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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA N.º 582/2019 – SFCONST/PGR Sistema Único n.º 295.622/2019 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS REQUERENTES: Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bombeiros Militares (ANERMB) e Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) INTERESSADOS: Governador e Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul RELATOR: Ministro Ricardo Lewandowski AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITI- MIDADE ATIVA DAS ENTIDADES REQUERENTES. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. REVOGAÇÃO DE LEI ESTADUAL QUE SEGREGOU MASSAS. UNIFICAÇÃO DOS PLANOS FINANCEIRO E PREVIDENCIÁRIO. SUPOSTO DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL. DESCABI- MENTO DE AÇÃO DIRETA CUJA APRECIAÇÃO DEPENDA DE NORMA INFRACONSTITUCIONAL INTERPOSTA OU DA PRÉVIA RESOLUÇÃO DE QUESTÃO CONTROVERTIDA. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SISTE- MÁTICA PROGRESSIVA. DESVIRTUAMENTO DA FEIÇÃO CONTRIBUTIVA-RETRIBUTIVA. CARÁTER ARRECADATÓ- RIO. UTILIZAÇÃO DE TRIBUTO COM EFEITO DE CON- FISCO. ALÍQUOTA PATRONAL SUPERIOR AO DOBRO DA CONTRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES ATIVOS. AFRONTA À NORMA GERAL (LEI 9.717/1998. ART. 2.º). DESRESPEITO AO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. 1. Associação representativa de militares estaduais não tem legi- timidade para impugnar, em ação direta de inconstitucionalidade, norma pertinente ao regime próprio de previdência dos servidores públicos civis do Estado, por falta de pertinência temática. 2. A instauração do controle concentrado de constitucionalidade por entidade sindical que possua representação abrangente de distintas classes, carreiras ou categorias de servidores públicos depende não apenas da sua caracterização como confederação sindical, como tam- bém de possuir, entre suas filiadas, ao menos três federações repre- sentativas da categoria econômica ou profissional especificamente afetada pela norma. Precedentes. 3. As exigências dos art. 21-§2.º e 25 da Portaria MPS 403/2008 são obrigações contidas apenas em norma regulamentar e não em lei ge- ral editada pela União no exercício de competência legislativa con- corrente (Lei 9.717/1998). Ofensa indireta à Constituição. 4. A ocorrência de desequilíbrio financeiro e atuarial em função do desfazimento da segregação de massa e da unificação dos fundos financeiro e previdenciário é matéria controvertida cuja apreciação Gabinete do Procurador-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ALCIDES MARTINS, em 19/09/2019 15:37. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 62446FFF.31811141.01F6B1D5.802643F0

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º 582/2019 – SFCONST/PGRSistema Único n.º 295.622/2019

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS

REQUERENTES: Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares eBombeiros Militares (ANERMB) eConfederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB)

INTERESSADOS: Governador e Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do SulRELATOR: Ministro Ricardo Lewandowski

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ILEGITI-MIDADE ATIVA DAS ENTIDADES REQUERENTES. REGIMEPRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. REVOGAÇÃO DE LEIESTADUAL QUE SEGREGOU MASSAS. UNIFICAÇÃO DOSPLANOS FINANCEIRO E PREVIDENCIÁRIO. SUPOSTODESEQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL. DESCABI-MENTO DE AÇÃO DIRETA CUJA APRECIAÇÃO DEPENDADE NORMA INFRACONSTITUCIONAL INTERPOSTA OU DAPRÉVIA RESOLUÇÃO DE QUESTÃO CONTROVERTIDA.ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SISTE-MÁTICA PROGRESSIVA. DESVIRTUAMENTO DA FEIÇÃOCONTRIBUTIVA-RETRIBUTIVA. CARÁTER ARRECADATÓ-RIO. UTILIZAÇÃO DE TRIBUTO COM EFEITO DE CON-FISCO. ALÍQUOTA PATRONAL SUPERIOR AO DOBRO DACONTRIBUIÇÃO DOS SERVIDORES ATIVOS. AFRONTA ÀNORMA GERAL (LEI 9.717/1998. ART. 2.º). DESRESPEITOAO SISTEMA CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DECOMPETÊNCIA LEGISLATIVA.

1. Associação representativa de militares estaduais não tem legi-timidade para impugnar, em ação direta de inconstitucionalidade,norma pertinente ao regime próprio de previdência dos servidorespúblicos civis do Estado, por falta de pertinência temática.

2. A instauração do controle concentrado de constitucionalidade porentidade sindical que possua representação abrangente de distintasclasses, carreiras ou categorias de servidores públicos depende nãoapenas da sua caracterização como confederação sindical, como tam-bém de possuir, entre suas filiadas, ao menos três federações repre-sentativas da categoria econômica ou profissional especificamenteafetada pela norma. Precedentes.

3. As exigências dos art. 21-§2.º e 25 da Portaria MPS 403/2008 sãoobrigações contidas apenas em norma regulamentar e não em lei ge-ral editada pela União no exercício de competência legislativa con-corrente (Lei 9.717/1998). Ofensa indireta à Constituição.

