nebenzahl, flávio do cabo de carvalho. a guerra fiscal de
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FLÁVIO DO CABO DE CARVALHO NEBENZAHL
A GUERRA FISCAL DE ICMS E O DESENVOLVIMENTO DA BASE INDUSTRIAL DE DEFESA: ESTUDO SOBRE
CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS NO ÂMBITO ESTADUAL.
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel R1 Ilton Agostinho de Oliveira.
Rio de Janeiro 2015
C2015 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________
Assinatura do autor
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Nebenzahl, Flávio do Cabo de Carvalho. A Guerra Fiscal de ICMS e o desenvolvimento da Base Industrial
de Defesa: Estudo sobre concessão de benefícios fiscais no âmbito estadual/ AFRE-RJ Flávio do Cabo de Carvalho Nebenzahl. - Rio de Janeiro: ESG, 2015.
62 f.
Orientador: Cel R1 Ilton Agostinho de Oliveira. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2015.
1. ICMS. 2. RETID. 3. Guerra Fiscal. 4. Benefícios Fiscais. 5. Base Industrial de Defesa. I.Título.
A toda minha família que durante o meu
período de formação continuada
contribuíram, e contribuem, com
ensinamentos e incentivos.
A minha gratidão, em especial, a minha
filha Laura, que é meu ponto de
equilíbrio, a minha esposa Sandra e a
minha mãe Sonia pelo apoio e
compreensão, principalmente, nos
momentos de minhas ausências e
omissões em dedicação ao estudo, ao
trabalho e, nos últimos meses, às
atividades da ESG.
AGRADECIMENTOS
À Deus, por tudo.
Aos meus pais e avós, por terem me orientado a buscar um Brasil melhor,
pois o exemplo é a melhor forma de ensinar cidadania.
Aos meus amigos e familiares, que contribuíram, e contribuem, para a
formação de minha personalidade e convicções.
Aos meus professores de todas as épocas por terem sido responsáveis por
parte considerável da minha formação e do meu aprendizado.
Aos meus colegas de trabalho que se dedicam para o aprimoramento e
fortalecimento da Subsecretaria de Receita, da Secretaria de Fazenda do Estado do
Rio de Janeiro, cujo apoio foi fundamental para que pudesse ter a oportunidade de
cursar o CAEPE.
Aos colegas estagiários da turma “Destinos do Brasil”, a melhor Turma da
ESG, pelo convívio harmonioso e pelos conhecimentos e experiências
compartilhados, pelo apoio e suporte, pois nosso espírito de corpo é o que nos
mantém motivados.
Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações que me
fizeram refletir, cada vez mais, sobre a importância de se estudar o Brasil com a
responsabilidade implícita de ter que melhorar, bem como, pelo exemplo de que não
podemos deixar de lutar pelo futuro da nação.
Um especial agradecimento ao meu orientador Coronel Ilton, pela paciência,
boa vontade e dedicação, sua colaboração foi fundamental para que me mantivesse
focado no tema.
A guerra é a empresa essencial do estado, a base da vida e da morte, o Tao para a sobrevivência ou a extinção. Deve ser profundamente ponderada e analisada.
Sun Tzu
RESUMO
Este trabalho aborda o impacto da Guerra Fiscal de ICMS na elaboração de políticas
e estratégias para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa. O objetivo desse
estudo é verificar a origem da guerra fiscal, no seio do federalismo fiscal brasileiro, e
observar como a União deve submeter seus projetos ao Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ) para conseguir ampliar o rol de benefícios fiscais do
RETID, e açambarcar o imposto estadual que incide sobre a circulação de
mercadorias. O ICMS afeta toda a cadeia produtiva da BID, desde os insumos até o
produto final (produto estratégico de Defesa). A metodologia adotada consiste na
pesquisa bibliográfica, histórica e documental, com o propósito de organizar os
principais dispositivos legais relacionados à concessão de incentivos fiscais de
ICMS, seguida de uma análise objetiva do Sistema Tributário Nacional, no campo
das Competências Tributárias previstas na Constituição Federal de 1988, e do
referido imposto.Também foram abordadas as questões do federalismo brasileiro e o
risco que a Guerra Fiscal de ICMS representa à soberania nacional (pacto
federativo). Esse estudo não se propõe a elaborar qualquer proposta de possível
solução das distorções existentes, apenas apresenta-se o problema e qual o trâmite
legal para aprovação de benefícios fiscais de ICMS no CONFAZ, de forma, a
demonstrar que há necessidade da União negociar com os estados a política de
desenvolvimento industrial da BID.
Palavras chave: ICMS. Guerra Fiscal. RETID. Benefícios fiscais. Base Industrial de
Defesa. Imposto.
ABSTRACT
This paper addresses the impact of ICMS tax war in the development of policies and
strategies for the development of the Defense Industrial Base (DIB). The aim of this
study is to verify the origin of the fiscal war, within the Brazilian fiscal federalism, and
observe how the Union should transact projects at the National Council for Financial
Policy (CONFAZ) to get expand the list of tax benefits RETID. Because ICMS is the
state tax on the movement of goods, which affects the entire production chain DIB,
since the inputs to the final product (Strategic Defense Product).The methodology
consists of literature, historical and documentary research, in order to organize the
main legal provisions related to the granting of ICMS tax incentives. Followed by
objective analysis of the national tax system, based on Tax competences under the
Federal Constitution of 1988, and of the ICMS tax. It was also addressed issues of
Brazilian federalism and how that the ICMS tax war impacts on national sovereignty
(federal pact).This study does not intend to draw up any proposed possible solution
of the existing distortions, only presents the problem and what the legal process for
approval of tax benefits of ICMS in CONFAZ. In order to demonstrate that Union
needs to negotiate with the states to approve the industrial development policy of the
DIB.
Keywords: ICMS. Fiscal War. RETID. Tax Benefits. Defense Industrial Base. Tax.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADCT Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
Alq. Alíquota
BC Base de Cálculo
BID Base Industrial de Defesa
C,T&I Ciência, tecnologia e informação
CF69 Constituição Federal de 1969
CF88 Constituição Federal de 1988
Cofins Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CONFAZ Conselho Nacional de Política Fazendária
COTEPE Comissão Técnica Permanente do ICMS
CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN Código Tributário Nacional
DF Distrito Federal
DOE Diário Oficial do Estado
DOU Diário Oficial da União
EED Empresa estratégica de Defesa
END Estratégia Nacional de Defesa
EUA Estados Unidos da América
FG Fato Gerador
ICM Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias
ICMS Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação
ID Indústria de Defesa
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
ISS Imposto sobre Serviços
IVA Imposto sobre o Valor Agregado
LC Lei Complementar Federal
LRF Lei de Responsabilidade Fiscal
MD Ministério da Defesa
P,D&I Pesquisa, desenvolvimento e inovação
PDN Política de Defesa Nacional
PIS Programa de Integração Social
PND Política Nacional de Defesa
PRODE Produtos estratégicos de Defesa
RETID Regime Especial Tributário para as Indústrias de Defesa
RFB Receita Federal do Brasil
SEFAZ Secretarias Estaduais de Fazenda
SisCaPED Sistema de Cadastramento de Produtos e Empresas de Defesa
STF Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 10
2 FORMAS DE ESTADO ............................................................................................... 13
2.1 ESTADO UNITÁRIO ..................................................................................................... 13
2.2 FEDERAÇÃO ................................................................................................................. 14
2.3 FEDERALISMO BRASILEIRO .................................................................................... 15
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO ..................... 17
3 TRIBUTOS E COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS .................................................. 20
3.1 TRIBUTOS EM ESPÉCIE ............................................................................................. 20
3.2 IMPOSTOS ..................................................................................................................... 22
3.3 REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS .......... 23
3.4 COMPETÊNCIAS RELATIVAS AO ICMS ................................................................. 25
3.5 ICMS ............................................................................................................................... 28
3.6 BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS ................................................................................. 32
3.7 CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS NO CONFAZ .......................... 36
4 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA ............................................................................. 42
4.1 CONCEITO .................................................................................................................... 42
4.2 RETID ............................................................................................................................. 44
5 DISCUSSÃO: GUERRA FISCAL DE ICMS E A BID ............................................. 47
5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE GUERRA FISCAL DE ICMS ........................................ 47
5.2 DESENVOLVIMENTO DA BID NO CENÁRIO DA GUERRA FISCAL .................. 52
6 CONCLUSÃO ............................................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 59
10
1 INTRODUÇÃO
A concessão de benefícios fiscais é uma ferramenta importante para a
implementação de políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento industrial, que
pode ser utilizada para fomentar a Base Industrial de Defesa (BID).
A presença de uma BID sólida e ativa em pesquisa, desenvolvimento e
inovação (P,D&I), fortalece o Poder Nacional, visto que afeta diretamente duas das
três vertentes do trinômio Segurança, Defesa e Desenvolvimento, e indiretamente a
primeira destas.
Contudo, o federalismo previsto na Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, determina a autonomia financeiro-tributária de seus entes federados,
cada um tem sua competência tributária específica, e foi vedada a concessão de
isenções heterônomas no inciso III, do artigo 151 da Constituição Federal de 1988
(CF88), isto é, divergindo do preconizado pela Constituição de 1967 e pela
Constituição de 1969 (BRASIL, 1967, 1969), ou seja, atualmente, a União não pode
conceder incentivos e benefícios fiscais de tributos de competência dos estados,
municípios e Distrito Federal (DF) (BRASIL, 1988)
A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a
competência tributária referente à instituição e disciplina jurídica do Imposto sobre
Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de
Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) (BRASIL,
1988), tributo estadual que incide na prestação de alguns serviços e sobre a
circulação de mercadorias, ou seja, é um tributo indireto, que impacta diretamente
na produção industrial. Porquanto, seu campo de incidência engloba tanto os
insumos, quanto o produto final a ser comercializado.
Nesse contexto emerge um problema que impacta na elaboração de
políticas desenvolvimentistas nacionais: a Guerra Fiscal de ICMS, a qual é
caracterizada pela concessão de benefícios fiscais por parte dos Estados e do DF
para atrair indústrias e estimular o desenvolvimento local e regional, sem a
aprovação das demais unidades federadas, ou seja, em desacordo com a previsão
constitucional expressa na alínea g), do inciso XII, do artigo 155 da CF88 (BRASIL,
1988), matéria disciplinada, no âmbito infraconstitucional, pela Lei Complementar
Federal nº 24, de 7 de janeiro de 1975 (BRASIL, 1975).
11
Ressaltamos que toda política nacional, que seja pautada na concessão de
benefícios tributários para as indústrias, só será efetiva se estiver alinhada com as
políticas de governo dos Estados e do Distrito Federal, pois a União não é
competente para instituir isenções heterônomas, seria uma afronta ao pacto
federativo, na medida em que pode impactar diretamente na capacidade de custeio
dos demais entes federados.
Portanto, o objetivo desse trabalho será descrever e analisar o processo de
concessão de benefícios fiscais de ICMS, principalmente, para ser aplicado na
política de desenvolvimento da Indústria de Defesa, de forma que se minimize o
impacto da Guerra Fiscal de ICMS na aplicação de possíveis políticas nacionais de
fomento à BID.
Nesse contexto, o conteúdo do estudo visa: realizar uma análise do
federalismo fiscal brasileiro – repartição de competências tributárias –; definir a
diferença entre imunidade e isenção; demonstrar que a isenção heterônoma de
ICMS é vedada, apresentar um resumo da legislação vigente associada à
concessão de benefícios fiscais de ICMS; e, ainda, apresentar os trâmites legais
envolvidos na autorização da concessão de benefícios no Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ) (BRASIL, [2015]).
A metodologia utilizada consistirá em pesquisa bibliográfica, histórica e
documental, com o propósito de organizar os principais dispositivos legais
relacionados à concessão de incentivos fiscais de ICMS,seguida de análise objetiva
do Sistema Tributário Nacional, com base nas competências tributárias previstas na
Constituição Federal de 1988, e no referido imposto.No deslinde do trabalho serão
apresentados os principais conceitos e dispositivos legais relacionados à concessão
de benefícios fiscais (isenções, reduções de base de cálculo etc.) para mitigar os
impactos da guerra fiscal no planejamento de políticas e estratégias para o
desenvolvimento da BID.
Não será produto desse estudo qualquer proposta para possível solução das
distorções existentes, apenas será apresentado o problema, e qual o trâmite legal
para aprovação de benefícios fiscais de ICMS no CONFAZ, demonstrando a
necessidade de a União negociar com os estados a política de desenvolvimento
industrial da BID.
12
O escopo do trabalho não se trata de propor reforma tributária, mas sim, do
impacto da Guerra Fiscal no planejamento de políticas e estratégias para o
desenvolvimento da Base Industrial de Defesa.
Nesse estudo, nos ateremos às questões relacionadas com a repartição
constitucional das competências tributárias para a instituição de impostos, que estão
previstas do nos artigos 153, 154, 155 ao e 156, da CF88, com ênfase no inciso II do
artigo 155, na parte referente ao ICMS. Na qual, abordaremos apenas a incidência
sobre a circulação de mercadorias, não serão abordadas as prestações de serviços
de transporte e comunicações.
Resumindo, no estudo serão apresentados, inicialmente, conceitos e
definições jurídicas que servirão de base para a discussão sobre o impacto da
Guerra Fiscal de ICMS na elaboração de políticas e estratégias nacionais para o
desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, também será apresentada uma
descrição dos trâmites legais necessários para a aprovação de benefícios fiscais do
referido imposto no CONFAZ.
13
2 FORMAS DE ESTADO
As sociedades modernas se estruturam por meio da figura do Estado, o qual
pode assumir distintas formas jurídicas, de acordo com as necessidades e anseios
de cada coletividade. As formas de estado mais comuns são: a unitária e a
federação (LENZA, 2014).
