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PNUM 2016 259 Morfologia urbana na zona ocidental intramuros da cidade de Évora (séc. XIII -XXI): do património à malha urbana Maria Monteiro¹; Maria Tereno²; Marízia Pereira³ ¹ Divisão de Cultura e Património, Câmara Municipal de Évora, Praça de Sertório, 7004-506 Évora, Portugal, Tel. 00351266777000 ² Departamento de Arquitetura, Universidade de Évora, Colégio dos Leões Estrada dos Leões, 7000-208 Évora, Portugal, Tel. 00351266745300 ³ Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento do Território, Universidade de Évora, Colégio Luís António Verney Rua Romão Ramalho, nº 59, 7000 Évora, Portugal, Tel. 00351266745300 ¹filomena.monteiro@cm-evora.pt, ²[email protected], ³[email protected] Resumo O património eborense integra um conjunto notável de monumentos, civis e religiosos, que têm originado ao longo do tempo a formação e desenvolvimento de tecido urbano. Desse património ressalta-se a construção de casas religiosas, disseminadas em espaço anexo ao primitivo recinto amuralhado tendo as suas comunidades residentes influenciado os habitantes da área circundante. Algumas dessas áreas foram ocupadas por complexos religiosos (S. Domingos - século XIII, Santa Clara - século XV, Santa Catarina de Sena e Santa Helena do Monte Calvário - século XVI). As intervenções projetadas nas antigas cercas monástico-conventuais, realizadas posteriormente à exclaustração das ordens religiosas, abrangem não apenas a construção dos espaços livres, mas também pontualmente a reformulação, por vezes radical, das antigas estruturas pertencentes aos complexos religiosos já desativados. Nos espaços verdes que constituíam as cercas, ocorreu a eliminação ou alteração de uso do solo dessas áreas tendo desaparecido simultaneamente muito do historial destes locais. A reorganização interior das construções e a reformulação volumétrica, adaptando-as às atuais exigências funcionais, determinam que as demolições sejam correntes nessas intervenções. A organização espacial inerente à vida monástico-conventual dissipa-se definitivamente com essas demolições, que ocasionam também o desaparecimento de um conjunto significativo de elementos construtivos. As reduções substanciais das manchas verdes intramuros constituíam abrigo para espécies animais. O decréscimo de áreas de absorção de água para o subsolo foi aspeto controverso resultante de tais intervenções. O presente trabalho foca-se em quatro situações distintas: reconstrução total de todo o espaço (Santa Catarina), reutilização de um espaço monástico (Santa Clara), o espaço respeitante ao convento de S. Domingos parcialmente ocupado/loteado e o do mosteiro do Calvário, de dimensão considerável, que atualmente se encontra expectante. O objetivo é procurar estabelecer comparações entre situações diferenciadas, com intervenções de maior ou menor qualidade para a regeneração urbana. Neste âmbito, a cartografia urbana histórica da cidade torna-se essencial para a compreensão evolutiva do tecido urbano. Palavras-chave Património; morfologia urbana; regeneração urbana; cartografia. Introdução Durante os primórdios do cristianismo em Évora, são escassos os documentos sobre o contacto entre a cidade e a nova doutrina, contudo, existem vários testemunhos desta religião monoteísta, a partir do terceiro século. Durante os séculos VIII a XII, com a invasão muçulmana vinda do norte de África, os núcleos urbanos, em especial as antigas cidades de ocupação romana, sofreram uma época de incremento económico. A origem das primeiras fundações monástico-conventuais medievais em Évora, deve-se ao facto de esta ser uma cidade relevante, conquistada recentemente aos mouros, e situada em território limite ocidental da

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Morfologia urbana na zona ocidental intramuros da cidade de Évora (séc. XIII -XXI): do património à malha urbana

Maria Monteiro¹; Maria Tereno²; Marízia Pereira³ ¹ Divisão de Cultura e Património, Câmara Municipal de Évora, Praça de Sertório, 7004-506 Évora, Portugal, Tel. 00351266777000

² Departamento de Arquitetura, Universidade de Évora, Colégio dos Leões Estrada dos Leões, 7000-208 Évora, Portugal, Tel. 00351266745300 ³ Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento do Território, Universidade de Évora, Colégio Luís António Verney

