mossoró rio grande do norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que...

90
Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Upload: doantuong

Post on 13-Dec-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Page 2: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A ESCOLA QUE PERSISTE: DESAFIOS PELA INCLUSÃO, DIVERSIDADE E QUALIDADE DO

ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA EM TEMPO DE CRISE

Organizadores:

Jean Mac Cole Tavares Santos Maria Kélia da Silva

Francisca Natália da Silva Maria de Fátima da Silva Melo

Page 3: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

SENACEM/ENACEI - A ESCOLA QUE PERSISTE: DESAFIOS PELA INCLUSÃO, DIVERSIDADE E QUALIDADE DO ENSINO NA ESCOLA PÚBLICA EM TEMPO DE CRISE © V Seminário Nacional do Ensino Médio / II Encontro Nacional Ensino e Interdisciplinaridade. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

REALIZAÇÃO Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)

Programa de Pós-Graduação em Ensino - POSENSINO (associação UERN, UFERSA, IFRN) Grupo de Estudos e Pesquisa Contexto e Educação (CONTEXTO - CNPq/UERN)

APOIOS

Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (PROPEG/UERN) Faculdade de Educação (FE/UERN)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Programa de Pós-graduação em Educação Profissional (PPGEP/IFRN) Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC/UERN)

Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid/UERN)

Estudos em Indisciplina e Violência na Escola (EIVE - UERN/FE) União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME)

Publique coletivo (promotora de eventos acadêmicos)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

V Seminário Nacional do Ensino Médio / II Encontro Nacional Ensino Interdisciplinaridade (11, 12, 13.: abril: 2018: Mossoró - RN) Anais do Seminário Nacional do Ensino Médio / II Encontro Nacional Ensino Interdisciplinaridade: A Escola que Persiste: Desafios pela Inclusão, Diversidade e Qualidade do Ensino na Escola Pública em Tempo de Crise – 11 a 13 de abril de 2018, Universidade do Estado

do Rio Grande do Norte UERN – Campus Mossoró/RN. Organização: Jean Mac Cole Tavares Santos, Maria Kélia da Silva, Francisca Natália da Silva, Maria de Fátima da Silva Melo, Mossoró: UERN, 2018. 1. Ensino Médio 2. Escola Pública 3. Inclusão 4. Diversidade 5. Qualidade de ensino. 1 Vários autores. 2 Inclui bibliografia.

ISSN: 2447-0783

Page 4: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

COORDENAÇÃO GERAL

Jean Mac Cole Tavares Santos (UERN) Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN) Maria Goretti da Silva (DIRED Mossoró)

Maria Kélia da Silva (UERN) Lavínia Maria Silva Queiroz (UERN)

COMISSÃO ORGANIZADORA

Albino Oliveira Nunes (IFRN) Anaylla da Silva Lemos (UERN) Brena Kesia Costa Pereira (UERN) Erivelton Nunes de Almeida (UERN) Edilene da Silva Oliveira (UERN) Eliel Moraes da Silva (UERN) Francisca Natalia da Silva (UERN) Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN) Francisco José Balduino da Silva (UERN) Jean Mac Cole Tavares Santos (UERN) Lavínia Maria Silva Queiroz (UERN)

Márcia Betânia de Oliveira (UERN) Maria Auxiliadora Alves Costa (UERN) Maria de Fátima da Silva Melo (UERN) Maria de Fátima Lopes da Silva (UERN) Maria Kélia da Silva (UERN) Maria Goretti da Silva (DIRED Mossoró) Maquézia Emilia de Moraes (UERN) Mayara Viviane Silva de Sousa (UERN) Suzana Paula de Oliveira Pereira (UERN) Vicente de Lima Neto (UFERSA)

COMISSÃO CIENTÍFICA

Prof. Dr. Albino Oliveira Nunes (IFRN) Profa. Dra. Betania Leite Ramalho (UFRN) Profa. Dra Cibele Naidhig de Sousa (UFERSA) Profa. Dra. Elaine Cristina Forte Ferreira (UFERSA) Profa. Dra. Elione Maria Nogueira Diógenes (UFAL) Prof. Dr. Francisco Ari de Andrade (UFC) Prof. Dr. Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN) Prof. Dr. Francisco Milton Mendes Neto (UFERSA) Profa. Dr. Francisca Maria Gomes Cabral Soares (UERN) Profa. Dra. Francisca Vilani de Souza (SEEC) Profa. Dra. Geovania da Silva Toscano (UFPB) Prof. Dr. Giann Mendes Ribeiro (UERN) Prof. Dr. Guilherme Paiva de Carvalho Martins (UERN) Prof. Dr. Isauro Beltrán Núñez (UFRN) Profa. Dra. Janote Pires Marques (IFMA) Prof. Dr. Jean Mac Cole Tavares Santos (UERN) Prof. Dr. José Ribamar Lopes Batista Júnior (UFPI) Prof. Dr. José Paulino Filho (IFESP) Prof. Dr. Leonardo Alcântara Alves (IFRN) Prof. Dra. Luciana Medeiros Bertini (IFRN)

Profa. Dra. Maria Aparecida Barbosa Carneiro (UEPB) Profa. Dra. Maria Aliete Cavalcante Bormann (IFESP) Profa. Dra. Maria Lindaci Gomes de Souza (UEPB) Profa. Dra. Marcia Betania de Oliveira (UERN) Profa. Dra. Márcia Maria Alves de Assis (UERN) Prof. Dr. Mário Gleisse das Chagas Martins (UFERSA) Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Morais (UERN) Prof. Dr. Marcelo Nunes Coelho (IFRN) Prof. Dr. Paulo Augusto Tamanini (UFERSA) Profa. Dra. Patrícia Cristina de Aragão Araujo (UEPB) Profa. Dra. Rosemeire Reis (UFAL) Prof. Dr. Rommel Wladimir de Lima (UERN) Prof. Dr. Samuel de Carvalho Lima (IFRN) Profa. Dra. Sandra Regina Paz da Silva (UFAL) Profa. Dra. Sandra Maria Araújo Dias (UFPB) Profa. Dra. Silvia Maria Costa Barbosa (UERN) Profa. Dra. Simone Maria da Rocha (UFERSA) Profa. Dra. Veronica Maria de Araújo Pontes (UERN) Prof. Dr. Vicente de Lima Neto (UFERSA)

Page 5: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

5

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Page 6: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

6

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

SUMÁRIO

1. Educação escolar indígena no ceará: uma análise sobre as legislações estaduais e as demandas dos povos Artur Alves de Vasconcelos, Ronaldo de Queiroz Lima 2. O potencial da construção de sentidos identitários no sucesso escolar Danielle dos Santos Costa, Germana Lima de Almeida 3. O êxito social de mulheres de sítio: uma reflexão à luz do estado da arte Francinilda Honorato dos Santos, Stenio de Brito Fernandes 4. O chão que me prende à liberdade: uma análise sobre educação do campo na escola Valdemiro Pedro em Apodi/RN Francisco Canindé de Morais Costa, Francisca Erenice Barbosa da Silva, Zélia Cristina Pedrosa do Nascimento, Eliana da Silva Filgueira 5. Educação do campo: uma luz para os jovens e adultos camponeses Getuliana Sousa Colares, Adriana Souza Colares Santos, Fabio Costa Santos 6. Rede social e resistência: “professores contra o escola sem partido” monitoram projetos em tramitação no país Iuska Kaliany Freire de Oliveira, Karlla Christine Araújo Souza 7. A mobilização do jovem do campo na busca por saúde, educação e lazer: o caso do Assentamento Jurema Rosa Adeyse Silva, Jeanemeire Eufrásio da Silva, Hionne Mara da Silva Câmara, Maria Betânia Ribeiro Torres 8. Do campo para a cidade pelo caminho das pastorais e movimentos sociais – mudança de lugar geográfico e de mentalidade

Zélia Cristina Pedrosa do Nascimento, Eliana da Silva Filgueira, Francisca Erenice Barbosa da Silva, Francisco Canindé de Morais Costa

Page 7: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

7

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO CEARÁ: uma análise sobre as legislações estaduais e as demandas dos povos

Artur Alves de Vasconcelos1

Ronaldo de Queiroz Lima2

RESUMO: A educação escolar dos povos indígenas no Ceará é orientada por diferentes normas e espaços de consulta. Existem duas Resoluções Estaduais (a CEC Nº 382/2003 e a CEE Nº 447/2013); diferentes legislações de dimensão federal; e encaminhamentos gerados na periódica Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei). Apesar de serem formalmente ligadas à secretaria estadual de educação, as escolas indígenas no Ceará são ainda vinculadas ao Território Etnoeducacional Potyrõ, juntamente com escolas no Piauí.O objetivo deste artigo é refletir sobre a educação escolar indígena no estado do Ceará a partir das legislações e dos espaços consultivos/deliberativos que a orientam. Os objetivos específicos são: identificar em que medida as determinações estaduais e federais sobre essa educação são postas em prática no cotidiano escolar; observar até que ponto esses planejamentos são suficientes às demandas indígenas; refletir sobre características da educação escolar / educação diferenciada indígena no contexto cearense. A metodologia consistiu na leitura crítica das Resoluções CEC 382/2003 e CEE 447/2013, bem como de legislações federais ligadas ao tema. Comparamos o que é disposto na legislação e o que é encontrado no cotidiano das escolas indígenas. As informações sobre esse contexto escolar foram obtidas, principalmente, através das oficinas, diálogos e relatórios realizados em razão do Projeto Urucum da ONG Adelco (instituição à qual os autores estão ligados), sendo complementadas com notícias de jornais e notas emitidas pelos/as professores/as indígenas. Consultamos também as principais demandas que os/as profissionais de educação indígena realizaram no encontro regional preparatório ao Coneei de 2017. Verificou-se que muitos pontos previstos nas legislações e espaços deliberativos ainda não são realidade no cotidiano escolar indígena. Exemplos do que falta: uma matriz curricular flexível, que reconheça o ensino do Tupi e a participação em atividades do movimento indígena enquanto práticas educativas; materiais didáticos específicos; estrutura predial diferenciada; criação da categoria “professor indígena” e licenciaturas específicas a esses profissionais; dar espaço adequado à dimensão diferenciada da educação indígena. Constatou-se ainda que a educação diferenciada indígena é marcada pela união das dimensões formal, não-formal e informal de a educação, de maneira indissociável. Seu aspecto diferenciado compreende que a escola (espaço de educação formal) deve trabalhar com a produção de conhecimento e métodos de ensino-aprendizagem específicos, característicos dos espaços não formais e informais: família, vida em comunidade na aldeia, os saberes dos “troncos velhos” (indígenas mais velhos); o dia a dia do movimento indígena. Palavras-chave: educação diferenciada; povos indígenas; legislações

1 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Pesquisador na ONG Adelco e no Grupo de

Estudos e Pesquisa Étnicas/UFC. E-mail: [email protected]

2 Antropólogo. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará. Pesquisador na ONG Adelco e

no Grupo de Estudos e Pesquisa Étnicas/UFC. E-mail: [email protected]

Page 8: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

8

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

INTRODUÇÃO

Este artigo é parte integrante do Projeto Urucum: Fortalecendo a Autonomia Político-organizativa dos Povos Indígenas (EIDHR/2016/375-014), realizado pela Associação para Desenvolvimento Local Co-Produzido (ADELCO) em parceria com o Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar. A educação dos povos indígenas cearenses é regulamentada principalmente pela Resolução Nº 382/2003 do Conselho de Educação do Ceará (CEARÁ, 2003). Esta, por sua vez, teve algumas alterações em sua redação, feitas pela Resolução Nº 447/2013 do Conselho de Estadual de Educação (CEARÁ, 2013)3. Além das legislações vigentes, um espaço de consulta e deliberação fundamental sobre educação indígena é a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (Coneei), bem como suas ramificações estaduais e municipais. Apesar da força das legislações estaduais, as escolas indígenas no Ceará estão vinculadas ao Território Etnoeducacional Potyrõ, junto ao estado do Piauí, o que significa que o planejamento dessa educação deveria, em tese, ser compartilhado pelas secretarias de educação de ambos os estados.

O objetivo deste artigo é refletir sobre a educação indígena no estado do Ceará a partir das legislações e dos espaços consultivos/deliberativos que a orientam. Os objetivos específicos são:

● Identificar em que medida as determinações estaduais e federais sobre essa educação são postas em prática no cotidiano escolar;

● Observar até que ponto esses planejamentos são suficientes às demandas indígenas;

● refletir sobre características da educação escolar / educação diferenciada indígena no contexto cearense.;

A metodologia consistiu na leitura crítica das Resoluções CEC 382/2003 e CEE 447/2013, bem como de legislações federais ligadas ao tema. Comparamos o que é disposto na legislação e o que é encontrado no cotidiano das escolas indígenas. As informações sobre esse contexto escolar foram obtidas, principalmente, através das oficinas, diálogos e relatórios realizados em razão do Projeto Urucum, sendo complementadas com notícias de jornais e notas emitidas pelos/as professores/as indígenas. Consultamos também as principais demandas que os/as profissionais de educação indígena realizaram no encontro regional preparatório ao Coneei de 2017. Este artigo divide-se em quatro partes. A primeira discute o que as legislações falam sobre o modo de trabalho nas escolas; a segunda refere-se à gestão escolar; a terceira parte apresenta e discute informações sobre o Território Etnoeducacional Potyrõ (CE e PI); a última parte relaciona a educação indígena junto com os conceitos de educação formal, informal e não-formal. 1. ASPECTOS DA EDUCAÇÃO DIFERENCIADA A Constituição brasileira reconhece aos povos indígenas o direito à “organização social, costumes, línguas e tradições” (BRASIL, 1988, art. 231). A educação indígena

3 O “Conselho de Educação do Ceará” teve seu nome alterado para “Conselho Estadual de Educação” no ano de 2007.

Page 9: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

9

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

aparece, nesse sentido, como um lugar importante de fortalecimento dessas culturas e saberes tradicionais. Para isso, é necessário que o processo de ensino-aprendizagem nessas escolas seja diferente do modelo adotado em outras, atendendo às necessidades e especificidades desses povos. Essa experiência pedagógica peculiar deve constituir as escolas indígenas em lugares de promoção de uma “educação diferenciada” (BRASIL, 1999, p. 9-10). Alguns aspectos que garantem a diferenciação escolas indígena e relação as demais: o ensino da língua materna em turmas iniciais (BRASIL, 2010b, Art. 15); o respeito e utilização de suas práticas socioculturais, religiosas e econômicas; uso das formas próprias de produção do conhecimento e métodos de ensino-aprendizagem; utilização da língua materna no ensino; uso de materiais pedagógicos específicos ao seu contexto sociocultural; prédios escolares com arquiteturas e espaços construídos em acordo com os indígenas e que atendam aos seus interesses; profissionais indígenas de educação (BRASIL, 2012, Art. 04 e 05). A legislação estadual, através das Resoluções 382/2003 e 447/2013, vai ao encontro dessas orientações federais. Esses documentos foram redigidos conjuntamente por profissionais da SEDUC e professores/as indígenas. Vamos agora apontar e discutir alguns deles:

Art. 1º – Estabelecer, no âmbito da educação básica, a estrutura e o funcionamento de escola indígena reconhecendo-lhe a condição de escola diferenciada, com normas e ordenamento jurídico próprios e fixando diretrizes curriculares do ensino intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das culturas dos povos e comunidades indígenas, à afirmação e à manutenção de sua diversidade étnica (CEARÁ, 2003).

A Resolução CEC 382/2003, em seu artigo primeiro, determina que as instituições de ensino indígenas estão na condição de “escola diferenciada”. Dentro desse aspecto diferenciado, ele reconhece o ensino intercultural e bilíngue. Embora garantido por legislação, o ensino bilíngue não é realidade na maioria das escolas indígenas no Ceará. Dentre outras razões, o ensino do Tupi é dificultado pelo fato de essa disciplina não constar na matriz curricular prevista pela SEDUC (ADELCO, 2017, p. 82). O Tupi, quando acontece, se dá como disciplina extra, exigindo uma sobrecarga de aulas para professores/as e alunos/as. Percebe-se que a condição das escolas indígenas, no que diz respeito ao bilinguismo, está em desacordo com o que é determinado na legislação. Observemos agora o que é dito a respeito dos outros aspectos da educação diferenciada.

Art. 2º – A escola indígena, em sua organização, obedecerá aos seguintes princípios: a) reconhecimento e respeito à diversidade étnica e cultural dos povos e comunidades indígenas; b) valorização dos conhecimentos e saberes tradicionais; c) valorização e fortalecimento das culturas indígenas; d) diversidade de concepções de ensino e de aprendizagem; e) gestão participativa (CEARÁ, 2003).

Page 10: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

10

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

O artigo 2º enumera algumas características que compõem a diferenciação nas escolas indígenas. Ela é focada na valorização dos saberes do povo e nos seus processos específicos de ensino-aprendizagem. Essa postura deveria contribuir para o fortalecimento das culturas do povo. Entretanto, de acordo com a fala de professores/as, o aspecto diferenciado poderia e deveria ganhar mais espaço nas escolas. Isso porque a matriz curricular determinada pela SEDUC seria excessivamente focada na base comum do ensino, dedicando pouco espaço para as aulas diferenciadas específicas. Além disso, práticas reconhecidas pelos povos como importantes momentos de educação não-formal, como participação em atividades do movimento indígena, seriam desconsideradas pela SEDUC (ADELCO, 2017, p. 84). Vemos, então, que o Art. 2º não está sendo seguido de maneira adequada. Prossigamos na leitura dos artigos que tratam da educação diferenciada:

Art. 3º – A escola indígena visará a: a) formar crianças, jovens e adultos, críticos e conscientes de seu papel na vida de sua comunidade ou de seu povo (CEARÁ, 2003).

Esse ponto destaca a necessidade da educação como ferramenta de fortalecimento da identidade indígena e do sentimento de pertença ao povo. É válido, aqui, trazer novamente a questão da importância de alunos/as e professores/as estarem presentes em processos de retomada e outros espaços de luta. Esses se constituem em momentos importantes da percepção do movimento indígena, suas lutas e pautas, levando a uma experiência e conscientização que só a prática é capaz de trazer. O professor indígena Luiz Tapuya-Kariri4 ressalta a importância da educação diferenciada no fortalecimento da identidade étnica e na formação política de alunos e alunas:

Analisando agora as crianças [indígenas] de hoje, criança de um ano, dois ano (...), pede para se pintar, pega o pincel e começa a se rabiscar, pega o urucum e começa a passar no rosto. E os mais jovens, crescidos assim, esses batem no peito e dizem que são índio. Essa criancinha já bate, mas esse menino já luta, faz retomada (…), já tem toda uma mentalidade que a gente trabalha isso em sala [de aula] (Luiz Tapuya-Kariri, professor indígena, encontro da Juventude Indígena em 2016).

Levando em conta que a legislação estadual pede a formação de uma consciência cidadã, seria importante que a SEDUC reconhecesse os momentos de luta do movimento indígena dentro de sua matriz curricular.

Art. 4º – Serão características de escola indígena: a) localização em terras habitadas por comunidade ou povo indígena; b) exclusividade de atendimento a comunidades ou povos indígenas (CEARÁ, 2003).

O ponto b do artigo 4º determina que apenas pessoas indígenas podem ter acesso aos serviços da escola diferenciada. Entretanto, existem casos de instituições que

4 Entrevista realizada pela equipe ADELCO durante o Encontro da Juventude Indígena de 2016, em Crateús/CE.

Page 11: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

11

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

possuem alunos/as não-indígenas (ADELCO, 2017, p. 84). Assim sendo, a presença de alunos/as está em desacordo com o que determina a legislação estadual. Conhecemos o que a resolução traz a respeito do aspecto diferenciado das escolas indígenas. Vejamos agora o que é falado sobre a gestão escolar, a formação de professores e as atribuições do Poder Público. 2. GESTÃO ESCOLAR, PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO E AS ATRIBUIÇÕES DO PODER PÚBLICO 2.1 Institucionalização das escolas indígenas As Resoluções CEC 382/2003 e CEE 447/2013 trazem detalhes referentes à gestão indígena, à composição e formação dos professores dessas escolas, bem como define o papel do estado e dos municípios no que diz respeito ao suporte a essas instituições de ensino e seus profissionais. O primeiro artigo a tratar desses pontos é o sétimo, que informa a respeito do contexto de criação de uma escola indígena vinculada à SEDUC.

Art. 7º – A escola indígena será criada pelo Poder Público Estadual ou Municipal, por solicitação do povo ou da comunidade interessada, como expressão de suas necessidades educacionais (CEARÁ, 2003).

As escolas indígenas no estado do Ceará tiveram seu início ainda nos anos 80, a partir da iniciativa de pessoas das próprias aldeias, que improvisavam salas de aula em residência ou sob a sombra de árvores (ADELCO, 2017, p. 83). Não havia, portanto, o apoio formal das secretarias municipais ou de educação. A Resolução CEC 382/2003 estabelece que é obrigação do Poder Público do estado ou do município instituir formalmente uma escola indígena. É válido lembrar que os municípios são prioritariamente responsáveis pelas escolas de Ensino Fundamental, enquanto o estado fica encarregado, com prioridade, do Ensino Médio, além de assegurar o Fundamental. Conforme destacam as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica,

…entre as incumbências prescritas pela LDB aos Estados e ao Distrito Federal, está assegurar o Ensino Fundamental e oferecer, com prioridade, o Ensino Médio a todos que o demandarem. E ao Distrito Federal e aos Municípios cabe oferecer a Educação Infantil em Creches e Pré-Escolas, e, com prioridade, o Ensino Fundamental. (BRASIL, 2013, p. 9).

Deste modo, é de competência do Estado do Ceará, através da SEDUC, assegurar as escolas indígenas de Ensino Fundamental, em uma atribuição compartilhada com os municípios. Além disso, ele é diretamente responsável pela educação de Ensino Médio dessas escolas. O Poder Público deverá oferecer as condições estruturais necessárias ao funcionamento adequado das escolas. O artigo 17 da Resolução CEC 382/2003 especifica:

Page 12: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

12

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Art. 17 – Para o pleno funcionamento da escola, de acordo com a realidade social, política e pedagógica de cada povo ou comunidade indígena, cabe ao Poder Público prover a escola de: a) recursos humanos (professores, vigias, secretário, auxiliares de serviço e um profissional na área de Informática); b) recursos materiais (merenda escolar, material didático – pedagógico, material permanente, material de consumo, equipamento, manutenção e reparo dos prédios escolares e mobiliários); c) recursos financeiros (pagamento dos profissionais e funcionários da escola indígena) (CEARÁ, 2003).

É atribuição do Poder Público ofertar todas as condições necessárias para o bom funcionamento da escola indígena, o que inclui recursos humanos, materiais e financeiros. Essa oferta deve seguir as necessidades social, política e pedagógica do povo. O artigo 12 da Resolução CEC 382/2003 especifica as condições prediais adequadas:

Art. 12 – O prédio, as instalações, os equipamentos da escola indígena e as suas concepções de espaço devem ser adequados às necessidades dos índios e responder às aspirações de seu povo ou de sua comunidade, atendidas, no mínimo, as orientações seguintes: a) O prédio escolar com estrutura definida pela comunidade de comum acordo com as respectivas Secretarias de Educação deverá ser suficiente para abrigar os alunos em condições satisfatórias (…) (CEARÁ, 2003).

A SEDUC tem participação na definição da estrutura do prédio escolar indígena, conjuntamente com o povo. É sua atribuição garantir que essa estrutura seja suficiente para a demanda. Por outro lado foi constatado, a partir das atividades do projeto Urucum, que continuam a existir escolas e anexos funcionando em estruturas improvisadas ou insuficientes para a demanda do povo (ADELCO, 2017, p. 85). Vejamos algumas falas:

Nós temos uma escola. O espaço físico não atende às demandas. Temos hoje [2016] matriculados 134 alunos na Educação Infantil, Fundamental I e II e EJA (…). Nossa escola é mínima. Ela só tem duas salas de aula e nos turnos funcionam cinco turmas. Então o que se faz: nós pega a sala de aula, separa com estante, armário, cadeira, lençol e faz uma outra sala de aula (Eleniza Tabajara, professora e liderança, sobre a escola indígena em Quiterianópolis).]

Selecionamos ainda outra fala, na qual o problema relacionado à estrutura da escola se dá por outra razão:

A Escola Indígena Antônio Gomes [fundada em] 2012, com Ensino Fundamental e Ensino Médio. Nós já estamos na segunda turma do Ensino Médio (…). O posto de saúde está funcionando dentro da escola (professora indígena não identificada).

Page 13: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

13

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A escola em questão está localizada no município de Poranga. A professora não manifestou queixa com a estrutura daquela instituição, mas ponderou que ela precisa ceder um espaço ao posto de saúde da aldeia, que não possui espaço próprio. Essa situação aponta duas dificuldades: a primeira é o uso do espaço escolar para uma finalidade diferente da ideal; a outra é a precarização do serviço de saúde, cujo posto da aldeia ainda funciona de maneira improvisada. As falas acima5 são apenas a título de exemplo: os problemas se estendem por dezenas de escolas por todo o estado, conforme pode-se constatar pelas atividades do Projeto Urucum e seu diagnóstico (ADELCO, 2017). Desta forma, as escolas indígenas que ainda carecem de estrutura predial adequada representam o descumprimento do artigo 12 da Resolução CEC 382/2003. A ineficácia do Poder Público em garantir essas condições está em desacordo com o artigo 17 do mesmo documento. 2.2 Materiais didático-pedagógicos A responsabilidade do Poder Público sobre os materiais didático-pedagógicos é citada, pelo menos, em dois artigos das Resoluções estaduais:

Art. 17 – Para o pleno funcionamento da escola, de acordo com a realidade social, política e pedagógica de cada povo ou comunidade indígena, cabe ao Poder Público prover a escola de: (...) b) recursos materiais (merenda escolar, material didático – pedagógico, material permanente, material de consumo, equipamento, manutenção e reparo dos prédios escolares e mobiliários) (CEARÁ, 2003).

Não se identifica quem serão os responsáveis pela elaboração desse tipo de material. Neste ponto, é importante consultar a Resolução do Conselho Nacional de Educação Nº 5/2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação escolar indígena:

Art. 15 (…) § 5º Os currículos devem ser ancorados em materiais didáticos específicos, escritos na língua portuguesa, nas línguas indígenas e bilíngues, que reflitam a perspectiva intercultural da educação diferenciada, elaborados pelos professores indígenas e seus estudantes e publicados pelos respectivos sistemas de ensino (BRASIL, 2012, p. 8, destaques nossos).

Observando as duas legislações acima, vemos que o Poder Público estadual tem o dever de oferecer os materiais didáticos diferenciados às escolas indígenas. Esses materiais devem ser elaborados pelos próprios professores e professoras indígenas, em

5 Ambas foram ouvidas durante a Oficina Territorial do projeto Urucum com povos indígenas do sertão, realizada em novembro de 2016 em Crateús/CE.

Page 14: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

14

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

parceria com alunos e alunas, cabendo ao respectivo sistema de ensino realizar sua publicação. Falou-se há pouco sobre como os professores e professoras indígenas necessitam recorrer a mecanismos alternativos de educação, e como isso se dá mais em razão da ausência do Poder Público do que por uma questão de autonomia de trabalho. Sobre esse ponto, chama a atenção o parágrafo único do artigo 12, que afirma:

Art.12 (…) Parágrafo único – Para o desenvolvimento das atividades pedagógicas a escola deve valer-se da orientação de professores habilitados nas respectivas áreas do conhecimento e de setores específicos do sistema, utilizando, de preferência, materiais coletados por eles, pelos alunos e que sirvam efetivamente aos seus objetivos (Resolução CEC 382/2003).