4. A ocorrência de desequilíbrio financeiro e atuarial em função dodesfazimento da segregação de massa e da unificação dos fundosfinanceiro e previdenciário é matéria controvertida cuja apreciação

Gabinete do Procurador-Geral da RepúblicaBrasília/DF

Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ALCIDES MARTINS, em 19/09/2019 15:37. Para verificar a assinatura acesse

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depende de prévia resolução de questão de fato e de direito nãoadmissível em ação direta de inconstitucionalidade. Precedente.

5. É inconstitucional a fixação de alíquotas progressivas para a con-tribuição previdenciária de servidores públicos por ausência de auto-rização constitucional expressa e por afronta à vedação de utilizaçãode tributo com efeito de confisco. Precedentes.

6. A fixação de alíquota patronal previdenciária em 25% transgridea norma geral do art. 2.º da Lei 9.717/1998 e, por conseguinte, afrontade modo direto o sistema constitucional de repartição de competêncialegislativa, com invasão da competência legislativa da União.

– Parecer pelo não conhecimento da ação direta ou, caso superada apreliminar de ilegitimidade ativa das requerentes, pelo parcial conhe-cimento desta e, nesta extensão, pela procedência do pedido.

I

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,

proposta pela Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais Militares e Bom-

beiros Militares (ANERMB) e pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB),

tendo por objeto os arts. 1.º (na parte em que conferiu nova redação aos arts. 22 e 23-§1.º da

Lei 3.150, de 22 de dezembro de 2005); e 4.º a 15 da Lei 5.101, de 1.º de dezembro de 2017,

do Estado de Mato Grosso do Sul.

Este é o teor das normas impugnadas:

Art. 1.º A Lei n.º 3.150, de 22 de dezembro de 2005, passa a vigorar com as seguintesalterações e acréscimos:

[…] Art. 22. Os segurados ativos e inativos e os pensionistas contribuirão para oMSPREV, mensalmente, nos percentuais abaixo estabelecidos, incidentes sobre arespectiva remuneração de contribuição:

I - 11% (onze por cento) sobre a parcela da base de contribuição cujo valor sejaigual ou inferior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geralde Previdência Social (RGPS); e

II - 14% (quatorze por cento) sobre a parcela da base de contribuição cujo valor sejasuperior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Pre-vidência Social (RGPS).

§1.º A contribuição sobre os proventos de aposentadoria e pensões concedidas peloMSPREV incidirá sobre parcela que superar o limite máximo estabelecido para osbenefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

§2.º A contribuição prevista no §1.º deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas deproventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo es-

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tabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social, quando o bene-ficiário for portador de doenças incapacitante.

Art. 23. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o Tribunal de Contas, oMinistério Público, a Defensoria Pública, as Autarquias e as Fundações estaduaiscontribuirão, mensalmente, para o MSPREV no percentual de 24% (vinte e qua-tro por cento) sobre a soma dos subsídios e das remunerações mensais de seussegurados ativos do MSPREV.

§1.º A alíquota da contribuição patronal mensal de que trata o caput deste artigoserá de 25% (vinte e cinco por cento) a partir de maio de 2019. […]

Art. 4.º Os benefícios previdenciários previstos na Lei n.º 3.150, de 22 de dezembro de2005, assegurados pelo Regime Próprio de Previdência dos Servidores do Estado de MatoGrosso do Sul (MSPREV), serão financiados pelo Plano de Previdenciário, mantido pelaAgência de Previdência Social de Mato Grosso do Sul (AGEPREV), observados os crité-rios que preservem o equilíbrio financeiro e atuariais, definidos na Nota Técnica Atuarial.

§1.º Fica extinto o Plano Financeiro instituído pela Lei n.º 4.213, de 28 de junho de 2012.

§2.º O total de recursos inexistentes no Plano Financeiro referido no §1.º deste artigo, apu-rados na data de publicação desta Lei, reverterão ao Plano de Previdenciário.

§3.º Consideram-se como total de recursos existentes, para os fins do §2.º deste artigo, to-dos os valores, recursos financeiros, títulos, direitos de crédito e bens disponíveis, apuradosaté a data de publicação desta Lei.

§4.º A aplicação dos recursos de que trata o §2.º deste artigo observará o disposto no incisoXI do art. 167 da Constituição da República e no inciso III do art. 1.º da Lei federal 9.717,de 27 de novembro de 1998.

Art. 5.º O Plano Previdenciário é constituído de um sistema estruturado pelas contribui-ções devidas pelos Poderes, Tribunal de Contas, Defensoria Pública, Ministério Público,Autarquias e Fundações Estaduais, bem como pelos segurados, ativos e inativos, e pelospensionistas vinculados ao MSPREV, fixadas com objetivo de acumulação de recursos,sendo o seu plano de custeio calculado atuarialmente.

