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Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 63-66, abr/jun 2011 Adolescência & Saúde 63 RELATO DE CASO Análise multidisciplinar de um paciente com doença crônica: relato de caso Multidisciplinary analysis of a patient with a chronic disease: case study Nara Campos 1 Sônia Santos 2 Maria do Socorro Costa da Silva 3 Cynthia Torres França da Silva 4 Beatriz Soffe 5 Leonardo Campos 6 1 Psicóloga do Hospital Municipal da Piedade; 2 Assistente Social do Hospital Municipal da Piedade; 3 Professora de Pediatria da Universidade Gama Filho (UGF) e Médica Pediatra do Hospital Municipal da Piedade e especialista em Cardiopediatria; 4 Médica Reumatologista Pediátrica do Hospital Municipal da Piedade e Membro do Comitê de Reumatologia da SOPERJ; 5 Professora de Pediatria da Universidade Gama Filho, Médica Pediatra do Hospital Municipal da Piedade e Membro do Comitê de Adolescência da SOPERJ; 6 Monitor do Serviço de Pediatria e Adolescente do Hospital Municipal da Piedade, Interno de Medicina da UGF RESUMO Objetivo: Demonstrar a importância da abordagem e do comprometimento multidisciplinar no atendimento e acompa- nhamento do paciente com doença crônica. Descrição do caso: Adolescente de 15 anos, internado em uma enfermaria de adolescente da rede pública do Rio de Janeiro, diagnosticado portador de artrite idiopática juvenil. Comentários: Entende-se por doença crônica a doença de curso prolongado, com evolução gradual dos sintomas e com aspectos multidimensionais, po- tencialmente incapacitante, que afeta, de forma prolongada, as funções psicológica, fisiológica ou anatômica, com limitações acentuadas nas possibilidades de resposta a tratamento curativo, mas com eventual potencial de correção ou compensação e que se repercute de forma acentuadamente negativa no contexto social da pessoa por ela afetada. O doente crônico necessita de cuidados médicos, psicológicos ou educacionais especiais, ou ainda de acomodações diferenciadas em casa ou na escola. PALAVRAS-CHAVE Adolescência, doença crônica, acolhimento, negligência, sofrimento psíquico, interdisciplinaridade, artrite idiopática juvenil. ABSTRACT Objective: Demonstrating the importance of multidisciplinary analyses and approaches to providing care and monitoring for a patient with a chronic disease. Case Description: A 15-year-old adolescent in the teen ward at a public hospital in Rio de Janeiro diagnosed with idiopathic juvenile arthritis. Comments: Chronic diseases are lengthy processes, with symptoms that develop gradually and multidimensional aspects. Potentially disabling, they have long term effects on psychological, physiological and anatomical functions, with extremely limited chances of responding to curative treatment. Despite possible correction or compensation, negative impacts on the social contexts of patients remain severe. The chronic patient requires special medical, psychological or educational care and specific facilities at school or at home. KEY WORDS Adolescence, chronic disease, reception, negligence, psychic suffering, interdisciplinarity, juvenile idiopathic arthritis. Nara Azevedo Rodrigues Campos ([email protected]) - Rua da Capela, 96, Piedade – Rio de Janeiro – RJ, CEP 20740-31 Recebido em 15/09/2011 - Aprovado em 23/03/2011 > > > > INTRODUÇÃO A abordagem da doença crônica já encon- tra dificuldade em sua própria definição. Não há um consenso na literatura sobre o seu conceito. O termo “doença crônica” não é unanimemente aceito como adequado - alguns autores conside- > ram o termo “condição crônica” mais apropria- do 1 . Outro aspecto divergente entre os autores se refere à definição do “tempo”. Para Pless et al. 2 , a doença crônica é uma al- teração física ou sensorial com duração mínima de três meses - enquanto outros autores preco- nizam um tempo mínimo de um ano. A doença

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Page 1: Nara Campos Sônia Santos Análise multidisciplinar de um ... · Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 63-66, abr/jun 2011 63 RELATO DE CASO Análise multidisciplinar de um paciente

Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 63-66, abr/jun 2011 Adolescência & Saúde

