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Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó

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Page 1: Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó
Page 2: Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó

Anna Cristina Ferreira de Souza

Page 3: Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó

Ao Mestre e amigo, professor Gustavo Schnoor, que me despertou o interesse por essa brilhante civilização, ainda no início de minha graduação. Sua alegria e

entusiasmo ao ensinar jamais serão esquecidos por mim. Sua ausência deixa imen-sa lacuna no coração de todos aqueles que o conheceram e admiraram, pois foi uma

daquelas pessoas que realmente fizeram a diferença.Saudades...

Page 4: Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó

AgrAdecimentos

O espaço aqui se faz pequeno para agradecer com o devido e sin-cero sentimento de gratidão a todos aqueles que colaboraram para a produção desta obra.

Assim, agradeço imensamente ao revisor Alexandre Carlos Costa de Souza pelas críticas construtivas e pelo excelente trabalho de revisão do texto original, que como de costume, apresentava-se em linguagem estritamente acadêmica e recebeu tratamento para se tornar mais agra-dável e inteligível ao leitor.

Ao professor Ciro Flamarion Cardoso, não só pelo apoio acadê-mico em suas orientações, como também pelo tratamento amigável, pa-ciente e gentil. Sua humildade e seu carinho por todos os estudantes são sempre um estímulo à difícil tarefa de ensinar.

À professora Sônia Rebel e ao professor André Chevitarese pela avaliação, pelas críticas e dicas que contribuíram para o enriquecimento dessa pesquisa.

A todos os professores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) que, direta ou indiretamente, me ajudaram a trilhar este caminho.

À UFF e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que apoiaram e ofereceram recursos à pesquisa inicial que deu origem a esta obra.

Page 5: Nefertiti Sacerdotisa, Deusa e Faraó

– 9 –

Índice

Introdução .................................................................................. 15

O Egito Antigo ............................................................................ 171 O Novo Reino e a XVIII dinastia: Época de ouro do Egito

faraônico ..................................................................................... 21XVIII dinastia: os governantes e suas realizações ...................... 25O papel das mulheres reais na XVIII dinastia ............................. 37

2 A Religião no Antigo Egito ........................................................ 43 Um caminho possível para se entender as origens da reforma de Akhenaton ............................................................ 43 A cosmologia de Hermópolis ...................................................... 46 A cosmologia de Mênfis .............................................................. 47 A cosmologia de Saís .................................................................. 47 A cosmologia de Heliópolis ........................................................ 47 O conceito de Maat ..................................................................... 51 A monarquia faraônica ................................................................ 53

3 As Deusas e o Feminino ............................................................. 59 Um caminho possível para se entender a aceitação de Nefertiti como deusa e faraó .................................................. 59 As deusas: suas funções e representações ................................... 62

O culto a Ísis ................................................................................ 64O culto a Hator ............................................................................ 66

4 Amarna: Reforma e Ortodoxia ................................................ 69 Amenhotep IV/Akhenaton – O início de um reinado

pouco ortodoxo ............................................................................ 70 Akhenaton e a nova religião ........................................................ 74 As rainhas de Amarna ................................................................. 82

As grandes rainhas Tiye e Nefertiti ............................................. 82

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó10

5 Imagens da Arte Egípcia ...........................................................93 Arte canônica egípcia e a arte em Amarna ..................................93 Regras de composição da arte canônica egípcia .........................96

O sistema de decoro ..................................................................100 As relações entre imagens e escrita e seus aspectos simbólicos ...................................................................100 A arte de Amarna ......................................................................103 As imagens de Nefertiti na arte de Amarna ..............................111

Decodificando e entendendo as imagens de Nefertiti ...............113

Catalogação das imagens ........................................................121

6 Considerações finais ................................................................153 Em busca da verdadeira Nefertiti ..............................................153

