não é um mero desenhar/pintar, mas · segundo jean duvignaud (in. heinich, 2008) a arte coloca-se...
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* Professora de Arte do Instituto de Educação Estadual de Maringá, Pós-Graduação em
“Educação Artística Aplicada” pela Faculdade de São Luis_ Jaboticabal SP.
** Mestra em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, professora do
Departamento de Artes da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
A ARTE REFLETE O HOMEM OU O HOMEM REFLETE A ARTE?
Débora Cristina Ravagnani*
Josie Agatha Parrilha da Silva**
RESUMO: Este artigo é resultado de um trabalho que foi desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná e teve como proposta mostrar/propiciar ao educando o entendimento de que a Arte é o reflexo do ser humano como individuo e cidadão, e que a Arte está vinculada ao contexto do homem com seu tempo. Com essa compreensão, o educando pode perceber que a Arte tem um contexto histórico, social, político e humano e, que ela está inserida/ligada ao tempo, espaço e circunstâncias históricas da sua criação, como também, aos fatos históricos de toda uma época, independente da localidade desses fatos. Esse projeto foi idealizado para os educandos do segundo ano do ensino médio de uma escola estadual da cidade de Maringá. A proposta implica em estudar obras de arte de gênero de diferentes períodos históricos, por meio da leitura da obra de Robert William Ott. Para isso, foi necessário revisar os conteúdos básicos dos elementos fundamentais da linguagem visual, alguns períodos da história da arte e, aprofundar o estudo através de uma pesquisa sobre os autores das pinturas e seu contexto histórico, para que o educando tivesse subsídios para realizar a leitura da obra em questão. Com esse trabalho procura-se mostrar que a arte interage com questões referentes à evolução sociocultural e filosófica do homem e que o trabalho artístico reflete essa época social, porque, antes de tudo, o artista é um ser humano fruto de seu tempo.
Palavras-chave: Ensino da Arte; História da Arte; Leitura de imagens.
Introdução
Os educandos, ao ingressarem no Ensino Médio, têm dificuldade em
compreender que a disciplina de Arte1 não é um mero desenhar/pintar, mas
sim, que ela é uma consequência, um reflexo do ser humano como individuo e
cidadão vinculado ao conhecimento histórico-social do seu tempo.
Conhecimentos estes, que foram historicamente construídos a partir do
contexto do qual faziam parte.
A conscientização da necessidade de um aprendizado, por parte dos
educandos, que reflita sobre cada período vivenciado, é, a um só tempo,
desafio e tarefa que o professor deve internalizar e, metodologicamente
construir no dia-a-dia na disciplina de Arte. O professor ainda precisa
desmistificar a ideia de que a disciplina de Arte é simplesmente fazer
desenhos, pintar, colar e copiar imagens prontas. Bem como, de que é uma
aula sem compromisso, onde qualquer atividade realizada por ele pode ser
avaliada como “linda”, “certa”, aproximando-se da ideia de uma aula recreativa.
Ao adentrar no Ensino Médio, o educando, muitas vezes, vem sem
noção de que a Arte, como disciplina, é uma área de conhecimento que deve
ser compreendida em seu contexto histórico, social, político e humano.
Acredita-se que o educando, ao entender que a arte esta ligada aos fatos
históricos de determinado tempo e localidade, passará a ter uma concepção de
arte em maior dimensão, e passará a entendê-la, não apenas como uma área
de conhecimento de conteúdos específicos, mas que aborda conteúdos
diversos e estruturantes de outras áreas do conhecimento. O educando
passará a perceber que a arte é um elemento catalisador da essência de
conhecimento de cada época e os projetará para o plano prático, interagindo
com questões referentes à evolução sociocultural e filosófica do homem.
Para atingir esses objetivos, de refletir sobre como a arte interage com
as questões socioculturais e filosóficas do homem, a partir do tempo, espaço e
circunstâncias históricas da sua criação, procurou-se estimular no educando a
compreensão da relação da Arte com as outras disciplinas do conhecimento.
1
Será adotada a nomenclatura de Ana Mae Barbosa, quando for área de conhecimento é "arte", e quando disciplina "Arte".
Para tanto, relacionou-se os eventos históricos com o cotidiano por meio de
experiências artísticas, procurando promover a construção do conhecimento da
História da Arte a partir de imagens previamente selecionadas referentes aos
períodos egípcio, gótico, renascentista e arte moderna.
