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Movimentos abolicionistas em Taubaté/SPTRANSCRIPT
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP-USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
MOVIMENTAES ABOLICIONISTAS EM TAUBAT: A IMINNCIA DA
LIBERTAO DOS ESCRAVOS E A ANTECIPAO LEI UREA
Fabiana Cabral Pazzine
Universidade de Taubat (UNITAU)
O processo da abolio da escravatura, no Brasil, envolveu tanto fatores internos quanto
externos. Portanto, para compreender esse processo, faz-se necessrio recorrer aos fatos que
antecederam a abolio.
As presses britnicas representavam um obstculo manuteno da mo-de-obra,
escrava e, eram ocasionadas pela necessidade de se abrir novos mercados consumidores, fato
impulsionado pela Segunda Revoluo Industrial. Ao passo que havia essas mudanas no quadro econmico mundial, no Brasil, a economia
sofria novas alteraes, com a expanso da lavoura cafeeira, que demandava um nmero cada vez
maior de trabalhadores. Entretanto, mantinha-se a tradio escravista entre os produtores, o que
remetia para a Inglaterra um empecilho expanso da atividade industrial.
O caf passou a ser o principal produto de exportao brasileiro e, a partir de 1830, o Vale
do Paraba tornou-se o ncleo econmico da Provncia de So Paulo devido lavoura cafeeira.
Em razo da prosperidade da cafeicultura, a regio pode ser entendida, neste perodo, como um
centro catalisador de mo-de-obra escrava.
A abolio da escravatura ocorreu de forma lenta e gradativa. Iniciou-se com as
imposies britnicas sobre o trfico intercontinental, primeiramente com a proibio do trfico
no Atlntico Norte, depois com o Decreto Regencial de 1831, em seguida com a lei Bill
Aberdeen, de 1845. Em 1850, a lei de Eusbio de Queiroz, forou uma reestruturao nas
relaes escravistas internas. Na seqncia desses acontecimentos, no ano de 1871, foi
promulgada a Lei do Ventre Livre que outorgava liberdade aos recm-nascidos a partir daquela
data. Entretanto, essa lei encontrou dificuldades para ser aplicada. Os senhores tomavam para si a
guarda dos inocentes, j que, suas mes na condio de escravas, no teriam condies de criar os
seus filhos. Como pagamento dos gastos feitos durante os anos iniciais dessas crianas, os
senhores forava-os a trabalhar durante grande parte de suas vidas. Seguindo a tendncia
abolicionista, surgiu, em 1885, a lei Saraiva-Cotegipe.
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP-USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
Em 1888, o volume de escravos havia reduzido em cerca de dois teros do que havia dez
anos antes, no dia 13 de maio desse mesmo ano, foi assinada, pela princesa Isabel, a Lei urea
que colocou fim escravido no Brasil.
O foco de interesse no trabalho est, portanto, nessa mudana de cenrio poltico e social
movidos pelo processo de substituio da mo-de-obra e a insero na sociedade de um novo
grupo, os ex-escravos, que na maioria das vezes voltavam condio de explorao anterior por
no se encaixarem na sociedade. Esses conflitos foram percebidos atravs dos artigos publicados
em jornais da regio, tais como: O Futuro, O Paulista e Dirio Paulista.
O MOVIMENTO ABOLICIONISTA Ningum poder duvidar, em face dos ltimos acontecimentos ocorridos na Capital da Provncia de que a instituio servil ameaa a runa deste paiz, uma vez que medidas acertadas e opportunas no sejam postas em execuo.1
O movimento abolicionista tomou forma nos anos 1870, entretanto, tem sua
gnese nas primeiras manifestaes contra o trfico de escravos, seguindo uma tendncia externa.
preciso esclarecer que o movimento abolicionista alcanou sucesso nacional pela sua defesa
humanitria, porm, o maior argumento para os grandes senhores era dado atravs do carter
antieconmico do sistema escravocrata: bem verdade que o temor do castigo pde movel-o a
trabalhar; mas esse temor no capaz de infundir-lhe boa vontade.2 Tinha-se o argumento
convincente para os abastados, e o apoio da massa atravs dos sentimentos3. O movimento
abolicionista, segundo Joaquim Nabuco, no tinha o propsito de opor classes, pois para os
abolicionistas a emancipao no carrega apenas o interesse to-somente do escravo, mas do
prprio senhor, e da sociedade toda...4
O movimento abolicionista consistiu na tomada de conscincia, por uma parcela de
homens, quanto necessidade do fim da escravido. Em Taubat, o movimento recebeu o apoio
dos jornais locais, atravs de seus artigos, que apelavam para a ateno de todos, fazendo a
1 Dirio Paulista. A colonizao estrangeira no norte de S. Paulo, 10 de novembro de 1887. 2 Dirio Paulista. A colonizao estrangeira no norte de S. Paulo, 13 de novembro de 1887. 3 Sensibilizava-se a populao atravs da violncia empregada pelos senhores e exibia-se o lado sentimental dos escravos. Desta maneira retirava-lhe o estado de coisa, promovendo-o para o estado de pessoa. No me maldigas... Num amor sem termo/ Bebi a fora de matar-te... a mim .../ Viva eu cativa a soluar num ermo... / Filho, s livre... Sou feliz assim... (Castro Alves Poesias Completas de Castro Alves, Os Escravos, Mater Dolorosa, p.101). 4 NABUCO, Joaquim.O Abolicionismo. So Paulo: Publifolha, 2000. (Grandes Nomes do Pensamento brasileiro), p. 17.
