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70 HSM Management 8 maio-junho 1998 Falar menos e ouvir mais. Ou reconhecer os pontos de vista alheios como válidos e expressar os próprios pontos de vista sem fazer provocações. Essa é a fórmula básica que o especialista de Harvard William Ury sugere a quem sentará a uma mesa de negociações. Ele divide com Roger Fisher o título de maior autoridade mundial em negociação e também a autoria do best seller Como Chegar ao Sim (ed. Imago) – o título do original é Getting to Yes. No presente artigo, escrito especialmente para a HSM Management, Ury conta uma história verídica de negociação conflituosa entre as empresas AT&T e Boeing e ensina como virar o jogo. Segundo ele, é preciso desarmar a outra parte com uma surpresa. “Você deve fazer o oposto do que é esperado. Se eles estão levantando muralhas, esperam que você os pressione; se atacam, esperam que você resista. Então não pressione; não resista. Passe para o lado deles.” As lições aqui não servem apenas para quem vende e compra alguma coisa; negociar também pode ser persuadir um chefe difícil a mudar de opinião sobre uma estratégia determinada. DOSSIÊ Como agir na negociação e, em especial, nas situações de conflito. Por William Ury Muito além A AT&T estava no meio de uma negociação para vender à Boeing um novo sistema de telecomunica- ções, avaliado em US$ 150 milhões. A equipe de vendas utilizara argu- mentos bastante persuasivos – com base no tipo de serviço a ser presta- do, na rapidez de atendimento e solução de problemas, e na velocida- de de execução de reparos – e espe- rava pela resposta. Nesse momento, o diretor de compras da Boeing disse: “Ótimo. Agora me dêem cada uma dessas promessas por escrito. E também quero garantias de que, se houver um problema com o sistema e não for sanado dentro do prazo, vocês nos indenizarão pelos prejuízos”. “Faremos o melhor dentro de nos- sas possibilidades”, respondeu o che- fe de vendas da AT&T. “Mas não po- demos nos responsabilizar por todas

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Falar menos e ouvir mais. Ou reconhecer os pontos de vista alheios comoválidos e expressar os próprios pontos de vista sem fazer provocações.Essa é a fórmula básica que o especialista de Harvard William Ury sugerea quem sentará a uma mesa de negociações. Ele divide com Roger Fishero título de maior autoridade mundial em negociação e também a autoriado best seller Como Chegar ao Sim (ed. Imago) – o título do original éGetting to Yes.No presente artigo, escrito especialmente para a HSM Management,Ury conta uma história verídica de negociação conflituosa entre as empresasAT&T e Boeing e ensina como virar o jogo. Segundo ele, é preciso desarmara outra parte com uma surpresa. “Você deve fazer o oposto do que éesperado. Se eles estão levantando muralhas, esperam que você ospressione; se atacam, esperam que você resista. Então não pressione; nãoresista. Passe para o lado deles.” As lições aqui não servem apenas paraquem vende e compra alguma coisa; negociar também pode ser persuadirum chefe difícil a mudar de opinião sobre uma estratégia determinada.

DO

SSIÊ

Como agir na negociação e, em especial, nas situações deconflito. Por William Ury

Muito além

A AT&T estava no meio de umanegociação para vender à Boeingum novo sistema de telecomunica-ções, avaliado em US$ 150 milhões.A equipe de vendas utilizara argu-mentos bastante persuasivos – combase no tipo de serviço a ser presta-do, na rapidez de atendimento esolução de problemas, e na velocida-de de execução de reparos – e espe-rava pela resposta.

Nesse momento, o diretor decompras da Boeing disse: “Ótimo.Agora me dêem cada uma dessaspromessas por escrito. E tambémquero garantias de que, se houverum problema com o sistema e nãofor sanado dentro do prazo, vocêsnos indenizarão pelos prejuízos”.

“Faremos o melhor dentro de nos-sas possibilidades”, respondeu o che-fe de vendas da AT&T. “Mas não po-demos nos responsabilizar por todas

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do nãocerto. O que fazer quando depara-mos com uma pessoa insensata (emnossa opinião)? Ou com uma posi-ção insensata? Eu digo: surpreender,ouvir, reconhecer e não provocar.

Passe para o lado deles

O erro nesse caso, mais comumdo que se imagina, está no fato detentar chamar à razão alguém quenão está disposto a “parar para pen-sar”. Suas palavras cairão no vazioou serão mal-interpretadas. Vocêestará diante de uma barreira deemoções negativas. A outra partepode ficar desconfiada, com raivaou se sentir ameaçada. Convicta deque está certa, e você errado, nãose disporá a ouvir.

