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In: ENCONTRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, 2., 2002, Recife. Anais... Recife: Observatório da Realidade Organizacional : PROPAD/UFPE : ANPAD, 2002. 1 CD.

Mudanças Organizacionais em Empresas do Setor de Serviços

Mônica de Fatima Bianco Antonia de Lourdes Colbari

Claudiani Waiandt

Resumo O objetivo deste artigo é evidenciar as particularidades do processo de modernização

operacional e de gestão de pessoal em cinco empresas do setor terciário, localizadas no Espírito Santo, que se dedicam a diferentes ramos de atividade — transporte de passageiros, comércio, comunicação e setor financeiro. A análise de múltiplos casos fornece indicações relevantes a respeito das possibilidades de conciliação entre os procedimentos de organização e de gestão inerentes à lógica da produção industrial fordista com aqueles provenientes de uma lógica típica de prestação de serviços. O propósito de redução de custos é o elemento que impulsiona os investimentos em novas formas de gestão operacional, mas também inspira as práticas de envolvimento e motivação e capacitação da mão-de-obra, o corte no número de empregados e a permanência de formatos tradicionais no que se refere à organização do trabalho.

Abstract This paper intends to characterise the particularities of the process of operational

modernisation and of personnel’s management in five companies of the service sector, located in the state of Espírito Santo, that they are devoted to different activity branches — it transports of passengers, trade, communication and financial section. The research wants to unmask by means of multiple case studies, the conciliation possibilities among the organisation procedures and of inherent management to the logic of the production industrial fordist with those coming of a typical logic of instalment of services. The purpose of reduction of costs is the element that impels the investments in new forms of operational management, but it also inspires involvement practices and motivation and training of the labour, the court in the number of employees and the permanence of the traditional formats to work organisation.

1. Introdução As mutações nas organizações empresariais, desencadeadas nas duas últimas décadas

do século passado, mereceram a atenção de vários pesquisadores que, sob perspectivas disciplinares diferentes, procuraram avançar teoricamente na elaboração de uma matriz conceitual que permitisse ampliar a compreensão das mudanças ocorridas nos processos de produção e de gestão vigentes nas empresas. Embora, grande parte desses estudos tenha se concentrado no setor industrial, não se pode negar os esforços em se apreender as especificidades do processo de reestrutuação ocorrido em empresas do setor terciário. Neste artigo, as referências teóricas incorporam a contribuição de autores como Offe, Castells, Zarifian e Gadrey, cujos estudos delineiam uma matriz analítica que favorece o entendimento dos impactos do novo paradigma produtivo e organizacional no setor de serviços e de suas particularidades no se refere à demanda de formação profissional e aos critérios de aferição de produtividade.

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Esses autores constatam o crescimento do setor de serviços na geração de renda e emprego - característica marcante da atual fase do desenvolvimento econômico e sociali — e a grande heterogeneidade das lógicas econômicas presentes no interior desse setor. Offe (1989) decompõe os serviços em três sub-setores — serviços comerciais, serviços internos à organização, serviços públicos e estatais. Castells (1999) situa as atividades do setor em quatro modalidades: serviços de distribuição (transporte e rede de distribuição comercial); serviços relacionados à produção (insumos cruciais na economia e serviços empresariais auxiliares); serviços sociais (atividades públicas de consumo coletivo); e serviços pessoais (consumo individual de entretenimento e etc.).

O crescimento dos serviços tem sido relacionado a vários fatores, entre eles as tendências da evolução sócio-demográfica — o trabalho das mulheres e o envelhecimento da população que demandam aumento de cuidados com pessoas; a crescente complexificação da organização sócio-econômica que impulsiona a expansão dos serviços administrativos, financeiros e de seguros; e também a tendência de especialização das empresas que externalizam tanto de serviços menos exigentes de qualificação quanto daqueles mais sofisticados, como gerência, publicidade, pesquisa e sistemas de informatização. Além dessas transformações na cultura e na base técnica das sociedades capitalistas, outro fator estaria impulsionando a expansão do setor terciário: a racionalidade do sistema e dos atores, as funções sintetizadoras e normalizadoras direcionadas à manutenção e ao equilíbrio dos sistemas sociais.

Atualmente, o crescimento e a importância adquirida pelo setor de serviços repõem as questões de caráter teórico e metodológico que questionam a adequação/inadequação do tradicional esquema conceitual que divide a atividade econômica nos três setores, bem como das categorias de "trabalho produtivo" e "trabalho improdutivo" e da centralidade da atividade industrial na estruturação da vida social. (Chinelli, 1999)

Na tentativa de construir uma base conceitual adequada à compreensão da dinâmica do setor, essas análises partem da necessidade de uma definição mais precisa do que é "serviços". O ponto de partida seria compreender em que consiste "produzir serviço", considerando que o "conceito de serviço (no singular) é capaz de exprimir uma nova maneira de "ver" e "avaliar" a produção, em qualquer setor" - da agricultura, da indústria ou no setor dos serviços. (Zarifian, 1999a)

Assim sendo, a distinção entre "setor industrial" e "setor dos serviços" não permitiria uma compreensão mais apropriada do processo de mudança em curso nos dois setores. (Castells, 1999; Zarifian, 1999a). Não captaria as evoluções convergentes entre os dois setores, as quais resultam do encontro de "duas grandes lógicas": "a lógica industrial neofordista" e "a lógica de serviço". O setor industrial pode incorporar "em suas tecnologias, em sua organização social, em seus objetivos de eficiência, princípios semelhantes aos que se desenvolvem na indústria, aplicando-os, modificando e adaptando-os à produção de serviço." Por sua vez, o setor de serviços industrializa os seus modos de funcionamento. (Zarifian,1999a, p.9)

A discussão sobre a natureza do trabalho em serviço está estreitamente vinculada à definição do que é produzir serviço. A proposta de Zarifian (1999b) é uma abordagem do valor do serviço que abranja tanto os resultados do processo quanto os recursos por ele mobilizados. Na ótica dos resultados, "o serviço é uma transformação nas condições de atividade do destinatário, cujos resultados são considerados válidos e positivos por este último e/ou pela coletividade"; e, na ótica dos recursos, "o serviço é a organização e a mobilização mais eficiente possível de recursos visando interpretar, compreender e produzir a transformação mencionada acima". Se essa mobilização foi eficiente, cabe à direção da organização, aos seus empregados e aos beneficiados pelo serviço avaliarem.