§1.º O Plano Previdenciário funcionará sob os regimes financeiros de capitalização, re-partição de capitais de cobertura e repartição simples, conforme definido em Nota Téc-nica Atuarial, e será gerido exclusivamente pela AGEPREV, nos termos da Lei 3.150, de22 de dezembro de 2005, e 3.545, de 17 de julho de 2008.

§2.º A cobertura de eventual deficit financeiro do Plano de Previdenciário deverá seguiras regras do §4.º do art. 24 e do art. 117 da Lei 3.150, de 2005.

Art. 6.º São fontes de custeio do Plano Previdenciário:

I - contribuições previdenciárias dos Poderes, do Tribunal de Contas, da Defensoria Pú-blica, do Ministério Público, das Autarquias e Fundações Estaduais;

II - contribuições previdenciárias dos segurados ativos e inativos e dos pensionistas;

III - recolhimento de que trata o art. 122 da Lei 3.150, de 2005;

IV - cobertura de insuficiências financeiras do MSPREV de que trata o art. 117 da Lei3.150, de 2005.

V - doações, subvenções e legados;

VI - receitas decorrentes de aplicações financeiras e receitas patrimoniais;

VII - valores recebidos a título de compensação financeira, em razão do disposto no §9.ºdo art. 201 da Constituição Federal;

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VIII - débitos de contribuições passadas, parceladas ou não, devidas ao extinto Institutode Previdência Social de Mato Grosso do Sul (PREVISUL), em 30 de dezembro de 2000;

IX - resultados da alienação dos bens imóveis do extinto PREVISUL;

XI - títulos, quotas e ações de fundos de investimento integrados por patrimônio, direitoscreditórios e verbas destinadas ao MSPREV, na forma desta Lei;

XII - outras rendas extraordinárias ou eventuais dotações previstas no orçamento estadual.

§1.º Os recursos discriminados nos incisos do caput deste artigo serão utilizados para ocusteio dos benefícios previdenciários aos segurados e dependentes vinculados ao MS-PREV e as despesas necessárias à organização e ao funcionamento da AGEPREV, sendovedada a sua utilização para fins assistenciais, inclusive para a saúde.

§2.º As despesas necessárias à organização e ao funcionamento da AGEPREV, de que tratao §1º deste artigo, ficam limitadas a 0,5% (meio por cento) do total das remunerações, pro-ventos e pensões dos segurados do MSPREV, relativo ao exercício financeiro anterior.

§3.º Constituem, também, fontes do Plano Previdenciário as contribuições previstas nosincisos I e II deste artigo incidentes sobre a gratificação natalina, o salário-maternidade,o auxílio-doença, o auxílio-reclusão e valores de natureza salarial pagos aos segurados,pelo seu vínculo efetivo com o Estado, em razão de decisão judicial ou administrativa.

Art. 7.º O saldo positivo do Plano Previdenciário, apurado em balanço ao final de cadaexercício financeiro, será transferido para o exercício seguinte, a crédito do respectivoPlano, constituindo-se nas suas reservas financeiras.

Parágrafo único. As reservas financeiras do Plano Previdenciário serão aplicadas, diretamenteou por intermédio de instituições especializadas, credenciadas mediante critérios técnicos,observadas as diretrizes do Conselho Monetário Nacional, e, destinadas ao pagamentodos benefícios previdenciários aos segurados e dependentes vinculados ao MSPREV.

Art. 8.º A execução orçamentária, a contabilização e a prestação de contas anuais doPlano Previdenciário obedecerão às normas legais de controle e de administração finan-ceira determinadas pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda.

§1.º As despesas correntes e de capital do Plano Previdenciário serão realizadas com osrecursos recolhidos ao MSPREV e ficarão sob a gestão exclusiva da AGEPREV, na con-dição de entidade gestora do RPPS-MS.

§2.º A conta do Plano Previdenciário será distinta da conta do Tesouro Estadual e sua conta-bilidade será própria, com discriminação das receitas arrecadadas, das despesas realizadas edas reservas, de forma a possibilitar o acompanhamento da sua situação financeira e atuarial.

§3.º Comporá a prestação de contas anual do Plano Previdenciário a avaliação atuarial doplano de benefícios, elaborada por entidades ou por profissionais legalmente habilitados.

§4.º Os órgãos, as Autarquias e as Fundações do Poder Executivo, os Poderes Legislativoe Judiciário, o Tribunal de Contas, a Defensoria Pública e o Ministério Público Estaduaisdisponibilizarão à AGEPREV os dados relativos aos seus servidores, nos termos da legis-lação e regulamento próprio, viabilizando a realização dos estudos de natureza atuarial.

Art. 9.º O segurado do MSPREV está obrigado a promover a averbação, junto ao seu órgãoou entidade de lotação, dos períodos de contribuição a outros regimes de previdência,para contagem junto à previdência estadual, bem como manter atualizadas suas informa-ções pessoais e funcionais, na forma estabelecida em regulamento próprio.

