motivaÇÃo em pediatria oncolÓgica: a … definitiva... · de cuidados à criança/família com...

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ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DO PORTO Curso de Mestrado em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria MOTIVAÇÃO EM PEDIATRIA ONCOLÓGICA: A PERSPETIVA DOS ENFERMEIROS DE UM SERVIÇO DE PEDIATRIA ONCOLÓGICA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Orientação: Professora Doutora Maria Margarida da Silva Reis dos Santos Ferreira Coorientação: Mestre Palmira Conceição Martins Oliveira Sónia Isabel Martins Gomes Pereira Porto | 2013

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  • ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DO PORTO

    Curso de Mestrado em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria

    MOTIVAO EM PEDIATRIA ONCOLGICA:

    A PERSPETIVA DOS ENFERMEIROS

    DE UM SERVIO DE PEDIATRIA ONCOLGICA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    Orientao:

    Professora Doutora Maria Margarida da Silva Reis dos Santos Ferreira

    Coorientao:

    Mestre Palmira Conceio Martins Oliveira

    Snia Isabel Martins Gomes Pereira

    Porto | 2013

  • II

  • III

    AGRADECIMENTOS

    A elaborao de uma dissertao, embora tenha um cariz individual,

    tambm resultado de um trabalho interdependente e rene os contributos de

    algumas instituies e pessoas. De facto, dificilmente se conseguiria percorrer

    este caminho, sem contar com o apoio, persistncia e incentivo daqueles que

    ajudaram a ultrapassar os obstculos e os momentos de desnimo. Assim, este

    espao dedicado a todos aqueles que, de alguma forma, contriburam para que

    esta investigao fosse possvel. No sendo vivel nomear todos, existem alguns a

    quem no posso deixar de manifestar a minha estima e o meu agradecimento

    sincero.

    Professora Doutora Margarida dos Reis Santos Ferreira por ter aceite a

    orientao deste estudo, pelo seu contributo para o desenvolvimento da minha

    formao profissional, pela partilha de saber e por todo o suporte, interesse e

    disponibilidade prestado ao longo deste trabalho de investigao.

    Professora, Mestre Palmira Oliveira pela sua orientao e ajuda no

    desenvolvimento deste estudo, pela partilha de saber, interesse e por todos os

    conselhos e sugestes.

    A todos os participantes, alguns deles amigos, que tornaram exequvel a

    realizao deste estudo, obrigada pela vossa colaborao e partilha de

    conhecimentos.

    A todos os colegas e amigos do Servio de Pediatria do I.P.O.P.F.G. que de

    forma direta ou indireta ajudaram na concretizao deste projeto, em especial

    aqueles que me confortaram com algumas palavras de tranquilidade, incentivo e

    inspirao.

    Aos meus Pais pela matiz gentica e pelos valores transmitidos, pelo

    encorajamento, ajuda e tolerncia nos momentos mais difceis assim como pelo

    tempo que dedicaram Matilde.

  • IV

    minha Tia Gena pelo estmulo, apoio e ajuda que disponibilizou na

    transcrio das entrevistas.

    Ao meu Primo Andr pela sua compreenso e inexcedvel ajuda em diversos

    momentos deste percurso.

    Ao meu Tio Justino pela sua ajuda inicial no desenvolvimento desta

    investigao.

    Ao meu Irmo Ricardo e aos meus sobrinhos Diogo e Beatriz, que mesmo

    distantes, partilharam alguns momentos desta difcil etapa.

    Ao Fernando pela sua tolerncia, pacincia e compreenso em todos os

    momentos de ausncia e falta de ateno.

    Matilde pelas horas de ausncia, pelas horas que no brinquei. Um dia

    mais tarde ir perceber porqu.

    Finalmente, a todos aqueles que, mesmo no tendo sido citados,

    contriburam de forma especial e nica.

  • V

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    cit. Citado

    CIT Contrato indeterminado de tempo

    col. Colaboradores

    D.L. Decreto de lei

    DP Desvio padro

    D.R. Dirio da Repblica

    ed. Edio

    E.P.E. - Entidade Pblica Empresarial

    et al. e outros

    I.C.N. International Council of Nurses

    I.P.O.P.F.G. Instituto Portugus de Oncologia do Porto Francisco Gentil

    M.S. - Ministrio da Sade

    n - Nmero

    O.E. Ordem dos Enfermeiros

    REPE Regulamento do Exerccio Profissional de Enfermagem

  • VI

  • VII

    NDICE

    INTRODUO .........................................................................1

    1. MOTIVAO .....................................................................7

    1.1 Teorias da Motivao .................................................. 11

    2. O ENFERMEIRO EM PEDIATRIA ONCOLGICA ............................. 29

    3. DESENHO DO ESTUDO ....................................................... 39

    3.1 Pertinncia do Estudo ................................................. 39

    3.2 Questes e Objetivos da Investigao ............................... 41

    3.3 Tipo de Estudo .......................................................... 42

    3.4 Contexto Organizacional .............................................. 43

    3.5 Sujeitos do Estudo ...................................................... 45

    3.6 Consideraes ticas ................................................... 47

    3.7 Mtodo de Colheita de Dados ......................................... 48

    3.8 Procedimento Para a Anlise dos Dados ............................ 50

    4. APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS .................... 55

    4.1 Motivao para a Prestao de Cuidados ........................... 58

    4.2 Fatores Facilitadores e Dificultadores da Motivao na Prestao

    de Cuidados ............................................................. 83

    4.3 Otimizao da Motivao para a Prestao de Cuidados ........ 100

    4.4 Autoeficcia na Prestao de Cuidados ............................ 110

    CONCLUSES, IMPLICAES E LIMITAES DO ESTUDO ...................... 117

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................... 123

    ANEXOS 147

    Anexo 1 - Pedido de Autorizao Diretora de Enfermagem ............... 149

  • VIII

    Anexo 2 - Pedido de Autorizao Enfermeira Chefe Do Servio de

    Pediatria ............................................................ 153

    Anexo 3 - Parecer do Conselho Cientfico da Escola Superior de

    Enfermagem do Porto ........................................... 157

    Anexo 4 - Instrumento de Colheita de Dados ................................. 161

    Anexo 5 - Consentimento Informado Para os Participantes ................. 167

    Anexo 6 - Aprovao do Estudo pelo I.P.O.P.F.G., E.P.E ................... 173

  • IX

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1: Etapas do Ciclo Motivacional ................................................. 11

    FIGURA 2: Pirmide de Maslow ............................................................ 17

    FIGURA 3: Componente de frustrao-regresso sobre a necessidade .............. 18

    FIGURA 4: Caractersticas do trabalho, estados psicolgicos e resultados.......... 24

  • X

    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1: Taxonomia das Teorias da Motivao ....................................... 13

    QUADRO 2: Caraterizao Sumria dos Motivos de Sucesso, Poder e Afiliao ..... 22

    QUADRO 3: Motivao para a prestao de cuidados ................................... 58

    QUADRO 4: Fatores facilitadores e dificultadores da motivao para a prestao de

    cuidados ......................................................................... 83

    QUADRO 5: Otimizao da motivao para a prestao de cuidados .............. 101

    QUADRO 6: Autoeficcia na prestao de cuidados .................................. 110

    LISTA DE GRFICOS

    GRFICO 1: Idade dos participantes ...................................................... 55

    GRFICO 2: Tempo de exerccio profissional, na instituio e no servio ........... 56

    GRFICO 3: Categoria profissional, vnculo profissional e tipo de horrio .......... 57

  • XI

    RESUMO

    As mudanas hodiernas, quer das organizaes de sade, quer da profisso

    de enfermagem ao nvel estrutural, processual e poltico influenciam a dinmica e

    a estabilidade futura dos enfermeiros, o que se repercute na sua motivao para o

    exerccio profissional. Por outro lado, a literatura revela que a motivao,

    enquanto varivel de mxima importncia no estudo do comportamento dos

    indivduos em contexto institucional, associa-se a importantes resultados

    organizacionais, tais como o aumento da eficcia, o elevado desempenho e a

    produtividade.

    O estudo sobre a motivao enquanto conceito e das diversas teorias

    associadas permitiu-nos efetuar o enquadramento conceptual, contribuindo para a

    anlise da motivao dos enfermeiros (e dos fatores inerentes) para a prestao

    de cuidados criana/famlia com doena oncolgica no Servio de Pediatria do

    Instituto Portugus de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. Definiu-se como

    finalidade a identificao dos fatores que contribuem para a motivao e

    autoeficcia dos enfermeiros para o exerccio das suas funes neste Servio, por

    forma a contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem criana/famlia

    com doena oncolgica.

    Desenvolveu-se um estudo exploratrio de cariz qualitativo, tendo sido

    construdo um guio de entrevista semiestruturada, que foi aplicada a seis

    enfermeiros que exercem funes no referido Servio. A informao obtida foi

    analisada recorrendo tcnica de anlise de contedo de Bardin. Emergiram

    quatro temas: Motivao para a prestao de cuidados; Fatores facilitadores e

    dificultadores da motivao para a prestao de cuidados; Otimizao da

    motivao para a prestao de cuidados; Autoeficcia na prestao de cuidados

    que, por sua vez, deram origem a diferentes categorias e subcategorias.

    O estudo demonstrou que os enfermeiros percecionam-se como autoeficazes

    e esto motivados para a prestao de cuidados criana/famlia com doena

    oncolgica no Servio de Pediatria, estando essa motivao relacionada com a

  • XII

    satisfao no trabalho, o relacionamento interpessoal, a autonomia e a

    responsabilidade profissional. Simultaneamente, identificaram-se fatores que

    facilitam a motivao e outros que so considerados dificultadores da mesma,

    sendo ainda enunciadas estratgias que a podem otimizar.

    PalavrasChave: Motivao; Cuidados de Enfermagem; Criana; Famlia;

    Cancro; Autoeficcia.

  • XIII

    ABSTRACT

    Title: Motivation in Paediatric Oncology: the perspective of the nurses in a

    Paediatric Oncology Service

    The structural changes that have been occurring in healthcare organizations

    and in the nursing profession, have been affecting the dynamics and the stability

    of the nursing career. These changes are changing the motivation of the nurses at

    work and the literature has revealed that motivation is of extreme importance in

    the understanding of human behaviour at work and that plays a crucial role in the

    enhancement of the efficiency, productivity or overall performance of healthcare

    organizations.

    This research identified several theories and concepts about motivation

    which allowed us to establish the conceptual framework to study the motivation

    of the nursing staff at work while providing care to children and their family that

    suffer from oncological disease in the paediatric service of Instituto Portugus de

    Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. The main objective of this research is

    to identify and analyse the factors that motivate and affect the self-efficiency of

    the nurses that work on paediatric oncology service in order to improve the

    quality of the nursing care to children and their family that suffer from

    oncological disease.

