mulheres sindicalistas em pelotas: participaÇÃo, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio...

12
1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, RELAÇÕES E POLÍTICAS DE GÊNERO NAS ENTIDADES Liana de Vargas Nunes Coll [1] Resumo: O artigo tem como finalidade analisar a participação de mulheres na direção de entidades de classe na cidade de Pelotas. Uma das motivações parte do fato de que, no ano de 2016, as atividades políticas no espaço público do município foram em boa parte protagonizadas pelas sindicalistas. Através de entrevistas semiestruturadas e em profundidade visamos mapear as relações e as políticas de gênero em três sindicatos pelotenses (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas - seção sindical do ANDES-SN, Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas e Sindicato dos Servidores Municipais do Saneamento Básico de Pelotas). Tendo em vista que a inserção no mundo do trabalho para parte significativa das mulheres é recente e a participação nas entidades de classe foi condicionada à autorização de homens, buscamos compreender como essas militantes sindicais inserem-se nos sindicatos e como são as relações entre os pares dirigentes. O artigo aponta que em algumas ocasiões existem empecilhos e desconfianças relacionados ao fato destas militantes serem mulheres. Também mostra as dificuldades relacionadas às duplas e terceiras jornadas que estas mulheres realizam. No entanto, a presença feminina nas direções dos sindicatos vem crescendo e políticas de gênero gradualmente vêm sendo inseridas nas entidades. Palavras-chave: Sindicatos. Mulheres. Gênero. Em 1917, cem anos atrás, um grupo de tecelãs operárias pelotenses aderia à greve geral em curso no Brasil, iniciando um movimento paredista que perdurou além da mobilização nacional. Sem apoio de categorias de trabalhadores homens, tampouco da Comissão de Defesa Popular, intermediadora que acatou o argumento patronal de que era impossível o aumento de salários, saíram às ruas, entoando músicas e coletando dinheiro. A mobilização acontecia no contexto da República Velha, em que mulheres operárias recebiam aproximadamente 44% a menos que homens pelo mesmo posto de trabalho, no Brasil (Loner, 2001). Nestes 100 anos, as relações laborais mudaram. Principalmente entre 1960 e 1970, foi evidente o alargamento do mercado de trabalho para as mulheres e a inserção das pautas do movimento feminista na sociedade. Diversas transformações que, gradualmente, conduziram a um gradual avanço da equidade de gêneros. Se antes o trabalho feminino era restrito a alguns setores, mais manuais, e em ambientes desconsiderados como força de trabalho, como o doméstico, hoje as mulheres ocupam variados postos, inclusive aqueles com mais qualificação, o que também é resultado da reivindicação pela educação, pauta cujo resultado aponta hoje para as mulheres como parcela da população que mais tem anos de estudo no Brasil. Em relação à força de trabalho feminina, cabe

Upload: trandung

Post on 11-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

1

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO,

RELAÇÕES E POLÍTICAS DE GÊNERO NAS ENTIDADES

Liana de Vargas Nunes Coll[1]

Resumo: O artigo tem como finalidade analisar a participação de mulheres na direção de entidades

de classe na cidade de Pelotas. Uma das motivações parte do fato de que, no ano de 2016, as atividades

políticas no espaço público do município foram em boa parte protagonizadas pelas sindicalistas.

Através de entrevistas semiestruturadas e em profundidade visamos mapear as relações e as políticas

de gênero em três sindicatos pelotenses (Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas

- seção sindical do ANDES-SN, Sindicato dos Servidores da Universidade Federal de Pelotas e

Sindicato dos Servidores Municipais do Saneamento Básico de Pelotas). Tendo em vista que a

inserção no mundo do trabalho para parte significativa das mulheres é recente e a participação nas

entidades de classe foi condicionada à autorização de homens, buscamos compreender como essas

militantes sindicais inserem-se nos sindicatos e como são as relações entre os pares dirigentes. O

artigo aponta que em algumas ocasiões existem empecilhos e desconfianças relacionados ao fato

destas militantes serem mulheres. Também mostra as dificuldades relacionadas às duplas e terceiras

jornadas que estas mulheres realizam. No entanto, a presença feminina nas direções dos sindicatos

vem crescendo e políticas de gênero gradualmente vêm sendo inseridas nas entidades.