O texto sugere que as atividades pedagógicas devem utilizar materiais “coletados” por professores/as e alunos/as. Não indica maiores informações sobre que tipo de material, tampouco aponta um lugar do Poder Público como colaborador na sua produção. Sob nossa interpretação, é de fato relevante que os sujeitos da educação tenham a liberdade de produzir materiais educativos próprios, de acordo com as características culturais de cada aldeia. Isso, é inclusive, algo previsto dentro da dimensão diferenciada de educação. Por outro, é importante ficar claro que isso não reduz a responsabilidade do Poder Público em oferecer apoio na produção de materiais didáticos diferenciados. Enumeramos acima algumas das atribuições do estado e municípios no que concerne à estrutura e funcionamento das escolas indígenas. É importante, agora, observar o que é determinado a respeito dos profissionais de educação, especialmente gestores e professores. 2.3 Profissionais da educação Os artigos 10 e 18 da Resolução CEE 447/2013 falam sobre as especificidades do gestor escolar:

Art. 10. O gestor escolar deverá ser professor indígena, preferencialmente da mesma etnia onde se localiza a escola, e possuir a formação prevista no Art. 64 da LDB nº 9394/1996 (CEARÁ, 2013). Art. 18. O gestor escolar indígena sem a habilitação prevista no Art. 10 desta Resolução terá o prazo de quatro anos para adquiri-la, contados a partir da data de sua publicação (CEARÁ, 2013).

O profissional da gestão escolar deve ser professor indígena, preferencialmente, mas não exclusivamente, do mesmo povo onde está localizada a escola. É necessário, ainda, que possua uma formação específica para gestores, tal como determina a LDB. Essa formação, de acordo com aquela lei, deve ser voltada “para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional”. Isso deve ser adquirido através de um curso de pedagogia, seja graduação ou pós-graduação (BRASIL, 1996, Art.

Page 15: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

15

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

64). O gestor, caso não obedeça a essas prerrogativas, terá quatro anos para adquirir a formação exigida. Sousa Filho e Fontelenes Filho afirmam haver uma carência nesse tipo de formação. A partir dessa constatação, a Universidade Federal do Ceará, em parceria com a SEDUC, está organizando o Curso de Especialização em Gestão Escolar Indígena, dentro da categoria Educação à Distância, com o objetivo de formar 140 profissionais da gestão escolar, capazes de contemplar todas as escolas indígenas ligadas ao estado do Ceará. Os polos serão nos municípios de Acaraú, Crateús e Maracanaú (SOUSA FILHO; FONTENELES FILHO, 2017). Deste modo, o atendimento aos artigos 10 e 18 da Resolução CEE 447/2013 começa a ser posto em prática a partir de uma parceria com uma instituição federal de ensino superior, embora com a limitação de ser na modalidade de educação à distância. É necessário que o indígena tenha acesso a computadores e internet, bem como relativa facilidade em utilizar essas ferramentas. Essas condições podem dificultar a participação dos povos que tenham disponibilidade limitada a esses recursos técnicos. Vimos o que as resoluções trazem a respeito dos gestores escolares indígenas. Vamos conhecer, agora, o que a legislação diz sobre os professores e professoras. O artigo 14 traz informações sobre o perfil e formação desses profissionais:

Art. 14 – A atividade docente na escola indígena será exercida, preferencialmente, por professor oriundo da etnia. Parágrafo único – Será garantida a formação em serviço, conforme a legislação vigente (CEARÁ, 2003).

Este artigo recomenda que o/a professor/a indígena, preferencialmente, faça parte do povo onda a escola está situada A palavra “preferencialmente” concede relativa flexibilidade a essa condição. Isso, contudo, não está de acordo com o que estabelecem as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, que determinam:

A escola indígena (…) terá como elementos básicos para sua organização, estrutura e funcionamento: (…) d) a exclusividade do atendimento a comunidades indígenas por parte de professores indígenas oriundos da respectiva comunidade (BRASIL, 2013, p. 380).

As Diretrizes informam que o atendimento às escolas indígenas deve ser feito exclusivamente (e não “preferencialmente”) por professores indígenas. Desta forma, é importante que a resolução estadual se alinhe com o que é indicado pela legislação de âmbito federal. Tocando novamente no ponto da formação, os artigos 13 e 15 da Resolução CEC 382/2013 trazem mais informações sobre a licenciatura indígena:

Art. 13 – A formação de professores será específica, diferenciada e orientada pelos referenciais para a formação de professor indígena e legislação pertinente (CEARÁ, 2003).

Page 16: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

16

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Art. 15. A Secretaria da Educação do Estado será responsável pela definição da política de formação de profissionais de educação escolar indígena, assim como de sua execução. Parágrafo único – Os cursos de formação de professor indígena serão organizados com a participação de representantes dos povos e comunidades indígenas (CEARÁ, 2003).

O artigo 13 afirma que os/as professores/as indígenas devem receber uma formação diferenciada; já o 15 informa que tais cursos de formação estariam sob responsabilidade da SEDUC, tanto em sua definição quanto na execução. Contudo, isso não está acontecendo. A Resolução determina que a SEDUC é responsável pelos cursos de formação pra professores indígenas. Todavia, não há registros de Licenciaturas Indígenas em andamento, realizadas pelo Governo do Estado do Ceará. Obtivemos a informação, dentro das pesquisas do projeto Urucum, que a Universidade Estadual do Ceará já possuiu um projeto de Licenciatura Intercultural Indígena: o Koaba. Entretanto, ainda de acordo com as mesmas fontes, esse projeto só se efetivou quando sua responsabilidade foi transferida para a Universidade Federal do Ceará, instituição que já possuía uma licenciatura intercultural indígena, o Lii Pitakaja. Desse modo, percebemos que a legislação estadual determina a formação diferenciada aos professores indígenas, mas o próprio estado não oferece os mecanismos para que isso se tornasse possível. Há ainda outros pontos importantes referentes aos professores e professoras indígenas. Dizem respeito à regulamentação profissional e processo seletivo. As Resoluções aqui consultadas não apresentam esclarecimento quanto a isso. É necessário, então, recorrer a outras legislações. O Parecer CNE 14/99 indica:

…é necessário que os Sistemas Estaduais de Ensino instituam e regulamentem a profissionalização e o reconhecimento público do magistério indígena, criando a categoria professor indígena como carreira específica do magistério, com concurso de provas e títulos adequado às particularidades lingüísticas e culturais das sociedades indígenas, garantindo a esses professores os mesmos direitos atribuídos aos demais do mesmo sistema de ensino, com níveis de remuneração correspondentes ao seu nível de qualificação profissional (BRASIL, 1999, p. 16).

O Parecer aborda novamente a questão do magistério indígena como uma via necessária à formação profissional diferenciada aos professores e professoras indígenas. Além disso, o documento acrescenta: a carreira dessas pessoas também deve ser específica, constituindo uma categoria profissional própria, com concursos e provas de títulos compatíveis “às particularidades linguísticas e culturais” dos povos. Algumas das condições vistas acima, contudo, ainda não se tornaram realidade no contexto cearense. A categoria de professor indígena ainda não é reconhecida, tampouco as definições no tocante a concursos foram concluídas (OBSERVATÓRIO…, 2016). Isso está em desacordo com o estabelecido pelo Parecer CNE 14/99. Ainda sobre concursos públicos, o mesmo Parecer esclarece que o concurso público é uma das vias legítimas de seleção, mas não a única, no que concerne a esses profissionais. Essa flexibilização é outra característica da dimensão diferenciada de professores e professoras indígenas:

Page 17: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

17

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Os professores indígenas terão o concurso público como uma das formas de ingresso no magistério indígena. Outras formas de admissão, tais como processos públicos de seleção e contratos temporários, podem ser usadas na admissão ao magistério visando atender às realidades socioculturais e lingüísticas específicas e particulares de cada grupo, para que o processo escolar não sofra descontinuidade (BRASIL, 1999, p. 16).

Por outro lado, conforme já visto, essas outras vias de contratação devem ser apenas em caráter temporário. Os professores e professoras indígenas, após concluírem sua formação específica, deverão ser efetivados no cargo a partir de concurso público (idem, ibid.). As atividades do Projeto Urucum indicam que nem todos os professores e professoras indígenas estão de acordo com esse critério. Desta forma, torna-se importante que haja o debate entre os indígenas a respeito dessas determinações do Parecer CNE 14/99. Parece relevante, ainda, que se levante a possibilidade de que cada povo tenha a autonomia de escolher o critério de seleção de professores/as em suas próprias escolas. Essa autonomia, é válido lembrar, é garantida pela Resolução CEC 382/2003, em artigos como o 3º e o 5º, já escritos aqui. 2.4 Alterações no texto das resoluções e a retirada no termo “diferenciada” A Resolução CEC Nº 382/2003 foi parcialmente alterada através da Resolução CEE 447/2013. Foram modificados cinco artigos: 6º, 8º, 10º, 15º e 18. Essas mudanças, de acordo com o que foi ouvido durante atividades do Projeto Urucum, ocorreu com a participação de alguns profissionais indígenas de educação. Todavia, não foram unânimes. A maior parte dessas alterações, à primeira vista, visa aperfeiçoar o texto. Entretanto, chama a atenção as mudanças no artigo 6º. Esse artigo informa a classificação das escolas indígenas em quatro níveis, a partir do número de alunos: “Escola Diferenciada Indígena Tipo A”; Escola Diferenciada Indígena Tipo B”, etc. A nova redação, entretanto, classifica como “Escola Indígena Nível I”, “Escola Indígena Nível II”, em diante. A alteração mais significativa foi a retirada do termo “diferenciada” na classificação da escola. Embora possa parecer algo de menor importância, essa mudança deve ser refletida dentro do atual cenário político brasileiro, no qual os direitos e conquistas históricas dos povos indígenas encontram-se em risco. As legislações federais mais importantes a respeito da educação escolar indígena, como a LDB (BRASIL, 1996) e a Resolução CNE/CEB Nº 5 (BRASIL, 2012), tratam dos direitos da educação indígena a partir da sua dimensão diferenciada. Assim sendo, a ausência termo “diferenciada” na classificação das escolas indígenas poderia se tornar um obstáculo na efetivação desses direitos, sobretudo se isso for avaliado por governos pouco sensíveis às lutas do movimento indígena no Brasil. Weibe Tapeba, liderança que também já exerceu a docência indígena, chama a atenção sobre as nomenclaturas que acompanham as escolas indígenas.

[A escola indígena] é uma escola regular que funciona com um método diferenciado. Esse método diferenciado, o nome, a nomenclatura,

Page 18: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

18

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

retiraram do nome da escola. É algo que a gente precisa fazer uma avaliação. (Weibe Tapeba6).

Esta liderança lamenta a retirada do nome “diferenciada” das escolas, uma vez que é justamente as metodologias próprias de ensino que distinguem as instituições de ensino indígenas das demais. 3. ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL E ESPAÇOS DELIBERATIVOS 3.1 Territórios etnoeducacionais O Decreto 6.861/2009 (BRASIL, 2009a) determinou que a organização escolar indígena no Brasil deve se dar não apenas pelas secretarias de educação de cada estado, mas também, a partir de Territórios Etnoeducacionais (TEE). Estes são assim definidos:

Art. 6º (…) Parágrafo único. Cada território etnoeducacional compreenderá, independentemente da divisão político-administrativa do País, as terras indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas por povos indígenas que mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes sociais e históricas, relações políticas e econômicas, filiações lingüísticas, valores e práticas culturais compartilhados (BRASIL, 2009a).

Assim sendo, um TEE compreende um conjunto de etnias que compartilham de raízes históricas, sociais, culturais e linguísticas em comum, extrapolando as fonteiras das unidades federativas. O planejamento da educação escolar indígena desses povos, em razão desses elementos de semelhança, precisa ser feito de maneira conjunta, para além das respectivas secretarias de educação. A formação de um TEE segue quatro etapas: 1) Consulta aos Povos Indígenas, onde estes discutem, dentre outras coisas, a área de abrangência; 2) Construção de Diagnóstico e Planos de Ação, quando é feito o levantamento da situação educacional e elaboradas propostas de ação; 3) Pactuação, na qual as instituições e povos envolvidos na TEE comprometem-se a cumprir o que foi definido no Plano de Ação; e 4) Funcionamento do Território Etnoeducacional, no qual a Comissão Gestora inicia as atividades planejadas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2015, p. 04). Existem 25 TEE pactuados pelo Brasil, contemplando 12 estados. Além disso, outros 26 estão em fases iniciais de implementação. Os povos indígenas dos estados de Ceará e Piauí constituem o Território Etnoeducacional Potyrõ. Esse TEE concluiu sua fase de pactuação em maio de 2014, durante solenidade realizada em Fortaleza/CE (SECRETARIA…, 2014). Dentre outras medidas previstas no encontro, estava a criação do magistério indígena e a adoção de concurso público específico para a contratação de professores indígenas, tendo como prazo de implantação o final do ano de 2016 (O POVO, 2014). Entretanto, a etapa de efetivo funcionamento deste TEE ainda não se efetivou. Professores e professoras indígenas do Ceará, em 2016, realizaram protesto na 6 Fala proferida durante a Assembleia Geral da OPRINCE, em 2016.

Page 19: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

19

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Secretaria de Educação do Estado. Dentre outras pautas, estava exatamente a implementação imediata do TEE Potyrô e a realização de concurso público diferenciado (OBSERVATÓRIO…, 2016). Isso demonstra que ainda é necessário se efetivar as deliberações encaminhadas durante a pactuação do TEE. 3.2 Conferências de educação escolar indígena Existe, além das legislações, um outro mecanismo fundamental para a orientação de políticas públicas direcionadas à educação diferenciada indígena no Brasil: a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – CONEEI. Essa Conferência, idealizada em 2008 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009), reúne representantes de todas as comunidades educativas indígenas no Brasil. Esse encontro é tanto consultivo quanto propositivo. Isso significa que os povos não apenas são consultados a respeito das políticas educativas, mas também fazem propostas que devem orientar essas ações governamentais (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2016). A Conferência Nacional é antecedida por duas outras: as conferências locais e as regionais. As conferências locais acontecem nas comunidades escolares; já as conferências regionais se dão em 18 recortes territoriais que foram previamente definidos pela Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena7 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2009). A conferência regional Nº 09, que engloba o território etnoeducacional Potyrõ (CE e PI), além dos estados da PB e RN, aconteceu na cidade de Fortaleza/CE, entre os dias 09 e 11 outubro de 2017. Os povos indígenas presentes elaboraram mais de 150 propostas referentes às práticas pedagógicas diferenciadas na educação indígena (II CONEEI, 2017). Boa parte das demandas trata de questões que já estão asseguradas em legislações: dizem respeito à publicação de materiais didáticos produzidos pelos indígenas; à valorização dos conhecimentos tradicionais e a autonomia da criação dos PPPs; e à proposta de uma matriz curricular e um calendário escolar específico. A necessidade de se propor questões que já são, em tese, garantidas pela legislação mostra como as leis e resoluções que regem a educação escolar indígena ainda não são plenamente obedecidas pelos sistemas de ensino. 4. EDUCAÇÃO INDÍGENA: FORMAL, INFORMAL E NÃO-FORMAL A educadora Maria da Glória Gohn (2008) apresenta três campos em que a Educação se estrutura: formal, informal e não-formal. Essas concepções acompanham as mudanças sociais acontecidas ao longo das décadas, nas quais o conceito de educação e de espaços educativos se ampliam, para além do contexto da escola e outros espaços oficiais. A partir disso, uma discussão abrangente sobre o tema da educação deve estar atenta a essas diferentes dimensões, sob o risco de se centrar em apenas um modelo, desconsiderando os demais.

7 Os recortes territoriais não correspondem exatamente aos territórios etnoeducacionais. Enquanto os TEE estão presentes em 12 estados brasileiros (SOUSA, 2016), os recortes contemplam todas as unidades federativas. Exemplo disso é o recorte territorial Nº 09, formado pelo TEE Potyrõ (CE e PI), além dos estados da PB e RN, que não fazem parte de nenhum TEE.

Page 20: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

20

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

É possível identificar, em cada um desses campos trazidos por Gohn, características equivalentes ao que é discutido em relação à educação indígena no Brasil. É interessante, então, trazer as discussões relativas às educações formal, informal e não-formal dentro do contexto indígena, como forma de reforçar as reflexões sobre a importância da educação diferenciada e o modo como ele deve se realizar. O conceito de educação formal é ligado aos espaços e conteúdos oficiais de ensino: escolas, creches, universidades, bem como seus projetos pedagógicos, metodologias de ensino e conteúdos disciplinares. A educação formal se dá no contexto indígena através das escolas. Como já visto, elas são espaços em que, além da dimensão diferenciada, existe o ensino da Base Comum. Seguem calendários e grades curriculares relativamente rígidos e utilizam materiais didáticos não-diferenciados. Por sua vez, a educação informal trada de processos educativos que ocorrem fora do espaço oficial, tanto na interação com outras pessoas (famílias, amigos, grupos) quanto no consumo de bens culturais como a leitura, o teatro, a TV, dentre outros. Compreende-se que essas situações também possibilitam ao indivíduo o contato com diferentes conteúdos, sobres os quais ele reflete e passa e conhecer, havendo, assim, um processo educativo. O contexto específico da vida indígena, como a organização familiar, a formação de grupos culturais, o convívio com os “troncos velhos”, a relação com a natureza e espaços sagrados, constituem-se espaços informais de educação fundamental para sua formação cidadã e indígena. A importância desses momentos para além da sala de aula torna-se ainda maior quando trazemos o conceito de educação não-formal. Gohn o apresenta como sendo os processos educativos que ocorrem fora do ambiente escolar, em contextos pensados e organizados pela sociedade civil. A autora cita como exemplos disso os espaços educativos criados por movimentos sociais ou organizações não governamentais. Há ainda uma outra possibilidade de educação não-formal, que se dá na articulação entre escolas por um lado e comunidade/colegiados do outro (GOHN, 2008, p. 7). A autora afirma que esses espaços não-formais promovem a socialização e solidariedade; preocupam-se com a mudança social; buscam uma participação descentralizada; e têm um caráter voluntário. Um de seus aspectos básicos “é o de que a aprendizagem se dá por meio da prática social. É a experiência das pessoas em trabalhos coletivos que gera um aprendizado” (idem, 2008, p. 103). Deste modo, a educação não-formal tem como princípio a prática coletiva, a vivência dentro de um grupo social enquanto experiência educativa. É possível encontrar, nesse conceito de educação não-formal, equivalência em várias características da educação indígena. Vê-se, em primeiro lugar, o reconhecimento dos movimentos sociais enquanto espaço educativo. Esse é um tema frequente entre professores indígenas no estado do Ceará, que destacam a importância do movimento indígena, seus protestos e ações de retomada, como momentos importantes da educação no contexto desses povos. Outro exemplo é a articulação entre escola e comunidade. Trata-se de algo garantido pela legislação estadual, quando esta afirma que a escola indígena deve “ser comunitária, orientada pela comunidade ou povo a que pertence de acordo com seus princípios, projetos e concepções” (CEARÁ, 2003, art. 5º). Mais um ponto de convergência entre a educação indígena e a não-formal é a questão da práxis. A dimensão do trabalho coletivo enquanto elemento educador é prevista na legislação da trata da educação indígena no Brasil. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, por exemplo, afirmam:

Page 21: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

21

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

…a escola [indígena], compreendendo que as crianças são parte da comunidade, não pode segregá-las das atividades socioeconômicas e rituais e das relações sociais que a constituem, devendo prever suas participações nestas atividades e sua convivência com os diversos atores nelas envolvidos (…). Com isso, o calendário da escola indígena, por exemplo, deve prever a possibilidade de participação das crianças nestas atividades, considerando-as também letivas. Esta participação, parte da formação das crianças indígenas, não deve ser confundida com exploração do trabalho infantil (DIRETRIZES…, 2013, p. 385).

Desta maneira, não é possível pensar a educação indígena sem compreender e viabilizar a articulação das diferentes dimensões (formal, não formal, informal). Fixar-se nos aspectos burocráticos da educação formal, como calendário escolar rígido, grade curricular pouco flexível e sistema de avaliação unificado para todas as escolas do estado, significa não contemplar essa complexidade de lugares e experiências educativas. Significa, por consequência, não implementar a educação diferenciada indígena em toda sua plenitude. CONSIDERAÇÕES FINAIS A educação escolar indígena no estado do Ceará é regulamentada pela Resolução do Conselho Estadual de Educação Nº 382, de 2003, que trata da criação e o funcionamento das escolas indígenas dentro do sistema de ensino do Ceará. Seu texto foi parcialmente modificado dez anos depois, pela Resolução do Conselho Estadual de Educação Nº 447, de 2013. Esses documentos devem dialogar com legislações de âmbito federal e com espaços de consulta e deliberação indígenas. Este artigo teve como objetivo refletir sobre a educação indígena no Ceará tomando como referências as legislações vigentes e os espaços deliberativos existentes. Essa reflexão levou à comparação entre o que é dito nas leis e o que é encontrado na prática cotidiana indígena. Constatou-se que as escolas indígenas são reconhecidas como diferenciadas já no artigo 1º da Resolução CEC 382/2003. O elemento diferenciado é marcado em diversos momentos do fazer escolar e do processo de ensino-aprendizagem. Verificou-se que o Poder Público, a partir da SEDUC, ainda não reconhece o ensino do Tupi como uma disciplina dentro da matriz curricular formal; tampouco são considerados os momentos como participação em protestos, marchas, retomadas, encontros indígenas, dentre outros. Além disso, ainda não existem materiais didático-pedagógicos diferenciados nas escolas. Essas situações estão em desacordo com o que é determinado nas Resoluções, dificultando a efetivação da dimensão diferenciada da educação escolar indígena. O Poder Público também é responsável por oferecer os recursos prediais e materiais necessários para atender às demandas específicas das escolas, dentro da perspectiva da educação diferenciada. Entretanto, constatou-se que muitas escolas ainda carecem da estrutura predial adequada e do material didático específico. Esse tipo de material deve ser produzido pelos profissionais indígenas de educação, com a colaboração dos alunos e alunas, e publicado através da ação do Estado.

Page 22: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

22

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A formação dos professores indígenas deve seguir um modelo diferenciado, também garantido pelo Estado. Todavia, percebeu-se que atualmente as iniciativas de licenciatura intercultural indígena no Estado do Ceará não vêm do Poder Público, mas sim dos próprios indígenas e de parceiras como a Universidade Federal do Ceará. Faltam maiores detalhes, nas Resoluções estaduais, a respeito da presença de professores não-índios nas escolas indígenas. É importante haver maior esclarecimento sobre as condições para a presença, seleção e permanência desses profissionais. Verificou-se que uma das mudanças mais significativas trazidas pela Resolução CEE 447/2013 diz respeito à retirada do termo “Diferenciada” na classificação das escolas indígenas. Isso pode ser perigoso, porque algumas das legislações federais mais importantes a respeito da educação indígena, como a LDB e Resolução CNE/CEB Nº 5, enumeram os diversos direitos daquelas escolas a partir da sua condição de diferenciadas. O Território Etnoeducacional Potyrõ, que reúne a educação indígena dos estados de Ceará e Piauí já superou a etapa de Pactuação. Entretanto, ainda não alcançou a fase final, que é a de efetiva implementação do território, com ações e planejamentos conjuntos. Não existe uma legislação sobre educação indígena especificamente do TEE Potyrõ, mas apelas aquelas de nível estadual (muito restritas) ou federal (muito abrangentes). A Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, Coneei, é atualmente a principal instância de consulta e deliberação dos povos indígenas no Brasil a respeito de sua educação diferenciada. Grande parte das demandas trazidas nessa reunião são questões já previstas nas legislações estaduais ou federais, o que demonstra que, embora aqueles direitos existam, eles ainda não são efetivamente postos em prática. A educação diferenciada indígena se mostra uma conjunção intrínseca e necessária entre os modelos de educação formal, informal e não-formal. Além das escolas, o ambiente familiar, a vida em comunidade, o aprendizado com os “troncos velhos”, as atividades culturais diversas, a relação material e espiritual com a natureza, os rituais, a participação nas lutas do movimento indígena, todos esses são espaços educativos igualmente importante na formação dessas pessoas enquanto cidadãos/ãs e enquanto indígenas. Não é possível, ao contrário de outros grupos sociais, fazer uma separação clara entre educação escolar ou educação “não-escolar” no contexto indígena. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

II CONEEI. Caderno de Propostas – Conferência Regional Potyrõ (CE e PI), PB e RN. 2017. Disponível em: Acervo ADELCO.

ADELCO. Diagnóstico e Estudo de Linha de Base: Projeto Fortalecendo a Autonomia Político-Organizativa dos Povos Indígenas. Fortaleza, 2017.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

___. Decreto Nº 6.861, de 27 de maio de 2009. Dispõe sobre a Educação Escolar

Page 23: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

23

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Indígena, define sua organização em territórios etnoeducacionais, e dá outras providências. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6861.htm>. Acessado em: 05 janeiro 2018.

___. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Acessado: 07 junho 2017.

___. Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação. 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/leis2.pdf>. Acessado em: 07 junho 2017.

e a de

___. Resolução CNE/CEB nº 5, de 22 de junho de 2012. Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. 2012. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb005_12.pdf>. Acesso em: 07 junho 2017.

___. Resolução CNE/CEB nº 20, de 11 de novembro de 2009. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pceb020_09.pdf>. Acesso em: 28 fevereiro 2018.

CEARÁ. Resolução CEC Nº 382, de 2003. Disponível em: <http://www.cee.ce.gov.br/legislacao/resolucoes?download=10527>. Acesso: 25 julho 2017. CEARÁ. Resolução CEE Nº 447, de 21 de agosto de 2013. Disponível em: <http://www.cee.ce.gov.br/phocadownload/resolucoes/resoluo%20n%20447.2013.pdf>. Acesso: 24 julho 2017. GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. São Paulo: Cortez, 2008. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portaria Nº 141, de 11 de fevereiro de 2009. Aprova o regimento interno da Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena. 2009. Disponível em: <semesp.org.br/portal/pdfs/juridico2009/Portarias/12.02.09/141,11.02.09.pdf>. Acesso: 02 dezembro 2017. ___. Portaria Nº 1.275, de 11 de novembro de 2016. Disponível em: <www.editoramagister.com/legis_27221328_PORTARIA_N_1275_DE_11_DE_NOVEMBRO_DE_2016.aspx>. Acesso: 02 dezembro 2017. ___. Territórios Etnoeducacionais. 2015. Disponível em: <http://laced.etc.br/site/arquivos/Territorios_Etnoeducacionais_texto_conceitual_CGEEI.pdf>. Acesso: 01 dezembro 2017.

Page 24: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

24

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

OBSERVATÓRIO SOCIOAMBIENTAL. Professores e professoras indígenas do Ceará realizam protesto na SEDUC. 12 janeiro 2016. Disponível em: <www.observatoriosocioambiental.org/2016/01/professores-e-professoras-indigenas-do.html>. Acesso: 21 agosto 2017. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO. Ceará e Piauí firmam pacto e desenvolvem plano de ação sobre educação indígena. 21 de maio de 2014. Disponível em: <www.seduc.ce.gov.br/index.php/noticias/194-noticias-2014/8350>. Acesso: 01 dezembro 2017. SOUSA FILHO, Antônio Ferreira de; FONTENELES FILHO, José Mendes. Formação de gestores das escolas indígenas do Ceará. In: Encontros Universitários da UFC. Fortaleza, v. 2, 2017.

Page 25: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

25

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

O POTENCIAL DA CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS IDENTITÁRIOS NO SUCESSO ESCOLAR

Danielle dos Santos Costa8

Germana Lima de Almeida9

RESUMO: A Sociologia da Educação é profícua em modelos teóricos em busca de elucidar as complexas questões do âmbito educacional emergentes em nosso cenário social tecnologicamente conectado com o mundo. Por mais que pareça plausível, alguns arcabouços não explicam toda a realidade, como é o caso da teoria da reprodução bourdieusiana, incapaz de ajudar-nos a elucidar os sucessos comumente evidenciados que fogem a sua regra. Visando ampliar os horizontes deste debate, tem-se por objetivo retratar aspectos outros que são pertinentes ao universo microssocial dos indivíduos de baixa origem social e que podem colaborar favoravelmente para a promoção social destes exatamente a partir de uma superação de sua limitação de capital cultural preexistente. A partir de uma revisão bibliográfica, é tecida a exposição de alguns aspectos teóricos de embasamento crítico, com ponderações a respeito de uma relevante relação educacional que existe e se faz sem necessariamente contar com normativas instrumentais, e que situam-se não exatamente no limiar, mas especialmente transcendendo aos muros da escola. Referenciais como Educação Popular (FREIRE, 1987); Luta por Reconhecimento (HONNETH, 2003) e a Relação com o Saber (CHARLOT, 2000) delineiam este debate que apontam algumas das contribuição do segmento para superação das desigualdades sociais no ambiente de educação escolar. Palavras-chave: Sociologia da Educação. Pedagogias Críticas. Relação com o Saber. Luta por Reconhecimento. Sucesso escolar.