Rua Romão Ramalho, nº 59, 7000 Évora, Portugal, Tel. 00351266745300 ¹[email protected], ²[email protected], ³[email protected]

Resumo O património eborense integra um conjunto notável de monumentos, civis e religiosos, que têm originado ao longo do tempo a formação e desenvolvimento de tecido urbano. Desse património ressalta-se a construção de casas religiosas, disseminadas em espaço anexo ao primitivo recinto amuralhado tendo as suas comunidades residentes influenciado os habitantes da área circundante. Algumas dessas áreas foram ocupadas por complexos religiosos (S. Domingos - século XIII, Santa Clara - século XV, Santa Catarina de Sena e Santa Helena do Monte Calvário - século XVI). As intervenções projetadas nas antigas cercas monástico-conventuais, realizadas posteriormente à exclaustração das ordens religiosas, abrangem não apenas a construção dos espaços livres, mas também pontualmente a reformulação, por vezes radical, das antigas estruturas pertencentes aos complexos religiosos já desativados. Nos espaços verdes que constituíam as cercas, ocorreu a eliminação ou alteração de uso do solo dessas áreas tendo desaparecido simultaneamente muito do historial destes locais. A reorganização interior das construções e a reformulação volumétrica, adaptando-as às atuais exigências funcionais, determinam que as demolições sejam correntes nessas intervenções. A organização espacial inerente à vida monástico-conventual dissipa-se definitivamente com essas demolições, que ocasionam também o desaparecimento de um conjunto significativo de elementos construtivos. As reduções substanciais das manchas verdes intramuros constituíam abrigo para espécies animais. O decréscimo de áreas de absorção de água para o subsolo foi aspeto controverso resultante de tais intervenções. O presente trabalho foca-se em quatro situações distintas: reconstrução total de todo o espaço (Santa Catarina), reutilização de um espaço monástico (Santa Clara), o espaço respeitante ao convento de S. Domingos parcialmente ocupado/loteado e o do mosteiro do Calvário, de dimensão considerável, que atualmente se encontra expectante. O objetivo é procurar estabelecer comparações entre situações diferenciadas, com intervenções de maior ou menor qualidade para a regeneração urbana. Neste âmbito, a cartografia urbana histórica da cidade torna-se essencial para a compreensão evolutiva do tecido urbano. Palavras-chave Património; morfologia urbana; regeneração urbana; cartografia.

Introdução Durante os primórdios do cristianismo em Évora, são escassos os documentos sobre o contacto entre a cidade e a nova doutrina, contudo, existem vários testemunhos desta religião monoteísta, a partir do terceiro século. Durante os séculos VIII a XII, com a invasão muçulmana vinda do norte de África, os núcleos urbanos, em especial as antigas cidades de ocupação romana, sofreram uma época de incremento económico. A origem das primeiras fundações monástico-conventuais medievais em Évora, deve-se ao facto de esta ser uma cidade relevante, conquistada recentemente aos mouros, e situada em território limite ocidental da

