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1 NECESSIDADE DE PLANEJAMENTO NA REGIÃO DA SERRA VELHA Maria Ivete Soares de Almeida ivete.almeida@unimontesbr Anete Marilia Pereira [email protected] Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES Resumo O homem, como ser social, interfere no meio físico criando novos ambientes. Neste sentido, constrói e reordena os espaços, alterando o equilíbrio de uma natureza que não é estática. Sob esta ótica, a questão ambiental é reflexo da questão cultural e pode-se inferir que determinará o tipo, a intensidade e as consequências da alteração ambiental num dado meio. A área deste estudo está situada na região denominada Serra Velha, marco divisório entre os municípios de Montes Claros, Juramento e Bocaiúva e se caracteriza por ser uma área de nascentes dos rios Verde Grande, Guavinipan, Pacui e São Lamberto, pertencentes a bacia do rio São Francisco e considerados de relevante importância para o Norte de Minas Gerais. Essa importância vincula-se a fragilidade do ecossistema regional numa área de fronteira entre a região Sudeste e o Nordeste, de transição do clima tropical semi-úmido para o semi-árido e do cerrado para a caatinga. No entanto, apesar de grande parte da região da Serra Velha ser considerada área de preservação permanente, esta não vem sendo respeitada. Tradicionalmente, esta região sempre foi ocupada por pequenos produtores rurais, que têm como principal atividade a produção de hortaliças. Com o crescimento da cidade de Montes Claros, esta modalidade de exploração da terra se uniu a outra forma de ocupação: a retirada de cascalho e de areia, sendo esta última impulsionada pelo crescimento da construção civil. Para atender à demanda crescente da construção civil, houve um aumento da atividade extrativa de areia. Na maioria das vezes, o processo de ocupação e exploração se deu pelo arrendamento da terra dos pequenos sitiantes. Estes, pelas dificuldades passadas na agricultura familiar encontraram no arrendamento uma forma de geração de renda. Com o tempo, foram surgindo as grandes empresas extrativas de areia. O produto gerado abastece o mercado de areia para a construção civil nos municípios de Montes Claros, Bocaiúva e áreas circunvizinhas. Verifica-se que a área em estudo apresenta um quadro de degradação ambiental acentuado, uma vez que os empreendimentos tratam da extração de areia e do aproveitamento de cascalho em lavra de pequeno porte, visando o seu emprego na construção civil, com capacidades variadas até os centros consumidores, como foi explicitado anteriormente. Os danos mais graves desse tipo de atividade são a retirada da vegetação, a erosão e o assoreamento de nascentes e cursos d’água, comprometendo principalmente as pequenas propriedades da região e também o abastecimento humano. O presente estudo teve como objetivo o diagnóstico que identificou e definiu o melhor uso dos recursos da região por meio do planejamento. Neste sentido, a proposta de planejamento ambiental buscou a adequação de ações à potencialidade, a vocação local e à sua capacidade de suporte, com vistas no desenvolvimento harmônico da região e na manutenção da qualidade do ambiente físico, biológico e social deste frágil ambiente. Como resultados, constatou-se que a fragilidade ambiental da área se acentua cada vez mais e que ações pontuais, apesar de importantes, não são suficientes para minimizar os problemas detectados. Assim, torna-se fundamental o planejamento de ações integradas, que proporcionem ao sitiante o uso equilibrado dos recursos da área, bem como a agregação de outras medidas mitigadoras, ou mesmo a aplicação de condicionantes ambientais, previstos em lei para as empresas que atuam na referida área. Palavras-chave: mineração – degradação - planejamento

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NECESSIDADE DE PLANEJAMENTO NA REGIÃO DA SERRA VELHA

Maria Ivete Soares de Almeida ivete.almeida@unimontesbr

Anete Marilia Pereira [email protected]

Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES

Resumo O homem, como ser social, interfere no meio físico criando novos ambientes. Neste sentido, constrói e reordena os espaços, alterando o equilíbrio de uma natureza que não é estática. Sob esta ótica, a questão ambiental é reflexo da questão cultural e pode-se inferir que determinará o tipo, a intensidade e as consequências da alteração ambiental num dado meio. A área deste estudo está situada na região denominada Serra Velha, marco divisório entre os municípios de Montes Claros, Juramento e Bocaiúva e se caracteriza por ser uma área de nascentes dos rios Verde Grande, Guavinipan, Pacui e São Lamberto, pertencentes a bacia do rio São Francisco e considerados de relevante importância para o Norte de Minas Gerais. Essa importância vincula-se a fragilidade do ecossistema regional numa área de fronteira entre a região Sudeste e o Nordeste, de transição do clima tropical semi-úmido para o semi-árido e do cerrado para a caatinga. No entanto, apesar de grande parte da região da Serra Velha ser considerada área de preservação permanente, esta não vem sendo respeitada. Tradicionalmente, esta região sempre foi ocupada por pequenos produtores rurais, que têm como principal atividade a produção de hortaliças. Com o crescimento da cidade de Montes Claros, esta modalidade de exploração da terra se uniu a outra forma de ocupação: a retirada de cascalho e de areia, sendo esta última impulsionada pelo crescimento da construção civil. Para atender à demanda crescente da construção civil, houve um aumento da atividade extrativa de areia. Na maioria das vezes, o processo de ocupação e exploração se deu pelo arrendamento da terra dos pequenos sitiantes. Estes, pelas dificuldades passadas na agricultura familiar encontraram no arrendamento uma forma de geração de renda. Com o tempo, foram surgindo as grandes empresas extrativas de areia. O produto gerado abastece o mercado de areia para a construção civil nos municípios de Montes Claros, Bocaiúva e áreas circunvizinhas. Verifica-se que a área em estudo apresenta um quadro de degradação ambiental acentuado, uma vez que os empreendimentos tratam da extração de areia e do aproveitamento de cascalho em lavra de pequeno porte, visando o seu emprego na construção civil, com capacidades variadas até os centros consumidores, como foi explicitado anteriormente. Os danos mais graves desse tipo de atividade são a retirada da vegetação, a erosão e o assoreamento de nascentes e cursos d’água, comprometendo principalmente as pequenas propriedades da região e também o abastecimento humano. O presente estudo teve como objetivo o diagnóstico que identificou e definiu o melhor uso dos recursos da região por meio do planejamento. Neste sentido, a proposta de planejamento ambiental buscou a adequação de ações à potencialidade, a vocação local e à sua capacidade de suporte, com vistas no desenvolvimento harmônico da região e na manutenção da qualidade do ambiente físico, biológico e social deste frágil ambiente. Como resultados, constatou-se que a fragilidade ambiental da área se acentua cada vez mais e que ações pontuais, apesar de importantes, não são suficientes para minimizar os problemas detectados. Assim, torna-se fundamental o planejamento de ações integradas, que proporcionem ao sitiante o uso equilibrado dos recursos da área, bem como a agregação de outras medidas mitigadoras, ou mesmo a aplicação de condicionantes ambientais, previstos em lei para as empresas que atuam na referida área. Palavras-chave: mineração – degradação - planejamento

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Introdução

A região Norte de Minas é uma das 12 mesorregiões do estado de Minas Gerais. Trata-se de uma

região caracterizada por certa fragilidade ambiental, por ser faixa de fronteira entre os ecossistemas

dos cerrado e da caatinga. Os problemas ambientais detectados nesta região, que ocupa cerca de 20%

do território mineiro relacionam-se, sobretudo, com a exploração de recursos naturais sem o devido

planejamento. Dentre os problemas mais importantes podem ser destacados o desmatamento, as

queimadas, a poluição de mananciais, assoreamento de cursos d’água, entre outros. Frente a tão

variados impactos ambientais preocupou-nos a situação da área das nascentes dos rios Pacuí, São

Lamberto, Verde Grande e Guavinipan, localizadas numa área denominada localmente como Serra

Velha.

Vários foram os questionamentos que constituíram a problematização desta pesquisa: que fatores

induziram a degradação ambiental encontrada na região da Serra Velha? Como os impactos ambientais

têm repercutido na vida das comunidades rurais? Quais as medidas mitigadoras têm sido adotadas na

área? Como o planejamento, entendido enquanto processo, pode auxiliar na tomada de decisões?