INTRODUÇÃO

A Sociologia da Educação, na pesquisa de Pierre Bourdieu e Jean-Claude

Passeron (2016) sobre o sistema educacional francês na década de 70, promoveu uma reviravolta acerca da noção do propósito do sistema educacional: as observações levaram os pesquisadores a conclusão de que o sistema educacional vigente tratava de contribuir para a manutenção das desigualdades sociais - o contrário do que se acreditava, de equalizá-las. Este posicionamento derivado, primordialmente, do conceito bourdieusiano de capital cultural atesta que as diferenças socioculturais preexistentes levam aos índices de sucesso ou fracasso escolar; e não o fator mérito. Entretanto, as ponderações sobre a reprodução do sistema desigual se deram em época e local cujos desdobramentos socioeconômicos e políticos eram distintos da realidade brasileira.

8 Professora do Instituto Federal do Sertão Pernambucano; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas PPGCISH-UERN. E-mail: [email protected] 9 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas PPGCISH-UERN. Bolsista da CAPES vinculado ao PPGCISH. E-mail: [email protected] Ana Maria Morais Costa - Professora-Orientadora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas.

Page 26: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

26

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Na América Latina e mais especificamente no Brasil, na década anterior, crescia o movimento de educação popular alavancados pelo terceiro setor, cuja prerrogativa principal se constituía na educação por meio da conscientização política acerca do sistema de engendramento classista, promovendo o empoderamento dos menos favorecidos. Esta dialética, motivadora dos indivíduos na luta pelos seus direitos, caracterizava o que Gadotti (2012) denominou de pedagogias críticas.

Nesse sentido, ensejamos investigar como as pedagogias críticas podem colaborar para a postura dos atores quando inseridos no sistema educacional vigente. Para tal, buscaremos analisar a contribuição das pedagogias críticas – em suas diversas modalidades – para o reconhecimento identitário e empoderamento dos agentes; como também, compreender de que forma este reconhecimento e empoderamento produz sentido para a aprendizagem escolar formal.

Este tema torna-se relevante em função do crescente número de estudos a respeito do papel da educação para a melhoria da vida das pessoas representados, por exemplo, em grupos de pesquisas institucionais como o RIIEEAS (Rede Interdisciplinar e Interinstitucional de Êxito Escolar, Empoderamento e Ascensão Social); esta rede tem desenvolvido estudos e pesquisas sobre a temática “Êxito escolar, Empoderamento e Ascensão Social pelos estudos de pessoas de origem popular”, para debater mecanismos sociais, procedimentos educativos e políticas públicas que permitem a estudantes de origem popular, afrodescendentes, com deficiências, alcançar êxito escolar e promoção social. Composta de equipes de pesquisadores de universidades brasileiras e europeias, como a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Cidade de São Paulo (UNICID), Université Catholique de l`Ouest (UCO\França), Universidade Nova de Lisboa (UNL/Portugal) e Universidade do Minho (Uminho\Portugal). Não obstante o viés acadêmico, há também a reflexão acerca de possibilidades que o público em geral, especialmente os menos favorecidos, pode vislumbrar em busca de melhores condições de vida.

Como categorias analíticas para tecer esse estudo, temos Gadotti (2012), Gohn (2006; 2010), Brandão e Fagundes (2016), cujos apontamentos acerca da educação fora dos muros da escola, suas premissas - preponderantemente pautadas em Paulo Freire -, e algumas de suas modalidades são elencadas. Lançaremos mão, também, de categorias de ‘reconhecimento’ expressas em Taylor (1994) e Honneth (2003); bem como, a “Relação com o Saber” em Charlot (2000). Como contraponto de partida, utilizaremos a Teoria da Reprodução de Bourdieu e Passeron (2016).

METODOLOGIA

Este trabalho constitui-se como ponderações embrionárias iniciais a respeito da

relação que a educação fora dos muros da escola possui com as categorias de Reconhecimento e a Relação com o Saber, de modo a tratar de realizar uma tessitura teórica que possa propor uma contribuição para as pesquisas no campo das desigualdades sociais no ambiente de educação escolar. Mas também, como esta pode refletir nos comportamentos e atitudes daqueles que se encontram no limiar mais frágil dessa dialética.

Page 27: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

27

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Portanto, tratando de questões teóricas iniciais, caracteriza-se esta como sendo de caráter bibliográfico, abrindo leque para futuras pesquisas empíricas no caso de a concatenação das ideias mostrar validade teórica. Assim, foi realizada uma seleção de textos – artigos em revistas especializadas e obras de autores referência -, tendo como base aqueles expostos em disciplinas do Mestrado em Ciências Sociais e Humanas que tratam do tema foco, notadamente, Movimentos Sociais, Educação e Cidadania e Reconhecimento.

Trata-se, também, de uma perspectiva que tangencia as pesquisas desenvolvidas pela Sociologia do Improvável e sua investigação referenciada nas indagações sobre o fenômeno do êxito escolar de pessoas de origem popular no Brasil. Tem-se por seu princípio, que o apontamento do sociólogo Bourdieu quanto ao caráter “estatisticamente improvável” deste sucesso escolar na França, tem sido um fenômeno bastante evidenciado em nosso país. De certa forma, essa reflexão conceitual propõe investigar a relação que possivelmente possa haver entre esse tipo de educação, de certa forma paralela à formal, para o desempenho de alunos de origem popular, como uma via de explicação.

A TEORIA DA REPRODUÇÃO

Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (2016) realizaram uma extensiva

pesquisa acerca da maneira como se engendra o sistema educacional francês, a fim de obter um diagnóstico na área da Sociologia da Educação. Ao publicá-lo, observou-se uma onda de grande surpresa, pois o pilar sob qual se estabelece os preceitos da educação é a questão ética e moral de proporcionar ferramentas para que a população, de maneira geral e, especialmente, a classe popular, fosse beneficiada para conseguir melhores de condições de bem-estar no arranjo social. Utilizando, preponderantemente, a ferramenta conceitual de capital cultural – elaborada segundo a teorização do próprio Bourdieu -, o retrato do propósito real do sistema escolar revelou ser o extremo oposto: o da reprodução das diferenças sociais, acarretando a manutenção do status quo.

Os pesquisadores observaram que o que levavam os alunos ao sucesso escolar era diretamente proporcional ao grau de escolaridade dos pais, e até dos avós, que proporcionavam aos descendentes um acúmulo de capital cultural que se constitui, a grosso modo, em bens imateriais e materiais com relação ao mundo ao seu redor. Conforme Nogueira,

(...) as crianças das classes sociais superiores herdam de suas famílias um patrimônio cultural diversificado composto de estruturas mentais (maneiras de pensar o mundo), domínio da língua culta, cultura geral, posturas corporais, disposições estéticas, bens culturais variados (livros e outros materiais de cultura), etc., os quais se transformam em vantagens, uma vez investidos no mercado escolar. (2017, p. 103)

Essa vantagem é efetivada devido ao arcabouço de conhecimentos, comportamentos, modos estéticos exigidos na escola serem exatamente aquele compilado nas esferas da cultura dominante. Os alunos de origem popular estariam em profunda desvantagem em face a esse mundo “desconhecido” exigido no meio escolar, levando-os ao fracasso e, até mesmo, desistência dos estudos.

Page 28: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

28

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

IDENTIDADE E RECONHECIMENTO Ambos termos tem crescido em discussões teóricas e empíricas em relação a

questões de diferenças sociais provocadoras da maneira como certos indivíduos ou grupos são vistos perante os grupos dominantes. A abordagem dessas noções são constantemente reiteradas – principalmente por aqueles das classes populares, pesquisadores, defensores destas, entre outros, posto que são os mais prejudicados com conceitos negativos a seu respeito -, e se constituem como a consequência dessas distinções socioeconômicas.

Dentro desta tônica, as perspectivas de Taylor (1994) e Honneth (2003) vêm abordar diferentes âmbitos do Reconhecimento. O primeiro, fazendo um apanhado sobre a questão da identidade e as noções políticas de reconhecimento; o segundo, tratando do processo como as questões relacionais entre grupos (indivíduos também) de meios distintos são motivadoras de conflitos sociais naquilo que ele chama de Luta por Reconhecimento.

Taylor afirma que o problema da concepção errônea, equivocada que determinados grupos e indivíduos possuem sobre outros distintos deles gera um desequilíbrio no sentido de que os últimos introjetam esta má concepção posto que estão no lado mais frágil dessa balança, ou seja, são categorias socioculturais e econômicas mais vulneráveis.

(...) nossa identidade é parcialmente formada pelo reconhecimento ou sua falta, frequentemente pelo reconhecimento equivocado dos outros, e assim uma pessoa ou grupo de pessoas podem sofrer danos, distorções reais se as pessoas ou sociedades ao redor destas refletem nelas uma imagem confinada, degradante ou desprezível sobre elas próprias. (TAYLOR, 1994, p. 25, tradução nossa).

Estas categorias “negativas”, enquanto destoantes dos princípios de reconhecimento recíproco entre iguais, podem ser tão prejudiciais, caracterizando-se, até mesmo, como formas de opressão, para Taylor.

Honneth (2003), por sua vez, postula a teoria de que para esse indivíduo ou grupo oprimido despertar para lutar pelo seu reconhecimento, a fim de alcançar o nível do respeito igualitário, é necessário obter reconhecimento em três esferas, a saber: o amor, o direito e a solidariedade. Essas três esferas sendo desenvolvidas de modo igualitário e harmônico levam a afirmação da identidade; o contrário deste processo, sendo desigual e não satisfatória leva ao desrespeito, possibilitando a degradação desta.

A esfera do amor diz respeito à afetividade desenvolvida, primordialmente, no seio familiar (a exemplo da relação mãe e bebê), cujo desenvolvido satisfatório leva a sentimentos de autoconfiança. Por outro lado, a forma de desrespeito equivalente ao amor é a violação física, estendendo ao campo psíquico. Assim como o amor é constituído no patamar psíquico – corporal, quando a pessoa sofre maus-tratos corporais, sem assentir para tal, este ato de limitação da possibilidade de autonomia sobre si acarreta nesta um sentimento de perda de confiança em si e no mundo. (2003, p. 215)

A esfera dos direitos relaciona-se a questão, no mundo moderno, da geração de “indivíduos de direitos” perante a sociedade, cuja prerrogativa se assenta na universalização de direitos de forma igualitária, isto é, todos tem, juridicamente, direitos

Page 29: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

29

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

iguais na sociedade, cuja forma de respeito universalista gera autorespeito. De maneira oposta, a privação destes direitos descaracteriza a segurança perante a esse outro generalizado, comprometendo a integridade social do sujeito devido à exclusão social ocasionada por esta subtração. Deste modo, o sujeito tende a perceber-se no mundo de forma assimétrica em relação a outro, afetando a relação consigo mesmo, prejudicando a constituição de sua identidade, conforme Taylor.

A esfera da solidariedade diz respeito às características particulares de cada um, sendo estas estimadas pelo grupo, ou seja, a originalidade, autenticidade da sua particularidade apreciada no meio social produz no indivíduo ou grupo uma estima social positiva, gerando autoestima. Em outras palavras, aquilo que te caracteriza como único em face ao geral te traz autoestima, provocando uma coesão social maior. Contrariamente, por meio da ofensa e degradação social, o sujeito sofrerá danos em sua dignidade em face da sociedade, pois as propriedades que o distinguem do outro serão o objeto do desrespeito. (HONNETH, 2003)

Portanto, esse processo, que o indivíduo ou grupo percorre na vida social, pode levar tanto a uma postura de afirmação e orgulho sobre si, quanto a uma degradação da imagem que tem de si. Para que um ou outro aconteça, depende da consciência que tem sobre o engendramento do sistema societário atual, bem como as atitudes e comportamentos expressos na sociedade.

A RELAÇÃO COM O SABER

Bernard Charlot (2000) ao se propor investigar o fracasso escolar o abordou de

uma forma distinta. Para ele, o fracasso escolar é, na verdade, o estabelecimento da relação do sujeito com o saber. Isso significa observar o fenômeno de uma perspectiva subjetiva. Desta forma, há que se levar em consideração o sujeito enquanto construção tripartite: sujeito em relação com o mundo, com os outros e com ele mesmo, implicando que, na verdade, todas essas relações estão atuando concomitantemente, isto é, refletem o engajamento deste em uma pluralidade de relações que pressupõem uma à outra. “Não há sujeito de saber e não há saber senão em uma certa relação com o mundo, que vem a ser, ao mesmo tempo e por isso mesmo, uma relação com o saber. Essa relação com o mundo é também relação consigo mesmo e relação com os outros.” (2000, p.63)

O sociólogo classifica o saber frágil como aquele com pouca relação com o mundo, tal qual geralmente praticado nas escolas, cuja relação que os alunos estabelecem gira em torno de aprender em função de não levar uma surra dos pais, para agradar estes, dentre outros, desse modo, não constituindo um sentido específico e, pior, construindo outro sistema de sentido. (2000, p.64)

Atribui-se, nesse raciocínio, a relação com o saber enquanto construção de significações subjetivas, aportadas no campo intersubjetivo, contribuindo na formação identitária, isto é, um processo de caráter complexo que deve ser levado em consideração ao estudar ou fazer apontamentos acerca das prováveis causas para sucesso ou fracasso escolar - este último mais especificamente. “Toda relação com o saber comporta, pois, uma dimensão relacional, que é parte integrante da dimensão identitária.” (p.72)

O processo de relação com o saber envolve três esferas que pressupõem uma à outra para estabelecer a relação com o saber. No conjunto de significações do mundo,

Page 30: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

30

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

o sujeito encontra sentido naquele conhecimento e, a partir deste ‘click’ de algo que faz sentido para si, este encontra o desejo interior que o leva à mobilização para apreender tal saber, cuja materialidade é uma característica, por estar no mundo. Este sujeito concretiza a relação com o saber com o empreendimento da atividade de apropriação.

Dessa forma, Charlot acredita não existir o fracasso, pois na análise das inúmeras variáveis, segundo as igualmente inúmeras relações que os sujeitos mantém no mundo, há a possibilidade de determinado saber não estabelecer sentido lógico suficiente para nutrir o desejo deste sujeito em apropriá-lo, ou não estabelecer o sentido do que está vigente ou exigido na sociedade em determinado momento.

PEDAGOGIAS CRÍTICAS PARA FORTALECIMENTO IDENTITÁRIO E LUTA POR RECONHECIMENTO DENTRO DO SISTEMA EDUCACIONAL

Os alunos de origem popular, quando inseridos no sistema educacional vigente,

enfrentam vários percalços para continuar os estudos até sua conclusão, seja uma faculdade ou até uma pós-graduação. Em sua maioria, possuem aproveitamento baixo nos rendimentos escolares pelas condições precárias de ensino em escolas públicas em geral no Brasil, por não possuírem capital cultural necessário para percorrer satisfatoriamente o sistema escolar dominante, possivelmente devido a uma concepção equivocada de si que trazem de suas relações intra-intersubjetivas e, que, por sua vez, não promovem a relação com o saber exigida dentro desse sistema.

Entretanto, reside nas pedagogias críticas um vislumbre de possibilidade transformadora para aqueles que constituem esta parcela da população, devido ao caráter de fortalecimento identitário e político dos sujeitos – por meio da valorização das características particulares e promoção da conscientização acerca da estruturação dialética da sociedade.

O termo, utilizado por Gadotti (2012), abrange uma diversidade enorme de práticas de educação: educação popular, educação não-formal, educação social, comunitária, dentre várias outras. Cada uma possuindo uma especificidade distinta - seja com foco para adultos, comunidades rurais, minorias culturais, ocorrendo dentro da escola ou fora dela, nas ONGs, movimentos sociais, etc. - não destoam, de maneira geral, de um objetivo comum: a conscientização política, a valorização das particularidades dos indivíduos ou grupos, o respeito igualitário ao cidadão. “Essa diversidade tem em comum o compromisso ético-político com a transformação da sociedade, desde uma posição crítica, popular, política, social e comunitária.” (2012, p.11)

No Brasil, o grande expoente que alavancou esse ideal transformador da sociedade foi Paulo Freire quando escreveu “A Pedagogia do Oprimido”, cujas premissas baseavam no caráter da educação dialógica. Isto é, o sujeito de origem popular era conscientizado de sua importância na sociedade, assim como seu conhecimento, sua experiência, e tinha o direito ao respeito e voz perante a sociedade, entendendo que estava numa posição de troca desses conhecimentos e luta por direitos. (FREIRE, 1987) Ou seja, uma educação para conscientização, empoderamento, exigência de direitos iguais e libertação da opressão inscrita na dialética dominante/dominado. Vale ressaltar que Paulo Freire preconizava a libertação tanto dos oprimidos quanto dos opressores, pois vislumbrava um mundo de relações de igualdade, um ideal utópico de sociedade.

Page 31: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

31

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

As pedagogias críticas têm transitado pelos campos formal e não-formal de educação, alcançando sujeitos que estão em condições onde até mesmo a educação formal fornecida pelo Estado, em muitos casos, não ampara. Por isso, Gadotti (2012) reafirma como característica principal o embasamento dos princípios desta na prática social. “São perspectivas sérias e consistentes da educação que não nasceram de divagações acadêmicas, mas da prática social.” (p.12) Dessa base ideológica então, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade são aspectos derivados, ou seja, há profissionais de diversos setores de trabalho que colaboram para a conscientização dos populares, muito embora não sejam das classes oprimidas, a exemplo de advogados, médicos, professores universitários, etc.

Aquilo que se originou em práticas alfabetizadoras e politizadoras para adultos analfabetos das parcelas mais desamparadas - no trabalho de Paulo Freire - acabou se generalizando em educação para a prática dos direitos humanos, respeito, cultura e cidadania em uma gama de setores do meio social onde a atuação do terceiro setor, principalmente, mas não exclusivamente - o Estado também proporcionou políticas públicas nesse sentido, a exemplo dos programas implementados por Paulo Freire no estado de São Paulo enquanto Secretário de Educação – ocorre.

Brandão e Fagundes (2016) destacam essa educação como promotora de uma ressignificação do universo de valores, costumes e conhecimentos dos sujeitos para consigo, suscitando a própria valorização das características que os definem como seres humanos, refletindo no crescimento de movimentos de cultura popular pautados nas pedagogias críticas.

Os movimentos de cultura popular partem do princípio de que o trabalho de transformar e significar o mundo é o mesmo que transforma e significa o homem e a mulher. Como uma prática sempre coletiva e socialmente significativa, o ser humano se realiza através de ações culturalmente tidas como necessárias e motivadas. Assim, a própria sociedade, em que o homem e a mulher se convertem em um ser humano, é parte da/s cultura/s, no sentido mais amplo que se possa atribuir a esta palavra. Também a consciência do homem e da mulher – como aquilo que permite a eles não apenas conhecer, como os animais, mas conhecer-se conhecendo, e que lhe faculta transcender simbolicamente o mundo da natureza de que é parte e sobre o qual age – é uma construção social, que constitui e realiza o trabalho humano de agir sobre o mundo, enquanto age significativamente sobre si mesmo. (p.95).

A cultura é parte intrínseca na relação do sujeito com o mundo, com os outros, e com ele mesmo, de forma a caracterizar-se como um produto, uma consequência desse emaranhado, refletindo na formação da identidade.

Essa perspectiva da educação nos remete à ressignificação do mundo e permite ao sujeito estabelecer uma nova constituição identitária, cujo reconhecimento de seus direitos e de suas particularidades no meio social promove um auto respeito e autoestima (HONNETH, 2003). O novo sentido que o sujeito elabora sobre o mundo produz a mobilização necessária para buscar por reconhecimento e respeito diante da sociedade.

Gohn (2010) discorre sobre uma das modalidades nesse campo, que denominou de educação não-formal. Defende que esta possui grande capacidade de contribuição

Page 32: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

32

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

para a educação formal escolar devido à relação que estabelece com a leitura de mundo, objetivando, como foco, o trabalho para a formação da cidadania. Portanto, a primeira serviria como complementar na inserção do sujeito enquanto cidadão do mundo para a segunda.

Muito embora a autora, a fim de distinguir a educação não formal de outras modalidades de pedagogias críticas, proponha esta como sendo de aplicação sem distinção de classe - isto é, não especificamente voltada para os sujeitos de classes populares ou menos favorecidos -, e de característica preponderantemente intencional, a proposta delineada parece convergir para a preconização do trabalho com estes, aparentemente, como ponto inicial, de modo que a concepção denegrinte que têm de si possa ser atenuada, este mesmo propiciando a convivência com as diferentes culturas.

Gohn defende que a educação, não importa a sua modalidade, “(...) é o campo prioritário para o desenvolvimento de valores – para desenvolver a capacidade de enfrentar adversidades, mas também como capacidade de recriar, refazer, retraduzir, ressignificar as condições concretas de vivência cotidiana a partir de outras bases, buscando saídas e perspectivas novas.” (2010, p.42) Essa capacidade de relacionar produz um processo de aprendizagem, cujas informações promovem o sentido para os sujeitos em variados contextos sociais.

A autora propõe algumas características do que seriam metas cuja educação não formal poderia alcançar delineadas nos temas respeito às diferenças culturais, formação de uma identidade coletiva e comportamento para a cidadania.

Na educação não formal, as metodologias operadas no processo de aprendizagem partem da cultura dos indivíduos e dos grupos. O método nasce a partir da problematização da vida cotidiana; os conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como necessidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a serem realizadas; os conteúdos não são dados a priori. São construídos no processo. O método passa pela sistematização dos modos de agir e de pensar o mundo que circunda as pessoas. Penetra-se portanto no campo do simbólico, das orientações e representações que conferem sentido e significação às ações humanas (GOHN, 2010, p. 46)

Observa-se que a educação, para fazer sentido, precisa ser implementada pelas pedagogias críticas que abordam a questão relacional inter-intrasubjetiva e promovem um despertar de si sobre si e o outro. Especialmente aqueles sujeitos de origem popular que não recebem amparo da sociedade em geral, ao contrário, são constantemente mal vistos e rechaçados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quando pensamos em alunos de origem popular, levando em conta a situação

precária em que vivem, o entorno social em que estão inseridos, as condições de ambiente escolar em que a maioria frequenta, a quantidade de conhecimentos que são requeridos para apreender na escola, não é surpresa a maior parcela destes terem fracasso escolar e, até mesmo, desistir de concluir os estudos. Não faz sentido para eles

Page 33: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

33

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

naquilo que aprendem dentro da sala e o que está posto fora dela, no mundo em que vivem.

Mas há realmente fracasso, então? Charlot (2000) pondera que se determinado saber não faz sentido para um sujeito pois no seu emaranhado mundo de relações não há lógica, e não havendo lógica não há sentido, nos leva a crer que não existe fracasso. Simplesmente não se estabeleceu uma linha lógica em relação a determinado saber.

Ora, se a relação com o saber se dá somente se considerando os aspectos intra-intersubjetivas da relação com o mundo, relação com os outros e relação com si mesmo, os movimentos de educação das pedagogias críticas – seja dentro ou fora da escola – vêm justamente trabalhar esses aspectos que são constituídos de forma tão frágil nos populares: a compreensão do mundo, de como este se engendra, dos direitos iguais para todos, do reconhecimento e respeito mútuo, e esse trabalho se efetiva porque está assentado na prática social, engajada com as questões da vida cotidiana de muitos.

Então, munidos de uma leitura de mundo engajada e da concepção positiva sobre quem são, faz sentido para os alunos de origem popular estarem no sistema de ensino vigente, posto que os conhecimentos são ferramentas para aumentar o poder de voz, a visibilidade, mudar a concepção que as parcelas dominantes têm deles, visto que a mudança já aconteceu dentro deles e da sua visão de mundo. Com essa atitude de empoderamento, os jovens tem a possibilidade de construir uma relação de sucesso com o conhecimento e obterem reconhecimento no meio social.

Possa ser que, de início, o ideal utópico de libertação da opressão propagada nessas estruturas – como as práticas desenvolvidas por Paulo Freire – figuram como uma semente que pode ser plantada dentro do próprio sistema, de forma que os frutos destes embates possam melhorar as condições de vida daqueles que são menos favorecidos em um sistema reprodutor de desigualdades.

Há, porém, um possível embate epistemológico nessa dialética. Bourdieu e Passeron tiveram seus trabalhos norteados pelo conceito de capital cultural, que, para muitos teóricos, é de característica determinista. Entretanto, os posicionamentos de Axel Honneth, Charles Taylor e Bernard Charlot, claramente, apontam para uma epistême de característica subjetiva pautada no Materialismo Histórico-Dialético. Apesar dessa tensão epistemológica, devo dizer que Bourdieu e Passeron, de certo modo, chegaram a conclusões do próprio Materialismo Histórico-Dialético, quando afirmam que há a manutenção do status quo pela reprodução das classes de dominantes/dominados.

Essa concatenação inicial, portanto, parcial da linha de raciocínio sobre o tema serve de frutíferas reflexões acerca dessas pedagogias críticas para o engendramento estrutural no Brasil, pois Bourdieu e Passeron, focados no cenário da França, não tomaram conhecimento dos empreendimentos críticos evidenciados na realidade nacional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa bibliográfica nos leva a crer que há um grande potencial das

pedagogias críticas para uma mudança de visão e atitude de alunos de origem popular perante o sistema de ensino vigente. Quando estes se engajam em relações significativas que ecoam em conexões com o mundo e os outros ao redor, há uma mudança na maneira em que vêem a si mesmos. Este movimento de autoconfiança,

Page 34: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

34

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

auto respeito e autoestima – proposto por Honneth – desperta aqueles que estão em situação de opressão social para lutar por reconhecimento, e uma forma de consegui-lo é através da relação positiva com o saber que leva ao sucesso escolar.

Por enquanto, as pesquisas empreendidas pela Sociologia do Improvável não abordaram estudos de casos de pessoas de origem popular que participam de algum tipo de movimento de educação crítica para analisar empiricamente como se engendra esse processo, quais efeitos produzem na atitude de jovens. Este campo pode ser aprofundado em futuras pesquisas.

Ainda, a despeito da possível tensão epistemológica em jogo, pode-se, também, em futuras pesquisas elaborar uma consistência maior da relação entre o empoderamento que as pedagogias críticas promovem e acumulação de capital cultural, tal qual descrito por Pierre Bourdieu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Editora Vozes, 2016.

BRANDÃO, C. R.; FAGUNDES, M. C. V.. Cultura popular e educação popular: expressões da proposta freireana para um sistema de educação. Educar em Revista, Curitiba, n. 61, p. 89-106, jul./set. 2016. < http://www.scielo.br/pdf/er/n61/1984-0411-er-61-00089.pdf> Acesso em: 15 jan 2018.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GADOTTI, M. Educação Popular, Educação Social, Educação Comunitária: conceitos e práticas diversas, cimentadas por uma causa comum. Revista Diálogos: pesquisa em extensão universitária. IV Congresso Internacional de Pedagogia Social: domínio epistemológico, Brasília, v. 18, n. 1, p. 10-32, dez, 2012. <https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RDL/article/view/3909/2386> Acesso em: 16 jan 2018.

GOHN, Maria da Glória. Educação Não Formal e o Educador Social: atuação no desenvolvimento de projetos sociais. (Coleções questões da nossa época) 1 ed. São Paulo: Editora Cortez, 2010.