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Cristandade, o que aliciou algumas ordens religiosas que, seguindo o espírito apostólico e expansionista terão chegado a esta cidade1 (Figuras 1 e 2). Évora deve parte da sua imagem urbana à localização de mosteiros e conventos, construídos ao longo dos séculos, e à influência da população religiosa aí residente. As ordens mendicantes, com a pobreza e humildade a elas inerentes terão, de maneira significativa, influenciado a cidade de Évora. No urbanismo contribuíram para o desenvolvimento de aglomerados urbanos iniciais, que em locais específicos tiveram como referência os respetivos conventos mendicantes, caso dos arrabaldes de S. Francisco e de S. Domingos. O clima seco e ameno, proximidade e fácil acessibilidade a outros centros urbanos, tornaram-na ao longo dos séculos em local de visita assídua da corte portuguesa, que aqui permaneceu por períodos variáveis de tempo. O final do século XIII e seguintes são, em Évora, para a Igreja cristã, período de instalação e enriquecimento, através de avultadas e numerosas doações régias. Nos finais do século XV e inícios do século XVI o espaço amuralhado (107 ha) encontrava-se predominantemente ocupado, embora com densidade construtiva variável, de acordo com a maior ou menor proximidade dos centros dos poderes então vigentes na urbe. As áreas adstritas à judiaria e mouraria densificaram-se, obrigando a sucessivos alargamentos das zonas primitivamente delimitadas, e à consequente construção de novas portas de ligação à área envolvente, esta habitada por cristãos. Até meados do séc. XVI foram fundadas na zona ocidental da cidade várias casas religiosas, nomeadamente as referentes aos casos apresentados: o convento de S. Domingos e os mosteiros de Santa Clara, de Santa Helena do Monte Calvário e de Santa Catarina de Sena (Figura 3). Convento de S. Domingos O convento de São Domingos foi fundado em 12862, tendo sido o local de implantação facultado pela Câmara, que disponibilizou área livre exterior à primitiva muralha defensiva. A respetiva autorização de instalação na cidade foi concedida, através de alvará real, por D. Dinis. No presente caso, deveu-se à pequena nobreza local a doação de avultadas esmolas que permitiram o desenvolvimento futuro das áreas de construção inerentes a esta importante casa religiosa. Foram alguns dos eborenses, e não os monarcas portugueses, que proporcionaram o maior impulso à sua construção3. O local cedido para a fixação dos frades, foi no lado ocidental da cidade, em área próxima do espaço de circulação exterior à muralha que ligaria as zonas do norte e sul do território, e tendo como pontos de articulação com o interior amuralhado, as portas de D. Isabel e primitiva de Alconchel. O posicionamento era descentrado relativamente ao centro económico da cidade, que se prolongaria posteriormente em direção a sul e a poente4. Estrategicamente, o espaço encontrava-se afastado das torres defensivas da primitiva muralha, que à data pautavam este circuito amuralhado.

1 Cf. Santos J. E. (1925) S. Francisco de Assis, Versão dos seus Poemas e Opúsculos, acompanhada de notas e de um Bosquejo da Vida, Obra e Ideal do Poverello, Ottosgrafica, Lisboa, 47 e 74. 2 Existiriam, no mínimo, há sessenta e dois anos franciscanos na urbe eborense embora ainda em instalações provisórias situadas fora do antigo recinto amuralhado e perto do caminho de acesso à principal entrada na cidade, a primitiva porta de Alconchel. 3 A própria Igreja, logo no início das ordens mendicantes, solicitou apoio especial por parte dos monarcas relativamente aos franciscanos, mais vulneráveis pelo seu modo de estar, prevendo que os dominicanos, facilmente iriam angariar um maior apoio junto das classes mais abastadas. 4 Em 1547 o sítio era já fortemente urbano, pelo que as mulheres do recolhimento de Santa Marta, a escassos metros de S. Domingos, se viram forçadas a mudar de local, dando origem ao mosteiro de Santa Catarina. A impossibilidade física de ampliação da anterior edificação assim como o interesse por parte das instituições eclesiásticas em que estas integrassem casa subordinada a Ordem religiosa, foram determinantes para a nova fundação. Sobre o recolhimento de Santa Marta: Franco, Pe. Manuel (1707-1711), Évora Ilustrada, Edição Nazareth & Filho (1945), Évora, 364.