7 Lista de ilustrações .......................................................... 19 a 117

8 Listagem das fichas catalogadas .................................. 121 a 152

9 Referências bibliográficas .......................................................157

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– 11 –

ListA de iLustrAções

Quadro 1 Cronologia dos Períodos Egípcios ............................ 19Fig. 1 Mapa do Egito Antigo............................................... 22Fig. 2 O Antigo Oriente próximo na Etapa Final da Idade do Bronze ................................................... 23Quadro 2 Governantes da XVIII dinastia 1550-1307 ............... 36Quadro 3 Árvore genealógica da XVIII dinastia até Amenhotep II ...................................................... 41Quadro 4 Teogonia de Heliópolis ............................................. 56Fig. 3 Mapa de Akhetaton ................................................... 76Quadro 5 A teogonia de Heliópolis e a nova teogonia de Amarna ................................................. 81Fig. 4 Escaravelho do casamento de Tiye ........................... 83Fig. 5 Imagem do tablete de argila contendo a mensagem enviada a Tiye ...................................... 86Fig. 6 Pintura de um tanque encontrada em um túmulo, em Tebas ......................................... 97Fig. 7 Pintura do túmulo de Nefertari, Vale das Rainhas ....................................................... 98Fig. 8 Estela de Thutmés, cerca de 1391 – 1353 a.C. ......... 99Fig. 9 Ramsés II como criança solar .................................. 101Fig. 10 A família real sob os raios do Aton ......................... 105Fig. 11 À esquerda, Akhenaton e à direita, Ptah-Tatjenen ........................................................... 110Tabela 1 Dados gerais sobre as imagens de Nefertiti ............. 115Tabela 2 Hierarquia na posição com relação ao rei ................ 116Tabela 3 Funções exercidas por Nefertiti (na presença

do rei e sozinha) ....................................................... 117

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– 13 –

ListA dAs FichAs cAtALogAdAs

Ficha 1 Anel com imagens de Akhenaton e Nefertiti como Shu e Tefnut. ................................. 121Ficha 2 Esfera com cena mitológica ..................................... 122Ficha 3 Escultura em pedra semipreciosa ............................. 123Ficha 4 Estela da família real ................................................ 124Ficha 5 Estela da família real não identificada ..................... 125Ficha 6 Estela da família real ................................................ 126Ficha 7 Estela de Berlim ....................................................... 127Ficha 8 Fragmento de um balaústre decorado ...................... 128Ficha 9 Fragmento de relevo ................................................. 129Ficha 10 Relevo de um túmulo real ........................................ 130Ficha 11 Fragmento de uma coluna ........................................ 131Ficha 12 Fragmentos de um relevo – Talatat .......................... 132Ficha 13 Detalhe da figura 12 ................................................. 133Ficha 14 Fragmento de um relevo – Talatat ........................... 134Ficha 15 Fragmento de um relevo – Talatat ........................... 135Ficha 16 Talatats ..................................................................... 136Ficha 17 Detalhe da figura 15 ................................................. 137Ficha 18 Fragmento de um relevo – Talatat ........................... 138Ficha 19 Relevo de um barco real numa talatat ..................... 139Ficha 20 Detalhe da figura 19 ................................................. 140Ficha 21 Detalhe da figura 19 ................................................. 141Ficha 22 Fragmento de um relevo – Talatat ........................... 142Ficha 23 Fragmento de um relevo – Talatat ........................... 143Ficha 24 Fragmento de um relevo ........................................... 144Ficha 25 Fragmento do sarcófago de Akhenaton .................... 145

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó14

Ficha 26 Fragmento da Estela S ............................................. 146Ficha 27 Fragmento da Estela N ............................................. 147Ficha 28 Shabti (estatueta que substituía o morto nas

corveias da outra vida) ............................................. 148Ficha 29 Pilar – Reprodução em bico de pena........................ 149Ficha 30 Estátua – Reprodução em bico de pena .................. 150Ficha 31 Busto de Nefertiti ..................................................... 151Ficha 32 Estátua de Nefertiti .................................................. 152

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– 15 –

introdução

Considerada por muitos uma das mais belas mulheres da Antigui-dade, Nefertiti sempre despertou fascínio e curiosidade. Muito já se falou sobre ela, muitos são os sites dedicados não só à sua “mística” e fascinante história como também à sua beleza, a qual seu nome sugere uma origem divina – Nefer-neferuaten-Nefertiti, “Bondosa como a Be-leza de Aton, a Bela Mulher que Vem” – ou, simplesmente a anuncia – Nefertiti, “é chegada a bela”.