Através de imagens, textos, filmes e multimídias provocou-se reflexões
sobre os diferentes movimentos artísticos e sua forma de mostrar, demonstrar
e espelhar as ideias, a visão, o pensamento, o comportamento e a interação do
homem com o meio em que se relaciona, e com a época em que vive. Isso foi
feito por meio da estratégia de estudar obras de arte de Gênero de diferentes
períodos históricos, pela leitura de obra de Robert William Ott. Para isso, foi
necessário retomar os elementos fundamentais da linguagem visual, alguns
períodos da história da arte, bem como, uma pesquisa sobre os autores das
pinturas e seu contexto histórico, para o educando ter subsídios para realizar a
leitura da obra em questão. Com esse trabalho, procurou-se demonstrar que a
arte interage com questões referentes à evolução sociocultural e filosófica do
homem.
1.1 Fundamentações Teóricas
Segundo Ostrower (1996) desde o início o homo sapiens é um ser não
somente fazedor como também formador, sendo capaz de relacionar o que
ocorre ao seu redor com o seu próprio desenvolvimento interior. Com essa
percepção, o homem relaciona os eventos que ocorrem com representações
figurativas de sua vivência, dando-lhes um significado. Portanto, ao pensar,
imaginar, buscar soluções, ele utiliza a forma para explicitar suas ações, como
também o seu sonhar. Panofsky (2007, p. 23) afirma que “O homem é na
verdade o único animal que deixa registro atrás de si, pois é o único animal
cujos produtos chamam à mente uma ideia que se distingue da existência
material destes”. Desta forma, acredita-se que qualquer leitura contextualizada
da arte está inserida de significações, com valores próprios de uma
época/período, não importando qual meio de expressividade que o homem
utilize – escrita, musical, plástica ou cênica –, ele reproduz valores sociais,
morais, filosóficos, comportamentais, através das várias maneiras de esculpir,
pintar, cantar, dançar, vestir, escrever, construir, etc., de sua época. (BOSI,
2004).
Ao analisar os fatos, por meio da História da Arte, percebe-se que
essas mudanças de representações propiciam um esclarecimento e
interpretação de símbolos/signos, um aperfeiçoamento do conhecimento das
analises dos problemas vivenciados/demonstrados pelo homem. O
conhecimento do nosso passado ajuda a perceber a nossa atual realidade
social e pessoal e entender melhor a nossa época. (BARBOSA, 1984). Mas,
para se perceber a relação da ideia do que vem a ser significação, deve-se
separar a ideia dos meios de expressão utilizados. E, para se entender a
relação de construção destes registros deve-se separar ideia do conceito a ser
expresso, da função realizada com os meios que a executam. Os registros dos
signos e estruturas do homem só ocorrem como processo de manifestação do
decurso do tempo, quando exprimem ideias de conhecimento e construção.
(PANOFSKY, 2007).
Entende-se que todo conceito histórico baseia-se nos registros espaço
(local) e tempo (data), pois somente um dos registros feitos não propicia o
mínimo sentido ou importância, pois, faltam dados para sua real compreensão.
Para se fazer um estudo da obra é preciso cumprir alguns processos: primeiro
se faz uma observação dos fenômenos naturais e o exame dos registros
humanos, depois “descodifica-se” os registros e os interpreta, bem como as
“mensagens da natureza” captada pelo observador e, por último, classifica-se e
coordena-se os resultados, de uma maneira coerente, que faça sentido.
(PANOFSKY, 2007). Pois, quem analisa ou recria uma obra de arte
racionalmente, dentro da estética, vê-se diante de três componentes básicos: a
materialidade utilizada, o tema/ideia e o conteúdo da obra, sendo que a:
Nossa avaliação é, inevitavelmente, influenciada por nossa própria
atitude, que por sua vez, depende de nossas experiências individuais,
bem como de nossa situação histórica. Tudo isso nos mostra que a
atitude básica de uma nação, período, classe, crença filosófica ou
religiosa - tudo isso é qualificado, inconscientemente, por uma
personalidade e condensado numa obra. (PANOFSKY, 2007, p. 33).
Neste sentido, a arte apresenta-se como uma manifestação social,
construída por meio da história da humanidade e das suas práticas. A
Sociologia da Arte surgiu como disciplina devido à preocupação de alguns
especialistas de estética e de História da Arte em interpretar artistas/obras de
arte através de formas simbólicas que utilizavam em uma determinada
época/sociedade.