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O facto de este complexo conventual se posicionar na zona ocidental da cidade, protegida das investidas mouriscas vindas de sul e este, assim como a circunstância de a construção do segundo circuito de muralhas se ter iniciado pela zona norte, mais desprotegida por parte do castelo da cidade, garantia alguma proteção a este convento. Em redor deste criou-se e densificou-se a malha urbana que se desenvolveu no sentido sudeste, com a designação de arrabalde de S. Domingos posteriormente integrada na área urbana mais tarde constituída. Com a extinção das ordens religiosas, este conjunto voltou a ser génese de malha urbana, desta vez planeada, e viabilizada através de loteamento municipal que abrangeu parte da antiga cerca5. O primitivo conjunto edificado, maioritariamente demolido logo após a extinção das ordens religiosas, foi alvo de mais algumas demolições tendo sido a construção remanescente reutilizada com novas funções, nomeadamente a nível de serviços e comércio. Mosteiro de Santa Clara O mosteiro de Santa Clara da Segunda Ordem de S. Francisco, foi fundado no ano de 14526 por iniciativa do bispo de Évora D. Vasco Perdigão, que facultou na rua de Alconchel (atual rua Serpa Pinto) algumas construções arruinadas, pertencentes ao paço dos Falcões. Os votos de pobreza, obediência e castidade professados pelas monjas clarissas, a par da clausura, foram valores fundamentais para estruturar, desenvolver e tornar prestigiada esta comunidade religiosa. O espaço reduzido que a casa monástica inicialmente ocupou, influenciou posteriormente toda a área envolvente pois foi justificativo para desestruturar um antigo e importante eixo radial de circulação interior, truncado de modo a viabilizar um limitado aumento de área na cerca monástica. Com mais este espaço, não obstante diminuto, as condições do mosteiro foram melhoradas permitindo uma área livre complementar. Esta foi a única casa religiosa eborense, que concretizou uma intervenção marcante no espaço público, condicionando-o até à atualidade. Este quarto complexo cenobita fundado na cidade de Évora, foi localizado no quadrante noroeste da urbe, zona à data já ocupada por um convento da Ordem Primeira Franciscana. A área primitiva cedida à Ordem, compunha-se por um conjunto de casas arruinadas, espaço que não seria muito amplo considerando que após alguns anos foram adquiridas mais construções para alargamento do mosteiro7. Daqui se infere, que a zona estaria já bastante construída, pois que em ambas as situações se adquiriram construções a serem adaptadas ou demolidas, e não terreno livre onde se pudesse implantar ou ampliar o mosteiro. À época da fundação, o local escolhido para o primeiro mosteiro feminino era uma área em franco desenvolvimento. Instalou-se em construções situadas para poente da rua de Alconchel, eixo de circulação em desenvolvimento a partir do século XV. A sua portaria, aberta para sul, situava-se num arruamento que ligava a S. Domingos, a rua de S. Domingos, parte da rua da Carta Velha e a rua de Santa Clara, com um pequeno terreiro defronte à portaria, sofrendo ajustamentos ao longo dos séculos. O trajeto em direção ao convento de S. Francisco, a cerca de trezentos metros, era interrompido, nos anos iniciais da fundação de Santa Clara, pela zona da judiaria mais ampla ou reduzida de acordo com a época política, mas sempre em espaço diferenciado na malha urbana. A nascente

5 A área restante da cerca da antiga cerca encontra-se ainda na posse da Câmara Municipal de Évora existindo para o local estudo da autoria do arquiteto Sisa Vieira, com previsão de áreas de construção maioritariamente destinadas a atividades culturais complementando o Teatro Garcia de Resende situado em espaço confinante ao do referido estudo. 6 A primeira comunidade eborense de clarissas foi fundada, duzentos e vinte e oito anos após a fundação do primeiro convento masculino franciscano nesta cidade. 7 Em 1485, quando da primeira fase de construção, verificaram-se grandes alterações na antiga rua do Gaio, denotando a existência de uma área já bem definida por arruamentos. Em 1494, o mosteiro adquiriu casas “que ficam dentro em o Convento na Rua da Carta Velha”. Tal arruamento, que em 1571 corre ao longo da portaria de Santa Clara, é designado já por Travessa da Carta Velha. Sobre o assunto: Carvalho A (2004) Da Toponímia…, ob. cit., vol. I, 143.