Infelizmente, as publicações de caráter científico a respeito dessa fascinante rainha da XVIII dinastia ainda são relativamente poucas. Ao se buscar dados sobre sua história, iremos nos deparar muito mais com documentos sobre o “faraó de Amarna” do que com dados específicos sobre ela. Os estudos que a incluem, por tratarem do reinado de Akhenaton, geralmente a colocam em segundo plano, como somente mais uma rainha que se destacou durante um dos tan-tos reinados do Antigo Egito. No entanto, um olhar mais atento poderá perceber que esta rainha não só se destacou, como também assumiu, gradativamente, posições mais privilegiadas durante o reinado de seu esposo, até alcançar o mais alto posto da hierarquia: o de faraó.

Assim sendo, uma pesquisa sobre a posição de Nefertiti durante o período em que o Egito teve como capital a cidade de Amarna se torna um tema de interesse e com possibilidades de vir a elucidar algumas questões sobre aquele momento histórico. Para tanto, uma das maneiras de se tirar esse véu sobre o passado é por meio da arte.

Tendo como fonte histórica a arte desenvolvida durante a Época Amarniana, bem como as possíveis razões das representações andró-ginas que predominaram no início do reinado de Akhenaton, examina-remos o papel monárquico e ritual da rainha Nefertiti. Veremos como era representada na realeza, nos cultos e em situações do cotidiano,

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó16

e tentaremos elucidar o porquê das formas mistas masculino-feminino usadas na irreverente Amarna. O estudo de imagens (análise iconográ-fica) do Período Amarniano permite constatar o auge atingido, neste mo-mento, pela concepção acerca da divindade real. Quanto à androginia, a elevação do status do rei e da rainha a filhos diretos do deus primor-dial, funcionalmente andrógino, justificaria a androginia das imagens de Amarna. Veremos isso mais claramente adiante.

Antes, porém, para que possamos compreender esse quadro no qual se desenrolou a vida desta rainha, cumpriremos algumas etapas em nossa jornada. Veremos, em um primeiro momento, um panorama sobre a XVIII dinastia, apontando, resumidamente, seus governantes e os principais aspectos de cada reinado – como o Egito caminhou até o tempo de Nefertiti. Além desses dados iniciais, apresenta também uma abordagem acerca do papel da mulher na XVIII dinastia. Depois vere-mos a religião egípcia – seus mitos, fundamentos e como está unida a outros segmentos da sociedade. Então discorreremos sobre Amarna, a cidade de Nefertiti e Akhenaton, bem como suas reformas político-re-ligiosas. Por fim, observaremos a arte egípcia e as suas representações. O último capítulo apresenta as características da arte canônica egípcia e da arte de Amarna, deixando dados sobre seu caráter simbólico e má-gico, além de apresentar a catalogação, sob forma de ficha, das imagens que serviram de fonte para a presente obra.

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– 17 –

o egito Antigo

Dentre as civilizações antigas, pode-se dizer que a egípcia foi – e ainda é – uma das mais estudadas da humanidade. Suas origens se perdem no passado paleolítico de várias tribos que se situaram e se desenvolveram ao longo do rio Nilo. Localizado em uma extensa faixa que vai desde a Núbia, atual Sudão, até o Mediterrâneo, o Nilo sempre desempenhou grande papel na vida de um país onde a agricultura de chuva representava uma impossibilidade.1 Sua religião, seus monumen-tos (templos e pirâmides, palácios e a esfinge) e seus mistérios saem das areias do tempo até nós, mas com um véu pelo qual ainda tentamos ver.

O Egito faraônico, que conhecemos hoje por causa dos grandiosos monumentos e documentos deixados, tem seu início com a unificação dos antigos reinos do alto e do baixo Egito. Este representa não apenas o primeiro reino unificado historicamente conhecido, como também a mais longa experiência humana documentada de continuidade política e cultural (de aproximadamente 3000 a.C. até 332 a.C., sem se levar em conta o período greco-romano).2

Apesar dos inúmeros estudos e das tecnologias atuais, ainda é im-possível determinar os números exatos de faraós existentes no Antigo Egito. O que existe são alguns nomes com poucas ou nenhuma referên-cia deixados em documentos, e a esquematização feita por Manethon (sacerdote do séc. III a.C.), que, apesar de conter um número conside-rável de erros, continua sendo usada como fonte histórica cronológica. O estudo desses períodos, muitas vezes, ou quase sempre, nos remete ao estudo dos “reis” egípcios, de suas conquistas e realizações que, em razão do tipo de documentação escrita e arqueológica deixada, vai nos direcionar aos conceitos religiosos que estruturarão sua hierarquia

1. CARDOSO, Ciro F. Santana. Sociedade do Antigo Oriente Próximo. São Paulo: Ática, 1988.2. CARDOSO, Ciro Flamarion S. O Egito Antigo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó18

monárquica. O faraó, “Senhor das duas terras”, está no topo dessa hie-rarquia composta por altos funcionários do governo, seguida por nobres provinciais, um grupo de burocratas menores, camponeses e artesãos com condições financeiras intermediárias e pela maioria da população composta por soldados, sacerdotes inferiores, camponeses livres, ser-vos e escravos.