Pode-se dizer que a estética tradicional foi o berço da sociologia da
Arte, pois sua fundamentação origina-se do interesse da relação estética da
arte e pela sociedade. Essa preocupação de unir a arte e sociedade ampliou-se
no inicio do século XX, o que levou ao surgimento da Estética Social. Isto
ocorreu durante as décadas de 40 e 50, quando um grupo de historiadores de
Arte, principalmente ingleses e italianos, colocam concretamente a Arte na
sociedade, surgindo assim a História Social da Arte, onde se relacionavam
obras com os contextos sociais vigentes. Desta forma, as pesquisas realizadas
teriam como foco não somente autor/obra, mas todo o contexto social
(econômico, social, cultural, institucional) em que foi produzida ou como foi
recebida pela sociedade. (HEINICH, 2008).
Nos anos 60 o mundo muda, a sociedade muda, surge, então, uma
nova maneira de fazer arte, onde há interação de conjunto de artistas, de
instituições, dos objetos. As obras de arte passam a ter uma nova leitura, uma
nova maneira de ser analisada/estudada, surge assim a Arte como sociedade,
não interessa mais uma pesquisa centrada na obra, nem uma análise
socializante dos contextos da execução da obra. O que interessa agora é onde,
quem, como, de que forma seus autores produzem a obra, o que ela gera,
proporciona, quais as suas interações empíricas e a história da arte, que se
misturam, associam, que compartilham a época presente. (HEINICH, 2008).
Segundo Jean Duvignaud (In. HEINICH, 2008) a arte coloca-se no
limiar da história da Arte e Sociologia quando diz “a Arte surge menos
determinada do que determinante reveladora da cultura para cuja construção
ela contribui e dela é um produto”. Ao analisar essa ideia Heinch (2008, p. 119)
explica que:
[...] em relação à arte tem basicamente duas formas de trabalho: de
dizer a verdade que as representações dissimulam, em conformidade
com o projeto crítico, ou fazer desse primeiro estágio um simples
momento no projeto – de inspiração antropológica – que consiste em
destacar as lógicas próprias à formação e a estabilização das
representações.
Portanto, ao se utilizar uma imagem, deve-se ter a preocupação de não
usá-la apenas como ilustração ou reprodução de um determinado conteúdo,
mas fazer com que os educandos compreendam que aquela forma de
representação é o resultado de um momento histórico social do artista. A forma
como ele compôs, elaborou, executou a sua obra não foi por acaso, por
“iluminação divina”, ao contrário, é um trabalho que reflete uma época social,
pois antes de tudo o artista é um ser humano fruto de seu tempo, portanto, seu
trabalho vai, de certa forma, refletir esse contexto histórico social.
A criação artística pode ter uma visão subjetiva ou não, porém, é
filtrada pelas influências social, filosófica e educacional de sua época. Para o
educando entender isso, ele precisa tomar conhecimento que a Arte é uma
área mais ampla e complexa do que parece. Pois, para poder representar uma
ideia ou pensamento por meio de uma composição plástica é preciso ter, não
somente o conhecimento dos elementos plásticos e certo domínio dos
mesmos, mas também, um conhecimento mais abrangente, profundo, da
sociedade em que se vive, para poder ter condições de efetuar/entender um
trabalho sobre determinado tema.
Com a leitura da obra de arte, o educando pode perceber que o autor
reflete a sua visão social, apesar de criar algo subjetivo, ele se utilizou dos
conhecimentos existentes de sua época para poder representar a sua ideia
/sentimento/ visão sobre o tema representado. A partir daí o educando pode
perceber e compreender que toda obra artística, por mais subjetiva que seja
sua representação, está inserida na formação do homem como ser completo,
portanto, fruto de um contexto histórico social de um determinado
período/época. Consequentemente ele percebe que ao realizar o seu trabalho
(subjetivo ou não) este será um reflexo de sua própria visão
comportamental/social atual.
Ao longo da história do ensino brasileiro a Arte, de um modo ou de
outro, sempre esteve presente no currículo educacional. Desde o início da
colonização do Brasil, os jesuítas (que eram praticamente os responsáveis
exclusivos pela educação brasileira) utilizavam a Arte como recurso
metodológico para a pregação da fé católica e o trabalho educativo. (PILETTI,
1990).
A música foi o primeiro recurso metodológico utilizado para auxiliar a
educação dos indígenas; a partir dela, os padres jesuítas conseguiam
despertar a atenção e a simpatia dos nativos, utilizando seus próprios
instrumentos e elaborando um repertório no estilo indígena, cujas letras
falavam do Deus cristão. O teatro foi outro recurso empregado pelos Jesuítas.
