mulheres cantadas. dez dÉcadas de ins tantÂneos femininos na mÚsica popular brasileira

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VII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA POLÍTICA “MEMÓRIA POLÍTICA, MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO E ESFERA PÚBLICA” MULHERES CANTADAS. DEZ DÉCADAS DE INSTANTÂNEOS FEMININOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA MARISTELA BLEGGI TOMASINI

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Resumo de comunicação oral apresentada no VII Simpósio Brasileiro de Psicologia Política “MEMÓRIA POLÍTICA, MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO E ESFERA PÚBLICA” no dia 16 de novembro de 2 12, em São Francisco de Paulo, RS, intitulada MULHERES CANTADAS. DEZ DÉCADAS DE INS TANTÂNEOS FEMININOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

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Page 1: MULHERES CANTADAS. DEZ DÉCADAS DE INS TANTÂNEOS FEMININOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

VII SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA POLÍTICA“MEMÓRIA POLÍTICA, MOVIMENTOS SOCIAIS, EDUCAÇÃO E ESFERA PÚBLICA”

MULHERES CANTADAS. DEZ DÉCADAS DE INSTANTÂNEOS

FEMININOS NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

MARISTELA BLEGGI TOMASINI

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Sobre Música

A música é uma linguagem. Transmite ideias. É um discurso social. Ela registra a memória de uma dada sociedade, prestando-se a descrever e mesmo a criar o objeto de sua inspiração (performática), repercutindo na sociedade com a qual interage. A materialidade de uma canção articula-se a um contexto determinado, pressuposto à música, da mesma sorte que ela, música, pressupõe este contexto.

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A chamada música popular dramatiza os elementos empregados na sua criação, recolhendo-os junto ao povo.

É identitária.

Enuncia memórias, ora obedecendo, ora questionando as tradições referentes ao contexto no qual aparecem. Descreve e cria seu objeto. É performática.

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A música têm efeito comparável ao do apelo religioso, pois ela

“mobiliza adesões apaixonadas e ações fervorosas de grandes multidões”.

Nelson Barros da Costa (2007, p.28)

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Sobre o Século XX

O século XX caracteriza-se como tempo de inegável aceleração do processo histórico.

Da pedra lascada à polida, e daí até a fundição dos metais foram necessários milhares de anos.

... E ainda mais sete, talvez oito mil anos para a conquista do domínio técnico.

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Contudo, aviões, automóveis, cinema, rádio, TV, plástico e fibras sintéticas, mesmo antibióticos mudam a face do mundo, alterando-o cada vez mais rapidamente.

“se considerarmos 100% as invenções de toda a história da humanidade, é da ordem de 97% o conjunto de invenções desses últimos cem anos...” Rose Marie Muraro (1971, 15)

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A partir de 1920, cada década é contextualizada do ponto de vista econômico, político, cultural e social como pano de fundo às letras.

Ao lançar-se um olhar sobre o período analisado, é possível apontar, no Brasil, modelos de feminilidade.

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Por que a década de 1920?

A música dita popular só vai se popularizar depois do rádio e do disco, 1922.

Além disso, apenas após o fim da I Guerra (1914-1918) é que o século XIX será definitivamente sepultado.

É durante os anos 20 que surge, na Europa, uma mulher que nada mais tem a ver com os padrões vitorianos.

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Chanel revoluciona moda e comportamento. Corta o cabelo, bronzeia a pele. Surge a melindrosa ao som do Foxtrot, do Jazz. Ela usa joias falsas, fuma cigarros em longas piteiras e assume a sedução. Louise Brooks ganha o mundo com o cinema, protagonizando Lulu. Anita e Tarsila participam ativamente do movimento de 22.

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Em 1927, o Brasil cantava Maladrinha, com Francisco Alves, que louva a linda imagem de mulher que o seduz, a mulher que, se ele pudesse, levaria até o altar. Curiosamente, essa mesma mulher ele chama de maladrinha, aquela que não precisa trabalhar.