Iniciaremos o estudo apresentando a estrutura legal que permite aos
estados federados terem autonomia orçamentária, com base na gestão dos tributos
de sua competência, principalmente o ICMS. A estrutura de competências tributárias
previstas na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), decorrente do pacto
federativo brasileiro, possibilita que os entes federados utilizem benefícios fiscais
para estimular seu desenvolvimento, o que pode implicar na Guerra Fiscal de ICMS.
Dessa forma, nesse capítulo, abordaremos, de forma sucinta, a figura do
estado unitário e, com mais profundidade o federalismo. Ainda examinaremos as
características adotadas pelo poder constituinte no tocante à divisão espacial
(VELLOSO, apud COSTA, 2015, p. 6) do poder entre os entes federados.
Destacaremos que o pacto federativo brasileiro difere bastante do adotado pelos
Estados Unidos da América, no qual 13 estados independentes abriram mão de sua
soberania para formar uma única nação.
Nesse contexto, apresentaremos, primeiramente, a figura do estado unitário,
que foi a forma de estado adotada no período do Brasil Império; posteriormente,
serão apresentados o federalismo e as particularidades da forma adotada
atualmente no Brasil; e finalizaremos apresentando algumas considerações para o
estudo acerca do Pacto Federativo brasileiro.
2.1 ESTADO UNITÁRIO
O estado unitário é uma forma centralizada de poder, ou seja, a
centralização geográfica do poder do Estado (VELLOSO, apud COSTA, 2015).
Pedro Lenza (2014) ressalta que, apesar de não ser mais adotada no Brasil, é a
forma adotada pela maioria dos estados da atualidade. Essa foi a forma de Estado
prevista na Constituição do Império, de 1924 (COSTA, 2015).
Nesse período, o sistema tributário brasileiro refletia a característica principal
do estado unitário, que é a concentração dos poderes, “[...] competia apenas a
14
Câmara dos Deputados legislar sobre matéria tributária [...]” (BARRETO, 2009, p.
12), ou seja, as Províncias não tinham autonomia para elaborar normas tributárias.
Apesar de o estado unitário ser caracterizado pela centralização do poder,
pode haver a descentralização administrativa e política. Segundo Lenza (2014,
p.468), o “Estado unitário descentralizado administrativamente e politicamente [...]” é
a forma de estado mais comum hoje em dia, principalmente na Europa, onde
durante a execução de decisões previamente tomadas pelo Governo Central, os
agentes públicos têm alguma autonomia política, podendo decidir nos casos
concretos quais os melhores procedimentos a serem empregados para a execução
dos comandos centrais (LENZA, 2014).
2.2 FEDERAÇÃO
Segundo Lenza (2014), a forma federativa de Estados e originou nos
Estados Unidos da América (EUA), em 1787, após a Independência das 13 colônias
britânicas da América, quando essas se tornaram estados soberanos e
independentes. Para sua proteção das constantes ameaças da antiga metrópole,
resolveram assinar um tratado internacional, intitulado ─ Artigos de Confederação ─,
que foi um pacto de colaboração e mútua proteção, no qual estava prevista a
possibilidade de denúncia do tratado a qualquer tempo, direito de secessão, ou seja,
direito de se retirar do pacto, como pode ser visto a seguir:
A permissão do direito de secessão aumentava o problema das constantes ameaças e a fragilidade perante os iminentes ataques britânicos. Nesse sentido, buscando uma solução [...], os Estados Confederados [...] resolveram reunir-se na cidade da Filadélfia [...] onde, então, estruturaram as bases para a Federação norte-americana. Nessa nova forma de Estado proposta não se permitiria mais o direito de secessão. Cada Estado cedia parcela de sua soberania para um órgão central, responsável pela centralização e unificação, formando os Estados Unidos da América, passando, nesse momento, a ser autônomos entre si, dentro do pacto federativo. (LENZA, 2014, p. 468/467).
A federação é caracterizada pela descentralização geográfica do poder do
Estado, conforme entende o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Mário
da Silva Velloso. Ressalta, ainda, que o federalismo é uma “[...] técnica de governo,
mas presta obséquio também à liberdade, pois toda vez que o poder centraliza-se
15
num órgão ou numa pessoa tende a tornar-se arbitrário [...]” (VELLOSO apud
COSTA, 2015, p. 6).
De outra forma, Raul Machado Horta (apud LENZA, 2014, p. 469) define
algumas tipologias do federalismo, com base nos estudos de George Scelle, quais
sejam:
Se a concepção do constituinte inclinar-se pelo fortalecimento do poder federal, teremos o federalismo centrípeto, que Georges Scelle chamou de federalismo por agregação ou associação; se, ao contrário, a concepção fixar-se na preservação do poder estadual emergirá o federalismo centrífugo ou por segregação, consonante a terminologia do internacionalista francês. Pode ainda o constituinte federal modelar sua concepção federal pelo equilíbrio entre as forças contraditórias da unidade e da diversidade, do localismo e do centralismo, concebendo o federalismo de cooperação, o federalismo de equilíbrio entre a União soberana e os Estados-membros autônomos[...].
Portanto, Lenza (2014) elenca as principais características da federação:
descentralização política, repartição de competências, existência de uma
Constituição rígida como base jurídica, inexistência do direito de secessão,
soberania do estado federal, possibilidade de intervenção para assegurar o equilíbrio
federativo diante de crises, auto-organização dos estados-membros,
representatividade desses estados nas decisões federais, existência de um órgão
guardião da Constituição e a repartição de receitas.
Insta observar que, Mônica Paes Barreto (2009, p. 32) conceitua o
federalismo como um “[...] sistema de organização em que diversos entes federados
formam uma unidade, mas permanecem autônomos em relação a seus assuntos
internos [...]”. Nesse contexto, define que o “federalismo fiscal” pressupõe a
repartição constitucional das competências tributárias e distribuição proporcional das
receitas, de forma que haja equilíbrio de poder econômico entre todos os entes
federados.
2.3 FEDERALISMO BRASILEIRO
Nesse ponto é relevante observarmos os principais dispositivos
constitucionais que conceituam a atual estrutura do federalismo no Brasil, quais
sejam, o artigo 1º,caput, e o artigo 18, caput, da CF88:
16
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos dessa organização.(BRASIL, 1988, art. 1º, art. 18).
Os artigos constitucionais destacados determinam que o Estado brasileiro
adote a forma republicana de governo, a Federação como sua forma de Estado,
cujos entes componentes são a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal. Precisamos ressaltar que o termo ─ união indissolúvel ─ é a base para a
manutenção da soberania nacional, e que o termo ─ Estado Democrático de Direito
─ consagra a democracia como cláusula pétrea da CF88, refutando o autoritarismo.
O professor Leonardo de Andrade Costa (2015, p.6) sintetiza essa questão
da seguinte forma:
O princípio Federativo é um dos pilares fundamentais ao delineamento do perfil institucional pátrio, ao lado do princípio Republicano, bem como do caráter Democrático do Estado de Direito brasileiro, no qual a soberania popular pressupõe que governantes e governados sejam submetidos à mesma lei editada pelos representantes legítimos do povo, consonante o disposto no parágrafo único do art. 1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Costa (2015), também destaca que, para um país de dimensões
continentais, como os EUA e o Brasil, por exemplo, o modelo federativo é o mais
efetivo para a organização do "Estado de Direito", pois é um sistema flexível e
eficiente para evitar o excesso de concentração de poder, mitigando os riscos de
abuso por parte daquele órgão no qual o poder esteja concentrado.
O federalismo adotado pelo Brasil tem características particulares, pois nele
é reconhecida a existência de três ordens (LENZA, 2014): a União (central), o
Estado (regional) e o Município (local).Diferindo dessa forma da concepção Norte-
Americana de dois níveis: União e estados-membros. Manoel Gonçalves Ferreira
Filho (apud LENZA, 2014, p. 472) observa que o “[...] poder de auto-organização dos
Municípios deverá observar dois graus [...]”, primeiro a Constituição Federal e,
depois, a Constituição Estadual, por isso conceitua que o federalismo brasileiro é de
“segundo grau”.
No que tange a sua origem, o federalismo brasileiro também difere
significativamente do modelo adotado pelos EUA, que se constitui em um
17
federalismo por agregação ou centrípeto, pois é oriundo de um processo de
descentralização de poder por desagregação ou centrífugo.
Além dessas características, Lenza (2014) conceitua o federalismo brasileiro
como federalismo cooperativo. Porém, adverte que, apesar de buscar a simetria, o
modelo nacional apresenta ─ certo erro de simetria ─, pela a quantidade de
representantes de cada estado no Senado, que são três, independentemente da
população de cada unidade federada.
Ademais, Pedro Lenza cita André Ramos Tavares (apud LENZA, 2014,
p.471) para ressaltar um risco, que seria o modelo brasileiro tender ao federalismo
de integração, que, no seu extremo, pode se tornar um mero federalismo formal,
opinião compartilhada por Ives Gandra Martins e Paulo Barros de Carvalho
(MARTINS; CARVALHO, 2014), principalmente na questão da gestão tributária.
Portanto, o modelo de federalismo disciplinado pela CF88 e adotado no
Brasil reflete o histórico político do país. Foi concebido após um momento de grande
concentração de poder na União, fruto do regime autoritarista, o que resultou na
descentralização do poder em três níveis, central (União), regional (Estado) e local
(Município), que detêm competências regionais e locais, mas permanecem
dependentes do poder central.Ressalta que o Distrito Federal tem características
peculiares.
2.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO
A Carta Magna brasileira de 1988 estabelece as divisões de poder político,
administrativo e financeiro de cada ente federado por meio do instituto da
competência, a qual, segundo o constitucionalista brasileiro Uadi Lammego Bulos
(BULOS, 2014), compreende parcelas de poder que são atribuídas pela soberania
do Estado Federal aos entes políticos, o que possibilita a estes, que tomem decisões
no exercício regular de suas atividades, dentro dos limites estabelecidos pela
Constituição da República. Tal delimitação do poder político se dá por meio da
técnica da divisão ou repartição de competências.
É de observar que o Brasil adota várias técnicas para definir as formas de
divisão de competências, incluindo o princípio da predominância do interesse, que
pode ser nacional, regional ou local. Nos termos da Constituição de 1988, Ana Alice
de Carli (2013, p. 188/189) considera ser possível extrair, pelo menos, nove técnicas
de repartição de competências, divididas em dois grupos, quais sejam:
18
1) competência administrativas (materiais):
a) exclusiva (enumerada, art. 21, e remanescente, art. 25, § 1º);
b) comum, art. 23;
c) decorrente (implícita na CF88); e
d) originária, art. 30.
2) competências legislativas:
a) privativa, art. 22;
b) concorrente, art. 24;
c) suplementar, art. 24,§§ 1º, 2º, 3º e 4º;
d) residual, art. 154, inciso I;
e) delegada, art. 22, §único, art. 23, §único; e
f) originária, art. 30, inciso I.
O sistema de repartição de competências constitucionais é o mecanismo
que possibilita a coordenação e a coexistência das múltiplas ordens jurídicas
distintas que incidem no território brasileiro, nesse sistema temos funções
previamente traçadas – competências (COSTA, 2015).
Costa (2015), Lenza (2014), Barreto (2009), Martins e Carvalho (2014),
destacaram alguns pontos fracos existentes na concepção do pacto federativo
brasileiro, principalmente no que tange a origem histórica de nosso modelo, que foi
uma adaptação do modelo adotado pelos EUA. Considerando que o federalismo
brasileiro é oriundo de uma descentralização de poder, durante a história do país
houve a alternância entre momentos de empoderamento da União, como por
exemplo: o federalismo de integração, o Estado Novo de Vargas as Constituições de
1967 e 1969 e momentos de fortalecimento regional, como a República Velha e a
CF88.
Observa-se que o pacto federativo é cláusula pétrea da atual constituição
brasileira, destacado no inciso I, do parágrafo 4º, do artigo 60 da CF88 (BRASIL,
1988,), ou seja, a forma federativa não pode ser revogada, nem modificada.
Ademais, conforme apresentado no estudo deste capítulo, o federalismo nos
parece o regime mais eficaz, eficiente e efetivo para a gestão de um país de
dimensões continentais, pois a desconcentração de poder favorece o regime
Democrático.
19
Portanto, qualquer solução proposta para mitigar os problemas que
relacionam a Guerra Fiscal de ICMS com as políticas de desenvolvimento da Base
Industrial de Defesa deverá preservar o pacto federativo, manter a descentralização
do poder (equilíbrio), observando as competências tributárias existentes.
20
3 TRIBUTOS E COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS
Apresentaremos, neste capítulo, algumas definições de Direito Tributário
para conceituarmos e contextualizarmos o Imposto sobre Circulação de Mercadorias
e Serviços, bem como, discorreremos sobre a repartição constitucional das
competências tributárias. Partiremos do conceito geral de tributo, para o específico
de imposto e da repartição constitucional das competências tributárias, seguiremos
com as competências legislativas referentes ao ICMS, a definição desse imposto e
as questões relacionadas à concessão de benefícios fiscais.Diferenciaremos
imunidade de isenção, frisando a questão da isenção heterônoma.
3.1 TRIBUTOS EM ESPÉCIE
Iniciaremos a exposição com a definição expressa no Código Tributário
Nacional (BRASIL, 1966, art. 3º), qual seja:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
A característica fundamental do tributo é ser compulsório, fato decorrente da
natureza legal da obrigação tributária (MAZZA, 2015). O professor Ricardo
Alexandre (2012, p. 11) destaca que “[...] o tributo é uma receita derivada, cobrada
pelo Estado, no uso de seu poder de império [...]”. Koyama (2013) reforça o
entendimento que a cobrança de tributos é a principal fonte das receitas públicas.
