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MURK

AGOSTINHO TORRES

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CRÉDITOS

Autor: Agostinho Torres

Foto da Capa: Ali Yahya

Edição da Capa: Agostinho Torres

_____________________________________

Murk – 1ª Edição

Copyright 2019 – Agostinho Torres

Todos os direitos reservados

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RECADO DO AUTOR

O texto que você lerá é fruto de anos de trabalho de um autor independente. A escrita, as

diversas revisões, a construção da capa e até mesmo a feitura do ebook nos mais variados

formatos, foi tudo feito pela mesma pessoa. Nunca será perfeito, erros são inevitáveis até em

grandes editoras, mas em termos formais e sem dinheiro, esse é o melhor que eu posso

entregar.

Caso você goste da leitura visite o meu site (www.agostinhotorres.com), conheça outros

trabalhos, indique a obra nas suas redes sociais e, principalmente, se lembre de avaliar e

escrever uma análise nas lojas virtuais. A relação direta com o leitor é a única ferramenta de

divulgação de um autor independente, então ajude, não apenas leia e esqueça.

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porque baixou ilegalmente (o que tudo bem, também faço isso às vezes), considere comprar

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Se for algo mais profissional, sugiro usar o formulário do site.

Abraços

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Murk

- Como você me encontrou? – perguntou irritadamente o homem enquanto dava goles

no líquido transparente do copo.

Parada diante daquela figura misteriosa, a garota se esforçou para permanecer calma.

Com o copo de volta na mesa, o homem o preencheu mais uma vez com a água da jarra que

estava ao lado de sua calejada mão esquerda.

- Não foi difícil, você deixa muitos rastros – ela respondeu pausadamente. – E as

pessoas não parecem te levar muito a sério, elas acham que você é louco.

- E quem disse que não sou louco? – o homem se contrapôs abruptamente. Ele olhava

para frente, no intuito de evitar o contato visual com a garota. – Tive algumas passagens pelo

Meduna1 nos anos 80, não posso dizer que estão enganados ao me chamarem de louco -

decorrido algum tempo ele levou o copo novamente a boca e, enquanto dava alguns goles, de

soslaio tentou analisar a reação da interlocutora.

A moça esboçou um sorriso amarelo e pavoroso. Seus lábios finos estavam cobertos

por uma leve camada de batom rosa que a fazia parecer bem mais nova do que era. Pensativa,

com o corpo pendendo para um dos lados por se apoiar demais em apenas uma das pernas, ela

se deu conta de que talvez estivesse sendo testada.

- Eu não acredito que você seja louco. Não depois das coisas que vi – a moça

finalmente tomou coragem, puxou uma das cadeiras e sentou-se do outro lado da mesa.

Não havendo reação do sujeito, ela posicionou sua bolsa de colo de cor marrom em

cima da mesa e retirou dela um bloco de notas, no qual imediatamente começou a escrever.

1 Hospital Psiquiátrico existente na cidade de Teresina.

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Os dois permaneceram calados por algum tempo. O homem estudava a fisionomia da

mulher, fazendo registros mentais de suas características e buscando alguma compatibilidade

com inimigos do passado. Ela, por outro lado, também fazia suas próprias anotações e chegou

a conclusão de que ele possuía por volta de 50 e poucos anos, embora o rosto emanasse bem

mais jovialidade.

- Eu tenho 52 anos. Pode anotar aí – disse o homem se recostando na cadeira e abrindo

mais espaço entre os dois.

- Como você... – ela começou a falar quando foi interrompida.

- Olha cara – ele chamava todo mundo de cara, não importava de qual sexo a pessoa

fosse – você não vai ouvir de mim um “O que foi que você viu?” e depois conversas

agradáveis. Eu trabalho sozinho. Não quero saber do que você está atrás, cada um com seus

problemas.

- Richard Ruan Quinanque.

Ao ouvir essas palavras o homem deu um gole abrupto na água e se calou, sua

expressão se fechou ainda mais, transparecendo algo de rancor. Agora seus olhos estavam

penetrantes e fixos.

- Alguma prova? – ele perguntou, retomando o diálogo sucintamente.

- É por isso que estou aqui. Vi muita coisa, mas não consegui nenhuma evidência.

- Isso não é apenas uma matéria de jornal, garota. Você não vai poder apenas postar no

seu blog, portal ou o que quer que seja, e depois seguir em frente como se nada tivesse

acontecido. Você realmente sabe onde está se metendo? Tem noção de em que tipo de

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vespeiro está enfiando a mão? Eu aguento as bordoadas, tenho aguentado por décadas, será

que você também aguenta?