Perante esta estrutura governamental, o faraó é a representação do deus, possui uma ascendência divina: “Filho de Ra, do seu corpo, amado por ele” (Estela de Semna II, linha 2 da parte superior, Senusert III).3 Esta ascendência se justifica se fizermos um entrelaçamento entre o sistema cosmológico de Heliópolis e o mito monárquico,4 em que encontraremos a figura do faraó como equivalente a Hórus, filho de Ísis e Osíris. Retornaremos a falar sobre religião e sua relação com a monarquia faraônica em breve, mas antes faremos um recorte temporal sobre o Novo Reino, para então focarmos na XVIII dinastia, a dinastia de Nefertiti, para que você possa ver e entender o mundo de esplendor e crise em que viveu essa rainha.

3. CARDOSO, Ciro F. S. A Monarquia Divina no Egito. Apostila.4. HART, George. Egyptian Myths. London-Austin: British Museum Publications – Univer-sity of Texas Press, 1990.

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O Egito Antigo 19

Quadro 1: Cronologia dos Períodos Egípcios

PERÍODOS DATAS DINASTIAS

Idad

e do

Bro

nze

Ant

igo Neolítico

Culturas de Deir-Tasa e Nagada4500 a.C. ___

Pré-dinásticoCulturas de Amrat e Gerzer

4000 a.C. ___

Período Dinástico Primitivo 2920 – 2575 a.C. I - III

Idad

e do

B

ronz

e M

édio Reino Antigo

Época das Pirâmides2575 – 2134 a.C. IV - VIII

Primeiro Período Intermediário 2134 – 2040 a.C. IX - parte da XI

Idad

e do

Bro

nze

Tard

io

Reino MédioRecuperação dasinvasões estrangeiras

2040 – 1640 a.C.Parte da XI -

XIV

Segundo Período Intermediário 1640 – 1550 a.C. XV - XVII

Reino NovoGrandes faraós (Hatsepchupt, Akenaton, Tutancamon e Ramsés)

1550 – 1070 a.C. XVIII - XX

Terceiro Período Intermediário 1070 – 712 a.C.XXI - parte da

XXV

Período Tardio 713 – 332 a.C.Parte da XXV -

XXX

Período Greco-Romano332 a.C - 395 d.C.

Período Ptolo-maico e Impera-dores Romanos

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– 21 –

1. o novo reino e A Xviii dinAstiA: ÉpocA

de ouro do egito FArAônico

“Farei teu nome quando alcançares o Horizonte e tiveres passado pelos baluartes do palácio

Daquele-cujo-nome-está-oculto.”Sarcófago de Mesehet, Período Heracleopolitano

Excetuando-se a época da construção das Grandes Pirâmides, pode-se dizer que o Novo Reino é o período em que se encontram as maiores realizações da civilização egípcia.

Tal período se estende aproximadamente de 1550 a 1070 a.C., quando reinaram três dinastias que se destacaram nos estudos do Egito faraônico: a XVIII dinastia, famosa pelas “personalidades” que com-porta, a XIX dinastia e a XX dinastia, nas quais se destacam os Ramsés. Esse período é considerado o auge da riqueza e do refinamento da civi-lização faraônica.

Cada reinado pode ser organizado em uma história tradicional sob cinco títulos5:

1. A duração do reinado, em que se pode estudar eventuais momentos de corregência e a ascendência da família do rei;

5. As ideias expostas se encontram em HALLO, William W.; SIMPSON, William Kelly. The Ancient Near East: A History. Nova York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971, p. 255-276.