Art. 10. Fica assegurada à AGEPREV a destinação de bens imóveis de titularidade doEstado de Mato Grosso do Sul, devidamente desafetados, precedida de avaliação pela

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Junta de Avaliação Oficial do Estado e de autorização legislativa, visando à promoção donecessário equilíbrio atuarial e financeiro do MSPREV.

§1.º Os bens imóveis de que trata o caput deste artigo deverão ser incorporados ao patri-mônio da AGEPREV e ficarão sob a gestão da Secretaria de Estado de Administração eDesburocratização (SAD).

§2.º Sem prejuízo do disposto no caput e no §1.º deste artigo, poderão ser destinadas àAGEPREV, mediante ato do Poder Executivo:

I - ações, créditos, participações societárias em empresas públicas ou sociedades de eco-nomia mista;

II - recursos oriundos de créditos do Estado resultantes das discussões judiciais envol-vendo a Lei Kandir; e/ou

III - receitas adicionais provenientes do recebimento pelo Estado de royalties, participa-ções especiais e compensações financeiras, relativos à exploração de recursos hídricos,de petróleo e gás natural.

§3.º O aporte de bens e direitos de que trata este artigo deverá ocorrer até o valor dos re-cursos existentes no Plano Previdenciário na data da publicação desta Lei e será integra-lizado no prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias, contados da publicação desta Lei.

§4.º Após a integralização de que trata este artigo, um novo estudo atuarial deverá serelaborado de forma a identificar a situação atuarial do Plano Previdenciário e, caso sejaidentificado déficit atuarial, o Poder Executivo deverá instituir, em Lei, um plano deamortização.

Art. 11. Lei específica a ser encaminhada à Assembleia Legislativa, no prazo de até 180(cento e oitenta dias) contados da data de publicação desta Lei, instituirá a previdência com-plementar do Estado.

Art. 12. A Secretaria de Estado de Fazenda (SEFAZ), a Secretaria de Estado de Administra-ção e Desburocratização (SAD) e a Agência Previdenciária do Estado de Mato Grosso do Sul(AGEPREV) adotarão, em conjunto, as medidas necessárias à efetiva implementação dasnormas constantes nesta Lei.

§1.º Inserem-se nas medidas de que trata o caput deste artigo, sem prejuízo de outras, a pres-tação de contas específica dos atos de gestão relativa à transferência dos recursos entre osPlanos na forma estabelecida pelo art. 4º desta Lei, bem como a regulamentação das ativida-des a serem executadas pela perícia médica previdenciária da AGEPREV.

§2.º A transferência da gestão única e centralizada dos benefícios previdenciários e daperícia médica previdenciária para a AGEPREV será regulamentada, conjuntamente, pelosórgãos e entidades de que trata o caput deste artigo, com a participação dos demais Pode-res, do Tribunal de Contas, da Defensoria Pública, do Ministério Público, das Autarquiase das Fundações Estaduais, e deve ser concluída no prazo de até 90 (noventa) dias, conta-dos da publicação desta Lei.

Art. 13. As alterações legislativas e normas próprias objeto dessa lei não dependerão dedeliberação e/ou aprovação pelo Conselho Estadual de Previdência.

Art. 14. Fica o Poder Executivo autorizado a abrir crédito adicional, se necessário, paraatender despesas decorrentes da implementação das disposições desta Lei.

Art. 15. Revogam-se o inciso III do art. 27; o §3.º do art. 31, os incisos I, II e III do ca-put do art. 59, o art. 119 e o §1.º do art. 122, todos da Lei nº 3.150, de 22 de dezembro de2005; os incisos I, II e III do §2.º do art. 1.º da Lei nº 3.855, de 30 de março de 2010, e aLei nº 4.213, de 28 de junho de 2012.

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Relatam as requerentes que o Estado de Mato Grosso do Sul, em atendimento à lei

geral dos regimes próprios de previdência social (Lei 9.717/1998) e ao teor de notificação

expedida pelo então Ministério da Previdência Social, procedeu à segregação da massa de

segurados do regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais, por meio da

edição da Lei estadual 4.213/2012. Afirmam, no entanto, que ao editar a Lei 5.101/2017, o

Estado revogou a lei segregadora e unificou os planos financeiros e previdenciário, sem jus-

tificativa legal e em desacordo com os requisitos previstos na Portaria 403/2008, do Ministé-

rio da Previdência Social (atual Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda).

Sustentam, nesse contexto, que a Lei estadual 5.101/2017 violaria diversos disposi-

tivos constitucionais, notadamente o art. 24-XII (competência da União para editar normas gerais

sobre previdência social); o art. 37-caput (princípios da legalidade e da eficiência administra-

tiva); 40-caput (observância dos critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial nos

regimes próprios de previdência); e art. 70 (princípio da economicidade). Alegam, em outra

vertente, que ao estabelecer alíquota de contribuição patronal de 25% (o dobro da alíquota dos

servidores públicos federais), o art. 1.º da Lei 5.101/2017 teria afrontado o art. 149-§1.º da CF.