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associao do movimento noo de progresso: Uma nao s agricola, ser uma nao por
natureza, pouco progressista, miservel.5
E criticava-se o governo: A resistncia, a intransigncia, no tem produzido bons resultados. o que demonstra ao progresso da ida entre ns. Hoje, de norte a sul, vemos que a generosidade particular tem feito relativamente mais do que nossos governos. 6
Alguns jornais que apesar de defenderem a abolio, tambm traziam manifestaes
contrrias: Moinho - Es abolicionista? - Sem duvida, - Por que? Ora que pergunta; por que a ida symphatica. - E os prejuisos da Nao? - O que tenho com elles. - No possuo escravos. 7
Atravs de manifestaes como essas possvel observar, a imagem que alguns senhores
de escravos tinham em relao ao movimento, pois, para esses, os abolicionistas
desconsideravam a questo de que o escravo constitua uma posse do senhor. A atividade
econmica bsica das fazendas desses senhores era a agricultura para exportao, em especial o
cultivo do caf, que foi a base da economia brasileira durante um longo perodo, para esses
senhores, portanto, o prejuzo financeiro no seria somente em mbito pessoal, mas sim, para
toda a nao.
O apoio de personalidades locais na causa abolicionista pode ser observado como um jogo
poltico, j que, alcanava-se notoriedade poltica. Destacou-se entre eles: o Dr. Francisco de
Paula Toledo, que foi diversas vezes presidente da Cmara Municipal e, principalmente, o
Conselheiro Antonio Moreira de Barros, presidente e criador da Comisso Pr-Libertao,
tornou-se mais tarde, o porta-voz do movimento abolicionista em Taubat e em toda a regio
valeparaibana.
TAUBAT
5 O Paulista 17 de fevereiro de 1883. 6 Dirio Paulista 10 de novembro de 1887. 7 O Futuro 12 de dezembro de 1880.
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Taubat libertou seus escravos no dia quatro de maro de 1888, antecipando-se a Lei
urea assinada em treze de maio do mesmo ano. As causas dessa antecipao podem ser muitas,
porm, com o intuito de poder elucidar esta questo me deterei aos fatos aludidos nos jornais da
cidade.
A rentabilidade do trabalho escravo se mostrou insuficiente, se comparado aos custos com
a sua manuteno. A causa do trabalho escravo ter se apresentado pouco produtivo, foi a prpria
deformidade do sentido do trabalho, pois o africano, que foi considerado dcil e at mesmo bom
trabalhador, no poderia ser considerado um bom escravo, j que nas oportunidades em que tinha
rebelava-se, causando prejuzos ao seu senhor: Devida a esta ou aquella causa, o que pouco nos
importa saber, o que verdade, que o escravo, j no constitui para o lavrador, um elemento
de garantia quer para o trabalho, quer para a tranquilidade domestica8. H de se considerar
ainda que, se em um primeiro momento o senhor tinha o gasto do valor inicial do negro, aps a
sua compra viriam os gastos com a sua manuteno, isso sem considerar os gastos com o escravo
doente e no caso de morte, que representaria um prejuzo ainda maior: A questo servil chegou ao periodo agudo; a instituio tende a desapparecer, a despeito mesmo de qualquer medida tomada pelo poder legislativo, que de maneira nenhuma parece satisfazer as exigencias da epocha. 9
O movimento, porm, no buscava mudanas de mentalidade em relao ao negro seus
lderes defendiam manuteno de poder e riqueza, pelo vis humanitrio j que o fim da
escravido representava mais a formao de uma conscincia que defendia que o sistema
escravista no tinha mais espao na sociedade, sendo limitado, porque gerava pouco lucro em
comparao ao trabalho assalariado. Nesse sentido, a libertao dos escravos teria carter
totalmente capitalista. Porm, ao observarmos o grande nmero de atos de insubordinao dos
escravos estampados nos jornais, pode-se concluir a abolio no se deu apenas pelos motivos
econmicos.
Os escravos quando aqui chegavam, retirados de grupos tnicos e culturais
diferentes, tinham que se adaptar a condies diversas encontradas nas fazendas de seus senhores.