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó22

Fonte:<http://www.egito.templodeapolo.net/ver_mapa.asp?Cod_

mapa=11&value=O%20Egito%20no%20Novo%20Imp%C3%A9rio&topo=#1>

Figura 1: Mapa do Egito Antigo

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O Novo Reino e a XVIII Disnastia: Época de Ouro do Egito Faraônico 23

2. A administração, em que se pode acompanhar as carreiras de vizir dos altos sacerdotes (principalmente do templo de Amon), dos ins-petores da tesouraria, e assim sucessivamente;

3. O programa de construção de edifícios reais, como palácios, tem-plos e tumbas, bem como o programa de obras públicas;

4. As atividades dos reis na Núbia e nas terras ao sul;5. O envolvimento egípcio na Ásia Ocidental;

Tal momento foi marcado por crescimento, estabilidade e, pos-teriormente, perda de um território que, sob o controle egípcio, estava em uma região que se estendia pela Síria-Palestina e pela Núbia, como vemos nos mapas a seguir.

A política interna é, em parte, um reflexo da política externa agressiva e do crescente militarismo. Em termos religiosos, ocorre uma ascensão progressiva, política e econômica do sacerdócio, mais espe-cialmente do culto de Amon-Ra, que no Reino Médio já tinha começado

Referência: MENU, Bernadette. Ramsés II: Soberano dos Soberanos.Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 18.

Figura 2: O Antigo Oriente próximo a etapa finalda Idade do Bronze

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó24

a ter uma grande importância e, neste momento, chega a dominar o panteão oficial e a hierarquia sacerdotal de todo o Egito.6

Em termos tecnológicos, a fase final da Idade do Bronze conta com grandes avanços e coloca o Egito nas disputas externas com um poderio equivalente ao dos países asiáticos. Entretanto, após alguns séculos, tal poder será diminuído, pois a metalurgia do ferro, que irá se difundir por todo o Mediterrâneo Oriental por volta de 1200 e 1100 a.C., superará as formas mais primitivas de tecnologia uti-lizadas pelos egípcios que não controlavam esses recursos naturais adequadamente. O uso do ferro não se difundiu no território egípcio até o século VII a.C.

Com o militarismo em seu auge de conquistas, as estruturas po-lítico-administrativas foram se alterando. Pela primeira vez o Egito teve um exército permanente, pois a expulsão do hicsos e as guerras de conquistas levaram à sua organização.

Quanto ao caráter divino do rei, este era transmitido pela linha-gem feminina, pois era preciso que o herdeiro fosse filho não só do rei, mas também de uma princesa de sangue real. Quando o rei que pretendia assumir o trono não possuía tais atributos, a legitimação po-deria se dar por ficção: teogamia (cria-se a história da qual o deus gera pessoalmente o soberano por meio de sua mãe terrestre); ou um oráculo da divindade anuncia, por intermédio de um sacerdote, que o candidato ao trono é seu filho; ou ainda mediante o apoio político do sumo sacerdote do deus. Esse último caso fez com que o clero de Amon-Ra se tornasse cada vez mais poderoso politicamente e rico, graças às doações decorrentes de tais favores. Imagine um rei que não tivesse os atributos que assegurassem seu direito ao trono – ele teria de recorrer aos sacerdotes em um dos casos citados, o que não era gratuito. Contraía-se uma dívida com o clero, e no caso dos sacerdotes de Amon-Ra, por representarem um deus gerado a partir da junção de duas divindades de destaque (Amon e Ra), a dívida era considerável. Pense em uma coligação entre dois partidos políticos de peso, e você terá uma ideia da influência política do clero de Amon-Ra e por que ele seria tão requisitado. No Novo Reino, o rei será, sobretudo, o filho de Amon-Ra, apesar de conservar a titulatura tradicional. Vale ressaltar que grupos de funcionários se tornavam cada vez mais influentes na política interna do país.

6. Os aspectos gerais do Novo Reino tomam por base as ideias propostas por CARDOSO, Ciro. O Antigo Egito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984, p. 60-71.

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O Novo Reino e a XVIII Disnastia: Época de Ouro do Egito Faraônico 25

XVIII dinastia: os governantes e suas realizaçõesTratando-se de uma das mais estudadas dinastias do Novo Reino,

não só pela popularidade de alguns de seus governantes fora do meio científico, como também pelas descobertas arqueológicas do túmulo de Tutankhamon, a XVIII dinastia apresenta todos os elementos que darão um aspecto áureo ao Novo Reino.