É tentador ignorar a emoção ese concentrar no problema, mas issoraramente funciona. As emoçõesnegativas virão à tona na forma deposições inflexíveis. Antes de discutiro problema, é preciso dissipar essasemoções negativas. O desafio donegociador é criar um clima favorá-vel que permita a negociação.

O segredo para desarmar a outraparte é a surpresa. Você deve fazero oposto do que é esperado. Se elesestão levantando muralhas, esperamque você os pressione; se atacam,esperam que você resista. Então nãopressione; não resista. Passe parao lado deles.

Essa é a última coisa que esperamde você. Ao passar para o ladodeles, você os desorienta e isso fazcom que se abram e deixem de serinimigos. Além disso, como ospraticantes de artes marciais japo-nesas sabem há muito tempo, édifícil atacar alguém que, de repen-te, está do seu lado. E, o que é maisimportante, isso coloca você e seuopositor juntos – exatamente ondevocê quer estar para iniciar umanegociação construtiva.

as coisas que podem dar errado.Um raio pode cair…”

“Vocês estão nos fazendo de bo-bos!”, interrompeu o negociadorda Boeing, perdendo o controle.“Primeiro falam de seus serviços, eagora não estão dispostos a assu-mir um compromisso em relaçãoao que nos prometeram!”

“Isso não é verdade!”, protestouo chefe de vendas da AT&T, surpre-so com o caminho que a negocia-ção estava tomando. “Deixe-me verse consigo explicar…” Mas o execu-tivo da Boeing se recusou a conti-nuar ouvindo. “Vocês não estão deboa-fé”, reclamou. “Não há acordocom vocês.”

O chefe de vendas da AT&T fezainda uma última tentativa: “Vamosconversar. Talvez possamos pôr partedisso no papel”. Mas o diretor decompras da Boeing estava decidido;ele e toda a sua equipe se levantarame deixaram a sala. O negócio deUS$ 150 milhões fracassara.

O que aconteceu aqui? Quando aAT&T se recusou a acatar as exigên-cias da Boeing, o negociador da em-presa se irritou e partiu para o ata-que. O chefe de vendas da AT&T sedefendeu, mas isso só alimentou aira do comprador. E, quando o re-presentante da AT&T tentou expli-car, o representante da Boeing nãoquis escutar. Nada mais parecia dar

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Para se colocar “do outro lado”é preciso ouvir e reconhecer.

Ouça com atenção

Ouvir alguém é a concessão maisbarata que há. Todos nós temos aprofunda necessidade de ser com-preendidos. Ao satisfazer essa neces-sidade, você pode fazer com que anegociação tome outro rumo.

Vejamos o exemplo de uma nego-ciação contratual entre um sindicatoe a gerência de uma fábrica de con-têineres da Inland Steel. O negocia-dor da empresa começou assumindouma posição inflexível em relação aossalários. Normalmente, o sindicatoteria contra-atacado, a gerência de-fenderia sua posição com veemênciae, após uma discussão inútil, a greveseria deflagrada. Mas, em vez de con-tra-atacar, o representante do sindica-to perguntou placidamente: “Por queisso é tão importante para vocês?”

Diante da questão, que sooucomo um “convite” para falar, o ne-gociador da empresa passou a explicarem detalhe os motivos que levarama gerência a assumir aquela posiçãoem relação à questão salarial. Tendoa satisfação de ser ouvida até o fimem sua exposição de motivos,a gerência, por sua vez, dispôs-se aescutar as preocupações do sindica-to. A decisão do negociador do sin-dicato de pedir calmamente que aoutra parte apresentasse seus pontosde vista abriu espaço para que o im-passe pudesse ser resolvido, e a greveque todos esperavam não aconteceu.

Ouvir requer paciência e autodis-ciplina. Em vezes de reagir imediata-mente ou de ficar planejando o pró-ximo passo, é preciso se concentrarno que a outra parte está dizendo.Ouvir não é fácil, mas pode ser algovalioso. Proporciona uma janelapara o pensamento da outra parte;permite que você envolva a outra par-te em uma tarefa conjunta – enten-der o problema dela; e faz com quea outra parte fique mais disposta aouvir você.