Palavras-chave: Sindicatos. Mulheres. Gênero.

Em 1917, cem anos atrás, um grupo de tecelãs operárias pelotenses aderia à greve geral em

curso no Brasil, iniciando um movimento paredista que perdurou além da mobilização nacional. Sem

apoio de categorias de trabalhadores homens, tampouco da Comissão de Defesa Popular,

intermediadora que acatou o argumento patronal de que era impossível o aumento de salários, saíram

às ruas, entoando músicas e coletando dinheiro. A mobilização acontecia no contexto da República

Velha, em que mulheres operárias recebiam aproximadamente 44% a menos que homens pelo mesmo

posto de trabalho, no Brasil (Loner, 2001).

Nestes 100 anos, as relações laborais mudaram. Principalmente entre 1960 e 1970, foi

evidente o alargamento do mercado de trabalho para as mulheres e a inserção das pautas do

movimento feminista na sociedade. Diversas transformações que, gradualmente, conduziram a um

gradual avanço da equidade de gêneros. Se antes o trabalho feminino era restrito a alguns setores,

mais manuais, e em ambientes desconsiderados como força de trabalho, como o doméstico, hoje as

mulheres ocupam variados postos, inclusive aqueles com mais qualificação, o que também é resultado

da reivindicação pela educação, pauta cujo resultado aponta hoje para as mulheres como parcela da

população que mais tem anos de estudo no Brasil. Em relação à força de trabalho feminina, cabe

Page 2: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

2

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

salientar que, para as mulheres negras, o trabalho menos valorizado, muitas vezes exercido nas ruas,

nunca foi exceção. Registros como de Risério (2015) apontam mulheres negras nas ruas exercendo a

venda de quitutes, e executando serviços como o de lavadeiras, entre outros. Já para as brancas,

especialmente as de classe média e alta, o trabalho fora do ambiente doméstico inicia mais tarde,

sendo inclusive a inserção no mercado pauta de reivindicação do movimento feminista.

Mais espaço no mercado de trabalho, mais participação nas entidades de classe: indagações e

método

“No Brasil, é possível perceber a participação feminina nos

movimentos sociais desde o movimento abolicionista. [...] Embora

as mulheres fossem grande parte da classe trabalhadora, nesse

momento elas não eram bem vindas nos sindicatos e as que

participavam eram taxadas de ‘mau amadas’ ou de prostitutas. Por

parte da sociedade em geral eram tratadas como “mocinhas

infelizes e frágeis” (LIMA, 2008, p. 12-13)

Conforme aponta a pesquisadora Luana Lima, poucas pessoas levavam em conta mulheres

que figuraram importantes papéis na história social e operária brasileira, ainda que seja inegável sua

participação no movimento operário e sindical brasileiro, inclusive em momentos-chave como na

greve geral de 1917, já citada anteriormente. E, se houve alargamento da inserção da mulher no

mercado de trabalho, não seria difícil notar que a condução das entidades de classe aos poucos

passasse também a ser dirigida por mulheres. Entretanto, como aponta Michelle Perrot (2007, p. 151),

a fronteira da atuação política é a barreira mais difícil de transpor para as mulheres, já que é “o centro

da decisão e do poder”. E, sendo os sindicatos entidades permeadas de embates políticos e de

concepções de sociedade, cabe perguntar como a participação política das militantes acontece dentro

dessas instituições.