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Oh linda imagem de mulher que me seduzAh! se eu pudesse estarias num altar

És a rainha dos meus sonhos, és a luzÉs malandrinha não precisas trabalhar...

Francisco Alves, 1927

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Década de 1930Depressão econômica que se seguiu ao estouro da bolsa em 29. No Brasil, temos Vargas no governo. Edição de leis de caráter social.Revolução de 30 afeta São Paulo, estado onde se concentravam as velhas grandes fortunas quatrocentonas do café, e onde despontam então outras grandes novas fortunas advindas da indústria, notadamente construídas por imigrantes árabes e italianos. Mudanças na economia.Em 38, Hitler assume o poder na Alemanha.

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Chão de Estrelas (1935)Orestes Barbosa e Sílvio CaldasA mulher que pisava em astros distraída... E que vivia num barraco, cuja porta era sem trinco

A Deusa da Minha Rua Newton Teixeira e Jorge Faraj (1939)A mulher adorada que ignora ser objeto da paixão...

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Década de 1940II Guerra mundial já deflagrada em 39.Na Europa, os aliados eram animados por Marlene Dietrich.Rita Hayworth encarnou Gilda em 1946.Nesta década, talvez fosse significativa a visão feminina que exaltava Amélia... Ai! Que saudade da Amélia, a mulher de verdade, diziam Ataulfo Alves e Mário Lago (1942).

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Marina Morena, Marina, você se pintou...

Ainda em 40 temos Caymmi e sua Marina, morena, a mulher a quem critica por ter se pintado (1947)A música teve diversas gravações e ficou ainda mais conhecida com Gilberto Gil. Haveria modelos em confronto? As mudanças sociais impõem novos paradigmas, inclusive de gênero, pois os femininos mudam. O encantamento dos homens, contudo, permanece, até então, um pouco anacrônico, como se eles sempre procurassem reviver um modelo fadado à superação.

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Década de 1950Surge no imaginário popular a fatal Marilyn Monroe em sua sensualidade explícita. Foi Marylin que, em 1949, deixou-se fotografar nua sobre veludo vermelho, foto que serviu para a confecção daquele famoso calendário. Vingança... Lupicínio Rodrigues (1951) compõe esta música por uma razão muito pessoal. Eu gostei tanto, tanto, quando me contaram...Conceição ... Dunga e Jair Amorim (1956) que tentando a subida desceu e agora daria um milhão para ser outra vez Conceição

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Anos 50

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Década de 1960Moda e comportamento alteram-se radicalmente. A pílula anticoncepcional prepara o movimento de 1968 na França. O Brasil militar dos anos 60 sente-se afrontado por Leila Diniz, que diz palavrões e que exibiria, de biquini, a barriga de grávida na praia anos depoisA musa dos anos 60, no Brasil, todavia, não pode ser outra senão que a Garota de Ipanema, que Vinicus e Tom imortalizaram em 1962. Carros conversíveis, twist, o slack, o maiô de duas peças e minissaia de Mary Quant introduzem mudanças no vestuário e no comportamento. Roberto, em 63, parou na contramão por causa de um broto displicente...Em 67, Sérgio Reis reclamava da namorada, dizendo que seu coração não era de papel. Os homens reclamam...Fica cada vez mais difícil resgatar a mulher deusa do passado, aquela que já foi bonita e graciosa, que pisava em astros distraída, e imaginá-la, por exemplo, em 1965, numa festa de arromba.

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Anos 60

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Década de 1970Fim da Guerra do Vietnam.Jane Fonda já havia sido Barbarela. Guerra Fria.Brasil, Copa do Mundo: Seleção de 70 com Pelé conquista a Jules Rimet no México. Angie é a musa dos Rolling Stones em 1973. Época de exceção, de segurança nacional, de DOPS. A música era censurada no Brasil, e o governo militar não se mostrava simpático para com os movimentos que então surgiam: Jovem Guarda, Novos Baianos, Tropicália.