- Posso parecer, porém não sou boba – ela afirmou convicta. - Se eu fosse uma idiota

não teria chegado até você.

- Às vezes os idiotas chegam mais longe do que deveriam – augurou o homem.

- Se for para duvidar de minha capacidade investigativa é melhor não trabalharmos

juntos mesmo – retrucou a moça, olhando para os lados num ensaio de movimento para sair

da mesa.

- Fique – interveio o homem, colocando a palma sobre a mão da garota, que já

apanhava a bolsa. – Não é todo dia que encontro alguém que sabe desse nome. Se você tiver

realmente certeza de que sabe onde está se metendo, me diga tudo do início. O que foi que

você viu?

- Eu sei onde estou me metendo – ela largou o bloco de notas, respirou fundo e

começou seu relato.

***

Tudo começou quando pediram que eu fizesse uma matéria sobre os quatro anos do

suicídio da Carla Claro. Você deve se lembrar do caso, até hoje muita gente duvida dos laudos

da Polícia Federal e da estranha cobertura midiática realizada na época. Por isso, desde que o

chefe da redação me mandou fazer essa matéria, eu sabia que seria um trabalho complicado,

só não imaginava que chegaria a situações tão absurdas assim.

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Segundo a polícia, Carla Claro dirigiu bêbada até a obra do novo prédio da Justiça

Federal, subiu até o vigésimo quinto andar, escalou o parapeito e se jogou de lá. A motivação

do “suicídio”? Nunca foi esclarecido.

Na época uma pessoa, que por causa de boatos se tornou suspeito, chegou a ir à TV

para se defender das acusações e contratou para sua defesa o advogado Roberto Marov,

conhecido como “livra bacana”, um sujeito que só atende a alta elite da política nacional. Por

qual motivo alguém inocente, que não havia sido oficialmente indiciado pela polícia, ficaria

tão incomodado com boatos a ponto de ir para a TV se defender e contratar um dos

criminalistas mais eficientes e de caráter mais duvidoso do Brasil?

Comecei a me fazer esse tipo de pergunta. E embora o laudo da Polícia Federal se

esforçasse para parecer coerente, podemos dizer que é tão científico quanto uma HQ da

Marvel. Como seria possível para uma garota bêbada chegar sozinha no vigésimo quinto

andar daquele prédio ainda em construção, se a própria agente da Polícia Federal, que tem um

melhor preparo físico e experiência em campo, teve dificuldades de repetir o mesmo percurso

no exame que deu origem ao laudo?

Na minha investigação, descobri que havia um vigia noturno que afirmou ter visto

alguém acompanhando a garota até a obra. O vigia misteriosamente se calou pouco tempo

depois de cessarem os boatos que colocavam o filho de um influente político da cidade como

suspeito do crime. Ele desmentiu sua própria fala e passou a ser difícil de encontrar, até que

por fim sumiu de vez.

A família da vítima sabia que ela tinha laços com o filho desse político, a mãe dela

chegou a afirmar que a sociedade teresinense ficaria chocada quando a polícia, ainda na noite

do funeral, fosse divulgar numa coletiva de imprensa os principais suspeitos. O anúncio da

policia nunca ocorreu e inexplicavelmente a família da pretensa suicida também se calou.

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Quem seria poderoso o suficiente para calar um vigia, uma família de classe média, a polícia e

a mídia?

Havia um clima muito estranho nos jornais daqueles dias, na pesquisa documental que

realizei no Arquivo Público, foi possível constatar o silêncio imposto nas manchetes dos

impressos e nas gravações que restaram dos programas de TV. No entanto há um programa da

TV Centro Norte, anterior a essa onda de silêncio, em que o apresentador afirma que Carla

Claro foi morta porque havia gravado um vídeo sigiloso do filho de um político poderoso. No

tal vídeo teriam sido registradas cenas de sexo homossexual do suspeito com um de seus

primos. Quando o rapaz ficou sabendo do ocorrido a perseguiu e matou, sendo essa a

motivação de toda a ação. O apresentador afirmou até que a polícia tinha apreendido um HD

com tal conteúdo.

Em nenhum momento o nome do rapaz chegou a ser mencionado diretamente, apesar

dele mesmo ter feito aparições públicas desmentindo os “boatos”. O silêncio que se abateu

posteriormente na mídia não era por precaução, alguém muito influente estava emudecendo

todos os escalões de poder.

A polícia de alguma forma também estava envolvida, havia uma conspiração e

provavelmente muita grana para movimentá-la. Chequei com a minha fonte dentro da

corporação civil, um policial chamado Maxwell. Ele não disse muito, entretanto confirmou

minhas suspeitas de que a polícia estava dando cobertura para alguém. Ele também me alertou

que era melhor eu ficar longe, que eu estaria fodida se não deixasse aquela história enterrada

no passado distante.