Nesse contexto, também é relevante questionar: se há espaços sindicais ocupados por

mulheres, como elas se articulam para serem respeitadas enquanto trabalhadoras e até que ponto são

elas admitidas na orientação política e condução da organização? Como pondera Mary Garcia Castro

(1995, p. 31), normalmente as mulheres “são apreciadas como grandes companheiras de luta, o que

não significa que sejam admitidas como companheiras no poder”. Partindo dessa afirmação, e de uma

Page 3: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

3

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

lacuna nos estudos acerca de mulheres sindicalistas[2]², a participação política destas e as relações de

gênero entre os pares dirigentes é um fato motivador para o presente artigo. Se no espaço sindical é

comum a disputa pelo “grito”, e a aceitação da fala pública à mulher é uma conquista recente e ainda

em consolidação, perceber como se conformam as disputas e a legitimação pelo espaço de

interlocução serve como um gancho às análises da inserção política da mulher dentro das instituições.

Ainda, no mundo moderno, o mercado, junto ao Estado, alcançam os dois campos de maior

legitimação na sociedade. O trabalho e a organização dos trabalhadoras/es, nesse sentido, são chaves

para a compreensão da sociedade, que se organiza majoritariamente em relação à produção derivada

do trabalho.

Para observar o protagonismo das mulheres sindicalistas em Pelotas, formulamos uma

entrevista semiestruturada, cujo local de aplicação foi, para as três entrevistadas, a sede da instituição

à qual estão ligadas. Em relação à interpretação, utilizou-se o método de Análise de Conteúdo

formulado por Pierre Bardin. A técnica utiliza um conjunto de procedimentos metodológicos

aplicáveis a discursos diversificados. É um bom instrumento, conforme Bardin (1977, p. 137), “para

se investigarem as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou

indicadores; referências no texto)”.

Em relação à escolha das entrevistadas, buscamos lideranças que encabeçam as entidades de

classe em Pelotas. Foi feito um convite e as três primeiras a aceitarem foram Celeste Pereira dos

Santos, presidenta da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas (ADUFPel) –

Seção Sindical do ANDES-SN até junho de 2017; Maria Tereza Fujii, atual coordenadora geral da

Associação dos Servidores da UFPel (ASUFPel) e Rosemeri Santos, atual vice-presidenta do

Sindicato dos Servidores Municipais em Saneamento Básico de Pelotas (Simsapel).

O artigo está estruturado da seguinte forma: primeiro, traçamos um breve panorama dos

estudos acerca do sindicalismo, ainda que o objetivo não seja discutir os formatos e a história deste

movimento. Após, esquematizamos um pequeno perfil das mulheres entrevistadas, abarcando suas

trajetórias. Em seguida, partimos para a análise, com foco na observação das relações de gênero nos

sindicatos, inserção da pauta feminista nas entidades, dificuldades enfrentadas pelo fato de serem

mulheres sindicalistas. Ressaltamos que este é um estudo inicial e que diversas outras questões que

apareceram no trabalho de campo ficaram de fora e serão abordadas em futuros trabalhos.

Page 4: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

4

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Em alguns pontos da análise, ocultamos a autoria do relato para preservar as entrevistadas.

Apesar de as sindicalistas terem consentido com a divulgação e análise dos dados, julgamos

importante resguardá-las de constrangimentos possíveis. O relevante para a pesquisa é mostrar a

atuação das militantes e as relações de gênero que atravessam suas trajetórias e práticas.

Sindicalismo e mercado

O estudo do sindicalismo atualmente deve estar alinhado ao que pesquisadoras/es da área

chamam de “novo sindicalismo”. A derivação surge da reestruturação das entidades de classe após o

regime ditatorial entre 1964-1985, e em um contexto de um mundo de trabalho estruturado, resultado

da expansão capitalista nos anos 1960/1970. As organizações sindicais, depois de anos de intensa

repressão e tentativas de dissolução da organização da classe trabalhadora por parte dos militares e

empresários que conduziram a ditadura, começam a reorganizar-se no fim da década de 1980. Neste

período, já era evidente o alargamento das mulheres no mercado de trabalho. Aliás, desde o século

XIX esse alargamento acontecia. Mas, “embora as mulheres fossem grande parte da classe

trabalhadora, nesse momento elas não eram bem-vindas nos sindicatos” (Lima, 2008, p. 7).