63RELATO DE CASO

Análise multidisciplinar de um paciente com doença crônica: relato de casoMultidisciplinary analysis of a patient with a chronic disease: case study

Nara Campos1

Sônia Santos2

Maria do SocorroCosta da Silva3

Cynthia TorresFrança da Silva4

Beatriz Soffe5

Leonardo Campos6

1Psicóloga do Hospital Municipal da Piedade; 2Assistente Social do Hospital Municipal da Piedade; 3Professora de Pediatria da Universidade Gama Filho (UGF) e Médica Pediatra do Hospital Municipal da Piedade e especialista em Cardiopediatria; 4Médica Reumatologista Pediátrica do Hospital Municipal da Piedade e Membro do Comitê de Reumatologia da SOPERJ; 5Professora de Pediatria da Universidade Gama Filho, Médica Pediatra do Hospital Municipal da Piedade e Membro do Comitê de Adolescência da SOPERJ; 6Monitor do Serviço de Pediatria e Adolescente do Hospital Municipal da Piedade, Interno de Medicina da UGF

RESUMOObjetivo: Demonstrar a importância da abordagem e do comprometimento multidisciplinar no atendimento e acompa-nhamento do paciente com doença crônica. Descrição do caso: Adolescente de 15 anos, internado em uma enfermaria de adolescente da rede pública do Rio de Janeiro, diagnosticado portador de artrite idiopática juvenil. Comentários: Entende-se por doença crônica a doença de curso prolongado, com evolução gradual dos sintomas e com aspectos multidimensionais, po-tencialmente incapacitante, que afeta, de forma prolongada, as funções psicológica, fi siológica ou anatômica, com limitações acentuadas nas possibilidades de resposta a tratamento curativo, mas com eventual potencial de correção ou compensação e que se repercute de forma acentuadamente negativa no contexto social da pessoa por ela afetada. O doente crônico necessita de cuidados médicos, psicológicos ou educacionais especiais, ou ainda de acomodações diferenciadas em casa ou na escola.

PALAVRAS-CHAVEAdolescência, doença crônica, acolhimento, negligência, sofrimento psíquico, interdisciplinaridade, artrite idiopática juvenil.

ABSTRACTObjective: Demonstrating the importance of multidisciplinary analyses and approaches to providing care and monitoring for a patient with a chronic disease. Case Description: A 15-year-old adolescent in the teen ward at a public hospital in Rio de Janeiro diagnosed with idiopathic juvenile arthritis. Comments: Chronic diseases are lengthy processes, with symptoms that develop gradually and multidimensional aspects. Potentially disabling, they have long term effects on psychological, physiological and anatomical functions, with extremely limited chances of responding to curative treatment. Despite possible correction or compensation, negative impacts on the social contexts of patients remain severe. The chronic patient requires special medical, psychological or educational care and specifi c facilities at school or at home.

KEY WORDSAdolescence, chronic disease, reception, negligence, psychic suffering, interdisciplinarity, juvenile idiopathic arthritis.

Nara Azevedo Rodrigues Campos ([email protected]) - Rua da Capela, 96, Piedade – Rio de Janeiro – RJ, CEP 20740-31Recebido em 15/09/2011 - Aprovado em 23/03/2011

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INTRODUÇÃO

A abordagem da doença crônica já encon-tra difi culdade em sua própria defi nição. Não há um consenso na literatura sobre o seu conceito. O termo “doença crônica” não é unanimemente aceito como adequado - alguns autores conside-

> ram o termo “condição crônica” mais apropria-do1. Outro aspecto divergente entre os autores se refere à defi nição do “tempo”.

Para Pless et al.2, a doença crônica é uma al-teração física ou sensorial com duração mínima de três meses - enquanto outros autores preco-nizam um tempo mínimo de um ano. A doença

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vivendo pelas ruas, talvez levado pelas difi cul-dades vivenciadas em família, chegando a ter experiências com drogas.