Alexandre Mazza apresenta interpretação majoritária do artigo 3º do Código
Tributário Nacional (CTN). Segundo o autor, “[...] tributo é sempre uma obrigação de
entregar determinada quantia em dinheiro ao Estado [...]” (MAZZA, 2015, p. 88). O
fato do tributo ser determinado como prestação pecuniária, excluído ordenamento
jurídico a possibilidade da prestação de serviços - tributo in labore - e da entrega de
bens - tributo in natura -, exceto a previsão expressa no inciso XI, do artigo 156 do
CTN, “XI ─ a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições
estabelecidas em lei.” (BRASIL, 1966, art. 156), ou seja, só é admitida forma de
pagamento do tributo que não seja em bens, no caso do bem oferecido ser imóvel,
21
da existência de lei específica autorizando e haver manifesto interesse do ente
competente no bem.
A diferença entre a multa e o tributo reside no fato deste tratar-se de uma
prestação que não constitui sanção de ato ilícito (ALEXANDRE, 2012). A multa é por
definição a sanção, a obrigação de pagá-la “[...] nasce como resposta do
ordenamento jurídico à pratica de um ato ilícito (infração) [...]” (MAZZA, 2015, p. 90).
A obrigação de pagar um tributo nasce da ocorrência de um fato gerador (FG),
previamente tipificado em lei, e não é uma punição.
A criação, a extinção, a majoração e a redução dos tributos obedecem ao
princípio da legalidade, ou seja, tributos só podem ser criados, extintos, majorados
ou reduzidos por lei (complementar ou ordinária) ou ato normativo de igual força
(medida provisória). O professor Ricardo Alexandre (2012, p. 14) explica que essa
questão “[...] decorre do princípio democrático: como a lei é aprovada pelos
representantes do povo, pode-se dizer, ao menos teoricamente, que o povo só paga
os tributos que aceitou pagar [...]”.
Conforme previsto no artigo 3º do CTN, a cobrança dos tributos é "[...] uma
atividade administrativa plenamente vinculada." (BRASIL, 1964, art. 3º), ou seja, o
fisco é obrigado a cobrar os tributos, mediante ao ato (ou processo) administrativo
chamado lançamento tributário. Não há discricionariedade do fisco, não compete à
autoridade lançadora considerar se é conveniente ou oportuno realizar a cobrança, a
lei o obriga a exigir o tributo, pois o crédito tributário é uma dívida de um com o povo,
e o fisco é o órgão, no qual se encontram lotados os agentes competentes para
constituir essa dívida e torná-la exigível - que significa: efetuar o lançamento
tributário.
Apesar do CTN em seu artigo 5º consagrar a teoria tripartite, elencando a
existência de três espécies tributárias distintas: "[...] impostos, taxas e contribuições
de melhoria." (BRASIL, 1964, art. 5º); o Supremo Tribunal Federal (STF) tem
adotado a teoria da pentapartida (quinquipartite), na qual são acrescidos aos tributos
elencados no CTN outros dois, criados na Constituição de 1988, quais sejam: os
empréstimos compulsórios e as contribuições especiais, respectivamente os artigos
148 e 149 (BRASIL, 1988).
Portanto, Alexandre (2012) e Mazza (2015) convergem no entendimento que
a doutrina majoritária reconhece cinco espécies distintas de tributos, e que estas se
distinguem em função de sua natureza jurídica específica.
22
3.2 IMPOSTOS
Impostos são tributos cuja cobrança não é vinculada a qualquer
contraprestação estatal.O artigo 16 do CTN define imposto como: “[...] tributo cuja
obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade
estatal específica, relativa ao contribuinte.” (BRASIL, 1966, art. 16).
O professor Ricardo Alexandre (2012, p. 21) ressalta que “[...] os impostos
são, por definição, tributos não vinculados, que incidem sobre manifestação de
riqueza do sujeito passivo (devedor) [...]”, o que vai ao encontro do pensamento de
Alexandre Mazza (2015, p. 121), que destaca os impostos como “[...] tributos
desvinculados de uma atividade estatal relativa ao contribuinte [...]”, também afirma
que são os tributos mais importantes para o Estado.
As hipóteses de incidência dos impostos nunca descrevem uma atividade
estatal (diferente dos tributos vinculados: taxas e contribuições de melhoria, por
exemplo), ou seja, os fatos geradores dos impostos são decorrentes de atividades
do contribuinte, referentes à manifestação de riqueza, e o produto da arrecadação
(recursos) destes será utilizado para o custeio de serviços públicos uti universi
(inespecíficos e indivisíveis) e outras despesas estatais gerais (MAZZA, 2015).
O professor José Jayme de Macêdo Oliveira (2009, p. 1) sintetiza essa
questão da seguinte forma: “[...] para distinguir tais espécies, que se examine o fato,
definido na lei, que faz surgir a obrigação de pagar [...]”. No caso dos impostos, se
materializa uma atuação do próprio contribuinte.
Os impostos devem obedecer a diversos Princípios do Direito, que servem
para limitar o poder do Estado perante o particular. Dentre eles, cabe destacar os
seguintes: da capacidade contributiva (desdobramento do princípio da isonomia), da
não afetação (proíbe a vinculação da receita do imposto a órgão, fundo ou despesa)
e da legalidade (não haverá cobrança de imposto sem lei que o instituiu
anteriormente).
Portanto, o imposto é um tributo duplamente desvinculado, pois suas
hipóteses de incidência não estão vinculadas a uma atividade estatal e a receita
proveniente da arrecadação dele não pode ser vinculada a órgão, fundo ou despesa
– exceto a repartição constitucional expressa no inciso IV, do artigo 167 da CF88
(BRASIL, 1988).
23
3.3 REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS
Competência tributária é, em síntese, o poder de aprovar lei que institua
tributo, com a necessária observância aos limites constitucionais e às normas gerais
do direito tributário brasileiro editadas pela União (ALEXANDRE, 2012), é uma
“espécie de competência legislativa”, complementa Mazza (2015).
Alexandre Mazza (2015) salienta que a capacidade legal de modificar,
reduzir e extinguir tributo também decorre da competência tributária, por isso
necessita de aprovação legislativa, ou seja, da manifestação da vontade do povo,
por intermédio de seus representantes eleitos.
O Ives Gandra da Silva Martins e o professor Paulo Barros de Carvalho
(2014) resumem competência tributária como a possibilidade de legislar, produzir
normas jurídicas sobre tributos. Destacando que a lei deve ser editada pela mesma
pessoa de direito interno que é detentora da competência constitucional.
Leonardo de Andrade Costa (2015) explica que o sistema de repartições
constitucionais decorre da forma de Estado adotada no Brasil, o federalismo, na qual
coexistem e se coordenam diversas ordens jurídicas no mesmo território, com
funções previamente determinadas pelo poder constituinte nacional.
Com relação à titularidade, a competência tributária somente é atribuída às
entidades federativas, ou seja, é exclusiva de pessoas de direito público da
Administração Direta, sendo a criação (instituição) de tributos um poder facultativo e
indelegável.
O professor Ricardo Alexandre (2012, p. 175) diferencia a competência
tributária da competência para legislar sobre direito tributário, que é o “[...] poder
constitucionalmente atribuído para editar leis que versem sobre tributos e relações
jurídicas a eles pertinentes [...]”, ou seja, o poder de elaborar leis para definir as
regras (normas) sobre o exercício do poder de tributar.
Compete à União editar as normas gerais do direito tributário, reservando
aos Estados e ao Distrito Federal a competência suplementar, caso a União não
tenha exercido sua competência. Tal competência da União, é reserva de lei
complementar (LC), ou seja, a CF88 definiu que a matéria tratada ─ estabelecimento
de normas gerais e direito tributário ─, necessita ser aprovada por lei complementar
24
(parágrafos 1º, 2º, 3ºe4º, do inciso I, do artigo 24, combinado com a alínea a), do
inciso III, do artigo 146 da CF88) (BRASIL, 1988).
Por oportuno, o Código Tributário Nacional foi recepcionado como Lei
Complementar pela Constituição Federal de 1969 (CF69) – a qual trouxe esta nova
figura normativa. A Carta Constitucional de 1988 também recepcionou esse Codex
(CTN) com o status de lei complementar federal.
Os municípios não têm competência para editar normas gerais, apenas
competências para instituir seus tributos, devendo observar as normas gerais
estabelecidas pela União e pelo Estado ao qual é vinculado.
Ainda nessa questão, faz-se necessário citar que os demais dispositivos
elencados no artigo 146 da Constituição de 1988 também se referem às
competências para legislar sobre direito tributário (BRASIL, 1988).
Em síntese as competências constitucionais para instituição de impostos
estão destacadas da seguinte forma: artigos 153 e 154, de competência da União;
artigo 155, dos Estados, e artigo 156, dos Municípios; o Distrito Federal acumula as
competências dos artigos 155 e 156 da CF88 (BRASIL, 1988).
Nesse ponto, Alexandre Mazza (2015) esclarece que a Constituição Federal
não cria nenhum tributo, apenas define as competências de cada ente federado. Por
isso, cabe ao ente detentor do poder constituído aprovar as leis ordinárias que
instituem os tributos.
Face ao exposto, observamos que a competência tributária apresenta
determinados atributos: indelegabilidade (impossibilidade da transferência de seu
poder para instituir tributo – artigo 7º do CTN (BRASIL, 1964), privatividade
(aplicável somente aos impostos, apenas o ente competente pode exercer a
competência tributária a ele determinada pelo poder constituinte), facultatividade
(não há obrigação constitucional do ente competente a exercer seu poder de instituir
o tributo), irrenunciabilidade (o ente competente não pode renunciar definitivamente
de sua competência), incaducabilidade (o direito de criar o tributo não prescreve, ou
seja, não há prazo para o exercício da competência) e inampliabilidade (por própria
vontade o ente não pode aumentar suas competências tributárias) (MAZZA, 2015).
Portanto, o poder constituinte estabeleceu na Constituição de 1988 uma
série de competências legislativas, dentre essas, as competências tributárias para
instituir e disciplinar tributos e as competências para elaborar normas gerais do
direito tributário. Tal distribuição de competências, bem como a repartição de
25
receitas tributárias descritas que vai desde o artigo 157 ao artigo 162 da
Constituição de 1988(BRASIL, 1988), tem como objetivo maior possibilitar a
autonomia administrativa dos entes federados, reflexo da descentralização de poder
característica do federalismo.
3.4 COMPETÊNCIAS RELATIVAS AO ICMS
Destacaremos abaixo os dispositivos constitucionais referentes ao ICMS,
com ênfase nos relacionados à circulação de mercadorias, objeto desse trabalho.
Com efeito, esses disciplinam a competência para legislar sobre normas gerais do
imposto, competência para instituí-lo, bem como as limitações constitucionais para a
concessão de benefícios fiscais, quais sejam:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...] § 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I - será não-cumulativo, [...]; II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; III - poderá ser seletivo, [...]; IV - resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V - é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, [...]; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, [...]; VI - salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais; [...] X - não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, [...], assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores; [...] XII - cabe à lei complementar: [...] f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados [...] (BRASIL, 1988, art. 155, grifo nosso).
26
Portanto, compete privativamente aos Estados e ao Distrito Federal instituir
por instrumento legal específico (lei estadual/lei distrital) o imposto sobre operações
relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), observadas as limitações
constitucionais, as normas gerais do direito tributário (constantes do CTN) e as leis
complementares federais elaboradas no cumprimento do artigo 146 e do inciso X, do
parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88 (BRASIL, 1988).
O professor Ricardo Alexandre (2012, p. 574) resume de forma simples a
complexidade da questão, expondo que o caráter nacional do ICMS obrigou o
legislador constituinte a elaborar diversos dispositivos constitucionais buscando um
mínimo de uniformidade do imposto em todo território nacional e a mitigação dos
efeitos de uma possível – e que se concretizou – guerra fiscal. Destaca que esse
“[...] foi o tributo mais contemplado com regras estatuídas no texto constitucional
[...]”.
Na lógica exposta, Alexandre (2012, p. 574) considera que a CF88 “[...]
delegou à regulação, mediante lei complementar de caráter nacional [...]”, bem como
delegou ao Senado a competência para estabelecer, por resolução de iniciativa do
Presidente da República (PR), as alíquotas interestaduais (inciso IV, do parágrafo 2º,
do artigo 155 da CF88); e a faculdade de estabelecer as alíquotas mínimas para as
operações internas e fixar alíquotas máximas nas operações para resolver conflito
específico que envolva interesses dos estados (alíneas a) e b), do inciso V, do
parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88) (BRASIL, 1988).
Alexandre Mazza (2015) concorda com o professor Ricardo Alexandre
(2012), acrescentando que, em virtude da complexidade do tema, foram editadas,
dentre outras, duas leis complementares federais importantes para o ICMS, as LC nº
24/1975 (BRASIL, 1975) e nº 87/1996 - Lei Kandir (BRASIL, 1996).
Destarte, devido ao caráter nacional do ICMS, a competência para legislar
sobre esse imposto foi compartilhada entre a União e os Estados e o Distrito
Federal. Coube à União, exercendo seu poder constitucional, disciplinar normas
gerais que visem à minimização dos conflitos de interesses dos entes federados.
A LC nº 24, de 7 de janeiro de 1975, elaborada ainda na vigência da CF69,
dispõe sobre os convênios para a concessão de isenções do imposto sobre
operações relativas à circulação de mercadorias (BRASIL, 1975). O objetivo do
legislador foi minimizar a possibilidade de guerra fiscal no âmbito do antigo imposto
27
sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICM). Nesse sentido, foi
estabelecida a obrigatoriedade de consenso unânime dos estados para a permissão
da concessão de benefícios fiscais. A CF88, que transformou o antigo ICM em
ICMS, recepcionou expressamente a LC nº 24/1975 no parágrafo 8º, do item III, do
art. 34 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1988, 1975).
