nada mais natural que um pobre de direita

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Nada mais natural que um pobre de direita. Ou um "classe média"; e o que dizer do rico? Nada mais sobrenatural (sim, esse é o termo) que pobres, classe- principalmente ricos de esquerda. Antes que pensem que sou um naturalista maluco, quero não me re ro à nenhuma naturalidade biológica, mas sim decorre da atual forma social da vida humana. Estava eu na la do banco e de repente escuto o papo d com uma senhora: "Votei no Aécio, mas eu queria mesmo Marina ganhasse e colocasse fogo no circo" [santa inoc Deu aquela coceira de falar: "ah, quer dizer que vc qu Marina ganhasse, mas votou no Aécio... ok, toma aqui s certi cado de quadrúpede". En m. Para além dessas "lógicas singulares" que dão a consistência de uma sopa de gordura ao pensamento dos aí como bois de carga (e são muitos, podes crer), é in notar que a galera "politizada" ca estupefacta em con povão vota na direita e sustenta bandeiras as mais tos até mesmo contra seus próprios interesses - supondo qu indivíduos tenham alguma noção mínima de quais sejam e melhor, que não façam a velha confusão entre seus mais imediatos instintos burgueses e a consciência de si me enquanto indivíduos sociais, o que demanda uma boa dos re exão. Ser de direita é algo natural para quem nasce e vive t sociedade capitalista; ora, não se pode esperar que o não acompanhe a forma de vida do indivíduo, e a forma capitalismo é aquela que coloca todos em concorrência isolamento uns contra os outros. Vida selvagem, pensam

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nada mais natural

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Nada mais natural que um pobre de direita.Ou um "classe mdia"; e o que dizer do rico? Nada mais sobrenatural (sim, esse o termo) que pobres, classe-mdias e principalmente ricos de esquerda.Antes que pensem que sou um naturalista maluco, quero dizer que no me refiro nenhuma naturalidade biolgica, mas sim a que decorre da atual forma social da vida humana.Estava eu na fila do banco e de repente escuto o papo de um cara com uma senhora: "Votei no Acio, mas eu queria mesmo era que a Marina ganhasse e colocasse fogo no circo" [santa inocncia!...].Deu aquela coceira de falar: "ah, quer dizer que vc queria que a Marina ganhasse, mas votou no Acio... ok, toma aqui seu certificado de quadrpede".Enfim. Para alm dessas "lgicas singulares" que do a consistncia de uma sopa de gordura ao pensamento dos que esto a como bois de carga (e so muitos, podes crer), interessante notar que a galera "politizada" fica estupefacta em constatar que o povo vota na direita e sustenta bandeiras as mais toscas e brutais, at mesmo contra seus prprios interesses - supondo que os indivduos tenham alguma noo mnima de quais sejam estes, ou melhor, que no faam a velha confuso entre seus mais baixos e imediatos instintos burgueses e a conscincia de si mesmos enquanto indivduos sociais, o que demanda uma boa dose de reflexo.Ser de direita algo natural para quem nasce e vive trivialmente na sociedade capitalista; ora, no se pode esperar que o pensamento no acompanhe a forma de vida do indivduo, e a forma de vida no capitalismo aquela que coloca todos em concorrncia e isolamento uns contra os outros. Vida selvagem, pensamento idem. preciso ter alguma sensibilidade (inata ou provocada, no vem ao caso) pra notar que essa forma de vida no , digamos assim, to orgnica quanto a naturalidade haveria de ser, e que poderia ser bem diferente e melhor, para ento poder comear a fazer a crtica e se tornar de esquerda, e se lanar a um verdadeiro processo de educao da sensibilidade e do pensamento, de superao da naturalidade social posta para cada indivduo desde seu nascimento (ou mesmo desde sua concepo).Tudo se educa em ns, mas educar-se uma questo que passa por uma necessidade que o indivduo pode sofrer ou no. Alm disso, este processo pode ser mais ou menos lento, doloroso e sempre contraditrio, uma vez que a individualidade deixa de corresponder (ainda que tal correspondncia seja brutal) sociabilidade vigente, o que pode no ser muito confortvel. E a vida na selva de pedra j dura demais para ainda suport-la sem as flores das iluses e do auto-engano, que encobrem e enfeitam os grilhes! O indivduo pode facilmente preferir embotar a sensibilidade e sabotar o pensamento, gozar e acreditar no prprio cinismo e se dar por satisfeito, ou melhor, por adaptado e convencido de sua escolha.Da que no h nada de estranho no pobre que de direita. Extraordinrio seria o contrrio.Alis, nem estranho que, ainda que assuma uma posio crtica consciente, muitas vezes o indivduo vacile e pense ou aja de forma machista, autoritria, possessiva, egosta, fazendo piadinhas "politicamente incorretas" contra os mais fracos, etc. Pois preciso lutar contra o fascista que mora dentro, nascido na naturalidade social burguesa, e mat-lo no paredo da autocrtica: vencer-se a si mesmo cotidianamente, dado que a sociabilidade cotidiana determinante da individualidade, de um modo ou de outro.Isso s o comeo da longa e tortuosa trilha rumo superao da atual forma de vida, trilha que s pode ser escalada em meio s mais complexas interaes com outras individualidades dispostas luta e a maioria contrria a ela. Pois o prprio indivduo , em si mesmo, um complexo, universal e contraditrio ndulo na imensa rede humana tecida social e historicamente, em meio a toda sorte de outras tantas contradies que perfazem na vida prtica a essncia e existncia humanas.Superar as velhas contradies e alcanar o patamar de uma nova humanidade, tanto mais autnoma quanto mais se desgarra da heteronomia natural, e abrir os horizontes de uma vida autntica: a mais radical, profunda, rdua, desejvel e razovel tarefa humana. Eis a a razo de ser da esquerda - mudar o mundo que criamos e recriamos o tempo todo e em sociedade.No se trata de esperar que os que viro faam isso, quando ns mesmos estamos vivos aqui e agora. Essa a tarefa histrica que d propsito e sentido para a vida. E o que poderia ser mais radical do que estar vivo?"Se o homem formado pelas circunstncias, ser necessrio formar as circunstncias humanamente. Se o homem social por natureza, desenvolver sua verdadeira natureza no seio da sociedade humana" - Marx.