Índice - static.fnac-static.como amor vem na poesia de rosário pedroso, de mansinho, no silêncio...
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Índice PREFÁCIO .................................................................................. 11
I – No limite da planura ....................................................... 13
Um rio ............................................................................. 15
Poema de Maio ............................................................... 16
As cores da minha poesia ............................................... 17
O melro ........................................................................... 19
“A minha terra” .............................................................. 20
Lá fora ............................................................................. 21
O cais das colunas ........................................................... 22
Primavera em chamas ..................................................... 23
Morte .............................................................................. 24
Os refugiados .................................................................. 25
De olhos abertos I ........................................................... 26
De olhos abertos II .......................................................... 27
II – Cais insone .................................................................... 29
EIVISSA ................................................................................. 31
Cais insone ...................................................................... 32
Ser Trèves ou Trier ......................................................... 33
No longe porto ................................................................ 34
As Ardenas ..................................................................... 35
Evasão ............................................................................. 36
O que me inspira ............................................................. 37
Presságios ....................................................................... 38
Um sabor intenso a sal .................................................... 40
Enquanto escrevo ............................................................ 42
Um areal nos teu braços .................................................. 43
A praia do Norte ............................................................. 44
Indefinidamente .............................................................. 45
6
III – Notas do Norte No rasto do sonho .............................. 47
A GUARDA I ............................................................................... 49
Determinação .................................................................. 51
As mulheres da praia ...................................................... 52
No silêncio ...................................................................... 53
O teu olhar ...................................................................... 54
A sede ............................................................................. 55
As parreiras de Venade ................................................... 56
No tempo da cidra ........................................................... 57
Olhares ............................................................................ 58
Natais .............................................................................. 59
Casario ............................................................................ 60
IV – As terras alagadas ........................................................ 61
As primeiras chuvas ........................................................ 63
O sonho ........................................................................... 64
A ribeira .......................................................................... 65
Valada ............................................................................. 66
As cheias ......................................................................... 67
Eternamente o toque do sino ........................................... 68
Ânsias ............................................................................. 69
Viagens ........................................................................... 70
Dias selvagens ................................................................ 71
Saudade ........................................................................... 72
A cidade .......................................................................... 73
V – As essências .................................................................. 75
Deixa-me pensar ............................................................. 77
Apenas ser ....................................................................... 78
Os passos do amor .......................................................... 79
Vejo-te ............................................................................ 80
Versos à solta .................................................................. 81
As neves eternas ............................................................. 82
Fado ................................................................................ 83
Por causa de ti... .............................................................. 84
No percurso da liberdade... ............................................. 85
Sentires na cidade ........................................................... 86
7
VI – Poemas da ausência ..................................................... 87
Se me faltas... .................................................................. 89
Poema da ausência .......................................................... 91
Os dias ............................................................................ 93
Berlenga .......................................................................... 94
Ao calor .......................................................................... 95
O carvalhal ...................................................................... 96
No outono ....................................................................... 97
Mar.................................................................................. 98
A Barra ........................................................................... 99
Espuma, sol e pedras..................................................... 100
As flores ........................................................................ 101
Olhos de Água .............................................................. 102
VII – Sombras rock – flashes ............................................. 103
Os poetas ....................................................................... 105
Manda-me tâmaras........................................................ 106
Nas galerias ................................................................... 108
Passeias pelas palavras ................................................. 110
Um trajeto ..................................................................... 111
O montado .................................................................... 112
Helena ........................................................................... 113
Danço ............................................................................ 114
A ferida ......................................................................... 115
Só .................................................................................. 116
VIII – No relevo do sonho ................................................. 117
Quem seriam... .............................................................. 119
Espaços telúricos .......................................................... 120
As metáforas ................................................................. 121
Raízes ao sol ................................................................. 122
A praia do Sul ............................................................... 123
De mãos dadas .............................................................. 124
A tempestade ................................................................ 125
Dizer... .......................................................................... 126
Ao silvo do dia .............................................................. 127
Partida das andorinhas .................................................. 128
8
IX – Os rios ........................................................................ 129
A Guarda II ................................................................... 131
Castro Daire .................................................................. 132
Tedo .............................................................................. 133
Desço os rios ................................................................. 134
As rosas eternas ............................................................ 135
Naquele inverno ............................................................ 136
Mediterrânico ................................................................ 138
Lírio .............................................................................. 139
11
PREFÁCIO
Recordo um dos meus programas de Rádio, tendo como convidada
a poetisa Rosário Pedroso. Foi uma conversa envolvente, intensa e
profunda que fez cintilar as centelhas ardentes da poetisa. Palavra a
palavra, verso a verso, perguntei-lhe como sentia ela a poesia. A sua
resposta foi uma libertação de sentimentos aprisionados no tempo.
