negligência dos clientes no circunstancialismo do manuseamento por terceiros de cartões bancários

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  • 111Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. iii | n. 10 | JUNHO 2013

    NEGLIGNCIA DOS CLIENTES NO

    CIRCUNSTANCIALISMO DO MANUSEAMENTO

    POR TERCEIROS DE CARTES BANCRIOS

    Joo PerdigoLicenciado no Instituto Superior de Gesto Bancria

    Pedro Fuzeta da Ponte

    Jurista em Instituio de Crdito

  • 112 Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. iii | n. 10 | JUNHO 2013

    EXCERTOS

    A posse e a utilizao dos cartes tornou-se, h muito, uma realidade no quotidiano dos clientes bancrios, sendo que o seu uso dirio aparece generalizado e um dos elos comerciais mais importantes que aqueles tm com a sua instituio bancria

    O sistema de pagamentos com carto bancrio pode ser definido basicamente como um conjunto de regras e mecanismos tcnicos que envolve instituies para a transferncia de dinheiro entre pagador e a entidade recebedora

    Como o mercado dos cartes s se desenvolve se houver cada vez mais clientes que utilizem cartes bancrios e cada vez mais comerciantes que aceitem cartes bancrios, no possvel desenvolver este mercado pensando apenas num dos seus lados

    O carto bancrio disponibiliza aos consumidores um meio de pagamento cmodo, dado que este substitui, com vantagens evidentes, a portabilidade de moeda-papel ou de livros de cheques

    O titular do carto ser responsvel na medida do incumprimento das suas obrigaes relativas segurana desse carto, responsabilidade essa que se estender at ao momento em que comunicar emitente o cancelamento do carto; responde aquela entidade pelos prejuzos causados posteriormente, quando j podia e devia ter acionado todos os mecanismos necessrios de modo a evitar novas utilizaes

  • 113Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. iii | n. 10 | JUNHO 2013

    A crescente utilizao das novas tecnologias de comunicao e a necessidade de mecanismos de pagamento especficos levaram as instituies financeiras a desenvolver novos meios para os clientes acederem s respectivas contas de depsitos ordem e efetuarem pagamentos, consubstanciados, agora, numa maior sofisticao da utilizao de instrumentos eletrnicos, com destaque para as novas caractersticas dos cartes bancrios.

    Os cartes bancrios so o instrumento de pagamento de bens e servios mais utilizado em Portugal, geralmente sob a formatao de um carto de plstico, disponibilizado pela entidade emitente ao titular para que este, atravs do acesso a uma rede de telecomunicaes e com base numa conta a que o carto est associado, por autenticao das operaes que pretende realizar, adquira bens ou servios, efetue pagamentos, proceda a levantamentos e execute outras transaes.

    Os cartes bancrios, de acordo com a funo principal que desempenham e a forma como os valores so movimentados, dividem-se em dois grandes grupos:

    (a) Carto de crdito um carto que tem associada uma conta-carto e uma linha de crdito. Quando o titular utiliza este carto na funo para a qual foi emitido, ou seja, para transaes com pagamento diferido ou adiantamentos de liquidez (cash-advance), est a beneficiar de um crdito concedido pela entidade emitente. Assim, este tipo de carto caracteriza-se por desempenhar essencialmente funes de financiamento;

    (b) Carto de dbito um carto de pagamento imediato que tem associada uma conta de depsitos ordem. Quando o titular utiliza este carto para pagamentos, levantamentos de numerrio ou transferncias, a conta de depsitos debitada pelo valor correspondente, o que significa que h uma reduo concomitante do saldo da conta por essa mesma importncia. Por conseguinte, este tipo de carto define-se primacialmente pelas suas funes de instrumento de mobilizao das disponibilidades monetrias do seu titular atravs do acesso direto sua conta bancria.

    No ordenamento jurdico nacional, o Aviso 11/2001, de 6 de novembro, do Banco de Portugal, doravante BdP, define o conceito de carto de crdito como qualquer instrumento de pagamento, para uso eletrnico ou no, que seja emitido por uma instituio de crdito ou por uma sociedade financeira () que possibilite ao seu detentor a utilizao de crdito outorgado pela emitente, em especial para a aquisio de bens ou de servios. Por seu turno, o referido Aviso 11/2001 esclarece a noo

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    de carto de dbito como qualquer instrumento de pagamento, para uso eletrnico, que possibilite ao seu detentor () a utilizao do saldo de uma conta de depsito junto da instituio de crdito que emite o carto (), nomeadamente para efeitos de levantamento de numerrio, aquisio de bens ou servios e pagamentos, quer atravs de mquinas automticas, quer em estabelecimentos comerciais.