    This is a qualitative exploratory study based on a semi-structured interview

    of six nurses that work at the paediatric oncology service of Instituto Portugus de

    Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. The data gathered was analysed using

    the technique developed by Bardin. During the analysis, four topics have emerged

    as important: factors that play a role in the motivation of the nurses; factors that

    help and hinder the motivation levels; factors that are relevant in the

    maximization of results and factors that allow the self-perception of the nurses

    performance.

  • XIV

    The results have shown that the work motivation of the nurses is correlated

    with the levels of realisation at work, the nature of the relations with the rest of

    the staff and degree of work autonomy and responsibility. The staff interviewed

    considers itself efficient and recognises that there are ways to improve its

    motivational levels that can lead to a better performance. For the factors that

    were identified as blockers of the motivational process, strategies have been

    established to mitigate such results.

    Keywords: Motivation; Nursing care; Children; Family; Cancer; Self-

    efficiency

  • 1

    INTRODUO

    O Sistema Nacional de Sade vive um momento peculiar e conturbado, com

    todas as alteraes que tm vindo a ter lugar, sendo que o contexto do pas

    preocupante: dificuldades financeiras, elevadas taxas de pobreza, envelhecimento

    populacional, desemprego, rendimentos e escolaridade baixos, aumento da

    emigrao, aumento das doenas crnicas.

    sabido que quanto melhor for a prestao dos cuidados de sade, melhor

    ser o desempenho da sociedade em geral, acabando por criar riqueza e gerar,

    consequentemente, novas condies para melhorar ainda mais os cuidados de

    sade, sendo este efeito cumulativo uma condio essencial para que se possa

    usufruir de cuidados de sade de excelncia.

    Em Portugal, os enfermeiros vivem sob grande presso face s polticas

    institudas, e encontram-se em situao precria face aos contratos existentes, o

    que gera instabilidade no local de trabalho e ao mesmo tempo leva procura de

    emprego noutros pases com condies profissionais mais seguras. Em associao,

    estes profissionais vem-lhes retirados um conjunto de direitos, como por exemplo

    a progresso na carreira, congelada desde 2005, no usufruindo de atualizao de

    escalo em termos remuneratrios desde esse ano. Para alm disso, em 01 de

    Janeiro de 2009 todos os enfermeiros a exercer atividade na funo pblica

    passaram a ser abrangidos pelo regime do contrato de trabalho em funes

    pblicas (D.L. n 59/2008 de 11 de Setembro). Desta forma, torna-se difcil

    manter um grupo de profissionais motivados e que contribuam para a qualidade

    dos servios prestados, quando se assiste permanentemente precariedade e

    instabilidade das situaes profissionais e a um elevado ndice de rotao dos

    recursos humanos de enfermagem. Assim, nos tempos conturbados que vivemos

    em termos profissionais, a motivao para o exerccio da enfermagem sem

    dvida um assunto pertinente e atual.

  • 2

    Neste mbito, emerge a necessidade de identificar se, no momento de

    grandes reformas no setor da sade, os enfermeiros se encontram motivados para

    o exerccio da sua atividade profissional.

    O interesse do investigador por esta temtica passou, por um lado, pela

    circunstncia de a sua formao de base ser em Enfermagem, a sua especialidade

    em Sade Infantil e Pediatria e por exercer funes em pediatria oncolgica. Por

    outro lado, deve-se ao facto de ultimamente ter havido um investimento pessoal

    no estudo da motivao e dos seus reflexos no exerccio da profisso.

    Tendo em considerao o que ficou dito, e porque os enfermeiros a

    exercerem funes num servio de pediatria oncolgica lidam diariamente com

    crianas/famlias em sofrimento e destruturadas, com a eminncia da morte, com

    o estigma da doena oncolgica e com o isolamento da comunidade, parece-nos

    pertinente identificar a motivao dos enfermeiros para a prestao de cuidados

    criana/famlia com doena oncolgica.

    Apesar do relatado, consideramos que se vive um tempo em que

    estimulante trabalhar em Enfermagem. Esta profisso tem dado a conhecer

    profissionais altamente qualificados, investigadores respeitados, lderes sagazes,

    empresrios prsperos. Tem vindo a registar uma evoluo essencialmente em

    dois sentidos: ao nvel da formao, com a possibilidade de os enfermeiros

    realizarem o doutoramento em Cincias de Enfermagem e, ao nvel do exerccio

    profissional, que se tem vindo a tornar cada vez mais exigente e complexo, sendo

    indubitvel que a Enfermagem desempenha hoje uma funo social de

    importncia na rea da sade (O.E., 2004, p.23).

    A principal atividade do enfermeiro a prestao de cuidados de

    enfermagem e, () tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao ser

    humano, so ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele

    est integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a sade,

    ajudando-os a atingir a sua mxima capacidade funcional to rapidamente quanto

    possvel (O.E., 2012a, p.15). Como tal, os cuidados que prestam implicam

    competncia cientfica, tcnica e humana, tendo em conta as necessidades

    fsicas, emocionais, sociais, o quadro de valores, crenas e desejos de natureza

    individual das pessoas (O.E., 2002, p.40); e visam a promoo da sade, a

    preveno da doena, o tratamento, a reabilitao e a integrao social. Os

    enfermeiros esto inseridos num contexto de atuao multiprofissional onde

    intervm em interdependncia; desenvolvem funes completamente autnomas

    (aes definidas por si), resultantes do seu processo de tomada de deciso, e que

  • 3

    so da sua responsabilidade (O.E., 2002). A resoluo dos problemas no passa

    unicamente pela vertente fsica mas tambm pela identificao de todas as

    necessidades e pela procura de solues para as atender e superar. Como tal, a

    prestao de cuidados sofre influncia decisiva por via da forma como os

    enfermeiros se sentem, so reconhecidos e esto motivados no seu contexto de

    trabalho.

    Os enfermeiros sentem, desenvolvem relacionamentos, envolvem-se,

    pensam, tomam decises e actuam em cenrios de instabilidade ()

    complexidade, diversidade e escassez (Peleteiro, 2011, p.67), a sua matria-

    prima humana, o seu produto final um servio prestado ao homem. Neste

    sentido, o exerccio das funes de enfermagem nas instituies de sade

    representa uma tarefa difcil e complexa, e constitui um desafio que est

    reservado aos que se sentem vocacionados para tal encargo.

    A motivao profissional um assunto ao qual, hoje em dia, dedicada

    muita ateno, por ser vulgarmente aceite que os indivduos levam para as

    organizaes os seus padres individuais de necessidades e objetivos, os quais

    influenciam a sua resposta s necessidades organizacionais, a essncia do seu

    comportamento e desempenho e a motivao para o trabalho. No que concerne

    rea especfica da sade, e muito particularmente ao nvel da enfermagem,

    reconhecido que o grau de motivao dos profissionais se reflete nas relaes e

    interaes com a equipa multiprofissional, com os clientes e com a comunidade.

    Nos aspetos mais concretos da prestao de cuidados de sade de base

    oncolgica e peditrica, os ndices de qualidade do trabalho prestado e de

    interao multidisciplinar associam-se necessidade de considerar como alvo de

    cuidados o binmio criana/famlia.

    Em termos prticos, os fatores que influenciam a motivao so

    diferenciados e de relevncia desigual, razo pela qual se deve dedicar especial

    ateno queles que os enfermeiros consideram ter maior impacto no estmulo e

    permanncia da motivao para a prestao de cuidados criana/famlia num

    servio de pediatria oncolgica. Esta preferncia resulta da sua importncia

    relativa e no elimina a necessidade de continuar a preservar e potenciar a

    importncia dos restantes fatores determinantes para a continuidade e

    intensificao dos fatores motivacionais desses enfermeiros.

    Considerando a importncia da motivao para a manuteno saudvel da

    enfermagem e do ser enfermeiro, pareceu-nos relevante conhecer quais os fatores

    de motivao para a prestao de cuidados criana/famlia com doena

  • 4

    oncolgica. Assim, e no mbito do Mestrado em Enfermagem de Sade Infantil e

    Pediatria, foi realizada a presente investigao denominada: Motivao em

    pediatria oncolgica a perspetiva dos enfermeiros de um Servio de Pediatria

    Oncolgica. Com a realizao do mesmo pretende-se o aprofundamento de

    conhecimentos cientficos respeitantes a esta rea temtica e a aplicao de

    mtodos e tcnicas de investigao direcionados, que contribuam para aumentar o

    nvel de entendimento da motivao que orienta a prestao de cuidados

    criana/famlia com doena oncolgica.

    Os objetivos delineados para este estudo so: analisar a motivao dos

    enfermeiros do Servio de Pediatria do I.P.O.P.F.G., E.P.E., para a prestao de

    cuidados criana/famlia com doena oncolgica; conhecer os fatores que

    contribuem para os nveis de motivao destes enfermeiros para a prestao de

    cuidados; analisar os fatores que contribuem para a otimizao da motivao

    destes enfermeiros para a prestao de cuidados; analisar a perceo da

    autoeficcia destes enfermeiros para a prestao de cuidados; conhecer os fatores

    que influenciam a perceo da autoeficcia destes enfermeiros para a prestao

    de cuidados.

    O delineamento da investigao assentou no paradigma qualitativo. Para a

    recolha de dados ser aplicada uma entrevista semiestruturada a um conjunto de

    participantes que constituem a amostra probabilstica intencional. Os

    participantes foram seis enfermeiros a exercer funes no referido servio de

    pediatria oncolgica. O mtodo de anlise de dados utilizado foi o de Anlise de

    Contedo, descrito por Laurence Bardin (2011).

    Esta dissertao encontra-se organizada em cinco partes distintas. Aps uma

    breve introduo ao tema, metodologia e estrutura da investigao, apresenta-se,

    no primeiro captulo, o enquadramento concetual, dedicado ao objeto de estudo

    desta dissertao. Aprofunda-se primeiramente os conceitos de motivao, e

    depois apresenta-se o ciclo motivacional e algumas teorias da motivao

    relevantes para o desenvolvimento do estudo. No segundo, feita uma reflexo

    sobre o que ser enfermeiro em oncologia peditrica. O terceiro captulo

    relativo componente prtica da investigao: apresentam-se as opes

    metodolgicas do estudo, desde a escolha de paradigma metodolgico e tipo de

    estudo, at pertinncia do mesmo, finalidade, objetivos, questes orientadoras,

    contexto, grupo de participantes, tcnicas de recolha, anlise dos dados e

    procedimentos ticos. Do quarto captulo constam a anlise e discusso dos dados

  • 5

    recolhidos. Conclui-se apresentando as consideraes finais e limitaes da

    investigao.