Se a outra parte estiver irritada ouperturbada, a melhor coisa para fazeré oferecer um “ouvido amigo”. Nun-ca interrompa os negociadores dooutro lado da mesa – mesmo que

você ache que eles estão errados oufor insultado. Para que percebam quevocê está prestando atenção, mante-nha contato com os olhos e balancea cabeça ocasionalmente. Quandoacabarem, pergunte com tranquilida-de se existe algo que queiram acres-centar. Em seguida, faça um resumodo que os ouviu dizer.

As pessoas têm grande prazer empoder expor seus sentimentos e res-sentimentos. Os gerentes que traba-lham com atendimento ao clientesabem que, embora seja pouco o quepodem fazer para ajudar um clienteinsatisfeito, ouvi-lo com respeito é mui-tas vezes suficiente para que ele volte.

Uma vez que você tenha ouvidoa exposição dos outros, eles prova-velmente serão mais receptivos auma negociação construtiva. Não épor acaso que, se você observar ocomportamento dos mais bem-suce-didos negociadores, verá que escu-tam muito mais do que falam.

Reconheça o ponto de vista e a pessoa

O passo seguinte é reconhecer oponto de vista da outra parte. Você

pode relutar em fazer isso, até por dis-cordar radicalmente. Mas, ao ignoraresse passo, perderá uma grande opor-tunidade de facilitar a negociação.

Todo ser humano tem uma gran-de necessidade de ser reconhecido.Ao satisfazer tal necessidade, vocêcontribui para criar um clima deentendimento. Reconhecer o pontode vista da outra pessoa não significaestar de acordo com ele. Significaapenas aceitá-lo como válido, entreoutros tantos pontos de vista.

Tal atitude transmite a seguintemensagem: “Consigo entender seuponto de vista”. E isso pode ser feitopor meio de frases como “você estácerto nesse aspecto”, ou “entendoexatamente o que está dizendo”, ouainda “sei bem o que quer dizer”.

Em geral, a mente do outro écomo um porão repleto de velhosressentimentos, desgostos e lamenta-ções. Discutir só fará manter isso tudovivo. Mas, se você reconhecer a vali-dade do que o outro está dizendo, acarga emocional começará a se dissi-par. As velharias do porão começarãoa desaparecer. Ao permitir que expo-

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nha sua versão, e ao reconhecê-la,você estará criando as condições psi-cológicas para que ele também aceitea possibilidade de um “outro lado”.

O reconhecimento pode ser admi-tir a autoridade ou a competência daoutra pessoa. Suponha que você este-ja tentando persuadir um chefe difícila mudar de opinião sobre uma estra-tégia. Ele pode ter a impressão deque você está desafiando sua autori-dade. Será que você está inferindo,ele se pergunta, que, de alguma ma-neira, ele é incompetente ou estáerrado? Ele provavelmente reagirátornando-se ainda mais refratário aoque você tem para dizer. Para tran-quilizá-lo quanto às suas intenções, épossível que você tenha de iniciarsuas observações com frases taiscomo “o senhor é quem manda”, ouentão “eu respeito sua autoridade”.

Uma das melhores maneiras dereconhecer a outra pessoa é criarum relacionamento de trabalho. Umbom relacionamento de trabalho écomo uma poupança da qual vocêpode efetuar saques em momentosdifíceis. Portanto, se houver a possi-bilidade de conflito com a outra par-te, nutra uma boa relação com eladesde o início. Um gerente de pro-dução deve ter um relacionamentode trabalho saudável com o gerentede marketing; um empresário com olíder sindicalista e assim por diante.Assim, quando a outra pessoa estásendo difícil, você será capaz de di-

zer: “Vamos lá, sempre nos demosbem. E há tanto tempo”.

Exponha seu ponto de vista semprovocações

Depois de você ter reconhecido aoutra parte, ficará bem mais fácil fa-lar. Chegou o momento de mostrarseu ponto de vista, mas sem fazercom que os outros tapem os ouvidos.

O segredo, agora, está na atitude.A atitude padrão nesses casos é “umou outro”: ou você está certo ou aoutra parte está certa. A atitude al-ternativa e recomedável é “ambos”:eles podem estar certos em funçãoda experiência deles e você podeestar certo em função de sua experiên-cia. Você pode lhes dizer: “Entendopor que se sentem assim. É totalmen-te razoável dada a experiência quetiveram. A minha experiência, entre-tanto, foi diferente”. Você pode re-conhecer o ponto de vista da outraparte e, sem contestá-lo, expressaruma visão contrária. E, assim, criarum clima cordial, em que as diferen-ças podem conviver pacificamenteenquanto você busca conciliá-las.