    Sem embargo do exposto, a existncia de elementos comuns a estas definies permite estabelecer uma definio ampla que abarca todas as distintas modalidades de cartes que existem na atualidade. Efetivamente, e de forma independentemente dos servios incorporados num carto bancrio, todos os cartes tm na sua caracterizao, designadamente, a identificao da respectiva entidade emissora e da pessoa autorizada a utiliz-lo.

    Dos pagamentos que no utilizam numerrio (notas e moedas), mais da metade so atualmente efetuados com recurso aos cartes bancrios. A crescente utilizao dos cartes bancrios insere-se na tendncia de evoluo que se tem observado h anos no sentido de privilegiar o uso de instrumentos de pagamento eletrnico em detrimento dos instrumentos suportados em papel, como o cheque (cuja utilizao tem decado muito sensivelmente nas ltimas duas dcadas, principalmente a favor dos cartes de dbito).

    De acordo com dados da Associao Portuguesa de Bancos (vide Boletim Informativo 47/2011 Anual, julho de 2012, p. 78), o nmero de cartes de crdito e dbito ativos em finais de 2011 totalizava 13.545.510 (o que aponta obviamente para a titularidade por muitos clientes bancrios de mais do que um carto, face ao conhecido nmero de habitantes de Portugal).

    A posse e a utilizao dos cartes tornou-se, h muito, uma realidade no quotidiano dos clientes bancrios, sendo que o seu uso dirio aparece generalizado e um dos elos comerciais mais importantes que aqueles tm com a sua instituio bancria.

    O sistema de pagamentos com carto bancrio pode ser definido basicamente como um conjunto de regras e mecanismos tcnicos que envolve instituies para a transferncia de dinheiro entre pagador e a entidade recebedora.

    Poucos produtos bancrios conseguiram passar a integrar a vida comercial diria com tanto xito como os cartes bancrios. Para esse sucesso contriburam decisivamente as instituies financeiras, atravs da distribuio massiva, embora tendencialmente criteriosa, de cartes

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    de plstico junto da respectiva clientela, da implementao de caixas de pagamento automtico (ATMs) nas respectivas instalaes e em outros locais pblicos, e de terminais de pagamento automtico (TPAs) nos estabelecimentos dos comerciantes.

    Os clientes relacionam-se com as chamadas entidades emitentes, na maioria bancos, que disponibilizam cartes mediante a subscrio do pertinente contrato de adeso. Os comerciantes relacionam-se com os chamados acquirers (entidades gestoras do carto que processam as transaes e negociam com as entidade emitentes participantes no sistema, p.e., Visa, MasterCard, American Express) e os bancos, com quem estabelecem acordos de aceitao de uma ou mais marcas de cartes.

    Como o mercado dos cartes s se desenvolve se houver cada vez mais clientes que utilizem cartes bancrios e cada vez mais comerciantes que aceitem cartes bancrios, no possvel desenvolver este mercado pensando apenas num dos seus lados. Este alis um dos aspectos mais interessantes do mercado dos cartes bancrios, que um mercado com grandes efeitos de rede, ou seja, muito dependente do conjunto de clientes e comerciantes que o utilizam, bem como da implantao de caixas automticas (ATMs) disseminadas por todo o pas. Para alm dos bancos, o funcionamento eficiente do mercado de cartes em Portugal conta atualmente com a participao de duas instituies especializadas: a Sociedade Interbancria de Servios (SIBS), que gere a rede de caixas automticas (ATMs) e de terminais de pagamento automtico (TPAs) Multibanco, e a Unicre Instituio Financeira de Crdito, S.A., que gere uma malha comercial de terminais de pagamento (Redunicre), emite cartes bancrios e o maior acquirer de cartes em Portugal. Quanto aos terminais de pagamento, convm precisar que h apenas uma rede fsica de TPA em Portugal, que a rede Multibanco, e vrias redes comerciais que operam com base nessa rede fsica, sendo as mais importantes as redes Multibanco comercial, a Redunicre e a American Express.