_________. Educação não-formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., vol.14, n.50, pp. 27-38, 2006. ISSN 0104-4036. <http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v14n50/30405.pdf> Acesso em: 16 jan 2018.

HONNETH, Axel. Luta por Reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003.

Page 35: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

35

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

NOGUEIRA, Maria Alice. Capital Cultural. In: CATANI, Afrânio Mendes et al. (Orgs.) Vocabulário Bourdieu. 1. Ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

TAYLOR, Charles. The Politics of Recognition. In: TAYLOR, Charles et al. Multiculturalism: examining the politics of recognition. Princeton: Princeton University Press, 1994.

Page 36: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

36

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

O ÊXITO SOCIAL DE MULHERES DE SÍTIO: uma reflexão à luz do Estado da Arte

Francinilda Honorato dos Santos10 Stenio de Brito Fernandes11

RESUMO: O presente artigo ergue-se a partir das discussões durante a disciplina Pesquisa em Educação no programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). O estudo coloca a pesquisa sobre o Estado da Arte como objeto do debate. O artigo pretende mapear as produções científicas desenvolvidas nos últimas cinco anos com base nos títulos e objetivos dos trabalhos em teses e dissertações que enfocam o tema; o êxito social e história de vida de mulheres de sítio. Objetiva conhecer o estudo em questão sobre o êxito social e história de vida de mulheres de sítio através da pesquisa à luz do Estado da Arte realizada nas produções pesquisadas como fonte do conhecimento realizadas na Biblioteca Digital dos Programas de Pós-Graduação a fim de saber quais trabalhos estão relacionados com a temática a partir das leituras nos títulos e objetivos dos trabalhos selecionados. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Para a construção do estudo utilizou-se a pesquisa bibliográfica ancorada em Carlos Gil (2008). Os resultados apontam a relevância do Estado da Arte para a construção e ampliação do conhecimento, que permitiu um mapeamento e possibilitou uma reflexão quanto às produções teóricas, a partir das observações em teses e dissertações na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) dos Programas de Pós-Graduação, disponíveis nas bibliotecas digitais, entre 2012 a 2016. É importante enfatizar nas produções teóricas específicas, ou não, que versam pelas Experiências de formação, Êxito social, Mulheres de sítio, Memórias, Empoderamento entre outros, certamente, estarão contribuindo para fortalecer e desenvolver a proposta de pesquisa em andamento. PALAVRAS-CHAVE: Pesquisa. Educação. Produção do Conhecimento. Estado da Arte. INTRODUÇÃO Ao participarmos das discussões erguidas na disciplina Pesquisa em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), percebemos a importante da citada disciplina como ferramenta para as nossas produções científicas. Em meio aos debates, leituras e seminários foram gerados em nós o desejo e a necessidade de investigar sobre a temática que tomou conta de nossa pauta: a pesquisa. Assim, vislumbramos a oportunidade de um estudo investigativo sobre as produções do conhecimento em educação.

10 Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Secretaria do Curso de Especialização em Educação (2000) na Faculdade de Educação (FE/UERN). 11 Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Professor de Geografia efetivo do município de Porto do Mangue/RN (2003) e do Estado do Rio Grande do Norte/RN (2006).

Page 37: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

37

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Esse estudo objetiva conhecer o estudo em questão sobre o êxito social e história de vida de mulheres de sítio através da pesquisa à luz do Estado da Arte realizada nas produções pesquisadas como fonte do conhecimento realizadas na Biblioteca Digital dos programas de pós-graduação a fim de saber quais trabalhos estão relacionados com a temática a partir das leituras nos títulos e objetivos dos trabalhos selecionados. Diante disso questionamos: como o Estado da Arte pode contribuir para fortalecer e desenvolver a proposta de pesquisa sobre a temática abordada anteriormente?

Esta pesquisa constitui-se um levantamento a partir do Estado da Arte de produções publicadas nos últimos cinco anos em teses e dissertações que versam sobre a temática: êxito social e história de vida de mulheres de sítio. As teses e dissertações serão fontes desse estudo produzidas nos programas de pós-graduação de várias universidades do Brasil. A pertinência social deste estudo, reside em o trabalho possibilitar a construção de materiais que representam uma significativa contribuição para discussões sobre a temática em questão.

Optamos pela abordagem qualitativa apoiada em Bogdan e Biklen (1994). Segundo os autores a investigação qualitativa é descritiva, os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva e o significado é de importância vital na abordagem qualitativa. Assumimos como metodologia a pesquisa de caráter bibliográfico com base em Carlos Gil (2008), que aponta a pesquisa bibliográfica com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.

Para desenvolver a pesquisa nessa área do conhecimento sobre o êxito social e história de vida de mulheres de sítio, fizemos um mapeamento com base no Estado da Arte, utilizando como aporte teórico autores como Luna (2009), Romanowski e Ens (2006), Rossetto (2016) e Ferreira (2002). Compreendemos o “Estado da Arte” como uma metodologia investigativa que por meio de levantamentos documentais, inventaria a produção científica sobre um determinado tema em uma área ou contexto específico (FERREIRA, 2002). Como forma de alcançar as possibilidades que esse processo investigativo intenciona, organizamos o trabalho em duas partes: na primeira, abordemos o Estado da Arte ou Estado do Conhecimento: contribuições na constituição do campo teórico da área do conhecimento. Na segunda parte questionamos: o que dizem as produções teóricas em teses e dissertações com relação ao tema em estudo sobre o êxito social e história de vida de mulheres de sítio. O ESTADO DA ARTE OU ESTADO DO CONHECIMENTO: CONTRIBUIÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO TEÓRICO DA ÁREA DO CONHECIMENTO De acordo com Santos (2010), o conhecimento científico e o senso comum se relacionam, visto que, os estudos e experiências científicas não teriam fundamentos sem as experiências e os conhecimentos cotidianos dos seres humanos ditos “comuns”. A partir disso, afirmo a relevância desta pesquisa. Os estudos relativos ao Estado da Arte ou Estado do Conhecimento podem ser definidos como uma modalidade de pesquisa bibliográfica. Para Ferreira (2002, p. 258) o Estado da Arte ou Estado do Conhecimento:

Page 38: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

38

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Têm por objetivo o desafio de mapear e de discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares, de que formas e em que condições têm sido produzidas certas dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações em periódicos e comunicações em anais de congressos e de seminários.

Os estudos de Ferreira (2002) nos dão contribuições ao diálogo sobre a pesquisa do tipo Estado da Arte ao defender que as pesquisas desse tipo possibilitam os pesquisadores verificarem a situação do conhecimento de determinadas áreas, em dado momento. As pesquisas assim desenvolvidas, caracterizam-se por tratar-se de um instrumento que busca a compreensão de conhecimento de determinada área ou tema específico, considerando áreas de conhecimento, períodos cronológicos, espaços, formas e condições de produção (FERREIRA, 2002; ROMANOWSKI e ENS, 2006).

Segundo Romanowski e Ens (2006) o estudo do Estado da Arte constitui-se etapa importância para o desenvolvimento de qualquer tipo de investigação. Em algumas pesquisas o estudo do Estado da arte é tomado como metodologia e foco reflexivo do trabalho. É preciso, seguir alguns procedimentos no uso dessa metodologia. Devem ser observados os descritores norteadores da busca, o recorte temporal e espacial, a delimitação do tema, a definição de fontes confiáveis É necessário também ser definida a forma como serão levantadas as referências.

A intenção da pesquisa do Estado da Arte é saber quais pesquisas versam sobre o tema em questão. Pretendemos a partir do mapeamento em teses e dissertações, por meio, do Estado da Arte. Nos estudos de Luna (2009) o Estado da Arte se confirma como uma das partes mais importantes do trabalho científico, pois faz referência ao que já se tem descoberto sobre o assunto pesquisado, conhecendo o que já existe e ampliando conceitos, retirando dúvidas e percebendo o que se está pesquisando sobre o objetivo de estudo pretendido, a fim de não cair na repetição.

Podemos atribuir um interesse crescente da pesquisa, quando envolve os diferentes aspectos e temas abordados nos espaços escolares, e não escolares, mas, que esses espaços ofereçam contribuições relevantes para a educação. É nesses espaços que pretendemos trazer, através das narrativas (auto) biográficas o êxito social e história de vida de mulheres de sítio.

Segundo Romanowski e Ens (2006), o interesse por pesquisas que abordam o Estado da Arte deriva da abrangência desses estudos para apontar caminhos que vêm sendo tomados e aspectos que são abordados em detrimento de outros. Por isso, os autores, afirmam que os estudos com Estados da Arte, que vêm se desenvolvendo nos últimos quinze anos, promovem balanços que possibilitam contribuir com a organização e análise da definição de um campo, uma área, podendo oferecer uma contribuição relevante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento.

Romanowski e Ens (2006) conceituam os estudos de Estado da Arte, quando objetivam a sistematização da produção numa determinada área de conhecimento já se tornaram imprescindíveis para apreender a amplitude do que vem sendo produzido. Os autores explicam que os estudos de Estado da Arte, recebem esta denominação quando abrangem toda uma área do conhecimento, nos diferentes aspectos que geraram produções. O estudo que aborda apenas um setor das publicações sobre o tema estudado vêm sendo denominados de Estado do Conhecimento.

Page 39: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

39

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Este artigo apresenta os caminhos percorridos por uma acadêmica do Programa de Mestrado em Educação na produção do Estado da Arte, a partir de uma revisão no título da pesquisa intitulada: Êxito social através da história de vida e formação: trajetória de uma mulher de sítio em diálogo com os saberes da experiência e os saberes acadêmicos, a ser desenvolvida em uma dissertação.

Para realizar uma pesquisa de Estado da Arte é preciso desenvolver uma metodologia de trabalho seguindo os seguintes procedimentos estabelecido por Rossetto (2016): definir os descritores para nortear as buscas que desejamos; localizar os bancos de pesquisas; estabelecer critérios para selecionar o material que irá compor o corpus do Estado da Arte; levantar teses e dissertações catalogadas; coletar o material de pesquisa; ler as publicações atentando para tema, objetivos, problemáticas, metodologias e conclusões; organizar relatório do estudo compondo a sistematização das sínteses e analisar e elaborar as conclusões preliminares.

O QUE DIZEM AS PRODUÇÕES TEÓRICAS EM TESES E DISSERTAÇÕES COM RELAÇÃO AO TEMA EM ESTUDO SOBRE O ÊXITO SOCIAL E HISTÓRIA DE VIDA DE MULHERES DE SÍTIO

Neste segundo momento, abordaremos os conceitos do tema que se destacam na construção da pesquisa em andamento. Destacamos os seguintes conceitos: Histórias de vida, Experiências de formação, Narrativas (auto) biográficas, Êxito social, Mulheres de sítio, Memórias e Empoderamento. Como pano de fundo, temos as fontes pesquisadas, onde apontamos na maioria dos estudos: Histórias de vida, Narrativas, Memórias, Êxito de estudantes da rede, Saberes, Escolarização de Surdos, Permanência e êxito, Trabalho das mulheres e Formação.

Na tentativa de sintetizar a produção dos dados pesquisados, produzimos um quadro em que destacamos, para cada trabalho analisado, nome do autor, o ano da publicação, título do trabalho, objetivo do estudo, indicar se é tese ou dissertação, a instituição de origem e a fonte da pesquisa.

Quadro 1: Produções sobre o Êxito Social de Mulheres de Sítio.

Autor/a Ano Título Objetivo do Estudo Tipo Instituição e Programa

Silcia Soares da Silva

2012 Trajetórias de estudantes da rede pública que ingressam, permanecem e obtém êxito numa universidade pública

Investigar a trajetória de estudantes da rede pública que ingressaram em uma universidade pública e obtiveram êxito.

Dissertação PPGE/UFRN

Pedro Luiz dos Santos Filho

2015 Escolarização de Surdos no Ensino Médio em

Analisar o processo de escolarização de alunos surdos no Ensino Médio em

Dissertação PPGE/UFRN

Page 40: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

40

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Natal/RN: vendo e ouvindo vozes

uma escola pública estadual do município de Natal, Rio Grande do Norte, com vista ao entendimento do êxito escolar e social construído.

Igor Ghelman Sordi Zibenberg

2016 Permanência e êxito na passagem pelo ensino médio integrado: implicações do capital cultural e do ofício de aluno na seletividade escolar

Analisar a permanência e o êxito dos estudantes do último ano dos cursos de Ensino Médio Integrado do Campus Restinga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.

Dissertação PPGE/UFRGS

Adriane Stroisch

2012 A permanência e o êxito dos alunos cotistas dos cursos superiores do campo São José do Instituto Federal de Santa Catarina (2009-2010)

Analisar as ações institucionais de permanência e êxito aos alunos ingressos nos cursos superiores do Campus São José do Instituto Federal de Santa Catarina - IF-SC, no período de 2009 a 2010, por meio de reserva de vagas, tendo em vista a política de inclusão adotada a partir de 2009 pelo IF-SC.

Dissertação PPGE/UNICAMP

Nicione Maciel Lacerda Batista

2016 Trajetórias de sucesso escolar dos jovens oriundos de escolas públicas no ensino superior

Conhecer e analisar os processos que favorecem o ingresso e a permanência de estudantes em cursos de graduação considerados de alto prestígio social, na Universidade Federal da Paraíba.

Dissertação PPGE/UFPB

Page 41: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

41

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Isaura Isabel Conte

2014 O processo educativo da luta e do trabalho das mulheres: via campesina no Brasil, UNORCA/UNMIC e CONAMI no México

Analisar e discutir os aprendizados do universo de trabalho e de luta das mulheres camponesas da Via Campesina do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e camponesas e indígenas da UNORCA/UNMIC e da CONAMI no México.

Tese PPGE/UFRGS

Fonte: Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, 2017.

Na totalidade dos trabalhos foram encontradas 34 produções. Para a busca, utilizei descritores que, diretamente, possuem uma relação com o objeto central desta pesquisa, quais sejam: “êxito social”, “mulheres de sítio”, “formação de mulheres de sítio” e “histórias de vida de mulheres de sítio”.

No espaço de busca destacado me deparei com investigações que abordaram o tema de forma genérica, porém, não delimitando seu olhar para a relação “êxito social, mulheres de sítio, histórias de vida e formação”. Nessa perspectiva, das 34 produções que consideraram os descritores apontados, apenas 06 trouxeram considerações para a proposta dissertativa elucidada neste documento.

O trabalho de Silva (2012) investiga a trajetória de estudantes da rede pública que ingressaram em uma universidade pública e obtiveram êxito. Seu estudo dissertativo conclui que um dos condicionantes para o êxito estudantil diz respeito às ações de assistência estudantil desenvolvidas pelas instituições formativas.

Santos Filho (2015), na mesma direção, analisou o processo de escolarização de alunos surdos no Ensino Médio em uma escola pública estadual do município de Natal, Rio Grande do Norte, com vista ao entendimento do êxito escolar e social construído. Como considerações, compreendeu que o êxito obtido, especialmente, no âmbito estudantil se deu pela participação da família no acompanhamento da educação dos sujeitos, participantes da pesquisa.

Zibenberg (2016), por vez, analisou a permanência e o êxito dos estudantes do último ano dos cursos de Ensino Médio Integrado do Campus Restinga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. Validou, no fim da pesquisa que os fatores que adicionaram para o êxito obtido em relação à permanência se referem à assistência financeira concedida pela instituição formadora e ainda pelo auxílio-moradia por parte dos Municípios de origem dos estudantes.

Em uma mesma perspectiva Stroisch (2012), analisou as ações institucionais de permanência e êxito aos alunos ingressos nos cursos superiores do Campus São José do Instituto Federal de Santa Catarina - IF-SC, no período de 2009 a 2010, por meio de reserva de vagas, tendo em vista a política de inclusão adotada a partir de 2009 pelo IF-SC. A autora concluiu que a referida política somou para permanência dos alunos que participaram, principalmente, para que eles finalizassem os cursos.

Page 42: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

42

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Já a investigação de Batista (2016) objetivou conhecer e analisar os processos que favorecem o ingresso e a permanência de estudantes em cursos de graduação considerados de alto prestígio social, na Universidade Federal da Paraíba. Seu entendimento se deu no sentido de perceber que o êxito construído pelos estudantes tem como determinante o processo de escolarização da Educação Básica vivido no momento anterior ao ingresso nos cursos de graduação.

O último estudo encontrado de autoria de Conte (2014), fruto de seu trabalho doutoral analisou e discutiu, por meio de uma pesquisa comparada, os aprendizados do universo de trabalho e de luta das mulheres camponesas da Via Campesina do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, e camponesas e indígenas da UNORCA/UNMIC e da CONAMI no México. Após realizar a investigação, a autora defendeu que a participação em movimentos sociais contribui para aprendizagens que repercutem em ações no dia a dia das mulheres.

Pelo que se vê não há produções que tenham atentando para o foco desta investigação – o êxito social na história de vida e formação de mulheres de sítio. Esta pesquisa traz também a importância de pensarmos sobre a efetivação do direito da escolaridade básica até a universidade. Inexistem, na busca que desenvolvi, dissertações e teses que tencionem esse caminho.

Optamos por adentrar na história de vida e formação de uma mulher de sítio, sua ascensão social por meio dos estudos, o diálogo entre os saberes da experiência e os saberes acadêmicos no decorrer de toda sua trajetória educacional. Dessa forma, considero relevante a proposta dissertativa apresentada ao programa de Pós-Graduação em Educação (POSEDUC/UERN). Entendemos, que este estudo pode contribuir para o campo das Ciências Humanas, por meio da investigação sobre a ordem dos fatores pessoal, social, histórico e político, haja vista, que parte da conivência pessoal e profissional.

Na referida investigação consideramos que poucas pesquisas caminharam nessa direção. Em estudos realizados na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações – BDTD, na intenção de construir o “Estado da Arte” sobre o tema, percebi que há ausência de investigações dissertativas e doutorais quanto ao tema. Do ponto de vista teórico, vejo que este estudo contribuirá para a valorização dos saberes da experiência de uma mulher de sítio no âmbito acadêmico, de modo a permitir uma reflexão sobre a importância dos diferentes conhecimentos que nos formam, nos termos de Freire (1997) e Tardif (2012).

Além dos aspectos mencionados, considero que a proposta de investigação proporcionará, com sua realização, entender a relevância do diálogo, a nível social, dos saberes e trajetórias de vida de mulheres de sítio. Suas lutas, suas conquistas, seus percursos de vida podem somar para a sociedade repensar acerca de projetos e ações que se reportem a sua inclusão seja na educação ou em outras dimensões sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que se localiza dentro de um campo de investigação denominado de estado da arte ou estado do conhecimento. O objetivo deste artigo foi conhecer os estudos sobre o êxito social e história de vida de mulheres de sítio através da pesquisa à luz o Estado da Arte realizada nas produções pesquisadas como fonte do conhecimento realizadas na Biblioteca Digital de Teses e

Page 43: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

43

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Dissertações (BDTD) dos programas de pós-graduação a fim de saber quais trabalhos estão relacionados com a temática a partir das leituras nos títulos e objetivos dos trabalhos selecionados.

Os resultados apontam a relevância do Estado da Arte para a construção e ampliação do conhecimento, que permitiu um mapeamento e possibilitou uma reflexão quanto às produções teóricas, a partir das observações em teses e dissertações na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) dos programas de pós-graduação, disponíveis nas bibliotecas digitais, entre 2012 a 2016. É importante enfatizar nas produções teóricas específicas, ou não, que versam pelas Histórias de vida, Experiências de formação, Narrativas (auto) biográficas, Êxito social, Mulheres de sítio, Memórias, Empoderamento entre outros, certamente, estarão contribuindo para fortalecer e desenvolver a proposta de pesquisa em andamento.

Apontamos que o processo de elaboração do Estado da Arte permanece em construção. Consideramos que os primeiros resultados apresentados não esgotam todas as possibilidades de análise na produção dos dados. Nas pesquisas em teses e dissertações, encontramos 34 produções que deram grandes contribuições para responder nossas dúvidas e inquietações do que queríamos saber para a construção da proposta da pesquisa intitulada: Êxito social através da história de vida e formação: trajetória de uma mulher de sítio em diálogo com os saberes da experiência e os saberes acadêmicos. Por fim, analisamos apenas seis trabalhos dos 34 encontrados na Biblioteca Digital dos programas de pós-graduação como mostramos no quadro 1, desse artigo.

Destacamos mais uma vez o Estado da Arte como parte indispensável, que legitima a produção de tese e dissertações a serem desenvolvidas. E acreditamos que as questões teóricas e metodológicas abordadas neste estudo, fomentem discussões relativas às produções de pesquisas. REFERÊNCIAS BATISTA, Nilcione Maciel Lacerda. Trajetórias de sucesso escolar dos jovens oriundos de escolas públicas no ensino superior. 2016. 184 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2016. Disponível em: http://tede.biblioteca.ufpb.br. Acessado em 15/12/2017 BOGDAN. R. e BIKLEN. S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994. CONTE, Isaura Isabel. O processo educativo da luta e do trabalho das mulheres: via campesina no Brasil, UNORCA/UNMIC e CONAMI no México. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/. Acesso em 15/12/2017. FERREIRA, Norma Sandra de Almeida. As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educação & Sociedade, São Paulo, ano 23, n. 79, p.257-272, ago. 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v23n79/10857.pdf Acesso em 15/12/2016. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. LUNA. Sergio V. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: Educ, 2009.

Page 44: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

44

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

ROMANOWSKI, Joana Paulin; ENS, Romilda Teodora. As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Diálogo Educ., Curitiba, v. 6, n. 19, p. 37-50, set./dez. 2006. Disponível em: http://alfabetizarvirtualtextos.files.wordpress.com/. Acesso em 15/12/2016. ROSSETTO. Gislaine. A. R. da S; FIGHERA, Adriana. C. M; SANTOS, Eliane. G. dos; POWACZUK, Ana. C. H e BOLZAN, Doris. P. V. Desafios dos estudos “estado da arte”: estratégias de pesquisa na Pós-Graduação. Gislaine A. Disponível em: icesp.br/revistas-eletrônicas/. Acesso em 11 out 2016.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2010.

SANTOS FILHO, Pedro Luiz dos. Escolarização de surdos no ensino médio em Natal/RN: vendo e ouvindo vozes. 2015. 147f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. Disponível em: http://repositorio.ufrn.br/handle/. Acesso em 15/12/2017. SILVA, Silcia Soares da. Trajetórias de estudantes da rede pública que ingressam, permanecem e obtém êxito numa universidade pública. 2012. 146 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012. Disponível em: http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/. Acesso em 15/12/2017. STROISCH, Adriane. A permanência e o êxito dos alunos cotistas dos cursos superiores do campo São José do Instituto Federal de Santa Catarina (2009-2010). 2012. 227 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/. Acesso em 15/12/2017. TARDIF. M. Saberes docentes e formação profissional. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. ZIBENBERG, Igor Ghelman Sordi. Permanência e êxito na passagem pelo Ensino Médio Integrado: implicações do capital cultural e do ofício de aluno na seletividade escolar. Dissertação (Mestrado em Educação). 2012. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2016. Disponível em: http://hdl.handle.net/. Acesso em 15/12/2017.

Page 45: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

45

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

O CHÃO QUE ME PRENDE À LIBERDADE: uma análise sobre educação do campo na escola Valdemiro Pedro em Apodi/RN12

Francisco Canindé de Morais Costa13

Francisca Erenice Barbosa da Silva14 Zélia Cristina Pedrosa do Nascimento15

Eliana da Silva Filgueira16

RESUMO: O presente trabalho busca problematizar o perfil de uma escola rural no ensino médio: o ensino médio entende e engloba as especificidades da escola inserida no campo? O estudante dessa comunidade projeta uma pertença ao seu lugar dentro da escola? Sendo uma pesquisa de mestrado que considera a perspectiva de Educação Popular em Paulo Freire no diálogo com outros autores da área, pretendemos analisar o lugar da escola de ensino médio rural inserida nesse feixe de relações de protagonismo e silenciamento, de afirmação e negação, de engajamento ou indiferença. Na apreensão dos dados da pesquisa, priorizou-se como instrumento metodológico, o estudo da realidade e o círculo de cultura. Os resultados iniciais apontam para uma escola que vive na fronteira do rural e urbano, produzindo um movimento de retorno às raízes camponesas, sem no entanto, se “desconectar” de práticas urbanas que aparecem na cultura da escola. Um contexto culturalmente híbrido pode vir a ser o melhor retrato dessa comunidade escolar. Nosso estudo tem como lugar a Escola Valdemiro Pedro Viana, localizada no sítio Santa Rosa II, município de Apodi/RN. Palavras-chave: Ensino médio, pertença, educação popular.

INTRODUÇÃO "Da janela do meu quarto eu via a minha escola. Ainda era cedinho e meus colegas não

haviam chegado; os passarinhos faziam aquele alvoroço! Como se também se arrumassem para ir à escola. Aquilo tudo exalava aconchego, acolhimento, pertença" (texto do autor).

Há quem diga que deixa o Campo e vem para a cidade não por uma opção, mas por uma necessidade. A busca de uma satisfação financeira, o “lugar ao Sol” o “ser gente”, é normalmente a principal motivação do êxodo de estudantes do Campo para a Cidade. Principalmente no que diz respeito ao Ensino Médio, a grande maioria dos jovens camponeses deixam seu habitat natural e social por longas oito horas enfrentando consideráveis dificuldades das mais diversas ordens no percurso do ano letivo. Nas últimas décadas surgiram algumas políticas educacionais com propostas inclusivas e de respeito à diversidade, que preveem uma educação do Campo favorável

12 Trabalho orientado pela Dra. Hostina Maria Ferreira do Nascimento, docente da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e do Programa de Pós-graduação em Educação, POSEDUC /FE/UERN. 13 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação, POSEDUC, UERN. [email protected] 14 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, POSEDUC, UERN. [email protected]

15 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, POSEDUC, UERN. [email protected]

16 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação, POSEDUC, UERN. [email protected]

Page 46: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

46

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

à permanência do estudante no seu lugar de origem, e de uma inserção positiva desse estudante no cotidiano e na produção econômica, social e cultural de sua comunidade; preocupa-se também com a construção de uma conexão viável entre essa comunidade e o resto do mundo. A Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) de 03 de abril de 2002, que institui diretrizes operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, prevê em seu artigo 2º, parágrafo único que:

A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país (BRASIL, CNE, 2002).

Um aspecto relevante nesse contexto é entender a importância da identidade cultural em cada um, do quanto seu reconhecimento é salutar para a aprendizagem, promovendo a “assunção” do ser, apregoada e defendida pelo grande Paulo Freire em sua obra Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996, p. 19). No caso do aluno camponês, essa assunção é cultivada no seio da terra, no romantismo e na quietude do lugar, mas também na dinamicidade das novas conexões, tecnológicas e sociais que o campo pode fazer a partir do protagonismo de seus jovens atores. Esse trabalho, considerando o cenário educacional brasileiro e suas propostas para a Educação do Campo, se ocupará no estudo e observação da prática pedagógica de uma escola estadual de Ensino Médio Rural, a Valdemiro Pedro Viana, localizada no município de Apodi/RN. Uma investigação percorrerá todo o trabalho: a atuação da escola, integrada ao sistema educacional e suas prescrições (Plano Estadual de Educação do RN, Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola, Regimento Interno da Escola, etc.) considera as singularidades do contexto camponês? Na análise dos documentos citados, em debate com as falas e percepções da Comunidade Escolar, acreditamos construir uma resposta para o nosso problema. A escolha dessa unidade escolar se justifica pelo seu pioneirismo em fincar raízes na zona rural e se projetar como uma das mais genuínas escolas de Ensino Médio camponês da região. A Escola funciona do turno matutino ao noturno, e tem no total 290 alunos matriculados em quatro modalidades de ensino, a saber, Ensino Fundamental nas séries iniciais e finais, Ensino Médio regular e Ensino Fundamental na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) – Saberes da terra. A Valdemiro Pedro sedia também um curso técnico em Agroecologia do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC. Seu corpo discente é composto por alunos da Comunidade sede (Santa Rosa II) e de comunidades adjacentes, todas em áreas rurais. Fundada em outubro de 2003, a escola se criou a partir do considerável contingente populacional ali presente, visto que Apodi é um dos poucos municípios do Rio Grande do Norte onde a população rural é numericamente igual a urbana. METODOLOGIA Em nossa perspectiva, três momentos pedagógicos se apresentam como caminho metodológico problematizador: o estudo da realidade (ER), a organização do

Page 47: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

47

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

conhecimento (OC) e a aplicação do conhecimento (AC). Sem uma sequência linear, esses três momentos constroem o percurso dinâmico do pesquisador freireano na medida em que o agente da pesquisa desvela e é desvelado; reflete sobre suas descobertas, redescobre-se no caminho. O estudo da realidade tende a ser a primeira das três fases, sendo contudo, retomada sempre que necessário. Em síntese, Nascimento procura situar cada momento pedagógico em atividade:

[...] o estudo da realidade (ER) é o despertar do interesse sobre as situações da realidade que demonstram e requerem a necessidade de estudo para interpretá-las, instigando ações transformadoras. A organização dos conhecimentos (OC) é o estudo das questões da problematização fundamentado teoricamente. E a aplicação dos conhecimentos (AC) permite que características gerais do conhecimento construído possam ser aplicadas à compreensão de outros conhecimentos, fenômenos e situações (NASCIMENTO, 2016, pág. 5).