Horas de saudades, de alegrias, de encantos e de desencantos suspen-
sos no vento fustigante dos dias levaram-me até Pablo Neruda, que
diz “a poesia é sempre um ato de paz. O poeta nasce da paz como o
pão nasce da farinha.”.
Rosário Pedroso escreve para encontrar o rio que a separa dos
caminhos das suas memórias, caminhos entrincheirados no chão que
foge enlaçado na poesia. Escreve, para encontrar a paz da profunda
dimensão que habita na sua alma poética.
Nas folhas outonais da vida, a poetisa desafia a foz no iodo da ilha,
lança uma rede na subida do rio e agarra um tempo bonito: o tempo
dos melros a anunciar a primavera em chamas; o tempo em que
descarregava as maçãs do bibe para os cabazes; dos serões à lareira;
de degustar o doce néctar alaranjado; do ar frio da tarde onde o lume
ainda arde. Emoções da poetisa que caminham de mãos dadas com a
sua inocência e abraçam a natureza com a leveza dos dedos a acariciar
o papel.
Rosário Pedroso sabe que não é possível cortar o fio que a liga à
realidade dos dias. Sabe que os poetas sofrem mais do que qualquer
outro ser humano. E a poetisa sofre, porque a liberdade do ser deixa-
-nos muitas vezes no escuro da noite. Com palavras imensas como o
mar, de sentimentos recolhidos nos olhos da alma, cobre-se com um
véu de linho e segue incansável à procura do oceano. Vê na praia do
norte gaivotas no céu, pássaros de mil cores que contrariam os
desequilíbrios de luz onde há guerras e ódios. Sem medos, palmilha o
mar imundo e o seu olhar abstrato sufoca em delírio.
12
Feliz nas suas lembranças de criança, num hoje farta de tanto
cansaço, de tanto esperar a paz, a poetisa martiriza-se, porque a huma-
nidade acende a noite com lágrimas salgadas. No exagero da dor, em
que a guerrilha prossegue, chora a pátria arrojada da malquerença e
da mordaça. Quer a madrugada de volta e o fim da miséria que a cerca
nas ruas das suas cidades. Desabafa no acordar do sono, entre a pedra
e a água, entre o dia e a noite, entre o passado e o futuro. Em silêncio
grita, mas só a cotovia a ouve. Desespera, pede ajuda a Deus, e
suplica-lhe que faça, da guerra, paz; da desesperança, esperança; da
fome, pão e, do ódio, amor.
Neste turbilhão de emoções, sente ausência de um sorriso, do
cheiro a pinho, do marulhar da água a passar.
A visão do belo da poetisa foge e fica um rasto da cor das cinzas
que escorre nas colinas. É urgente o amor e a poetisa não desiste do
amor, mesmo que as palavras se afoguem no mar. O amor, tal como
Fénix, renasce em cada partida da autora, mesmo que as cinzas
ceguem os seus olhos. O amor vem na poesia de Rosário Pedroso, de
mansinho, no silêncio do pássaro azul em forma de uma flor cor
púrpura. Dos seus poemas, a paixão explode no céu e soltam-se estre-
las do seu olhar. Olhar dos rios que fogem e regressam na saudade de
um tempo lindo.
Rosário Pedroso, leio-te, olhando bem dentro de ti e deixo-me ficar
em ti, vestida de poesia e cetim.
A poesia tem o nome de Rosário Pedroso, porque tu és o teu mais
belo poema.