    O carto s pode ser utilizado num terminal (ATMs ou TPAs) se ambos tiverem uma tecnologia comum, parmetros de segurana idnticos e existirem relaes contratuais diretas ou indiretas entre as partes intervenientes na operao.

    Dos pagamentos que no utilizam numerrio (notas e moedas), mais

    da metade so atualmente

    efetuados com recurso aos cartes

    bancrios

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    O carto bancrio disponibiliza aos consumidores um meio de pagamento cmodo, dado que este substitui, com vantagens evidentes, a portabilidade de moeda-papel ou de livros de cheques. Traduz-se ainda num meio de pagamento de segurana acrescida, visto que no permite a perda pura do valor, por roubo/furto, perda ou extravio, a que a moeda-papel est sujeita e, ainda, porque o sistema especfico de pagamentos com carto contm mecanismos e normas de controlo e de segurana que reduzem de forma no negligencivel as possibilidades de uso abusivo por entidades terceiras relativamente ao titular do carto. tambm um meio de pagamento eficaz porque permite ao consumidor, atravs da realizao de um pequeno e fcil ato (a marcao de um cdigo ou mediante a mera assinatura), resolver de forma imediata todo o processo de pagamento de uma transao.

    Contudo, existe um problema real que flui do indeferimento pelas entidades emitentes na devoluo de dbitos que o titular do carto suporta derivados de utilizao fraudulenta do meio de pagamento quando diz respeito ao manuseamento ilegtimo por terceiros do carto bancrio nas situaes em que aquele foi sempre utilizado atravs da digitalizao correta do respectivo PIN (cdigo pessoal), no se tendo verificado, sequer, na maioria das ocorrncias, qualquer tentativa de introduo errada desse dado.

    Os cartes dependem de um contrato especfico, destinado sua emisso, cujo regime consta, entre ns e como na generalidade dos pases, de clusulas contratuais gerais, pr-fixadas pelos bancos, a que os clientes se limitam a aderir o contrato de adeso e luz deste contrato, que se pode denominar contrato de utilizao, que as posies do banco e do cliente devero ser prioritariamente aferidas, no quadro das normas que disciplinam a atividade bancria, bem como as matrias da responsabilidade civil e da prova (cfr. Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 23.11.1999, Proc. 99A796, relator Garcia Marques, no stio do Ministrio da Justia, www.dgsi.pt, p. 6). Estando o depsito bancrio necessariamente subjacente emisso do carto de dbito, como j constatmos acima, e apesar da vinculao funcional existente entre os contratos de utilizao do carto e de depsito bancrio, so de distinguir dois tipos contratuais distintos, embora coligados, com influncia recproca, pois aquando da emisso de um carto de dbito, possvel identificar uma verdadeira proposta contratual e a respectiva aceitao, com contedos distintos daqueles que originam um depsito bancrio, embora proferidas pelos mesmos sujeitos e, muitas vezes, no mesmo momento (vide o mesmo acrdo acabado de citar).

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    Por outro lado, no se pode questionar a devida vinculao jurdica do titular do carto ao citado contrato, pois, ao dar a sua anuncia aquando da respectiva assinatura, emitiu explicitamente a pertinente declarao negocial como expresso juridicamente relevante da sua vontade e que se tornou imediatamente eficaz assim que foi aceite pelo banco arts. 217, n. 1 e 2, do Cdigo Civil.

    Por razes de segurana, o carto precisa de ser ativado para poder ser utilizado, porque pode extraviar-se e ser utilizado indevidamente por terceiro que se aproprie igualmente do cdigo secreto. Por isso a entidade emitente envia em separado, e com alguns dias de desfasamento, o PIN, solicitando ao titular do carto que comunique a recepo daquele cdigo pessoal por forma a que possa remeter posteriormente o respectivo carto.

    De acordo com o n. 11 do j citado Aviso 11/2001 do BdP: A entrega aos titulares quer do carto quer do respectivo cdigo, se for caso disso, deve ser rodeada de especial cuidado, devendo ser adotadas adequadas regras de segurana que impeam a utilizao do carto por terceiros.

