmissíveis, por nulos, os acordos que modifiquem, ou preexcluam a incidência de regras jurídicas processuais cogentes (= de interesse público

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ou de proteção de uma das partes), tais como os acordos sobre apreciação da prova ou sobre dispensa ou alteração de pressupostos processuais” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. t. III, p. 5). Também admitiu a categoria Satta, embora em classificação distinta: “É claro que o conteúdo de um ato do processo pode ser o mais matizado possível respeito às instâncias materiais do juízo. Como se sabe segundo o uso, trata-se de instâncias, recursos, petitórios, defesas, provas, deduções, etc.; porém nada obsta se cuide de verdadeiras e oportunas afirmações de vontade de caráter estritamente negocial, como sucede, p.e., nos casos de renúncia ao direito (art. 306), de aceitação à renúncia, da oblação ao feitiço etc., para não se alertar os casos de acordos processuais, bilaterais ou plurilaterais. Tais declarações negociais são por sem dúvida processuais, não diferindo porém dos demais negócios jurídicos de cuja direção jurídica estão plenamente sujeitos, condições que dizem respeito à vontade, em potente oposição às demais hipóteses veiculadas, em que esta não tem qualquer peculiar importância” (SATTA, Salvatore. Direito processual civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1976. p. 229). Também admitiu a categoria: CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1969. vol. 3, p. 20-21. 5. Com mais vagar, sobre o tema, cf.: MONTORO, Marcos André Franco. Flexibilidade do procedimento arbitral. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2010. 6. MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Breve diálogo entre os negócios jurídicos processuais e a arbitragem. RePro 237/231. São Paulo: Ed. RT, nov. 2014. 7. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental… cit., p. 97. 8. Com mais vagar sobre o tema, cf.: MARTINS, André Chateubriand. A prova pericial no projeto do CPC: uma leitura a partir da experiência da arbitragem no direito anglo-saxão. FREIRE, Alexandre et ali (orgs). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o projeto do novo código de processo civil. Salvador: Juspodivm, 2014. vol. 2. 9. GODINHO, Robson Renault. Convenções sobre o ônus da prova – estudo sobre a divisão de trabalho entre as partes e os juízes no processo civil brasileiro. São Paulo: Tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), 2013. p. 8. 10. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 1983. t. I, p. XVI. 11. Idem, p. 6. 12. Afirma, nesse sentido, Marcos Bernardes de Mello que “a norma jurídica atua sobre os fatos relevantes que compõem o mundo para atribuir-lhes a função de gerar consequências específicas (= efeitos jurídicos) relativamente ao comportamento dos homens no meio social, constituindo um plus quanto à sua natureza peculiar. A norma jurídica, desse modo, adjetiva os fatos do mundo, conferindo-lhes uma característica que os torna espécie distinta dentre os demais fatos – o ser fato jurídico” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 16. ed. São Paulo: Saraiva,

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2010. p. 39).

13. “Art. 1.250. Os acréscimos formados, sucessiva e imperceptivelmente, por depósitos e aterros naturais ao longo das margens das correntes, ou pelo desvio das águas destas, pertencem aos donos dos terrenos marginais, sem indenização.Parágrafo único. O terreno aluvial, que se formar em frente de prédios de proprietários diferentes, dividir-se-á entre eles, na proporção da testada de cada um sobre a antiga margem.”

14. MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit., p. 103-104. 15. “Diferentemente do ato jurídico stricto sensu, no negócio jurídico a vontade é manifestada para compor o suporte fático de certa categoria jurídica, à sua escolha, visando a obtenção de efeitos jurídicos, que tanto podem ser predeterminados pelo sistema, como deixados, livremente, a cada um. Assim é que, por exemplo, nos contratos – que são a mais importante espécie de negócio jurídico – em geral os figurantes podem ter a liberdade de estruturar o conteúdo de eficácia da relação jurídica resultante, aumentando ou diminuindo-lhe a intensidade, criando condições e termos, pactuando estipulações diversas que dão, ao negócio, o sentido próprio que pretendem” (Idem, p. 202). 16. “Serão negócios processuais quando existir um poder de determinação e regramento da categoria jurídica e de seus resultados (com limites variados)” (BRAGA, Paula Sarno. Primeiras reflexões sobre uma teoria do fato jurídico processual: plano de existência. RePro 148/312. São Paulo: Ed. RT, 2007). 17. Em sentido contrário: PASSOS, Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 43-53. 18. DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodvim, 2011. p. 28-35. 19. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado cit., p. 52; ver também p. 6. Pontes de Miranda afirma, em exemplo, que “alguns negócios jurídicos privados são conteúdos de ato processual (…). Vistos pelo lado do direito processual, são atos processuais. Vistos pelo lado do direito material, são negócios jurídicos privados. Os dois ramos do direito enlaçam o mesmo ato, submetendo-o às suas regras”. (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 5. ed. Atualização legislativa de Sergio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. I, p. 88). 20. Parece que por isso alguns autores vêm colocando os negócios processuais como negócios materiais de efeitos processuais, justamente pelo amplo desenvolvimento que a categoria recebeu na seara do direito privado. Ressalte-se que não se concorda com a ideia de negócios materiais de efeitos processuais, justamente por se enquadrar como medida refratária de afastar os negócios do âmbito processual, descrevendo com pobreza o direito processual. Ver, adotando a categoria: PEZZANI, Titina Maria. Il regime convenzionale delle prove. Milano: Giuffrè, 2009. p. 76-81.

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21. “Que, designando a um ato processual o caráter de negócio jurídico, nem por isso se afirmou que o direito reconheça à vontade da parte a mesma importância que lhe pode reconhecer no direito privado. Pois, no processo, há sempre um elemento especial a considerar, e é a presença do órgão do Estado sôbre a atividade do qual, se bem que estranho ao negócio, pode êle exercer incluência mais ou menos direta” (CHIOVENDA, Giuseppe. Op. cit., p. 20-21). 22. “Talvez a resistência ainda reminiscente para incorporação doutrinária da categoria dos negócios jurídicos processuais encontre explicação justamente na quebra dessa barreira, pois a autonomia da vontade, tipicamente privada, estaria a penetrar no ambiente publicístico das normas cogentes disciplinadoras do processo. Essa ruptura poderia significar, para alguns, uma ameaça à autonomia do Direito Processual” (NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Tese de doutorado defendida na Universidade Federal da Bahia, 2011. p. 12). Ver também: PEZZANI, Titina Maria. Op. cit., p. 144-151. É possível citar exemplo de tal raciocínio proibitivo da categoria: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 472. DE PINA, Rafael; LORRAÑAGA, José Castillo. Instituciones de derecho procesal civil. 29. ed. México: Porrúa, 2007. p. 235. Outros processualistas atribuem a inexistência de negócios processuais, certamente equivocadamente, à disposição dos efeitos em lei, pelo que seriam atos jurídicos, sem efetiva autonomia para regular os efeitos, em uma redução inadmissível. Negando os negócios processuais diante da previsão de seus efeitos em lei: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Padova: Cedam, 1975. p. 184. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 472. 23. Destacando a maior limitação dos negócios jurídicos no direito processual, cf.: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Anotações sobre os negócios jurídicos processuais no projeto do Código de Processo Civil. In: BASTOS, Antônio Adonias Bastos; DIDIER JR., Fredie Didier Jr. (org.). O projeto do Código de Processo Civil – 2.ª Série. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 574. Ressalte-se que no próprio âmbito contratual, onde a autorregulação é maior, encontram-se vários limites: “O direito estabelece pressupostos que hão de ser atendidos para que a vontade possa entrar no mundo jurídico. Ao dono é livre vender os bens de que é titular; o pai, porém, não pode vender ao filho se os demais e o cônjuge, exceto no regime de separação de bens, ou o companheiro, em caso de união estável, não consentirem. O concubino que for casado não pode doar à concubina. As limitações à livre manifestação da vontade negocial em si, são inúmeras. Não há, portanto, um caráter absoluto no poder de autorregramento da vontade, mas, apenas, um permissivo que o sistema jurídico outorga às pessoas” (MELLO, Marcos Bernardes. Op. cit., p. 218-219).