O estudo realizado teve por objetivo principal identificar os problemas ambientais da referida área

relacionando a análise à questão do planejamento. Associando a pesquisa teórica com a prática de

campo foi possível analisar a realidade encontrada na área, onde ocorre a mineração de areia, os

impactos decorrentes de tal atividade e a necessidade do planejamento. Há, na literatura específica um consenso de que a atividade mineradora, por sua própria natureza,

agride o meio ambiente, tanto pelos danos que causa à paisagem e à vida dos seres, quanto pela

exploração de recursos não renováveis. É uma atividade que gera uma série de impactos ambientais,

tanto positivos - geração de empregos, contribuição para arrecadação de impostos e tributos, como

negativos - descaracterização da paisagem, contaminação do lençol freático, abandono de áreas

lavradas e não recuperadas. Sobre a fisiografia da região, seus efeitos são visíveis na paisagem, no

solo, na remoção da vegetação, no assoreamento de drenagem, entre outros, que serão ao longo deste

estudo melhor detalhados.

O texto está organizado em três partes sendo que na primeira é feita uma breve descrição da

metodologia utilizada, seguida pela caracterização da área de estudo. Na terceira parte são

apresentados e discutidos os resultados obtidos, bem como algumas sugestões para minimizar os

efeitos da exploração mineral na área.

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Material e método

Considerando a abordagem do problema, esse estudo caracteriza-se como uma pesquisa exploratória –

descritiva, cujo método de procedimento foi o estudo de caso. A pesquisa aqui apresentada objetiva

conhecer mais profundamente os problemas ambientais na área das nascentes de importantes rios

regionais. Para tanto, as técnicas usadas foram a documentação indireta, através de pesquisas

bibliográficas e cartográficas, e a documentação direta, realizada através de visitas a campo,

documentação fotográfica e elaboração de mapas. Apresentam-se os principais aspectos sociais e

naturais da região e como a atividade mineradora, influi no meio ambiente. A discussão prioritária

neste texto norteia-se numa abordagem dos processos de degradação ambiental decorrentes da

mineração de areia e a necessidade de planejamento.

Caracterização da área de estudo

Marco divisório entre os municípios de Bocaiúva, Juramento e Montes Claros, a região em estudo

denominada Serra Velha, se caracteriza por ser uma área de nascentes dos rios Verde Grande, Pacuí,

São Lamberto e Guavinipan, pertencentes a bacia do São Francisco e considerados de relevante

importância para o norte de Minas Gerais.

Mapa 1: Localização da área de estudo

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Esta área está inserida no Craton São Francisco, sendo constituída pelo embasamento Pré-Cambriano,

sobre o qual foram depositados sequências terrígenas, representados pelo Grupo Bambui, sub-grupo

Paraopeba.

Esta superfície tabular se notabiliza por seus depósitos de cobertura predominantemente areno-

argilosos, caracterizados por contínuo horizonte de concreções ferruginosas, seixos coluviais e fluviais

na sua base. Suas formas originadas da dissecação fluvial tiveram suas gêneses nas superfícies

aplainadas terciárias e pré-terciárias, se evoluindo em interflúvios tabulares com vertentes. (IGA,

1978).

Nesse mosaico ordenado de formas diferenciadas predomina uma vegetação de Cerrados, os quais

descem até a base das encostas, cedendo lugar no fundo aluvial dos vales para as matas galerias. Há de

se ressaltar que em toda a área há uma rede bem definida de caminhos d’água, a qual associada com a

pobreza relativa dos solos, é responsável pelo frágil equilíbrio da região, principalmente na estação

seca que dura aproximadamente de seis a oito meses por ano. De acordo com os dados obtidos na

Estação Metereológica da Universidade Estadual de Montes Claros, em todos os meses do ano a

temperatura média supera os 18ºC. As precipitações anuais apesar da concentração em poucos meses,

são sempre superiores a 700 mm.

Tradicionalmente esta região, por se constituir num importante elo de ligação entre os municípios de

Bocaiuva e Montes Claros, teve seu espaço ocupado por pequenos produtores rurais, que sempre

tiveram como atividades a produção de hortaliças, frutas, tubérculos, criação de animais domésticos e

derivados do leite, vendidos semanalmente nos mercados das respectivas cidades.