Aduzem que a nova redação conferida ao art. 22 da Lei 3.150/2005, por majorar a alíquota da

contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais de 11% para 14%, teria ofendido

o art. 150-IV da CF. Defendem, ainda, que as novas alíquotas de contribuição somente poderiam

ser exigidas depois de decorridos noventa dias da data de sua publicação, sob pena de contra-

riedade ao art. 195-§6.º da CF. Argumentam afronta ao art. 195-§5.º da CF, dado o desres-

peito à correlação entre o valor da contribuição e a correspondente fonte de custeio.

O relator, Min. Ricardo Lewandowski, adotou o rito do art. 12 da Lei 9.868/1999,

requereu informações das autoridades requeridas e solicitou a manifestação da Advocacia-

Geral da União e o parecer da Procuradoria-Geral da República (peça 32).

A Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul limitou-se a detalhar

o processo legislativo que resultou na aprovação da Lei estadual 5.101/2017 (peça 41).

O Governador do Estado de Mato Grosso apontou a ilegitimidade ativa das entidades

requerentes e defendeu a constitucionalidade da norma ao argumento de que o fato de a Lei

estadual 5.101/2017 ter promovido a desagregação de massa de segurados não conduz de ma-

neira necessária à ilação de desequilíbrio financeiro e atuarial e a prova de tal desequilíbrio

dependeria de matéria fática e reexame de norma infraconstitucional. Assentou inexistir veda-

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ção constitucional à exigência de alíquota de contribuição previdenciária em patamar superior

ao exigido dos servidores federais. Aduziu, por fim, que o simples aumento de 11% para 14%

não configura, por si, efeito confiscatório e que não há progressividade de alíquotas ou des-

respeito ao princípio da anterioridade nonagesimal (peça 59).

A Advocacia-Geral da União manifestou-se pelo não conhecimento da ação e, no

mérito, pela procedência parcial do pedido, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade

dos arts. 4.º a 15 da Lei 5.101/2017, do Estado de Mato Grosso do Sul (peça 62).

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso do Sul (OAB/RS)

foi admitida como amicus curiae (peça 38).

É o relatório.

II

1. Ilegitimidade ativa das entidades requerentes

O Supremo Tribunal Federal entende que o art. 42-§1.º da Constituição preceitua

duas normas: a) o regime previdenciário próprio dos militares, a ser instituído por lei espe-

cífica estadual; b) não contempla a aplicação de normas relativas a servidores públicos civis

para os militares, ressalvada a norma do art. 40, §9.º, da CF (ADO 28/SP, Rel. Min. Cármen

Lúcia, DJe 3.8.2015). Portanto, a Associação Nacional de Entidades Representativas de Policiais

Militares e Bombeiros Militares (ANERMB), por representar militares estaduais, não possui le-

gitimidade para questionar, em ação direta de inconstitucionalidade, a Lei 5.101/2017, do Es-

tado de Mato Grosso do Sul, que disciplina matéria relativa ao regime próprio de previdência

dos servidores públicos civis do Estado, dada a absoluta falta de pertinência temática.

Além disso, a ANERMB não comprovou sua abrangência nacional. A jurispru-

dência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o reconhecimento da legitimidade

ativa ad causam de entidade de classe para ajuizamento de ação direta de inconstitucionali -

dade depende da comprovação da abrangência nacional da requerente. Para tanto, é neces-

sário que a entidade comprove possuir filiados em, pelo menos, nove Estados da Federação,

não servindo para configuração desse requisito espacial a mera declaração formal constante

do estatuto social (ADI 108-QO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 5.6.1992; ADI 4.320-AgR,

Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 14.9.2011, entre outros julgados).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 7

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Quanto à Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), o Supremo

Tribunal Federal alterou sua jurisprudência que reconhecia legitimidade à referida entidade

na condição de entidade sindical de grau máximo (ADI 1.565/PE, Rel. Min. Néri da Silveira,

DJ 17.12.1999 e ADO 5-AgR/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 26.2.2018) para afir-

mar a sua legitimidade somente quando comprovar possuir, entre suas filiadas, pelo menos

três federações sindicais representativas dos servidores pertencentes às carreiras especifica-

mente atingidas pelas normas questionadas em controle concentrado de constitucionalidade

(ADO 46-AgR/ES, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 3.4.2019; ADI 4.302-AgR/MS, Rel. Min. Alexandre

de Moraes, DJe 4.4.2018; ADI 4.852-AgR/RO, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 15.6.2019).

Portanto, as entidades requerentes não possuem legitimidade ativa ad causam para

questionar, em ação direta, a Lei 5.101/2017 do Estado de Mato Grosso do Sul.

2. Inconstitucionalidade por norma infraconstitucional interposta e não ca-

bimento de ação direta quando pendente solução de questão controvertida.