De abordagem qualitativa, nosso estudo privilegiou até aqui a perspectiva problematizadora freireana com ênfase nos estudos sobre o conceito de ação-reflexão-ação. Foi feito um estudo bibliográfico que analisou o PPP e outros documentos regimentais da Escola Estadual Valdemiro Pedro Viana e procurou dar conta de seus pressupostos metodológicos, seu modelo de gestão e de sua relação com o sistema de ensino que integra, na perspectiva de escola enquanto “do Campo”. Teoricamente concebida, a escola foi analisada em suas atividades pedagógicas cotidianas, nas modalidades de ensino que desenvolve, com concentração no ensino médio. No estudo da realidade também foi utilizado como instrumento metodológico de apreensão o círculo de cultura, que proporcionou a fala dos agentes da pesquisa ali representados. A Comunidade Escolar, ou seja, gestores, professores, alunos e pais, foi ouvida em regime de amostragem (cada segmento, uma representação) no intuito de sentir e perceber a manifestação positiva ou negativa da identidade camponesa dentro da escola. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os estudos sobre uma educação dita “rural” ou “camponesa” no Brasil mostram logo de início, que essa área se compõe de retomadas e direcionamentos diversos, acompanhando muitas vezes o percurso histórico-social que a temática esteve e encontra-se envolvida. Nesse contexto, uma das primeiras preocupações de uma pesquisa sobre o tema é definir o próprio conceito de Educação do Campo, sua abrangência e sua mutabilidade na história. Caldart, em seu artigo “Sobre Educação do Campo” situa-nos quanto a essa definição:

Pelo nosso referencial teórico, o conceito de Educação do Campo tem raiz na sua materialidade de origem e no movimento histórico da realidade a que se refere. Essa é a base concreta para discutirmos o que é ou não é a Educação do Campo. Educação do Campo é um conceito em movimento como todos os conceitos, mas ainda mais porque busca apreender um fenômeno em fase de constituição histórica; por sua vez, a discussão conceitual também participa deste movimento da realidade (CALDART, 2008, p. 69 a 70).

Page 48: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

48

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Politicamente engajada ou pedagogicamente discutida e teorizada, a educação do campo precisa ser revisitada por todos seus atores em todos os aspectos, com ênfase para o aspecto do pertencimento, da raiz, do ser camponês que já não mais isolado do mundo, nem obrigatoriamente ligado aos movimentos sociais, anseia viver, estudar e refazer o seu lugar sem a imposição do urbanismo padronizador. A história do ser e o seu lugar rural deve estar inclusive na sala de aula como importante estratégia de codificação e apreciação do mundo, sem preconceitos ou pré-noções, como cita Aguiar:

Essa visão precisa ser interrogada, estranhada. O sentimento de pertencimento (...) o amor a terra não significam acomodação, bem ao contrário, buscar a vida do homem comum procurando estranhar esse cotidiano e levá-lo para dentro da sala de aula (...) diz respeito à necessidade de uma síntese entre saber da academia e saber do senso comum para que a ideia de pontos fixos não continue aquecendo a oposição. Não se trata de dialogar de costas, mas de diálogo que respeite o homem simples (...) como um sujeito que produz a partir do envolvimento com o cotidiano, criando, vivendo amando odiando (AGUIAR, 2014, p. 71).

O trabalho do cultivo da identidade na busca da assunção freireana, religa-se ao entendimento de Aguiar (2014), corroborando o de Nascimento (2008, p. 8) que diz: “[...] a educação e a pedagogia necessitam tomar como ponto de partida e alimento de sua prática as singularidades dos sujeitos, sua formação, suas histórias de vida e os saberes dela resultantes”.

A instituição escolar do campo, inserida no desafio de formar seus jovens numa perspectiva democrática e humanizadora deve traduzir-se em “escolas com um projeto político pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos à história e à cultura do povo trabalhador do campo” (ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 27). Desse modo, estudar o cotidiano escolar camponês é compreender o desafio de analisar um lócus culturalmente híbrido, feito de resistência, mas também de diálogo, de calmaria, mas principalmente de conectividade e barulho criador; o jovem camponês talvez viva na contemporaneidade, a quebra de paradigmas dicotômicos e é preciso que ele saiba o que fazer e como se posicionar à esse rompimento.

Entre o embalar do vento no carnaubal e o barulho dos carros na rodovia, no desafio de educar na fronteira cultural do campo e da cidade, vive, atua e se afirma a Escola Valdemiro Pedro Viana (Figura 1). Localizada no sítio Santa Rosa II, zona rural do município de Apodi no Rio Grande do Norte, às margens da RN 233, lado leste, a escola nasce em 2003, inicialmente com ensino fundamental e nos anos seguintes com o ensino médio. Nesse percurso, a escola passou por ampliações estruturais e recebeu também, em 2010, um curso técnico em Agroecologia pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC.

Figura 01 - Escola Valdemiro Pedro Viana

Page 49: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

49

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

FONTE: http://vivicultura.blogspot.com.br/2015/05/nonagenario-sera-comemorado-com.html

Santa Rosa II integra um conjunto de comunidades – ao todo doze – que compõem a comunidade da Escola Valdemiro Pedro. Naquela região a economia se baseia na agricultura familiar, na pecuária, ovino e caprinocultura, como também na cultura extrativista da palha da carnaúba. Inclui-se também nas potencialidades econômicas do lugar as cerâmicas, produtoras de tijolo e telha de onde provém o sustento de várias famílias da localidade. Uma peculiaridade do lugar é ser a sede da barragem de Santa Cruz, um dos maiores reservatórios de água do Estado, sendo também uma potencialidade turística dali, com visitação o ano inteiro de pessoas de todas as regiões do país. A comunidade de Santa Rosa encontra-se culturalmente reunida em torno da fé cristã com uma capela católica e dois templos evangélicos. As festas de cada uma dessas igrejas movimentam as famílias que se empenham na realização do evento. Apodi é um dos poucos municípios do nordeste brasileiro onde a população rural é praticamente do mesmo número da urbana17. Esse aspecto fortaleceu a implantação da escola Valdemiro Pedro na comunidade, inclusive expandindo sua atuação posteriormente com a oferta do ensino médio e o curso técnico de Agroecologia. Assim mesmo, é preciso registrar o empenho e mobilização dos moradores e da Secretaria através da Diretoria Regional de Ensino (DIREC), para que em 2003, acontecesse a instalação da escola naquela comunidade rural. Mobilizações- tanto para a chegada da escola como para a implantação do ensino médio e técnico – caracterizaram o interesse e a disposição do “povo do lugar” na efetividade daquele projeto. Ao requererem a implantação do ensino médio, a comunidade escolar contou com a ajuda da associação comunitária local, do sindicato dos trabalhadores rurais de Apodi, Igrejas (católica e evangélica), Poder público municipal, DIREC e diversos movimentos sociais apodienses como cita o primeiro diretor da escola, o senhor Jorge:

"Para a criação da Escola, Santa Rosa II e comunidades vizinhas se mobilizaram buscando as autoridades. A área da Escola corresponde a 1 km² e foi doada por um morador para que oficialmente o prédio fosse construído; começamos com quatro salas. Para a criação do Ensino Médio houveram várias mobilizações juntando-se a nós e a Direc, o Sindicato, associações, Poder público municipal e igrejas. Pedíamos ao mesmo tempo a instalação de um curso técnico de

17IBGE Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/2TFK

Page 50: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

50

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Agroecologia que só chegou à escola em 2014" (Fala do professor Jorge).

O nome da Escola, “Valdemiro Pedro Viana”, faz menção ao nome de um influente fazendeiro ceramista da comunidade que veio a tornar-se prefeito da cidade e que teve seu nome escolhido para aquela unidade escolar. Uma curiosidade encontrada foi a da escolha do brasão da escola (Figura 2), que é composto da figura de “tijolinhos” como nos conta Dona Marluce, professora aposentada que atuou na escola desde a sua fundação e nessa época era gestora:

“Os tijolinhos... Na época da minha gestão, foi feito um trabalho com cada turma da escola. Ganhou os tijolinhos que simbolizavam a cerâmica, porque Valdemiro Pedro Viana, que foi Prefeito, era aqui da Comunidade, Santa Rosa, ele era proprietário de cerâmica, era Louceiro; a Cerâmica da Santa Rosa era dele. Então através da cerâmica que foi escolhido o símbolo da Escola. Os alunos novatos depois quiseram mudar mas eu disse: Não pode! Isso aqui é a nossa origem, está na nossa história!” (Fala da professora Marluce).

Figura 02 - Brasão da Escola Valdemiro Pedro Viana

FONTE: Escola Valdemiro Pedro Viana.

Em sua estrutura física a escola comporta hoje 06 salas de aula, 01 diretoria, 01 secretaria, 01 almoxarifado, 01 sala para professores, 01 laboratório de informática, 01 laboratório de ciências (biologia, física e química), 01 laboratório de agricultura, 01 laboratório de agroecologia e 01 laboratório de apicultura, 01 biblioteca, 01 cozinha com dispensa e banheiro, 01 mini refeitório em forma de galpão, 03 banheiros, 01 caixa de água que comporta aproximadamente 10 mil litros de água. No que se refere a equipe de funcionários é formada por 01 diretora, 01 vice-diretora, 01 coordenadora, 01 secretária geral, 01 auxiliar de secretaria, 02 apoios pedagógicos, 01 técnico para a TV escola, 15 professores, 01 vigia, 02 auxiliares de serviços gerais e 03 merendeiras. Formada por um público discente que reside em sua totalidade na zona rural, os alunos da escola Valdemiro demonstram resiliência em sua atuação como descreve o PPP da Escola:

Os alunos provêm de famílias de baixa renda, sendo filhos de pais com pouca formação escolar. Suas fontes de pesquisas são escassas, o que os distancia da leitura diversificada tornando seu conhecimento um tanto restrito. Porém, essas dificuldades não impedem os alunos de

Page 51: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

51

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

buscarem novos meios de desenvolverem suas habilidades e competências cognitivas. A maior parte, contudo, apresenta interesse em aprender, possuindo um considerável grau de curiosidade, disciplina, compromisso, bem como se mostram participativos nas atividades realizadas pela escola (PPP, pág. 6).

Os professores se revezam entre o campo e a cidade no cumprimento de sua carga horária, sem, no entanto, desvincularem-se do cotidiano de seus alunos camponeses, buscando um efetivo ensino-aprendizagem com ênfase no uso da leitura para isso: “[...] os professores são defensores da aprendizagem do aluno destacando a leitura como pressuposto básico para a superação de suas deficiências nas diversas disciplinas da grade curricular (PPP, pág. 7)”. Todos eles são especialistas com destaque para dois professores que já cursaram mestrado. A interação dos pais e moradores dali no apoio à escola sempre foi positiva e determinante para as conquistas implementadas. Jorge, 1º diretor da escola que continua atuando lá como professor, destaca essa participação inclusive nos tempos de maiores dificuldades:

“Uma participação boa, desde o início, acompanhando e ajudando no que se precisou e participando nos eventos culturais. Implementamos aqui as colações de grau e como tínhamos poucos recursos a dinâmica era sempre a da partilha: aquele morador que podia doar um bode, doava; uma galinha, uma ajuda em dinheiro e assim envolvia-se a comunidade com todo mundo ajudando. A importância que se via era aquela união de todo mundo. Acho que até hoje a comunidade é muito presente aqui dentro, penso que ela nunca foi ausente” (Fala do professor Jorge).

Como fruto de uma luta que data desde a fundação da escola, o curso técnico de Agroecologia veio para a instituição através do PRONATEC priorizando as potencialidades do lugar. Com duração de dois anos, tendo iniciado em 2014 com término em 2016, o curso possuiu laboratório de práticas dentro da escola (ainda existente) obtendo apoio também de moradores da comunidade. Ao final dos dois anos o curso técnico apresentou uma baixa evasão e se consolidou como espaço da difusão do saber técnico agrícola, sustentável, mas também foi o lugar onde alunos e toda a comunidade escolar revisitaram sua pertença e seu lugar de camponês. O depoimento da professora Wegna que é nativa da comunidade e atuou como formadora no curso técnico explicita esse percurso:

"O curso tinha a grade bem agrária, onde a gente via o que a gente cultiva na região, uma coisa que a gente viu bem interessante é que são alunos do campo, filhos de agricultores mas que não vivenciam as práticas que a gente tinha aqui. Essa busca e a própria dinâmica do curso, acabou gerando assim um retorno deles (os alunos) às origens dos pais, das coisas do lugar. Porque a Agroecologia não é só a “alface orgânico” mas envolvia também toda uma postura sustentável por parte de educandos e educadores" (Fala da professora Wegna).

Page 52: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

52

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

É notável esse “reencontro cultural” tanto de alunos e suas famílias - o curso tinha experiências práticas em espaços agrícolas de moradores do lugar – como dos próprios professores e de toda escola. A professora Wegna, moradora da localidade, é também ex-aluna da escola Valdemiro Pedro, graduada em Gestão Ambiental e com mestrado na mesma área. Ela se traduz talvez em um ponto chave para nossa busca: os anseios de Wegna, suas conquistas e percursos trilhados, traduzem e inspiram aquela comunidade escolar? CONCLUSÕES Aqui estamos em um longo caminho de descobertas, surpresas e constatações próprio de toda pesquisa; desvelar com paciência e persistência, rigor e precisão científica esse mundo é desafiador mas, necessário. O diálogo, no seu mais nobre estágio, horizontal e includente, parece ser boa metodologia nesse contexto. Vale lembrar as boas dicas do mestre Paulo Freire:

Porque é encontro de homens que pronunciam o mundo, não deve ser doação do pronunciar de uns aos outros. Ë um ato de criação. Daí que não possa ser manhoso instrumento de que lance mão um sujeito para a conquista do outro. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Conquista do mundo para a libertação dos homens (FREIRE, 1987, p. 45).

O cuidado na pronúncia do outro é algo central para Paulo Freire. Um bom pesquisador não se constrói sem o diálogo, na escuta do outro, na escuta do mundo. Pronunciar tudo isso é muito mais do que verbalizar, mas é assumir a defesa do discurso também em gestos e ações. No lugar da investigação o pesquisador também é observado. Um silencioso estudo sobre ele, sua postura e sua disposição ao diálogo, à fraternidade, ao comprometimento também estão sob a tutela silenciosa dos olhos nativos. Em educação, entender isso pode ser a chave e a oportunidade para boas aulas, grandes pesquisas, excelentes dissertações e teses. Nosso estudo olha o campo, a zona rural em um tempo de intensas transformações. A “pureza” do estereótipo, a delimitação cultural e geográfica parecem já não dar conta desse retrato do aluno e do professor, de toda a comunidade camponesa. Muito menos consegue mostrar onde começa e termina a mistura, o contato entre o rural e o urbano. A compreensão que o nosso estudo assenta-se nessa dinamicidade, é uma das primeiras constatações. Isso ao meu ver torna essa pesquisa mais instigante, desafiadora, uma construção que pode contribuir para a atualização e o entendimento da educação camponesa potiguar. No ensino médio, sobretudo, numa seara de jovens que equilibram seu tempo e sua atuação entre a velocidade interacional das redes sociais e a quietude e o romantismo do campo, o nosso estudo vislumbra estudar essa fronteira e ver como se dá nesse espaço as práticas escolares e como essa prática se pronuncia. A raiz camponesa é facilmente percebida e assumida por todos? A caminho estamos, entendendo que problematizar na perspectiva freireana é assumir o desafio da construção permanente, ininterrupta, perene. O ser humano e seus processos formativos carecem desse percurso, dialógico, fraterno e amoroso, percurso que oxigena a existência, que nos põe melhores no mundo, para nós e para os outros.

Page 53: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

53

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

O curso Técnico de Agroecologia em Santa Rosa I, a pesquisa na escola e o que ela inicialmente desvela, reporta-nos a compreensão de uma identidade camponesa em construção-desconstrução-construção ao fazer um paralelo com a ação-reflexão-ação freireana. A identidade camponesa mostra-se a partir de nosso estudo como algo que, sem perder a essência, é ao mesmo tempo aberta à comunhão de saberes à ressignificação autônoma, sem sobreposições. Problematizar na perspectiva freireana é isso mesmo: assumir o desafio da construção permanente, ininterrupta, perene. O ser humano e seus processos formativos carecem desse percurso, dialógico, fraterno e amoroso, percurso que oxigena a existência, que nos põe melhores no mundo, para nós e para os outros. REFERÊNCIAS AGUIAR, A. L. O. Dos estudos do primário, e da escola normal, para a sala de aula como educadora no curso superior. In. COSTA, M. A. T., OLIVEIRA, M. E. B., FREIRE, S. H. S. L. M. Narrando para não esquecer: memórias e história da Faculdade de Educação. Curitiba, PR: CRV, 2014. ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. (Org.s). Por uma Educação do Campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. BRASIL, CONSELHO NACIONAL DA EDUCAÇÃO, Resolução CNE/CEB 1 de 9 de abril de 2002. Diário Oficial da União, Brasília. Seção 1, p. 32. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=13800-rceb001-02-pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 20 de Maio de 2017. CALDART, R. S. Sobre Educação do Campo. In: Educação do Campo: campo- políticas públicas – educação / Bernardo Mançano Fernandes ... [et al.] ; organizadora, Clarice Aparecida dos Santos. -- Brasília: Incra; MDA, 2008. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/user_arquivos_64/Por%20uma%20educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20campo%20n%C3%BAmero%207.pdf>. Acesso em:25 de Abril de 2017. ESCOLA ESTADUAL VALDEMIRO PEDRO VIANA. Projeto Político Pedagógico. 2017. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14. ed., São Paulo: Paz e Terra, 2000. _________. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. _________. Educação como prática da liberdade. 12ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967. NASCIMENTO, H. M. F. do. Mala na mão, pé na estrada - em busca de uma pedagogia das singularidades. 2008. 115f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. Disponível em:

Page 54: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

54

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

<https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/14307/1/HostinaMFN.pdf>. Acesso em: 27 de Maio de 2016. ___________. Círculo de ação-reflexão-ação: uma possibilidade praxiológica para a prática pedagógica da formação problematizadora de professores. 2011. 212 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. Disponível em: < https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/14362>. Acesso em: 02 de junho de 2016. NASCIMENTO, H.; PERNAMBUCO, M.; LIMA, H. O tema e a problematização da realidade como metodologia da pesquisa participativa. In.: RIBEIRO, M.R.F.; AMORIM, G.C.C.; NASCIMENTO, H. M. F. (Orgs.). Docência e formação: perspectivas plurais na pesquisa em educação. Curitiba, CRV, 2017.

Page 55: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

55

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

EDUCAÇÃO DO CAMPO: UMA LUZ PARA OS JOVENS E ADULTOS CAMPONESES

Getuliana Sousa Colares18 Adriana Souza Colares Santos19

Fabio Costa Santos20

RESUMO: A pesquisa realizou-se na comunidade de Japuara. Na zona Rural no município de Canindé - Ceará. Há alguns anos, os movimentos sociais, movimentos campesinos, vem lutando para defender a educação do campo, ministrando seminários, debates, discussões afim de conseguir as seguridades dessa modalidade. Hoje está claro e notório que esses movimentos não foram em vão, pois através das lutas sociais conseguiram implantar vários projetos e escolas do campo que defendem a cultura, as raízes, a identidade do povo camponês e faz com que a população do campo não perca sua essência. Este artigo foi orientado pela professora PhD Eliane Dayse Pontes Furtado, professora da FACED- UFC/CE. O objetivo deste artigo encontra-se em conhecer os benefícios que o ProJovem Campo-Saberes da Terra trás o para o público jovem camponês. Percebemos que algumas comunidades rurais valorizam sua identidade, cultura, gênero, fazendo com que esses jovens valorizem seu estilo de vida, sua moradia, de modo a contribuir para a formação de sujeitos críticos que conheçam a sua realidade e tenham como transformá-la, respeitando as suas culturas e os costumes locais. Na metodologia foi utilizada uma abordagem qualitativa descritiva. A pesquisa foi realizada com a aplicação de entrevistas aos alunos, na perspectiva de conhecer os benefícios que o Projovem Campo - Saberes da terra trouxe para os jovens. Percebemos que de uma certa forma, estas politicas publicas, que são conquistas e lutas dos movimentos contribuem bastante para uma melhor qualidade de vida das pessoas que vivem no campo. Temos como referencial teórico FREIRE, (1977). Pedagogia do Oprimido e pedagogia da autonomia. E como resultado apresentaremos os benefícios que o programa ProJovem Campo proporcionou as comunidades camponesas que foram contemplados com o Programa, trazendo uma proposta de Educação do Campo, fazendo com que os jovens tenham esperança de continuar a morar em suas terras, adquirindo saberes de seu próprio local e aprender a conviver com o semi-árido. O camponês tem direito a uma educação voltada para a realidade de seu povo, de acordo com suas necessidades e possibilidades para o fortalecimento da cultura camponesa. Palavras chave: Educação do Campo. Politicas Publicas. Movimentos Sociais. INTRODUÇÃO

18 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Linha Movimentos Sociais, Educação Popular e Escola, Especialista em Educação do Campo, Saberes da Terra pela Universidade Federal do Ceará (UFC)- [email protected] 19 Graduada em Letras pela Universidade Vale do Acaraú (UVA), Especialista em Atendimento Educacional Especializado – AEE, pela FAK- Faculdade Kurios. Atualmente trabalha na Rede Municipal de Canindé-Ceará. [email protected] 20 Graduado em Letras pela Universidade Vale do Acaraú (UVA), Especialista em Arte Cultura Popular e Educação do Campo pela UFCA – Universidade Federal do Carirí. Atualmente trabalha na Rede Municipal de Canindé-Ceará. [email protected]

Page 56: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

56

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Neste presente trabalho temos como tema: Educação do Campo: Uma luz para

os jovens e adultos camponeses, onde conheceremos os benefícios que o ProJovem Campo-Saberes da Terra traz para o público jovem camponês. Essas informações foram colhidas através de entrevista com os alunos do ProJovem Campo Saberes da Terra.

Sabemos que existem projetos bem elaborados, com excelente programação para atender as necessidades dos moradores do campo, respeitando sua identidade cultural, costumes. De fato, no âmbito cultural e educacional residem grandes desafios no que se refere à formação de sujeitos de direitos. Entre eles, o acesso aos meios pelos quais lhes permitam conhecerem os complexos processos de conhecimento, embutidos nos processos de produção econômica, política e cultural.

A realidade demostra dados num processo continuado de educação, que vão desde a família a escola, passando pelo trabalho nos quais estes sujeitos estão envolvidos, e também pela escolarização. Percebe-se que ainda existe certo tipo de “preconceito” para com os jovens do campo.

No que diz respeito ao currículo educacional que é constituído de conhecimentos voltados para a cidade, fazendo com que crianças e jovens camponeses exaltem as vivências no meio urbano. A Constituição Federal de 1988, instituiu a universalidade da educação como um direito assegurado na cidade e no campo.

A partir do ano de 1996, com a expressão da LDB (nº 9.394/96) sobre a oferta da educação básica para o meio rural, foi fundamental para pensar a educação do campo, ou seja, pensadas as primeiras escolas do campo, porém essas instituições eram espelho das escolas urbanas. Somente a partir de 2002, foi que se pensou em uma educação diferenciada.

[...] A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (Art. 2º. Paragrafo único da resolução CNE/CEB 1, de abril de 2002)

A partir dessa ideia percebeu-se que a realidade do camponês é diferente e o prejuízo de um modelo padronizado de instituição, provoca o êxodo rural, afetando diretamente o equilíbrio social entre o campo e a cidade, pois o camponês perde sua identidade e o sonho de conquistar a terra e dela sobreviver.

Educadores de escolas situadas no campo, estão preocupados com o processo de ensino e aprendizagem dos educandos, que envolve as praticas no ensino fundamental, especialmente no que se refere a formação de sujeitos críticos, considerando os aspectos identidade, cultura, gênero e etnia.

O desafio enfrentado pela educação do campo atualmente vem sendo baseado na organização das metodologias especificas para o campo, respeitando o conhecimento que os educandos trazem de suas experiências de vidas para a sala de

aula, conhecimentos de mundo, contextualizando teorias e práticas sobre Educação do Campo e sua forma de trabalho.

Page 57: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

57

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A educação voltada para os saberes da terra contribui para tornar evidente tanto o movimento do jovem rural quanto as suas condições e existência na Agricultura Familiar. Poderá ajudar na sua afirmação como sujeito social, do saber, da política e como agente econômico, capaz de desenvolver ideias, lutar por terra, por justiça e democracia como negros, brancos, mulatos, mestiços, mulheres, homens e jovens. Nesse sentido podemos supor que essa forma de educação será importante para a continuidade do campo e dos camponeses que lá habitam.

A educação do campo propõe a construção de saberes voltados para a valorização dos sujeitos do campo, esses devem construir suas vidas em conjunto, pensando e agindo para melhorar sua existência. Como bem argumenta Freire (1987), a práxis, porém é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo, sem ela, é impossível a superação da contradição de opressor-oprimido.

Não podemos mais permitir uma educação no campo que não debata a realidade de seus sujeitos. A construção do conhecimento nesse ambiente tão peculiar, deve se dar a partir do estudo da própria realidade, ou seja, do conhecimento de mundo que cada um traz consigo. Nesse sentido, faz-se necessário a implantação de um novo modelo de educação para esse lócus. 1. A EDUCAÇÃO DO CAMPO

A expressão Educação do Campo passou a ser utilizada a partir da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, realizada em 1998 em Luziânia – Go. A partir de então muitos estudos veem sendo realizados a cerca desse tema de importante valor para os sujeitos inseridos no contexto do campo e, de tão pouco interesse para as classes altas da sociedade que vivem, na sua grande maioria na zona urbana.

Dentro dessa proposta diferenciada de educar, a educação do campo se mostra libertadora, fazendo do educando um ser que participa, que constrói, que vive a liberdade dentro do ambiente escolar. Quando se refere a educação libertadora, Freire (1987) diz:

”A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres”vazios” a quem o mundo ”encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas da problemática dos homens em relações com o mundo”.(FREIRE, 1987, P.38).

1.1. Os Saberes da Terra

Os saberes da terra dentro da educação do campo são trabalhados com base na integração dos diferentes saberes, numa perspectiva de conciliar os conhecimentos científicos com os saberes dos sujeitos do campo.

Page 58: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

58

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Os saberes a seres integrados portanto, consistem na síntese do diálogo entre saberes populares e científicos, e combinando conteúdos da escolarização e da formação profissional. Comtemplam, desse modo, os conhecimentos essenciais a serem enfocados no

currículo integrado do programa. (livro percurso formativo, 2008, P.16).