    Note-se que neste preceito so utilizadas as expresses especial cuidado e adequadas regras de segurana, o que inculca a ideia de que se pretende que a remessa de um carto e do respectivo cdigo pessoal tem de ser feito de molde que a hiptese de recepo por algum que no o legtimo titular seja minimizada em ltimo grau. Isto , exige-se aos emissores de cartes que ao proceder ao envio ou entrega ao seu titular se rodeiem de todas as cautelas de forma a evitar que ele seja recebido ou entregue a um terceiro; seja o prprio carto, seja o PIN.

    Ora, tendo sido expressamente aposto pelo titular do carto a sua assinatura no citado documento de recepo do PIN e aceitando as condies gerais de utilizao, constata-se, assim, o reconhecimento inequvoco por parte daquele de que est perfeitamente elucidado da atribuio do carto da sua titularidade.

    No existe, por conseguinte, qualquer desconformidade no comportamento das entidades emitentes quando atuam com especial cuidado e adotam as regras de segurana adequadas, nomeadamente, ao remeterem como j vimos ao titular do carto o PIN e o pertinente meio de pagamento.

    No entanto, relativamente atuao ilcita e que provoca prejuzos ao titular do carto, constate-se que, na maioria das vezes, est j terminada antes da consequente ao da entidade emitente de preveno e deteco de fraude com cartes bancrios, suportadas pela aplicao Sidef (Sistema

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    Interbancrio de Deteco de Fraude). Esta operativa baseia-se num exaustivo conjunto de regras e parmetros para gerao de alertas face aquele anmalo circunstancialismo, dando resposta s necessidades de segurana dos emissores e acquirers, e em ltima instncia dos clientes.

    Neste sentido, existem expressas indicaes da entidade emitente relativamente preveno de eventual fraude com cartes consagradas em clusulas contratuais gerais que procuram potenciar uma conduta diligente na salvaguarda dos interesses do titular daquele meio de pagamento. Assim, vulgar consagrar-se: A entidade poder inibir e bloquear a utilizao do carto e/ou de alguma das suas facilidades ou servios, por motivos objetivamente fundamentados, se tiver conhecimento ou suspeitar de qualquer uso fraudulento ou de qualquer irregularidade de que possa resultar um prejuzo srio para o Sistema de Pagamentos, para a entidade ou para o titular.

    E por isso que, a montante, ao nvel da formao do acordo entre as partes, impe o art. 5 do regime jurdico das Clusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei 446/85, de 25 de outubro) o dever de comunicao prvia, e na ntegra, ao aderente, das clusulas contratuais gerais que se pretenda fazer inserir em contratos singulares (n. 1, daquele art. 5), sendo que essa comunicao deve ser feita de modo adequado e com a devida antecedncia para que, tendo em conta a importncia do contrato e a extenso e complexidade das clusulas, se torne possvel o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligncia (n. 2, do mesmo art. 5). Procura o legislador, deste modo, possibilitar ao aderente/consumidor o conhecimento antecipado da existncia das clusulas contratuais gerais, que iro integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu contedo, exigindo-lhe, para esse efeito, tambm a ele, um comportamento diligente. Devem ser prestados todos os esclarecimentos razoveis que tenham sido solicitados. Devem ser consideradas as anteriores relaes comerciais. Trata-se de uma obrigao de meios, certo que a lei no exige ao predisponente das clusulas gerais que implemente o resultado do conhecimento efetivo das clusulas gerais, bastando que realize, para o efeito, a atividade que, em concreto, se mostre razoavelmente idnea (Mrio Jlio de Almeida Costa e Antnio Menezes Cordeiro, Clusulas Contratuais Gerais, Coimbra, 1995, p. 25). Este dever de comunicao especfica clientela deve-se mostrar cumprido pelas instituies bancrias ou outras entidades emissoras de cartes. Apesar dos mecanismos de segurana existentes, os clientes bancrios continuam a encontrar-se bastante vulnerveis a atuaes ilcitas de terceiros,

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    que podem lesar gravemente os patrimnios financeiros respectivos. Neste sentido, tm as entidades emitentes divulgado junto dos titulares dos cartes alertas, avisos e recomendaes de segurana com vista a evitar desfechos danosos resultantes de procedimentos pouco zelosos daqueles titulares. Situaes fticas decorrentes de no se verificar que, aquando do manuseamento do meio de pagamento e da digitao do pertinente PIN, tal ao foi realizada fora do campo de viso de terceiros, ou de se escolher cdigos de identificao evidentes ou facilmente identificveis (p.e. datas de nascimento dos titulares, ou adoo de sequncias numricas bvias: 1111, 1234), muitas vezes escritos em locais de fcil acesso e muitas vezes anotadas perto do prprio carto.