A Carta de 1988 estabeleceu, ainda, na alínea g), do inciso XII, do parágrafo 2º, do
artigo 155, que: cabe à LC regular a forma como isenções, incentivos e benefícios
fiscais serão concedidos e revogados, que deve ser mediante deliberação dos
Estados e do Distrito Federal (por convênios) (BRASIL, 1988), ordenamento jurídico
ainda em vigor.
A Lei Kandir (LC nº 87, de 13 de setembro de 1996) (BRASIL, 1996)
disciplina a maioria das matérias listadas nas alíneas do inciso XII, do parágrafo 2º,
do artigo 155 da CF88, exceto o disposto na alínea g), anteriormente citada, e na
alínea h), esta última até hoje não regulamentada. Esta lei é a base e o parâmetro
normativo para as leis estaduais e distrital que instituíram o ICMS, respectivamente
nos estados e no DF. Observamos que as leis que instituíram o imposto foram na
maioria dos estados e no DF publicadas antes da elaboração da Lei Complementar.
Visto que ao publicar suas respectivas leis criando o ICMS, os estados e o Distrito
Federal, anteriormente à vigência da Lei Kandir, exerceram sua competência
tributária suplementar, por isso exerceram a competência legislativa plena. Após a
entrada em vigor da LC disciplinando normas gerais, foram suspensos todos
dispositivos legais, estaduais e distrital, que estavam em desacordo com a norma
nacional, LC nº 87/1996 (BRASIL, 1996).
Compete ao poder legislativo dos Estados e do Distrito Federal elaborar leis
ordinárias para instituir e dispor sobre o ICMS, observando as normas
constitucionais, o CTN, as resoluções do Senado e as LC federais que dispõem
sobre normas gerais do ICMS. Dessa forma, cada ente competente para criar seu
ICMS, determina suas próprias alíquotas internas; desde que não estejam em
desacordo com o disposto no inciso IV e alíneas a) e b), do inciso V, do parágrafo 2º,
do artigo 155 da CF88, que poderá ser seletiva em função da essencialidade das
mercadorias e dos serviços (inciso III, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88)
(BRASIL, 1988).
Portanto, apesar de ser um imposto estadual e distrital, parte da
competência legislativa do ICMS no que tange à elaboração de normas gerais é
28
disciplinada pela União, pois o caráter nacional desse imposto obrigou o legislador
constitucional a desconcentrar o poder de tributar, de modo que os conflitos de
interesses dos entes federados pudessem ser mitigados. A questão do
estabelecimento das alíquotas e, principalmente, da concessão de isenções,
incentivos e benefícios fiscais são cruciais para o estabelecimento de política e
estratégia para o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa.
3.5 ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços é um
tributo de competência dos estados e do Distrito Federal (inciso II, do artigo 155 da
CF88) (BRASIL, 1988), sua arrecadação é a principal fonte de receita dos
respectivos entes competentes e tem função essencialmente fiscal (arrecadatória).
Porém, podemos identificar o caráter extrafiscal secundário, tanto na determinação
constitucional da aplicação de alíquotas seletivas, em razão da essencialidade do
produto ou serviço (MAZZA, 2015), quanto na concessão de benefícios fiscais para
o fomento do desenvolvimento.
No entanto, o professor José Jayme de Macêdo Oliveira (2009, p. 2) diverge,
afirmando que o ICMS é essencialmente “[...] extrafiscal, pois induz e enseja
políticas desenvolvimentistas, setoriais e, até mesmo, arrecadatórias [...]”,
entendendo que qualquer imposto tem função fiscal.
O campo de incidência do ICMS é amplo, incide sobre operações relativas à
circulação de mercadorias, e sobre a prestação de serviços de transporte
interestadual e intermunicipal e de comunicações, ainda que as operações e as
prestações de serviços se iniciem no exterior (ALEXANDRE, 2012).
Mônica Paes Barreto (2009) conceitua o ICMS como um imposto plurifásico
e incidente sobre o valor agregado (adicionado em cada etapa produtiva),
características de um imposto não-cumulativo. Ressaltamos a existência de previsão
constitucional para se instituir ICMS monofásico, que incidiria sobre combustíveis e
lubrificantes, alínea h), do inciso XII, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88
(BRASIL, 1988).
O professor Ives Gandra da Silva Martins e Carvalho (MARTINS;
CARVALHO, 2014, p. 1) consideram que o ICMS deveria ser “[...] federal ou
centralizado, como ocorre na esmagadora maioria dos países que adotam a técnica
29
do valor agregado [...]”. Ressaltam que esse é um tributo de ─ vocação nacional ─,
que não deveria ter sido regionalizado.
Oliveira (2009) também classifica o referido imposto como:
a) indireto: pago pelo contribuinte de direito, mas seu valor é embutido no
custo produto, ou seja, há transferência do ônus para o contribuinte de fato, no caso,
o consumidor final;
b) proporcional: não progressivo, uniforme independente da capacidade
econômica do contribuinte;
c) real: fixado apenas em função da mercadoria; e
d) não-cumulativo: há obrigação da compensação do imposto pago nas
operações anteriores, isso mitiga o efeito em cascata.
Com relação à possibilidade estabelecida na CF88 do ICMS ser seletivo
conforme a essencialidade da mercadoria para o consumo da população, o
professor José Roberto Rosa (2009, p. 34) destaca que cada estado pode
estabelecer alíquotas maiores ou menores, obedecendo às regras constitucionais,
“[...] quanto a seletividade, vemos que cada Estado define qual a lista dos produtos
chamados de 'supérfluos' e que serão gravados por alíquota maior, na maioria das
vezes, 25% [...]”. Esse detalhe é importante para a BID, pois essa é a alíquota de
ICMS aplicada à maioria dos produtos finais produzidos na indústria de defesa
(KOYAMA, 2013, p. 34), não dos insumos.
Barreto (2009), Alexandre (2012), Koyama (2013), Martins e Carvalho (2014)
e Mazza (2015) convergem na assertiva de que o ICMS é a principal fonte de
receitas dos estados brasileiros, e que é o tributo que mais arrecada no Brasil,
quando somadas as arrecadações de todos os estados e do Distrito Federal.
Os principais aspectos do tributo utilizados para o cálculo do imposto devido
são: o fato gerador (FG), a base de cálculo (BC), as alíquotas (Alq.) e a
caracterização dos contribuintes. Todos são elementos essenciais do tributo e
devem ser estabelecidos na lei que o institui (OLIVEIRA, 2009).
Conforme exposto, a Lei Kandir (LC nº 87/1996) não definiu os fatos
geradores do ICMS, apenas enumerou aqueles em que o legislador estadual e/ou
distrital pode tipificar as hipóteses de incidência (BRASIL, 1996; ALEXANDRE,
2012). O FG que será objeto desse estudo é a circulação de mercadorias. Mazza
(2015, p. 408) esclarece: “[...] para que o imposto seja devido a mercadoria deve
circular juridicamente, não bastando a mera circulação física [...]”, ou seja, deve
30
haver mudança de titularidade, a propriedade do bem deve ser alterada pela
tradição.
Para o entendimento da questão, precisamos conceituar mercadorias.
Alexandre Mazza (2015, p. 409) as define como “[...] bens móveis destinados ao
comércio [...]”. O professor Ricardo Alexandre (2012) reforça esse conceito que se
estende a bens incorpóreos (fisicamente intangíveis), conforme decisão do Supremo
Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945, Medida Cautelar
(BRASIL, 2010).
O montante do valor devido na operação (FG) é obtido pela multiplicação da
base de cálculo pela alíquota. O professor José Jayme de Macêdo Oliveira (2009)
esclarece que a BC do ICMS é o valor da operação tributada, ressaltando o fato do
montante do imposto integrar sua base de cálculo, ou seja, o valor cobrado do
adquirente da mercadoria equivale ao valor da mercadoria acrescido do imposto, de
forma que a alíquota é multiplicada pelo valor final e cabe ao contribuinte recolher ao
fisco o imposto devido.
Alexandre Mazza (2015, p. 414) destaca que a BC do ICMS é “[...] o valor da
operação na saída da mercadoria [...]”. Também observa que, quando há circulação
de produtos destinados à industrialização (insumos) ou à comercialização entre
contribuintes, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) não integra a base de
cálculo do ICMS.
Oliveira (2009) define alíquota como percentual, definido em lei, que é
aplicado sobre a BC, para o cálculo do valor a ser pago. Mazza (2015) resume que
afirmando que as alíquotas Internas de ICMS são fixadas pelo poder legislativo
estadual, e podem ser seletivas (inciso III, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88)
(BRASIL, 1988). Conforme a repartição constitucional de competências, cada
Estado (e o Distrito Federal) determina as alíquotas que serão aplicadas nas
operações internas e de importação realizadas no seu território exposto, exceto nas
operações interestaduais e de exportação, nestas duas últimas o Senado Federal
fixa as alíquotas.
Ricardo Alexandre (2012) relata que, na Assembleia Nacional Constituinte
da Constituição de 1988, os estados mais desenvolvidos (produtores) conseguiram
aprovar o dispositivo que, caberia ao estado produtor da mercadoria (alienante) boa
parte do produto da arrecadação, referente ao imposto devido nas operações
interestaduais entre contribuintes (Alq. internas maiores ou iguais à Alq.
31
interestadual fixada pelo Senado Federal – combinação do inciso IV com o inciso VI,
do parágrafo 2º, do art. 155 da CF88) (BRASIL, 1988).
Destarte, José Roberto Rosa (2009) esclarece que o Senado Federal definiu
como regra geral a alíquota de 12% para ser aplicada nas operações interestaduais,
cabendo ao estado produtor o total dessa arrecadação, e ao estado onde houver a
venda ao consumidor final, o resultado do valor final da mercadoria multiplicado pela
Alq. interna, subtraído dos créditos da operação interestadual (princípio da não-
cumulatividade). Porém, face às desigualdades existentes entre os estados, quando
a circulação da mercadoria entre contribuintes diferentes ocorrer dos estados do Sul
e Sudeste (exceto o Espírito Santo) para os demais estados das regiões Centro
Oeste, Norte e Nordeste e o Espírito Santo, será aplicada uma alíquota de 7%.
Saliente-se que, com a edição da Emenda Constitucional nº 87/2015
(BRASIL, 2015), a partir de primeiro de janeiro de 2016, nas operações
interestaduais com destino a consumidor final não contribuinte do ICMS também
será aplicada a alíquota interestadual, fixada pela Resolução nº 22 de 19 de maio de
1989 do Senado Federal (7% ou 12%), e não mais a alíquota interna, que é
atualmente utilizada.
Para finalizar a apresentação dos elementos essenciais do ICMS, cabe
ressaltar a definição do contribuinte do imposto, que está expressa no caput e no
inciso I, do parágrafo único, do artigo 4º, da LC 87/1996 (Lei Kandir) (BRASIL, 1996,
art. 4º):
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; [...].
Em suma, no momento da ocorrência do FG, surge a obrigação tributária
principal, recaindo sobre o contribuinte o dever de pagar ao estado o valor devido,
que é apurado com base na multiplicação da BC (valor da mercadoria) pela Alq.
prevista para a operação. Deste produto deve ser subtraído o valor do ICMS pago
em operações anteriores (OLIVEIRA, 2009), como mostrado na sequência mostrada
abaixo:
32
FG ICMS (devido) = BC*Alq.
ICMS a pagar = ICMS (devido) – ICMS (pago em operações anteriores).
Portanto, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de
Serviços é um tributo muito complexo, tem caráter nacional, pois incide sobre o valor
agregado na cadeia produtiva das mercadorias, desde o seu início até a entrega do
produto ao consumidor final, cabendo parte do produto da arrecadação do ICMS a
cada ente federado em que há agregação de valor.
Observamos que a receita oriunda do ICMS é a principal fonte de
arrecadação dos Estados, por isso é essencial para o custeio de suas despesas com
educação, saúde, segurança pública, pessoal etc.
Para mitigar os conflitos entre os Estados, Municípios, União e Distrito
Federal, o poder constituinte se preocupou em não permitir aos estados e ao DF
exercer competência tributária plena, cabendo à União, por lei complementar, e ao
Senado Federal, por resolução, estabelecer normas gerais que visem mitigar os
efeitos da desconcentração do poder (decorrente do federalismo) sem prejudicar a
autonomia financeira e orçamentária dos Estados.
A Base Industrial de Defesa está inserida nessa questão, pois a maioria das
empresas desse segmento é contribuinte de ICMS (KOYAMA, 2013). Ademais, por
se tratar de um imposto de competência dos estados e do Distrito Federal, a União
está constitucionalmente impedida de conceder isenções de ICMS (inciso III, do
artigo 151 da CF88) (BRASIL, 1988), o que será abordado com maior profundidade
posteriormente.
3.6 BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS
Apresentaremos inicialmente a diferença entre imunidade e isenção;
destacaremos a posição do poder constituinte originário de 1988 que vedou
expressamente a concessão de isenção heterônoma (inciso III, do artigo 151 da
CF88) e finalizaremos o capítulo apresentando as normas referentes à concessão
de benefícios fiscais de ICMS, pautadas principalmente na Lei Complementar nº
24/1975. Nesse ponto, exporemos o órgão colegiado que delibera sobre a questão,
com a finalidade de mitigar os efeitos da Guerra Fiscal, o Conselho Nacional de
Política Fazendária (CONFAZ) (BRASIL, 1988, 1975, [2015]).
33
Para entendermos o instituto benefício fiscal precisamos buscar o artigo 114
do CTN, o qual dispõe sobre o fato gerador (BRASIL, 1966). Ricardo Alexandre
(2012) define que o fenômeno da incidência tributária está ligado à ocorrência do
FG, prevista na lei que instituiu o tributo como realidade fática necessária e
suficiente para o surgimento da obrigação tributária. Dessa forma, “[...] a não
incidência refere-se às situações em que um fato não é alcançado pela regra da
tributação [...]” (ALEXANDRE, 2012, p.143), isso pode decorrer de três formas:
1) o ente competente não definiu determinada situação como hipótese de
incidência tributária, ou seja, não há lei que tipifique a situação.