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Neste artigo, o objetivo é caracterizar as particularidades do processo de modernização na gestão operacional e de pessoal em cinco empresas — uma do segmento de transporte de passageiros, duas do segmento de comércio, uma do ramo de comunicação e uma do ramo financeiro — localizadas no estado do Espírito Santo e escolhidas pela representatividade em termos de faturamento. Trata-se de um estudo exploratório, iniciado no ano 2001, que procura desvendar a forma pela qual aparecem conciliados, nessas empresas, as práticas de organização e de gestão inerentes à lógica da produção industrial fordista com aquelas provenientes de uma lógica típica de prestação de serviços.

Os procedimentos de pesquisa utilizados foram a análise de documentos e informativos e a realização de entrevistas semi-estruturadas com diversos gestores abrangendo o universo das cinco empresas, além de visitas realizadas a área operacional. Uma avaliação preliminar desses resultados é apresentada neste artigo estruturado em quatro tópicos: o primeiro caracteriza sumariamente o perfil das empresas e os principais aspectos da reestruturação produtiva; o segundo aborda questões pertinentes à aferição de produtividade e aos mecanismos de motivação utilizados pelas empresas; o terceiro sintetiza as principais características da organização dos processos de trabalho; e o quarto analisa os procedimentos de seleção e as modalidades de treinamento profissional.

2. Características das empresas e da reestruturação produtiva Um breve sumário das características gerais do universo pesquisado, apresentado no

Quadro 1, evidencia alguns aspectos marcantes, entre eles a antigüidade das empresas, com exceção de uma, criada recentemente por decisão de dois grupos empresariais de longa tradição no Espírito Santo, e o modelo familiar de gestão predominante.

Empresas A � B � C D� E� Ano de

Fundação 1946� 2000 1937� 1928� 1937�

Ramo de Atividade

Transporte de

passageiros

Comércio de automóveis

Comércio varejista

Comunicação�

Financeiro�

Gestão Familiar� Profissional Familiar Familiar Pública Nº de

Empregados 2.414� 448� 600 895� 2.435

Quadro 1: Caracterizando as organizações estudadas. Fonte documental e entrevistas.

Apesar dessa semelhança em características gerais, o universo pesquisado é permeado por uma gama diferenciada de situações, o que define as particularidades do processo de reestruturação vivenciado pelas empresas.

A Empresa A possui cinco áreas de negócios, sendo a área de transporte de passageiros predominante na geração de resultados, empregos e volume de operações. Em 1990, promoveu o enxugamento de sua estrutura ao terceirizar as atividades que não eram consideradas fins (limpeza, pontos de venda, e manutenção) e diminuir os níveis hierárquicos. Implantou um sistema corporativo de gestão adequado às empresas de serviços (Magnos da Datasul na versão EMS — Enterprise Manufacturing Systems) que reduziu os custos administrativos de modo considerável, de 16% da receita líquida para aproximadamente 10%. Por volta de 1994, introduziu o TQM que define as diretrizes para a administração, baseadas no QCAMES (Qualidade, Custo, Atendimento, Moral, Entrega e Segurança) e, no momento, aguarda a certificação pela nova versão da ISO 9001.

A modernização na gestão (informatização e renovação da frota) e a terceirização provocaram a redução de pessoal, fato este acentuado pela mudança no perfil operacional,

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sobretudo a opção por percursos mais longos, menos dispendiosos em termos de mão-de-obra. O aspecto de competitividade citado como mais importante para essa empresa é a confiabilidade. A empresa afere a satisfação do cliente com uma metodologia de pesquisa individual que tem apontado o alcance das metas esperadas. Os itens que mais evoluíram, na opinião dos gestores, foram: qualidade, segurança (foco em acidentes de trânsito) e moral.

A Empresa B surgiu da junção de dois grupos tradicionais na área comercial, mas com características culturais diferentes, a empresa B é uma holding que atua nos ramos de distribuição de veículos e pós-venda. O modelo de gestão, introduzido por volta de 1994, é baseado no TQM com gerenciamento de rotinas, melhorias e 5 S. A estrutura organizacional mudou radicalmente com a fusão das empresas, que provocou a diminuição nos cargos de direção e terceirização das atividades do restaurante, limpeza, vigilância e serviço de transporte de carros de uma loja para outra. Como atende uma clientela de maior poder aquisitivo, adota o procedimento de pesquisa permanente in loco, nas oficinas e nas lojas, e via telefone visando aferir a satisfação do cliente e conferindo a qualidade dos serviços prestados.

A Empresa C atua no ramo do comércio varejista e não utiliza um modelo de gestão padronizado. Com o propósito de adquirir maior competitividade implementou, a partir de 1994, o processo de mudança na estrutura organizacional e nas estratégias de negócios, focalizando a área comercial em detrimento da área administrativa. Houve redução de pessoal, de 1.300 para 600 empregados (com 60% na área operacional e 40% na administrativa) e níveis de chefia foram eliminados.

Como as demais implementou seu processo de reestruturação na década de 90, tendo investido agressivamente no processo de informatização, além de reduzir o número de fornecedores e de itens disponíveisii. Terceirizou as atividades que não considera estratégicas para a empresa, como entregas, alimentação e assistência médica. Não deixa de ser um fato curioso a terceirização do pós-venda que, de certa forma, é uma atividade que completa o serviço de venda. Na contramão de uma série de conceitos referentes a serviços, nesta empresa, o pós-venda não é visto como parte da atividade fim.

A Empresa D caracteriza-se por uma estrutura horizontalizada e passou por uma reestruturação na área de negócios em 1992, um momento de sucessão no comando familiar. Nesta passagem, muitas das características de gestão familiar-paternalista foram abandonadas, fato este que abriu espaço para um modelo de gestão mais profissional, responsável pelo desencadeamento de processos de mudanças cuja implantação vem sendo acompanhada por consultorias especializadas.

Também em 1992, a empresa adquiriu nova tecnologia de produção para o parque gráfico (impressão em cores) e reduziu o quadro de funcionários em cerca de 30%. Em 1994, a redação do jornal foi informatizada provocando nova redução de pessoal, aproximadamente 10%. Em 1996, implantou um programa de qualidade total, que durante dois anos foi conduzido por uma coordenação geral que, dissolvida em 1998, deixou sedimentados alguns valores e posturas desse programa. Em 2000, passou a utilizar um software de gestão, o EMS, como forma de suporte às mudanças estabelecidas com a reestruturação dos processos internos. Neste processo, algumas áreas foram estruturadas em células de trabalho de caráter multifuncional.