Com ele, promoveram a educação e evangelizaram os nativos, apresentando
peças em tupi ou em português – os autos – que versavam sobre a vida de
santos e personagens das escrituras, além de textos de obras clássicas,
devidamente adaptados pela Igreja. A dança também era adaptada à tradição
indígena e passava a fazer parte de festas religiosas católicas, como à do
Divino Espírito Santo e a de São Gonçalo. Além de utilizarem a Arte para o
ensino, os jesuítas também desenvolviam trabalhos nas áreas de música,
pintura, escultura e arquitetura. (TEIXEIRA, 2011).
Com a vinda da Família Real portuguesa (1808) e a Independência do
Brasil (1822), a preocupação fundamental do governo referente à educação
passou a ser a necessidade da formação educacional para as elites dirigentes
do País. Dom João VI (1767-1826) criou, no Rio de Janeiro, a Escola Real de
Ciências, Artes e Ofícios, em 1816, para a qual foi contratada a Missão
Artística Francesa. A escola tinha como objetivo formar o artista para o
exercício das belas-artes. O ensino artístico baseava-se nos moldes das
academias de Arte europeias, que procuravam garantir aos artistas formação
científica e humanística, além de treinamento no ofício, com aulas de desenho
de observação e cópia de moldes, também como, formar artífice para as
atividades industriais. (PILETTI, 1990)
No Brasil, a arte realizada na Academia corresponde, de modo geral, a
modelos neoclássicos e românticos aclimatados, que deveriam enfrentar as
condições da natureza e da sociedade locais. (ITAÚ CULTURAL, 2011) Este
modelo educacional que privilegiava a educação da elite durou até o período
republicano de 1930, quando houve várias transformações no processo
educacional (PILETTI, 1990), sendo uma delas, a ideia de livre-expressão na
escola pública. A Escola Nova explodiu no País, fortemente influenciada por
Dewey. Claparede e Decroly, que afirmavam a importância da arte na
educação para o desenvolvimento da imaginação, intuição e inteligência da
criança.
Quando o movimento para incluir Arte como livre-expressão nas
escolas primárias estava no auge, o Estado Novo (1937-1945) iniciou a
repressão no campo educacional. Depois da queda de Vargas (ano de
nascimento e morte), a recuperação e renovação da educação artística
nacional iniciaram-se por meio do artista Augusto Rodrigues. A importância da
Arte na Educação Escolar teve seu princípio difundido no Brasil propriamente
na década de 1940-50, quando Augusto Rodrigues cria no Rio de Janeiro a
Escolinha de Arte do Brasil, baseado nos estudos das ideias do filosofo inglês
Herbert Read (1948) que é um movimento educativo e cultural que busca a
constituição de um ser humano completo, total, dentro dos moldes do
pensamento idealista e democrático. (FUSARI; FERRAZ, 1993).
Para entender melhor o ensino da arte é necessário relacioná-lo com
as tendências educacionais brasileiras, entre estas, a pedagogia tradicional,
pedagogia nova e pedagogia tecnicista.
A Pedagogia Tradicional tem suas raízes no século XIX e percorre todo
o século XX. Sua base está na ideia de que os indivíduos são “libertados” pelos
conhecimentos adquiridos na escola e podem, por isso, organizar com sucesso
uma sociedade mais democrática. O processo de aquisição dos conhecimentos
é proposto por meio de elaborações intelectuais e com base nos modelos de
pensamento desenvolvidos pelos adultos. Na prática, reduz-se a um ensino
mecanizado, desvinculado dos aspectos do cotidiano, e com ênfase
exclusivamente no professor como verdades absolutas. As aulas de Arte são
mais ligadas às cópias do “natural” e com a apresentação de “modelos” para os
alunos imitarem. O enfoque da disciplina é no ensino do desenho, que era
direcionado ao preparo técnico e cientifico de conteúdo reprodutivo,
acreditando-se que, assim educados, os alunos iriam saber aplicar esse
conhecimento ao trabalhar em fábricas ou em serviços artesanais. Na prática, o
ensino do desenho nas escolas primárias e secundárias apresentou-se, ainda,
com uma concepção neoclássica ao enfatizar a linha, o contorno, o traçado. Tal
configuração era a mesma da Academia Imperial do Rio de Janeiro e pelo
grupo da Missão Francesa (1816). Este sistema de ensino cumpre a função de
manter a divisão social existente na sociedade – característica esta da
pedagogia tradicional. (FUSARI; FERRAZ, 1993).