2) o ente tributante não tem competência para determinar a situação como
hipótese de incidência, pois sua atribuição constitucional não abrange tal fato.
3) a Constituição Federal limita o poder de tributar do ente federativo,
restringindo-o de exercer plenamente sua competência tributária, impedindo a
definição de determinadas situações como hipóteses de incidência. Caso de
imunidade, ou seja, não incidência constitucionalmente qualificada (ALEXANDRE,
2012).
Para Alexandre Mazza (2015) a imunidade tributária tem “natureza jurídica
dúplice”, são limitações constitucionais ao poder de tributar e garantias fundamentais
do contribuinte.
Dentre as imunidades previstas na Constituição de 1988, cabe especial
atenção à imunidade recíproca; expressa na alínea a), do inciso VI, do artigo 150 da
CF88, que limita reciprocamente o poder de instituir impostos da União, dos
Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e de cobrar impostos sobre o
patrimônio, a renda e os serviços, uns dos outros (BRASIL, 1988). Luciano Amaro
(apud COSTA, 2015) fundamenta esse instituto na proteção do federalismo, de
forma que a norma imunizante alcança apenas patrimônio, renda e serviços dos
entes federados, não impedindo a incidência dos impostos indiretos, como o IPI e o
ICMS.
Já as isenções tributárias têm natureza diferente, pois são decorrentes da
dispensa legal que permite ao contribuinte não realizar o pagamento do tributo
devido (MAZZA,2015). Portanto, o legislativo do ente competente para instituir o
tributo precisa aprovar lei específica criando a isenção (combinação dos artigos 97,
111, 175 e 176 do CTN) (BRASIL, 1966), que somente pode ser interpretada de
forma literal.
34
O professor Ricardo Alexandre (2012, p. 470) explica que “[...] a isenção é a
dispensa legal do pagamento do tributo”. Por isso, em regra somente a pessoa de
direito público competente para instituir o tributo pode optar pela dispensa de seu
pagamento em determinadas situações.
Segundo Alexandre (2012, p. 146), “A isenção opera no âmbito do exercício
da competência, enquanto a imunidade, [...], opera no âmbito da própria delimitação
de competência [...]”. Dessa forma, na isenção há incidência do tributo, mas o
legislador dispensou seu pagamento, já na imunidade não há incidência do tributo
por uma limitação constitucional.
Alexandre Mazza (2015) explica que a regra é a isenção comum ou
autonômica, concedida pela Pessoa Federativa competente (inciso III, do artigo 151
da CF88). Porém, a própria Constituição prevê poucos casos nos quais a União, por
LC, pode afastar a incidência de tributos dos demais entes, a chamada isenção
imprópria ou heterônoma. No caso do ICMS, está expressa na alínea e), do inciso
XII, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88, e se restringe a exportações de
mercadorias e serviços, prevendo a manutenção do crédito tributário (BRASIL,
1988).
O professor Leonardo de Andrade Costa (2015) ressalta que o parágrafo 2º
do artigo 19 da Constituição de 1967, alterada pela Emenda Constitucional nº1, de
17 de outubro de 1969 (BRASIL, 1969), permitia à União, por LC, atendendo a
relevante interesse social ou econômico nacional, conceder isenções dos impostos
estaduais e municipais. Essa regra foi mudada na CF88 que vedou, expressamente
no inciso III, do artigo 151, a concessão de isenção heterônoma, preservando a
autonomia tributária e orçamentária dos demais entes federados, o que fortalece o
pacto federativo (BRASIL, 1988).
Mazza (2015) ressalta que a imunidade e a isenção afastam apenas a
obrigação tributária principal (de pagar), não se estende as obrigações acessórias
(de fazer ou não fazer).
No campo do ICMS, diferente dos demais impostos estaduais, a questão da
concessão de isenções e benefícios fiscais não é tão simples. A CF88 estabeleceu a
obrigatoriedade da publicação de lei complementar determinando regra específica
(alínea g), do inciso XII, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88). A LC nº 24/1975,
recepcionada pela nova constituição, conforme já salientado, se tornou o
instrumento normativo para a regulação da forma como os Estados e o DF
35
deliberam para aprovar ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. Foi
estabelecido que a forma seria mediante a edição de convênios, no quais deve
haver consenso para a concessão (a decisão deve ser unânime) dos Estados
representados, e para a revogação (total ou parcial), maioria qualificada de no
mínimo 4/5 (quatro quintos) dos Estados representados (BRASIL, 1988, 1975;
ROSA, 2009).
O jurista Ives Gandra Martins e o professor Paulo Barros de Carvalho
(MARTINS; CARVALHO, 2014) apresentam que a LC, prevista na alínea g), do
inciso XII, do parágrafo 2º, do artigo 155 da CF88, teria a função de "mecanismo" de
ajuste para assegurar a operacionalidade e assegurar a harmonia do sistema de
concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais. Dessa forma, a LC nº
24/1975 exerce o importante papel de mecanismo de ajuste, que calibra a produção
legislativa ordinária em sintonia com os mandamentos constitucionais (BRASIL,
1988, 1975).
No parágrafo único, do artigo 1º, da LC nº 24/1975 o legislador federal
estendeu as normas para concessão de isenções de ICMS aos incentivos e
benefícios fiscais listados nos incisos, que fundamentalmente reduzem a carga
tributária e implicam em renúncia fiscal (BRASIL, 1975).
Martins e Carvalho (MARTINS; CARVALHO, 2014) demonstram que os
convênios não se sobrepõem às legislações estaduais, nem às nacionais, pois têm
campo privativo de atuação, fundamentado na Lei Maior.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) é o órgão
competente para celebrar tais convênios. Composto por representantes do poder
executivo dos Estados e do Distrito Federal e do Governo Federal.
Koyama (2013) atenta para a composição do CONFAZ (BRASIL, [2015]),
que é constituída pelos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação de cada
Estado e Distrito Federal e pelo Ministro da Fazenda (presidente do conselho e
representante da União). Ressalta que a maior missão do colegiado é “[...] promover
o aperfeiçoamento do federalismo fiscal e a harmonização tributária entre os
Estados da Federação” (KOYAMA, 2013, p. 35).
A Comissão Técnica Permanente do ICMS (COTEPE) é o órgão técnico de
apoio ao CONFAZ, composta por representantes técnicos das Secretarias de
Fazenda de todos estados, e de diversos grupos de trabalho sobre assuntos
específicos relacionados à gestão tributária dos estados e do DF (BRASIL, [2015]).
36
O CONFAZ pode delegar expressamente competência à COTEPE para
decidir, salvo concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais
(BRASIL, [2015]; KOYAMA, 2013).
As reuniões deliberativas do CONFAZ são realizadas trimestralmente, e são
presididas pelo Ministro da Fazenda (ou por representante por esse indicado).
Participam, além dos representantes dos estados e do DF (com direito a voto),
representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da
Receita Federal e da Secretaria do Tesouro Nacional (BRASIL, [2015]).
3.7 CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS NO CONFAZ
A Lei Complementar nº 24/1975, de 7 de janeiro de 1975 (BRASIL, 1975), foi
expressamente recepcionada pela nova ordem constitucional, consoante o §8º do
art. 34, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da
Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). De fato, o dispositivo dos ADCT é
categórico ao se referir aos termos em que o convênio, transitoriamente substitutivo
da Lei Complementar disciplinadora das normas gerais do ICMS, deveria ser
celebrado; quais sejam:
§ 8º - Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, "b", os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. (BRASIL, 1988, ADCT, art. 34).
A LC nº 24/1975, por sua vez, quando editada, fundamentou-se no disposto
no parágrafo 6º do artigo 23 da Constituição de 24 de janeiro de 1967 (BRASIL,
1975, 1967), com a sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de
outubro de 1969 (BRASIL, 1969). Já a atual Constituição, no mesmo sentido, prevê,
na alínea g), do inciso XII, do parágrafo 2º, do artigo 155 que cabe à lei
complementar: “g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e
revogados.” (BRASIL, 1988, art. 155, § 2º, XII, g)).
Em que pese o exposto, após a promulgação da CF88, duas correntes se
formaram no que se refere aos atos necessários à concessão de isenções,
37
incentivos e benefícios relacionados ao ICMS: 1) o primeiro grupo entende ser
essencial que lei ou decreto legislativo estadual ratifique o convênio firmado no
âmbito do CONFAZ, em homenagem ao princípio da legalidade tributária, além da
edição de outros atos referidos na própria LC nº 24/1975, em outras palavras, o
convênio seria condição necessária, mas não suficiente, e 2) o segundo grupo é
composto por aqueles que sustentam ser exigível apenas o cumprimento dos
requisitos estabelecidos na própria LC nº 24/1975, afastando-se a necessidade de
ato específico do Poder Legislativo estadual para ratificar as disposições de
convênio, tendo em vista, em especial, o disposto na parte final do parágrafo 6º, do
artigo 150 da Constituição e o contido no parágrafo 8º do artigo 34 dos ADCT da
CF88 (BRASIL, 1975, 1988).
Insta observar que a exigência de lei decorre do disposto no artigo 14 da Lei
Complementar nº 101/2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) (BRASIL, 2000)
combinado com a parte inicial do parágrafo6º, do artigo 150 da Constituição
(BRASIL, 1988).
Referente ao segundo argumento, isto é a exigência de ato legislativo por
força do disposto no §6º do artigo 150 da Constituição. Deve ser respeitada a
interpretação até hoje adotada, quanto à desnecessidade de lei estadual, os estados
podem, baseado no convênio, conceder isenção do ICMS
A transcrição do artigo 14 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) facilitará
a compreensão do que aqui se deseja examinar:
Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o
38
benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. § 3º O disposto neste artigo não se aplica: I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º; II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança. (BRASIL,2000, art. 14)
Em caráter inicial, cumpre destacar que a renúncia de receita pode ser
analisada, pelo menos, sob dois aspectos distintos, ensejando abordagens e
conclusões inequivocamente díspares. De fato, a matéria pode ser enfocada sob o
ponto de vista econômico-tributário ou sob a perspectiva jurídico-tributária.
Se considerarmos apenas a primeira vertente, isto é, o enfoque econômico-
tributário, ganha relevo a análise do impacto financeiro decorrente da adoção de
políticas tributárias concessivas de incentivos e benefícios, tendo em vista não
apenas a perspectiva temporal (curto, médio e longo prazo), espacial (macro e
microrregiões alcançadas), pessoal (setores de atividade econômica direta ou
indiretamente estimulados e/ou prejudicados por questões concorrenciais), mas,
também, e principalmente, o aspecto quantitativo da matéria, que se baseia na
mensuração dos efeitos, tanto para os cofres públicos como para o sujeito passivo,
ocasionados pela introdução e manutenção de regras tributárias que desoneram ou
estabelecem tratamento tributário diferenciado. Esta abordagem do problema, que
pressupõe um estudo tanto micro como macroeconômico, tem escopo mais amplo
do que a análise de caráter estritamente jurídico-tributário, ressaltando-se,
entretanto, que ambas as perspectivas se vinculam de forma sistêmica e
indissociável, isto é, cada qual se nutre e influencia a outra, num processo circular
interdependente.
No entanto, essa distinção ora propugnada é fundamental para que se
delimite e se compreenda o objeto da análise desta parte do parecer, que se limita a
reproduzir o conceito de renúncia fiscal como expresso no acima transcrito
dispositivo da LRF.
A caracterização do benefício ou do incentivo como “renúncia de receita”
pressupõe a prévia análise do ato normativo que concede o tratamento tributário
diferenciado, tendo em vista a necessidade de identificar se há ou não o
mencionado condicionamento a “requerimento” e “despacho de autoridade”.
Nesses termos, caso o convênio e os seus atos complementares
estabeleçam a exigência de “requerimento” e “despacho de autoridade” para a
39
fruição do benefício, o disposto no citado artigo 14 da LRF se aplica (BRASIL, 2000).
Em sentido diverso, se não há nos atos que concedem e regulamentam o benefício
as condições suscitadas, “requerimento” e “despacho de autoridade”, inaplicável
será o dispositivo em comento da LRF, apesar de incidir a nosso ver o disposto no
parágrafo 6º, do artigo 165 da CF88 (BRASIL, 1988).
Somente após esta análise será possível determinar se há ou não a
necessidade de efetivação dos procedimentos de que trata o inciso II, do artigo 14
da LRF (BRASIL, 2000), o que poderá ensejar a necessidade de apresentação de
projeto de lei pelo Poder Executivo à Assembleia Legislativa Estadual, objetivando a
─ elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de
tributo ou contribuição ─, mas não a edição de decreto por parte do Governador do
Estado visando a adoção de ─ medidas de compensação, no período mencionado
no caput, do artigo 14 da LRF (BRASIL, 2000), por meio do aumento de receita.
Nesse sentido, parece-nos possível, em tese, que venha a ser necessária a
edição de lei estadual para o cumprimento da LRF, mas entendemos, por outro lado,
estar afastada a necessidade de edição de decreto estadual para que ocorra a plena
produção dos efeitos de convênio aprovado no âmbito do CONFAZ, ainda que se
entenda aplicável o disposto no inciso II, do artigo 14 da Lei de Responsabilidade
Fiscal (BRASIL, 2000).