Uma das formas mais comuns deexpressar diferenças é iniciar a frasecom a palavra “mas”. Quando seucliente diz “Seu preço é muito alto”,você fica tentado a refutar a afirma-ção com outra afirmação: “Mas esteproduto é da melhor qualidade queexiste!” Infelizmente, quando seucliente ouvir a palavra “mas”, ele po-

derá entender “eu acho que vocêestá errado pelos seguintes motivos”.Não será nenhuma surpresa se eledeixar de ouvi-lo.

A outra parte será mais receptivase, antes, você reconhecer sua opi-nião com um “sim” e depois come-çar a colocar a sua opinião com “e”.Depois que seu cliente tiver reclama-do do preço elevado, você poderádizer: “Sim, você está absolutamentecerto, nosso preço é mais elevado.E isso significa que você estará com-prando um produto da mais altaqualidade, maior confiabilidade emelhor atendimento!”

Mesmo um desacordo direto podeser apresentado de maneira inclusiva:“Posso entender por que sua opiniãoem relação a isto é tão forte, e eu res-peito. Deixe-me explicar, porém,como vejo a situação”. Ou ainda:“Concordo plenamente com o quevocê está querendo dizer. O que vocêtalvez não tenha levado em conside-ração é o seguinte…” Seja qual for alinguagem que você empregar, o se-gredo é apresentar sua opinião comoum complemento e não como umanegação da opinião da outra pessoa.

Não hesite em sustentar seu pon-to de vista. Isso não significa deixarde reconhecer a opinião da outraparte. O reconhecimento vindo deuma pessoa segura e confiante temmais poder que o reconhecimentovindo de alguém que é visto comofraco. A combinação de reações apa-

Faça os representantes da outraparte perceberem que você estáprestando atenção no que dizem– mantenha contato visual e balancea cabeça ocasionalmente. Quandoeles acabarem, pergunte com tran-quilidade se existe algo que queiramacrescentar. Em seguida, faça umresumo do que os ouviu dizer.

Para mostrar que entende o pontode vista deles, você pode soltar frasescomo “você está certo nesse aspecto”,ou “sei bem o que quer dizer”, ouainda “eu respeito sua autoridade”.

Crie um bom relacionamento de

trabalho. Quando o outro está sendodifícil, você poderá dizer: “Semprenos demos bem. E há tanto tempo”.

Nunca pense “ou eu estou certoou eles estão certos”. Sua atitudedeve ser: “Ambas as partes estão cer-tas”. Para deixar isso claro, façaa seguinte observação: “Entendopor que se sentem assim, dada a ex-periência que tiveram. A minha expe-riência, entretanto, foi diferente”.

Dê sua opinião como complementoe nunca como negação do que dissea outra pessoa. Para isso, substitua apalavra “mas” por “sim, e”. Quando o

cliente reclamar que seu preço émuito alto, por exemplo, não diga“Mas o produto é da melhor qualida-de”. Você pode evitar a negação comesta frase: “Sim, você está certo, e issosignifica que você estará comprandoum produto da mais alta qualidade”.

Não hesite em sustentar seu pontode vista, porque isso mostra que vocêé uma pessoa segura. A outra parte,que se sentiu reconhecida por você,gostará disso, pois o reconhecimentovindo de uma pessoa segura temmais poder do que o reconhecimen-to vindo de alguém visto como fraco.

COMO SE COMPORTAR À MESA DE NEGOCIAÇÕES

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rentemente opostas – o reconheci-mento à opinião da outra pessoa e aexpressão de sua própria – pode sermais eficaz do que cada uma dessasduas coisas separadamente.

Desfecho favorável

Voltemos agora à negociação en-tre a AT&T e a Boeing. Diante doimpasse, o chefe de vendas da AT&Tmarcou uma nova reunião com odiretor de compras da Boeing. Ecomeçou a conversa assim: “Venhotentando entender suas preocupa-ções. Corrija-me se eu estiver errado,mas o senhor e seus colegas daBoeing tinham razão em que nós osestávamos enganando ao prometerótimos serviços, uma vez que nãonos dispusemos a aceitar plena res-ponsabilidade por isso. Isso deve terlhes parecido má-fé de nossa parte.Naturalmente vocês ficaram irritadose não vêem por que continuar asnegociações. É isso mesmo?”