Em sua trajetória de atendimento, foi aloca-do pelo Conselho Tutelar em uma Casa de Pas-sagem (unidade de acolhimento da Secretaria Municipal de Assistência Social). Por necessitar de cuidados médicos, passou por uma Unidade de Pronto Atendimento (Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil), onde obteve o diagnós-tico presumível de pneumonia, sendo tratado com antibioticoterapia venosa por 3 dias e trans-ferido para o nosso serviço caracterizado como “morador de rua e usuário de crack”.

C. fi cou internado na enfermaria de adoles-centes do sexo masculino por 69 dias. Inicialmen-te apresentava queda do estado geral e sonolên-cia, permanecendo o dia inteiro deitado e sempre febril. Havia muita difi culdade em abordá-lo por ser muito introspectivo, difi cultando a identifi ca-ção dos seus sintomas físicos com exatidão. Por ter sido internado sem acompanhante, não sabíamos exatamente seu quadro clínico - quando a febre havia começado, qual era sua intensidade, se ha-via outros sintomas associados. Durante o período de internação, a equipe interdisciplinar de saúde foi conseguindo saber gradativamente quais eram de fato os sintomas clínicos do paciente.

Apresentava quadro clínico de febre alta diária há mais de 15 dias, atingindo 39ºC (com um a dois picos por dia), rash cutâneo evanes-cente (de difícil visualização pelo paciente ser melanodérmico), poliartrite (coluna cervical, ombro e articulação costoclavicular esquerdos), sem melhora após antibioticoterapia. Após os resultados dos exames laboratoriais (leucocito-se com desvio para a esquerda, provas de ati-vidades infl amatórias muito elevadas e anemia de doença crônica) e afastados os diagnósticos diferenciais (tuberculose, leucose, endocardite bacteriana e outras infecções), concluiu-se tratar de um quadro de artrite idiopática juvenil (AIJ) da forma sistêmica (doença de Still). O paciente apresentou melhora clínica com corticoterapia oral (prednisona 2mg/kg/dia) e anti-infl ama-tório não hormonal (ibuprofeno 1,5g/dia), em acompanhamento ambulatorial mensal em nos-so serviço, onde estão sendo feitas as retiradas

crônica está inserida em um contexto de com-plexidade variável, alternando períodos de rela-tiva tranquilidade com períodos de exacerbação do quadro clínico, o que resulta em internações por tempo geralmente longo o necessário para se restabelecer um equilíbrio. É natural que esta condição crônica, por si só, perpetue no pacien-te de uma maneira geral um estado de insegu-rança, principalmente quando a doença, em algum momento da vida, gera limitações físicas, cognitivas, sociais ou outras que comprometam mais ainda a sua autoestima. Se adaptarmos es-tes conceitos relacionados à doença crônica ao universo do adolescente, certamente a comple-xidade contextual será muito maior.

Neste artigo, relatamos o caso de um ado-lescente de 15 anos, morador de rua, internado na enfermaria de adolescentes de um hospital municipal, no Rio de Janeiro, para investigação de seu quadro clínico de dor generalizada e febre alta diária. Descrevemos a jornada percorrida des-de sua internação até seu diagnóstico e o impacto causado por esta nova condição em sua vida e na dos profi ssionais de diversas especialidades que o acompanharam durante todo este período.

Enfatizamos a extrema importância da multidisciplinaridade na resolução deste caso clínico e ratifi camos a necessidade de se ga-rantir programas institucionais de suporte mais específi cos e que estejam em consonância com as necessidades deste grupo de pacientes. Des-tacamos também a peculiaridade do nosso pa-ciente que, em consequência do longo tempo de internação em nossa unidade, além de esta-belecer uma relação de confi ança mútua com todos os profi ssionais, lhe permitiu dar o primei-ro passo em direção ao resgate de si mesmo.

RELATO DE CASO

C. é um adolescente de 15 anos que mo-rava com a mãe e sete irmãos em casa de con-dições precárias e insalubres, caracterizando a extrema pobreza da família. Quanto à sua escolaridade, tem apenas conhecimento de combinações elementares de alfabetização. Ul-timamente encontrava-se em situação de risco,

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Campos et al.ANÁLISE MULTIDISCIPLINAR DE UM PACIENTE COM DOENÇA CRÔNICA: RELATO DE CASO

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Campos et al.

das medicações com excelente resposta clínica e laboratorial.