Importante para compreender a inserção das mulheres nas entidade de classe é a reflexão sobre

um “sujeito único” e homogêneo na classe trabalhadora. Na consolidação das entidades de classe no

Brasil, em meados do século XX, era presente essa concepção, o que significaria uma homogeneidade

da classe operária. Isso, contribuiu muito para que se visse a luta das mulheres como “específica”,

fato que parece perdurar hoje ainda no interior de entidades de classe, mesmo com sua reestruturação,

contribuindo para as discriminações e dificuldades de enxergar a mulher como ser coletivo. Conforme

Costa (2004, p 110), é comum na literatura sobre o movimento operário a retratação da classe

trabalhadora como homogênea, assexuada, sem distinção de idade, cor e “como se todos os operários

fossem homens, brancos, adultos e expostos de igual forma às relações de produção. Debate próximo

do qeu faz a pesquisadora Elizabeth Lobo.

Na emergência dos sujeitos coletivos, as imagens universais foram reconstruídas,

introduzindo as desigualdades sociais e as diferenças, freqüentemente tratadas como

‘especificidades’. Sabe-se que o termo ‘específico’, mesmo utilizado para qualificar as

reivindicações das mulheres, supõe uma universalidade neutra que se oporia ao feminino.

Tais foram os discursos sobre os movimentos e, muitas vezes, dos próprios movimentos

(LOBO, 1991, p. 5).

Page 5: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

5

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Sobre o mundo do trabalho, atualmente, como aponta Ricardo Antunes (2001, p.17), as

transformações no campo laboral atravessam o que se chama de crise estrutural do capital. Dentro

desta lógica, o capitalismo tende a acender sua face mais cruel. Assinalando as transformações no

mundo do trabalho, Antunes (2001, p. 24) cita a absorção do trabalho feminino nos postos mais

precarizados. As mudanças levam ao que chama de uma classe trabalhadora mais heterogênea e

complexificada,

Ao contrário, entretanto, daqueles que defendem o ‘fim do papel central da classe

trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem

de século, é soldar os laços de pertencimento de classe existentes entre os diversos segmentos

que compreendem o mundo do trabalho. E, desse modo, procurando articular desde aqueles

segmentos que exercem um papel central no processo de criação de valores de troca, até os

que estão mais à margem do processo produtivo, mas, pelas condições precárias em que se

encontram, constituem-se em contingentes sociais potencialmente rebeldes frente ao capital

e às suas formas de (des)sociabilização” (ANTUNES, 2001, p. 26)

Em relação à luta das mulheres nos sindicatos especificamente, em consonância com Castro

(2001, p. 259), podemos dizer que as sindicalistas lutam para além de suas vulnerabilidades, pois se

colocam enquanto sujeitos de classe. São lutas que conformam uma transversalidade, uma intersecção

entre classe e gênero, já que a mulher não se faz “somente na relação capital e trabalho”. A mulher

encara lutas próprias, sendo um dos motivos as duplas e triplas jornadas, não remuneradas, as quais

são há pouco tempo reconhecidas como socialmente produtivas e válidas (Lima, 2008, p.3).

Celeste Pereira dos Santos – O homem tem o papel de historicamente produzir a violência

Presidenta da ADUFPel-SSind de 2013 a 2017, Celeste é graduada e tem doutorado em

Enfermagem. Tem duas filhas, 52 anos e é solteira. Começou sua militância sindical ainda como

estudante, sendo liderança estudantil em Diretório Acadêmico e Diretório Central dos Estudantes.

Quando foi enfermeira no município, durante 20 anos, engajou-se no Sindicato dos Municipários de

Pelotas, embora não tenha ocupado direção executiva na entidade. No início de carreira, atuou como

enfermeira na área rural, quando funcionária de sindicato de trabalhadores rurais. Já quando era

enfermeira em rede hospitalar, protagonizou a primeira greve dos hospitais privados de Pelotas. Em

relação à pauta das mulheres, nunca teve atuação direta em movimentos exclusivamente feministas.

Porém, enquanto enfermeira de unidades de saúde, participou da organização de apoio a grupos de

mulheres camponesas, com foco em violência de gênero. Sua área é a da saúde da mulher e saúde

Page 6: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

6

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

mental. Engajou-se, desde 2015, na construção unitária entre movimentos sindicais e sociais para a

construção de atividades do 8 de março.