No entanto, durante as quatro últimas décadas, esta área foi alterada do ponto de vista da organização

humana. Dos recursos herdados da natureza, foram incorporados padrões modernos que aos pouco

foram substituindo as antigas estruturas sociais e econômicas. Aos poucos foram tornando perceptíveis

as mudanças ocorridas nas condições geoecológicas e hídricas da região.

Discussão dos resultados

Através da análise de mapas e cartas da região da Serra Velha foi possível identificar vários problemas

ambientais, cuja origem remonta à década de 1970, quando para a construção da BR 135, foi

necessário a retirada de cascalho no topo do Morro Vermelho, sem a devida preocupação com o

equilíbrio ambiental da área.

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Com o crescimento das cidades de Bocaiuva e Montes Claros, mais especificamente Montes Claros,

surgiram novos manejos de exploração da terra, como a retirada de cascalhos e de areia, sendo esta

última impulsionada pelo crescimento da construção civil.

Houve uma demanda crescente da construção civil e, em consequência, um aumento da atividade

extrativa, sem que houvesse nenhuma preocupação ambiental com este importante conjunto

paisagístico. Na maioria das vezes, este processo de exploração da terra se deu pelo arrendamento de

terras dos pequenos sitiantes, que pelas dificuldades passadas com a agricultura familiar, encontraram

uma nova forma de geração de renda.

Com o passar dos anos e com a crescente pressão mercadológica foram surgindo as grandes empresas

extrativas de areias que se instalaram na área sem a devida preocupação de se fazer nenhum plano de

manejo ambiental nas lavras exploradas. A maioria das lavras apresenta uma exploração de maneira

desordenada e utilização de técnicas não adequadas. A exploração que é feita em bancadas teve como

consequência a formação de paredões entre 15 a 30 metros de altura e declividades superiores a 45º,

favorecendo a ocorrência de desmoronamentos e o carreamento de materiais sólidos, além de acidentes

ocupacionais ocasionais. Essa situação pode ser constatada nas figuras 1 e 2.

Figura 1: Carreamento de materiais sólidos em área de lavra abandonada. Autor: ALMEIDA, 2008.

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Figura 2: Desmoronamentos e o carreamento de materiais sólidos. Autor: ALMEIDA, 2008.

A respeito desta despreocupação com o ambiente explorado, Ross (2006, p.56) afirma que os diferentes modos de produção desenvolvidos pelos diferentes sistemas econômico-sociais, em função de suas maiores ou menores capacidades de promover alterações na natureza modificam e intensificam as trocas energéticas, mas não criam e tampouco mudam as leis que regem a funcionalidade dos sistemas ambientais naturais.

Um outro ponto que merece reflexão é que a área em questão por ser a nascente de importantes rios

regionais, contribui para o desenvolvimento econômico e social de outros municípios drenados pelos

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rios Pacui, São Lamberto e Verde Grande. Neste sentido, são estes rios que com seus afluentes e

subafluentes proporcionam arranjos e rearranjos espaciais nos territórios drenados por suas águas.

É sabido que a exploração desordenada de qualquer atividade mineradora causa drásticos impactos ao

ambiente. Ross (2001,15) afirma que o problema a se levantar ao trabalhar com a terra é:

[...] o da contradição que emerge entre utilizar os recursos naturais ou proteger a natureza. (...) a natureza é incapaz por si mesma, de absorver totalmente os desejos do homem. Há que se considerar ainda as muitas alterações feitas pelo homem no ambiente, tidas como impactos positivos e que depois de algum tempo revelam-se desagradáveis.

Ao longo dos anos, nada ou pouco se fez, nesta área, para aproveitar em toda a sua potencialidade o

enorme patrimônio dos recursos naturais existentes. Ao contrário, permitiram-se o desaparecimento de

espécies, a extinção da mata nativa, com as suas consequências, como o avançado processo erosivo.

Por falta de recuperação ambiental, os rios estão sendo assoreados, além do agravamento dos

problemas causados por erosões.

Preocupados com a situação de degradação ambiental estabelecida na região, o poder público ao lado

da sociedade organizada, a partir da década de 1990, empreenderam várias tentativas de controlar e

cobrar medidas mais eficazes de recuperação como planos de manejos ambientais das principais

areeiras. Entretanto, o que se pode constatar a respeito dessas tentativas é que elas foram mais

propostas, do que medidas efetivas de recuperação das áreas pontuais degradadas.