Sustentam os requerentes que a Lei estadual 5.101/2017, ao revogar a lei que pro-

cedeu à segregação de massas (Lei estadual 4.213/2012) e unificar os planos financeiros e pre-

videnciário sem prévia apreciação da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda,

infringiu a vedação do art. 21-§2.º e a exigência formal do art. 25 da Portaria MPS 403/2008.1

Afirmam que o desfazimento da segregação de massas com unificação dos planos financeiro e

previdenciário sem apreciação da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda põe

em risco o equilíbrio financeiro e atuarial do regime próprio de previdência estadual.

As exigências dos arts. 21-§2.º e 25 da Portaria MPS 403/2008, caracterizadas pela

proibição de transferência de recursos entre o plano financeiro e o plano previdenciário e pela

alteração dos parâmetros de segregação da massa sem autorização prévia da Secretaria de Previ-

dência do Ministério da Fazenda, configuram obrigações contidas na Portaria MPS 403/2008,

não decorrentes da lei geral da União editada no exercício da competência legislativa concor-

rente (Lei 9.717/1998). Não há, portanto, afronta ao regime constitucional de repartição de com-

1 "Art. 21. […] §2.º Uma vez implementada a segregação da massa, fica vedada qualquer espécie de transferênciade segurados, recursos ou obrigações entre o Plano Financeiro e o Plano Previdenciário, não se admitindo, também, aprevisão da destinação de contribuições de um grupo para o financiamento dos benefícios do outro grupo.Art. 25. A revisão de plano de custeio que implique em redução das alíquotas ou aportes destinados ao RPPSdeverá ser submetida previamente à aprovação da SPPS e deverá atender, cumulativamente, os seguintes pa -râmetros: […] II - avaliação atuarial indicativa da revisão tenha sido fundamentada em base cadastral atualizada,completa e consistente, inclusive no que se refere ao tempo de serviço e de contribuição anterior dos segurados”.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 8

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petência legislativa, mas mera infringência a normas regulamentares caracterizadoras de in-

constitucionalidade por norma infraconstitucional interposta, não sindicável por ação direta de in-

constitucionalidade (ADI 2.535-MC/MT, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.2003).

Ademais, a Portaria MPS 403/2008 foi revogada pela Portaria 464/2018, a qual,

em seu art. 82 estabeleceu que “os entes federativos que efetuaram, até 31 de maio de 2018,

a revisão da segregação de massa sem aprovação da Secretaria da Previdência poderão

apresentar, para sua análise e parecer, plano de adequação com a constituição de submas-

sas, constituição de fundos ou outros arranjos atuariais, na forma do art. 61”.

Além disso, a observância dos critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atua-

rial pela Lei estadual 5.101/2017 parece ser questão controvertida. Os requerentes afirmam que a

unificação dos planos financeiro e previdenciário coloca em risco o equilíbrio financeiro e atuarial

do sistema para o futuro, enquanto os requeridos defendem que a modificação imposta pela Lei

5.101/2017 não resultou em desequilíbrio financeiro e atuarial, em função das seguintes medidas:

1. O desfazimento da segregação de massas de segurados do MSPREV, com a consequenteunificação dos Planos Financeiro e Previdenciário veio em conjunto com a criação deprevidência complementar: medidas foram apresentadas como forma de equacionamentodo deficit previdenciário, com base em estudos técnicos financeiros e atuariais que apon-tam que a continuidade do regime próprio previdenciário nos moldes atuais acarretariauma evolução do deficit junto ao Plano Financeiro de modo a comprometer o pagamentodos próprios benefícios previdenciários em curto espaço de tempo;

2. A recomposição dos recursos atualmente existentes no Plano Previdenciário está ga-rantida por meio da ampliação da alíquota do recolhimento suplementar a cargo dos Po-deres e Entes, vigente por recolhimento suplementar a cargo dos Poderes e Entes, vigente por75 anos, que passa dos 20% para 23%, e, ainda, com a vinculação à AGEPREV de imó-veis do Estado e de outras fontes de receitas [...], até o valor desses recursos (cf. art. 122 daLei 3.150/2005 com redação dada pela Lei 5.101/2017 e art. 10 da Lei 5.101/2017);

3. Os segurados têm, ainda, a garantia do equilíbrio financeiro e atuarial do regime pormeio da norma constante da proposta que atribui ao Poder Executivo o dever de instituir,por Lei, um “plano de amortização”, com base em estudo a ser elaborado após a fusãodos planos Financeiro e Previdenciário (cf. Art. 10 da Lei 5.101/2017);

4. Majora-se a alíquota da contribuição patronal, inicialmente para 24% e, a partir de maiode 2019, para 25%, bem como impõe aos Poderes e entes que, além dessa contribuição,façam o recolhimento de verba previdenciária suplementar e, ainda, arquem com seusrespectivos déficits previdenciários;

5. A lei impugnada estabelece regra no sentido de que os recursos serão utilizados exclu-sivamente para custeio dos benefícios previdenciários do RPPS, nos exatos limites dos arts.167, XI, da CF e 1.º, III, da Lei 9.717/98, sob pena de responsabilização dos gestores pú-blicos [...];