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Rita Lee era a mulher irreverente de uma época onde a palavra de ordem era sexo, drogas and rock and roll. Em 72, Waldic Soriano surpreende com eu não sou cachorro, não. Ele reclama da mulher, tanto quanto Benito de Paula, que chora sobre retalhos de cetim em 73. O erotismo aparece em 1978, em pleno café da manhã. Milton Nascimento, em 78, canta Maria, Maria, como um dom, uma certa magia, uma força que nos alerta...

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A população mundial aumenta, os computadores aparecem nos lares, e os ANOS 80 aceleram a chegada do futuro. Novas tecnologias interferem no trabalho, consome-se mais. Carros e televisores estão agora ao alcance de todos. Não é mais o cinema, mas a televisão que aponta as novas musas, dentre as quais Farra Fawcett, que protagoniza uma das panteras. Em Paris, dança-se O Último Tango e o O Império dos Sentidos se impõe. A mulher deve ser nova, além de bonita e, ainda por cima, carinhosa, para que o homem possa gemer sem sentir dor (Zé Ramalho, 82).

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Blitz, em 1982, reclama que Você não Soube me Amar, Cazuza se encanta com o Bete Balanço em 83, e em 1985 esconde a musa sob Codinome Beija-Flor, a mulher do sexo casual, que é bom enquanto dura. No mesmo ano Ritchie homenageia Menina Veneno no escuro de seu quarto. É a mulher espetáculo, a mulher evento, pirotécnica, boa de cama, que tem que acontecer e fazer a hora. O Brasil se politiza, quer Diretas Já e conquista sua Constituição em 1988. Cai o Muro de Berlin em um ano depois.

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ANOS 90Bill Gates nos presenteia com Windows. Tem início a época da virtualidade. A internet transforma o mundo e tudo acontece em tempo real. O consumo explode, os centros urbanos decaem, os Shoppings tornam-se o núcleo de uma nova onda que possui marcas. Consomem-se não apenas produtos, mas comportamentos. A sexualidade explode e os gêneros começam a ser transcendidos. Em 1995, já se fica pelado em Santos, a Brasília Amarelamusa era a Mina que tinha o cabelo da hora, e que andava na, com corpão violão, ela é docinho de coco que deixa o cara doidão.

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O milênio é ultrapassado.Quem é, agora, a mulher que aparece na música nossa de cada dia? É a mulher da laje que os pagodeiros não se cansam de exaltar, é a mulher convidada para esquentar a festa no apê. Ela tem gostosuras e é narrada como produto de consumo: é substituível. Há de pegar, de ficar e até algumas de namorar. É cachorra, lacraia e gosta de estar atoladinha. Fora as mulheres frutas, de moranguinho a jaca...

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Essas mulheres cantadas foram descritas por homens. Seus retratos, associados às mudanças sociais, mostram um feminino que ganha cada vez mais corpo e substância. A contemporaneidade é glandular, assimila o feminino a um objeto que se consome por prazer. Do presente emerge uma mulher que se presta ao gozo objetivo, aqui e agora, imediato, que muito se distancia da imagem inicial, associada à sublimidade, à utopia de uma posse antes apenas sonhada.

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ReferênciasMURARO, Rose Marie. A mulher na construção do mundo futuro. Rio

de Janeiro: Vozes, 1971.COSTA, Nelson Barros. O objeto e o sujeito na pesquisa da canção:

uma reflexão bakhtiniana sobre a análise do discurso literomusical. In: COSTA, Nelson Barros (Org). O charme dessa nação: música popular, discurso e sociedade brasileira. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2007.

SEVERIANO, Jairo, HOMEM DE MELLO, Zuza. A Canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, vol. I. São Paulo: Editora 34 Ltda, 1997.

SEVERIANO, Jairo, HOMEM DE MELLO, Zuza. A Canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, vol. II. São Paulo: Editora 34 Ltda, 1998

Imagens: GOOGLE IMAGENS.

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FIM DA APRESENTAÇÃO