24. “No campo processual, há limitações evidentes à autonomia privada, mas isso, por si só, não afeta a existência dessa categoria de fato jurídico. Todas as categorias convivem com limitações mais ou menos amplas, que são fundamentais para conferir seus contornos conceituais. O balizamento da autonomia molda o conceito de negócio jurídico processual, mas não o desnatura e sim o configura” (GODINHO, Robson Renault. Op. cit., p. 82). A busca de limites à autonomia da vontade das partes será um dos grandes desafios da

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doutrina e da jurisprudência a partir da entrada em vigor do projeto do novo Código de Processo Civil.Há quem defenda que estes limites seriam buscados nas normas de ordem pública. Neste sentido: CADIET, Loic. Los acuerdos procesales en el derecho francés: situación actual de la contractualización del proceso y de la justicia en Francia. Civil Procedure Review. n. 3. vol. 3. p. 25.

Leonardo Greco defende que os limites seriam impostos por três fatores: (a) disponibilidade do direito material, nos casos que prejudiquem direta ou indiretamente a tutela destes direitos, (b) a necessidade de manutenção da paridade das armas, mediante uma igualdade material e (c) pelas normas de ordem pública do direito processual. Aponta, entre estes princípios indisponíveis, os seguintes: a independência, a imparcialidade e a competência absoluta do juiz; a capacidade das partes; a liberdade de acesso à tutela jurisdicional em igualdade de condições por todos os cidadãos (igualdade de oportunidades e de meios de defesa); um procedimento previsível, equitativo, contraditório e público; a concorrência das condições da ação; a delimitação do objeto litigioso; o respeito ao princípio da iniciativa das partes e ao princípio da congruência; a conservação do conteúdo dos atos processuais; a possibilidade de ampla e oportuna utilização de todos os meios de defesa, inclusive a defesa técnica e a autodefesa; a intervenção do Ministério Público nas hipóteses legais; a atuação do curador especial ou do curador à lide nos casos previstos pela lei; o controle da legalidade e causalidade das decisões judiciais através da fundamentação; a celeridade do processo e a garantia de uma cognição adequada pelo juiz (p. 11-12). GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual. vol. 1. Rio de Janeiro, out.-dez. 2007. Disponível em: [www.redp.com.br/]. Acesso em: 01.12.2014. p. 10-12. No mesmo sentido: MAZZEI, Rodrigo; CHAGAS, Bárbara Seccato Ruis. Breve diálogo entre… cit., p. 227-228. Pedro Gomes de Queiroz concorda com a posição de Leonardo Greco, com a diferença de que apenas permite que haja dispensa da defesa pela parte. (QUEIROZ, Pedro Gomes de. Convenções disciplinadoras do processo judicial. Revista Eletrônica de Direito Processual. vol. 13. Rio de Janeiro, jan.-jun. 2014. Disponível em: [www.redp.com.br/]. Acesso em: 01.12.2014. p. 710).

25. MELLO, Marcos Bernardes de. Op. cit., p. 221. 26. Assim, por exemplo, Lessona admitia os negócios processuais, afirmando que: “Las partes pueden, mediante acuerdo, renunciar, expresa o tácitamente, al precepto de la ley que se dirige a su tutela, el cual se considera establecido tanto para garantizar la igualdad de los litigantes, como para impedir que los pleitos se dilaten excesivamente” (LESSONA, Carlo. Teoria general de la prueba em derecho civil. Madrid: REUS, 1925. t. I, p. 236), todavia ressaltava que tais acordos não poderiam vincular o juiz quando ligadas a deveres seus, como, por exemplo, o de inadmitir provas ilícitas. 27. Ressalte-se que é possível negócio jurídico processual unilateral, no qual se dispõe acerca de situação jurídica de vantagem, no qual a participação do Estado-juiz não pode ultrapassar a fiscalização da conformidade do ato ao Direito, não podendo se falar em concorrência de sua vontade. Sobre o papel do Judiciário nos negócios processuais, em sentido diverso do aqui defendido, conferir: DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro

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Henrique Pedrosa. Op. cit., p. 61-64. 28. No mesmo sentido: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais cit., p. 144-146. 29. Sobre o ponto, ver, amplamente: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi de Medeiros. Ônus da prova e sua dinamização. Salvador: Juspodivm, 2014. 30. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 2000. vol. 3, p. 341. 31. ROSENBERG, Leo. La carga de la prueba. Buenos Aires: EJEA, 1956. p. 55. 32. ECHANDIA, Hernando Devis. Teoria General de la prueba judicial. 5. ed. Buenos Aires: Victor P. de Zavalia Editor, 1981. t. I, p. 451. 33. Em sentido semelhante: PEYRANO, Jorge W. La carga de la prueba como norma de clausura del sistema. Temas atuais de processo civil. vol. 2. n. 3. 2012. Disponível em: [www.temasatuaisprocessocivil.com.br]. Acesso em: 25.01.2013. p. 4-6. O direito, enquanto dogmático, teria dois requisitos principais, que seriam a obrigatoriedade de argumentar segundo uma norma jurídica preexistente e, em especial em nosso caso, na obrigatoriedade de decisão por parte do magistrado, ponto em que teria forte relação com a pretensão de monopólio do direito pelo Estado Moderno (ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15). 34. CAMBI, Eduardo. A prova civil: admissibilidade e relevância. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 315-316. Arremata o autor: “(…) o ônus da prova possui uma especificidade em relação à categoria do ônus em sentido geral, porque o seu simples cumprimento não assegura, necessariamente, uma consequência favorável; isto é, realizar a prova não é um dado decisivo ou o único meio para conseguir a obtenção da tutela jurisdicional plena. Percebe-se, pois, que não basta à parte produzir a prova (por sinal, é indiferente quem a produz), para que a sua pretensão ou a sua defesa sejam acolhidas, mas é necessário que essa prova realizada, no contexto do conjunto probatório, tenha força persuasiva suficiente para poder convencer o juiz de que suas alegações são verdadeiras e de que tem razão, merecendo obter a tutela jurisdicional favorável; caso contrário, não haveria sentido a fase de valoração da prova e o magistrado não teria como julgar o dilema de ter de decidir qual das partes tem razão, se ambas provassem os fatos a que estão onerados”. 35. Como já disse Ovídio Baptista, “A verdade é que os juristas modernos não conseguem pensar o direito a partir do caso; não conseguem pensá-lo através do problema. Somos induzidos por uma determinação paradigmática, a pensá-lo como sendo produzido pela regra, pela norma, enfim pelos códigos. Somos herdeiros da cultura europeia das uniformidades, que devota um profundo desprezo pelas diferenças” (Justiça da lei e justiça do caso. Disponível em: [www.baptistadasilva.com.br/]. p. 1). 36. CAMBI, Eduardo. A prova civil… cit. p. 340-341.

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37. Sobre a temática do ônus da prova no novo Código de Processo Civil, cf.: MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. A dinamização do ônus da prova sob a óptica do novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et ali (orgs). Novas tendências do processo civil – Estudos sobre o projeto do novo CPC. Salvador: JusPodivm, 2014, vol. 3; SILVA, Ricardo Alexandre da. Dinamização do ônus da prova no projeto de Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et ali (orgs). Op. cit. 38. Sobre o tema, por todos, consultar PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 84-129. Na doutrina estrangeira, amplamente ECHANDIA, Hernando Devis. Op. cit. p. 453-484; LESSONA, Carlos. Op. cit. p. 174-183. Ver também, analisando essas e outras fórmulas sobre a distribuição da carga da prova, ALSINA, Hugo. Tratado teorico y practico de derecho procesal civil y comercial. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 1958. t. III, p. 255-257. 39. Há, inclusive, em doutrina, quem afirme a completa inadequação do ônus da prova estático. Ao afirmar que “parece inegável, a estas alturas da história do processo civil, é que não mais se pode estabelecer aprioristicamente a própria distribuição do encargo de provar” (DALL’AGNOL JR, Antônio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. RT 788/92-93. São Paulo: Ed. RT, 2001). 40. PEYRANO, Jorge W. Aspectos procesales de la responsabilidad profesional. In: MORELLO, Augusto M. Morello et ali (coords.). Lãs responsabilidades profesionales – Libro al Dr. Luis O. Andorno. La Plata: LEP, 1992. 41. Como destaca a doutrina, é preferível que adaptações no procedimento devam ser feitas o mais cedo possível, por meio do despacho saneador, de forma a não dificultar o andamento do processo, o que contribui para a sua efetividade e razoável duração. (OLIVEIRA, Guilherme Peres de. Op. cit., p. 122). 42. AZÁRIO, Márcia Pereira. Dinamicização do ônus da prova no processo civil brasileiro. Dissertação para obtenção do título de mestre em Direito apresentada na UFRGS. Porto Alegre, 2006. p. 128. 43. REDONDO, Bruno Garcia. Ônus da prova e distribuição dinâmica: lineamentos atuais. In: MOREIRA, Alberto Camiña; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes. (coords.). Panorama atual das tutelas individual e coletiva: Estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 220; No mesmo sentido: MACHADO, Marcelo Pacheco. Ônus estático, ônus dinâmico e inversão do ônus da prova: análise crítica do projeto do novo código de processo civil. RePro 208/304. São Paulo: Ed. RT, 2012. 44. Vislumbrando a possibilidade de se tratar de negócio pré-processual ou processual: MALFATTI, Alexandre David. Ônus da prova no âmbito da publicidade. In: MOREIRA, Alberto Camiña; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes. (coords). Op. cit., p. 35-36. Conforme a classificação adotada neste trabalho, baseada na eficácia, não há como definir uma convenção como pré-processual, ainda que celebrada anteriormente à