    Foram vrios os estudos consultados no mbito da nossa linha de

    investigao (livros, artigos cientficos e dissertaes disponveis em base de

    dados como a Medline, a Cinahl, a Medicalatina Nurse Reference Center, o

    Repositrio de Acesso Aberto de Portugal e, ainda, a alguns sites na Web), os quais

    nortearam a nossa orientao para a construo do corpo terico e permitiram

    estabelecer paralelismos com os resultados encontrados na nossa investigao.

    Embora existam diversos estudos sobre a temtica da motivao, h menos

    investigao relativamente motivao dos enfermeiros e ainda menos na rea da

    pediatria oncolgica em Portugal. Queremos com isto dizer que a motivao dos

    enfermeiros dos servios de pediatria oncolgica ainda no est devidamente

    estudada, pelo que houve dificuldade no acesso a outros estudos que pudessem

    subsidiar o nosso, relativamente aos resultados encontrados. Conscientes desta

    limitao, esperamos contudo que a presente investigao possa contribuir para

    colmatar essa falha e ser um ponto de partida para futuros estudos. Espera-se

    ainda que surjam contributos para o desenvolvimento pessoal e profissional dos

    enfermeiros de Pediatria e para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados

    nesta rea especfica.

    Neste documento colocmos num mesmo contexto alargado criana/famlia

    querendo com esta dualidade fazer referncia a pais, famlia, criana e

    adolescente.

  • 6

  • 7

    1. MOTIVAO

    Consoante as pocas e os progressos do conhecimento, a motivao

    individual tem dado origem a diferentes teorias explicativas. Os conceitos de

    motivao so diversos, complexos, ambguos e a sua definio no se revela fcil,

    pois trata-se de um constructo invisvel, de utilizao generalizada nas cincias

    humanas e abordvel segundo uma grande diversidade de perspetivas (Gomes e

    Borba, 2011; Cunha et al., 2007). A abrangncia de aspetos de ordem variada e

    as suas explicaes tambm. A dificuldade em perceb-la reside no facto de que,

    para perceber a motivao preciso perceber a natureza humana (Magalhes et

    al., 2004, p.56).

    A motivao um tema presente em praticamente todas as esferas da nossa

    vida, sendo um fenmeno que depende da idiossincrasia do indivduo e influencia

    tudo o que fazemos (Pritchard e Ashwood, 2008). Apesar da diversidade, existem

    aspetos que so comuns e esto presentes na maioria das definies. Estas tendem

    a incluir um elemento de estimulao, ou seja, as foras energticas que vo

    originar o comportamento; um elemento de ao e fora, que diz respeito ao

    comportamento observado e ao que leva a escolher entre uma ou outra ao; um

    elemento de movimento e persistncia: a durao do comportamento motivado e

    a sua intensidade; e um elemento de recompensa: o reforo das aes anteriores

    (Gomes e Borba, 2011; Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007).

    Entende-se que a motivao est relacionada com os processos responsveis pela

    activao de comportamentos (satisfao de necessidades) (Gomes e Borba,

    2011, p.251) e responsvel pela intensidade, pela direco e pela persistncia

    dos esforos de uma pessoa para alcanar determinada meta (Robbins, Judge e

    Sobral, 2011, p.196). Nesta definio existem vrias dimenses. A intensidade

    refere-se a quanto esforo o indivduo vai despender, quo arduamente ir

    trabalhar para atingir as metas. A qualidade do esforo deve ser contemplada. A

    direo refere-se escolha das aes que vo de encontro aos objetivos/metas.

    Todo o esforo deve ser direcionado para a consecuo dos objetivos. A

  • 8

    persistncia refere-se ao tempo que o indivduo consegue manter o seu esforo e

    trabalhar nessas aes (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Gomes e Borba, 2011;

    Pritchard e Ashwood, 2008).

    Neves (2011a, p.295) considera a motivao como o resultado da interaco

    entre o indivduo e a situao, o que ajuda () a entender as origens individual e

    situacional na variabilidade dos estados motivacionais. Mas o indivduo

    multifacetado e entre as diversas facetas que o caraterizam incluem-se: a

    intelectual, a fsica, a emocional, a social e a econmica. Assim, no surpreende

    que o comportamento humano possa ser to complexo e difcil de interpretar

    quanto as prprias pessoas (Apolinrio, 2010). Importa referir que as pessoas

    regem-se por valores que vo adquirindo no decorrer do tempo, medida que

    interagem com os outros e com o meio ambiente. Assumem atitudes e atravs

    destas organizam o conhecimento, percecionam o mundo de forma a prevenir o

    sofrimento e orientar a sua ao no sentido do bem-estar (Apolinrio, 2010).

    Ento, o que motiva as pessoas? O comportamento do homem resulta, em

    grande parte, da interao de variados motivos, sendo alguns fundamentalmente

    racionais (Apolinrio, 2010). O motivo ser um padro de comportamento dirigido

    a um objectivo que tende a recorrer sempre que um indivduo se encontra numa

    situao propcia sua consumao (Pereira, 2004, p.176). Gil (1994, p.120)

    complementa a ideia e nota que a motivao de uma pessoa depende da fora

    dos seus motivos. Portanto, podemos afirmar que o que motiva um sujeito no

    tem necessariamente de motivar os outros e que o mesmo motivo pode levar

    diferentes pessoas a adotarem diferentes comportamentos, assim como o mesmo

    comportamento, em diferentes pessoas, pode resultar de motivos diferentes. Para

    complexificar ainda mais, as necessidades, os valores sociais e as capacidades

    variam na mesma pessoa conforme o tempo (Chiavenato, 2008). Apesar de todas

    estas diferenas, o processo que dinamiza o comportamento mais ou menos

    semelhante para todas as pessoas (Chiavenato, 2008, p.64). Desta forma, a

    motivao o porqu do comportamento humano. o impulso interior que leva

    as pessoas a agirem ou reagirem de determinada maneira. Esse impulso

    determinado pelas necessidades. Isto , as necessidades originam impulsos de

    vontade, os impulsos determinam comportamento (Apolinrio, 2010, p.5).

    De uma forma geral, podemos considerar a motivao uma fora interna que

    influencia ou direciona o comportamento do indivduo (Marquis e Huston, 2010).

    Aquilo que leva a pessoa a esforar-se numa determinada atividade, um impulso

    que orienta para uma ao, por forma a satisfazer uma necessidade. Assim, a

  • 9

    motivao refere-se ao comportamento que visa um objetivo (Pereira 2004,

    p.175). O mesmo constata Rocha (2007, p.77), que considera que a motivao

    emerge da interao entre os indivduos e as variveis situacionais e que um

    indivduo est motivado quando o seu comportamento dirigido a um objectivo.

    Esse objetivo a atingir pelo comportamento motivado pode depender

    directamente das necessidades do organismo (), resultar de processos de

    aprendizagem () ou da combinao de diversos processos (Pereira, 2004,

    p.175).

    Etimologicamente o termo motivao aparece em estreita ligao com o

    verbo mover, de origem latina: movere que significa comear um movimento

    (Bastable, 2010, p.225), sendo aplicado ao que capaz de mover o indivduo, de o

    levar a agir, de o incitar a adotar certas condutas e atitudes. Portanto, a

    motivao o que leva as pessoas a agir, pensar e desenvolver-se (Afonso e Leal,

    2009), mas no suficiente como razo justificativa para as aes das pessoas.

    Para compreender os indivduos e mudar comportamentos, a motivao tem de ser

    entendida como um processo que determina como as pessoas se comportam.

    Falar em motivao no fcil e obriga a ter em considerao alguns

    pressupostos sobre as pessoas. Segundo Pritchard e Ashwood (2008):

    uma necessidade fundamental do indivduo fazer um bom trabalho - um bom

    trabalho um valor pessoal, as pessoas sentem-se bem quando o conseguem

    realizar;

    o indivduo deseja que o que acontece no seu trabalho tenha a sua

    contribuio uma necessidade bsica;

    o indivduo no quer ser responsabilizado por atos que no pode controlar se

    est a trabalhar num projeto cuja informao depende de diversas pessoas,

    receia ser criticado, pelo seu atraso, se os outros intervenientes no

    fornecerem a informao em tempo til;

    o indivduo deseja feedback mas no gosta de ser avaliado;

    o indivduo quer ser valorizado o apreo e o respeito so poderosos;

    o indivduo no gosta de desperdiar o seu tempo, que considerado um bem

    valioso.

    Os mesmos autores consideram que a motivao tem caractersticas como:

    ser compreensvel os componentes da motivao fazem sentido; ser um

    processo; ser fundamental e no uma mania focar-se na motivao no uma

    mania ou moda porque ela essencial; ser um tema de longa durao; ser lgica

    usa princpios entendveis e lgicos; ser controlvel se entendvel ento pode

  • 10

    ser controlada; ser uma estratgia de trabalho; ser uma parceria entre a

    organizao e os indivduos. A motivao o processo usado para alocar energia e

    maximizar a satisfao de necessidades (Pritchard e Ashwood, 2008).

    Podemos ento considerar que a motivao orienta as aes humanas,

    estando a fora para a realizao das mesmas no interior de cada pessoa. Esta

    pode ser alterada mas no imposta, cabe ao indivduo deixar-se motivar. A fora

    motivacional corresponde ao produto do valor que o indivduo atribui ao objetivo

    com a probabilidade de o conseguir alcanar. A pessoa est mais motivada se o

    objetivo a atingir for importante para ela e se tiver expetativa de o conseguir

    concretizar, sabendo que dele advm um resultado. De uma forma geral, a

    motivao delineada como uma necessidade que ambicionada pelo indivduo e

    que o motiva a ter comportamentos que a satisfaam. Este processo chamado de

    ciclo motivacional (Figura 1).

    Para Neves (2011a, p.296), uma necessidade constitui um estado interno ao

    indivduo, capaz de induzir aco, com vista a alcanar resultados que as pessoas

    procuram como fim em si mesmos, que visam a satisfao dessa necessidade.

    Sempre que surge uma necessidade, o estado de equilbrio do organismo

    quebrado e gera-se um estado de desequilbrio que causa um estado de tenso e

    desconforto. Este novo estado leva o indivduo a um comportamento ou ao

    capaz de aliviar a tenso e o libertar do desconforto e desequilbrio. O indivduo

    satisfaz a necessidade e, se o comportamento for eficaz, o organismo volta ao seu

    estado de equilbrio anterior (Chiavenato, 2008). A necessidade satisfeita, deixa

    de causar tenso ou desconforto e no estimula mais o comportamento (Neves,

    2011, p.296). No entanto, a satisfao da necessidade poder no ocorrer, pois

    pode surgir um obstculo sua satisfao, o que vai originar acumulao de

    tenso no organismo e originar um estado de desequilbrio. Por vezes pode

    acontecer a frustrao, outras a compensao, uma vez que a satisfao de outra

    necessidade reduz a tenso da necessidade no satisfeita (Neves, 2011a).