(Celeste Almeida – escritora/ poetisa)
I – No limite da planura
15
Um rio
Permanecerei no mar
sobre o remanescente de sonho
junto às arribas vivas.
Quero tanger os dias
deixar-me ir com as ondas
pelos terrenos baldios
sob um arco de saudade
sentir impunemente a alvenaria dos estios.
Quero estar com os mouchões
cândidos de luar
quedar-me pelos subterrâneos que foram
um tempo bonito
na subida do rio
num aluvião de dança.
Quero ficar no desafio da foz
no iodo da ilha
como quem parte em peregrinação pela colina
como quem mastiga a relva da utopia.
16
Poema de Maio
Arriava uma flor na espingarda.
Selou um recado de amor na aldraba.
Entrincheirava-se nos caminhos.
Avultavam os ventos sem calabre
incertos nos matos
donde retirava
resistências amadeiradas
resinosas de harmonia.
Levantes reticentes
alteados pela fúria
juntavam-se à terra ácida.
Submersível
restava-lhe o sabor a canela
estevas abrigadas pelas barrocas
o cheiro das mimosas
o esforço da consciência.
Sombras rock pelos montes.
17
As cores da minha poesia
Como um pasticho da madrugada insone, a minha poesia
tem as cores dos montados flóreos sem dono
desmaiados por toques de cegonha em travessias interinsulares.
Nela descansam lírios roxos junto à terra plena de rubores, a maia
e a fome agora que as primaveras nos consomem.
Assombra o telúrico matiz dos dias de felicidade em “La Antilla”
ora fagulhas na praia da máquina a vapor
ora impressões repentinas dos suis tensos
do que secou a terra
do que ficou da guerra.
No leque de uma despedida, sonha vermelho-carmim
luminescentes delírios de sinos nas albas frias
pelos cerros, bem como cinza do arame farpado dos dias óxidos
de ferro.
Veste-se de um desbotado de sódio em chama.
Fenece desnuda de ermidas de tonalidades raras.
Reativa, rosada, surge à luz dos candelabros dos teatros.
Alastra na cor de vinho de um fado no terraço
intensamente, mais do que a tinta ocre revolta de um beijo acabado.
Em tórrida busca das Rias-Baixas espelhadas, derrama-se numa
radiação meridional, difusa pelos prados, entre as brumas de destra
guitarra.
Por vezes, aparece a dor do incolor, rasante sobre o Crescente Fértil.
Atravessa-me no pó onírico do Eufrates.
Sente-se no verde-metralhadora do patrulhamento das Europas
delirantes de renascenças... a cerração.
18
Vermelhos em fúria, nomadismo e escravatura, contínuos, agitadores.
Surgem também nuanças diversas de uma praia charneira
em frente de um Forte
manipulado, violentado no ouro, austero no amor
com pinceladas rubras do Tempo!
Escrita maldita habitada por mares insatisfeitos
ruivos de vento num quintal do Sul.
Guinadas de parapente na falésia de um momento.
Ecos da madrugada insone nas arborizadas avenidas
porque as primaveras nos transtornam.
19
O melro
Queria tanto falar-te
do melro em cima da goiabeira
da fenda de enxofre
respiração do mundo.
As palavras não nos deixam!
Eis que chegam as poeiras da terra que ruiu!
Abalam os dias
enquanto cores semicerradas dos ventos acendem
a beleza do cobre.
Sóis erguem-se milenares de verdura.
Sonhos macios anunciam a primavera.
Pó e som transformam a dor em calma estrada.
A escrita possui-me repentina, desaustinada.
Palavras que pingam sangue, perfume de lótus.
Pus alegria no acontece de ferro
nas minas alagadas.
Charcos luminosos, cristais vulcânicos, bactérias
faziam-me acreditar
que voltariam a fumegar vapores
de eternidade.
20
“A minha terra”
Renasce pela manhã
o ouro dos dias arados
na minha terra al-Lixbûnâ
aragens, vasas
um ar das Áfricas estioladas
bordejam cais de espuma
no tempo das cerejas.
As torres libertam a nuance cálida
de um fado que se aproxima.