A Pedagogia Nova, Escolanovismo ou Escola Nova, originou-se no
final do século XIX na Europa e Estados Unidos, no Brasil. Esta proposta teve
iniciativas diferenciadas nos diversos Estados, no final do século XIX e do início
do século XX. Os educadores passam a acreditar que as relações entre as
pessoas na sociedade poderiam ser mais satisfatórias, menos injustas, se a
educação escolar conseguisse adaptar os estudantes ao seu ambiente social,
onde experiências cognitivas devem ocorrer de maneira progressiva, ativa,
levando em consideração os interesses, motivações, iniciativas e as
necessidades individuais dos alunos. (FUSARI; FERRAZ, 1993).
Na Pedagogia Nova, a aula de Arte traduz-se mais por proporcionar
condições metodológicas para que o aluno pudesse “exprimir-se” subjetiva e
individualmente. Conhecer significava conhecer-se a si mesmo; o processo
seria fundamental e o produto não interessaria. Visto como ser criativo, o aluno
passa a receber todas as estimulações possíveis para expressar-se
artisticamente. Esse “aprender fazendo” o capacitaria a atuar cooperativamente
na sociedade. Por outro lado, a Pedagogia Tecnicista aparece no exato
momento em que a educação é considerada insuficiente no preparo de
profissionais, tanto de nível médio quanto de nível superior, para atender o
mundo tecnológico em expansão no Brasil (1960 e 1970). Simultaneamente ao
enraizamento da pedagogia tecnicista é assinada a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional nº 5692/71, que introduz a Educação Artística no
currículo escolar de 1º e 2º graus, onde os conhecimentos específicos:
desenho, música, trabalhos manuais, canto coral e artes aplicadas são
transformados em “meras atividades artísticas” tornando a Educação Artística
indefinida. Dez anos depois (1981), a disciplina Educação Artística torna-se
obrigatória nas escolas de 1º e 2º graus. Estas pedagogias, embora descritas
separadamente, na prática parcialmente se sobrepõem. (FUSARI; FERRAZ,
1993).
Muitos educadores, preocupados com essa educação escolar,
passaram a discutir como poderiam melhorar as práticas sociais na escola.
Essas discussões originaram novas tendências pedagógicas, a pedagogia
Libertadora proposta por Paulo Freire (o aprendizado parte do conhecimento
do aluno), a Pedagogia Libertária (independência teórica e metodológica sem
preocupação com o social) e a Pedagogia Histórico-crítica, ou Crítico-social
(FUSARI; FERRAZ, p.40/41, 1993). Saviani (1980) citado por Fusari e Ferraz
(1993), propõe métodos de ensino que interligam professor e alunos aos
processos sociais, onde a prática social é problematizada por meio de
questões que se desdobram em conhecimentos a serem dominados. Sendo
que, a apreensão desses conhecimentos completa-se com suportes teóricos e
culturais, já produzidos e em produção, e devem conduzir (professor-aluno) a
uma nova compreensão da sociedade.
A partir de um saber-ver que é saber-ler o que a pintura mostra, as
historias da arte constituem as fontes de pesquisa nas quais se busca
situar os artistas no seu tempo. Atribuir sentido é, pois, aceitar entrar
em relação com o que é mostrado, é interagir, mudando as
angulações do olhar para ver, enfim, o que a pintura fez. A obra
impõe-se ao que a olha, faz como que ele a percorra, saia dela
perquirindo maiores saberes para compreendê-la, e, nesse
adentramento, sentindo-a ao mesmo tempo que re-fazendo-a, efetiva-
se o processo da sua significação – o entendimento do mundo pode
se dar pelo entendimento da arte. (BUORO, 2003, p.11-12).
Portanto, o conhecimento é uma atividade inseparável da pratica social
e que resulta de trocas entre o sujeito e a realidade social e cultural, numa
reelaboração prático-teórico que se traduz em forma de ação sobre o mundo
social.
Como se vê o ensino da Arte no Brasil, ao longo da história, está
entremeado com a ideologia filosófica social vigente. Ela é usada/direcionada
para atingir objetivos distintos, de acordo com cada período histórico que o país
vivenciou/vivencia. Na colonização, os jesuítas usavam a Arte como um
caminho/processo para atingir os objetivos da doutrinação/ catequização dos
índios na doutrina católica. Com a vinda da família real, Dom João VI cria a
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios com o objetivo da formação dos
futuros artistas, bem como, formar artífices para as atividades industriais. No
período republicano de 1930, com a Escola Nova, o ensino da Arte passa a ser
vista como um importante processo para o desenvolvimento da imaginação,
intuição e inteligência da criança. Com o surgimento da pedagogia, surgem
novos métodos de ensino, como a Pedagogia Tradicional, cujo objetivo
educacional era sustentar a divisão social existente na sociedade da época. O
ensino da Arte consistia em fazer cópias de modelos, sendo o enfoque da
disciplina no ensino do desenho técnico e científico de conteúdo reprodutivo.
