não precisa explicar. precisa é interagir
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Não precisa explicar. Precisa é interagir.
Sergio Spritzer
Duas crenças limitantes do sucesso pessoal e coletivo:
As pessoas precisam explicar tudo o que fazem. “Porque você fez isso?” ouvimos
desde criancinha. A gente não sabe! Não temos experiência. Como saberíamos? É
preciso não só “ver para crer”: também precisamos experimentar fisicamente, dialogar,
perguntar e ouvir respostas. Depois cada um interpreta como achar melhor.
Na fase adulta essa “síndrome da intelectualização” das relações humanas se manifesta
pelos intermináveis relatórios, justificativas e provas “objetivas” armando-se para só
então examinar os fatos. Aí eles já aparecem “dentro do quadrado”, como profecias que
se auto cumprem.
Ninguém acha estranho dizer que “os números falam por si mesmos” embora eles não
pensem e nem falem. Dizem que os fatos “demonstram” a verdade. Ora, os fatos não
têm olhos nem se interpretam a si mesmos. Falta mais interação para gerarmos verdades
compartilhadas. Elas não vêm prontas.
A burocracia e o excesso de hierarquias e cargos são sintomas desse excesso de
realidades prontas “caídas do céu” para serem executadas sem hesitação. O excesso de
explicações, medições, categorizações, testes, planilhas e justificativas parecem valer
para o controle de qualidade de um produto ou de um funcionamento de um
equipamento. Mas não há planilha para avaliar relacionamentos: Precisamos testar por
nós mesmos.
A outra crença limitante é a de que relações humanas podem ser aprendidas por
treinamentos. Pessoas são treináveis? Elas costumam ser treinadas para usar
equipamentos ou tecnologias. Mas não existem treinamentos (ações mecânicas e
repetitivas) para ensinar pessoas a decidirem o que lhes importa ou não, o que desejam,
ou não, o que esperam ou não. Não existe treinamento para elas construírem novas
possiblidades baseando-se em seus desejos em comum.
Antonio, sócio de uma empresa de tecnologia, excelente profissional na área das exatas
apresenta uma enorme dificuldade em comunicar-se efetivamente e isso está paralisando
a sua atividade e a da organização inteira.
Em seu modo de pensar tudo precisa ser explicado ou explicável. Depois de bem
explicadinho, fazer de acordo com a explicação. “É mais seguro”. “Cada um deve saber
o que faz”, pensa ele. A crença de que as pessoas agem de acordo com uma lógica pré-
existente faz com que Antônio se surpreenda quando os outros não entendem. “Eu
imaginei que eles compreenderiam”. É tão meticuloso em suas ações que trava a toda
hora. E ao se propor acompanhar as ações dos outros, tem tantos “porquês”, planilhas e
relatórios que os outros também trancam. Os resultados trancam também.
Ele não está sozinho. Se você entrar na sala de reuniões verá uma infinidade de
documentos, papeis e cifras. As reuniões são feitas baseadas em gráficos e tópicos
alinhados com uma exposição tediosa, monótona, de slides. O clima é de tratar de
conteúdos e processos de uma forma abstrata. As reuniões são penosas e as pessoas têm
dificuldades para interagir movidas pelo que pretendem atingir em comum.
O fato é que não transmitimos ou comunicamos – diretamente – nossas ideias. Nossa
neurologia não trabalha dessa forma. Num primeiro momento percebemos e sentimos.
Num segundo as pessoas representam as experiências para si mesmas. Por último
realizamos raciocínios e reflexões. Somos induzidos a compartilhar raciocínios e
reflexões com os outros, sem antes termos compartilhado com eles nossas percepções e
nossas representações do que pensamos.
Comunicar-se efetivamente passa primeiro pela percepção atenta. Então por imaginar o
que percebeu. Só então o pensamento se sustenta. Procure expressar suas ideias
seguindo essa sequencia: imagine o que pretende expressar, sinta e perceba como vai
expressar-se e então faça isso acontecer. E procure não se interromper. Quando isso
acontece é bem possível que essa sequencia não esteja sendo respeitada. Por exemplo,
na ânsia de “explicar” você não expressa o que tem em mente (imaginação) e nem como
percebe. É o caso do exemplo acima descrito.
Na comunicação em grupos vale a mesma premissa: ouvir, ver e sentir atentamente sem
interromper-se com perguntas e comentários; nem interromper os outros. A menos que
seja para saber melhor o que ele está querendo expressar. Quando ele tiver concluído,
conforme o caso, pode ser interessante você expressar do seu modo e com as suas
palavras como compreendeu. Depois vira o turno. É a hora de o outro lhe receber da
mesma forma.
Essa alternância dialógica permite estabelecer uma reciprocidade de percepções,
representações internas e comportamentos, necessária a construção de uma visão,
missão e ações compartilhadas.
Não podemos passar por cima dessas fases querendo compreender antes mesmo de
perceber e representar a experiência. Imagine como fica difícil a comunicação entre
pessoas num relacionamento sem obedecer a essa sequencia e ainda mais quando se
trata de um trabalho de colaboração em equipes e organizações.
Mais do que uma mudança cultural, precisamos aprender o que a psicologia do
desenvolvimento, as neurociências e os melhores computadores têm ensinado há mais
de um século: Não comunicamos diretamente nossas ideias.
E é lamentável que isso não se aprenda na escola...