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da judiaria situava-se a rua do Raimundo que, com a construção da muralha fernandina e a abertura do denominado Buraco do Raimundo, se tornou num eixo de circulação que progressivamente foi ganhando importância a partir do século XV8. Em Évora, as clarissas terão obtido mais espaço através da aquisição de casas e reformulando o traçado de arruamentos, subordinando-se à posse de uma reduzida cerca, o que demonstra os condicionamentos desde o início na zona de instalação9. Ao longo dos séculos, sucessivos acessos foram abertos nos limites do mosteiro de Santa Clara para alguns dos arruamentos circundantes (ruas Serpa Pinto, de Santa Clara, da Carta Velha, de Alfeirão, travessas dos Beguinos e da Milheira). A escassez de terrenos disponíveis no mosteiro de Santa Clara está patente no volume construtivo da capela-mor, que foi ampliada sobre um arruamento pré-existente, a travessa da Milheira. A estreiteza desta antiga via que faz a ligação entre as ruas Serpa Pinto e a dos Caldeireiros é notória. Em 1945, o anteplano de urbanização de Évora, da autoria do arquiteto Étienne Groër preconizou para a zona poente da cidade intervenções “demolidoras” no tecido urbano, com a constituição de novos largos, abertura de arruamentos e realinhamento de outros, sempre através do sacrifício de edificações existentes. O antigo mosteiro permaneceu, até à atualidade, embora com profundas remodelações concretizadas quando da reutilização do conjunto como equipamento público. Mosteiro de Santa Helena do Monte Calvário O mosteiro de Santa Helena do Monte Calvário foi consagrado inicialmente à Vera Cruz, por neste local existir uma ermida com esta invocação. A fundação deveu-se à Infanta D. Maria de Portugal10 e iniciou-se a construção em 1569. As obras formam executadas rapidamente e o mosteiro consagrado em 1574. Esta foi uma das casas mais pobres da Ordem Franciscana existentes em Évora11. Conjunto de volumetria marcante, em local anexo à muralha fernandina, definiu um dos limites da cidade, sendo que a sua cerca se prolongou ao longo da muralha. Na sua envolvente, para sudeste, desenvolveu-se e densificou-se um conjunto urbano, delimitado pelas antigas ruas Direita dos Cogulos e da Lagoa. Atualmente o antigo conjunto encontra-se parcialmente devoluto, estando a igreja e algumas dependências adstritas a práticas religiosas e o espaço da cerca constitui-se como um amplo terreno expectante. Mosteiro de Santa Catarina de Sena Este mosteiro teve a sua génese em beatérios instalados na rua de Santa Marta, entre os finais do século XIV e inícios do século XV. Em 1547 inicia-se a vida monástica no novo espaço com o orago de Santa Catarina de Sena, constituído como comunidade de terceiras dominicanas. O mosteiro foi implantado numa área densamente edificada, junto ao antigo arrabalde de S. Antoninho, sendo o seu conjunto delimitado, desde a sua fundação, por arruamentos pré-existentes. A casa religiosa foi extinta em 1882, aquando da morte da última religiosa, e posteriormente demolida em 1900. Já no início do século XX, o espaço em questão deu origem a um cinema ao ar livre. Posteriormente o terreno foi constituído como lote urbano, e totalmente edificado, integrando áreas de habitação multifamiliar, de comércio e de parqueamento automóvel.

8 Só em 1487 é proposto o calcetamento da referida rua, demonstrando a sua até então pouca importância no conjunto urbano edificado. De referir que à data, a cidade possuía vários espaços públicos calcetados, maioritariamente custeados pelos habitantes das respetivas áreas envolventes. 9 Não obstante, tal mosteiro foi recolhimento de nobreza influente, como por exemplo de D. Joana, filha de D. Henrique IV de Castela e noiva do rei português D. Afonso VI. 10 Filha de D. Manuel de Portugal. 11 Espanca T (1993), 92.