No intuito de reduzir custos e otimizar os recursos, várias atividades consideradas não fins foram terceirizadas, como vigilância, manutenção de jardins, manutenção dos equipamentos e sistemas de informática e exames psicotécnicos e há projetos de estender esse processo a outras áreas, como transporte de equipes de reportagem. A distribuição de jornais já havia sido terceirizada em 1975. A maioria dos funcionários, demitidos em decorrência da terceirização, foi absorvida pelas firmas contratadas.

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Verifica-se a existência de algumas atividades padronizadas, como a impressão e a compra de material, tendo em vista a redução de custos em geral. Porém, ela não se estende para aquilo que a empresa considera a essência da prestação do serviço, ou seja, o tratamento da informação.

A Empresa E iniciou, na década de 70, o processo de mudanças administrativas, passando a ser dirigida por profissionais do setor, inaugurando uma fase de gestão em que a competência tende a neutralizar a ingerência política. Até 1985 ela ampliou expressivamente o número de agências e, em 1989, passou a operar como um banco múltiplo, atuando em várias áreas do setor financeiro.

O processo de automação bancária iniciado em 1988, intensificou-se em 1992 com a implantação do sistema on line; a partir de 1997, a introdução do Home Banking diminuiu os custos das operações, provocando, em 2000, a sua extensão para toda rede do banco.

A partir de 1994, com o Plano Real, as modificações se intensificaram para adequação do banco à realidade de índices inflacionários mais baixos. Não segmenta o trabalho por áreas administrativas e operacionais, ambas estão conjugadas Desde 1996, após um período de reestruturação que promoveu a redução de pessoal devido a informatização e contenção de despesas, faz uso, cada vez mais freqüente, de equipes de trabalho interdepartamentais para desenvolvimento de projetos. No período de 1990 a 2000 houve redução no quadro de funcionários em aproximadamente 16%, seja por demissão incentivada ou por aposentadoria.iii

A empresa não implantou um programa próprio de qualidade e produtividade, mas participa de um programa de qualidade do governo estadual. Em 2001, apresentou uma nova estrutura organizacional ao reformular a área operacional. Essas mudanças exigiram adequação de sistemas, controles e atualização de normas pautando-se por uma filosofia de integração dos trabalhos que amplia o intercâmbio entre unidades e complexifica o processo decisório. O novo organograma da empresa ficou mais enxuto, departamentos e unidades foram condensados. A empresa possui oito níveis hierárquicos, sendo cinco níveis na direção geral do banco (direção, superintendências, departamentos, coordenadoria e agências) e três nas agências bancárias propriamente ditas (três modalidades de gerência, caixa e técnico bancário). A função de supervisão foi extinta, os funcionários foram transferidos para outros setores e as atribuições da função remanejadas para o encarregado de turno, gerente de suporte e coordenador.

As estratégias de motivação e de envolvimento dos funcionários com as metas da organização têm como alvo a conquista e fidelização de clientes. O investimento na formação de pessoal é uma das prioridades da empresa e envolve várias modalidades: estímulo à conclusão de cursos de especialização e mestrado; incentivo à leitura de periódicos e jornais; promoção de palestras; reuniões regionais com o presidente, diretores e superintendentes da empresa; e comunicação interna por meio de informativos.

Com o objetivo de reduzir custos, de aumentar a qualidade e atingir maior flexibilidade, a empresa se concentrou na sua missão e terceirizou, parcial ou totalmente, muitas de suas atividades, entre elas: compensação; limpeza; microfilmagem; setor jurídico; desenvolvimento de sistema; retaguarda e locação de veículos. Os funcionários das atividades terceirizadas, segundo os gestores, em sua maioria foram remanejados para outras áreas da empresa; quando não, montaram firmas próprias que se converteram em prestadoras de serviços para a empresa.

Em todos os casos analisados, os modelos de gestão utilizados têm reproduzido aqueles em voga, já há alguns anos, nas empresas industriais visando à racionalização de recursos, o que inclui o enxugamento das atividades consideradas não fins e a redução de pessoal. Nota-se a presença do discurso da redução de custos e da flexibilidade no uso dos

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recursos, este último, muitas vezes diluído em treinamentos e técnicas que buscam a interação entre pessoas e novas formas de organização. (Gianesi e Corrêa, 1994).

Em síntese, os casos estudados podem ser caracterizados como tipos de produção industrial de serviço que incorporam "em suas tecnologias, em sua organização social, em seus objetivos de eficiência, princípios semelhantes aos que se desenvolvem na indústria, aplicando-os, modificando e adaptando-os à produção de serviço" (Zarifian, 1999b, p.9).

3. Produtividade e Mecanismos de Motivação Se a produção de serviços não segue literalmente a lógica da produção de bens,

também o conceito de produtividade difere daquele aplicado ao setor industrial, pois deve ser levado em conta o componente de incerteza inerente às atividades que somente serão realizadas na medida em que forem demandadas. Como os parâmetros para se antecipar de forma precisa a esta demanda são provisórios e incertos, é necessário manter a disponibilidade de atender a demanda sempre que solicitada pelo consumidor. Esta particularidade é crucial para os aspectos organizacionais das atividades de prestação de serviços, bem como para se dimensionar a quantidade de trabalho a ser absorvida, os mecanismos de motivação e o sistema de remuneração dos trabalhadores.

Em alguns aspectos, os critérios de aferição da produtividade e rentabilidade dos serviços se aproximam muito da lógica industrial, por exemplo, quando se estruturam em tempos e métodos clássicos fornecidos pelas montadoras às oficinas, ou seja, são estabelecidos na empresa industrial e transpostos para a empresa de serviços. Na atividade pós-venda, avalia-se a satisfação com o produto comprado e o desempenho do vendedor (lógica industrial) predominando a análise do produto associada à prestação do serviço; e, no caso das oficinas, prevalece a avaliação do caráter de utilidade (valor utilidade) buscando-se avaliar o resultado do serviço prestado. (Zarifian, 1999b) Os fatores preponderantes para avaliação de uma operação de serviços freqüentemente nem sequer são aferidos, entre eles, critérios como consistência, velocidade de atendimento, atendimento/atmosfera, etc. (Gianesi e Corrêa, 1994).