A vitalidade das encostas
acentua-lhe a gravidez de mundos
o mar fértil de antanho
dá asas de paixão aos grandes navios
eleva-se a onda de calor
ardendo a vida dos estios.
A sombreada utopia embala-me ainda
de ser ameia e chão.
Porém, esta ausência de timão
pela Sé, na calçada
esta dolência empedrada.
Anseio de água!
21
Lá fora
Lá fora, uma aragem maneirista
aviva o mel dos dias
pelos quiosques
nas manhãs frias
escoam sonhos anilados
no abrir gazeado dos museus e galerias.
A claridade altiva do Tejo aconchega-se
sinuosa em becos e afagos
desembarca de Vieira o estalo
nos acordes gregos de um Fado!
Lá fora, longe pernoitar pela cidade
apressa lendas e histórias
beija-me a chuva que há de vir
pois cada um terá o amor que conseguir
num sonhar de noiva de Santo António.
Lá fora, alumia-me o andamento moderado
a catarata do pensamento
da galhofa sincopada do Martinho
do Terreiro do Paço, chega-me
um crescendo de batuque
de um povo arcado de saudade
do seu fado.
22
O cais das colunas
Persiste a dor de uma despedida, rasgadamente
no cais das colunas, a beleza sibilante da cidade
lembrar-me-á infinitamente o teu sorriso semidiáfano
passante, um desassossego de marés vivas encandeará
a miragem de uma dança moderna pela borda da água
bordada de não regressos.
23
Primavera em chamas
Enquanto tomo um chá na esplanada
descanso numa quase primavera
entre cedros, palmeiras e casas.
Na esplanada reencontrada
o calor instalou-se florido
desleixo o sol baixo
queimam-me os sons asfixiantes das serras.
Respiro saudavelmente ao almoço!
Respiro a verdura feliz!
A irrespirabilidade das lágrimas cansa-me dos barcos
e enjoo por não poder ir pelas balças
com as mulheres de negro.
24
Morte
Não sei se foi o inverno demorado
ou a anta na memória da morte
dos acantos ao pé da nogueira.
Desformatei o espelhado.
Desenraizei-me em nitidez.
Vagante na terra espessa
desvario.
Ah, o Homem!
Um homem simples
traz um silêncio inclinado
sobre as marés
o reverso das manhãs copado
sem teto.
Reversivo!
Pânicos que abrandam no limite da planura
interiormente aplacado o nódulo ambíguo que alastra...
Um “quê” de Etrusco!
No tempo em que me busco...
25
Os refugiados
Vão silenciados os refugiados.
São os feridos do grande lago
os intrusivos homens ilegais.
Correm pelas almargens
os que não são iguais
os que não podem ser salvos
por esse tesouro pobre
que são os portos bloqueados do Sul.
São marés ígneas
da água e da sede
da culpa e da rede
piratas e almocreves.
Os areais são divinos, as ilhas
o rastilho do futuro
mas o muro é imenso e escuro
esfacelada a vida
enquanto esquecemos as raízes do que somos!
26
De olhos abertos I
Trovas de um sol suave
amotinadas
incidem na nora e no poço
descansado
numa eternidade de fetos.
Campos fotogénicos de alfazema
pântanos a perder de vista
e ver-te alado
pela janela do prado
poder ir contigo
pelo caminho bravo
velejar
envolta por uma saudade de trigo.
Sentada na era feroz
de olhos abertos
para o estuque profundo
e do mundo liberta
por este vociferar vaga-lume
na esteira de apaziguador vislumbre
pelas águas dos mortos
que não tiveram um porto.
27
De olhos abertos II
De olhos abertos
corpo de ravinas
em memórias encantadas
em dores como fragas
sinto o subir das águas
na inclemência das monções
no seco soar da tempestade.
Assim passam por mim as horas
no charco de flamingos...
Entre róseos acenos de limbos
orlas antigas inumeráveis.
São espaços de festa
navegáveis feridas
que perpassam pela aresta
por onde chega a saudade
e foram elegantes a vela
e a caravela que partiu
e na aurora fez-se tarde.