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Considerações finais O facto de o convento dominicano se ter edificado no quadrante noroeste da urbe, local mais protegido das investidas mouriscas que teoricamente partiriam de sul e este, e da construção do segundo circuito de muralhas se ter iniciado pela zona norte, área mais desprotegida por parte do castelo primitivo, garantia maior proteção aos frades. A fixação urbana em redor do cenóbio aconteceu de modo progressivo, assim como a constituição de eixos comerciais paralelos, onde atividades específicas se foram instalando. O convento de S. Domingos terá contribuído para a formação, e posterior consolidação de malha urbana, assim como para a localização pontual de casas de algumas das famílias mais importantes da cidade. Tal capacidade de gerar área urbana prevaleceu, até à presente data, devido às potencialidades edificatórias da ampla cerca. O mosteiro de Santa Clara localizou-se no quadrante sudoeste da urbe, onde já existia o de S. Domingos. Este inseriu-se em espaço urbano já fortemente condicionado, contribuindo para a sua densificação. A sua principal ampliação deveu-se à reformulação de importante artéria, a antiga rua do Gaio, secionando-a e desestruturando parte do tecido urbano envolvente. A sua reutilização posterior garantiu a manutenção do espaço edificado até à presente data. O mosteiro do Calvário implantou-se próximo de um antigo ferragial, e possuía uma cerca de dimensão assinalável fato que perdura até hoje, o que o torna em espaço apetecível a nível urbanístico. O mosteiro de Santa Catarina foi, desde a sua fundação até à presente data, área urbana densamente edificada, primeiro com construção monástica e posteriormente com secular, tendo passado pela demolição total de toda a sua primitiva construção. Pode-se concluir que a implantação das casas religiosas em geral, e no caso presente dos quatro conjuntos estudados, o convento de S. Domingos e os mosteiros de Santa Clara, do Calvário e de Santa Catarina, foram determinantes para o desenvolvimento económico e urbanístico da área da cidade onde se localizaram (Figura 4). Esta ocupação de território teve grande influência no desenvolvimento do espaço envolvente, contribuindo para o crescimento coeso da cidade, e posteriormente para o urbanismo resultante, em parte, da implantação destas casas religiosas. Na planta de zonamento do Plano de Urbanização de Évora, atualmente em vigor, constata-se que quase toda a área compreendida na zona amuralhada se encontra densamente edificada existindo apenas, na área de referência onde se localizam estas quatro antigas casas religiosas, uma atual área verde, adstrito a S. Domingos, e uma outra programada para habitação, referente a S. Domingos (Figura 5). Como exceção, refira-se o espaço anexo ao mosteiro de Santa Helena do Monte Calvário, antigo ferragial no século XIII, que hoje permanece como única mancha verde nesta área da cidade e que, no citado plano, está programado para equipamento. Estas quatro construções cenobitas deixaram marca na configuração urbana da cidade, que ainda se mantêm, apesar de qualquer destes espaços ter sido utilizado, após a exclaustração das ordens religiosas, de forma muito distinta daquela para a qual tinham sido concebidas. Referências bibliográficas Almeida F (1967) História da Igreja em Portugal, nova edição preparada e dirigida por Damião Peres, vols. I-IV, Portucalense Editora, Porto. Barata A F (1899) Breve Notícia do Mosteiro de Santa Helena do Monte Calvário em Évora, Évora. Espanca T (1966) Inventário Artístico de Portugal, vol. VII (Concelho de Évora - volume I), Lisboa. Espanca T (1993) Évora, Lisboa. Carvalho A (2004) Da Toponímia de Évora, dos meados do século XII a finais do século XIV, vol. I, Edições Colibri, Lisboa. Carvalho A (2007) Da Toponímia de Évora- século XV, vol. II, Edições Colibri, Lisboa. Fialho Pe. M (1707-1711) Évora Ilustrada, manuscrito, Évora.

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Santos J E (1925) S. Francisco de Assis, Versão dos seus Poemas e Opúsculos, acompanhada de notas e de um Bosquejo da Vida, Obra e

Ideal do Poverello, Ottosgrafica, Lisboa.

Figura 1. Évora. Localização sobre planta Portugalliae meridionales plagae: geo-hydrographice descripttie de Carel Allard (1648?-1709?).

Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal.

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Figura 2. Évora. Proposta de malha urbana (século XII).

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Figura 3. Évora. Proposta evolutiva de malha urbana nas áreas envolventes ao convento de S. Domingos e mosteiros de Santa Clara, Calvário e

Santa Catarina (séculos XIV/XVI).

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Figura 4. Évora.Situação atual nas áreas urbanas envolventes ao convento de S. Domingos e mosteiros de Santa Clara, Calvário e Santa Catarina.

Fonte: Google maps (2016).

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Figura 5. Évora. Plano de Urbanização com localização do convento de S. Domingos e mosteiros de Santa Clara, Calvário e Santa Catarina.Publicação em 02/6/2011, 2.ª série do Diário da República n.º 107, Aviso 12113/2011.

Fonte: Câmara Municipal de Évora.