Ao longo dos anos, diversas areeiras foram embargadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e

Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, sem que fossem colocados em prática os planos de manejo

das mineradoras. Como resultado da intensa atividade extrativa, a situação atual se configura num

completo abandono destas áreas e em um acentuado estado de degradação ambiental originado da

retirada cobertura vegetal, com a conseqüente erosão, falta de um sistema de drenagem pluvial e bacias

de contenção, ocasionando o carreamento de sedimentos e assoreamento dos cursos d’água, como ser

observado na figura 3, a seguir.

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Figura 3: Assoreamento dos cursos d’água Autor: ALMEIDA, 2008.

É comum observar na maioria das areeiras existentes, a princípio o escoamento difuso que acabam

dando origem ao escoamento em lençol ou laminar, conforme destacado na figura 4.

Figura 1: Erosão laminar. Autor: ALMEIDA, 2008.

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Além desses impactos, ocorre na área a destruição das estradas, provocada pelo processo de erosão,

como pode ser observado na figura 5. Nesses casos não tem sido feita a recuperação da estrada e sim, a

abertura de novos trechos, que também acaba sendo atingido pelos processos erosivos, dada a

fragilidade do solo e a falta de planejamento adequado.

Figura 5: Destruição de estrada vicinal. Autor: ALMEIDA, 2008.

Todavia, como já referido anteriormente, em algumas lavras abandonadas foram adotadas medidas

para mitigar a degradação causada, como por exemplo: o cercamento da área, o plantio de eucalipto ou

gramíneas e construção de barraginhas, conforme mostram as figuras 6 e 7. Há que se ressaltar que tais

medidas são insuficientes para conter o processo de erosão e o assoreamento dos rios.

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Figura 6: Cercamento da área embargada, plantio de gramíneas e eucalipto. Autor: ALMEIDA, 2008.

Figura 7: Construção de barraginhas ao longo da estrada. Autor: ALMEIDA, 2008.

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A situação é tão preocupante que Rocha e Silva (2005, p.20) chamam a atenção para o fato de que

em 1993, em Audiência Pública Regional da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, realizada no município de Montes Claros, o Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente local (CODEMA) solicitou que na região limítrofe dos municípios de Montes Claros e Bocaiúva fosse criada uma Área de Proteção Ambiental como medida para a recuperação e a conservação das condições ecológicas, assegurando o bem-estar das populações locais. Uma das justificativas para a criação dessa Unidade de Conservação é o fato de que nessa área nascem os rios Pacuí, Verde Grande, Guavinipan e São Lamberto, além de boa parte de seus afluentes, cujo manancial é um dos aqüíferos mais importantes do norte de Minas e abastece dezenas de municípios extremamente carentes de água.

Apesar de ser uma área de preservação permanente, as medidas até então adotadas não se mostraram

suficientes para solucionar os vários problemas que ocorrem na área.

E inquestionável a relevância da relação existente entre o desenvolvimento socioeconômico, a

utilização e a proteção do meio ambiente, pois segundo Almeida (2000), “o destino de uma região está

essencialmente condicionado por sua ação sobre os meios naturais nos quais repousa”.

Por seu lado, o Estado de Minas Gerais, juntamente com a União, principais mediadores no processo

de regulação do uso e acesso aos recursos naturais existentes e a proteção ao ambiente, não tem

conseguido resolver as contradições postas quando se procura alcançar desenvolvimento e

sustentabilidade da natureza. As fontes de conflitos se multiplicam quando integram interesses

diversos. Neste sentido, há de se levar em consideração segundo Cunha (2008), a complexidade dos

processos físicos existentes na região, da mesma forma que as relações sociais e as desigualdades que

dela emergem, pois as interações entre estrutura física e social e as relações desiguais de poder

influenciam o uso e o acesso aos recursos naturais.