Na Pedagogia Nova, o objetivo da educação passa a ser capacitar o
educando a atuar cooperativamente na sociedade. A aula de Arte torna-se
“livre”. Com a Pedagogia Tecnicista, a educação escolar no Brasil direciona-se
em suprir o mercado interno com profissionais capacitados, e a Arte é
introduzida no currículo escolar como Educação Artística, envolvendo diversas
especificidades do conhecimento, o que a acarretou em uma disciplina
indefinida, de “meras atividades artísticas”.
Todas essas diversidades de metodologia levaram os educadores a
aventar uma melhoria das práticas sociais na escola, o que originou novas
tendências pedagógicas: a Libertadora, a Libertária e a Histórico-crítica, ou
Crítico-social. Atualmente, todas essas diversidades de metodologia são
utilizadas pelo educador do ensino da Arte ao ministrar os conteúdos de suas
aulas, e, muitas vezes, o próprio educador não se dá conta de que sua prática
está vinculada a uma tendência pedagógica.
1.2 Estratégias de ação
Como a proposta deste Projeto é propiciar ao educando o
entendimento de que a arte possui a capacidade de interagir com questões
referentes à evolução sociocultural e filosófica do homem e, que, ao
compreender e refletir sobre cada período vivenciado perceba que este
contexto está ligado ao tempo, espaço e circunstâncias históricas da sua
criação, aos fatos históricos de toda uma época, independente da localidade
desses fatos, e que o artista é fruto de seu tempo, iniciou-se o projeto com uma
revisão dos elementos fundamentais da linguagem visual, através do
instrumento de multimídia/data-show. Procurou-se colocar em cada elemento
estruturante revisto, imagens de obras de arte visual (pinturas), de diferentes
períodos desses elementos, para exemplificar os tópicos que estavam sendo
revistos. Observou-se que os educando tiveram uma compreensão melhor dos
conteúdos que estavam sendo revistos e que, muitas vezes, esses conteúdos
eram vistos pela primeira vez na sua forma artística.
Após esta revisão que durou aproximadamente 12 aulas, realizou-se a
análise de uma pintura para os educando verem como se faz (o que os levou a
uma percepção mais apurada da arte, a realmente um “ver” da obra por parte
dos educando). Em seguida foram organizados em grupos e cada grupo
recebeu uma reprodução de uma obra de arte (pintura) de diferente período
histórico, porém, do mesmo gênero de pintura. A pintura de Gênero: arte
egípcia – Artesãos, pintura do Túmulo de Nebamun e Cena de Colheita do
Túmulo_Antigo Egito; arte gótica – As Riquíssimas Horas do Duque de Berry_
junho dos irmãos Limbourg (1413-16) e Um Bom Governo: A Vida na Cidade
de A. Lorenzetti (1338-40); arte renascentista - Banquete Nupcial/ Casamento
de Camponeses de P. Bruegel, o velho (1567-68) e A Festa de São Nicolau de
Jan Steen (1665-68); arte realista - Os Barqueiros de Volga de Ilia Efimovich
Repin (1870-73) e Retorno da Feira de Flagey /Retorno de Camponeses do
Mercado de Flagey de G. Courbet (1850); arte impressionista - Colheita de
Feno em Éragny de C. Pissarro (1901) e Uma Tarde de Sol em la Grande
Jatte/Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte de G. Seurat (1884-86), onde
cada grupo fez a leitura de sua reprodução artística seguindo/ baseada na
leitura de obra de arte de Robert William Ott, que consiste nos seguintes
passos:
I – DESCREVENDO - Olhar cuidadosamente para a obra; fazer um
inventário ou uma lista de tudo o que é visível, perceptível na obra. (descrever
é um ponto de partida para posteriores estudos e análises da obra de arte).
II – ANALISANDO - “Investigar” a obra de arte, ver a maneira como foi
executada (compreensão da forma). Perceber todos os detalhes, investigar os
elementos de composição: técnica, linhas estruturais, formas, composição,
planos, luz e sombra, cores, texturas.
III – INTERPRETANDO - Fornecer dados para respostas pessoais e
emocionais: como se sente a respeito da obra de arte (perceber suas
emoções) a partir dos dados das categorias anteriores.