DISCUSSÃO

A doença crônica não tem cura, podendo ou não ser fatal. Existe chance de controlá-la ao longo da vida do paciente, passando por mo-mentos assintomáticos ou não. Quando impac-tante, torna-se necessário mudanças nos hábitos na rotina de vida tanto do paciente, como de sua família. A AIJ pode evoluir em picos ou apre-sentar um único surto de atividade na vida do paciente. Portanto, é uma doença crônica que pode entrar em remissão com tratamento, prin-cipalmente nos pacientes que apresentam boa resposta medicamentosa em curto espaço de tempo após seu início.

Para que o diagnóstico clínico de uma do-ença crônica seja defi nido é essencial obter deta-lhadamente a história clínica do paciente. No que diz respeito à criança e ao adolescente, a família é, normalmente, a melhor e mais preciosa fon-te de informação. Isto é, claro, pressupondo que tais crianças e adolescentes ainda apresentem uma confi guração familiar mínima efi caz, na qual afeto e acolhimento sejam ingredientes constan-tes no dia-a-dia desse paciente. Porém, casos de negligência são observados. Infelizmente, o des-caso dos pais e/ou responsáveis às vezes torna-se insuportável a ponto de, apesar das diversas in-terferências dos Conselhos Tutelares, a guarda da criança ter que ser retirada dos mesmos, para que esta tenha uma chance de sobrevivência.

Neste caso, o adolescente fi cou internado em nossa unidade por 69 dias e durante esse tempo nunca recebeu visita de sua mãe. Acre-ditamos que o fato do paciente ter sido retirado legalmente da guarda da sua família de origem – antes mesmo de ser internado no hospital – facilitou muito o desenrolar de sua história, per-mitindo que as redes sociais pudessem interagir com maior fl uidez.

Segundo Joel Birman: “As classes populares são arrancadas, há muito tempo, de sua con-dição infantil muito precocemente, premidas pelo imperativo de sobrevivência. As crianças

frequentam pouco a escola e, quando o fazem, são obrigadas a trabalhar de alguma forma para colaborarem na renda familiar. Suas famílias são em grande parte monoparentais, centradas principalmente na fi gura materna, que cuida de uma prole cujos fi lhos não raro têm diferentes pais biológicos. Lançadas muito cedo na brutal experiência social, essas crianças são obrigadas a serem jovens e mesmo adultos muito cedo, convivendo precocemente com coisas terríveis, e quase impossíveis, para sua idade”3.

C. encontrou-se na situação acima descrita. Sozinho por negligência, perambulou pelas ruas sem rumo e sem limite. Deixou de frequentar a escola; lugar este de suma importância para um desenvolvimento saudável, já que é, em menor escala, o local que simula a vida, que possui re-gras e limites. Procurou, como a grande parte de adolescentes, unir-se a grupos de iguais. Neles, provavelmente sofrendo pressão para ser aceito, procurando uma identidade, deparou-se com o “crack”. Vindo de um lar precário no que diz respeito à atenção e ao afeto; nos remetemos às considerações do psicanalista José Outeiral: “(...) sentindo um vazio interno buscou preenchê-lo com algo que aliviasse esse sofrimento. Tal sen-timento deriva-se, por um lado, de situações passadas carenciais (afetivas) e/ou traumáticas vividas na infância, nas relações com os pais, e, por outro, de vivências atuais, eclodidas pela pu-berdade e pela própria adolescência”4.

Acreditamos que C. se drogou por “curio-sidade”, que não o fazia com frequência, po-dendo dispensá-la até então. O paciente relata, durante sua internação, que fi cou com muito medo da droga pelas dores que sentia em seu corpo, quando o efeito dela cessava. Conta que eram insuportáveis. Agora, após o seu diagnós-tico defi nitivo, nos questionamos se aquela dor era de fato da droga ou se já era sua doença “falando mais alto”.