“É isso!”, exclamou o compradorda Boeing. “Como confiar no quedizem? Se estivéssemos negociando avenda de uma de nossas aeronaves einformássemos ao comprador sobreas especificações de segurança semnos responsabilizarmos por elas porescrito, o comprador sairia portaafora e estaria coberto de razão. Senão quisermos assumir responsabili-dade, devemos sair do ramo da en-genharia aeronáutica. Se vocês não

querem assumir suas promessas, de-vem sair do setor das comunicações.”

“O senhor tem toda a razão”, reco-nheceu o chefe de vendas da AT&T.“Eu também me sentiria assim no seulugar.” Surpreso, o negociador daBoeing perguntou: “Então, por quevocês não estão dispostos a pôr todasas promessas no papel e assumir a res-ponsabilidade pelo ressarcimento dedanos no caso de não-cumprimento?”

“É claro que colocaremos nossaspromessas no papel. O ressarcimentode danos é uma questão delicada,mas estamos dispostos a conversar”,respondeu o representante da AT&T.“Primeiro, quero ver se esclareço oque nos levou ao impasse. Eu mesmosó estou começando a entender ago-ra. Ouvi você dizer que a Boeing pos-

sui o que pode ser chamado de ‘cul-tura de engenharia’. Não há tolerân-cia para erros quando a vida de sereshumanos está em jogo. Logo, se pro-meter uma certa especificação desegurança, é bom que esteja certa. Eobviamente tudo isso deve ser coloca-do por escrito. Estou certo até agora?”

“Sim, o que você está dizendo estácerto, mas não vejo aonde quer che-gar”, disse o comprador da Boeing.

“Se me permitir, explicarei”, pros-seguiu o representante da AT&T.“Veja, na AT&T também temos nos-sos engenheiros, mas estamos primei-ramente no ramo de prestação deserviços. Somos mais o que chama-mos de uma ‘cultura de relaciona-mento’. Damos grande importância àrelação com nossos clientes – se ocliente não estiver satisfeito, nós tam-bém não estamos. É por isso que noschamam de ‘Ma Bell’ (Mãe Bell). Ago-ra, quando sua mãe lhe diz que vaifazer o almoço todos os dias, vocênão vira para ela e observa: ‘Mãe,quero que ponha essa promessa nopapel e eu a responsabilizarei porquaisquer danos causados’, certo?”

“É claro que não”, respondeu orepresentante da Boeing.

“Você simplesmente espera queela faça o melhor possível”, comple-tou o chefe de vendas da AT&T. “Ló-gico que existe uma grande diferen-ça entre uma casa e uma empresa,mas isso é para lhe dar uma idéia decomo funcionamos. Fazemos pro-messas verbais e pretendemos cum-pri-las plenamente. O nosso históri-co, como o senhor há de concordar,é muito bom. Para nós, é uma situa-ção nova estar diante de tanta des-confiança. É por isso que entramosem atrito na reunião passada; o se-nhor tinha uma posição, que estavaabsolutamente certa do seu pontode vista, e nós tínhamos outra.O senhor compreende?”

“Começo a entender”, disse ocomprador da Boeing. “Posso fazeruma pergunta?”

Assim as negociações recomeça-ram. E, logo depois, a AT&T e aBoeing chegaram a um acordo quan-to ao negócio de US$ 150 milhões.

© William Ury

William Ury é considerado umadas maiores autoridades mundiaisem negociação, ao lado de RogerFisher (veja HSM Management número5, página 24). Ele está ligado àHarvard University, onde atua comodiretor-adjunto do Harvard Negotia-tion Project, organização dedicadaa aperfeiçoar a teoria e a prática daresolução de conflitos, e comodiretor da Negotiation Network dafaculdade de Direito. Possui vastaexperiência internacional comoconsultor e mediador. No âmbitoempresarial, trabalhou para AT&T,IBM e American Express, entre

Saiba mais sobre William Uryoutras companhias, e, no governa-mental, para o Departamento deEstado dos EUA e o Pentágono.Além disso, assessorou a Casa Brancanas negociações para a criação decentros de redução de risco nuclear.

Ury escreveu, junto com RogerFisher, o best seller Como Chegar aoSim (ed. Imago), que já foi traduzidopara 22 idiomas e vendeu mais de3 milhões de exemplares. Também éautor do best seller Getting Past No.

O especialista estará em SãoPaulo em junho para um seminárioorganizado pela HSM Cultura &Desenvolvimento.

Em geral, a mentedo outro é como umporão repleto develhos ressentimentos,desgostos elamentações.Discutir só irá manterisso tudo vivo