Segundo a experiência descrita em Gadrey (1999) esses critérios transpostos da lógica industrial não atendem e, muitas vezes, até mistificam os problemas provenientes da diversidade da natureza das operações que fazem parte do setor serviços. O autor chama a atenção para "a necessidade de um modelo pluralista de avaliação de desempenho fundado em critérios múltiplos que integrem os métodos industrialistas dominantes, mas de forma relativizada". E, ainda, que "questões como o 'produto' do serviço e a produtividade do trabalho devem ser equacionadas considerando-se as particularidades de atividades que estão mais próximas ou ainda mais distantes da lógica industrial".

Na empresa A, no nível gerencial os ganhos de produtividade estão vinculados às "metas do programa de qualidade", como, por exemplo, a meta de segurança. Sendo uma empresa de transporte de passageiros a segurança no trânsito, a ausência de acidentes é uma das metas mais importantes. Outras metas como qualidade, pontualidade e moral, são pagas desde que a empresa atinja determinado nível de rentabilidade.

Para os empregados existem alguns programas novos como a premiação, quando atingem as metas. Para os motoristas há um prêmio anual pela performance apresentada, mas a empresa está criando um programa de avaliação de desempenho, que será realizado em período de tempo mais curto.

A empresa A adota a avaliação em grupos, mas está em estudo a possibilidade de uma avaliação mista: 30% da premiação individual e 70% do grupo. De gerentes a motoristas todos são avaliados uma vez por ano, nos aspectos comportamentais e relacionais e no cumprimento de metas. No caso do motorista, a produtividade equivale a um bom desempenho aferido pelos seguintes critérios: segurança dele como condutor, atendimento ao

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passageiro, atendimento às normas disciplinares da empresa, desempenho e comportamento na redução de determinados custos. A empresa tem uma modalidade de treinamento voltada especifiamente para o seu programa de redução de consumo de combustível e pneus.

Quanto à medição de produtividade, a empresa B utiliza dois parâmetros básicos: produtividade e rendimento. A produtividade é medida considerando a expectativa de eficiência, por exemplo, 85% de eficiência: das 200 horas mensais disponíveis, o operador deve trabalhar 85% desse tempo. A avaliação do rendimento considera que toda operação de manutenção tem um tempo padrão estipulado pela concessionária, o que serve de parâmetro para avaliar a produtividade da operação.

No que diz respeito aos mecanismos de motivação, a empresa B promove reuniões, conversas e psicodrama e adota um padrão de remuneração variável de acordo com as vendas de produtos e de serviços. Existe a "supermeta" que, se atingida, garante ao funcionário uma remuneração adicional.

Na empresa C, os critérios para medição da produtividade são clássicos e estão inseridos na lógica industrial, pois, mais uma vez, não se reportam a uma análise multicritério (como nos alerta Gadrey, 1999), mas se restringem a quantificar o volume de vendas dos empregados, sem agregar aspectos qualitativos, tal como sugerido na matriz multicritérios. Para o autor, "as particularidades do setor colocam a necessidade de avaliações pluralistas mediante a criação de multicritérios de desempenho dos serviços. A grade de avaliação multicritério [...] procura superar uma avaliação fundada nos desempenhos técnico, comercial e financeiro de curto prazo. Contém critérios diversos como: critérios de julgamento sobre o valor e a quantidade do produto da atividade; critérios técnicos ou industriais; critérios comerciais e financeiros; critérios de relacionamento; critérios cívicos e ecológicos; critérios de criatividade ou de inovação; critérios de imagem e de reputação" (Gadrey, 1999, p.19).

A área de RH da empresa C desenvolve técnicas específicas "caso a caso" para gerar motivação. Em algumas situações adota posturas assistencialistas voltadas para os funcionários que estão enfrentando problemas pessoais, que interferem no desempenho profissional. Em geral, os mecanismos de motivação ficam delimitados na relação chefe/subordinado, cabendo ao gerente lidar com os problemas da unidade produtiva, deslocando funcionários que não estão atingindo suas metas particulares e buscando junto com a área de RH soluções para tais problemas.

Quanto à remuneração, nas empresas A, B e C, os padrões são variáveis segundo o nível de conhecimento, o conteúdo e as exigências do cargo, o desempenho e/ou a produtividade definida pelo volume de vendas e/ou o alcance das metas. No caso dos motoristas da empresa A o salário também é variável, incluindo uma avaliação baseada em desempenho e comportamento.iv

A empresa D não explicitou claramente seus parâmetros de avaliação de produtividade, em grande medida por ter seu faturamento diretamente relacionado com a venda de anúncios. Mas, destaca a preocupação com a relação custo/benefício baseada em três aspectos: qualidade gráfica, redução de custos e do desperdício.

Pratica-se nesta empresa a motivação pela educação, com destaque para os programas de desenvolvimento de pessoal. Aos empregados carentes de escolaridade, a empresa oferece internamente, desde 1998, cursos de 1º e 2º graus ministrados pelo SESI. Para os demais níveis, destina uma quantidade de recursos utilizados na forma de reembolso estudantil. Neste caso, é o Departamento de Recursos Humanos que seleciona os contemplados entre pleiteantes, seguindo critérios que levam em conta a adequação do curso à função exercida na empresa, as perspectivas de carreira do funcionário e sua sintonia com os propósitos da empresa. Nesta mesma linha, também dispõe de convênio com escola para curso na língua inglesa (são 100 vagas com bolsa de 100%, com acompanhamento das notas e faltas).

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Outras formas de motivação praticadas são: a prioridade dada ao recrutamento interno para ascensão na carreira; os benefícios indiretos, como oportunidade de participação em eventos promovidos pela empresa e premiação pelo reconhecimento de talentos internos.

Na empresa D, alguns aspectos de motivação refletem no salário, como o sistema de ganhos associados à produtividade (Plano de Participação nos Resultados) que possui três metas distintas atreladas ao orçamento: o resultado da empresa no negócio, o resultado da área e o resultado individual. As áreas de Planejamento/Controle e de Recursos Humanos avaliam o resultado alcançado das metas. Cada funcionário ou equipe presta contas das suas metas às respectivas gerências que, por sua vez, enviam anualmente os resultados ao DRH.