Diante deste quadro, acredita-se que só as ações de planejamento apontariam o caminho mais racional

de ocupação para esta área, principalmente porque levariam em conta os limites das bacias

hidrográficas existentes no local. Nesta área, as bacias são realidades físicas, são campo de ação

política, de partilha, de responsabilidade e de tomadas de decisões. Para Cunha (2008, 71) a definição

da bacia hidrográfica como

a unidade geográfica pertinente para atender a objetivos propostos por organizações institucionais emergentes não é apenas um reconhecimento do peso da dimensão ecológica, mas também das dimensões sociais, culturais e políticas na compreensão da complexidade dos processos ambientais.

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Ao mesmo tempo espera-se que com o planejamento haja uma harmonização entre o desenvolvimento

socioeconômico e a conservação do meio, com ênfase na preservação, principalmente das nascentes,

essenciais para o equilíbrio de todo o ambiente.

Este seria considerado o planejamento ideal para esta área, orientado para as invenções humanas

dentro da capacidade de suporte da área. Para cada ambiente natural, é possível e desejável o

desenvolvimento de atividades produtivas, que sejam compatíveis com suas potencialidades, de um

lado, e com suas fragilidades ambientais de outro. (ROSS 2006, p.61)

A importância e a necessidade de se planejar este espaço, encontra respaldo também nas palavras de

Franco (2000, p.35) ao considerar que

Todo planejamento parte do princípio da valoração e conservação das bases naturais de um dado território como base de auto-sustentação da vida e das interações que o mantém, ou seja, das relações ecossitêmicas.

Novos instrumentos de gestão e práticas de organização espacial ao nível local deverão nascer de

novas condições técnicas e de novas práticas políticas do espaço ocupado. Para que ocorram

mudanças, a população envolvida deverá se informar sobre o importante papel que individual e

coletivamente todos têm que desempenhar na prática diária e na busca de uma melhor qualidade de

vida.

Considerações finais

Através da pesquisa realizada foi possível verificar que o planejamento ambiental é essencial em

qualquer atividade, notadamente na exploração mineral. O estudo do comportamento dos elementos

que formam determinado ecossistema, o potencial passível de ser explorado, as medidas mitigadoras

ou compensatórias devem ser priorizadas. No caso da região da Serra Velha, esses condicionantes não

foram levados em consideração ao retirar areia de uma área sem estudos prévios, o que desencadeou

uma série de impactos socioambientais difíceis de serem solucionados.

Ao assorear as nascentes de córregos e rios, a população local foi afetada, pois o recurso água tornou-

se cada vez mais escasso, interferindo na subsistência de várias famílias. Diante dos danos causados as

medidas mitigadoras adotadas têm pequena ou nenhuma contribuição para a reversão do quadro

existente.

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O que se vê no local é comum nas áreas de exploração mineral a céu aberto, o impacto ambiental

negativo, já que, além da falta de manejo correto, grande parte delas teria sido abandonada sem a

implantação de um programa de recuperação do meio ambiente.

Referências

ALMEIDA, J.R. et. alli. Gestão Ambiental: planejamento, avaliação, implantação, operação e verificação. Rio de Janeiro:Thex Ed., 2000.

CUNHA, L. H. COELHO, M.C.N. Política e Gestão Ambiental. In. CUNHA & TEIXEIRA. (Org.), A questão Ambiental: diferentes abordagens. 4ª ED.- Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. CAMARGO, A. et. alli. Meio Ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós-Rio 92. São Paulo: Editora Estação Liberdade Ltda: Instituto Socioambiental; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2002. FRANCO, M.A.R. Planejamento Ambiental para a cidade sustentável. São Paulo: Annablume:FAPESP, 2000. LOPES, I.V. et. alli. Gestão Ambiental no Brasil: experiências e sucesso. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. SANTOS, R.F. Planejamento Ambiental: teoria e prática. São Paulo: Oficina de Textos, 2004. ROCHA, Jussara Machado Jardim; SILVA, Elias. Estratégias para agricultores familiares em áreas de proteção ambiental: desenvolvimento rural e preservação da natureza. Natureza & Desenvolvimento, v. 1, n. 1, p. 19-28, 2005 ROSS, J. Ecogeografia do Brasil: subsídios para o planejamento ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2006. THEODORO, S. H. Conflitos e Uso Sustentável dos Recursos Naturais. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. VIANA, G. et. alli. O desafio da sustentabilidade: um debate ambiental no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.