Maria Tereza Fujii – “O homem tem muita dificuldade com uma mulher em cargo de

poder”

É coordenadora geral da ASUFPel-Sindicato, entidade dos servidores técnico-administrativos

em educação da Universidade Federal de Pelotas, desde 2013. Maria Fujii tem 60 anos, mãe de dois

filhos, divorciada, é militante no sindicato desde sua constituição, na década de 1970. Atuou durante

o período de ditadura, sendo inclusive chamada a depor na Polícia Federal sobre suas atividades

políticas. Formada em Gestão Pública – Tecnólogo recentemente, tem experiência com informática,

sendo uma das poucas mulheres a trabalhar com tecnologia na época da implementação da internet

na UFPel. Não milita em movimentos feministas.

Rosemeri Santos – “Quando eu falo, por mais argumentos que eu tenha, não tem o mesmo

poder do que quando o companheiro fala”

É vice-presidenta do Sindicato dos Servidores Municipais em Saneamento Básico de Pelotas

(Simsapel) desde 2009, data em que ingressou na militância no movimento sindical. Mãe de três

filhas, Rosemeri Santos tem 50 anos. Cursa Matemática na UFPel. É filiada ao Partido dos

Trabalhadores (PT) desde o ano passado. Antes, principalmente a partir de 2002, na concorrência do

PT para a Prefeitura de Pelotas, já havia feito campanha para o partido. No que se refere à pauta

feminista, teve proximidade apenas quando as filhas se engajaram em discussões do tema. Participou

também da construção das atividades dos movimentos sociais e sindicais no 8 de março desde 2015.

Política de gênero nas entidades

A análise revela que as políticas de gênero dentro da ADUFPel e ASUFPel acontecem

principalmente através da entidade nacional ao qual estão vinculadas. No caso da ADUFPel, há

militância de alguns integrantes da diretoria no Grupo de Trabalho (GT) do ANDES-SN que trata de

questões de gênero e étnico raciais[3]. Atualmente, são dois membros - uma mulher e um homem -

ativos neste GT, ela militante feminista e ele militante do movimento negro. Em relação à ex-

Page 7: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

7

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

presidenta da ADUFPel, ela não se vincula a este grupo. Ainda assim, menciona o esforço para a

construção de eventos temáticos, especialmente o 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Neste

ano, ainda, a seção sindical irá abrigar um grande evento nacional do sindicato sobre questões de

gênero, étnico raciais e de diversidade sexual.

Já a presidente da ASUFPel não possui vinculação de qualquer tipo à militância feminista. A

entrevistada pontua que já houve tentativa de criação de um grupo local de discussão, mas não houve

interesse por parte da base. Por isso, ressalta, o sindicato não costuma enviar pessoas para os

encontros de gênero da Fasubra, pois, segundo ela, não há preparo suficiente.

No caso do Simsapel, há uma secretaria de mulheres na federação à qual o sindicato é

vinculado. No entanto, a entrevistada ressalta que há poucos eventos ou discussões em relação ao

tema. Os diretores do Simsapel, ainda, optaram por retirar do estatuto da entidade o tópico sobre

questões de gênero e equidade. Rosemeri destaca que foi voto vencido em relação a essa decisão e

que os homens disseram que o tópico e o esforço de tentar articular uma secretaria de mulheres não

era importante.

Nos parece, em um primeiro momento, que a presença de mulheres nas diretorias e

coordenações das entidades de classe não vem necessariamente acompanhada de uma atuação sobre

as questões de gênero. O debate ainda é incipiente, e se dá principalmente pela militância individual

de alguns membros nos grupos de trabalho nacionais, como notamos na ADUFPel. Já na ASUFPel,

há carência de diretoras/membros da base com interesse em engajar-se no tema. No Simsapel, a

questão é menos preponderante ainda.