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instauração da relação processual o negócio produzirá efeitos nela, pelo que será sempre processual. 45. MILHOMENS, Jônatas. A prova no processo. Rio de Janeiro: Forense, 1982. p. 183. 46. “Art. 333. (…) Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”. 47. “Art. 380. (…)§ 3.º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”. 48. Admitindo a regra da aplicabilidade das nulidades e anulabilidades aos negócios processuais: NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais cit., p. 148. No mesmo sentido: SATTA, Salvatore. Op. cit., p. 229. Similarmente: PEZZANI, Titina Maria. Op. cit., p. 65. Todavia, a autora assim entende pois, a seu ver, trata-se de negócio jurídico material com efeitos processuais – categoria com a qual não se concorda neste trabalho. Em sentido contrário: GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Barcelona: Editorial Labor, 1936. p. 198. 49. Assim: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. RT, p. 200-201. 50. No mesmo sentido: GODINHO, Robson Renault. Op. cit., p. 156. 51. Destacou o ponto: Idem, p. 156 52. Nesse sentido, exemplificativamente: Administrativo. Processual civil. Revelia. Efeitos. Fazenda Pública. Inaplicabilidade. Art. 320, II, do CPC. 1. Não se aplica à Fazenda Pública o efeito material da revelia – presunção de veracidade dos fatos narrados pelo autor – pois seus bens e direitos são considerados indisponíveis, aplicando-se o art. 320, II, do CPC. 2. Agravo regimental não provido (STJ, AgRg nos EDcl no REsp 1.288.560/MT, 2.ª T., j. 19.06.2012, rel. Min. Castro Meira, DJe 03.08.2012). 53. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Prova cit. p. 202-203. 54. O termo busca da verdade ora utilizado não deve ser entendido como se fosse possível a sua efetiva descoberta no processo civil. Como destacado em outro momento, “Ao juiz, então, não cabe encontrar a verdade, mas, como política de qualidade para o processo, admitir que busca a verdade, servindo tal ideal como fundamento axiológico para a prestação jurisdicional, legitimando-a eticamente, no entanto, tendo plena ciência do intransponível limite de sua atividade cognitiva: deve atribuir significado (valorar) às proposições de fato das partes. A ‘verdade’ atingida no processo é dialética, alcançada mediante o convencimento e o consenso intersubjetivo pelo discurso, tendo fundamento no procedimento e na autoridade do mesmo, como meio coercitivo de objetivação. Em outras palavras, a busca da verdade é um dos elementos essenciais à legitimação da