  • 11

    FIGURA 1: Etapas do Ciclo Motivacional

    Fonte: VIEIRA, Maria Manuela Vaz, 2009, p.12.

    1.1 Teorias da Motivao

    Apresentados os conceitos chave para compreendermos a motivao do ser

    humano no trabalho, torna-se importante referir algumas das teorias que

    procuram explicar como os indivduos so motivados ou como escolhem os

    comportamentos a adotar para satisfazerem as suas necessidades.

    As atuais teorias da motivao no so inteiramente abrangentes mas

    oferecem perspetivas importantes e so a base para futuras reflexes. As teorias

    da motivao tiveram o auge do seu desenvolvimento entre as dcadas de 60 e 70

    do sculo passado e os estudos desenvolvidos posteriormente esto relacionados

    com a confirmao ou refutao das teorias ento estabelecidas, ou de parte

    delas. Esses estudos visam preencher lacunas concetuais ou introduzir novos

    Equilbrio Interno

    Estmulo

    Necessidade no Satisfeita

    Tenso Barreira Frustrao Outro

    Comportamento Derivado

    Satisfao da Necessidade

    Compensao

  • 12

    conceitos. Mas o fundamental que, apesar destas intervenes, no existe

    mudana paradigmtica.

    Estudar a motivao apenas em termos de sujeitos e de comportamento

    individual pode ser insuficiente. Motivar poder tambm significar tornar

    as organizaes mais atractivas; no apenas a tarefa, a equipa de

    trabalho ou outros aspectos referentes ao trabalho () a cultura

    organizacional poder ser uma via para () motivar comportamento (),

    gerar empenhamento () a par de uma liderana inspiradora (), formas

    inovadoras de gerar conhecimento organizacional podero () fazer parte

    () em termos de investigao, sempre que a motivao no trabalho e

    para trabalhar voltar a despertar o interesse () (Gomes e Borba, 2011,

    p.313).

    Em 1994, Kanfer referiu que no futuro a pesquisa sobre a motivao iria

    incidir sobre trs aspetos importantes: motivao e capacidades cognitivas,

    motivao em determinadas situaes sociais e desempenho tpico e mximo

    (Krumm, 2005, p.25).

    Em 1976, Campbell e Pritchard propuseram um modelo de classificao das

    diversas teorias da motivao, que distingue entre teorias de contedo e teorias

    de processo. As primeiras realam a compreenso dos fatores internos ao

    indivduo, explicativos da forma de agir (Neves, 2011a, p.296); tambm dizem

    respeito s teorias centradas na identificao dos fatores de motivao

    responsveis pela energizao da ao. J as teorias de processo analisam a

    motivao de uma forma mais dinmica e enfatizam o processo da motivao, e

    no apenas os aspetos responsveis pela ativao do comportamento (Gomes e

    Borba, 2011; Cunha et al., 2007). Tentam assim encontrar uma resposta para a

    diversidade de escolhas (), enfatizando os fatores situacionais e de natureza

    informativa que levam a pessoa a escolher uma aco em vez de outra (Neves,

    2011a, p.301).

    Cunha e col. (2007) propem a diviso das teorias de contedo e processo

    em teorias gerais e teorias organizacionais. Consideram gerais as que se referem a

    aspiraes genricas dos indivduos, no se centrando exclusivamente no trabalho

    e no comportamento organizacional, e organizacionais as que incidem sobre o

    comportamento organizacional (Quadro 1).

  • 13

    QUADRO 1: Taxonomia das Teorias da Motivao

    Teorias de Contedo e Gerais Hierarquia das Necessidades Teoria de ERG Teoria dos Motivos

    Teorias de Contedo e Organizacionais Teoria dos Dois Fatores de Herzberg Teoria das Caractersticas da Funo

    Teorias de Processo e Gerais Teoria da Equidade

    Teorias de Processo e Organizacionais Definio de Objetivos

    Fonte: Adaptado de CUNHA, Miguel Pina [et al.], 2007, p.156.

    A motivao pode ser dividida em intrnseca e extrnseca. A motivao

    intrnseca vem do interior do indivduo, impulsionando-o a ser produtivo () tem

    de valorizar o desempenho e a produtividade no trabalho (). A motivao

    extrnseca aquela reforada pelo ambiente de trabalho e por recompensas

    externas (Marquis e Huston, 2010, p.443). A motivao intrnseca implica

    determinado comportamento, porque a atividade interessante e satisfaz

    espontaneamente. Algum intrinsecamente motivado envolve-se numa atividade

    devido aos sentimentos positivos que esta proporciona, implica-se prazerosamente

    no trabalho e parece ter maior autoeficcia e expetativas de sucesso. O foco

    principal inerente aos benefcios da atividade em si. O indivduo focaliza-se nas

    recompensas que a prpria atividade proporciona, como por exemplo a inovao,

    as oportunidades, a experincia. A motivao extrnseca implica que o

    envolvimento numa atividade responda a estmulos que esto separadas dela. Ou

    seja, se o indivduo adota um comportamento motivacional extrnseco, o seu foco

    principal so as recompensas que provm da atividade mas que no fazem parte

    dela, a atividade como um meio para atingir algo (Afonso e Leal, 2009).

    Perante o que foi relatado, compreende-se que a motivao intrnseca

    relaciona-se com a satisfao e desafios que o trabalho proporciona (),

    desenvolvimento de competncias, envolvimento na tarefa, curiosidade e

    interesse e a motivao extrnseca est mais relacionada com a procura de

    recompensas, reconhecimento externo, competio, avaliao e incentivos

  • 14

    tangveis (Barbosa, 2009, p.12). Muitos autores consideram estes dois tipos de

    motivao extremos mas inseridos num mesmo conceito, enquanto outros referem

    que estar intrinsecamente ou extrinsecamente motivado so formas bastante

    distintas. Mas em diversas situaes possvel que se esteja motivado de ambas as

    formas.

    As teorias da motivao so tambm classificadas em: teorias de contedo-

    que procuram explicar por que existe a motivao, teorias de processo - que

    procuram explicar como se processa a motivao e a teoria do reforo que se

    concentra nas formas atravs das quais se apreende o comportamento (Pinto et

    al., 2010, p.138).

    Iremos de seguida apresentar as teorias da motivao que mais contriburam

    para a realizao desta investigao.

    Teoria da Motivao de Abraham Maslow

    A teoria sobre a motivao mais conhecida , provavelmente, a de Abraham

    Maslow (1954). Esta teoria procura compreender o homem numa perspetiva

    multidimensional. Segundo este autor, dentro de cada ser humano existe uma

    hierarquia de cinco categorias de necessidades que influenciam o comportamento

    humano (Paulo, 2003). A motivao refere-se ao comportamento gerado pelas

    necessidades do indivduo e dirigida aos objetivos que podem satisfazer essas

    necessidades (Carneiro, 2009).

    Por necessidade entende-se um estado de esprito interno que faz com que

    certos resultados apaream como atractivos ao sujeito (Bilhim, 1996 cit. por

    Frederico, 2006, p.112). As necessidades so comuns a todas as pessoas, porm

    as razes de trabalhar e de fazer esforos variam de pessoa para pessoa (Dias,

    2005, p.6).

    De acordo com Maslow, as necessidades hierarquizaram-se em cinco

    categorias: 1) necessidades fisiolgicas; 2) necessidades de segurana; 3)

    necessidades sociais; 4) necessidades de estima; 5) necessidades de realizao

    pessoal (Robbins, Judge e Sobral, 2011).

    1) Necessidades fisiolgicas: referem-se ao nvel mais elementar da existncia

    humana (Gomes e Borba, 2011; Cunha et al., 2007), so as mais prementes e

    urgentes pois esto relacionadas com a sobrevivncia do indivduo e a

    continuidade da espcie (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007;

  • 15

    Frederico, 2006), sendo por isso consideradas vitais (Paulo, 2003).

    Correspondem maioritariamente s necessidades fsicas bsicas dos seres

    humanos: alimentao, ar, sono, abrigo, desejo sexual, necessidades

    corporais, entre outras. A nvel organizacional, correspondem s condies

    fsicas do local de trabalho, salrio (Frederico, 2006), frias, folgas e pausas

    para refeies (Carneiro, 2009)

    2) Necessidades de segurana: englobam o ambiente fsico, emocional e

    financeiro seguro e livre de violncia (Frederico, 2006). A segurana e

    proteo contra danos fsicos e morais fazem, tambm, parte deste nvel de

    necessidades (Robbins, Judge e Sobral, 2011). Constituem o segundo nvel das

    necessidades humanas e aparecem no comportamento quando as fisiolgicas

    esto satisfeitas (Gomes e Borba, 2011; Paulo, 2003). No que concerne

    organizao, dizem respeito s condies de segurana no local de trabalho,

    antiguidade e reforma, direito a indeminizao por despedimento e sistemas

    de queixas formais (Carneiro, 2009).

    3) Necessidades sociais: referem-se procura de relacionamentos interpessoais e

    de sentimentos recprocos, a dar e receber amor (Cunha et al., 2007). So

    necessidades que esto relacionadas com a natureza social das pessoas

    (Frederico, 2006, p.113). Incluem a afeio, aceitao, amizade, sentimento

    de pertencer a um grupo (Gomes e Borba, 2011; Cunha et al., 2007). Estas

    necessidades, quando no satisfeitas, podem levar frustrao. A nvel

    organizacional, refletem o desejo de bom relacionamento multiprofissional

    (Carneiro, 2009; Frederico, 2006), de ter amizades, de fazer parte de um

    grupo, de reconhecer-se como membro do grupo e de ser amado (Frederico,

    2006, p.113).

    4) Necessidades de estima: incluem a necessidade da certeza da nossa

    importncia e estima para os outros, que precisa de ser tida como merecida e

    at garantida (Frederico, 2006). Esto relacionadas com os fatores internos de

    estima, como por exemplo o respeito prprio, realizao, competncia, e

    autonomia, e com fatores externos, como o status, reconhecimento e prestgio

    (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Gomes e Borba, 2011; Frederico, 2006; Paulo,

    2003). Para Maslow, estas necessidades assumem duas vertentes: de um lado,

    est o desejo de fora, realizao, adaptao, mestria e competncia,

    confiana, independncia e liberdade; do outro, surge o desejo de prestgio, o

    status, a fama e a glria, o domnio, a ateno, a importncia, a dignidade e o

  • 16

    reconhecimento dos outros face capacidade de adequao s funes

    desenvolvidas (Gomes e Borba, 2011; Carneiro, 2009).