IV – FUNDAMENTANDO - Conhecimento adicional disponível no
campo da história da arte ou em crítica de arte que tenha sido escrita a respeito
da mesma. Pesquisa a respeito da obra e do artista. Ampliação das
informações através de catálogos de exposições, publicações acadêmicas,
textos, vídeos, bate-papo com artistas (aprofundamento das três categorias
anteriores).
V – REVELANDO - Criação e resposta do processo através de trabalho
prático ou reflexão escrita. (que no caso foi uma reflexão escrita para o
professor e uma apresentação oral sobre o artista e obra para a sala).
No item IV- FUNDAMENTANDO, elaborou-se um roteiro para fazer a
pesquisa biográfica do artista e do seu contexto histórico, que consistiu em: 1.
Nome completo do artista, filiação, data e lugar onde nasceu e morreu; 2.
Cartografia (mapa) político do país da nacionalidade do artista; Pequeno
histórico da vida do artista (marcos mais relevantes/importantes); 4. Estilo de
pintura e contexto histórico do movimento artístico a qual pertence; 5.
Principais obras.
Feita esta análise, houve uma apresentação de todos os grupos sobre
o seu trabalho realizado e promove-se uma discussão sobre as diferentes
maneiras de representar o mesmo gênero de pintura. Observou-se que cada
artista tem uma característica própria de representar o seu pensamento, sua
ideia (sendo o homem fruto de uma sociedade, essa representação estará,
portanto, vinculada ao comportamento social de seu tempo/época), e
questionou-se se essa representação condizia com os dias atuais ou com
nossa realidade, isto é, se essas representações coincidem com os nossos
atuais valores sociais e se compartilha-se, hoje, com a mesma visão de mundo.
Isto gerou nos educando uma nova percepção dos valores sociais/históricos
dos períodos das obras estudadas e uma discussão sobre os valores atuais,
gerando um conflito/questionamento da evolução histórico/social e filosófico do
homem.
Após essa discussão/debate sobre as diferentes maneiras de
representar o mesmo gênero de pintura, cada educando fez a sua própria
releitura da obra/tema abordado, a partir de suas experiências individuais,
interagindo, assim, com a sua vivência, através de um trabalho prático de uma
representação pictórica, dentro de sua visão histórica com o seu cotidiano
social atual, inspirado na compreensão e conhecimentos adquiridos no estudo
da obra de arte. Para a execução deste trabalho deixou-se livre a técnica por
eles empregada, alguns preferiam desenhar e pintar com lápis de cor, outros
com tinta guache e, também, quiseram trabalhar com colagem ou técnica
mista.
Por fim, os trabalhos foram expostos em sala de aula, onde todos
observaram que as releituras realizadas por eles possuíam uma mesma linha
de representação/visão do mundo/sociedade em que se vive.
Conclusão
O resultado desse projeto foi gratificante. Pois se acredita que se
conseguiu alcançar o objetivo da proposta pretendida, que era o educando ter
uma melhor compreensão do que é a arte e perceber que a arte é o reflexo do
ser humano como individuo e cidadão. Que está vinculada ao contexto do
homem com seu tempo histórico, social, político e humano e que está
inserida/ligada ao tempo, espaço e circunstâncias históricas da sua criação,
bem como, aos fatos históricos de toda uma época, independente da localidade
desses fatos.
Para se chegar ao entendimento proposto, os educandos tiveram que
obter legítima compreensão dos elementos dos conteúdos específicos da
disciplina de Arte com as obras artísticas vistas e estudadas. Os educandos
perceberam que o conhecimento não é estanque de cada disciplina, que para
entender/compreender uma obra de arte é preciso ter um conhecimento mais
amplo do conhecimento de cada época, da evolução sociocultural e filosófica
do homem.
Portanto, espera-se que os educandos, a partir desse estudo, ao verem
uma imagem subjetiva, ou não, tenham um novo olhar sobre ela. Pois eles
compreenderão que esta imagem é o reflexo de uma época (tempo e espaço),
que a forma como ela foi composta, elaborada e executada, é resultado da
influência social, filosófica e educacional representada em um determinado
momento histórico social do artista. Este entendimento proporcionará ao
educando uma produção artística de forma mais consciente e ligada há seu
tempo, espaço e talvez até possam ser mais críticos, ou seja, entender e
criticar em sua obra, a sociedade que vivem.