Na ausência de uma plano de carreira formal, a avaliação individual, realizada anualmente, pode ser uma forma de ascensão dentro da empresa, desde que o candidato se enquadre no perfil de competências (qualidades técnicas e pessoais) desenhado, com apoio de uma consultoria, para cada cargo.

A empresa E mede a produtividade pelo resultado operacional, com ênfase nas atividades de front office, uma medida de caráter global e distante de critérios qualitativos. Ainda não implantou a remuneração por produtividade, mas para a venda de alguns produtos paga-se, a título de incentivo, um percentual em bônus.

Esta empresa também incentiva a elevação da escolaridade e da qualificação de seus funcionários por meio de bolsas parciais (o percentual varia de acordo com o cargo) para especialização e nível superior, em cursos relacionados com a área em que o empregado está locado. Também realiza concursos internos que favorecem a ascensão vertical.

4. Aspectos da organização do trabalho Ao analisar o setor serviços, Offe (1991) destaca a relação de cooperação funcional

desse setor com a esfera da produção de mercadorias e de reprodução do conjunto da sociedade, e o fato de que o serviço não se esgota no ato de sua prestação, mas inclui a manutenção de uma disponibilidade para esta prestação que ocorre em tempo real.

Ainda segundo o autor, o trabalho de prestação de serviços situa-se no intercruzamento de duas racionalidades: a racionalidade industrial, na qual o trabalho é padronizado e a liberdade de ação do trabalhador é restrita, e a racionalidade da 'intermediação', típica do trabalho em serviços, que pressupõe maior liberdade de atuação, conforme o contexto em que se demanda a prestação de um serviço.

A realidade das cinco empresas pesquisadas revela práticas tradicionais de organização e de gestão do trabalho muito mais próximas da lógica industrial fordista do que da lógica de prestação de serviços, tal como definidas por Offe e também por Zarifian (1999b). Em geral, os formatos de organização do trabalho reproduzem modelos já consagrados e que foram desenhados tendo em vista as características do produto ou do serviço produzido, bem como a natureza do processo de trabalho no setor.

A predominância do trabalho especializado e a permanência da divisão de cargos, mais rígida nas empresas B e C e menos na A, explicam a pouca atenção às práticas de enriquecimento dos cargos, à polivalência e ao trabalho em grupo. Profissionais especializados como motoristas, cobradores, eletricistas, borracheiros, mecânicos e vendedores estão vinculados a postos fixos, alguns normativos, acoplados a níveis salariais definidos em convenção coletiva com o sindicato.v

Se a execução das tarefas mantém-se muito especializada, a atuação em equipe na área operacional das empresas se limita à discussão do processo. Por exemplo, segundo o entrevistado, dirigir, limpar ou trocar o pneu de um ônibus são tarefas individualizadas, o que pode ser discutido é como vai ser feito, qual vai ser o padrão de limpeza de um ônibus etc. Também na empresa C a atuação em equipe na verdade não passa de uma reunião em que o diretor conduz as estratégias e depois "cada um vai fazer o seu trabalho".

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A empresa B reconhece que possui uma administração muito centralizada e o nível de especialização é alto. No entanto, tenta implantar um rodízio na área administrativa e de supervisão e formar profissionais multiqualificados com vistas a diminuir a dependência em relação aos especialistas.

A estrutura da empresa C permanece organizada em cargos independentes e departamentos com seus próprios objetivos, suas metas, mas certamente vinculados à "definição estratégica da empresa como um todo". Antes era uma empresa tipicamente familiar em que tudo girava em torno dos proprietários. Atualmente, a empresa está mais profissional, e "cada cargo tem a sua missão e cada missão o seu tamanho" e "a pessoa que exerce aquele cargo está selecionada tecnicamente para aquele tamanho de problema".

A função de supervisão inclui as funções clássicas: gerenciar pessoas e controlar o andamento das rotinas do setor. A empresa A tem supervisor de manutenção, tráfego e vendas, desempenhando funções "que necessitam de uma dinâmica mais moderna", como "chamar o grupo para conversar", "criar espírito de equipe", enfim "liderar neste sentido mais moderno", o que inclui a motivação. Na empresa B, o supervisor tem um perfil menos administrativo porque as atividades exigem lidar com gente o tempo todo. Cabe a ele gerenciar o fluxo de loja, acompanhar o "fechamento de negócios" com maior autonomia para negociar com o cliente. O modelo departamentalizado da empresa C agrega a supervisão às funções técnicas e aos postos, tornando-a responsável pelo andamento das tarefas operacionais.

Na Empresa D, a multifuncionalidade é um fato recente e, embora se afirme que "todos os setores treinam seus funcionários para realizar todas as tarefas", na verdade, os setores funcionam como células com funções específicas, mas quais o rodízio somente ocorre em caráter de substituição, no caso de ausência do titular. Não há trabalho em grupo ou equipe e não há autonomia nas linhas de edição, um local previlegiado para o trabalho criativo, mas sempre dependente do aval do editor. Na confecção do jornal, o trabalho é organizado nos moldes tradicionais — um trabalhador, um posto e determinadas tarefas.

Na Empresa E, verifica-se uma estrutura hieráquica vertical de cargos com atribuições definidas e pré-requisitos estabelecidos, o que não impede o rodízio de pessoas nas tarefas. A maioria dos projetos são feitos em grupos ou equipe multifuncional. Os grupos de trabalho são criados para atender objetivos diversos e possuem autonomia em sua decisão em consonância com os objetivos propostos, emanados do Planejamento Estratégico. Não há treinamento específico para o trabalho em grupo. A área de treinamento é atuante, e desenvolve vários treinamentos: comportamental, liderança, trabalho em equipe, etc.

Atualmente, uma das principais características que o trabalhador bancário precisa ter é a capacidade de executar diversos trabalhos ao mesmo tempo, deve dominar noções de informática, estar bem informado a respeito do funcionamento do mercado e também ser um excelente vendedor (bancário-vendedor). O banco dá ênfase à treinamento/qualificação e à elevação de escolaridade, agora vistos não mais como despesa, mas como investimento vital à sua sobrevivência, pois contribui para o aumento da competitividade e da produtividade. Assim incentiva o trabalhador a se capacitar por conta própria; oferece parte dos cursos e treinamentos necessários para desenvolvimento de suas tarefas com eficiência e qualidade. (Cruz, 2001)

5. Seleção, Treinamento e Capacitação Se os formatos tradicionais de organização do trabalho, com especialização nas tarefas

e ausência do trabalho em equipe, aproximam três das unidades pesquisadas (A, B e C) da lógica industrial tipicamente fordista, os mecanismos de seleção de pessoal agregam a esta tendência as particularidades do setor de serviços no que diz respeito ao perfil profissional

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demandado. As empresas D e E apresentam tímidas inovações no formato da organização do trabalho, mas são mais agressivas no investimento em formação profissional.