    5) Necessidades de realizao pessoal: so as necessidades humanas mais

    elevadas e correspondem possibilidade de os indivduos serem aquilo que

    podem ser (Cunha et al., 2007, p.156). Ou seja: o desejo de querer ser mais

    do que se , e conseguir ser tudo o que se pode vir a ser. Uma pessoa leva ao

    mximo a potencialidade das suas aptides e capacidades (Frederico, 2006,

    p.114). Maslow defende tambm que () a satisfao das necessidades de

    auto-realizao tem tendncia a aumentar a intensidade das outras

    necessidades (Frederico, 2006, p.114). A nvel organizacional, as

    necessidades de realizao pessoal refletem-se no completar atribuies

    desafiadoras, realizar tarefas criativas, desenvolver capacidades (Carneiro,

    2009).

    Na figura 2 apresenta-se a hierarquizao das necessidades segundo a

    Pirmide de Maslow.

    Estes cinco tipos de necessidades podem ser divididos em dois patamares

    (Figura 2): necessidades primrias ou de nvel inferior (fisiolgicas e de segurana)

    e secundrias ou de nvel superior (sociais, de estima e de realizao pessoal)

    (Cunha et al., 2007; Robbins, Judge e Sobral, 2011)

    A teoria de Maslow estabelece trs pressupostos: 1) o princpio da

    dominncia o comportamento influenciado por necessidades no satisfeitas; 2)

    o princpio da hierarquia - as necessidades so agrupadas de acordo com a

    hierarquia; 3) o princpio da emergncia - um nvel de necessidades surge como

    fonte de motivao, condicionando o comportamento s quando as necessidades

    de nveis hierrquicos inferiores estiverem satisfeitas. E pressupe que cada ser

    humano impulsionado a um nvel de necessidade seguinte a partir da satisfao

    da necessidade anterior, subindo um degrau nesta hierarquia. Ou seja, s surgiro

    novas necessidades quando as de nvel inferior estiverem satisfeitas, pelo menos

    em grande parte (Frederico, 2006). Uma necessidade satisfeita deixa de motivar,

    existindo a necessidade de procurar o nvel imediatamente acima. As

    necessidades no satisfeitas so os motivadores principais do comportamento

    humano, havendo precedncia das necessidades mais bsicas sobre as mais

    elevadas (Cunha et al., 2007, p.157).

    Maslow reconhece que as necessidades interagem entre si e que as mesmas

    podem agir em simultneo para dar mais energia s aes (Gomes e Borba, 2011).

    Assim, de acordo com a teoria de Maslow para motivar algum preciso saber

  • 17

    em que nvel da hierarquia a pessoa se encontra no momento e focar a satisfao

    naquele nvel ou no patamar imediatamente superior (Robbins, Judge e Sobral,

    2011, p.198).

    O valor da teoria de Maslow consiste na identificao dos fatores que

    motivam as pessoas e em fazer uma ordenao das necessidades. Esta teoria

    continua a influenciar aes e tomadas de posio e a fundamentar decises a

    nvel organizacional. Da que no deva ser ignorada por quem deseja intervir a

    nvel organizacional e contribuir para a sua mudana e desenvolvimento.

    FIGURA 2: Pirmide de Maslow

    Fonte: Adaptado de NEVES, Jos. 2011, p.299

    Teoria das Necessidades Existenciais, Relacionais e de Crescimento (ERG), de

    Alderfer

    Esta teoria pode ser considerada como uma variao da teoria de Maslow e

    vem valid-la e sustent-la, na medida em que atesta que a motivao pode ser

    entendida em funo de um grupo de necessidades (Carneiro, 2009).

    Alderfer tentou simplificar e modificar a teoria de Maslow e sumariou as

    necessidades em trs grupos. Necessidades de existncia (existence), de

    Necessidades de

    Realizao Pessoal

    Necessidades de Estima

    Necessidades Sociais

    Necessidades de Segurana

    Necessidades Fisiolgicas

    Necessidades secundrias ou de nvel

    superior

    Necessidades primrias ou

    de nvel inferior

  • 18

    relacionamento (relatedness) e de crescimento (growth). Estas necessidades so

    tambm hierarquizadas em pirmide (Carneiro, 2009), caminhando os indivduos

    passo a passo para o topo da hierarquia.

    Segundo Cunha e col., (2007), as necessidades de existncia correspondem

    s necessidades fisiolgicas e de segurana de Maslow; as de relacionamento

    correspondem s necessidades socias e de estima de Maslow; e as necessidades de

    crescimento correspondem s de autorrealizao de Maslow.

    A contribuio principal desta teoria foi a flexibilizao das relaes entre

    os nveis de hierarquia (Cunha et al., 2007, p.158). Ou seja, no existe ordem de

    prioridade para a satisfao das necessidades podendo mais de uma necessidade

    influenciar ao mesmo tempo a motivao (Cunha et al., 2007). As necessidades

    no se sucedem umas s outras por satisfao ou privao, antes surgem por

    precedncia umas em relao s outras, de acordo com as caractersticas

    pessoais, sociais e culturais dos indivduos (Carneiro, 2009). uma teoria flexvel

    para o entendimento das necessidades humanas e sua influncia sobre o

    comportamento dos trabalhadores (Steffen, 2008, p.24) e menos teleolgica do

    que a teoria de Maslow (Cunha et al., 2007).

    A teoria de Alderfer sustenta que quando as necessidades de nvel mais

    elevado so frustradas, as de nvel inferior retornam, mesmo que j tenham sido

    satisfeitas (Figura 3). () A frustrao de necessidade de determinado nvel pode

    levar () a uma regresso da pessoa at uma necessidade de nvel inferior

    (Cunha et al., 2007, p.158). O que contraria a teoria de Maslow, que referia que

    depois de satisfeitas, as necessidades deixavam de motivar o comportamento do

    indivduo.

    FIGURA 3: Componente de frustrao-regresso sobre a necessidade

    Fonte: STEFFEN, Anelise. 2008, p. 24.

    Frustrao

    Inibida Necessidade Reativada

    Regresso

  • 19

    Teoria dos Dois Fatores de Frederick Herzberg ou teoria Bifatorial das

    Motivaes

    Herzberg interessou-se pela motivao e prosseguiu os trabalhos de Maslow.

    Mas, enquanto Maslow fundamentou a sua teoria nas necessidades humanas,

    Herzberg alicerou a sua no ambiente externo e no trabalho do indivduo. A

    relao de uma pessoa com o seu trabalho bsica e () essa atitude pode

    determinar o seu sucesso ou fracasso (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.200). A

    teoria sugere que os indivduos possuem dois grandes tipos de necessidades: as

    necessidades motivadoras (fatores intrnsecos ou de satisfao) e as necessidades

    higinicas (fatores extrnsecos ou de insatisfao) (Steffen, 2008). Estas devem ser

    consideradas independentes e os seus efeitos distinguidos (Cunha et al., 2007), e o

    comportamento dos indivduos fortemente orientado por elas.

    As necessidades motivadoras so de natureza intrnseca ao trabalho,

    obedecem a uma dinmica de crescimento e conduzem satisfao de longo prazo

    () (Cunha et al., 2003, p.161). Esto relacionadas com o contedo do trabalho,

    com a natureza das tarefas a desempenhar e esto sob o controlo do indivduo.

    Para proporcionar motivao no trabalho, Herzberg refere que necessrio um

    enriquecimento dos cargos, que se obtm pela frequente substituio de tarefas

    simples por tarefas mais complexas, por forma a acompanhar o crescimento de

    cada indivduo, tendo em conta o seu desenvolvimento e as suas caractersticas

    individuais (Batista, 2007; Frederico, 2006; Paulo, 2003).

    As necessidades higinicas so de natureza extrnseca ao trabalho (Gomes e

    Borba, 2011; Cunha et al., 2003) e referentes s condies laborais do indivduo.

    Englobam as condies fsicas e ambientais do local de trabalho, o salrio, os

    benefcios sociais e a filosofia da organizao (Gomes e Borba, 2011; Batista,

    2007; Frederico, 2006; Paulo, 2003). A presena destes fatores uma

    expectativa normal () no gerando () satisfao, mas a sua ausncia conduz

    insatisfao (Frederico, 2006, p.116). Os fatores higinicos, quando presentes,

    evitam atitudes negativas mas no provocam as positivas (Cunha et al., 2007). A

    promoo dos fatores higinicos elimina a insatisfao mas no motiva os

    indivduos para a realizao em nveis elevados.

    A investigao de Herzberg demonstrou que os fatores que provocam

    atitudes positivas face ao trabalho no so os mesmos que provocam as atitudes

    negativas. As necessidades higinicas no produzem satisfao, mas ajudam a

    evitar o descontentamento. As necessidades motivadoras conduzem ao aumento

  • 20

    da satisfao. Os fatores higinicos esto associados deciso de permanncia na

    organizao e os fatores motivadores associados deciso de produzir (Vala et

    al., cit. por Tavares, 2008, p.26). Para Herzberg, o oposto da satisfao no a

    insatisfao () o oposto de satisfao no satisfao e o oposto de

    insatisfao no insatisfao (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.201).

    Outro aspeto de interesse prtico no trabalho de Herzberg o de permitir

    distinguir estilos motivacionais diferentes. Existem pessoas voltadas

    essencialmente para a procura da realizao, da responsabilidade, do

    crescimento, da promoo do prprio trabalho e do reconhecimento merecido

    so tidas como indivduos que procuram motivao. A tarefa em si adquire

    grande significado e os fatores ambientais pobres no criam grandes dificuldades.

    Os fatores de motivao, na sua maior parte, esto centrados no trabalho; eles

    esto ligados com o contedo de trabalho (Maciel e S, 2007, p.71). Por outro

    lado, existem indivduos para quem o contexto ambiental adquire grande relevo,

    centrando sua ateno em elementos tais como salrio, competncia da

    superviso, condies de trabalho, segurana, poltica administrativa da

    organizao e colegas de trabalho. A essas pessoas, Herzberg chama de indivduos

    que procuram manuteno.

    A contribuio mais marcante desta teoria a constatao de que os fatores

    associados satisfao e insatisfao so de natureza distinta (Gomes e Borba,

    2011).

    Teoria dos Motivos de McClelland

    Outra explicao das motivaes do comportamento humano foi proposta

    por David McClelland. Este autor identificou trs necessidades bsicas, ou motivos

    importantes, que motivam as pessoas para o desempenho: motivos de realizao

    (ou sucesso); motivos de poder; motivos de afiliao (Quadro 2). Esses motivos

    so apreendidos, tornando-se dispostos numa hierarquia com potencial de

    influenciar o comportamento, que varia consoante o indivduo (Vieira, 2009,

    p.26) e so adquiridos durante o percurso de vida do indivduo.