Propostas para o professor
Na proposta "A Arte reflete o Homem ou o Homem reflete a Arte?",
apresentada para os professores cursistas do programa GTR (Grupo de
Trabalho de Rede), desenvolvido no Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE) do Estado do Paraná, e nas corroborações recebidas de
distintos processos de leituras de obras de Arte, observou-se que os
professores possuem basicamente, a mesma preocupação: ensinar/mostrar ao
seu educando, a importância da Arte para a sua formação como ser humano.
Tal constatação veio ao encontro com a proposta da Leitura de obra segundo
Robert Willian Ott. Em função disso, buscou-se desenvolver algumas
variações, que o professor poderá usar para enriquecer/diversificar essa
atividade.
- O professor, ao retomar os elementos fundamentais da linguagem
visual, pode desenvolver em cada tópico uma atividade prática;
- Apresentar para a classe releituras de obras como as realizadas por:
Picasso: As Meninas de Velásquez de 1797-1800 em As Meninas -1957 (Ver
site: http://blogdofavre.ig.com.br/tag/velazquez/); La Maja_Desnuda de Goya de
1656 em Nu reclinado brincando com um gato, 1964 (Ver site:
http://www.conexaoparis.com.br/2008/08/27/fotos-da-exposicao-picasso-e-
seus-mestres-em-paris); Magritte do Balcão de Manet -1868_69 em
Perspectiva II - o balcão de Manet de 1950 – (Ver site:
http://arteseanp.blogspot.com/2010/01/rene-magrite.html); Miró do Tocador de
Alaúde de MartenszSorgh -1661 em Interior Holandês I – 1928; Crianças
ensinando um gato a dançar (aula de dança) Jan Steen -1660-79 em Interior
Holandez II de 1928, entre outras. (Ver site:
http://artepensando.blogspot.com/2010/09/interiores-holandeses-de-joan-
miro.html).
- Utilizar este mesmo processo de análise de obra de arte com outros
gêneros pictóricos ou temas como brincadeiras infantis, representação da
mulher, pintura sacra, etc.
Referências:
BARBOSA, Ana Mãe. A imagem no ensino da Arte: Anos Oitenta e Novos Tempos. São Paulo: Perspectiva, Porto Alegre: Fundação IOCHPE, 1991. BARBOSA, Ana Mãe. Arte-Educação: Conflitos/Acertos. São Paulo: Max Limonard, 1984. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a Arte. Série fundamentos. 7. ed. São Paulo: Ática, 2004. BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Educ/Fapesp/ Cortez, 2003. CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. FUSARI, Maria F. de Rezende; FERRAZ, Maria Heloisa Corrêa de Toledo. Metodologia do ensino de Arte. Coleção magistério 2º grau. Série formação do professor. São Paulo: Cortez, 1993. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Séc. XXI: Dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Séc. XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FREITAS, Joselaine; BORGO Fernandes de. Arte é conhecimento, é construção, é expressão. In: Revista Digital Art&. Ano III, Número 03, Abril de 2005. ISSN 1806-2962. Disponível em: <http://www.revista.art.br ano III, n. º03>l desde 30 de abril de 2005. Acesso em 27 de outubro 2010. HEINCH, Nathalie. Sociologia da arte. Trad. Maria Ângela Caselatto. Bauru: Edusc, 2008. ITAÚ CULTURAL. ARTES VISUAIS. Academia Imperial de Belas Artes – Aiba. Disponível em <http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=marcos_texto&cd_verbete=332&cd_item=10&cd_idioma=28555>. Acesso em: 19 de mar de 2011. OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 11. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1996. PANOFSKY, Erwim. Significado nas artes visuais. Trad. Maria Clara F. Kneese e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2007.
PARANÁ. Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Arte. 2008. PARANÁ. Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Superintendência de Ensino. Departamento de Ensino Médio: orientação curriculares de Arte. 2005. PILETTI, Nelson. História da Educação no Brasil. São Paulo: Ática, 1990. SOUZA, Cleyde Anne de Almeida. Arte na escola: uma possibilidade de humanização. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/58943/1/ARTE-NA-ESCOLA-UMA-POSSIBILIDADE-DE-HUMANIZACAO/pagina1.html#ixzz1GViksqdE>. Acesso em: 27 de out 2010. TEIXEIRA, Olga. Educação na colônia. Disponível em: http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/ - Anais do II Encontro Internacional de História Colonial – CERES Caicó. ANAIS. II ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA COLONIAL. NATAL, 16 A 19 DE SETEMBRO DE 2008. mnemev. 9. n. 24, Set/out. 2008. ISSN 1518-3394. Acesso em 19 de março de 2011.