    Sem o conhecimento efetivo do PIN, que desencadeia como sabido todos os movimentos ou transaes, nunca essas operaes podiam ter acontecido. E a utilizao fraudulenta por terceiros do carto em questo, acompanhada pelo conhecimento por aqueles do competente PIN, indicia suficientemente uma conduta assaz negligente do titular do carto na guarda deste cdigo secreto.

    Alm disso, no existindo evidncia nem alegao de coao na tentativa de obteno do PIN, estranha-se que terceiros tenham efetuado as operaes com a introduo correta do pertinente cdigo secreto, no se tendo verificado, muitas vezes, qualquer digitao errada tanto mais que a probabilidade matemtica de acertar na sequncia numrica, principalmente primeira tentativa, quase impossvel. O que, em moldes fticos similares, j havamos feito notar anteriormente.

    Tratando-se de operaes comprovadamente realizadas em mquinas automticas cuja utilizao apenas possvel mediante a apresentao fsica do carto e introduo do respectivo cdigo pessoal, constata-se, geralmente, que o carto realizou de fato as operaes nos momentos referidos, no tendo sido registadas quaisquer anomalias que pudessem ser percebidas pelos bancos intervenientes.

    Alis, os movimentos so eletronicamente autorizados no bvio pressuposto que esto a ser efetuados pela titular do carto, uma vez que, naquela data e horas, no detm a entidade emitente qualquer comunicao que inviabilize a aceitao de tais transaes.

    Apesar dos mecanismos

    de segurana existentes, os

    clientes bancrios continuam a encontrar-se

    bastante vulnerveis a atuaes ilcitas

    de terceiros

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    Como consabido, existem deveres dos titulares relativamente aos cartes o carto dever ser utilizado exclusivamente pelo titular, no tendo o emitente qualquer obrigao de verificar ou controlar quem usa o carto, devendo o titular memorizar o PIN, e em caso algum anot-lo junto ao carto de modo a evitar a sua utilizao por terceiros que so consagrados nas pertinentes clusulas contratuais gerais e que procuram potenciar uma conduta diligente dos clientes na guarda e utilizao (impedindo sempre a visualizao do PIN) dos cartes e na celeridade na participao dos furtos e de outras vicissitudes estranhas.

    Decorre normalmente do consagrado nas aludidas condies gerais dos cartes bancrios que o titular responsvel pela guarda, utilizao e manuteno corretas do carto e respectivo PIN, no podendo facultar ou facilitar o seu uso a terceiros.

    A no ser o titular a proceder s assinaladas transaes, a utilizao do carto por terceiros j indcio bastante e demonstrativo da negligncia daquele; ao que acresce o conhecimento tambm por esses terceiros do pertinente PIN pressuposto determinante que possibilita as operaes em questo , que faz agravar, evidentemente, o grau de culpa envolvido, passando a existir uma situao bvia de negligncia grosseira por parte do titular visado quando permite ou possibilita a acessibilidade desses dados secretos a outrem, quando bem conhecia que no o podia ou devia fazer.

    No ocorre, pois, o paradigma de conduta do titular do carto medianamente cuidadoso que sabe que deve guardar, de modo zeloso, o seu carto e no divulgar seja de que modo o pertinente PIN.

    Havendo negligncia grave do titular do carto, este suporta as perdas resultantes de operaes de pagamento no autorizadas at ao limite do saldo disponvel ainda que superiores a 150,00 euros , dependendo da natureza dos dispositivos de segurana personalizados do instrumento de pagamento e das circunstncias da sua perda, extravio, roubo, furto ou apropriao abusiva n. 3 do art. 72 do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de outubro (diploma que consagra o enquadramento jurdico em matria de servios de pagamento). As clusulas contratuais gerais das vrias entidades costumam consagrar soluo similar.