    1) Motivos de realizao busca de excelncia, de realizao () mpeto para

    alcanar o sucesso (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.202). Correspondem ao

    desejo de vencer barreiras, superar obstculos, alcanar objetivos atravs do

    esforo individual e com alguma competitividade (Carneiro, 2009; Vieira,

  • 21

    2009). As pessoas motivadas para a realizao assumem responsabilidade

    pessoal pelas atividades em que se envolvem, tendem a ser inquietas na sua

    atividade e a ser bem-sucedidas (Cunha et al., 2007). O sucesso alcanado

    atravs dos seus esforos e capacidades e no de oportunidades (Vieira, 2009).

    Inserem-se neste grupo as pessoas que no gostam de situaes que fujam ao

    controle, pois no se sentem satisfeitas com uma realizao cujo sucesso se

    deu por acaso, mas a quem situaes muito controladas tambm no agradam,

    pois no trazem desafios (Robbins, Judge e Sobral, 2011). Procuram definir

    objetivos exigentes e assumem riscos calculados de realizao moderada, pois

    caso a tarefa seja muito difcil, a possibilidade de xito mnima e a

    probabilidade de motivao baixa. Pelo contrrio, se a tarefa for fcil, existe

    pouca satisfao em realiz-la, uma vez que qualquer um a pode executar

    (Vieira, 2009). Necessitam de receber feedback sobre a sua situao, pois

    precisam de perceber se o sucesso ou fracasso dependeu das suas aes.

    2) Motivos de poder necessidade de fazer com que os outros se comportem de

    um modo que no fariam naturalmente (Robbins, Judge e Sobral, 2011,

    p.202). Traduz-se pela autonomia e controle que o indivduo tem sobre si e/ou

    outros. H tambm o desejo de dominar, controlar e influenciar outras pessoas

    ou o meio envolvente. Representa uma orientao para o prestgio e a

    produo de impacto nos comportamentos ou emoes das outras pessoas

    (Cunha et al., 2007, p.159). McClelland destaca que existem duas vertentes

    neste tipo de motivos: motivo de poder social reflete o desejo de usar o

    poder para atingir as metas organizacionais; motivo de poder pessoal reflete

    o desejo de usar o poder para atingir a satisfao pessoal.

    3) Motivos de afiliao desejo de relacionamentos interpessoais prximos e

    amigveis (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.202). Incluem-se neste grupo os

    indivduos que se preocupam com a qualidade das suas relaes pessoais e

    consideram que a sua interao com os outros fundamental.

  • 22

    QUADRO 2: Caraterizao Sumria dos Motivos de Sucesso, Poder e Afiliao

    Motivos Indivduo

    Sucesso Procura alcanar sucesso perante uma norma de excelncia pessoal

    Aspira a alcanar metas elevadas mas realistas

    Responde positivamente competio

    Toma iniciativa

    Prefere tarefas de cujos resultados possa ser diretamente responsvel

    Assume riscos moderados

    Relaciona-se preferencialmente com peritos

    Poder Procura controlar ou influenciar outras pessoas e dominar os meios que lhe permitem exercer essa influncia

    Tenta assumir posies de liderana espontaneamente

    Necessita/gosta de provocar impacto

    Preocupa-se com o prestgio

    Assume riscos elevados

    Afiliao Procura relaes interpessoais fortes

    Faz esforos para conquistar amizades e restaurar relaes

    Atribui mais importncia s pessoas do que s tarefas

    Procura a aprovao dos outros para as suas opinies e atividades

    Fonte: CUNHA, Miguel Pina [et al.], 2007, p. 159

    Estas necessidades so adquiridas ao longo do tempo, so comuns a todas as

    pessoas, mas as caractersticas pessoais e as foras motivadoras variam de pessoa

    para pessoa, conforme o tipo de necessidade que prevalea. McClelland defende

    que as necessidades podem ser aprendidas de acordo com as experincias vividas

    e determinam o tipo de atitudes que o indivduo tem na organizao. Assim,

    indivduos com necessidades de realizao tendem a ser empreendedores,

    enquanto indivduos com necessidades de afiliao sero integradores.

    Modelo das Caractersticas da Funo de Hackman e Oldham

    Em 1980 Hackman e Oldham desenvolveram um modelo que possibilitou a

    explicao do modo como as interaes, as caractersticas do trabalho e as

    diferenas individuais podem influenciar a motivao considerando que as

    caractersticas do trabalho so preditoras das principais causas de motivao ou

    desmotivao. Este modelo assenta em trs componentes: i) as cinco

  • 23

    caractersticas do trabalho; ii) os trs estados psicolgicos crticos; iii) e os

    resultados ou impactos (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007).

    Estes autores, com base na evidncia emprica, chegaram concluso de as

    que cinco caractersticas nucleares do trabalho, que contribuem para fazer da

    funo uma fonte de motivao, so:

    1) Variedade da tarefa refere-se ao grau em que a funo exige o recurso a

    competncias, atividades e conhecimentos diversificados. Considera-se que

    existe variedade de competncias quando determinado trabalho exige uma

    diversidade de tarefas as quais, por sua vez, iro implicar o exerccio de

    diferentes habilidades por parte do trabalhador (Cunha et al., 2007).

    2) Identidade da tarefa - diz respeito ao desenvolvimento do trabalho por um

    mesmo indivduo, desde o incio at sua concluso e pressupe a existncia

    de um resultado concreto.

    3) Significado da tarefa diz respeito ao impacto do resultado do trabalho na

    atividade ou na vida de outras pessoas, quer seja dentro ou fora da

    organizao.

    4) Autonomia grau de independncia no planeamento e execuo do trabalho. A

    existncia desta caraterstica implica desenvolvimento de esforos para a

    tomada de deciso, que por sua vez vo exigir responsabilidade no resultado

    do trabalho.

    5) Feedback quantidade e qualidade da informao fornecida ao indivduo

    relativa ao progresso/resultados do seu trabalho (Gomes e Borba, 2011; Cunha

    et al., 2007).

    Estas cinco dimenses so responsveis por efeitos positivos sobre a

    motivao devido produo () de estados psicolgicos crticos (Cunha et al.,

    2007, p.164). So eles: significado experimentado - grau de validade que a pessoa

    atribui ao seu trabalho, que depende do seu quadro de valores, necessidades e

    expetativas, sendo determinado pela variedade da tarefa, identidade e significado

    da tarefa (Afonso 2011; Gomes e Borba, 2011); responsabilidade experimentada -

    grau de autonomia sentido; conhecimento dos resultados - grau de conhecimento

    da eficcia na execuo do seu trabalho (Afonso 2011), est relacionado com o

    feedback. Das caractersticas do trabalho, mediadas pelos trs estados

    psicolgicos crticos, surgem os resultados: a motivao intrnseca, satisfao com

    o trabalho e com o desenvolvimento pessoal, qualidade do trabalho e diminuio

    de absentismo e turnover (Hackman e Oldham, 1975 cit. por Afonso 2011, p.9).

  • 24

    Os valores numricos de cada uma das cinco caractersticas do trabalho, a

    sua presena ou ausncia, so obtidos atravs do Job Diagnostic Survey (JDS),

    desenvolvido em 1980 por Hackman e Oldham, em simultneo com a teoria. Os

    resultados obtidos servem para calcular o potencial motivador da funo atravs

    da frmula (Figura 4):

    FIGURA 4: Caractersticas do trabalho, estados psicolgicos e resultados

    Potencial motivador da funo

    Fonte: Adaptado de CUNHA, Miguel Pina [et al.]. 2007, p. 163

    Em termos tericos, este modelo prev que, quando o posto de trabalho

    desenhado com base nas cinco caractersticas, o indivduo empenha-se mais, est

    mais satisfeito e trabalha com mais motivao (Afonso, 2011). No entanto, a

    perceo das caractersticas da tarefa influenciada por fatores externos ao

    trabalho, pela necessidade de crescimento ou desenvolvimento profissional do

    Dimenses do trabalho

    Estados psicolgicos

    crticos

    Resultados

    Variedade

    Identidade

    Significado

    Significado da tarefa

    Autonomia

    Feedback

    Responsabilidade

    Conhecimento dos resultados

    Motivao

    Desempenho

    Satisfao

    Necessidades de desenvolvimento Conhecimentos e aptides Satisfao com o contexto

    3

    Variedade+identidade+significado autonomiafeedback

  • 25

    indivduo, pela sua capacidade para responder s exigncias do trabalho e pela

    satisfao com o contexto (Cunha et al., 2007).

    Teoria da Equidade de Adams

    Esta teoria defende a necessidade de justia no local de trabalho e analisa a

    perceo que os trabalhadores tm relativamente a este aspeto. A ideia chave da

    teoria sustenta que os indivduos comparam os seus investimentos/inputs para a

    organizao (educao, esforo, desempenho, responsabilidades, conhecimentos e

    habilidades) com aquilo que dela recebem/outputs (salrio, reconhecimento,

    benefcios, promoes, status), comparando-os com os dos seus semelhantes

    (Gomes e Borba, 2011; Carneiro, 2009; Frederico, 2006). Ou seja, como o

    indivduo sensvel a discrepncias que possam existir (Frederico, 2006), deve

    haver correspondncia entre os investimentos e os ganhos de cada um (Cunha et

    al., 2007).

    Da comparao entre ganhos e investimentos resultam duas situaes: a

    equidade ou a iniquidade (Cunha et al., 2007). Estas emergem das percees do

    trabalhador e no da medio objetiva entre os ganhos e os investimentos, e

    variam de indivduo para indivduo. As pessoas avaliam os investimentos e as

    recompensas com base na importncia que tm para si, o que significa que a

    equidade um fenmeno percetivo e no um dado objectivo (Cunha et al., 2007,

    p.165).

    A teoria de Adams demonstra que a recompensa pode interferir no processo

    da motivao, o qual alm da componente individual, integra igualmente uma

    componente social resultante do processo de comparao social (Batista, 2007,

    p.20). A motivao maior quando as pessoas percebem a existncia de uma

    relao de contingncia entre os seus ganhos e investimentos. Ou seja, os

    indivduos esforam-se mais se perceberem que maior esforo conduz a uma

    melhor recompensa. Se essa relao no existir, a tendncia ser para os que se

    sentem injustiados sarem da organizao ou, em alternativa, reduzirem o seu

    investimento (Cunha et al., 2007).

    Apesar de esta teoria se centrar, predominantemente, na recompensa

    monetria, os estudos revelam que os indivduos so igualmente sensveis

    equidade da distribuio de outras recompensas organizacionais, como por

    exemplo: estatuto, distribuio de equipamentos e espao (Batista, 2007).