O Quadro 2 apresenta uma síntese das características do pessoal empregado, que evidencia alguns traços típicos do setor de serviços no que tange ao perfil de sua força de trabalho: a presença da mulher e o nível mais elevado de escolaridade, aspectos de significativa relevância na definição de modelos de organização do trabalho. A escolaridade mais elevada é considerada necessária para sustentar a carga de conhecimentos e informações e a capacidade de interação e de comunicação com os clientes e usuários.

Uma descrição sumária dos parâmetros do processo seletivo e da política de formação de pessoal destaca, nessas empresas, a existência de critérios rigorosos de seleção, incluindo a escolaridade mais elevada, e uma diversidade de situações no que diz respeito ao investimento em treinamento.

Na empresa A, além do nível educacional, as características pessoais e a experiência profissional são os requisitos mais importantes na seleção. A ênfase recai nas habilidades comportamentais e interativas. Assim, segundo o entrevistado, mesmo os funcionários portadores de "um estilo mais rude, mais rústico", como ainda se encontra entre os motoristas, "são disciplinados, capazes de bom relacionamento e boa compreensão das coisas". Empresa A 2.094 pessoas na área operacional e 320 na administrativa; 90% dos empregados são do sexo masculino; 727 têm de 21 a 30 anos e 1.599 de 31 a 40 anos. nível de escolaridade é baixo (22% das pessoas sem o 1º grau completo e 44% com o 1º grau completo ou o 2º incompleto). Empresa B 448 pessoas: 83 na área operacional e 365 na administrativa; 72% dos empregados são do sexo masculino (incluindo estagiários); nível de escolaridade pode ser considerado bom (4,5% com nível superior ou mais, 58% possui o 2º grau completo, 26% possuem o 1º grau completo ou o 2ºgrau incompleto, 10% não possuem sequer o 1º grau) Empresa C contingente de empregados jovem (75% têm até 30 anos), aproximadamente 50% de homens e 50% de mulheres; nível de escolaridade pode ser considerado alto (2º grau é um critério para a seleção de pessoal). Empresa D 29% dos empregados estão entre 21 e 30 anos, 37% entre 31 e 40 anos e 34% acima de 40 anos; 43% são do sexo masculino; bom nível de escolaridade (37% têm o 2º grau completo e 27% têm nível superior; 9% ainda não possuem o 1º grau completo e 15% não têm o 2º grau completo. Empresa E 99% de pessoas acima de 30 anos (58% estão acima dos 40 anos) 52% são do sexo masculino; bom nível de escolaridade (49% têm o 2º grau completo e 32% possuem nível universitário; 2% não possuam o 1º grau e 6% têm 1º grau completo ou 2º grau incompleto.

Quadro 2 - Características do Pessoal Empregado. Fonte documental com percentagens aproximadas.

A empresa B prioriza a formação profissional e as características pessoais no

momento da seleção. A característica básica no perfil do funcionário é a atitude pró-ativa no sentido de executar. A exigência de habilidades reflexivas é secundária em relação às habilidades de ação e de comunicação e à capacidade de aprender, "porque o negócio muda todo dia". As qualidades mais enfatizadas são: autodidatismo, disciplina, fluência na fala e

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outras habilidades comunicativas que conquistem a confiança do cliente. O entrevistado admite que a contratação ainda está baseada na intuição e não em procedimentos científicos que evitariam desperdício de recursos com treinamento.

A empresa C tem como pré-requisito para seleção a educação formal de nível de 2º grau completo ou universitário. A justificativa é que a empresa está desenvolvendo a área de informática, e a escolaridade média é fundamental para se lidar com essa ferramenta. Outra razão é que a empresa enfatiza muito a promoção interna, e o empregado com carência de educação formal não teria condições de ocupar certos cargos que vão sendo abertos na empresa. A seleção prioriza as experiências do candidato e as habilidades de relacionamento interpessoal, definidas a partir da análise do cargo. Isto vale também nas oportunidades de promoções internas: avaliam-se os que têm condições de ocupar os espaços abertos na estrutura de cargos e funções. As qualidades profissionais destacadas são: visão de informática, desejo de evoluir e capacidade de se adaptar às mudanças impostas pelo dinamismo do mercado.

A Empresa D utiliza os seguintes critérios para seleção de pessoal: nível educacional no mínimo de segundo grau completo, formação e experiência profissional e teste de seleção, não importando os fatores como sexo, idade e características pessoais. Nos processo de recrutamento, a empresa prioriza o recrutamento interno para dar oportunidade ao funcionário.

Na Empresa E, os critérios de seleção de pessoal dependem do cargo e da função; a divulgação é feita por meio de editais. Os candidatos participam da seleção realizada por meio de provas objetivo/interpretativas, discursivas, análise de perfil, entrevista e dinâmica de grupo. Valorizam-se o nível educacional, a formação e a experiência profissional e o resultado no teste de seleção.

Tem havido mudanças nos conteúdos dos programas de treinamento, que buscam atender às demandas exigidas pelo cargo e ou função. A empresa tem promovido cursos na área operacional e comportamental com conteúdos específicos de acordo com a demanda e o cenário sócio-econômico e político da empresa. Dos anos 90 em diante, especificamente a partir de 1995, o treinamento mudou radicalmente para se adaptar à lógica de mercado: novo layout das salas, nova metodologia e conteúdos, participação intensa dos funcionários, etc. (Cruz, 2001)

Nas empresas A, B e C, apesar da preocupação em elevar a escolaridade, o investimento em treinamento é baixo. A empresa A mantém, para os trabalhadores da área operacional e da área administrativa, uma estrutura básica de treinamento com ênfase nas habilidades comportamentais e comunicativas visando à melhoria das relações interpessoais. O treinamento gerencial é feito pelo PCG (Programa de Capacitação Gerencial) desenvolvido pelo próprio grupo, para capacitar gerentes e potenciais gerentes, e abrange: relações interpessoais (habilidade fundamental em uma empresa de serviços); habilidades comportamentais para lidar com as próprias emoções e com as dos outros; e relacionamento em grupo e capacidade de falar em público.