Pode-se dizer que a vocação imperial do Egito surgiu como con-sequência da dominação dos hicsos. Ao serem expulsos de Avaris, sua capital do delta oriental do Nilo, gravou-se nos corações egípcios um sentimento de humilhação e de despossessão, em razão do passado re-cente, que somente a constituição de um império poderia apagar.7 Ou-tro fator que alavancou essa vocação foi o surgimento de uma linhagem de faraós conquistadores, destacando Thutmosis III, que viria a ampliar as fronteiras do país a partir da quinta catarata do Nilo, na Núbia, até as margens do Eufrates. A reorganização política desses domínios, além do pagamento de tributos, traria ao Egito uma riqueza inigualável e um esplendor que viria ser a marca da XVIII dinastia.8

A história de tal dinastia, que durou um quarto de milênio, pode ser dividida em três etapas:9

1. A longa fase ascendente de constituição do império egípcio (1550-1401);

2. O apogeu da riqueza e do poder, nos reinados relativamente pacífi-cos de Thutmosis IV e Amenhotep III (1401-1353);

3. A decadência externa e uma crise religiosa interna (com conotações políticas), seguidas de recuperação apenas relativa (1353-1307).

A fase ascendenteO primeiro reinado da XVIII dinastia parece ter contado, a princípio,

com o auxílio de um recurso já conhecido que será bastante utilizado durante esse período da história egípcia: a regência de uma rainha.

Ao que consta, o faraó Ahmose ainda era muito jovem para gover-nar quando herdou o trono, pois seu irmão Kahmose, o indicado para a sucessão, morreu na guerra contra os hicsos. A rainha Ahhotep – sua mãe – teve de assumir a regência até que Ahmose tivesse maturidade para reinar. Quando ele assumiu, seu reinado foi marcado pela expulsão

7. Menu, op. cit., p. 32.8. Ibid., p. 32.9. CARDOSO, op. cit., p. 64-65.

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Nefertiti: Sacerdotisa, Deusa e Faraó26

definitiva dos hicsos e também pelo restabelecimento do domínio egíp-cio na Núbia.10

O modo como Ahmose conduziu esta guerra veio a transformar o Egito de uma confederação bastante solta de províncias baroniais, chamadas nomos, em um Estado centralizado. Provavelmente, só um rei que tivesse realizado uma guerra patriótica e próspera poderia ter sido capaz de estabelecer esse predomínio. As campanhas que empreendeu posteriormente, na Palestina e na Núbia, não só foram necessárias para afiançar o Egito contra ataques, como também um dos meios de se con-solidar o poder do próprio rei em seu território.11

Como primeiro faraó da XVIII dinastia, Ahmose criou as bases para um Estado militar centralizado, o que veio a possibilitar o im-perialismo do Egito para seus sucessores. Fundou a dinastia na qual Tutankhamon, 200 anos depois, viria a ser um dos representantes mais conhecidos. Conduziu o Egito a um novo internacionalismo e cosmo-politismo, que trouxeram mudanças culturais para o próprio país. Não se pode negar, porém, que o novo regime, certamente, era mais autori-tário.12

O filho de Ahmose – Amenhotep I – continuará a política do pai e verá o surgimento do principal adversário do Egito na Ásia: o reino do Mitani (também chamado de Hurri ou Naharim, e com a capital conhe-cida por Washukakkanni).

O reinado de Amenhotep I, que durou quase um quarto de século, deixou poucos registros. Os documentos importantes desse período são as declarações de um oficial com mesmo nome do faraó Ahmose, em especial aquelas que narram uma gloriosa expedição militar do rei em Kush, na Núbia.

As relações com a Babilônia eram boas, pois seus interesses eram comuns: conter o agressivo Mitani, bem como os assírios e hititas. A Babilônia, que ocupava a região hoje correspondente ao sul do Iraque, era, além do próprio Egito, a parte mais estável do mundo civilizado, que, sob os cassitas, possuía cocheiros e cavaleiros especialistas.

Durante seu reinado prevaleceu uma política deliberadamente ex-pansionista, processo começado na vida do pai e que ele deu conti-nuidade. Sob Amenhotep I, o Egito se tornara, pela primeira vez, um

10. Em CLAYTON, Peter A. Chronicle of the Pharaohs. London: Thames and Hudson, 1994., encontramos dados importantes sobre cada faraó, não só dessa dinastia, assim como de todas as outras.11. NEWBY, Percy Howard. Warrior Pharaohs. London: Faber and Faber Ltd, 1980, p. 30.12. Ibid., p. 30.