  • 26

    A teoria da equidade relevante para o estudo da motivao, na medida em

    que tenta explicar a lgica do comportamento humano que no est relacionado

    com as foras motivadoras intrnsecas aos indivduos nem com a hierarquia das

    necessidades (Carneiro, 2009).

    Teoria da Definio de Objetivos de Locke e Latham (Goal-Setting Theory)

    No final dos anos 60, Edwin Locke sugeriu que a inteno de lutar por um

    objetivo a maior fonte de motivao no trabalho (Robbins, Judge e Sobral,

    2011, p. 206), considerando importante o indivduo estabelecer objetivos para

    estar motivado no trabalho e ter um bom desempenho (Barbosa, 2009). A teoria

    sugere que a motivao no trabalho influenciada pela existncia de objetivos e

    que o indivduo est comprometido com eles. Sustenta, ainda, que o

    comportamento humano resulta maioritariamente de intenes e de objetivos

    escolhidos pelos indivduos. o objetivo que diz ao indivduo o que tem de ser

    feito e quanto esforo ter de ser despendido para o alcanar (Robbins, Judge e

    Sobral, 2011).

    Locke e Latham procuraram identificar os objetivos capazes de produzir

    nveis de desempenho elevados e apoiaram-se na constatao de que a vida dos

    homens uma sucesso de objetivos (Cunha et al., 2007). Locke tentou identificar

    quais os objetivos que mais estimulam a ateno, o esforo e a persistncia,

    concluindo que os mais eficazes so aqueles que so especficos, mensurveis,

    acordados mas alcanveis (reais, atingveis mas difceis e desafiadores) e os

    objetivos com prazos (os indivduos quando tm objetivos especficos e de

    moderada dificuldade trabalham mais rpido e intensamente durante um curto

    perodo de tempo) (Cunha et al., 2007). Pelo contrrio, () trabalham de forma

    mais lenta e menos intensa durante um longo perodo. Assim, os de curto prazo

    tm mais impacto na ao e motivao do que os de longo termo (Vieira, 2009,

    p.24).

    Os autores da teoria referem que os objetivos especficos produzem

    resultados melhores que a meta genrica faa o melhor que puder; () que

    objetivos difceis, quando aceites, melhoram mais o desempenho do que () os

    mais fceis e que o feedback conduz a melhores desempenhos (Robbins, Judge e

    Sobral, 2011, p.206), devendo, portanto, os indivduos ser desafiados com

    objetivos especficos, difceis e realizveis. Quanto mais difcil o objetivo, mais

  • 27

    alto o nvel de desempenho, o que implica, por parte do sujeito, o dispndio de

    um alto nvel de esforo para atingir esse objetivo. As metas difceis dirigem a

    ateno e as aes para o alcance dos objetivos (Cunha et al., 2007), do energia

    (Robbins, Judge e Sobral, 2011) e estimulam o desenvolvimento de planos com

    vista ao alcance dos objetivos; aumentam a persistncia perante os obstculos ou

    dificuldades (Cunha et al., 2007); permitem a conceo de estratgias que, de

    forma eficaz, nos ajudam a desempenhar o trabalho (Robbins, Judge e Sobral,

    2011); conduzem a um maior esforo (Vieira, 2009). Gomes e Borba (2011, p.299)

    reforam a ideia de que as metas desafiadoras e especficas, aliadas auto-

    eficcia, geram elevado desempenho () acarretam recompensas que

    desencadeiam respostas afectivas positivas () para assumir novas

    responsabilidades e aceitar novos desafios.

    A aceitao dos objetivos necessria para o sucesso da definio dos

    mesmos (Cunha et al., 2007) e importante para a eficcia do cumprimento dos

    objetivos estabelecidos pela organizao. A aceitao do objetivo mais evidente

    se o seu delineamento for participativo (entre superiores e subordinados).

    tambm importante para o sucesso dos objetivos o feedback fornecido, pois as

    pessoas trabalham melhor quando recebem feedback com relao ao seu

    progresso (), ajuda a perceber as discrepncias entre o que fizeram e o que

    precisava de ser realizado para alcanar o objetivo () o feedback funciona como

    um guia para o comportamento (Robbins, Judge, Sobral e 2011, p.206). O

    feedback permite tambm ao indivduo ajustar os nveis de esforo e alterar a sua

    estratgia para manter ou melhorar o seu grau de desempenho. Aumenta a

    motivao e consequentemente a produtividade (Vieira, 2009).

    A definio de objetivos parece ser a forma mais indicada para motivar e

    melhorar os nveis de desempenho dos indivduos (Vieira, 2009). Para proporcionar

    os melhores nveis de desempenho e, automaticamente, a concretizao dos

    objetivos propostos, devem ser garantidas formao adequada para o desempenho

    eficaz da tarefa e uma comunicao eficaz, bem como deve ser transmitida

    confiana. Os conhecimentos e competncias so fundamentais, pois estabelecer

    uma meta especfica, proporcionar feedback ou assegurar o envolvimento de um

    indivduo pouca influncia ter no seu desempenho caso ele no possua os

    conhecimentos e as competncias necessrias para a execuo da funo que

    desempenha.

    O estabelecimento de objetivos aumenta sistematicamente a motivao e a

    performance, tem grande impacto na perceo do progresso, na autoeficcia e na

  • 28

    autoavaliao. Segundo Locke e Latham, durante o desempenho das tarefas, as

    pessoas comparam a sua performance com os objetivos e, neste sentido, podem

    acontecer duas situaes:

    1) Autoavaliaes positivas: melhoram a perceo da autoeficcia e reforam a

    motivao (Vieira, 2009; Ferreira et al., 2006). Indivduos com elevada

    autoeficcia definem objetivos mais elevados e empenham-se para encontrar e

    utilizar tarefas estratgicas para atingir os objetivos propostos (Vieira, 2009).

    Metas desafiadoras e especficas, aliadas auto-eficcia, geram elevado

    desempenho (Gomes e Borba, 2011, p.299);

    2) Autoavaliaes discrepantes entre objetivos e performance, ou seja,

    autoavaliaes negativas que levam insatisfao (Ferreira et al., 2006;

    Vieira, 2009).

    Apesar de todas as suas vantagens, a definio de objetivos reveste-se de

    alguns aspetos negativos. O principal o facto de, ao focar as pessoas num

    objetivo especfico, se diminuir a probabilidade de as levar a produzir outros

    comportamentos igualmente relevantes. Por outro lado, a falta de capacidade dos

    trabalhadores neutraliza os efeitos motivadores decorrentes da definio de

    objetivos. Quando um indivduo tem de aprender uma tarefa complexa, centra a

    sua ateno na aprendizagem e no noutros objetivos (Cunha et al., 2007).

    Ao longo deste captulo, procurmos descrever algumas definies de

    motivao, o ciclo motivacional e fizemos a apresentao dos principais modelos

    tericos da motivao, fazendo aluso a algumas teorias de contedo e de

    processo.

    Conseguimos perceber que existem diferenas entre os vrios modelos. Tal

    facto explica a divergente posio de alguns autores no que se refere motivao,

    bem como caraterizao dos fatores que a influenciam e condicionam.

    Em nosso entender, as diversas teorias no apresentam uma divergncia de

    fundo mas principalmente uma complementaridade fundamental compreenso

    do constructo em questo. Enquanto as teorias de contedo a que nos referimos

    se preocupam essencialmente com a identificao de valores e necessidades

    universais que o indivduo precisa de alcanar para atingir a satisfao, as teorias

    de processo aspiram a explicar a dinmica inerente concretizao dessas

    necessidades e valores.

  • 29

    2. O ENFERMEIRO EM PEDIATRIA ONCOLGICA

    Ser enfermeiro, independentemente da rea de atuao, significa ser uma

    pessoa diferente, a quem se exige um olhar despido perante o outro ser humano.

    Fruto das diferentes condies ambientais onde vivem e se desenvolvem, tanto os

    enfermeiros como os clientes possuem um quadro de valores, crenas e desejos de

    natureza individual e, como tal, no estabelecimento das relaes teraputicas, os

    enfermeiros devem respeitar e entender os clientes alvo dos seus cuidados,

    procurando abster-se de juzos de valor (O.E., 2004).

    Vive-se num tempo em que desafiador trabalhar em Enfermagem. Espera-

    se cada vez mais que os enfermeiros sejam profissionais competentes, altamente

    qualificados, investigadores respeitados, demonstrem competncias de liderana e

    de empreendedorismo. Simultaneamente, estes profissionais enfrentam diversos

    desafios, presses e mudanas nos servios de sade. Esto inseridos em

    instituies de sade que prestam servios muito especficos e so um sistema de

    pessoas a trabalhar para um Bem essencial e primordial, com produto (intangvel),

    que so os Cuidados de Sade, e que se projecta () em pessoas (Peleteiro,

    2011, p.67).

    Os enfermeiros, sendo parceiros deste sistema complexo e de difcil gesto,

    desempenham funes importantes na dinmica da instituio de sade: presena

    a tempo integral, familiaridade com as regras estabelecidas e com os

    procedimentos de toda a natureza, tomada de deciso, capacidade para

    desenvolver relacionamentos informais e estreitar relaes com os clientes. Os

    seus esforos individuais e coletivos, as suas competncias, a sua eficcia e

    eficincia fazem destes profissionais uma fora central de influncia e motivao

    nas instituies de sade e garantem a qualidade dos servios prestados. O seu

    contexto de atuao multidisciplinar e a sua prtica profissional envolve diversos

    domnios, como por exemplo: a gesto dos cuidados e do servio/instituio e a

    educao, ao atuar no campo do ensino, formao e investigao; a aquisio de

    diversas capacidades, face constante evoluo da cincia e da tecnologia.

  • 30

    O objetivo da enfermagem a prestao de cuidados ao indivduo, saudvel

    ou doente, durante o seu percurso vital, assim como aos grupos sociais em que

    est inserido, para que preservem, melhorem e recuperem a sade, ajudando a

    alcanar a sua capacidade funcional mxima to rpido quanto possvel (O.E.,

    2012a). O enfermeiro o profissional a quem foi conferido um ttulo profissional

    que lhe reconhece competncia cientfica, tcnica e humana para a prestao de

    cuidados de enfermagem gerais ao indivduo, famlia, grupos e comunidade, aos

    nveis de preveno primria, secundria e terciria (O.E., 2012a, p.15). Os

    cuidados de enfermagem so as intervenes autnomas ou interdependentes a

    realizar pelo enfermeiro no mbito das suas qualificaes profissionais (O.E.,

    2012a, p.15) e centralizam a sua ateno na promoo dos projetos de sade de

    cada indivduo (O.E., 2004). Como tal, os cuidados que prestam implicam diversas

    competncias, tm em conta as necessidades fsicas, emocionais, sociais; visam a

    promoo da sade, a preveno da doena, o tratamento, a reabilitao e a

    integrao social (O.E., 2004), tendo sempre em considerao o quadro de

    valores, crenas e desejos de natureza individual das pessoas (O.E., 2004, p.4).