A empresa B mantém duas modalidades de treinamento: o técnico, que muda constantemente em decorrência das mudanças tecnológicas e da sofisticação dos processos e componentes eletrônicos, e outro direcionado à gestão. A agência comercial está vinculada a uma unidade técnica encarregada dos serviços "pós-venda', na qual mecânicos e consultores técnicos devem estar capacitados para ser interlocutores competentes entre os clientes e os produtores. Os mecânicos e consultores fazem um curso oferecido pelas empresas montadoras de veículos que é seguido de um teste, cujo resultado garante ao treinando um certificado de habilitação para ser técnico em qualquer concessionária do mundo. O treinamento atrelado ao desenvolvimento da carreira só existe para o mecânico, o cargo mais técnico no interior da empresa.

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O "treinamento de negócios" voltado para os donos de concessionárias, diretores e gerentes é realizado mediante uma parceria com outras instituições. Ainda na área de gestão, os profissionais estão freqüentando curso superior com financiamento parcial pela empresa.

Na empresa C, admite-se que o treinamento não pode ser genérico, pois assim acaba não produzindo o resultado esperado; deve seguir um percurso evolutivo e ocorrer sempre como resposta a uma necessidade. Assim, o chefe treina o funcionário de acordo com os objetivos que pretende alcançar e este treinamento consiste em corrigir, orientar, uma prática que intensifica a relação entre chefe e subordinado. Este caso torna mais explícita a predominância de uma abordagem tradicional da formação do trabalhador, a qual se limita a desenvolver as capacidades definidas a partir da análise do posto de trabalho.

Na empresa D as habilidades requeridas são distintas para os três níveis: gerência e supervisão, técnico e operacional. Mas, em todos os casos, o perfil mencionado inclui comprometimento com valores da empresa, iniciativa ou liderança, flexibilidade e capacidade de interação.

Na Empresa E, as especializações estão direcionadas ao gerenciamento, atendimento aos clientes e cumprimento de normas específicas do setor bancário. Os treinamentos são estruturados e reestruturados de acordo com as demandas de formação para o exercício do cargo ou função, definidos no planejamento estratégico.

Em se tratando de empresas cuja atividade pressupõe a relação direta com os clientes e com os usuários, a dimensão relacional embutida nos serviços torna-se mais intensa e relevante, uma vez que a persuasão integra o processo interativo envolvendo ofertantes e demandantes de tipos de serviços. As competências mais valorizadas tanto no setor operacional quanto no de gestão são as interativas, as emocionais e as cognitivas.

Vendedores, motoristas, profissionais de comunicação e bancários, aos quais compete realizar a atividade fim das empresas (transporte de passageiros, venda de produtos, produção e circulação de informação e serviços bancários), são profissionais especializados, cujas habilidades são distintas. Para vendedores destacam-se a capacidade de comunicação e convencimento que seduza o cliente; para os motoristas, a experiência profissional, o equilíbrio emocional, a disciplina e o senso de responsabilidade que permitam, sobretudo, garantir a segurança do transportes; para os profissionais de comunicação a escolaridade, a bagagem cultural, a capacidade de expressão e de comunicação; para os bancários, a capacidade de raciocínio e de processar informações, e as habilidades interativas e comportamentais.

Assim sendo, cabe retomar uma das dimensões do processo de produção de serviço, destacada por Zarifian (1999b), que é a mobilização de um conjunto convergente de conhecimentos, experiências e competências dos funcionários e da própria organização (suporte técnico e administrativo) com vistas a identificar, conhecer, interpretar e compreender as expectativas dos clientes quanto aos resultados; produzir boas soluções para os problemas apresentados e provocar estados de satisfação no cliente; e, de fato, conseguir gerar uma mudança na situação do cliente usuário.

Nessa ótica, as ferramentas tecnológicas auxiliam o processo de produção de serviços, que somente se realiza mediante a mobilização das competências cognitivas, interacionais e comunicativas. Nas empresas pesquisadas esta mobilização de competências é bastante restrita, em grande parte devido à já analisada permanência do modelo tradicional de organização do trabalho e de formação profissional. O apego à divisão de cargos e ao trabalho especializado dificulta o trabalho em equipe, bem como a atribuição de um espaço de autonomia e responsabilidade aos funcionários, tanto com relações previsíveis com os clientes quanto na resolução de situações imprevistas. Assim, a rotina profissional consiste em repetir tarefas em situações também repetitivas, sem a necessidade de iniciativa e de uma postura reflexiva face ao trabalho.

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6. Comentários Finais Um balanço final das mudanças em curso no universo pesquisado revela a

predominância da visão tradicional de reestruturação centrada na redução dos custos. No entanto, cada vez mais investem na confiabilidade, o que não deixa se ser um dos aspectos voltados ao atendimento de clientes e um critério importante de avaliação deste tipo de atividade, pois está voltado para garantir "a habilidade de se prestar o serviço de forma confiável, precisa e consistente" (Zeithaml et al, 1990 apud Gianesi e Corrêa, 1994, p.90).

A permanência do modelo tradicional é visível na organização do trabalho, pois o modelo clássico taylorista ainda persiste. A organização é clássica, com as funções e cargos bem delimitados e sistemas de controle estruturados (também baseados no conceito clássico de controle), funções que não prevêem autonomia e desempenho associado à premiação econômica quando se obtém o resultado esperado. Neste caso, prevalecem, na mensuração das atividades de serviço, critérios semelhantes àqueles incorporados pela lógica industrial: avaliam-se aspectos tangíveis relacionados ao resultado associados à concepção de valor de utilidade (Zarifian, 1999b).

A empresa B, em contraste com as demais, não tem uma história que sedimente uma matriz cultural nítida. Surgiu da união de dois grupos empresariais, estes sim provenientes de organizações familiares capixabas de respeitável cultura. Apesar do discurso inovador do diretor presidente, ressaltando os traços de uma concepção de gestão moderna, na prática a reestruturação da empresa segue vias tradicionais: prevaleceu a ótica de enxugar cargos e funções, principalmente administrativas, e a terceirização se restringiu às atividades não fins, evidenciando o receio persistente de externalizar atividades fins, como aquelas pertencentes ao front office da organização.