Foi difícil e demorou um pouco, contudo encontrei Marcos Neto Costa, o tal vigia

daquela fatídica noite. Quando citei Carla Claro pela primeira vez, ele me olhou atônito e

ficou paralisado. Lhe contei todas as minhas dúvidas e hipóteses, e por algum milagre ele

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resolveu me dizer o que viu. Talvez sua consciência estivesse pesando, ele parecia ser uma

ótima pessoa envolvida numa situação que fugia ao seu controle.

Segundo o vigia, Carla Claro não chegou sozinha e nem com apenas uma pessoa ao

prédio em construção, como a mídia chegou a noticiar que ele havia dito em depoimento. Ela

estava acompanhada de um grupo estranho e aterrorizante de pessoas. Todos vestiam batinas

negras e seguravam uma vela entre as mãos, enquanto diziam repetidamente a frase “Richard

Ruan Quinanque”. Ele afirma que Carla Claro estava radiante e rodopiava como se estivesse

dançando com o ar, a imagem dela feliz no meio daqueles homens exóticos nunca saiu da sua

cabeça. Ele chegou a falar disso com os primeiros policiais que o interrogaram, porém eles o

aconselharam a mudar a história e dizer que não havia visto nada anormal naquela noite.

Marcos entendeu a ameaça e fechou o bico, pois, como diz o ditado popular, peixe pequeno

não morde rabo de tubarão.

E, além do mais, não era para ele estar lá naquela noite, foi trabalhar como substituto

porque naquela manhã o outro vigia acabou sofrendo um acidente e foi hospitalizado. O nome

do outro vigia, o homem que deveria de fato estar vigiando o prédio naquela noite, era Onofre

Medeiros Silva. Fazendo uma busca pelo paradeiro dele acabei me deparando com o seu

obituário. No obituário dizia que ele era uma pessoa honesta que teve a vida encurtada por um

acidente de trânsito. Comparei as datas e ele morreu duas semanas após o suicídio de Carla

Claro. Procurei a família e ninguém se dispôs a me atender, não sei dizer se ele morreu em

decorrência do acidente anterior ou de novo acontecimento.

Para tornar a história mais tensa ainda, dois dias depois do nosso encontro Marcos, o

vigia que estava trabalhando no dia da morte da garota, morreu de causas naturais. Parecia

coincidência demais e todas as pontas soltas tiravam o meu sono.

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Eu queria completar o quebra-cabeça, saber o que aconteceu. Pesquisei na internet

quem ou o quê seria Richard Ruan Quinanque. Está claro para mim que é uma pessoa ou frase

que pode me levar ao esclarecimento da morte de Carla Claro, mas não me deparei com nada

relevante.

Certo dia eu recebi um telefonema de número desconhecido, a voz estava modificada

por algum tipo de aparelho. A voz alterada era horrível, um grave que retumbava no ouvido e

causava calafrios. A pessoa disse que era o último aviso, que eu deveria deixar a matéria de

lado e seguir em frente na minha vida ou sofreria as consequências terríveis da minha

curiosidade.

Depois dessa ligação notei alguns chiados no meu celular e no meu telefone

residencial. Foi então que parei de usá-los e só acessava o computador para falar besteira ou

ler notícias distantes. Não falava desse caso em nenhum meio que pudesse ser interceptado,

dava até pistas falsas em conversas com amigos, dizendo que tinha perdido o trabalho de

semanas porque minhas pistas não haviam me levado a lugar algum. Meu objetivo era

despistar quem quer que fosse que estivesse me vigiando e continuar a escrever a matéria na

ponta da caneta.

Fui novamente atrás do meu informante na polícia. Maxwell é um rapaz confiável, ele

só passou a me dar informações sigilosas quando acreditou que eu tinha alguma pretensão de

justiça social com o meu jornalismo. Foi ele que me disse sobre você, falou que conhecia um

cara que vivia investigando de maneira independente os casos bizarros que aconteciam pela

cidade. Ninguém na polícia gosta de ti, mas ele particularmente acredita que você faz algo

para conter seja lá o que for que acontece por aí. Maxwell acredita realmente que você

enfrenta forças ocultas, por assim dizer, e mantém a cidade protegida do que a polícia não é

capaz.

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E aqui estou eu, seguindo a última e desesperada pista que restou do caso Carla Claro.

Me sinto um pouco idiota apelando para alguém que é conhecido por ser um ocultista maluco,

mas não tenho muitas opções no momento e estou disposta a tudo pra chegar até o fim disso.

***