O programa é uma estratégia que visa contribuir para a estimulação da

agricultura familiar, com base no desenvolvimento sustentável, ajudando na construção de sujeitos conscientes de seus direitos e deveres, no âmbito de sua interação com a terra onde reside. Desse modo, o ProJovem Campo Saberes da terra é um programa direcionada a construção do conhecimento científico em interação com a formação profissional surgiu este programa para jovens através dos Saberes da Terra.

2. METODOLOGIA

A pesquisa realizada ocorreu em 2 etapas: Levantamento bibliográfico a cerca

das temáticas: Educação do Campo; ProJovem Campo-Saberes da Terra e a segunda etapa: Entrevistas individuais com os quatro alunos do ProJovem do Campo da Comunidade Japuara em Canindé-Ceará.

Compreendendo que a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica considerando a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo, mas amplamente, com formação do campo (MOLINA, 2004, p.18). A abordagem da pesquisa foi a qualitativa e o instrumento utilizado foi a entrevista.

Cada aluno respondeu cinco perguntas, sendo essas abertas de modo a deixá-los mais a vontade podendo assim expor suas vivências com mais desenvoltura. O nosso papel foi o de mediador do processo, estivemos presentes para indagar alguns aspectos do programa.

As perguntas foram: De que modo o ProJovem Campo – Saberes da Terra ajuda os jovens do campo? As aulas do ProJovem Campo estão relacionadas com a realidade do campo? Você acredita que o ProJovem Campo–Saberes da Terra preparou os estudantes para conviver com o semi-árido? Qual os pontos positivos do ProJovem Campo- Saberes da Terra? Na sua visão o Projeto tem contribuído para melhoraria da aprendizagem?

As entrevistas foram realizadas pessoalmente e individualmente pelos entrevistadores, aos alunos na Comunidade Japuara. Foram feitas algumas reuniões para planejamento da pesquisa de campo, para definição em conjunto os dias que realizamos as entrevistas. Esse artigo buscou apoio na internet e em livros de autores, que escreveram sobre a temática do nosso trabalho. Além das fontes acima citadas buscamos conhecimentos adquiridos em nossa experiência com os povos do campo, vendo suas ações e ouvindo suas histórias.

A consulta bibliográfica sugerida por nossa orientadora Eliane Dayse Pontes Furtado, trouxe também uma forma de conhecer materiais mais específicos em relação a temática da pesquisa.

Quanto aos livros aqui mencionados e que são base de nossa pesquisa, podemos citar os livros “Pedagogia do Oprimido” do Paulo Freire, “Pedagogia da

Page 59: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

59

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Autonomia”, também do grande mestre Paulo Freire, além da coleção de cadernos pedagógicos do MEC, ProJovem Campo - Saberes da Terra para educação de jovens do campo que serão nosso auxílio no desenvolvimento de nosso trabalho. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Refletir criticamente o olhar dos alunos significa ir além da sala de aula, pois, a partir dos saberes da expressão que transmitem pode fazer algumas reflexões. Visto que o conhecimento não é uma construção social, mas também, uma forma de resgatar a dignidade do sujeito ao meio de sua cultura e de costumes dos alunos do campo. Desta feita, como forma de resguardar a identidade dos alunos decidiu-se identificá-los com nome de plantas nativas existentes na região do município de Canindé, Ceará. As plantas nativas escolhidas foram: Cajueiro, Marmeleiro, Cactus e Juazeiro.

A primeira pergunta feita aos professores quis saber de que modo o ProJovem Campo –Saberes da Terra ajuda os jovens do campo na aprendizagem?

“Sim. O conhecimento melhorou a leitura, despertou minha vontade de voltar a estudar. Minha filha tinha dificuldade de dar um boa tarde! Depois do projeto tem melhorado muito” (Cajueiro).

“Em tudo na minha vida. O ProJovem me fez nascer de novo, me despertou para retomar os estudos e acreditar que nunca é tarde para recomeçar “(Marmeleiro).

“Eu conheci muitas pessoas que me incentivaram a continuar e vi quanto é importante as amizades pela harmonia do grupo ficaram até o final” (Cactus).

“O projeto contribuiu para melhorar a leitura e a minha permanência no campo e me faz se sentir valorizada e desperta a gente cuidar bem da nossa terra, nosso solo e da nossa cultura” (Juazeiro).

Observa-se que o ProJovem Campo-Saberes da Terra contribuiu na vida dos alunos, na melhoria pessoal, e na aprendizagem. Despertou nos participantes do programa a vontade de seguir em frente, valorizando sua cultura e a permanência dos jovens no campo.

Na segunda pergunta, quando se indagou, a cerca das aulas do ProJovem Campo estão relacionadas com a realidade do campo?

“Sim. As aulas todas eram voltadas para o campo isso contribuiu bastante, aconselhamos muito os jovens a continuar no campo e não sair, buscar formas de cuidar do lugar e continuar coma agricultura votado para a família” (Cajueiro).

“Não é só morar no interior os jovens devem saber a importância do campo, da agricultura e da produção. O programa trabalhou a realidade do campo muito bem” (Marmeleiro).

Page 60: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

60

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

“Sim. Mas existem jovens que não estão nem aí para o campo, que tem vergonha das suas origens, não sabendo que: sem terra, sem solo cuidado sem alimento, não terá vida no planeta. Mas o ProJovem fez a sua parte nos incentivou a cuidar do lugar onde moramos” (Cactua).

“Ajudou muito, para quem quer o ProJovem é um programa muito incentivador para quem quer permanecer no campo” (Juazeiro).

Percebe-se que o ProJovem trabalhou muito bem os conteúdos, levando em conta a realidade do campo e do aluno, acrescentando que o mesmo aconselhou aos jovens e adultos sujeito do programa a permanecer e a cuidar do lugar onde vivem.

A pergunta seguinte foi se você acredita que o ProJovem Campo–Saberes da Terra preparou os estudantes para conviver com o semi-arido?

“Sim. Falavam muito sobre a seca, a dificuldade da agua. Reaproveitar a agua das louças para aguar a planta, para ter nossas plantas teremos que saber utilizar a agua corretamente” (Cajueiro).

“Realmente falaram em muitas aulas a importância de cuidar da agua, do solo, para que continue a ter vida no planeta” (Marmeleiro).

“Esclareceu a importância de aprender a conviver com o semi-arido. Saber conviver com a seca, pois onde moramos agua e ouro” (Cactus).

“Falaram que devemos cuidar da agua e do solo, sem agua não tem vida” (Juazeiro). Constata-se que os participantes do programa foram preparados através do

ProJovem para conviver com a seca. É de suma importância que os agricultores e agricultoras Rurais do Sertão saiba as praticas de convivência para não deixar as suas origens, aprendendo a viver com sua família no campo. Precisamos de apoio dos representantes para garantir a educação do camponês para que possamos conseguir a manutenção do seu povo em suas terras.

A outra pergunta foi. Qual os pontos positivos do ProJovem Campo- Saberes da Terra?

“Começar e terminar o ensino fundamental e conseguimos mais conhecimentos” (Cajueiro).

“Com muita dificuldade, conseguir concluir, e adquiri mais aprendizagem” (Marmeleiro).

“Consegui melhorar a leitura e escrever melhor” (Cactus).

“Aprendi a valorizara a nossa terra e a nossa cultura” (Juazeiro). Vimos que o ProJovem Campo tem um aspecto positivo, pois ajudou os jovens e

adultos a melhorar a escrita e a leitura, a valorizar sua cultura sua terra. Outra questão importante é que Jovens e adultos são atendidos pelo programa foram pessoas que não tiveram condições de estudar por alguns motivos e ao retomar os estudos o ProJovem

Page 61: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

61

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

incentiva com a metodologia diferenciada. Percebe que, eles gostam dessa forma de ensino, uma pedagogia libertadora ligada no cotidiano do aluno.

A quinta pergunta foi: Na sua visão o Projeto tem contribuído para melhoraria da aprendizagem dos jovens do campo?

“Contribuiu na aprendizagem de saber criar, o técnico das ciências agrarias ensinou muita coisa boa como cuidar do solo e plantar. Agora mesmo estou criando mais planta, animais devido as aulas do ProJovem tenho melhorado muito” (Cajueiro).

“Eu era bem afastada da área produtiva, não plantava, mas agora estou interessada em plantar aprendi a amar a natureza e a cuidar melhor” (Marmeleiro).

“Sim. Melhorou, pois o programa incentiva os alunos a produzir, a ter uma sustentabilidade no campo” (Cactus).

“Ajudou bastante. Este projeto educacional veio melhorar minha vida, a ser mais humana, a buscar mais a sustentabilidade de minha família” (Juazeiro).

Percebeu-se que a metodologia da alternância está condizente com a realidade do povo do campo, isto é, os camponeses ficaram satisfeitos com as políticas públicas que fortalecem nossa Educação do campo. Conclui-se que o ProJovem Campo trás para os alunos que vivem no campo, uma esperança de um desenvolvimento melhor para o jovem e o adulto, porque a proposta do programa está relacionado com lugar onde os campesinatos vivem, gente que trabalha muito , agricultores na criação de aves, como conviver com a seca, falta de água, nossa região é uma área muito seca, o ProJovem trabalha em cima destas questões de como viver no semiárido, não sair do seu lugar pra ir para outro lugar, exemplo pra ter uma visão de melhorar a qualidade de vida de onde vive. 4. CONCLUSÃO

Acreditamos que a escola tem o dever de valorizar todos os conhecimentos que os alunos vêm adquirindo ao longo de sua vida nas relações com o mundo onde estão inseridos. No campo esse processo difere de outras realidades, já que seus saberes estão relacionados a vida do e no campo, em contato com o trabalho na terra, respeitando suas culturas, sua ideologia, etnia e suas diferentes formas de ver e viver a vida. “A escola precisa valorizar os conhecimentos que estudantes, seus núcleos familiares e comunidade possuem estabelecendo o diálogo permanente com os saberes produzidos nas diferentes áreas do conhecimento” (MEC,2004).

Nesse sentido, acreditamos que se faz necessário uma educação que valorize a vida do homem do campo, com todas as suas peculiaridades. Essa educação deve estar alicerçada na esperança, na confiança mútua entre os envolvidos; o educador só consegue êxito se acreditar no seu trabalho, se construir junto com os educandos alicerçados pelo amor, sem egoísmo, convivência sincera, onde os ideais se tornam os mesmos, todos sabendo que muito há para aprender e ensinar.

Percebemos que o ProJovem Campo é uma luz para os jovens e adultos do campo. Podemos sentir ao analisar os dados percebemos que o programa contribui para o crescimento pessoal e qualificação profissional, além de motivar os jovens e adultos a

Page 62: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

62

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

continuar a lutar pela vida, valorizar o lugar onde mora e continuar preservando as raízes, origens e identidade do campo.

Propomos uma educação que possa ultrapassar a barreiras do “aprender a ler”, que torne possível conhecer e debater a realidade onde o educando vive. Sobre isso comungamos com Freire (1988) quando diz “Mais que escrever e ler que a “asa é da ave”, os alfabetizandos necessitam perceber a necessidade de um outro aprendizado: o de“escrever” a sua vida, o de “ler” a sua realidade, o que não será possível se não tornam a história nas mãos para, fazendo a, por ela serem feitos e refeitos”.

Conclui-se que a escola tem o dever de valorizar todos os conhecimentos que os alunos vêm adquirindo ao longo de sua vida nas relações com o mundo onde estão inseridos. No campo esse processo difere de outras realidades, já que seus saberes estão relacionados à vida do e no campo, em contato com o trabalho na terra, respeitando suas culturas, sua ideologia, etnia e suas diferentes formas de ver e viver a vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARROYO, Miguel. FERNANDES, Bernardo Mançano. A Educação Básica e o Movimento Social no Campo (Por uma Educação do Campo. Coleção de Cadernos. Vol. 2, Brasília. 1999). BRASIL. Coleção cadernos pedagógicos do ProJovem Campo-Saberes da Terra. Percurso formativo. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e 110 Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC) Brasília, 2008. BRASIL. Projeto base ProJovem Campo – Saberes da Terra. Secretaria de Educação continuada, alfabetização e diversidade Secretaria de Educação profissional e tecnológica do Ministério da Educação (SECAD/MEC). Brasília, 2008. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1987. ____________Paulo. Educação como prática da liberdade. 22ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1996. ____________Pedagogia do Oprimido. 54ª ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1997. FURTADO, Eliane Dayse P. O estado da arte da educação rural no Brasil. Fortaleza: UNESCO, 2003. MARTINS, Fernando José. Educação do Campo: processo de formação social e escolar. São Paulo, 2013. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECAD. Coleção Cadernos pedagógicos, ProJovem Campo-Saberes da Terra. Projeto Político Pedagógico. Brasília, DF, 2010. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECAD. Coleção Cadernos pedagógicos, ProJovem Campo-Saberes da Terra. Projeto Político Pedagógico. Brasília, DF, 2010.

Page 63: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

63

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/SECAD. Coleção Cadernos pedagógicos, ProJovem Campo-Saberes da Terra: Agricultura, Familiar, Identidade, Cultura, Gênero e Etnia. Brasília, DF, 2010.

Page 64: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

64

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

REDE SOCIAL E RESISTÊNCIA: “Professores contra o Escola Sem Partido” monitoram projetos em tramitação no país

Iuska Kaliany Freire de Oliveira 21

Karlla Christine Araújo Souza 22

RESUMO: Neste momento, por meio do computador, notebook, tablet ou smartphone, pessoas de todo o mundo interagem pelas redes sociais. Elas se conectam em rede, trocam mensagens, usam aplicativos de conversas instantâneas, postam fotografias e riem de “memes” que viralizam na Internet. Nesse meio virtual também há resistência e luta. Conforme analisa Primo (2013), a popularização das mídias digitais no ciberespaço contribuiu para a democratização da comunicação e revolucionou o modo de consumir e produzir conteúdo, fomentando a comunicação colaborativa. Nesse contexto, os movimentos sociais encontraram espaços para fincar suas bandeiras de luta. Este artigo tem como objetivo analisar um desses espaços de resistência nas redes sociais, relacionado à nossa pesquisa de mestrado que trata sobre o Projeto Escola Sem Partido. Nossa pesquisa resulta de uma inquietação relacionada à comunicação mediada na Internet, especificamente no Facebook, e tem como foco observar de que forma os movimentos de insurgência ressoam nas redes sociais. Partindo de um recorte da problematização teórica da pesquisa, utilizamos metodologicamente o procedimento de Tradução, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos para analisar o trabalho de articulação, colaboração e registro desenvolvido pelos sujeitos da comunidade "Professores Contra o Escola sem Partido". Essa comunidade reúne mais de 74 mil pessoas no Facebook que defendem a autonomia docente e uma escola democrática. Os organizadores mapeiam todos os projetos de lei iguais ou semelhantes ao Escola Sem Partido em tramitação no País, além de reunir diversos pesquisadores sobre o tema. O monitoramento é organizado também em um blog (https://pesquisandooesp.wordpress.com/) produzido como parte da dissertação de mestrado “Escola Sem Partido”: Relações entre Estado, Educação e Religião e os Impactos no Ensino de História”, de autoria de Fernanda Pereira de Moura, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória/UFRJ). PALAVRAS-CHAVE: Escola Sem Partido, Procedimento de Tradução, Redes Sociais e Insurgência. 1. INTRODUÇÃO

“Viver significa tomar partido. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário" -Antonio

Gramsci

Neste momento pessoas do mundo inteiro se conectam em rede, trocam mensagens, usam aplicativos de conversas instantâneas, postam fotografias e riem de

21 Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) - [email protected] 22 Professora adjunta IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e docente permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais e Humanas PPGCISH/UERN - [email protected].

Page 65: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

65

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

“memes”23 que viralizam rapidamente na internet. Muitas não checam as fontes, acreditam em notícias duvidosas e compartilham conteúdos que nem sempre correspondem à verdade. Em entrevista concedida ao jornal El País24, o filósofo Noam Chomsky falou sobre esse período sombrio que projeta as Fake News e cultiva a descrença com as instituições e os fatos: "A desilusão com as estruturas institucionais levou a um ponto em que as pessoas já não acreditam nos fatos. Se você não confia em ninguém, por que tem de confiar nos fatos?", argumenta Chomsky.

Nesse universo virtual em que tudo é vasto e instantâneo, também há resistência e luta. Conforme analisa Primo (2013), a popularização das mídias digitais no Ciberespaço25 contribuiu para a democratização da comunicação e revolucionou o modo de consumir e produzir conteúdo, fomentando a comunicação colaborativa. Nesse contexto, os movimentos sociais encontraram espaços para fincar suas bandeiras de luta.

Este artigo tem como objetivo analisar um desses espaços de resistência nas redes sociais relacionado à nossa pesquisa de mestrado que trata sobre o movimento Escola Sem Partido. Partindo de um recorte da problematização teórico-metodológica de nossa pesquisa, utilizamos o procedimento de Tradução, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos para analisar as ferramentas de mobilização utilizadas pelos sujeitos da comunidade "Professores Contra o Escola sem Partido". Essa comunidade reúne mais de 74 mil pessoas no Facebook que defendem a autonomia docente e uma escola democrática. Os organizadores mapeiam todos os projetos de lei iguais ou semelhantes ao Escola Sem Partido em tramitação no País, além de reunirem diversos pesquisadores sobre o tema. O monitoramento é organizado também em um blog (https://pesquisandooesp.wordpress.com/) produzido como parte da dissertação de mestrado “Escola Sem Partido”: Relações entre Estado, Educação e Religião e os Impactos no Ensino de História”, de autoria de Fernanda Pereira de Moura, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de História (ProfHistória/UFRJ).

Nossa pesquisa de mestrado tem como foco observar as manifestações nas redes sociais em reação ao Projeto de Lei n.º 867, de 2015, do deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB/DF), e no âmbito do Senado o PLS 193/2016, do senador Magno Malta (PR/ES). Tal projeto inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o “Programa Escola sem Partido” que tramita também em Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais do País. No Rio Grande do Norte, o deputado estadual Jacó Jaime (PSD) apresentou o projeto à Assembleia Legislativa26 no dia 24 de março de 2018.

O coordenador do movimento Escola Sem Partido, advogado Miguel Nagib, em reportagens concedidas a órgãos de imprensa e reproduzidas nas redes sociais e no site

23 O conceito de meme foi cunhado por Richard Dawkins, em seu livro “O Gene Egoísta”, publicado em 1976. O discutia a cultura como produto da replicação de ideias, que ele chamou memes. (Recuero, 2009, p.123) 24 Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/06/cultura/1520352987_936609.html, acesso em 12 de março de 2018. 25 O termo ciberespaço especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informação que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (Pierre Lévy) 26 Disponível em http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/projeto-escola-sem-partido-a-apresentado-na-alrn/408525, acesso em 25 de março de 2018.

Page 66: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

66

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

da organização (www.escolasempartido.org), defende que a ideia do projeto é uma reação contra práticas no ensino que eles consideram ilegais. Defensores do projeto argumentam serem contrários à "doutrinação nas escolas" e ao “abuso da liberdade de ensinar”, afirmam que há professores que pregam suas ideologias políticas e religiosas para os alunos. A discussão sobre o “Escola sem Partido” alcançou seu auge no momento em que o Brasil atravessou uma de suas maiores crises políticas, com a abertura do processo que resultou no impedimento da presidenta Dilma Roussef. Foi nesse cenário que emergiram grupos de extrema direita, como o Movimento Brasil Livre (MBL), que ajudaram a projetar e promover o projeto Escola Sem Partido.

Em contraponto, pessoas contrárias ao projeto, sindicatos de professores e estudantes contestam o Escola Sem Partido e movem ações para barrar sua implantação. Nesse contexto, uma das organizações mais atuantes é a comunidade que iremos analisar: “Professores Contra o Escola sem Partido”, que se propõe a defender a autonomia dos professores e a escola como um ambiente democrático. Como dito anteriormente, esta comunidade vem realizando um mapeamento de todos os projetos de Lei relacionados ao Escola Sem Partido. A mobilização realizada pela comunidade é semelhante ao trabalho de Tradução, cujo procedimento “visa criar inteligibilidade, coerência e articulação num mundo enriquecido por uma tal multiplicidade e diversidade” (2010, p. 129). Para Boaventura de Sousa Santos, o objetivo da tradução entre práticas e seus agentes é criar as condições para uma justiça social global a partir da imaginação democrática.

MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDES

A quantidade de informação que circula na Internet faz com que as pessoas

busquem fontes alternativas e sejam também produtoras de conteúdo nesse processo. Com o advento de sites pessoais e a popularização de redes de mensagem instantâneas como Twitter e Facebook, as pessoas passaram a relatar fatos no momento em que estes ocorrem, postam vídeos, fotografias e áudios. O uso de aplicativos de conversas instantâneas como WhatsApp também ajuda a disseminar conteúdo. O historiador Chartier (2002) analisa essa mudança de comportamento e aponta que a internet provocou novos hábitos de obter informação. Para Chartier, a originalidade e a importância da revolução digital apoiam-se no fato de obrigar o leitor contemporâneo a abandonar todas as heranças que o plasmaram, pois o mundo eletrônico não utiliza somente a imprensa, mas sim um amálgama de recursos.

Para compreender os fluxos de informação dentro das redes sociais na Internet, Recuero (2009) defende que é necessário entender também os valores percebidos nos sites de redes sociais e as conexões estabelecidas entre os atores em cada um desses espaços.

No livro Redes de Indignação e Esperança, Castells (2013) considera as redes sociais da internet como espaços de autonomia que vão além do controle de governos e empresas que, ao longo do tempo, exerceram o monopólio de canais de comunicação. Para Castells, individualmente, os movimentos sociais são emocionais. A insurgência não tem início como um programa ou uma estratégia política. A insurgência é uma consequência e surge a partir da liderança, interna ou externa do movimento, quando se fomenta agendas políticas, ideológicas e pessoais que podem ou não se relacionar às

Page 67: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

67

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

origens e motivações dos participantes do movimento, mas o estopim de um movimento social começa quando a emoção se transforma em ação.

Esmiuçando o estudo dos movimentos sociais conectados em rede, Castells (2013) afirma que essas mobilizações espalharam-se primeiro no mundo árabe e foram confrontados com violência assassina pelas ditaduras locais. Os movimentos, com características locais, logo se expandiram de forma global:

Em 15 de outubro de 2011, uma rede global de movimentos Occupy, sob a bandeira “Unidos pela Mudança Global”, mobilizou centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando justiça social e democracia verdadeira. Em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões. (CASTELLS, 2013, p.08).

Castells defende que os movimentos são simultaneamente locais e globais, além de virais, evidenciando a difusão das mensagens e imagens de mobilização e a própria demonstração do movimento que ocorre em várias partes. O pesquisador pontua que há participantes mais ativos ou influentes que outros, essa influência surge do comprometimento dos ativistas com o movimento. Contudo, esses ativistas só são aceitos em seu papel enquanto não tomam individualmente decisões importantes.

Maria da Glória Gohn analisa o paradigma dos Novos Movimentos Sociais, dividindo-o nas seguintes categorias: cultura, identidade, autonomia, subjetividade, atores sociais, cotidiano, representações, interação política etc. A socióloga também traça os conceitos e noções analíticas como: identidade coletiva, representações coletivas, micropolítica do poder, política de grupos sociais, solidariedade, redes sociais, impactos das interações políticas etc. (GOHN, 2011).

Focando dois conceitos citados por Gohn, que são as redes sociais e a solidariedade, destacamos a opinião de Castells ressaltando que “as redes horizontais, multimodais, tanto na internet quanto no espaço urbano, criam companheirismo e é por meio do companheirismo que as pessoas superam o medo e descobrem a esperança”. (2013, p. 131). Sobre o combustível que move esses indivíduos articulados em rede, o autor afirma:

Quando se desencadeia o processo de ação comunicativa que induz a ação e a mudança coletivas, prevalece a mais poderosa emoção positiva: o entusiasmo, que reforça a mobilização societária intencional. Indivíduos entusiasmados, conectados em rede, tendo superado o medo, transformam-se num ator coletivo consciente. Assim, a mudança social resulta da ação comunicativa que envolve a conexão entre redes, de redes neurais dos cérebros humanos estimuladas por sinais de um ambiente comunicacional formado por redes de comunicação. A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunicação dão forma ao processo de mobilização e, assim, de mudança social, ao mesmo tempo como processo e como resultado. (CASTELLS, 2013, p. 128)

Page 68: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

68

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Outros aspectos que caracterizam os movimentos sociais, com foco nos que são mediados pela Internet, estão relacionados à cooperação, competição e conflito. A competição estimula a luta, o conflito pode gerar desgaste e quebra da estrutura social, já a cooperação é reconhecida por Recuero (2009) como o processo formador das estruturas sociais:

Sem cooperação, no sentido de um agir organizado, não há sociedade. A cooperação pode ser gerada pelos interesses individuais, pelo capital social envolvido e pelas finalidades do grupo. Entretanto, é essencial para a compreensão das ações coletivas dos atores que compõem a rede social. (RECUERO, 2009, pag.81)

Para Boaventura de Sousa Santos (2002), as relações transfronteiriças e as novas tecnologias de comunicação e de informação produziram alterações profundas nas escalas espaciais e temporais da ação social. Ou seja, as tendências que tinham longa duração histórica atualmente estão sujeitas ao tempo instantâneo dos mercados financeiros e ao regresso do passado sob a forma de violência intergrupal. Esse caráter emergente alia-se à dinâmica das comunicações mediadas na Internet. Para o sociólogo português é profundo o sentimento de desconexão e de exclusão, uma vez que nunca tantos grupos estiveram tão ligados ao resto do mundo por via do isolamento.

PROFESSORES CONTRA O ESCOLA SEM PARTIDO

O coletivo “Professores contra o Escola sem Partido” é um movimento de

insurgência com ressonância nas redes sociais, originando uma espécie de ‘motim digital’ - uma apropriação do termo utilizado por Thompson para retratar as rebeliões das classes populares da Inglaterra no século XVIII, quando o aumento do trigo ameaçou o consumo do pão pelas classes populares e fez surgir movimentos insurgentes e rebeliões, os conhecidos motins. A partir dessas rebeliões, Thompson elaborou a noção de Economia Moral, refletindo que tais movimentos não tinham como única causa o fator econômico, mas também eram preponderantes os fatores sociais, uma vez que o hábito e o costume do consumo do pão foram interrompidos.

Traçando um paralelo com os dias atuais, com foco na comunidade que estamos analisando, o que seria o ‘pão ameaçado’ dos professores? Percebe-se pela atuação dos integrantes do movimento “Professores contra o Escola sem Partido”, que o que está em jogo é a autonomia docente e a educação democrática que estimule o pensamento crítico. Em seu blog, o coletivo resgata que o início da mobilização surgiu no Facebook. Eles se identificam como um grupo de estudantes e professores que se opõem aos projetos de lei incentivados pelo Escola Sem Partido.

"Para combater este retrocesso buscamos na página e neste blog informar e produzir conteúdo de análise e reflexão sobre o crescimento e organização do ESP, visando fundamentar nossos argumentos para desconstruir o apoio que eles conquistaram nos últimos anos". (Disponível em https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/sobre/, acesso em 02 de março de 2018).

Page 69: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

69

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Analisando o panorama dos projetos de lei iguais ou semelhantes ao Escola sem Partido em tramitação no país, a página traz como referência a pesquisa de Fernanda Pereira de Moura, apresentada ao programa de mestrado profissional em História da UFRJ. A pesquisadora catalogou os projetos de lei que fazem alusão ao Escola sem Partido e analisou o impacto dos mesmos para o ensino de História. Até o início de março de 2018 foram catalogados mais de 150 projetos27 em tramitação no país, número que é constantemente atualizado.

Em outra seção, denominada de “Mobilização”, são disponibilizados dois links. Em um deles, os leitores podem assinar a carta “Em Defesa da Liberdade de Expressão em Sala de Aula”28; no outro, é possível acessar o formulário “Mobilização Contra o Escola Sem Partido”29, no qual o simpatizante pode contribuir com a coleta de informações a respeito de como andam a resistência e oposição ao “Escola Sem Partido” pelo Brasil.