Sem prejuízo do exposto, cumpre ressaltar que o exame supra referido,
objetiva determinar se a renúncia de receita, já identificada e caracterizada sob o
ponto de vista jurídico-tributário, foi ou não considerada na estimativa de receita da
lei orçamentária e se afetará ou não as metas de resultados fiscais previstas no
anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias, requer e pressupõe o conhecimento
do que foi inserido no orçamento do exercício em curso e anteriores bem como a
atribuição de competência para a análise dos possíveis impactos do benefício sobre
as ─ as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes
orçamentárias.
A LC nº 24/1975 (BRASIL, 1975) prevê a seguinte sistemática para a edição
de convênio de ICMS que conceda isenção, redução da base de cálculo, devolução
total ou parcial, direta ou indireta, condicionada ou não, do tributo, ao contribuinte, a
responsável ou a terceiros, concessão de créditos presumidos e quaisquer outros
incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no ICMS,
40
dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou indireta, do respectivo ônus, qual
seja:
a) celebração pelos Estados e Distrito Federal, por intermédio de seu
representante. Segundo o Convênio ICMS 133/97, o qual aprovou o Regimento do
Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) (BRASIL, 1997);
b) publicação no Diário Oficial da União (DOU) até 10 (dez) dias após a
data de que trata o item a), da celebração do convênio, deve ser publicado no DOU
o texto do ato;
c) ratificação estadual. Na terminologia do Direito Público,─ ratificação ─
significa a confirmação do Chefe de Estado ou do poder competente dos atos
praticados por seus delegados, ou seja, é a aprovação do delegante dos atos
praticados por seus delegados. Dessa forma, no prazo de 15 (quinze) dias contados
da data da publicação no DOU, de que trata o item b), os Estados e o Distrito
Federal publicarão, nos Diários Oficiais, Decretos ratificando ou não os convênios
celebrados, considerando-se concordância tácita a falta de manifestação neste
prazo. Em outras palavras, o ato praticado pelo Secretário titular da pasta fazendária
na reunião do órgão colegiado, e já publicado no DOU, não está confirmado pelo
Estado até que ocorra a sua ratificação no âmbito espacial do mesmo, momento em
que o Chefe do Poder Executivo declara a sua anuência, no sentido de que o
convênio deverá produzir os seus efeitos no território da unidade federada, ainda
que sob condição 1) da ulterior ratificação nacional, de que trata o item subsequente,
bem como 2) da expedição dos atos complementares porventura necessários à
plena eficácia e aplicabilidade das normas acordadas em âmbito nacional. Impõe-se
ainda destacar que existem apenas duas possibilidades após a publicação do
convênio no DOU de que trata o item anterior, a ratificação ou a rejeição do acordo
pelo Poder Executivo Estadual. A rejeição só pode ser expressa, bastando que
apenas uma unidade federada assim se manifeste para que o convênio seja
considerado como prejudicado, ressalvada a hipótese de revogação total ou parcial
do benefício, cuja rejeição depende de expressa manifestação de, no mínimo, quatro
quintos das unidades da Federação. O ponto relevante a ser destacado, tendo em
vista o que se deseja alcançar, é o fato de que a LC nº 24/1975 estabelece que a
ratificação pelos Estados e Distrito Federal, em sentido diverso ao da rejeição, pode
ser: 1) expressa, com a publicação de decreto do Chefe do Poder Executivo no
Diário Oficial do Estado (DOE) confirmando o convênio; ou 2) tácita , assim
41
considerada a anuência do Estado, mesmo diante da falta de manifestação por meio
de ato escrito e publicado, em ambas as hipóteses no prazo de 15 (quinze) dias,
contados da publicação dos convênios no DOU de que trata o item anterior.
d) ratificação ou rejeição nacional até 10 (dez) dias depois de findo o
prazo de ratificação dos convênios em âmbito estadual, de que trata o item anterior,
ou seja, em até 25 (vinte e cinco) dias após a publicação do convênio no DOU, de
que trata o item b), será publicado, novamente no DOU, ato do presidente da
Comissão Técnica Permanente do ICMS (COTEPE) declarando a ratificação ou a
rejeição do convênio, conforme o caso.
Portanto, nos termos da Lei Complementar nº 24/1975 uma vez confirmado
o convênio pelos Estados e o Distrito Federal, tácita ou expressamente, e publicada
a sua ratificação nacional no DOU, nos prazos estabelecidos, entendemos que o ato
do convênio já deve ser considerado incorporado, ou internalizado, à legislação
estadual e apto à produção de seus efeitos, nos limites de suas possibilidades,
obrigando inclusive as unidades da Federação regularmente convocadas que não se
tenham feito representar na reunião que celebrou o ato (BRASIL, 1975).
Destaque-se, ainda, que possível argumentação no sentido de que a
ratificação tácita, prevista na parte final do artigo 4º da LC nº 24/1975, não teria sido
recepcionada pela nova ordem constitucional democrática de 1988 vai de encontro
ao próprio texto da Constituição, tendo em vista a inequívoca e direta menção aos ─
termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975 ─, no já citado parágrafo
8º, do art. 34,dos ADCT da CF88, termos nos quais é contemplada, também, a
ratificação tácita (BRASIL, 1975, 1988).
42
4 BASE INDUSTRIAL DE DEFESA
Nesse capítulo serão apresentados alguns aspectos relacionados com a
Indústria de Defesa que demonstram a importância dessas para a segurança e a
defesa do Brasil, bem como justificam a necessidade da concessão de incentivos e
benefícios fiscais para esse segmento. Conceituaremos a BID e apresentaremos
uma breve descrição do Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa.
4.1 CONCEITO
O Ministério da Defesa (MD) classifica a Base Industrial de Defesa como o
conjunto de empresas (estatais e privadas), bem como organizações militares,que
participam de uma ou mais etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção,
distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa (bens e serviços)
(BRASIL, [2014a]).
Koyama (2013, p. 15) apresenta que a BID é um conceito mais abrangente
do que o da ID, pois açambarca toda infraestrutura de ciência, tecnologia e
informação (C,T&I) “[...] dedicada à produção e ao abastecimento da tecnologia
militar para as Forças Armadas [...]”. Com base no estudo de Amarante (apud
KOYAMA, 2013), demonstra que há uma cadeia de produção imensa, que necessita
de muita pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I), abaixo das indústrias que
comercializam os produtos de defesa acabados, ou seja, os insumos dessa cadeia
produtiva também têm muito valor agregado.
Carvalho (2013) ressalta a importância do desenvolvimento de uma BID
capaz de fornecer os meios necessários no tempo desejado aumenta a capacidade
militar do país, pois a existência de forças armadas com poder dissuasório e
tecnologicamente independente de outros países, demonstra ao Poder Nacional e,
por conseguinte, impõe mais respeito no cenário internacional.Segue um trecho de
seu estudo em que defende esse ponto:
O poder de negociação e barganha dos interesses aumenta proporcionalmente ao seu poder militar. Não coincidentemente, os países membros do seleto grupo do Conselho de Segurança permanente das Nações Unidas, França, EUA, Rússia, China e Inglaterra possuem uma coisa em comum: poder militar capaz de ser aplicado fora do território nacional e armas nucleares. São países que possuem um vasto parque
43
industrial militar e forças armadas com capacidade de defender os seus interesses dentro e fora de seus territórios. Eles advogam a necessidade de impedir a proliferação de armas nucleares, mas não aceitam imposições externas para redução de seus arsenais. (CARVALHO, 2013, p. 22)
Ambos (CARVALHO, 2013; KOYAMA, 2013) destacam a importância do
emprego dual da tecnologia desenvolvida pela BID e da possibilidade de o
aperfeiçoamento dessa base alavancar o desenvolvimento do país.
A característica mais marcante da Indústria de Defesa (ID) é utilizar
tecnologia sensível, que não é facilmente compartilhada pelos países, pois envolve
questões de segurança e defesa. Por isso, Carvalho (2013) defende a importância
do Brasil tratar todas as empresas envolvidas na produção dos produtos
estratégicos de Defesa (PRODE) de forma diferenciada, protegendo-as, devido ao
seu caráter estratégico.
Já Koyama (2013) afirma que os PRODE são caracterizados por
incorporarem maior tecnologia e conhecimento, por necessitarem de longos
períodos de investimento em P,D&I, por terem alto valor agregado e por estarem
relacionados diretamente com o exercício da função de Defesa Nacional.
O governo deve atuar na promoção de condições que possibilitem o
desenvolvimento da BID, de forma a capacitar a indústria nacional para conquistar
autonomia em tecnologias estratégicas e criar inovações para o país. Nesse sentido
já na Política de Defesa Nacional, em 2005(BRASIL, 2005), se destacava a
importância do trinômio Estado/empresas/universidade, expresso no item 6.9:
O fortalecimento da capacitação do País no campo da defesa é essencial e deve ser obtido com o envolvimento permanente dos setores governamental, industrial e acadêmico, voltados à produção científica e tecnológica e para a inovação. O desenvolvimento da indústria de defesa, incluindo o domínio de tecnologias de uso dual, é fundamental para alcançar o abastecimento seguro e previsível de materiais e serviços de
defesa (BRASIL, 2005, 6.9).
A Estratégia Nacional de Defesa (END) de 2008 (BRASIL, 2008), apesar de
não ter esse conceito expresso no seu texto, mantém o entendimento de que o
Estado deve atuar em conjunto com a iniciativa privada e as academias no
desenvolvimento de uma BID que priorize o desenvolvimento tecnológico de
produtos de uso comum das Forças Armadas Brasileiras, do uso dual e de potencial
para exportação, segue abaixo o trecho:
44
Os projetos a serem apoiados serão selecionados e avaliados de acordo com as ações estratégicas a seguir descritas e com características que considerem o potencial da demanda pública, a possibilidade de uso comum pelas Forças, o uso dual – militar e civil – das tecnologias, subprodutos tecnológicos de emprego civil, o índice de nacionalização, o potencial exportador, a presença de matéria-prima crítica dependente de importação
e o potencial de embargo internacional. (BRASIL, 2008, p. 54/55)
Carvalho (2013) defende a tendência moderna de unir no mesmo local:
universidades, centros de pesquisa governamentais e/ou privados, empresas de
médio e grande porte, e incubadoras de pequenas empresas. De forma a facilitar a
interação entre os atores, aumentar o potencial de todos e maximizar os resultados.
Nessa esteira vem o desenvolvimento da região.
Koyama (2013) resume que o objetivo da questão é o fomento do
desenvolvimento de complexos militares-universitários-empresarias capazes de
criar, na maioria das vezes, tecnologias de utilidade dual, militar e civil.
Já na diretriz 22 da Estratégia Nacional de Defesa, publicada em 2008, foi
proposta a elaboração de um regime jurídico, regulatório e tributário especial para
proteger empresas privadas nacionais de material de defesa das variações do
mercado e assegurar que o Estado exerça ─ poder estratégico ─ sobre estas, ou
seja, atuar na proteção das tecnologias sensíveis desenvolvidas no Brasil (BRASIL,
2008).
Portanto, a BID é estratégica para a segurança e defesa do país, por isso
precisa de apoio governamental para seu desenvolvimento e sua proteção no
mercado internacional, procedimento comum dos países que têm a indústria de
defesa consolidada.
Para o deslinde desse estudo abordaremos o Regime Especial Tributário
para a(s) Indústria(s) de Defesa (RETID), regime jurídico tributário aprovado na Lei
Federal nº 12.598, de 22 de março de 2012, que visa o fomento da BID, por meio de
incentivos e benefícios fiscais nas operações com a União e nas exportações
(BRASIL, 2012a).
4.2 RETID
O Regime Especial Tributário para a(s) Indústria(s) de Defesa tem como
principal finalidade a eliminação da distorção de impostos entre o PRODE nacional e
45
o importado, possibilita a indústria nacional concorrer em igualdade com as
estrangeiras. Beneficia parte da BID desonerando aquisições internas e importações
das empresas estratégicas de defesa (EED). Já com relação ao mercado
internacional desonera as exportações das EED, o que aumenta sua competitividade
internacional, conforme estudo da FIESP (2012, apud KOYAMA, 2013), referente
aos óbices da BID.
Milton Massamitsu Koyama (2013) apresenta que, na redação original da Lei
Federal (LF) nº 12.598/2012 (BRASIL, 2012a), o RETID desonerava apenas as
aquisições nacionais entre as empresas (na cadeia produtiva), excluindo a venda
final ao MD. Dessa forma, os produtos importados, isentos do Imposto de
Importação mantinham vantagem competitiva frente aos similares nacionais, e isso
não estimulava o desenvolvimento da BID nacional.
Tal distorção foi corrigida com a publicação da LF nº 12.794, de 2 de abril de
2013 (BRASIL, 2013), que alterou a abrangência do RETID na LF nº 12.598/2012
(BRASIL, 2012a), conforme destacado em seu artigo 12:
Art. 12. A Lei nº 12.598, de 22 de março de 2012, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 9º-A. Ficam reduzidas a zero as alíquotas: I - da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita decorrente da venda dos bens referidos no inciso I do caput do art. 8º efetuada por pessoa jurídica beneficiária do Retid à União, para uso privativo das Forças Armadas, exceto para uso pessoal e administrativo; e II - da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins incidentes sobre a receita decorrente da prestação dos serviços referidos no art. 10 por pessoa jurídica beneficiária do Retid à União, para uso privativo das Forças Armadas, exceto para uso pessoal e administrativo.” “Art. 9º-B. Ficam isentos do IPI os bens referidos no inciso I do caput do art. 8o saídos do estabelecimento industrial ou equiparado de pessoa jurídica beneficiária do Retid, quando adquiridos pela União, para uso privativo das Forças Armadas, exceto para uso pessoal e administrativo.” “Art. 11. Os benefícios de que tratam os arts. 9º, 9º-A, 9º-B e 10 poderão ser usufruídos em até 5 (cinco) anos contados da data de publicação desta Lei, nas aquisições e importações realizadas depois da habilitação das pessoas jurídicas beneficiadas pelo Retid.” (NR) (BRASIL, 2013, art. 12º).