A empresa C, semelhante à empresa A, é uma empresa também familiar portadora de uma cultura consolidada. Porém, neste caso, fica mais evidente a visão conservadora: as transformações são lentas e graduais e sem vinculação com 'pacotes' ou 'modelos prontos' de gestão. Assim como as demais, o processo de reestruturação pelo qual tem passado é tradicional, ou seja, mexe-se na estrutura mas não nas relações de poder (ou trabalho).

Esse aspecto pode ser observado também nas empresas D e E. Elas apontam para uma reestruturação na organização do trabalho, buscando enfatizar competências, multifuncionalidade e, principalmente no caso E, a gestão baseada no trabalho de grupos que desenvolvem projetos pré-determinados e com duração temporária, porém mantêm a rigidez da estrutura organizacional formal concomitante a essas iniciativas paralelas, experimentando mudanças de modo não impactante.

Retomando o eixo teórico que pontuou a análise, cabe acentuar o conflito de lógicas que recorta a produção de serviços. Ainda que, segundo Zarifian (1999b), não exista uma lógica de serviços em estado puro, mas sim interagindo com outras lógicas produtivas, verifica-se, sobretudo na organização e gestão do trabalho, uma tensão permanente entre os interesses estritamente comerciais, os resultados financeiros, e a conduta compreensiva que se volta para as expectativas do cliente. Por sua vez, a drástica redução de pessoal, em curso nas empresas, explicita outro foco de tensão entre a lógica industrial-tecnicista e a lógica de serviço.

Contrapõe-se duas abordagens distintas da tecnologia: uma mais próxima do modelo fordista que prioriza os ganhos de eficiência obtidos mediante economias de escala, automatização e informatização, acompanhados de redução de pessoal empregado; a outra desenvolve uma nova visão de tecnologia como forma de construir "conhecimentos pertinentes e atualizados sobre as utilizações que os clientes fazem de bens e serviços" e também como uma "forma de capitalização de experiências e de assistência", que ao mobilizar "elementos de conhecimento e de experiências anteriores", aumenta a capacidade

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do funcionário para identificar as singularidades das expectativas dos clientes e usuários de bens e serviços.

Bibliografia CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede (A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura). São Paulo: Paz e Terra, vol. 1, 3. ed., 1999. 617 p. CHESNAIS, François. A Mundialização do Capital. São Paulo: Ed. Xamã, 1996. 336 p. CHINELLI, Filipina e PAIVA, Elizabeth. Emprego e Crescimento do Setor Terciário. In: Contemporaneidade e Educação. São Paulo, ano IV, n.6, 2º Semestre/1999, p.49-60. CRUZ, Cesar A. M. Qualificação Profissional e Reestruturação Produtiva: o Caso do Banestes. Dissertação de Mestrado, PPGE/UFES. Vitória, 2001. GADREY, Jean. Emprego, produtividade e avaliação do desempenho dos serviços. In: Seminário Temático Interdisciplinar, Os Estudos do Trabalho: Novas Problemáticas, Novas Metodologias e Novas Áreas de Pesquisa. São Paulo, USP/UNICAMP/CEBRAP, 1999. GIANESI, Irineu G. N. e CORRÊA, Henrique L. Administração Estratégica em Serviços: operações para a satisfação do cliente. São Paulo: Atlas, 1. ed, 1994. 233 p. OFFE, Claus. Capitalismo Desorganizado. Transformações Contemporâneas do Trabalho e da Política. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989. 324 p. ___________(Org.) Trabalho e Sociedade: Problemas Estruturais e Perspectivas para o Futuro da Sociedade do Trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Tempo Universitário, 2 vols., 1991. 216 e 184 p. ZARIFIAN, Philippe El modelo de competencia y los sistemas productivos. In: Cintefor, Papeles de la Oficina Técnica, n.8. Montevideu, 1999a. 46 p. [disponível em http://www.cintefor.org.uy] ZARIFIAN, Philippe. Valor, Organização e Competência na Produção de Serviço (Esboço de um Modelo de Produção de Serviço). In: Seminário Temático Interdisciplinar, Os Estudos do Trabalho: Novas Problemáticas, Novas Metodologias e Novas Áreas de Pesquisa. São Paulo, USP/UNICAMP/CEBRAP, 1999b. i O Brasil não foge à regra. Alguns dados são ilustrativos da expansão do setor de serviços no país: na década de 50 a participação dos serviços no emprego total (assalariado e não assalariado) passou de 24%: em 1970 passou para 31%, e atingiu 57% em 1996. Enquanto isso a participação do setor primário (agricultura, extração vegetal, pesca), que era de 59% em 1950, caiu para 50% em 1970 e 23% em 1996; a participação do setor secundário (indústria, extração mineral, "serviços públicos" ("public utilities" e construção), que era de 17% em 1950, atingiu 18,5% em 1970 e 23,4% em 1990, caindo para 20% em 1996. (Gadrey, 1999). ii A empresa tinha 600 fornecedores, hoje trabalha com 400 e pretende reduzir esse número a 300 até o final desse ano. Tinha 20.000 itens, atualmente tem 8.000 e pretende chegar a 7.000. O banco já chegou a ter no ano de 1989 mais ou menos 5000 funcionários, mas no ano de 2000, conta com mais ou menos 2.300 funcionários. Atualmente as admissões são feitas através de Concurso Público, sendo que o último só realizado em 1988. iii O banco já chegou a ter no ano de 1989 mais ou menos 5000 funcionários, mas no ano de 2000, conta com mais ou menos 2.300 funcionários. Atualmente as admissões são feitas através de Concurso Público, sendo que o último só realizado em 1988. iv Os salários indiretos praticamente se reduzem àqueles benefícios assegurados pela legislação trabalhista, acrescidos de assistência médica (convênios); assistência odontológica prestada pelo SEST/SENAT; seguro de vida, clube, e cesta básica de alimentos como prêmio aos funcionários que atingem as metas estipuladas. vEm quatro empresas, o trabalho temporário é muito pouco utilizado, ocorrendo apenas em momentos de picos de demanda, quando o volume de serviço requisitado supera os níveis-padrão. A empresa D não utiliza trabalho temporário, pois afirma praticar a polivalência.