Em um primeiro momento, as relaes entre escravos e senhores, que no era uma relao
natural, j que era forada10, em prol do senhor, que via no escravo sua forma de ganho e garantia
de produo. A partir do momento em que o fazendeiro comprasse a sua mercadoria, bastaria 8 Dirio Paulista 10 de novembro de 1887. 9 Dirio Paulista 10 de novembro de 1887. 10 Cf. GOULART, Jos Alpio, Aspectos de Rebeldia dos Escravos no Brasil - Da Fuga ao Suicdio, Rio de Janeiro: Conquista, 1972.
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garantir que seu escravo produzisse seja pela violncia ou ento pela compensao.11 No primeiro
caso, a violncia era a servio dos feitores, tendo em vista que a escravido foi fundamentada na
violncia, nesse sentido o servio e a autoridade do feitor e do senhor tornaram-se
imprescindveis para a manuteno do sistema: o direito do senhor fundamentado na violncia
est condenado violncia para se manter12. J no segundo caso, essa garantia viria atravs de
uma recompensa para o escravo, ou seja, aquele que se comportasse de maneira exemplar, no
seria castigado, ao contrrio dos outros que serviriam de exemplo.
Segundo Goulart13, o comportamento do negro dcil pode ser facilmente explicado, pela
questo da sobrevivncia, no sendo aceito a possibilidade de contentamento com sua condio,
s vezes seu comportamento tambm era originrio do psicolgico, que afetado pelas condies
anormais, chegava apresentar anomalias no seu equilbrio biolgico, o escravo no perdia a
capacidade de reagir s que devido ao seu estado, este deveria ser devidamente provocado, para
que pudesse despertar e reagir subitamente. Essa difcil relao impediu por muito tempo a
formao de movimentos pelos prprios escravos, que no podiam confiar neles prprios, alm
da barreira cultural existentes entre eles. No que os movimentos de revolta fossem inexistentes,
muito pelo contrrio, estes eram abundantes, pois conforme pode ser percebido atravs das
publicaes dos jornais, havia vrios escravos que fugiam, tentavam suicdio ou cometiam crimes
contra o senhor ou a sua famlia14: Tentativa de suicidio O escravo Domingos pertencente ao senhor Major Augusto Marcondes Varella, s 3 horas da tarde do dia 23, na fazenda deste senhor, tentou-se suicidar-se, disparando contra si uma espingarda carregada com chumbo do meio, e dando diversos golpes no pescoo. Domingos que ter 30 annos de idade era o administrador da fazenda de seu senhor, que lhe depositava illimitada confiana e o tratava com toda a amisade, pois era creoulo de sua caza. Attribui-se este facto a faltas que commettera ultimamente e que receava fossem conhecidas de seu senhor. Trazido para esta cidade, foi mandado para o Hospital de Santa Izabel, onde lhe prestou os primeiros soccorros o illustrado sr. dr. Emilio Winther. H esperanas de salval-o. 15
11 COSTA, Emlia Viotti da. Sistemas Disciplinares, Relao entre senhores e escravos, Parte II Condio nas zonas cafeeiras.Em: Da senzala colnia 4 ed. - So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1998. - (Biblioteca bsica) 12 Victor Schoelcher, Esclavage et Colonisation Costa, Emilia Viotti da, Da Senzala Colnia, pg. 336. 13 Cf. Aspectos de Rebeldia dos Escravos no Brasil- Da Fuga ao Suicdio. 14 Cf. PAPALI, Maria Aparecida C. R. Escravos, Libertos e rfos: A Construo da Liberdade em Taubat (1871 1895). 15 O Paulista 26 de dezembro de 1884.
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Porm, essas expresses de revolta quanto a sua condio e tratamento eram isoladas, e os
movimentos maiores como os que constituram os quilombos foram os mais difceis de serem
formados, devido a relao escravo e senhor, alm da relao escravo e escravo.
A antecipao da libertao dos escravos em Taubat deve-se, portanto, aos fatores
econmicos, mas especialmente aos fatores sociais, que proporcionaram uma situao
insustentvel para a sociedade, a este contexto acrescenta-se a ao do movimento abolicionista
(Comisso Pr-Libertao) e a imprensa taubateana.
BIBLIOGRAFIA
ABREU, Maria Morgado de. Taubat: de ncleo irradiador de bandeirismo a centro industrial e
universitrio do Vale do Paraba. 2 ed. Taubat SP: Taubateana, 1991
ABREU, Maria Morgado de, ANDRADE, Antnio Carlos de Argllo. Histria de Taubat
atravs de textos. Taubat, So Paulo. 1996 (Taubateana n 17)
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Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de Histria: Poder, Violncia e Excluso. ANPUH/SP-USP. So Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
ALVES, Castro. Poesias Completas de Castro Alves. Rio de Janeiro: editora Tecnoprint S.A.
COSTA, Emlia Viotti da. Da senzala colnia 4 ed. - So Paulo: Fundao Editora da
UNESP, 1998. - (Biblioteca bsica)
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Annablume, 2001.
FONTES IMPRESSAS CITADAS:
Jornais:
O Futuro ano de 1880.
O Paulista anos de 1883 e 1884.
Dirio Paulista ano de 1887.