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atuação jurisdicional mediante o processo” (MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Ônus da prova e sua dinamização cit., p. 66). 55. CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2001. p. 58. 56. MILHOMENS, Jônatas. Op. cit., p. 181. 57. Para uma diferenciação dos termos, ver: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Nulidades do processo e da sentença. 7. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 127-131. 58. “A distribuição convencional do ônus de provar é assunto controvertido. Separam-se os escritores em correntes pró e contra, e as legislações estrangeiras refletem essa dissidência doutrinária. Parece impossível coabitarem os princípios inquisitivos, da livre convicção do juiz e a faculdade de as partes convencionarem sobre o onus probandi” (MILHOMENS, Jônatas. Op. cit., p. 181). No mesmo sentido: LOPES DA COSTA, Alfredo Araújo. Direito processual civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1959. vol. 3, p. 88. 59. A questão é muito relevante. Alguns processualistas vêm defendendo a possibilidade de disposição, pelas partes, de poderes-deveres do juiz, o que não se afigura acertado, o que pode ser extraído da própria teoria geral dos negócios jurídicos e de sua construção no direito privado. Assim, por exemplo, já se afirmou que: “Para que o negócio dispositivo seja valorizado positivamente pelo ordenamento é necessário – entre outros requisitos – que o disponente seja titular de direito subjetivo (ou seu representante) e a concorrente configuração do objeto negocial dentro dos limites do princípio da autonomia da vontade” (SILVA, Clóvis do Couto e. Negócio jurídico e negócio jurídico de disposição. In: FRADERA, Vera Maria Jacob (org.). O direito privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 80) 60. ROSENBERG, Leo. Op. cit., p. 78-79. No mesmo sentido: ARAZI, Roland. La prueba en el proceso civil. Buenos Aires: La Rocca, 1998. p. 95. Negando a possibilidade dos pactos acerca do ônus da prova por interferirem na atividade do magistrado: MICHELLI, Gian Antonio. La carga de la prueba. Buenos Aires: EJEA, 1961. 61. Sobre tais pactos: PEZZANI, Titina Maria. Op. cit., p. 183-225. A autora concorda com o posicionamento adotado acima, embora com argumentação distinta. 62. Em sentido contrário, Barbosa Moreira entende que o que “cabe ao órgão judicial é, pura e simplesmente, se for o caso, e desde que o ato não seja nulo, aplicar as regras convencionais, em vez de legais, para decidir a lide” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Convenções das partes sobre matéria processual. Repro 33/182. São Paulo: Ed. RT, jan.-1984, p. 98). 63. Similarmente, Robson Godinho aparentemente tem como possível a participação do juiz. Parece que o jurista defende que no negócio celebrado em âmbito extrajudicial não há participação do juiz, enquanto no negócio celebrado judicialmente haveria a possibilidade de participação, inclusive, segundo o autor, além dos requisitos de validade e eficácia –

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com o que não se concorda. Transcreve-se passagem significativa da tese: “Ao menos diante do disposto no art. 333, parágrafo único, do CPC brasileiro, não há nada que impeça o estabelecimento das convenções sobre ônus da prova no decorrer do procedimento, inclusive com a efetiva participação do juiz e não apenas na função homologatória” (GODINHO, Robson Renault. Op. cit., p. 156). 64. CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 121. Em sentido semelhante: GRECO, Leonardo. Op. cit., acesso em: 26.08.2014, p. 23. 65. DONOSO, Denis. A prova no processo civil. Considerações sobre o ônus da prova, sua inversão e a aplicação do art. 333 do CPC diante da nova leitura do princípio dispositivo. RDDPRO. n. 51. p. 61. São Paulo: Dialética, 2007. 66. Sobre uma visão ponderada da questão, ver: LOPES, Maria Elizabeth de Castro. O juiz e o princípio dispositivo. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 115-117. 67. SANTOS, Sandra Aparecida Sá dos. A inversão do ônus da prova: como garantia constitucional do devido processo legal. São Paulo: Ed. RT, 2002. p. 70-71. 68. Salutar a transcrição da lição de Barbosa Moreira: “a prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquela a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. E quando digo que pouco importa a sua proveniência, não me refiro apenas à possibilidade de que uma das partes traga a prova que em princípio competiria à outra, senão também que incluo aí a prova trazida aos autos pela iniciativa do juiz”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a prova. RePro 35/178. São Paulo: Ed. RT, 1984, p. 181). 69. Neste exato sentido, já afirmou o STJ que “A inversão do ônus da prova não é incompatível com a atividade instrutória do juiz reconhecida no art. 130 do CPC”. (STJ, REsp 696.816/ RJ, 3.ª T., j. 06.10.2009, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 29.10.2009).