A carta “Em Defesa da Liberdade de Expressão em Sala de Aula” assinada pelo professor Fernando de Araújo Penna (UFF) destaca que nenhum cidadão brasileiro, em qualquer situação, deve ser privado da sua liberdade de expressão:

Todos devem, em todos os momentos, respeitar os limites impostos pelas leis à sua liberdade de fala sem nunca abrir mão dela. O professor obviamente tem um programa a seguir, mas como ele fará isso – recorrendo a qualquer concepção pedagógica válida e relacionando a matéria com as temáticas que julgar pertinentes – depende apenas dos seus saberes profissionais. (Disponível em: https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/mobilizacao-contra-o-esp/, acesso em 02 de março de 2018).

Por meio da página, os professores podem compartilhar relatos sobre casos de perseguição, censura ou retaliação sofridas no ambiente de trabalho. Como exemplos de denúncias aparecem acusação de “doutrinação”, ser impedido de trabalhar com questões de gênero ou de religiões de matriz africana, etc. Esse tipo de denúncia reflete o clima de assédio moral no ambiente escolar.

A iniciativa do coletivo “Professores contra o Escola sem Partido” condiz com o que Boaventura de Sousa Santos designa o procedimento de tradução, como um trabalho simultaneamente intelectual e político, além de emocional, pois “pressupõe o inconformismo perante uma carência decorrente do carácter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de uma dada prática” (2009, p.129). Através de estudos, levantamento de dados e monitoramento, o trabalho desenvolvido pelos sujeitos do “Professores contra o Escola sem Partido” oferece aos leitores informações organizadas e um panorama sobre a abrangência do projeto Escola Sem Partido. A luta simbólica é permanente e possui uma lógica específica que lhe confere autonomia.

27 Disponível em: https://professorescontraoescolasempartido.files.wordpress.com/2018/03/tabela-1-panorama-do-escola-sem-partido-no-brasil-1.pdf acesso em 02 de março de 2018. 28 Disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdx9JZR9HM9QGltdI4NXRncZgwfB13OY6c0Wk-4eP7jeccyyw/viewform acesso em 02 de março de 2018. 29Disponível em: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSf4p_j_tWFPX9KwZM0IiG9gDWo-eCjmZ4r22TOS06ovIQ2Lzw/viewform#responses, acesso em 02 de março de 2018.

Page 70: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

70

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

CONCLUSÃO

É possível observar que os movimentos de insurgência disseminados em rede buscam desconstruir discursos, praticam um olhar desconfiado perante as fontes oficiais – como a imprensa – e podem desmascarar o cinismo de uma política que privilegia interesses de poucos em detrimento de muitos.

A educação democrática com estímulo ao pensamento crítico está ameaçada, o que instiga a contestação e os manifestos que se espalham por todo o país. Em artigo publicado no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), inserido na coletânea "Resistências", Pedro Angelo Pagni (UNESP), Alexandre Filordi de Carvalho (UNIFESP) e Sílvio Gallo (UNICAMP) analisam que o programa "Escola sem Partido" ameaça seriamente as conquistas no que se refere aos direitos civis e as lutas dos movimentos pela igualdade de gênero, pela discussão das questões étnico-raciais e pelas diferenças em relação à orientação sexual, aos deficientes e à inclusão dos cidadãos que vivem na extrema pobreza como parte do processo de democratização do país.

Na mesma coletânea, a professora Marise Nogueira Ramos (UFF) reconhece que a tese da escola reprodutivista foi superada por seu reconhecimento, em sociedades democráticas, como aparelho privado de hegemonia. Acrescenta que estudiosos do Direito Constitucional já se manifestaram sobre a inconstitucionalidade do projeto e ressalta que somente com o consentimento ativo dos cidadãos sobre a suposta pertinência e neutralidade dos seus princípios será suficiente para se gerar um clima de assédio moral no interior da escola e de toda a sociedade.

Importante ressaltar que os movimentos ancorados nas redes sociais não são estáticos, nem tampouco independentes do contexto em que estão inseridos. Seu comportamento é, em muitos casos, emergente e inesperado, fomentando agendas políticas que mudam rapidamente. Nesse contexto e por se tratar do recorte de uma pesquisa em andamento, não temos como mensurar o impacto da comunidade "Professores contra o Escola sem Partido"; entretanto, podemos afirmar que o trabalho desenvolvido pelos sujeitos da comunidade, revela-se como uma tradução do movimento, construída coletivamente e de forma colaborativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013. _____________________ A Galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negó cios e a sociedade. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2003. CHARTIER, Roger. Os desafios da Escrita. Trad. Fulvia M. L. Moretto. São Paulo: Editora UNESP, 2002. GOHN, Maria da Glória. Sociologia dos Movimentos Sociais. São Paulo, Cortez, 2013, pp. 127.

Page 71: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

71

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

GOHN, Maria da Glória. Movimentos Sociais e Redes de Mobilizações Civis no Brasil Contemporâneo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999. MOURA, Fernanda Pereira de. “Escola Sem Partido”: relações entre estado, educação e religião e os impactos no ensino de história. Rio de Janeiro, 2016. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em Ensino de História. PAGNI, P. A, CARVALHO, A. F e GALLO, S. O programa Escola Sem Partido e a destruição de uma das virtudes modernas da escola. Disponível em: < http://www.anped.org.br/news/o-programa-escola-sem-partido-e-destruicao-de-uma-das-virtudes-modernas-da-escola > Acesso em 20 de agosto de 2016. PRIMO, Alex. Org. Interações em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. RAMOS, M. N. “Escola sem partido”: a criminalização do trabalho pedagógico. Disponível em:<http://www.anped.org.br/news/o-programa-escola-sem-partido-e-destruicao-de-uma-das-virtudes-modernas-da-escola > Acesso em 22 de agosto de 2016. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Sulina. Porto Alegre, 2009. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. ___________ Democratizar a Democracia: os caminhos da Democracia Participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. THOMPSON, E. P. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

Page 72: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

72

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A MOBILIZAÇÃO DO JOVEM DO CAMPO NA BUSCA POR SAÚDE, EDUCAÇÃO E LAZER: O caso do Assentamento Jurema

Rosa Adeyse Silva30

Jeanemeire Eufrásio da Silva31 Hionne Mara da Silva Câmara32 Maria Betânia Ribeiro Torres33

RESUMO: O presente artigo se propôs investigar como a juventude rural de um assentamento do município de Mossoró/RN tem se posicionado com relação à educação, saúde e lazer ofertados no assentamento, buscando ainda entender as conquistas e deficiências referentes a essas três dimensões. O trabalho foi realizado por meio de revisão de literatura e de pesquisa de campo no contexto dos movimentos sociais e do jovem rural. A pesquisa exploratória foi utilizada para localizar as associações do assentamento, viabilizando o contato com os jovens. Na pesquisa de campo foi possível obter informações sobre a dinâmica de mobilização social do jovem do campo frente às perspectivas sobre saúde, educação e lazer. Sendo realizada no assentamento Jurema, localizado as margens da RN 013, entre os municípios de Mossoró, no oeste potiguar, e Tibau, litoral norte do Rio Grande do Norte. Atualmente vivem aproximadamente 85 famílias no assentamento. Na análise de campo de natureza descritiva e qualitativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 30 jovens do assentamento Jurema, na faixa etária entre 16 e 25 anos, sem distinção de sexo. Assim, a pesquisa mostrou que referente à saúde 63% respondentes afirmaram que procuram diretamente os serviços de saúde da cidade, tendo em vista que além dos serviços serem disponibilizados somente em um dia da semana, são entregues somente 10 fichas destinadas a consultas com o médico. Para os demais 37% somente em casos de urgência procuram os serviços de saúde na cidade, pois nem sempre têm condições de se locomover, ou mesmo de custear um atendimento particular. No que tange a educação, para um dos entrevistados, existe a cobrança das lideranças da associação, mas até mesmo a escola do assentamento ainda só dispõe de vagas para o ensino fundamental, sendo que os alunos que concluem o ensino fundamental necessitam se deslocar para Mossoró para o ingresso no ensino médio. Todavia, o representante jovem da associação revelou que a luta da juventude assentada já contribuiu para a conquista de computadores para a escola digital, bem como, garantiu o transporte diário gratuito para os alunos que precisam se descolocar até a cidade. Já no que diz respeito às oportunidades de lazer no assentamento, acontecem torneios de futebol que reúnem jovens de outros assentamentos e cidades vizinhas. Por fim, a pesquisa ainda revelou que além da associação comunitária, o grupo de jovens da igreja católica também atua na busca por melhorias para o assentamento. A pesquisa analisou a pretensão jovens assentados de sair do assentamento para estudar ou trabalhar e se

30Graduada em Administração (UFERSA), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) e, Bolsista (CAPES) – [email protected] 31Graduada em Comunicação Social – Jornalismo, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) – [email protected] 32Graduada em Turismo (UERN), Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) e, Bolsista (CAPES) – [email protected] 33Doutora em Ciências Sociais (PPCS/UFRN), Professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH/UERN) – [email protected]

Page 73: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

73

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

conseguem enxergar perspectiva de alguma atividade que proporcione renda. Além de identificar se alguns desses jovens querem buscar uma formação que possa ser desenvolvida no campo ou um emprego na agroindústria e concomitantemente administrar sua propriedade rural. Palavras-chave: Juventude. Campo. Assentamento Rural. Mobilização. 1 INTRODUÇÃO

De acordo com Gohn (2014, p. 11) nos movimentos recentes, os jovens também

estão no centro da cena, segundo a referida autora: “há um novo momento e um novo modelo de associativismo civil dos jovens”. Com isso, a autora quis dizer que os jovens, “enquanto participantes de coletivos organizados em movimentos sociais podem ser estudados sob vários ângulos ou papéis sociais”. Assim, a sua atuação poderá ser vista através do âmbito em que está inserido, como enquanto estudante, produtor de arte, nas redes sociais e outros ambientes.

Mas e quando partimos para o contexto rural, como se configura a atuação do jovem do campo? Ao tratarmos da conjuntura campo/cidade, é possível visualizar particularidades em relação ao estilo de vida dos habitantes das comunidades rural e urbana. De acordo com Gonçalves (2004), o conceito de Estilo de Vida pode, numa acepção globalizante, ser traduzido pelo currículo existencial do sujeito em adaptação ao meio e à cultura onde atua.

Tratar a questão estilo de vida levando em conta os jovens do meio urbano e do meio rural retrata uma notória diferença entre eles, desde as oportunidades oferecidas até o comportamento desses com relação às perspectivas que eles encontram em seus meios distintos. Sposito (1999) considera que, a construção da identidade do jovem se dá através da compreensão que esse tem dele mesmo e do reconhecimento externo dessa percepção na construção de bases de identificação dos jovens com seu meio social. Pode-se afirmar, então, que o meio onde se encontra o jovem vai contribuir para definir sua forma de se ver como cidadão, bem como a sua forma de se engajar nas lutas sociais inerentes ao seu meio.

Partindo desse pressuposto e visando trabalhar o campo dos Movimentos Sociais Contemporâneos com ênfase na Juventude, o presente artigo tem por objetivo, investigar como a juventude rural de um assentamento do município de Mossoró/RN tem se posicionado com relação à saúde, educação e lazer ofertados no assentamento, buscando ainda entender as conquistas e deficiências referentes a essas três dimensões.

O trabalho proposto se justifica a partir da aproximação da discente/pesquisadora com os jovens do assentamento pesquisado, que em outrora, pôde conhecê-los de perto por meio de projetos de Iniciação Científica, fomentados pelo CNPq. Ademais, a pesquisa contribui de forma significativa para a sociedade, uma vez que revela dados desconhecidos até pelos próprios sujeitos pesquisados. Ainda, possui relevância acadêmica para o campo de estudos sobre os movimentos sociais, educação e cidadania tendo em vista que visa discutir o papel da juventude rural na busca por melhores condições de saúde, educação e lazer na comunidade rural. 2 REFERENCIAL TEÓRICO

Page 74: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

74

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

2.1 Campo ou cidade: a decisão do jovem

Em meio ao impasse entre ficar no campo, trabalhando em prol da produção rural visando à própria subsistência, ou migrar para a cidade em busca de outras oportunidades, encontra-se a juventude. A faixa etária considerada como juventude é questão a ser discutida, limite esse diferenciando meio urbano e meio rural.

Os jovens brasileiros na faixa etária de 15 a 24 anos, somam 34,1 milhões de pessoas, correspondendo a 20,1% do total da população; em áreas rurais vivem 5,9 milhões de jovens, (IBGE, 2000). Esses dados mostram que apenas 17,3% dos jovens brasileiros moram na zona rural. Há indicadores que mostram que muitos deles trocam o campo pela cidade, este fato evidencia um problema, assim como uma preocupação que começa a se fazer presente no meio acadêmico em relação ao futuro da juventude rural, tais como, a sobrecarga do mercado de trabalho na zona urbana, o desaparecimento da agricultura familiar, a falta de mão-de-obra no campo, entre outras.

Nessa fase do desenvolvimento do ciclo vital, cada pessoa passa por transformações de forma diferenciada. Devem ser levadas em conta as diferenças de idade, pensamentos, sentimentos e de ações entre os jovens e, principalmente, conflitos gerados pelas desigualdades sociais e econômicas que podem ser traduzidos pela falta de oportunidades, o que impossibilita a realização de suas expectativas.

Expectativas podem ser traduzidas na esperança de realizar o que se deseja, tanto no tempo presente quanto no tempo futuro (OLIVEIRA, 2007). Para um direcionamento de políticas públicas, a fim de que sejam eficazes Carneiro (2005, p. 247) afirma que “uma das questões que tem recebido atenção especial é o desejo dos jovens de permanecerem ou não no campo e as condições de realização desses desejos e de suas aspirações profissionais”.

Ademais, quando o jovem passa a ter maiores responsabilidades dentro da propriedade rural, em relação aos deveres como agricultor seja ele produtivo, econômico ou social, ele sente as dificuldades que a agricultura familiar tem encontrado ao longo dos anos, em relação ao crédito, assistência técnica, etc. A partir do momento que se envolve com esses problemas seu desenvolvimento pessoal se torna mais difícil, pois é nessa fase da vida que estão planejando a realização de seus projetos pessoais que muitas vezes são interrompidos pelas condições que o núcleo familiar se encontra (SPANEVELLO e VELA, 2003).

Por fim, o histórico de ausência de políticas públicas no Brasil, da dificuldade e insuficiência aos serviços de saúde e educação de boa qualidade, bem como o acesso ao lazer tem reduzido a vontade dos jovens de permanecerem vivendo na zona rural. A falta de apoio para a criação de alternativas de trabalho e meios diversificados para a composição da renda aumenta ainda mais essa tendência dos jovens em deixarem o campo, que muitas vezes são incentivados até pelos próprios pais, por acreditarem que na cidade terão todas as oportunidades para a concretização dos seus sonhos (SILVA et al., 2006). 2.2 Os movimentos sociais na saúde, educação e no lazer do jovem do campo

Page 75: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

75

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

No cenário nacional muitas mudanças aconteceram mediante a ação dos movimentos sociais, especialmente a partir da década de 70 e nos anos 80. Desde então os movimentos vêm lutando e reivindicando por questões que desejam que se tornem direitos (GOHN, 2000). Na ambiência da juventude do campo, há pelo menos três hipóteses que definem a mobilizações lideradas pelos jovens: a saúde, a educação e o lazer.

A saúde é um aspecto de base para o desenvolvimento, está intimamente ligada à Segurança alimentar. Os autores Belik, Silva e Takagi (2001) lembram que a força de uma nação depende da força do seu povo. Quando as pessoas são saudáveis, fortes e bem alimentadas, têm energia, criatividade, segurança, coragem e valor necessários para solucionar problemas, criar grandes obras artísticas, contribuir para os avanços científicos e levar uma vida digna e alegre, ou seja, colaborar para a evolução da civilização para níveis mais altos de desenvolvimento.

Nos anos 80 as discussões que evidenciaram a temática da saúde aconteceram nas 7ª e 8ª Conferência Nacional de Saúde em 1980 e 1986. É também nesse contexto de debates que se edifica a história do Sistema Único de Saúde Brasileiro, que foi construída pelos movimentos sociais de mulheres e homens que teceram a Reforma Sanitária brasileira (PAIM, 2009).

A educação e a formação também são essenciais para que o jovem se identifique como cidadão do campo, auxiliando na luta por melhorias no lugar, permitindo uma,

[...] “coesão solidária”, que deve ser constantemente educável, no sentido que a comunidade se atualize e impregne, ininterruptamente, do hábito cultural da incessante pesquisa e discussão de nova forma para se unir, cooperar e agir em direção à consecução de seus próprios rumos de desenvolvimento e concernentes meios de viabilização (ÁVILA, 2003, p.35-36).

No campo dos Movimentos Sociais, a educação ocupa um papel de destaque na dinâmica e no conjunto das reivindicações. Nas diversas formas de lutas, sindicais, comunitárias, agrárias, culturais, dos novos movimentos sociais, a educação faz parte das atividades, tanto nas reivindicações pela construção de mais escolas, quanto pela implementação de novos formatos pedagógicos e conteúdos curriculares. Ainda, “no desenvolvimento de atividades de formação de seus participantes ou em campanhas de conscientização da sociedade, a educação ocupa uma posição de grande importância” (NASCIMENTO, 1999, p. 19).

Contudo, a baixa educação e a insuficiência de políticas públicas têm gerado vários problemas, entre os quais se pode fazer referência ao analfabetismo; grande número de crianças e jovens fora da escola; a carência de ensino médio rural; não valorização e formação de docentes; docentes alheios à realidade rural; abandono da escola rural; ausência de infraestrutura adequada; carência de renovação pedagógica; currículo e calendário escolar alheio à realidade rural; escolas deslocadas das necessidades e das questões do mundo rural e alheia aos interesses dos trabalhadores rurais, de seus movimentos e organizações, e assim estimuladora do abandono do campo (QUEIROZ, 2001).

Ressalta-se ainda que para cursar o ensino médio, em geral, o jovem rural precisa ir para as sedes dos seus municípios regularmente, onde terão acesso à outra forma de

Page 76: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

76

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

vida e diferentes modos de relacionamento social ao qual começarão a confrontar os valores da vida no campo e na cidade e despertarão o desejo de viver tal modo de vida diferente do qual foram criados (SIQUEIRA, 2004). No entanto, há uma visão positiva nessa circulação entre o campo e a cidade, pois os jovens poderão tirar suas próprias conclusões quanto ao melhor modo de vida, terão uma melhor visão quanto a diferentes culturas e aprenderão a se socializar em outros grupos.

Por fim, o lazer é outro aspecto importante para a constituição da identidade do jovem. Para Barral (2004) a identidade do jovem é construída social e simbolicamente, através das diversas práticas de lazer. O autor continua comentando, articulando o lazer e a educação, ao afirmar que o lazer e as manifestações culturais estão assumindo, cada vez mais, o papel antes destinado à família, por outro lado o trabalho e a escola ocupam um papel relevante na formação da identidade do jovem, principalmente pela identificação com o grupo.

Carneiro (2005) ainda atenta que talvez a inexistência de espaços de lazer seja responsável, entre outros fatores, pela avaliação negativa do campo em relação à cidade e pelo desejo de migração. Deste modo, o contexto dos movimentos sociais pode entrar em cena a partir do momento em que a juventude se mobiliza em prol da conquista de opções de lazer no assentamento.

É possível que a construção de uma praça, por exemplo, possa fazer a diferença na vida desses jovens. Ao fazer essas considerações, os jovens comparam suas condições de vida e aquelas dos trabalhadores urbanos, levando em conta principalmente as alternativas de lazer, o tempo livre e o volume de preocupações (CHAMPAGNE 1986 apud BRUMER 2004, p. 03). Isto é, a ambiência urbana notoriamente apresenta mais vantagens e oportunidades de lazer.

Assim, tento apresentado os três aspectos que norteiam esta pesquisa, torna-se evidente a necessidade do jovem do campo em se engajar e atuar na luta pela melhoria e aplicabilidade das dimensões de saúde, educação e lazer voltadas para o meio rural, e sobretudo, destinada a juventude do campo. 3 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que utiliza dados quantitativos para fins descritivos. Assim, com base em fundamentação teórica, a pesquisa foi realizada por meio de revisão de literatura e de pesquisa de campo no contexto dos movimentos sociais e do jovem rural. Para tanto, trata-se de uma pesquisa descritiva, com método qualitativo.

A pesquisa exploratória foi utilizada para localizar as associações do assentamento, viabilizando o contato com os jovens. Na pesquisa de campo foi possível obter informações sobre a dinâmica de mobilização social do jovem do campo frente às perspectivas sobre saúde, educação e lazer.

A pesquisa foi realizada no assentamento Jurema, localizado as margens da RN 013, entre os municípios de Mossoró, no oeste potiguar, e Tibau, litoral norte do Rio Grande do Norte. Atualmente vivem aproximadamente 85 famílias no assentamento.

Para tanto, os atores pesquisados foram jovens na faixa etária entre 16 e 25 anos, sem distinção de sexo. O número de entrevistas foi determinado pelo critério de exaustão, ou seja, quando as respostas deixarem de acrescentar novos dados. Desse modo, esta pesquisa delimitou-se intencionalmente a investigar somente este

Page 77: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

77

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

assentamento. Segundo o pensamento de Marconi e Lakatos (2006, p. 29) “[...] delimitar a pesquisa é estabelecer limites para a investigação. Que pode ser limitada em relação ao assunto, à extensão ou a uma série de fatores”.

Por meio de um roteiro de entrevista semiestruturado, foram ouvidos um total de 30 jovens assentados. O roteiro apresentava 12 questões referentes: a expectativas que o jovem do campo possui com relação à educação e a formação acadêmica; expectativas com relação ao futuro; sobre como é inserido no assentamento o acesso ao lazer, saúde e educação; e sobre como se mobiliza e atua na busca por melhorias para o assentamento.

De acordo com a disponibilidade de resposta dos entrevistados, foram formuladas novas perguntas que trouxeram maior detalhamento e aprofundamento dos pontos em questão, a fim de enriquecer a pesquisa exploratória. Destarte, a análise das entrevistas buscou evidenciar pontos em comum na fala dos entrevistados, bem como confrontá-las com a literatura estudada. Posteriormente, os dados coletados foram tabulados em planilhas eletrônicas geradas pelo software Microsoft Excel®. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

No que diz respeito à dimensão da saúde no meio rural os jovens foram unânimes em responder que o acesso à saúde básica acontece uma vez por semana, no entanto, salientaram que o serviço é precário e insuficiente para todos moradores. Os autores Belik, Silva e Takagi (2001) ressaltam que quando as pessoas são saudáveis, fortes e bem alimentadas, tem energia, criatividade, segurança, coragem e valor necessários para solucionar problemas, ou seja, colaborar para a evolução da civilização para níveis mais altos de desenvolvimento.

Nesse sentido, 63% respondentes afirmaram que procuram diretamente os serviços de saúde da cidade, tendo em vista que além dos serviços serem disponibilizados somente em um dia da semana, são entregues somente 10 fichas destinadas a consultas com o médico. Os outros 37% disseram que somente em casos de urgência procuram os serviços de saúde na cidade, pois nem sempre têm condições de se locomover, ou mesmo de custear um atendimento particular.

Nas palavras de uma respondente, “a gente vive do bolsa família, o dinheiro não dá pra tudo que a gente precisa”. Já para o representante jovem da associação de moradores, a questão da saúde é algo que basicamente não se discute mais nas reuniões, isto porque, segundo ele “a prefeitura não olha nem pela saúde de Mossoró, a gente vai na UPA e nem remédio tem, com a saúde do assentamento é que não vai se preocupar”.

A pesquisa no assentamento revelou que os jovens gostariam de ter no assentamento cursos profissionalizantes, que pudessem proporcionar outros tipos de atividades de ensino, isto é, algo que possa somar ao que é visto em sala de aula. Assim, para 78% dos entrevistados a vida no assentamento não oferece nenhuma outra atividade referente à educação que não seja nos horários de aula, mas 22% disseram que participam de um programa do Governo do Estado chamado “Mais Educação”, de acordo com eles o programa oferece oficinas de teatro e aulas de reforço, no entanto, não acontece com frequência.

De todos os entrevistados, somente 23% disseram já ter participado de algum curso de capacitação para o mercado de trabalho, 48% nunca participaram de nenhum

Page 78: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

78

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

tipo de curso e 29% disseram só ter participado de cursos ofertados por projetos de extensão da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, e da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA.

Uma das entrevistadas alega que os jovens do assentamento não têm acesso à capacitação profissional no campo e que “raramente somos beneficiados com algum programa gratuito que nos dê formação para o mercado de trabalho”. Nesse contexto Carneiro (2005, p. 247) lembra que para um direcionamento de políticas públicas, a fim de que sejam eficazes, “uma das questões que tem recebido atenção especial é o desejo dos jovens de permanecerem ou não no campo e as condições de realização desses desejos e de suas aspirações profissionais”.

De acordo com um dos jovens que é membro da associação de moradores do assentamento, “no período de eleição sempre tem promessa de assistência para os jovens, mas só fica na promessa”. Para ele, existe a cobrança das lideranças da associação no que diz respeito à educação, mas até mesmo a escola do assentamento ainda só dispõe de vagas para o ensino fundamental, sendo que os alunos que concluem o ensino fundamental necessitam se deslocar para Mossoró para o ingresso no ensino médio. Todavia, o representante jovem da associação revelou que a luta da juventude assentada já contribuiu para a conquista de computadores para a escola digital, bem como, garantiu o transporte diário gratuito para os alunos que precisam se descolocar até a cidade.

Ainda no que tange a educação, o ingresso em uma universidade faz parte dos sonhos dos jovens assentados, considerando que 86% deles, mesmo aqueles que pararam de estudar, pretendem ingressar nessa instituição em algum momento de sua trajetória. Esses números vão ao encontro da afirmação de Ávila (2003), que define que a educação e a formação são essenciais para que o jovem se identifique como cidadão do campo, auxiliando na luta por melhorias no lugar.

Mas a oportunidade de uma formação digna não é a única preocupação desses jovens, eles também sentem falta de um espaço destinado ao lazer, 66% dos jovens disseram que o assentamento não oferece nenhuma opção de lazer. Os outros 34% se dividiram entre ir à casa dos amigos, ir à igreja e jogar bola. Carneiro (2005) lembra que talvez a inexistência de espaços de lazer seja responsável, entre outros fatores, pela avaliação negativa do campo em relação à cidade e pelo desejo de migração.

Para o jovem membro da associação, as oportunidades de lazer no assentamento já foram mais restritas, hoje em dia já acontecem torneios de futebol que reúnem jovens de outros assentamentos e cidades vizinhas. O jovem ainda salientou que várias reivindicações já foram feitas em prol da construção de uma quadra esportiva na escola, todavia, não se obteve retorno da prefeitura. Assim, para ele, a instalação de traves no campo de futebol de areia já foi um grande avanço, e tem garantido o lazer de quem aprecia o esporte, no entanto, os que não gostam continuam desassistidos.

Por fim, a pesquisa ainda revelou que além da associação comunitária, o grupo de jovens da igreja católica também atua na busca por melhorias para o assentamento, tendo em vista que periodicamente realiza campanhas de arrecadação de alimentos e roupas para as famílias mais necessitadas do assentamento. Ademais, a pesquisa também permitiu observar que a educação, a saúde e o lazer são fatores relevantes para os jovens, mas que as questões de oportunidades de trabalho e capacitação para o mercado de trabalho também são essenciais para a permanência no campo, pois esses jovens sentem-se incomodados em depender financeiramente de seus pais.

Page 79: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

79

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa se propôs investigar como a juventude rural de um assentamento do município de Mossoró/RN tem se posicionado com relação à educação, saúde e lazer ofertados no assentamento, buscando ainda entender as conquistas e deficiências referentes a essas três dimensões. Assim, percebeu-se que os jovens do assentamento gostam de morar no campo, mas que pretendem buscar novas oportunidades de estudos e de trabalho no meio urbano, pois consideram que a educação oferecida no meio rural é inferior aquela oferecida na cidade.