Relações de gênero nas entidades

A ex-presidenta da ADUFPel, Celeste, acredita que as mulheres têm menos credibilidade no

movimento sindical pelo simples fato de serem mulheres. A professora cita o exemplo de uma

assembleia geral da categoria, ocorrida há pouco tempo, em que um companheiro “atropelou” sua

fala, embora ele não faça isso com homens. Este mesmo companheiro, conta Celeste, já foi agressivo,

batendo na mesa quando discordou dela. Também aponta que um companheiro dirigente não

Page 8: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

8

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

participava das atividades do 8 de março pois não entendia por que elas deveriam ser protagonizadas

por mulheres.

A sindicalista indica que há controvérsias entre o discurso e a prática dos seus companheiros.

“A grosso modo, os nossos sindicalistas têm uma tendência a esse comportamento ainda bem

antagônico, cuja prática diz que quer as liberdades, que quer igualdade, que quer respeito e tal. Mas

o discurso é esse e as práticas não”, diz Celeste.

Em relação às reuniões de diretoria e assembleias, comenta: “já precisei elevar muito o tom

de voz para ser ouvida, o que é muito ruim”. Ainda, fala que acontecem piadas machistas e proteção

masculina entre os militantes homens.

Sobre as falas públicas, coloca que não gosta de fazê-las. Deu exemplo de um discurso em dia

de protesto em que falou poeticamente sobre as desigualdades. E pontua: “o discurso poético (que ela

gosta) não cabe na luta sindical”. Para ela, quando imagina um discurso de sindicalista, pensa em um

homem o fazendo, já que os gestos e falas precisam ser agressivos para serem ouvidos e respeitados.

Interessante notar o quanto este imaginário, que não é apenas da entrevistada, mas generalizado na

sociedade, idealiza a militância como sendo masculina, tornando-se ainda mais perversa para as

mulheres, já que há um estranhamento quando há uma figura feminina como protagonista.

No que toca à participação da mulher no movimento sindical, acredita que vem crescendo,

mas pontua que a mulher tem dificuldade em compartilhar responsabilidades. Menciona também as

múltiplas jornadas a que é submetida, fazendo com que a militância atue no acúmulo de trabalho para

a mulher. “É uma múltipla jornada que acaba fazendo com que muitas vezes impeça [as mulheres] de

participar. Eu lembro de levar as filhas para reuniões, coitadas, tendo que ficar sentadas lá”.

Para Celeste Pereira dos Santos, o relativo crescimento da participação da mulher nas

entidades de classe acontece pela inserção delas no mundo do trabalho. Mas pontua: “o papel

doméstico da mulher mudou não porque foi bonitinho, mas porque se fez necessário pela própria

conjuntura econômica. Os homens já não davam conta dos proventos da casa”.

A sindicalista Maria Tereza Fujii, coordenadora da ASUFPel-Sindicato, relata também que

sente dificuldades para a mulher sindicalista pelo fato de serem mulheres. “Não tá escrito em lugar

Page 9: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

9

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

nenhum, mas a mulher que toma conta de filho, casa, empregada, supermercado, cachorro e gato. É

a mulher. Eu tenho uma filha e tenho um filho e eu sempre digo para ela: "não te ilude".

Na sua compreensão, “o homem tem muita dificuldade com uma mulher em cargo de poder”.

Por isso, conta ela, alguns homens reagem mal à diretoras e coordenadoras mulheres. Mas fala que

no sindicato há uma trajetória de mulheres na coordenação, portanto não recorda de situações de

assédio ou casos de discriminação.

Em relação à participação das mulheres no movimento, conta que “[a inserção] é muito difícil.

Vai demorar um tempinho para que essa cultura [machista] mude. A gente já vê uma mudança no

movimento sindical, no movimento social e nas relações de trabalho”. Pensa que ainda é bastante

deficitária a participação da mulher nestes movimentos e percebe que a maioria das militantes são

divorciadas, como ela, ou solteiras. Lembrando da evolução sobre a participação feminina nos

sindicatos, fala que antigamente havia muito assédio e preconceito. “Diziam que a mulher que

participava era aquela que não prestava, que andava no meio dos homens e tal. Hoje não tem mais

isso, ela é respeitada por aquilo que pode representar.” Quando iniciou a atuação sindical, fez acordo

que nao iria participar de festa, viagem e política para não “fuxicarem” em sua vida, o que não

manteve, pois passou a se engajar cada vez mais na entidade.