    As apontadas regras concernentes ao regime da utilizao fraudulenta do carto por terceiro traduzem uma soluo equitativa na medida em que se inserem no mbito da repartio da responsabilidade por essa utilizao

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    fraudulenta entre as entidades e a sua clientela, no fundo mais propriamente uma repartio lcita do risco.

    O titular do carto ser responsvel na medida do incumprimento das suas obrigaes relativas segurana desse carto, responsabilidade essa que se estender at ao momento em que comunicar emitente o cancelamento do carto; responde aquela entidade pelos prejuzos causados posteriormente, quando j podia e devia ter acionado todos os mecanismos necessrios de modo a evitar novas utilizaes (vide, neste sentido, acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 16 de maro de 2004, Coletnea de Jurisprudncia, Ano XII, Tomo I, p. 127 e ss.).

    O uso do PIN pessoal, s o prprio o deve saber, fazendo todo o sentido que se pressuponha que tenha havido negligncia do possuidor/utente quando o uso do carto tenha sido levado a cabo com recurso ao PIN, pois se s aquele dever ser o depositrio de tal nmero secreto no vemos como se possa deixar de considerar como sendo sua e apenas sua a responsabilidade pelo uso do carto precisamente atravs do conhecimento do PIN (conferir acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 02.03.2010, Proc. 29371/03.5TJLSB.S1, relator Urbano Dias, p. 43, in www.dgsi.pt). E, se tal uso se verifica, nessas condies, temos como verificada uma violao do programa contratual estabelecido entre o emitente emissor e o utente, e, como consequncia, a vir tona a culpa presumida do possuidor/utente por mor do preceituado no art. 799 do Cdigo Civil, e, neste caso, compreende-se que seja sobre o prprio utente que recaia o nus de provar que, apesar do furto, no houve da sua parte negligncia, o que significa que ele que tem o encargo de ilidir a presuno natural de culpa (apud mesmo acrdo, mesma pgina, com citao, ali, de demais jurisprudncia).

    Nesta conformidade, tem plena aplicao a estatuio do j citado n. 3 do art. 72 do Decreto- Lei 317/2009, de 30 de outubro, devendo o titular do carto suportar a verba total decorrente das transaes sobrevindas, levando-se aqui em conta, evidentemente, como determina a parte final da disposio em questo, as circunstncias acabadas de mencionar relacionadas com o manuseamento desse carto, quando est evidenciado, nomeadamente, a quebra de sigilo no tocante ao PIN do carto e utilizao deste por outrem, e quando estes fatos so da inteira responsabilidade do titular do carto.

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    Sntese conclusiva

    O problema real que flui na presente anlise diz respeito ao manuseamento ilegtimo por terceiros do carto bancrio nas situaes em que aquele foi sempre utilizado atravs da digitalizao correta do respectivo PIN, no se tendo verificado, sequer, na maioria das ocorrncias, qualquer tentativa de introduo errada de tal dado.

    Tratando-se de operaes comprovadamente realizadas em mquinas automticas cuja utilizao apenas possvel mediante a apresentao fsica do carto e introduo do respectivo cdigo pessoal, constata-se, geralmente, que o carto realizou de fato as operaes nos momentos referidos, no tendo sido registadas quaisquer anomalias. Alis, os movimentos so eletronicamente autorizados no bvio pressuposto que esto a ser efetuados pela titular do carto uma vez que, naquela data e horas, no detm a entidade emitente qualquer comunicao que inviabilize a aceitao de tais transaes.

    Acontece que sem o conhecimento efetivo do PIN que permitiu todas as transaes, estas no teriam acontecido. E a utilizao fraudulenta por terceiros do carto em questo, acompanhada pelo conhecimento por aqueles do competente PIN, indicia suficientemente uma conduta negligente do cliente envolvido.

    Como consabido, existem deveres dos clientes relativamente aos cartes o carto dever ser utilizado exclusivamente pelo titular, no tendo o banco qualquer obrigao de verificar ou controlar quem usa o carto, devendo o titular memorizar o PIN, e em caso algum anot-lo junto ao carto de modo a evitar a sua utilizao por terceiros que so consagrados nas pertinentes clusulas contratuais gerais e que procuram potenciar uma conduta diligente dos clientes na guarda e utilizao (impedindo sempre a visualizao do PIN) dos cartes e na celeridade na participao dos furtos.