Observou-se que os jovens assentados têm a pretensão de sair do assentamento para estudar ou trabalhar e só pretendem voltar ao assentamento se tiverem alguma atividade que proporcione renda. Mas entre esses jovens há aqueles que querem buscar uma formação que possa ser desenvolvida no campo. Esses consideram que com uma boa formação é possível conseguir um emprego na agroindústria e concomitantemente administrar sua propriedade rural.

Assim, é possível concluir que a associação comunitária e o grupo de jovens da igreja católica são os grandes agentes mobilizadores do assentamento, pois além de proporem mudanças, se mobilizam para que essas mudanças sejam de fato efetivadas. Não obstante as lutas, o assentamento segue ainda sem politicas públicas que possam fomentar a melhoria dos aspectos referentes à saúde, educação e lazer.

Por fim, tendo atendido o objetivo a que se propôs, atenta-se ainda para as limitações deste estudo, visto que, as entrevistas foram realizadas apenas com uma parcela dos jovens assentados, não podendo assim evidenciar a opinião de todos os jovens do assentamento em questão.

REFERÊNCIAS ÁVILA, V. F. Cultura, Desenvolvimento Local, Solidariedade e Educação. In I Colóquio Internacional de Desenvolvimento Local, UCDB, Campo Grande-MS, 2003. BARRAL, G. Práticas Reprodutivas e transformadoras na escola publica, Revista Línguas e Letras, v.6, n.11, 2.sem. 2004. BELIK, W.; SILVA, J. G. da; TAKAGI, M. Políticas de combate à fome no Brasil. São Paulo: Perspectiva, v.15, n.4, 2001. BRUMER, A. A problemática dos jovens rurais na pós-modernidade. Porto Alegre/ RS. 2004. CARNEIRO, M. J. Juventude rural: projetos e valores. In: ABRAMO, H. W.; BRANCO, P. P. M. (Orgs). Retrato da Juventude Brasileira. São Paulo: Instituto Cidadania/Fundação Perceu Abramo, 2005. _____ Pluriatividade da agricultura no Brasil: uma reflexão crítica. CPDA/UFRR, 2005.

Page 80: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

80

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

GOHN, M. G. 500 anos de lutas sociais no Brasil. Revista Mediações, Londrina, v. 5, n. 1, p. 11-40, jan./jun. 2000. _____ Sociologia dos movimentos sociais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2014. GONÇALVES, A. Diferenças de Estilos de Vida Entre Populações Jovens de Meio Rural (Boticas) e de Meio Urbano (Braga): análise de concepções, de valores e de práticas. 2004. MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. NASCIMENTO, A. Movimentos sociais, educação e cidadania: um estudo sobre os cursos pré-vestibulares populares. Rio de Janeiro: UERJ, 1999. (Dissertação de mestrado em Educação). OLIVEIRA, R. de S. Expectativas quanto ao trabalho: um estudo com jovens que vivem em assentamento rural no município de São Francisco do Pará, Revista Amazônia: Ci. & Desenv., Belém, v. 2, n. 4, jan./jun. 2007. PAIM, J. S. Uma análise sobre o processo da Reforma Sanitária brasileira. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 33, n. 81, p. 27-37, jan./abr. 2009 QUEIROZ, J.B.P. de. Os Centros Familiares de Educação em alternância no Brasil. CADERNO VOZES – Nº 6, Nov./Dez.2001. SILVA, P. S.; FILHO, E. T. D.; MARACAJÁ, V. P. B. B.; MARACAJÁ, P. B. ; PEREIRA, T. F. C 1998. Agricultura Familiar: Um Estudo Sobre a Juventude Rural no Município de Serra do Mel – RN. Revista Verde (Mossoró – RN – Brasil) v.1, n.1, p. 54-66 janeiro/junho de 2006. SIQUEIRA, L. H. S. de S. As perspectivas de inserção dos jovens rurais na unidade de produção familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2004. (Dissertação de mestrado em Desenvolvimento Rural). SPANEVELLO, R. M.; VELA, H. A. Os fatores limitantes ao desenvolvimento dos jovens rurais pertencentes à agricultura familiar do município de Nova Palma/RS. Revista de Pesquisa e Pós-Graduação – Santo Ângelo, 2003. SPOSITO, M. P. Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação. Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. Trabalho apresentado na XXII Reunião Anual da Anped, Caxambu, setembro de 1999.

DO CAMPO PARA A CIDADE PELO CAMINHO DAS PASTORAIS E MOVIMENTOS SOCIAIS – MUDANÇA DE LUGAR GEOGRÁFICO E DE MENTALIDADE34

34Trabalho escrito com a orientação da Professora Doutora Hostina Maria Ferreira do Nascimento.

Page 81: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

81

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Zélia Cristina Pedrosa do Nascimento

Eliana da Silva Filgueira Francisca Erenice Barbosa da Silva

Francisco Canindé de Morais Costa

RESUMO: Abordamos neste artigo a trajetória de uma sertaneja que migrou do campo para a cidade buscando melhor condição de vida para si e seus filhos e sua luta contra as exclusões as quais a sociedade a condenou. Esta mudança implica também numa transformação de seu modo de compreender a vida. A educação, formal e a obtida na participação em movimentos populares e pastorais sociais ligadas a Igreja Católica, foi essencial para como impulso para a perseverança e abertura da mentalidade. Com isto queremos valorizar as conquistas sociais e o processo de contínuo crescimento possibilitado pela presença ativa em coletivos. O caminho da liberdade e da autonomia se constrói a cada dia e só é possível em comunidade. Palavra-chave: Educação Popular, Movimentos Sociais, Pastorais Sociais INTRODUÇÂO

O campo e a cidade – Fronteiras A teoria clássica, atribui ao campo as seguintes funções, segundo a síntese feita

por João Ferrão35: Historicamente, o mundo rural destaca-se por se organizar em torno de uma tetralogia de aspectos bem conhecida:

• Uma função principal: a produção de alimentos;

• Uma atividade económica dominante: a agricultura;

• Um grupo social de referência: a família camponesa, com modos de vida, valores e comportamentos próprios;

• Um tipo de paisagem que reflete a conquista de equilíbrios entre as características naturais e o tipo de atividades humanas desenvolvidas.

Para além das características territoriais, econômicas e sociais, a distinção entre

campo e cidade também pode ser feitas pela análise dos costumes, crenças, relacionamentos entre as pessoas e a maneira de viver dos seus moradores. Como tudo mais na sociedade humana, estes espaços são construções sociais.

Enfatizamos aqui as diferenças entre cidade e campo, mas sabemos que nem sempre é fácil identificar os limites entre o mundo urbano e o mundo rural. Os modernos meios de comunicação têm reduzido as diferenças culturais entre campo e cidade, assim como a tecnociência reduz as diferenças socioeconômicas. A família de um trabalhador rural que maneja equipamentos de alta tecnologia agrícola nas grandes fazendas, tem

35 https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0250-71612000007800006

Page 82: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

82

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

um estilo de vida similar ao de famílias operárias da cidade. Hoje o mundo urbano não se limita ao espaço geográfico das cidades.

Nos dias atuais a mudança geográfica não chega a ser um choque, mas no início dos anos 60 sim, pois estávamos no meio do processo de urbanização do Brasil. A figura abaixo, elaborado pelo IBGE ilustra essa realidade:

Este trabalho não se propõe a aprofundar a análise das afinidades e diversidades

entre o urbano e rural, as referências são importantes por constituir o pano de fundo do processo de mudança e crescimento no qual entro a pessoa destacada no relato, uma sertaneja que denominaremos Séfora36. Ela mesma afirma que uma das maiores diferenças que notou ao chegar na cidade foi o fato de ter de comprar toda a comida que na zona rural era produzida no sítio. Demos a ela a voz:

Eu nasci no município de Caraúbas, mas no sitio Mariana. Vim de uma família muito pobre. Meu pai era cantador de viola. Viva no mundo. Minha mãe sozinha criou 7 filhos. Ele era alcoólatra. Isso eu não tenho vergonha de dizer porque era, mas minha mãe com a sabedoria dela, com o amor que ela tinha a Deus cuidou dele até o último momento dele morrer. De lá, desse sitio nós fomos morar em Caraúbas. Nessa época eu fiz o fundamental até a quinta série. Meu pai não deixou eu vir estudar em Mossoró porque era cidade grande e toda moça que vinha pra cidade grande se perdia, era prostituta (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016).

36 O nome Séfora é inspirado na Bíblia que no livro do capítulo 1 êxodo conta a história das parteiras do Egito que desobedeceram o Faraó, tirano que reinava sobre o pais, para defender a vida das crianças hebreias. Foi escolhido porque a entrevistada pediu para manter o sigilo pois até hoje suas opiniões são contestadas na família.

Page 83: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

83

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Percebe-se fortemente a presença do preconceito e de uma visão de mundo fechada, que condenava o que era diferente dos costumes. Outro aspecto que se percebe no seu relato é a precariedade da vida doméstica na convivência com o machismo e o preconceito reinantes no sertão pois tanto a mãe como ela sofreram com maridos que não cumpriam com suas responsabilidades com a família e eram tirânicos e até violentos. Com as filhas dos outros se podia “bulir”, mas as mulheres de casa deviam ser “puras” e cumpridoras de seus deveres, A nossa “personagem” mostra resquícios desta visão ao destacar como louvável e sábio o fato da mãe ter “cuidado” do Pai até o fim da vida deste apesar de ter criado 7 filhos sozinha.

A sua vida seguiu o traçado “normal” para as mulheres da região: casar, ter filhos, trabalhar e cuidar da casa. Um fato mudou este roteiro e fez ela partir em busca de satisfazer suas vontades: “Então eu fiquei lá, casei, tive quatro filhos e quando meu esposo me deixou eu arrumei as crianças e vim praqui que eu tinha sede de conhecimento.” (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016)

Então Séfora, sem proteção e com apenas o apoio de um compadre que lhe arranjou um quarto para se alojar com os filhos, fugiu destas clausuras e teve coragem de buscar o novo vindo a residir em Mossoró, no início da década de 1960. Sempre sentiu dentro de si o desejo de liberdade: “Então eu toda vida fui rebelde, eu gostei de, de …. Minha mãe dizia que eu gostava de questionar. Minha mãe dizia que eu nasci dez anos, tinha nascido adiante do meu tempo”. (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016).

Na maior cidade da região não teve vida fácil, conforme recorda:

Sofri. Fiz o magistério. Depois passei na Furrn, particular. Cozinhei nas cozinhas, lavei roupa, fiz pasteis, fiz filos, cocada, tudo que vocês possam imaginar para pagar aluguel de casa, sustentar criança, que ganhava pouco, já era concursada do estado mas professora leiga, como dizia na época, ganhava nada como hoje a gente formada ganha quase nada. Mas eu lutei, batalhei e venci. Hoje estou aqui uma vitoriosa, meus quatro filhos são pessoas pobres porém honestas. Um é engenheiro em São Paulo, a minha filha é professora, o outro não quis aprender é pedreiro e tem que tem um com deficiência não estudou. Mas sou feliz porque são pessoas honestas caminharam com os conhecimentos de Deus e hoje trabalham e vivem do seu trabalho. Para mim foi uma grande realização. Eu me acho uma guerreira porque eu vive em Mossoró numa casa alugada, numa Universidade particular. Cortavam água, cortavam luz e eu não desisti. O povo dizia: desista e eu continuava firme e forte e hoje estou aqui contando essa maravilha de história. Que eu não tenho vergonha. Porque minha vida fui eu junto com Deus que fiz e os meus filhos. Pra mim eu sou uma vitoriosa. (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016)

A educação formal e a faculdade proporcionaram a Séfora uma melhora na sua

situação econômico e a progressão funcional no cargo de professora do Estado. Aparentemente, com os filhos criados e encaminhados, casa própria e situação econômica estável, nada mais restava senão curtir os frutos que o trabalho na cidade

Page 84: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

84

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

lhe rendeu. Porém, o seu desejo de conhecimento não foi satisfeito e a impulsionou para ir além.

Professora e eterna aprendiz, nossa entrevistada jamais deixou de estudar e buscou ampliar seus horizontes pela via da educação popular nos movimentos populares. O caminho do crescimento iniciou com experiências nas pastorais ligadas a Igreja católica, mas o decisivo para uma ruptura com a mentalidade carregada com os preconceitos foi o encontro com o Cebi:

Então eu caminhei 19 anos com os franciscanos. Foi muito bom a minha formação, valeu a formação que eu tive, que eu repassei, os cursos que eu fiz no Rio, em Petrópolis em muitas cidades, em São Paulo. Viajei demais. Tudo isso pra trazer conhecimento para as fraternidades. Porém eu sentia falta de alguma coisa. A palavra era lida? Era, mas era lida naquele fundamentalismo, não fugia dali. Deus é isso, mandou dizer isso e você tem que fazer isso. Quando eu fui convidada que eu não lembro nem por quem, para conhecer o Cebi eu fui. Quando eu cheguei lá o primeiro dia, fui bem acolhida, porque o Cebi tem essa beleza de acolher que você já se sente em casa, já se sente irmão, já se sente filho. Sente da família mesmo. Eu fui gostando da maneira. Fui vendo que a palavra ... começamos ... comecei mesmo do iniciozinho.. a primeira etapa, a segunda etapa, vendo toda formação do povo de Deus até chegar no último livro que eu tinha medo. E com aquela maneira de ensinar, de ver e a prática que os irmãos, nós cebianos temos, de ir ao encontro do outro, de levar ao outro, de não fazer diferença de pessoas, de gênero, de cor.. Porque eu aprendi lá que quem vê raça não vê gente. Então a gente ... eu fui me encantando ... eu me encantei pelo Cebi. Eu sou meio rebelde, as vezes eu passo dos limites, mas eu tenho um encantamento pelo Cebi porque eu lá conheci realmente a palavra de Deus. Não nego que o curso que eu fiz de pedagogia é um curso muito bonito, um curso humanizado, mas não me deu o conhecimento de amar, de acolher, de mudar as pessoas. Até então eu ir ao Cebi eu não sabia o que era um movimento social, não sabia. E como o Cebi lê a Bíblia fazendo o contexto e trazendo pra nossa época, a gente vê que a Bíblia não assombra, a bíblia é atual, a bíblia é humana, a bíblia tem condições de mudar a vida do ser humano, mudar a comunidade, mudar o mundo, O que está faltando é a gente realmente levar esta palavra adiante para os outros. (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016)

O Cebi referido pela entrevistada em sua fala é a sigla do Centro de Estudos

Bíblicos37, que se trata de uma associação ecumênica sem fins lucrativos, formada por mulheres e homens de diversas denominações cristãs, reunidos pelo propósito de captar e fortalecer a Leitura Popular da Bíblia para que, junto com Jesus, possamos orar: “Pai, eu te agradeço porque escondeste essas coisas dos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado!” (Mt 11,25).

37 Maiores informações sobre o que o Cebi e como ele se compreende podem ser obtidas no site da instituição www.cebi.org.br

Page 85: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

85

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

A leitura popular é um meio que une as pessoas de uma comunidade para poderem refletir sobre os fatos da vida, os problemas, as causas que o geram, mas também de buscar meios para a sua resolução. De fato os círculos bíblicos, também conhecidos como grupos de reflexão, congregando pequenos grupos ao redor da Palavra que ilumina o cotidiano da vida e convoca para transformar a realidade.

Em cada encontro a partir da leitura de um texto bíblico previamente escolhido, os participantes partilham suas impressões sobre o texto e como ele se liga a sua vida cotidiana e as questões do dia a dia da comunidade. Fazem uma releitura dos acontecimentos à luz da Palavra de Deus, ligando a vida dos participantes aos ensinamentos evangélicos de forma simples e despretensiosa. Não raro brotam dos grupos gestos concretos de solidariedade e ações sociais e de cidadania.

A fundação do CEBI no ano de 1979 se insere dentro de um processo de trabalho com o povo que vem de muito longe. É herdeiro das práticas de Educação Popular, do Movimento de Educação de Base (MEB), dos Círculos de Cultura de Paulo Freire, da Ação Católica, da inserção dos “Padres Operários”, das influências de Medellín e de muitas outras vertentes com raízes já nos círculos operários do início do século XX. E nasceu ecumênico, princípio que deseja que se fortaleça cada vez mais.

Conforme dados fornecidos pela instituição a partir de uma pesquisa interna o centro CEBI está organizado em 25 estados brasileiros e está presente em mais de 600 cidades. As atividades de formação bíblica dessas sub-regiões e seus respectivos estados atingiram diretamente mais de 80.000 pessoas, em grande parte, de lideranças populares.

Na Igreja Católica Apostólica Romana o Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), valorizou e estimulou a leitura da Bíblia por todos os seus membros, prática antes reservada ao clero e religiosos. Com o objetivo de devolver à “Palavra de Deus” o lugar central que ela ocupa na vida dos cristãos.

O Cebi vê a si mesmo como uma grande universidade popular. Anima e interliga uma grande rede de formação cristã e da educação popular, envolvendo diretamente mais de 10 mil grupos de reflexão, círculos bíblicos, cursos de finais de semana, escolas bíblicas que duram várias semanas, cursos de capacitação com um mês de duração, cursos intensivos de seis meses e cursos extensivos que duram vários anos. Além disso, o CEBI mantém um Curso de Bíblia por Correspondência, envolvendo milhares de pessoas, e um Curso de Formação de Assessores e Assessoras Bíblicos em nível de pós-graduação.

O Cebi é assim uma experiência de educação popular, pois está vai além da produção e transmissão de conteúdos e ou informações, ou seja a ordem intelectual. Mas a educação busca construir o saber e não o conhecimento. Sobre o tema assim se expressa Sales (1999 – pág. 111)

O conhecimento é uma das dimensões do saber. É sua dimensão intelectual. O saber é o sentir/pensar/agir das pessoas, grupos, categorias, classes sociais. O saber inclui, portanto, a dimensão intelectual, a dimensão afetiva e a dimensão prática. O saber é cultura. (SALES – 1999)

É este saber popular que é valorizado e estimulado em todas as atividades realizadas pelo Cebi. As chamadas escolas bíblicas de agentes formam multiplicadores de sua metodologia e do seu espírito. A nossa amiga Séfora, após este caminho de

Page 86: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

86

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

formação é hoje assessora do Cebi na cidade de Mossoró e em outras cidades próximas. Nesta atividade realiza as chamadas Escolas Bíblicas que buscam dar as pessoas uma visão geral da Bíblia e instrumentos para que realize uma leitura inculturada, respeitando o contexto de produção e de leitura e a realidade na qual as pessoas estão inseridas. As escolas funcionam em dois níveis, a popular mais introdutório e a escola de agentes de pastoral destinada a formar multiplicadores.

Essa atividade ajuda no processo de transformação não só da comunidade, mas também, da sociedade local despertando nas pessoas que fazem parte da Pastoral da Bíblica, tendo uma motivação maior ouvir a Palavra de Deus e de servir, respondendo a vocação de ser agentes de pastoral38, atuando de forma concreta na leitura, estudo e aprofundamento da Bíblia em sua vida pessoal e comunitária.

O educador Paulo Freire fala sobre o tema no livro os cristãos e a libertação dos oprimidos, sustentando que:

Existem, contudo, também aqueles que, em número cada vez maior sem renunciar às suas opções cristãs ou renunciando a elas, se comprometem cada vez mais com a causa de libertação das classes dominadas. A experiência está lhes ensinando que ser cristão não significa necessariamente ser reacionário, assim como ser revolucionário não implica ser ‘demoníaco’. Ser revolucionário significa opor-se à opressão e a exploração e estar a favor da libertação das classes oprimidas em termos concretos e não em termos idealistas. (Freire, 1978 – pag. 22-23)

Professora e eterna aprendiz, nossa entrevistada jamais deixou de estudar e buscou ampliar seus horizontes pela via da educação popular nos movimentos populares. Nunca se sentiu velha demais para buscar o conhecimento. Destaco o seguinte trecho de seu depoimento:

Dentro de casa mesmo a minha filha fica reclamando. Mãe a senhora gastar dinheiro. Que a senhora vai ver uma velha estudando. Eu digo a ela que não tem idade pra estudar. E digo a ela o seguinte: é meu momento. Enquanto eu lutei pra eles se formarem, estudarem era deles. Agora é meu, meu momento. Então parto pra esses lugares porque enquanto se vive tem o que aprender. E enquanto eu estou viva, lúcida eu tenho o que ensinar. Eu vou visando um melhor conhecimento para transmitir as pessoas que buscam o Cebi, que buscam os grupos sociais, que tem sede de conhecimento. Eu tenho sede de conhecimento. Enquanto eu puder me mover pela graça de Deus eu não paro de estudar. Não tem idade pra estudar. Lá na classe eu sou bem acolhida por jovens, por idosos. A primeira vez eu ia meio ressabiada porque eu pensava que a mais velha era eu. Tem senhoras freiras de 80 anos lá junto com a gente. Tem padres de 30 anos, mas a gente é uma família. É tanto que a gente tem os grupos de whatssap, todo dia ninguém para de mandar abraço, mandar tudo. Então

38 Agentes de pastoral – assim são denominados pela Igreja Católica as pessoas que voluntariamente e gratuitamente assumem um serviço dentro da instituição atuando em uma área específica.

Page 87: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

87

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

aprender é uma maneira de você se manter jovem, a cabeça jovem, se manter com saúde e com disposição para servir os outros. ... Então os movimentos sociais é isso, nos dá respaldo para que nós possamos caminhar junto com aquele povo, dividir as dores com ele, resolver os problemas junto com eles. Porque a maioria do nosso povo brasileiro, todo mundo sabe é excluído, não tem vez nem voz. (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016)

Esses momentos que ampliam os horizontes de Séfora e proporcionam momentos de partilha e comunhão com pessoas de outras realidades e condições de vida se tratam de cursos de especialização promovidos por Instituições de Ensino Superior do Brasil. Atualmente a Escola Superior de Teologia da Faculdade Luterana de São Leopoldo-RS oferta a especialização em Assessoria Bíblica através de um convênio firmando com o Cebi que cede professores e descontos. A nossa entrevistada participa da Especialização em Animação Bíblica da Pastoral na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. A interação entre o conhecimento acadêmico e a educação popular pode levar a uma iluminação mútua e ressignificação das nossas responsabilidades na atividade social.

No seu depoimento também é destacado a aplicação da metodologia de trabalho do Cebi, refletindo sobre a vida a partir das leituras bíblicas para evoluir pessoalmente e ajudar os filhos a crescer. Vejamos este trecho de sua fala:

Eu estou no Cebi aa 15 anos e me ajudou primeiro com a minha familiar. Eu era uma pessoa ... Eu sou rebelde, mas eu consegui me ... Eu já consigo me controlar mais e também já consigo que meus filhos mudem. Tem um que mora em São Paulo que hoje ele lê a bíblia com a nossa visão. Ele diz assim: mãe eu estou aqui na sala merendando do repouso do almoço, que não vai pra casa, que já tem seis pessoas que lê a bíblia comigo. Ele aprendeu com a gente, lendo a bíblia e trazendo pra gente. Ele diz: mãe é difícil mas as pessoas a gente discute, discute muito. Então pra isso foi muito bom.

Faz parte do caminho da descoberta e do conhecimento a necessidade de dividir

os saberás, aprender a ouvir a si mesmo e ouvir o outro. Ensinar a prática difícil mas prazerosa de ouvir o outro atentamente e valorizando a sua fala e a experiência que ela expressa.

Investimento em estudo e a sede de ultrapassar os limites indo em busca de nos horizontes a levou até mesmo a vencer preconceitos e rever seu modo de compreender o mundo e as pessoas. Indagada sobre um exemplo de preconceito superado a entrevistada assim se pronunciou

Eu dou e dou bem verdadeiro mesmo. É a questão da homossexualidade. Eu sou uma senhora de 69 anos. Na época da gente é ... isso era horrível, era um pecado, era ... aquelas pessoas eram excomungadas. E hoje eu vejo que cada um tem direito a viver a sua vida do jeito que ela escolhe. Não tem diferença.

Page 88: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

88

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

Continuam sendo pessoas, filhas, amadas e amados de Deus. Eu digo isso de coração, porque são as pessoas que são humanas. São as pessoas que sabem acolher. Independente delas ter (qualquer um homem ou mulher) ter a sua sexualidade. Eu aprendi isso e achei muito bonito porque eu tinha muito ... não tinha raiva nem, tinha assim não gostava, tinha preconceito porque na minha época era aquilo, não tinha outro jeito. Mas hoje a gente vê que Deus fez a gente pra gente ser feliz. Ele quer o bem, a felicidade. E se as pessoas se sentem felizes como são então eu aceito, eu amo, eu acho que todos devem respeitar em primeiro lugar. O respeito a escolhas dos outros. (SEFORA, entrevista concedida a NASCIMENTO em 20/06/2016).

A caminhada de formação de Séfora continua sempre, dada a incompletude do ser humano. Ela bebe de várias fontes. Aqui destacamos o Cebi por ser o espaço de abertura para o novo, levando não só a juntar conhecimentos mas a questionar a própria vida, superando preconceitos e visões próprias das comunidades fechadas. Dentre os temas estudados pelo Cebi temos a Leitura de Gênero e o aprofundamento sobre feminilidade e masculinidades.

No combate ao preconceito a nossa entrevistada, do alto de seus 69 anos se mostra mais avançada que os nossos legisladores. De fato os casais homo afetivos só tiveram reconhecido seu direito de constituir uma família e gozar da proteção legal do estado por força de decisões dos tribunais. Ante a inércia do legislativo, ou sua aversão a mudança.

Não é de admirar que num congresso marcado pela conservadorismo e pela intolerância desde 2006 tramita sem fim um projeto de Lei sob o número PLC 122 que criminaliza a homofobia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Qual sua homônima bíblica a nossa Séfora não se deixou prender aos costumes da sua roça e nem aos Faraós modernos da sociedade capitalista, a pobreza, o machismo, o preconceito dentre outros, mas ousou fazer o diferente e construir a sua história e a dos seus filhos.

O desconhecimento da história pode nos levar a desvalorizar o que temos e ao invés de lutar por novos direitos abandonar os antigos, até mesmo por descaso. Não podemos permitir o retrocesso pois este empobrece a civilização.

Ao se defrontar com o diferente na maioria das vezes nossa reação é de estranheza e de medo. Sonhamos com a comunidade ideal em que todos são e pensem iguais, mas esta não existe. A diversidade é nossa riqueza e incluir a todos no nosso mundo um grande desafio.

Os poetas e os loucos, e quiçá os educadores, acreditam que a humanidade pode ser uma única comunidade. Um sonho?! Mas se perdemos a capacidade de sonhar, também perdemos a capacidade de viver.

Que o exemplo de lutadores e lutadoras como a nossa Séfora nos estimule a ir sempre adiante e acreditar que a mudança é possível e ela passa necessariamente pela educação. BIBLIOGRAFIA

Page 89: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

89

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018

FERRAO, João. Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução histórica, situação actual e pistas para o futuro. EURE (Santiago), Santiago , v. 26, n. 78, p. 123-130, sept. 2000 .Disponible en <https://scielo.conicyt.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0250-1612000007800006&lng=es&nrm=iso>. Acessado em 01 de abril de 2018 http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612000007800006. FREIRE, Paulo. Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Lisboa. Edições Base, 1978 SALES Ivandro da Costa, Educação Popular: uma perspectiva, um modo de atuar. In SCOCUGLIA, Afonso Celso e MELO NETO, José Francisco (organizadores). Educação Popular: outros caminhos. Editora Universitária/UFPB, 1999.

Page 90: Mossoró Rio Grande do Norte - 2018 · mossoró – rio grande do norte - 2018 a escola que persiste: desafios pela inclusÃo, diversidade e qualidade do ensino na escola pÚblica

90

Mossoró – Rio Grande do Norte - 2018