Sobre sua categoria, conta que existem mais mulheres entrando como Técnico-

Administrativos em Educação do que homens. A coordenadora afirma existir diferença de tratamento

entre homens e mulheres no sindicato. Exemplifica mencionando piadinhas que os sindicalistas

fazem. Também conta que os homens gritam mais nas reuniões, sendo necessário pedir para se

calarem às vezes. Ainda, faz menção aos ‘capas’, quase sempre homens, que as pessoas aplaudem

antes mesmo de falarem.

Rosemeri Santos, vice-presidenta do Simsapel, destaca que sua categoria é

predominantemente masculina e de trabalhadores braçais. “São pessoas que não tiveram a

oportunidade de fazer algumas discussões e quem traz essas discussões sou eu”. Ela não vê grandes

mudanças nas lideranças sindicais desde que entrou na militância, em 2009.

No que toca à questão do tratamento entre homens e mulheres na entidade, comenta: “quando

eu falo, por mais argumentos que eu tenha, não tem o mesmo poder do que quando o companheiro

Page 10: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

10

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

fala”. Também, considera que a mulher precisa se impor mais para ter uma fala respeitada. Um caso

é apontado como emblemático para ela sobre questões de gênero no sindicato: recentemente,

começaram a usar toalha de papel porque era somente ela (a mulher entre os dirigentes) que lavava o

pano, o que significa a falta de compreensão, por parte de seus colegas, sobre a divisão de tarefas

igualitariamente independente do gênero. Rosemeri também aponta que os companheiros

seguidamente falam “eu vejo a luta sindical como uma luta de classe e não de gênero”.

Desconsideram, portanto, a intersecção entre as pautas.

Em relação a uma situação de conflito, conta: “eu e umas companheiras nos posicionamos e

a força que os homens fizeram para nos desclassificar foi incrível”. Outro ponto que é utilizado por

alguns companheiros para desqualificá-la é o recente engajamento no movimento sindical. “Eu tô

aqui porque fui eleita, então não vem me dar carteiraço de 30 anos de militância”. Nota-se, portanto,

que os homens ainda vêm utilizando sua tradição de envolver-se em questões políticas para legitimar-

se.

Dentre as situações mais marcantes, Rosemeri destaca o dia em que um colega foi para cima

dela gritando e parecia que ia agredi-la, quando um outro colega interferiu dizendo que ninguém ia

bater em ninguém ali. Ela falou para o agressor: “se tu soubesse o que acontece dentro de mim quando

tu levanta a voz para mim desse jeito. Se tu soubesse o que acontece dentro de uma mulher quando o

homem grita com ela e se impõe fisicamente tu não faria mais isso”. O caso mostra o quanto a

imposição pela força ainda se faz presente pelos homens e é utilizada em momentos de enfrentamento.

Considerando os relatos das entrevistadas e a consulta bibliográfica, chegamos à conclusão

que a participação da mulher nas entidades de classe é de uma temática de pesquisa que ainda carece

de estudo. Dialogando com estas mulheres protagonistas do movimento sindical, nota-se que todavia

são muito relevantes as barreiras impostas para a militância feminina e que elas são gradualmente

transpostas pelo engajamento das sindicalistas. Ainda é comum a imposição masculina via

comportamento agressivo e a disputa de legitimidade para fala, bem como aparece nas falas da

subjugação dos elementos de gênero sobre as questões de classe, como se não pudessem ser

trabalhadas e pensadas paralelamente.