    A no ser o cliente a proceder s assinaladas transaes, a utilizao do carto de crdito por terceiros j indcio bastante e demonstrativo da negligncia daquele; ao que acresce o conhecimento tambm por esses terceiros do pertinente PIN pressuposto determinante que possibilita as operaes em questo , que faz agravar, evidentemente, o grau de culpa envolvido, passando a existir uma situao bvia de negligncia grosseira por parte do cliente visado quando permite ou possibilita a acessibilidade desses dados secretos a outrem, quando bem conhecia que no o podia ou devia fazer.

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    No ocorre, pois, nas hipteses em anlise o paradigma de conduta do cliente bancrio medianamente cuidadoso que sabe que deve guardar, de modo zeloso, o seu carto de crdito e no divulgar seja de que modo o pertinente PIN.

    Havendo negligncia grave do titular do carto, este suporta as perdas resultantes de operaes de pagamento no autorizadas at ao limite do saldo disponvel ainda que superiores a 150,00 euros , dependendo da natureza dos dispositivos de segurana personalizados do instrumento de pagamento e das circunstncias da sua perda, extravio, roubo, furto ou apropriao abusiva n. 3 do art. 72 do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de outubro (diploma que consagra o enquadramento jurdico em matria de servios de pagamento). As clusulas contratuais gerais dos vrios bancos costumam consagrar soluo similar.

    As apontadas regras concernentes ao regime da utilizao fraudulenta do carto por terceiro traduzem uma soluo equitativa na medida em que se inserem no mbito da repartio da responsabilidade por essa utilizao fraudulenta entre os bancos e a sua clientela, no fundo mais propriamente uma repartio lcita do risco.

    O titular do carto ser responsvel na medida do incumprimento das suas obrigaes relativas segurana desse carto, responsabilidade essa que se estender at ao momento em que comunicar ao banco o cancelamento do carto; responde a instituio de crdito pelos prejuzos causados posteriormente, quando j podia e devia ter acionado todos os mecanismos necessrios de modo a evitar novas utilizaes (vide, neste sentido, Acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 16 de maro de 2004, Coletnea de Jurisprudncia, Ano XII, Tomo I, p. 127 e ss.).

    O uso do PIN pessoal, s o prprio o deve saber, fazendo todo o sentido que se pressuponha que tenha havido negligncia do possuidor/utente quando o uso do carto tenha sido levado a cabo com recurso ao PIN, pois se s aquele dever ser o depositrio de tal nmero secreto no vemos como se possa deixar de considerar como sendo sua e apenas sua a responsabilidade pelo uso do carto precisamente atravs do conhecimento do PIN (cf. acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 02.03.2010, Proc. 29371/03.5TJLSB.S1, Relator Urbano Dias, p. 43, in www.dgsi.pt). E, se tal uso se verifica, nessas condies, temos como verificada uma violao do

    Poucos produtos bancrios

    conseguiram passar a integrar a vida comercial diria com tanto xito como os cartes

    bancrios

  • 124 Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo - Vol. iii | n. 10 | JUNHO 2013

    programa contratual estabelecido entre o banco emissor e o utente, e, como consequncia, a vir tona a culpa presumida do possuidor/utente por mor do preceituado no art. 799 do Cdigo Civil, e, neste caso, compreende-se que seja sobre o prprio utente que recaia o nus de provar que, apesar do furto, no houve da sua parte negligncia, o que significa que ele que tem o encargo de ilidir a presuno natural de culpa (apud mesmo acrdo, mesma pgina, com citao de demais jurisprudncia).

    Nesta conformidade tem plena aplicao a estatuio do j citado n. 3 do art. 72 do Decreto-Lei 317/2009, de 30 de outubro, devendo o cliente suportar a verba total decorrente das transaes sobrevindas, levando-se aqui em conta, evidentemente, como determina a parte final da disposio em questo, as circunstncias acabadas de mencionar relacionadas com o manuseamento desse carto, quando est evidenciado, nomeadamente, a quebra de sigilo no tocante ao PIN do carto e utilizao deste por outrem, e quando estes fatos so da inteira responsabilidade do cliente.