7. As alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores foram aumentadas nos exatoslimites impostos pelo Governo Federal (11% para a parcela até o teto do FGTS e 14% paraa parcela que superar este teto), cumprindo-se a MP 805/2017 e a Nota Explicativa 09/2017-CGNAL/SRPPS/SPREV/MF;

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 9

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8. A lei estabelece a AGEPREV como a unidade gestora única do MSPREV, cabendo-lhemanifestar-se expressa e previamente à concessão de todo e qualquer benefício previdenciá-rio e garantir-lhe poder fiscalizatório com a criação da Auditoria Previdenciária e do acesso atoda a base contributiva dos servidores, dos Poderes e Entes; […]

10. Fica estabelecida imposição a Poderes e Entidades do Estado que têm superávit que re-passem esses valores à AGREPREV, por meio de guia de recolhimento que será emitida pelaprópria Agência, mensalmente, e, por outro lado, àqueles que são deficitários a lei impõe quecusteiem seus respectivos déficits.

Todavia, não cabe ação direta de inconstitucionalidade quando a matéria constitu-

cional depender da prévia solução de questões controvertidas de fato e de direito. Isso porque

“o controle direto de constitucionalidade das leis pressupõe a exata compreensão do sentido

e alcance das normas questionadas, a qual há de ser possível de obter-se do procedimento

sumário e documental da ação direta. Se, ao contrário, a pré-compreenção do significado da

lei impugnada pende da solução de intricada controvérsia acerca da antecedente situação de

fato e de direito sobre a qual pretende incidir, não é a ação direta a via adequada ao des-

linde da quizila” (ADI 794/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.5.1993).

III

1. Inconstitucionalidade de alíquotas progressivas de contribuição previdenciária.

A Lei 5.101/2017 do Estado de Mato Grosso do Sul, ao alterar a legislação previ-

denciária estadual e instituir a previdência complementar para os servidores públicos estadu-

ais, aumentou a contribuição previdenciária de 11% para 14% sobre o valor que exceder o limite

máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), nos

mesmos moldes da MP 805, de 30 de outubro de 2017. Veja-se a redação dada pela lei questi-

onada ao art. 22 Lei estadual 3.150/2005:

Art. 22. Os segurados ativos e inativos e os pensionistas contribuirão para o MSPREV, men-salmente, nos percentuais abaixo estabelecidos, incidentes sobre a respectiva remunera-ção de contribuição:

I - 11% (onze por cento) sobre a parcela da base de contribuição cujo valor seja igual ouinferior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de PrevidênciaSocial (RGPS); e

II - 14% (quatorze por cento) sobre a parcela da base de contribuição cujo valor seja su-perior ao limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de PrevidênciaSocial (RGPS).

§1.º A contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo MSPREVincidirá sobre a parcela que superar o limite máximo estabelecido para os benefícios doRegime Geral de Previdência Social (RGPS).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 10

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§2.º A contribuição prevista no §1.º deste artigo incidirá apenas sobre as parcelas de pro-ventos de aposentadoria e de pensão que superem o dobro do limite máximo estabelecidopara os benefícios do regime geral de previdência social, quando o beneficiário for porta-dor de doença incapacitante.

O Supremo Tribunal Federal, na direção do decidido na ADI 2.010-MC/DF, possui

firme jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade da fixação de alíquota progressiva para

contribuição previdenciária de servidor público, o que depende de expressa autorização constitu-

cional, inexistente no caso, e por afrontar o princípio da vedação à utilização de tributo com

efeito de confisco (ADI 2.010-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 12.4.2002; RE 346.197-

AgR/DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 12.11.2012; RE 581.500-AgR/PR, 2.ª Turma,

Rel. Min. Ayres Britto, DJe 16.5.2011, entre outros julgados).

O Supremo Tribunal Federal, ao deferir medida cautelar na ADI 5.809/DF, as-

sentou a inconstitucionalidade de idêntico sistema de alíquotas progressivas de contribuição

previdenciária, objeto da Medida Provisória 805/2017 (ADI 5.809-MC/DF, Rel. Min. Ricardo

Lewandowski, DJe 1.º.2.2018).

A inconstitucionalidade apontada em relação à fixação de alíquotas progressivas

de contribuição previdenciária não sofreu alterações com as EC 41/2003 e 47/2005. Embora

a EC 41/2003 tenha explicitado a necessidade de observância ao princípio da solidariedade no

regime previdenciário dos servidores públicos (ADIs 3.105/DF e 3.128/DF, Rel. Min. Ellen

Gracie, DJ 18.2.2005), não afastou a relação de retributividade e proporcionalidade entre

custeio e benefício ditada pelo art. 195-§5.º da CF (caráter contributivo-retributivo). Pelo contrário,

deu exata feição a essa correlação, ao determinar o cálculo dos proventos de aposentadoria a

partir da remuneração utilizada como base de cálculo para as contribuições (CF, art. 40-§3.º), até

o limite estipulado pelo §2.º do art. 40 da Constituição.