Sendo assim, as barreiras sempre são lembradas pelas entrevistadas, seja nas dificuldades em

conciliar família, trabalho e militância, como nas dificuldades em se fazerem respeitadas pelos

Page 11: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

11

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

companheiros de sindicato. A partir das entrevistadas também se ressalta o esforço que as mulheres

realizam para terem suas falas escutadas e respeitadas, e como há ainda a relutância dos homens em

aceitar as mulheres como protagonistas da luta da classe trabalhadora. Os resultados, portanto, são

indicam a necessidade de aprimorar e ampliar espaços de discussão de gênero dentro das entidades

de classe, contribuindo, assim, para o gradual avanço da equidade de gêneros e dissolução das

discriminações de gênero entre as/os protagonistas deste espaço de militância.

Referências

ANTUNES, Ricardo Antunes. As Metamorfoses no mundo do Trabalho. In: GOMES, Álvaro ... O

trabalho no século XXI: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: Anita Garibaldi;

Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001, p. 17-31.

CASTRO, Mary Garcia. Gênero e Poder no espaço sindical. Revista Estudos Feministas, nº 1, 1995.

Link: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/viewFile/16913/15475

____________________. Feminização da Pobreza em Cenário Neoliberal, Brasil 2000. In:

GOMES, Álvaro ... O trabalho no século XXI: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo:

Anita Garibaldi; Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001, p. 257-278.

FERREIRA, Márcia Ondina; KLUMB, Márcia Cristiane. Vozes Morais e Representações de Gênero

entre Sindicalistas Docentes.In: Márcia Alves da Silva e Mirela Ribeiro Meira. (Org.). Mulheres

trabalhadoras: olhares sobre fazeres femininos. 1ed.Pelotas: Editora da Universidade – UFPel, 2012,

v. 1, p. 37-65.

GOMES, Àlvaro. O trabalho no século XXI: considerações para o futuro do trabalho. São Paulo: A.

Garibaldi; Bahia: Sindicato dos Bancários da Bahia, 2001.

LIMA, Luanda de Oliveira. Práticas Invisíveis: o Movimento Feminista e o Sindicalismo no Brasil.

2008.

LONER, Beatriz Ana. Construção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas:

EdUFPEL, 2001.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.

RISÉRIO, Antonio. Mulher, casa e cidade. São Paulo: Editora 34, 2015.

SOUZA-LOBO, Elizabeth. O gênero da representação: movimento de mulheres e representação

política no Brasil (1980-1990). Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, n. 17, out. 1991

Page 12: MULHERES SINDICALISTAS EM PELOTAS: PARTICIPAÇÃO, … · trabalhadora’ no mundo atual, o desafio maior da classe-que-vive-do-trabalho, nesta viragem de século, é soldar os laços

12

Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

Women unionists in the city of Pelotas: participation, gender relations and policies

Astract: This articles analyses the participation of women in the directorate of workers’ unions in the

city of Pelotas. One of the main reasons for this investigation is the fact that, in the year of 2016,

political activities held in the city’s public spaces were mostly organized by unions. Through

interviews, a map of the relations between gender and gender politics is drawn from the experience

of three local unions, namely the Association of University Teachers of the Federal University of

Pelotas; the Union of Administrative Staff of the Federal University of Pelotas, and the Union of City

Sanitation Workers of Pelotas. In light of the facts that the insertion of most women in the market is

rather recent and that their participation in class associations was once conditioned to men’s

authorisation, it is necessary to comprehend how these female union leaders make their way into

workers’ unions as well as how they act in defining the political strategies of such organizations. The

article points out that, in certain situations, there are obstacles and suspicions arising from the very

fact that they are women. It also presents the difficulties related to double shifts that these women

have to endure.

Keywords: Unions. Women. Gender

[1] Jornalista. Graduação em Comunicação Social - habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal de

Santa Maria (UFSM) em 2013. Atua como assessora de imprensa na ADUFPel-SSind desde 2014 e cursa como

aluna especial disciplinas no programa de pós-graduação em Sociologia e em Ciência Política da Universidade

Federal de Pelotas.

[2] Sobre essa questão, ver levantamento realizado por FERREIRA; KLUMB (2012).

[3] GTPCEGDS, Grupo de Trabalho Política de Classe para as Questões Étnico Raciais, de Gênero e

Diversidade Sexual do ANDES-SN.