Dessa forma, Koyama (2013) destaca que a BID ficou dispensada do
pagamento dos seguintes tributos federais: Programa de Integração Social (PIS), da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e IPI. No caso do
IPI, foi outorgada a isenção do imposto, já nas contribuições especiais, foi
estabelecida a alíquota zero nas vendas para as Forças Armadas, o que implica na
46
ausência de tributo a pagar (BC multiplicada por Alq. Zero é igual a zero de imposto
a pagar).
Koyama (2013, p. 32) defende que a redução da carga tributária federal,
reduz os preços dos PRODE, com isso o orçamento do MD “[...] ganha maior poder
de compra e aumenta a demanda, aquecendo a indústria e gerando empregos.”.
No mesmo sentido, Carvalho (2013) salienta que o RETID desonera as
empresas da BID de parte dos encargos tributários, o que reduz sensivelmente o
custo de produção e induz o desenvolvimento de tecnologias autóctones. Afirma que
a LF 12.598/2012 (BRASIL, 2012a) é um marco legal e é a promessa de que será
possível a resolução de problemas inerentes à ID.
Contudo, conforme já destacado, a União não tem competência para
elaborar leis que concedam isenção de impostos estaduais e municipais (inciso III,
do artigo 151 da CF88), o que é um entrave para a Estratégia Nacional de Defesa
(END) que se pauta no fomento à BID, por meio de incentivos e benefícios fiscais
(BRASIL, 1988, 2008).
Portanto, os benefícios fiscais previstos no RETID não abarcam o ICMS –
objeto deste estudo – e o Imposto sobre Serviços (ISS), dois impostos indiretos, um
estadual e um municipal, respectivamente, que incidem na cadeia produtiva dos
produtos da BID. No caso do ICMS, pode haver uma solução sistêmica para a
questão, visto que há um órgão deliberativo de caráter nacional, cuja competência é
a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais de ICMS, o CONFAZ
(BRASIL, [2015]). Porém, para compreensão da questão, devemos também analisar
o impacto da Guerra Fiscal entre os Estados sobre a BID.
47
5 DISCUSSÃO: GUERRA FISCAL DE ICMS E A BID
Para o desenvolvimento do trabalho, serão apresentadas inicialmente
algumas considerações sobre a guerra fiscal, finalizaremos expondo os aspectos
que devem ser observados no planejamento de políticas e estratégias de
desenvolvimento da BID que utilizem a concessão de isenções, incentivos e
benefícios fiscais de ICMS.
5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE GUERRA FISCAL DE ICMS
Mônica Paes Barreto (2009, p. 48) define guerra fiscal como a“[...] disputa
entre os estados para conceder incentivos fiscais com a finalidade de atrair
investimentos [...]”. Os incentivos citados são, principalmente, isenções, reduções de
base de cálculo, alíquota zero ou créditos presumidos de ICMS. Ressalta que, para
vencer a guerra, os estados concedem, além dos benefícios fiscais, vantagens
financeiras e de infraestrutura “[...] para as empresas interessadas em investir ou
transferir seus investimentos para o estado concessor do benefício.” (BARRETO,
2009, p. 48).
O professor Ives Gandra da Silva Martins e Carvalho (MARTINS;
CARVALHO, 2014, p. 20) expõe a situação atual, na qual os estados são usados
pelos investidores das grandes corporações que negociam e impõem às Secretarias
dos Estados sua política, na contrapartida de se instalarem naqueles estados que
lhes outorgarem maiores vantagens, o que minimiza o custo das empresas. Por isso,
afirma que a “[...] verdadeira política financeira não é definida pelos governos, mas
exclusivamente pelos investidores [...]”.
Nesse tema o professor Leonardo de Andrade Costa (2015) amplia a
discussão, defendendo que a questão da guerra fiscal não é apenas uma disputa
entre os estados, pois no cerne da questão estaria a autonomia financeira de cada
ente, princípio basilar do federalismo, ou seja, seria uma competição por poder
oriunda da própria estrutura do pacto federativo brasileiro, que, se corretamente
conduzida pelo o ente nacional traz uma série de benefícios para o fortalecimento da
democracia brasileira.
Dessa forma, entendemos que há disputas pelo poder econômico entre
todos os entes federados, que também poderiam ser chamadas de guerra fiscal.
48
Porém, o objetivo de nosso trabalho é o estudo das implicações da Guerra Fiscal de
ICMS na elaboração de políticas e estratégias para o desenvolvimento da Base
Industrial de Defesa, por isso não nos aprofundaremos nessa vertente, fixando
apenas nas interações da União com os estados, e dos estados entre si – para fins
do estudo, incluiremos o DF como um dos estados, pois concentra as competências
tributárias de estado e de município.
O professor Paulo de Barros Carvalho, na obra elabora em conjunto com
Ives Gandra Martins, reforça o ponto, esclarecendo que:
A denominada “guerra fiscal”, especialmente a que se refere ao ICMS, envolve não apenas o atrito entre as entidades tributantes, mas também afeta diretamente os contribuintes que usufruíram de incentivos e aqueles que tiveram algum tipo comercial com eles. (MARTINS; CARVALHO, 2014, p. 27, grifo nosso).
Aprofunda sua análise expondo que os motivos e consequência dessa
disputa extrapolam o âmbito jurídico e invadem o campo econômico. Similar ao que
ocorre na geopolítica internacional, onde os estados mais desenvolvidos, e
produtores de mercadorias com maior valor agregado, acusam os demais de
utilizarem a concessão de incentivos e benefícios fiscais para “[...] atrair a seus
territórios empresas teoricamente capazes de estimular o desenvolvimento que
perseguem [...]”. Já os menos industrializados, rebatem esse argumento alegando
que têm o direito e a obrigação de concretizar suas metas econômicas e sociais.
(MARTINS; CARVALHO, 2014, p. 27)
O resultado dessa disputa é óbvio, perdem os estados, que se tornam
"marionetes" nas mãos dos grandes conglomerados de indústrias, muitas vezes
sendo obrigados a ceder para poder gerar emprego a sua população e "aquecer" a
economia local. Também perdem os contribuintes, que ficam inseguros quanto à
validade das concessões, pois não costuma haver convênio celebrado no CONFAZ
autorizando a fruição de tais benefícios; e ficam preocupados com possíveis
retaliações que os outros estados podem fazer. A retaliação mais comum é o não
reconhecimento dos créditos de ICMS interestadual, ou seja, os fiscos dos estados
que não concordam com o benefício glosam o crédito de ICMS do contribuinte de
seu estado, o qual adquiriu mercadoria de contribuinte de um estado que concedeu
o benefício.
49
Destarte, conforme exposto no capítulo 3 quando apresentamos a repartição
constitucional de competências tributárias e os princípios legais para a concessão de
isenções, incentivos e benefícios fiscais, fica clara a posição do poder constituinte
em elaborar um arcabouço legislativo para mitigar os possíveis conflitos de
interesses entre os estados. Ives Gandra Martins e Paulo de Barros Carvalho
(MARTINS; CARVALHO, 2014) afirmam que, para minimizar a insegurança do
contribuinte a Constituição Federal apresenta uma plêiade de princípios, cuja a
observância é obrigatória.
Ricardo Alexandre (2012) apresenta que, em boa parte dos sistemas
tributários internacionais, o ICMS está inserido no imposto sobre o valor agregado
(IVA), bem como o IPI (da União) e ISS (dos municípios). Porém, no Brasil foi feita a
opção de dividir o "conceito" de IVA nacional em três impostos, sendo um de cada
ente federado. Explica que é nas parcelas não-nacionais que a possibilidade de
guerra fiscal surge com força, no ICMS isso fica mais evidente, visto que este é o ─
grande arrecadador nacional (ALEXANDRE, 2012).
Barreto (2009) e Alexandre (2012) defendem a criação de um IVA federal e a
extinção do IPI, ICMS e ISS, solução que, para Ricardo Alexandre, é politicamente
impossível, pois mesmo que houvesse a garantia do integral repasse dos recursos
arrecadados, Estados e DF perderiam o poder político que o imposto representa nas
negociações para atração de investimento para seus territórios.
A auditora fiscal da Receita Federal do Brasil Mônica Paes Barreto (2009),
também reconhece a dificuldade para a realização de tamanha reforma tributária e
considera a possibilidade de uma reforma menos radical, que afetaria apenas o
ICMS.
Ademais, Barreto (2009) destaca que o federalismo brasileiro, que deveria
ser baseado na cooperação, está desmoronando, pois “[...] tomou a forma de um
federalismo predatório [...]” (BARRETO, 2009, p. 48). Afirma que a consequência
dessa competição “[...] descontrolada e exagerada [...]” (BARRETO, 2009, p. 48)
entre os entes federados são as distorções econômicas existentes no atual sistema
tributário brasileiro, que não reduzem as desigualdades regionais e acarretam perda
de arrecadação, o que implica na ausência de recursos orçamentários para o
cumprimento das metas sociais. Conclui que a guerra fiscal coloca o pacto
federativo em risco (BARRETO, 2009).
50
Os juristas Ives Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros Carvalho (2014)
concordam em parte com Barreto (2009), reconhecem o perigo existente nas
medidas que os estados têm adotado para promover o desenvolvimento industrial
em seus territórios, mas não acreditam que a solução, apresentada por Barreto
(2009), de centralizar a arrecadação dos principais impostos na União é a melhor,
pois tal medida tornaria estados e municípios totalmente subordinados ao poder
político federal, visto que suas autonomias financeiras estariam prejudicadas e, mais
uma vez, o federalismo brasileiro se tornaria um federalismo de "fachada".
O professor Ives Gandra Martins e Paulo de Barros Carvalho (MARTINS;
CARVALHO, 2014) afirmam que um dos principais fatores da falta de
competitividade do Brasil, frente aos demais países emergentes, é a guerra fiscal.
Ressaltam que, desde 1990, a União deixou de criar políticas regionais de estímulos
fiscais.
Ives Gandra Martins e Paulo de Barros Carvalho, fazem uma análise
histórica da distribuição do poder, desde a instituição do federalismo no Brasil, que
variou entre a efetiva concentração do poder na União e a descentralização em três
níveis, no modelo atual. Entendem que o poder está democraticamente distribuído,
cabendo, em matéria tributária, ao ente nacional a competência legislativa de
regulamentar e equilibrar os possíveis conflitos existentes entre os entes federados.
Porém, em se tratando de aspectos econômicos, inerentes à manutenção da
autonomia de cada ente, sempre teremos grandes pontos de discórdia, que é o caso
da guerra fiscal e da repartição dos royalties de petróleo. Reconhecem também a
importância de os estados terem autonomia para desenvolver suas próprias políticas
de desenvolvimento local (MARTINS; CARVALHO, 2014).
Costa (2015) destaca que há orientação pacificada no STF sobre a
inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos unilateralmente, ou seja, sem
a aprovação do CONFAZ, como pode ser visto na proposta de Súmula Vinculante 69
(BRASIL, 2012b). O que vai ao encontro da posição de Martins e Barros Carvalho
reforçando a importância da atuação do poder judiciário, em especial do Supremo
Tribunal Federal, para “[...] enfrentar e resolver os superiores impasses da
Federação [...]” (MARTINS; CARVALHO, 2014, p. 205).
Portanto, a Guerra Fiscal de ICMS é um risco à soberania nacional, pois a
competição que se estabelece entre os estados, visando se tornarem atrativos
economicamente para grandes conglomerados de empresas investirem em seus
51
territórios, enfraquece o pacto federativo, uma vez que os tornam reféns das
políticas de maximização de lucro inerentes à iniciativa privada. As grandes
corporações, antes de se estabelecerem, ou próximo ao término do prazo para
fruição dos benefícios concedidos, negociam com muitos estados, fazendo
verdadeiros “leilões” para saber qual estado concede melhores condições para
conduzir seus negócios, analisando: incentivos financeiros, benefícios fiscais e obras
de infraestrutura que permitam o escoamento da produção.
Para as secretarias estaduais de desenvolvimento, tais medidas parecem
ser eficientes, eficazes e efetivas, pois supostamente a atração de investimentos
aqueceria a economia local, o que alavancaria o consumo e,indiretamente,
aumentaria a arrecadação de ICMS dos demais produtos.Porém, isso não
necessariamente se confirma no mundo real, uma vez que a quantidade de
empregos gerada muitas vezes não é aquela esperada.Com efeito, os benefícios
fiscais costumam ser por prazo determinado, e as empresas ao término do prazo, se
não houver prorrogação do benefício, se transferem para outras unidades da
federação, que oferecem melhores condições, sem mencionar a questão da geração
de créditos acumulados – um dos principais problemas enfrentado pelas SEFAZ de
todos estados na atualidade.
A autonomia financeira dos entes federados é importante para a
manutenção do pacto federativo, pois permite a autonomia econômica em relação
ao poder central, o que reforça a democracia. Qualquer emenda constitucional ou lei
que venha a retirar esse direito dos estados e dos municípios coloca em risco o
federalismo brasileiro.
O ICMS é a principal fonte de custeio dos estados, principalmente pelo fato
de cada estado arrecadar diretamente a maior parte do imposto que lhe cabe, não
está sujeito a receber repasse de outro ente, como acontece com as receitas dos
royalties de petróleo e parte do ICMS referente às empresas do Simples Nacional e
os microempresários individuais. Dessa forma, a questão fundamental a ser
respondida por qualquer projeto de reforma tributária é: como organizar a
arrecadação sem prejudicar o fluxo de caixa dos estados e municípios?
52
5.2 DESENVOLVIMENTO DA BID NO CENÁRIO DA GUERRA FISCAL
Tanto o coronel Milton Massamitsu Koyama (2013) quanto o coronel Robson
dos Santos Carvalho (2013), estagiários do CAEPE de 2013, consideraram que a
Base Industrial de Defesa necessita de apoio e incentivos do Estado para poder
atingir sua potencialidade, alavancar o desenvolvimento nacional e se tornar um pólo
internacional de P,D&I, característicos desse segmento industrial, que lida com
tecnologia sensível.