De acordo com a psicanalista Françoise Dol-to, “a adolescência é uma idade de sofrimento por causa da mutação. É como uma borboleta que sai da crisálida. Esta comparação é válida na medida em que o recém-nascido morreu para alguma coisa, para renascer para outra coisa, inclusive o adolescente, que morre para a infân-

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cia. Ele está em crisálida, nada tem a dizer a nin-guém, está na água. Se abrirmos uma crisálida, encontraremos apenas água...”5. C. chegara à Enfermaria quieto; quando deitado, enroscava-se e cobria-se com o cobertor como um protetor, “como uma crisálida”. Parecia ainda tentar pro-teger-se como o fazia na rua. Seu cobertor e sua postura ao deitar lembravam um casulo. Parecia perceber que algo mudaria. Não estava acostu-mado a receber atenção e a ter os olhares vol-tados para ele numa situação de cuidado e não ameaçadora. Estava diante de uma nova situação em sua vida. Aos poucos toda a equipe foi se che-gando e em nenhum momento C. mostrou-se hostil. Desconfi ado e assustado sim, mas nunca demonstrou nenhuma atitude agressiva. Mesmo utilizando um vocabulário pertencente ao mun-do livre, aceitou gradativamente nossa acolhida. O tempo relativamente longo ocorrido entre sua internação e o diagnóstico facilitou a criação do vínculo de confi ança entre o paciente e a equipe.

Segundo a Lei 8.069/90 (Estatuto da criança e do adolescente), Art. 7: A Criança e o Adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desen-volvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência6. Assim, as ações desenvol-vidas por todos os profi ssionais que atuaram no caso de C. tiveram como diretriz a observância do princípio da proteção integral prevista no Es-tatuto da Criança e do Adolescente.

O referido caso nos ratifi ca a importância do direcionamento do trabalho através de uma

atuação intersetorial aliada à articulação das po-líticas públicas, visando garantir a integralidade das ações de saúde. Acreditamos que a vida des-te adolescente foi resgatada, em grande parte, pelo vínculo forte e afetuoso que fez com os profi ssionais da Casa de Passagem, estabelecido antes da internação e comprovado pela presen-ça e comprometimento destes profi ssionais com ele e conosco, em todo o processo, visando me-lhor resolução do seu caso que era discutido na reunião interdisciplinar da enfermaria, em outras situações com a Coordenadora da Casa de Pas-sagem e com o próprio paciente.

O diagnóstico clínico havia sido defi nido. Porém, um impasse ocorreu: o paciente não poderia voltar à Casa de Passagem (seu desejo – visto o elo que fi rmara com a equipe), porque a realidade daquela instituição não poderia, naque-le momento, oferecer condições necessárias para seu cuidado. Inicialmente, a coordenadora de lá sugeriu inseri-lo no projeto “SOS Aldeia”. Apesar de tudo ter sido explicado para o adolescente, ele não se sentiu confortável com a ideia. No intuito de satisfazer suas necessidades, foi conseguida uma vaga junto a uma família acolhedora.

Desta forma, consideramos que o compar-tilhamento dos saberes através da atuação in-terdisciplinar e o comprometimento dos atores envolvidos nas diversas instâncias que se fi zeram no acompanhamento do caso foram fundamen-tais para corroborar com o melhor atendimento ao adolescente, trazendo-lhe uma nova e real perspectiva de dias melhores.

REFERÊNCIAS

1. Stein REK, Bauman LJ, Westbrook LE, Coupey SM, Treys HT. Framework for identifying children who have chronic conditions – the case for a new defi nition. The J Pediatr 1993; 122(3): 342-47.

2. Pless B, Satterwhite MAB, Vechten DV. Chronic illness in childhood: a regional survey of care. Pediatrics 1976; 58(1): 37-46.

3. Birman J. Cadernos sobre o mal: agressividade, violência e crueldade. Rio de Janeiro: Record; 2009.4. Outeiral J. Adolescer: estudos revisados sobre Adolescência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revinter; 20035. Dolto F. A causa dos adolescentes/Françoise Dolto; tradutor Orlando Reis. 2ª ed. Aparecida, São Paulo:

Idéias e Letras; 2004.6. BRASIL. Decreto n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e

dá outras providências. Brasília, 13 de julho de 1990; 169º da Independência e 102º da República.

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