Daí a afirmação do Ministro Roberto Barroso de que “o princípio da solidarie-

dade se presta a universalizar o âmbito de potenciais contribuintes, mitigando a referibili -

dade que é própria das contribuições. Não se presta o referido a legitimar distorções na

base de cálculo das contribuições, as quais, no intuito desmedido de arrecadar, acarretam

o desvirtuamento da natureza retributiva que deve marcar os regimes de previdência”

(ARE 669.573-AgR/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 16.3.2016).

A elevação da alíquota da contribuição previdenciária, com sistemática de pro-

gressividade, de 11% para 14% sobre o que exceder o limite máximo dos benefícios do RGPS,

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 11

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possui, conforme apontado nas informações do Governador do Estado de Mato Grosso do Sul,

nítido caráter arrecadatório e não se liga a incremento em futuros benefícios de segurados. Há,

pois, incompatibilidade do art. 22 da Lei estadual 3.150/2005, na redação conferida pela Lei es-

tadual 5.101/2017, com os arts. 40-§§2.º e 3.º, 150-IV e 195-§5.º da Constituição.

2. Competência legislativa da União para dispor sobre normas gerais.

A Constituição, ao disciplinar o pacto federativo, conferiu à União, a Estados e ao

Distrito Federal competência legislativa concorrente em matéria de previdência social (CF,

art. 24-XII e §§1.º e 2.º). A repartição de competência legislativa dos entes federativos norteia-se

pelo princípio da predominância do interesse. Cabe à União, no que concerne à previdência so-

cial, editar normas gerais que busquem padronização nacional e, aos Estados e Distrito Federal,

legislar de forma supletiva ou complementar, desde que observadas regras gerais federais.

Com base na competência concorrente do art. 24-XII da CF, a União editou a Lei

9.717/1998, que dispõe sobre regras gerais para a organização e funcionamento dos regimes

próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Fe-

deral e dos Municípios, assim como dos Militares dos Estados e do Distrito Federal. Entre as

suas normas gerais, estabeleceu que “a contribuição da União, dos Estados, do Distrito Fe-

deral e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de pre-

vidência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da

contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição”.

No entanto, o art. 23 da Lei estadual 3.105/2005, com a redação da Lei 5.101/2017,

aumentou a alíquota da contribuição patronal do RPPS de 22% para 24% e, a partir de maio

de 2019, para 25%. A norma estadual, por conseguinte, transgrediu o art. 2.º da Lei 9.717/1998

que, embora diga respeito à contribuição do servidor público ativo, está relacionado, em propor-

ção direta, com o percentual da alíquota aplicado. É que a inconstitucionalidade do sistema

progressivo de alíquotas da contribuição previdenciária implica o não atendimento, pela lei esta-

dual, da norma geral prevista no art. 2.º da Lei 9.717/1998, uma vez que, incidindo a alíquota

de 14%, poderia ser exigida contribuição patronal de até 28%. Em que pese o art. 23-§3.º da Lei

estadual 3.105/2005, com redação da Lei 5.101/2017, afirme que a contribuição patronal do RPPS

deverá observar o limite máximo estabelecido pelo art. 2.º da Lei 9.717/1998, há clara extrapola-

ção do limite máximo definido pela norma geral de competência da União.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 12

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Consideradas as normas de repartição de competência legislativa, não pode lei esta-

dual dispor, fora das peculiaridades locais e de sua competência suplementar, contrariamente ou

sobre normas próprias da lei geral, sob pena de inconstitucionalidade por invasão da competência

legislativa da União. Daí afirmarem doutrinariamente Paulo Gonet e Gilmar Mendes que a com-

petência legislativa suplementar estadual se restringe ao aperfeiçoamento das normas gerais

editadas pela União e que não cabe “falar em preenchimento de lacuna quando o que os Es-

tados ou Distrito Federal fazem é transgredir lei federal já existente”.2

Registre-se, por fim, que o Supremo Tribunal Federal tem declarado a inconstitucio-

nalidade de leis estaduais que contrariem ou tratem de matéria própria de normas gerais, pois

“a edição, por determinado Estado-membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios míni-

mos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende, de modo

direito, o texto da Carta Política” (ADI 2.903/PR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 19.9.2008).

É, por conseguinte, inconstitucional o art. 23 da Lei estadual 3.105/2005, com a

redação dada pela Lei estadual 5.101/2017.

IV

Ante o exposto, opina o Procurador-Geral da República pelo não conhecimento da

ação direta ou, caso superada a preliminar de ilegitimidade ativa das entidades requerentes, pelo

parcial conhecimento desta e, nesta extensão, pela procedência do pedido.

Brasília, 19 de setembro de 2019.

Alcides MartinsProcurador-Geral da República

PC

2 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2011, p. 853.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.843/MS 13

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