Partilham dessa opinião, principalmente, pelo fato da existência de uma
indústria nacional de defesa consolidada proporciona maior poder de dissuasão ao
país, possibilitando o melhor aparelhamento de suas forças armadas, principal
vitrine dos produtos nacionais de defesa, e origem/destino do desenvolvimento de
tecnologias sensíveis, que na maioria das vezes encontram emprego dual.
Dentro das possíveis formas de estímulo econômico desse segmento a
Política de Defesa Nacional (PDN) e a END preconizam a concessão de incentivos e
benefícios tributários, para proporcionar competitividade no mercado nacional aos
PRODE produzidos no Brasil, e para incentivar a BID a investir em P,D&I, de forma a
torná-lo um país mais independente de tecnologia sensível estrangeira.
Com base nessa determinação, foi instituído pelo legislador federal o
Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (LF n° 12.598/2012) (BRASIL,
2012a), que após ser aprimorado pela LF n°. 12.794/2013 (BRASIL, 2013), tornou a
cadeia produtiva da BID mais competitiva, pela desoneração da carga tributária
federal, no que tange aos tributos indiretos, que afetam diretamente a produção, a
industrialização, a comercialização e a prestação de serviços que agregam valor ao
produto estratégico de defesa. Porém, esses incentivos se aplicam apenas aos
PRODE vendidos à União, para uso exclusivo das Forças Armadas, excluindo desse
rol os produtos para uso pessoal e administrativo.
Koyama (2013) desconsidera o caráter arrecadatório de custeio do estado
exercido pelos tributos, e afirma que, com a redução dos preços finais dos PRODE,
o orçamento do MD ganharia maior poder de compra e, consequentemente,
aumentaria a demanda, o que aqueceria a ID e geraria mais empregos.
Cabe a consideração de que qualquer renúncia fiscal tem impacto no
orçamento do ente político que a concede, o que pode repercutir nos orçamentos
dos outros entes federados, de forma semelhante ao impacto que a Guerra Fiscal de
53
ICMS causa na estrutura do federalismo, reduzindo a autonomia financeira das
pessoas de direito público.
Não há dúvidas de que o fomento da BID e a concessão de isenções,
incentivos e benefícios fiscais possibilitam uma vantagem competitiva aos
beneficiários, cujas cargas tributárias são reduzidas. Esse é o motivo pelo qual os
grandes conglomerados industriais estimulam a competição predatória dos estados
para se estabelecerem nos seus territórios (Guerra Fiscal de ICMS) em todos
segmentos industriais.
Se não forem respeitados os preceitos constitucionais, nem a competência
tributária de cada ente, o pacto federativo será colocado em risco e, novamente,
teremos a perda total da autonomia financeira e orçamentária dos entes federados,
o que é uma afronta a uma das cláusulas pétreas da CF88 ─ o Princípio Federativo.
Essa é uma das preocupações de Ives Gandra da Silva Martins e Paulo de Barros
Carvalho (2014), e que deve ser a base de uma possível reforma tributária.
Alexandre (2012), Martins e Carvalho (2014), Mazza (2015) e Costa (2015)
convergem para o entendimento de que, devido ao caráter nacional do ICMS, o
poder constituinte da Constituição de 1988 estabeleceu uma série de princípios e
dispositivos legais que devem ser respeitados na concessão de isenções, incentivos
e benefícios fiscais desse imposto, cujos objetivos são a mitigação de conflitos de
interesses entre os estados, e entre a União e os estados. Dessa forma a União, em
regra, não pode conceder benefícios fiscais de impostos que não estão no seu rol de
competências, salvo alguns casos específicos expressos no próprio texto
constitucional – vedação à isenção heterônoma.
Destarte, para que a BID seja contemplada com benefícios fiscais de ICMS
será necessária a aprovação de tal benefício no Conselho Nacional de Políticas
Fazendárias (CONFAZ), tal aprovação deverá ser por consenso entre os Estados da
federação, ou seja, deve haver unanimidade dos votos para a concessão do
benefício.
Conforme os preceitos constitucionais, a União precisará negociar no
CONFAZ a aprovação dos benefícios. Nesse momento, precisamos apresentar
alguns pontos da lei do RETID (BRASIL, 2012a) que não contemplam os interesses
regionais. Entendemos que esse regime especial desconsidera uma possibilidade de
ampliar a quantidade de consumidores dos produtos da BID, pois não açambarca as
aquisições de produtos de defesa efetuada pelas polícias (Federal, Militar e Civil),
54
pelos corpos bombeiros, nem pelas Guardas Municipais, que fazem uso de diversos
produtos incluídos no rol de ─ Produtos Estratégicos de Defesa ─, o que certamente
interessa aos Estados, Municípios e ao DF, que têm grande parte de seu gasto
público associado à segurança pública.
Insta observar que, a forma como vem sendo conduzida a política de
desenvolvimento da BID parece estar desvinculada do objetivo fundamental
expresso no inciso III, do artigo 3º da CF88 (BRASIL, 1988), que prevê a redução
das desigualdades regionais, visto que aproximadamente 74%das empresas
cadastradas no Sistema de Cadastramento de Produtos e Empresas de Defesa
(SisCaPED), se encontram na região Sudeste, há apenas 3 empresas estão
localizadas na Região Nordeste e não há nenhuma na Região Norte. Constam no
cadastro 89 empresas localizadas no estado de São Paulo (BRASIL, [2014b]).
Essa realidade reforça o argumento de que os estados menos
industrializados precisam se esforçar mais para conseguir gerar empregos nas suas
cidades. Confirmando a tese de que a ausência de políticas nacionais de
desenvolvimento industrial, o que pode exacerbar a guerra fiscal entre os estados.
Outro ponto crucial é a questão do RETID prever benefícios apenas nos
tributos indiretos da União, ou seja, a fonte principal da arrecadação federal, os
tributos diretos, não foi reduzida pelo RETID. Esta fonte é construída pelo Imposto
de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido (CSLL), esta última receita exclusiva da União, pois parte do IRPJ é
repassado aos Estados e, Municípios. No caso de se propor um benefício fiscal de
ICMS, deve ser considerado o uso de reduções de base de cálculo, para minimizar o
impacto no orçamento dos estados, pois o ICMS é a principal fonte de receita
desses entes e dos municípios que recebem seu repasse.
Conforme o curso do estudo fica evidente que a Guerra Fiscal de ICMS é
nociva ao Brasil, e é um fator adverso para o desenvolvimento de políticas,
estratégias e planos de fomento à BID – que são necessários para reforçar a
situação geopolítica do país e garantir a soberania nacional.
Portanto, entendemos que a Guerra Fiscal de ICMS decorre, principalmente,
da ausência de políticas nacionais de desenvolvimento, coordenadas pelo ente
centralizador, representado pela União A implementação de uma política de
desenvolvimento da BID, que respeite os preceitos constitucionais de repartições de
competências tributárias e os interesses dos demais entes federados, pode servir
55
como base para atender aos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, principalmente, no que tange ─ garantir o desenvolvimento nacional e reduzir
as desigualdades sociais e regionais ─, conforme preceitua a combinação do inciso
II, com o inciso III, do artigo 4º da CF88 (BRASIL, 1988), bem como elevar a posição
do Brasil no cenário geopolítico mundial, pois diminui a dependência nacional de
tecnologias sensíveis e aumenta o poder dissuasório das forças armadas. Outra
vantagem dessa política seria a redução do custo para o aparelhamento dos
sistemas de segurança pública e de defesa civil.
Dessa forma, na elaboração de políticas e estratégias nacionais para o
desenvolvimento da BID, os decisores estratégicos e seus assessores de alto nível
têm que estar cientes da existência da Guerra Fiscal de ICMS e do arcabouço
legislativo criado para evitar disputas entre os estados, aí incluído o Distrito Federal,
na atração de parques industriais para seus territórios.
56
6 CONCLUSÃO
No deslinde desse estudo, revisamos diversos pontos relacionados a
questões diretamente associadas ao federalismo fiscal brasileiro, que necessitam
ser observadas na elaboração de políticas e estratégias para o desenvolvimento da
Base Industrial de Defesa nacional, especificamente no que tange a concessão de
incentivos fiscais de ICMS.
Indubitavelmente, o fortalecimento da BID é uma oportunidade de alavancar
o desenvolvimento nacional, uma vez que é um segmento industrial que agrega
muito valor a seus produtos e necessita de muito investimento em P,D&I. Reforça
esse ponto, o fato da tecnologia trabalhada pela indústria de defesa ser sensível, ou
seja, as inovações nesse campo são restritas e desenvolvidas nos grandes centros
de pesquisas dos países expoentes. Dessa forma, o investimento na consolidação
da indústria de defesa possibilita saltos tecnológicos, que muitas vezes têm emprego
dual.
A elaboração de políticas, estratégias e planos de desenvolvimento industrial
pautados na concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais possibilita uma
vantagem competitiva aos beneficiários, na medida em que suas cargas tributárias
ficam reduzidas. Por isso, essas ferramentas de fomento são eficientes, eficazes e
efetivas para projetar a BID brasileira. A Estratégia Nacional de Defesa e a Política
de Defesa Nacional já expressam essa intenção e vontade política.
A técnica de reduzir a carga tributária é tão favorável para as empresas, em
todos os segmentos industriais, que os grandes conglomerados industriais
estimulam a competição predatória entre os estados no oferecimento de isenções,
incentivos e benefícios fiscais para que esses grupos se estabeleçam nos seus
territórios (Guerra Fiscal de ICMS).
Já foram concedidos uma série de benefícios fiscais no âmbito da União
para desonerar a carga tributária da cadeia produtiva dos produtos estratégicos de
defesa. Porém, ainda há necessidade de ser ampliada a redução da carga tributária
para os tributos estaduais e municipais, dessa forma as empresas nacionais se
tornarão mais competitivas no mercado internacional. Nesse cenário, foi enfatizada a
questão do ICMS, principal imposto envolvido na comercialização de insumos e
produtos finais da BID, pois alcança toda a cadeia produtiva.
57
O ICMS é um imposto de competência tributária dos Estados e do Distrito
Federal, por isso a União está constitucionalmente impedida de conceder
unilateralmente, por lei federal, isenções e benefícios fiscais desse imposto.
A complexidade desse tributo se traduz na quantidade de dispositivos legais
elaborados para discipliná-lo e mitigar os conflitos entre os entes federados, na
busca por seu desenvolvimento. Observamos que a arrecadação do ICMS é a
principal fonte de receita dos estados.
A ausência de políticas nacionais de desenvolvimento coordenadas pelo
ente nacional estimula que os estados, na busca por seu desenvolvimento local e
regional, utilizem a concessão de isenções, benefícios e incentivos fiscais como
forma de se tornarem atrativos para o estabelecimento de parques industriais, essa
prática é o que denominamos como Guerra Fiscal de ICMS.
Contudo, existe um órgão colegiado responsável pela aprovação da
concessão desses benefícios fiscais, no qual há representantes de todos estados,
do DF e da União, que é o Conselho Nacional de Política Fazendária.
Portanto, a implementação de uma política de desenvolvimento da BID, que
respeite os preceitos constitucionais de repartições de competências tributárias e os
interesses dos demais entes federados, pode servir como base para atender aos
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, principalmente, no que
tange ─ garantir o desenvolvimento nacional e reduzir as desigualdades sociais e
regionais ─ (inciso II, combinado como o inciso III, do artigo 4º da CF88), bem como
elevar o Brasil no cenário geopolítico mundial, pois diminui a dependência nacional
de tecnologias sensíveis e aumenta o poder dissuasório das forças armadas. Outra
consequência seria a de reduzir o custo para o aparelhamento dos sistemas de
segurança pública e de defesa civil (BRASIL, 1988).
Observamos que, na elaboração do RETID, não foi respeitado um dos
principais objetivos fundamentais, o de estimular o desenvolvimento regional (inciso
III, do artigo 4º da CF88), uma vez que a BID está se consolidando nos estados mais
desenvolvidos e não foram estendidos os benefícios dos PRODE nas operações
comerciais realizadas pela ID com os estados e municípios, também responsáveis
pela segurança pública e defesa civil. Isso comprova a tese de que a postura da
União está exacerbando as desigualdades entre os estados, pois não estabeleceu
uma política de distribuição da BID pelo País, bem como não se preocupou em
58
estender aos órgãos estaduais e municipais os mesmos benefícios que estabeleceu
para as Forças Armadas.
Pelo exposto, para consolidar o estabelecido na END e na PDN e obedecer
aos dispositivos legais vigentes, a União precisará negociar no CONFAZ a
aprovação dos benefícios fiscais de ICMS.
Destarte, a Guerra Fiscal de ICMS é um fator adverso para o fomento ao
desenvolvimento e fortalecimento da Base Industrial de Defesa, pois os demais
estados não aprovarão a concessão isenções, benefícios e incentivos fiscais que
reforcem a base industrial de certa região, caso não tenham alguma contrapartida ou
que seus representantes sejam convencidos da importância da BID no
fortalecimento do Poder Nacional brasileiro.
Salientamos, que essa repartição geográfica do poder decisório político é
característica do federalismo, regime mais adequado para a consolidação do regime
democrático de direito, num país de dimensões continentais e multicultural.
Finalmente, como proposta de futuros estudos sobre o tema, sugerimos
ampliação no estudo dos impactos financeiros orçamentários das políticas de
desenvolvimento da BID para a União, os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal, visto que a arrecadação de tributos é a principal fonte orçamentária para o
custeio das atividades do Estado brasileiro.
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REFERÊNCIAS
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