    O exerccio da profisso centra-se na relao interpessoal entre o

    enfermeiro e um indivduo ou grupo de indivduos, caracterizada pela parceria

    estabelecida com o cliente, e desenvolve-se ao longo de um processo dinmico

    que tem por finalidade ajudar o cliente a ser proactivo na obteno do seu

    projeto de sade (O.E., 2012b).

    Embora a sade no dependa exclusivamente da prestao de cuidados de

    qualidade e a influncia do ambiente ganhe importncia crescente, indiscutvel

    o impacto dos profissionais de sade especializados, cuja preparao e

    competncias tcnicas, cientficas e relacionais so uma mais-valia para os ganhos

    em sade e na sade. A este propsito, escreve Carvalhal (2003, p.15): a

    competncia profissional ser a capacidade de pr em prtica, numa determinada

    situao profissional, um conjunto de conhecimentos, de comportamentos, de

    capacidades e de atitudes que podem ser decomponveis em saberes, saberes-

    fazer e saberes-ser ou estar. Para Oliveira (2010), a competncia profissional

    envolve um conjunto de conhecimentos que dependem da capacidade do

    profissional para avaliar as suas decises e as consequncias que delas advm. Em

    enfermagem estas decises so resultantes do processo de tomada de deciso dos

    enfermeiros e so da responsabilidade destes profissionais (O.E., 2004).

    Em pediatria o enfermeiro presta cuidados criana, saudvel ou doente,

    realiza educao para a sade, assim como reconhece e mobiliza recursos de

  • 31

    suporte famlia. Tem como misso o trabalho em parceria com a

    criana/famlia, por forma a promover o melhor estado de sade possvel. Assume

    a responsabilidade do cuidado criana, mas tambm do cuidado criana

    inserida no seu contexto familiar. A complexidade e a especificidade dos cuidados

    a prestar criana/famlia requerem que o enfermeiro seja detentor de

    competncias especficas para esta rea de atuao e que esteja apto a prestar

    cuidados numa perspetiva centrada no binmio criana/famlia.

    A criana um ser com necessidades cuja satisfao est dependente de

    outros desde o nascimento, sendo a famlia o conjunto de indivduos com maior

    responsabilidade de lhe prestar cuidados e que maior influncia exerce nas

    diferentes etapas do seu desenvolvimento (que incluem as transies normativas e

    acidentais). Mais concretamente, so os pais os maiores responsveis pela

    prestao de cuidados. medida que desenvolve novas capacidades e adquire

    outras aptides, a criana vai-se tornando capaz de gradualmente satisfazer as

    suas necessidades, ficando cada vez mais autnoma em relao aos prestadores de

    cuidados, at finalmente atingir a independncia total (O.E., 2011).

    A prtica, segundo o modelo de parceria de cuidados, assenta em dois

    grandes pressupostos fundamentais: todas as crianas pertencem a uma famlia

    que est inserida num determinado contexto sociocultural, o que lhes confere

    experincias particulares e nicas; os cuidados s crianas saudveis ou doentes

    so eficazmente prestados pela famlia, com graus variveis de assistncia

    (Vilaa, 2007, p.51).

    Embora temida em qualquer idade, a doena encarada na criana de uma

    forma mais dramtica, pelo potencial de vida naturalmente esperado, que pode

    ficar comprometido, sendo uma frequente causa de desestruturao familiar. A

    criana considerada como o ser que representa o futuro, a esperana, embora

    no deixe de sofrer, adoecer e morrer (Pereira et al., 2001). A doena oncolgica

    na criana uma ameaa para toda a famlia, principalmente para os pais que

    veem os seus projetos para o filho ameaados e so privados das alegrias e

    compensaes de o ver tornar-se um adulto saudvel. A doena oncolgica do

    filho uma das maiores crises que os pais tero de enfrentar no desempenho do

    seu papel parental e implica mudanas significativas na vida quotidiana da

    famlia, reorganizaes da vida e da estrutura familiar que passam a ser

    necessrias devido ao tratamento da criana (Othero e De Carlo, 2006, p.102). A

    vivncia da doena oncolgica mais disruptiva para a criana/famlia do que

    outras doenas (Silva et al., 2009a). Apesar dos avanos notveis, principalmente

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    em relao a tcnicas teraputicas mais eficazes e ao diagnstico precoce

    viabilizado por tcnicas e meios especficos, nos pases industrializados o cancro

    infantil continua a ser a principal causa de morte no acidental nas crianas aps

    o primeiro ano de vida, nos adolescentes e jovens adultos (Dias e Barbosa, 2013).

    uma doena rara () e existe uma maior variedade de tumores do que na

    populao adulta (Stiller e Draper, 2005, p.1).

    A perspetiva do cuidar, em pediatria e em especial na pediatria oncolgica,

    abrange a criana/famlia de forma holstica. Os enfermeiros devem cuidar dos

    aspetos biopsicossociais, culturais e religiosos, uma vez que o processo do cancro

    infantil costuma ser longo e doloroso e faz com que a criana se afaste da escola,

    dos amigos, at mesmo de familiares principalmente dos irmos, do seu

    quotidiano - e seja inserida num mundo at ento desconhecido. Entra no universo

    das punes, dos tratamentos, dos exames, das sesses de quimioterapia, das

    diversas restries, dos sucessivos internamentos e consultas rotineiras. Neste

    ambiente as crianas tm inseguranas, mas continuam a ser crianas e

    necessitam de um cuidado mais humano, que no vise apenas o tumor, os

    processos fisiolgicos, ou o processo de tratamento curativo. Assim, para que os

    enfermeiros possam cuidar da criana/famlia de forma contextualizada e

    individualizada, devem integrar processos e estratgias de ensino e aprendizagem

    que visem a aquisio de competncias que favoream o seu desenvolvimento

    cognitivo, pessoal e social (Fonseca, 2006).

    A doena oncolgica infantil um processo complexo, que exige uma

    reflexo por parte de todos os que nele so envolvidos, incluindo a famlia, o

    enfermeiro e a restante a equipa de sade, com quem a criana/famlia convivem

    e partilham esta transio com maior proximidade. Desde o aparecimento dos

    sinais e sintomas at ao diagnstico e ao incio do tratamento, a criana/famlia

    passam por momentos de muita angstia e dor. Tudo o que inerente doena

    oncolgica estranho, principalmente pela srie de experincias desconhecidas e

    assustadoras de que vo ser alvo: compreenso e experincia da dor e de

    procedimentos teraputicos dolorosos, evoluo da doena, etc. O processo de

    diagnstico complicado, o tratamento rigoroso (ou mesmo uma ameaa vida)

    e a possibilidade de recada est sempre presente. At se saber ao certo a

    patologia de que a criana padece, no h uma trajetria nem uma meta, tudo

    est em suspenso. Mas a partir do momento em que o diagnstico de doena

    oncolgica confirmado a maior preocupao dos pais o medo da morte e a

    incerteza inerente () (Silva et al., 2002, p.44), o que os faz viver e encarar o

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    futuro como incerto. A vida normal acaba e pode no voltar ao que era

    anteriormente. O risco de vida est sempre presente, no s pelo processo de

    doena como pelas intercorrncias ao longo do tratamento.

    O medo causado por esta doena, sobre a qual h ainda muito por

    esclarecer, e a conotao social negativa que lhe atribuem de doena fatal,

    implicam uma srie de perdas: de sade, de objetivos de vida, de planos para o

    futuro, com consequentes mudanas no estilo de vida, de comportamento; o que

    leva muitas vezes rotura do equilbrio familiar. Todos tm a difcil tarefa de se

    ajustarem a situaes dominadas pelo stresse da incerteza e desorientao de

    longa durao (Last e Grootenhuis, 2005). A criana saudvel e com um projeto de

    vida passa a ser uma criana a que aos desafios do desenvolvimento correntes,

    acrescem os condicionalismos provenientes da sua nova circunstncia (Silva,

    2009, p.24). A doena, dependendo da gravidade com que se apresenta, pode

    adquirir a centralidade na vida da criana e dos adultos que com ela se

    relacionam, e os pais podem ter dificuldade em entender que, apesar da doena,

    o filho continua a ter as necessidades normais de qualquer outra criana (Silva,

    2009). Dificilmente existe outra patologia que provoque tantos sentimentos

    negativos: o choque do diagnstico, o medo da cirurgia, a incerteza do

    prognstico e recorrncia, os efeitos da quimioterapia e radioterapia, o medo da

    dor e de encarar uma morte indigna (Silva et al., 2009a).

    A doena oncolgica peditrica tem um ciclo de vida mais ou menos

    previsvel, ao longo do qual a criana/famlia vo ter de encarar diversos

    problemas, mobilizar recursos e desenvolver respostas adaptativas. Mullan (1985)

    cit. por Silva (2009) elaborou um modelo explicativo das diferentes etapas que

    marcam a vida de um indivduo com doena oncolgica. A primeira, denominada

    de fase aguda, inicia-se com o diagnstico estendendo-se at ao fim dos

    tratamentos, podendo ter uma durao varivel de alguns meses a anos,

    dependendo do tipo de doena e dos seus efeitos na criana. Comea com o

    anncio dos primeiros sinais a sugerir que algo de diferente se passa com a

    criana, e com os pais a procurar ajuda profissional para saber o que estar a

    acontecer ao seu filho. O diagnstico do cancro nem sempre fcil, devido

    excecionalidade da doena oncolgica na infncia. Pode ser um processo

    demorado, exigindo a realizao de diversos exames e a passagem por diferentes

    servios de sade. Durante este trajeto, e dependendo da gravidade e estadio da

    doena, a condio fsica da criana pode deteriorar-se e pode haver um

    agravamento das manifestaes clnicas. A obteno do diagnstico pode ser um

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    alvio para os pais, porque o problema est identificado e possvel avanar com

    o tratamento. A rapidez no diagnstico fundamental, no s para o prognstico

    e incio do tratamento adequado, como tambm para o fortalecimento de

    sentimentos positivos. Experincias como a hospitalizao, internamentos

    repetidos para a realizao de tratamentos de quimioterapia ou devido a

    intercorrncias, procedimentos dolorosos, procedimentos cirrgicos diversos

    fazem parte desta fase. Alguns efeitos secundrios podem fazer-se sentir com o

    incio do tratamento. A criana pode manifestar sentimentos de ansiedade,

    tr