morais-frederico-artes-plasticas-a-crise-da-hora-atual - ver cap. o corpo é o motor da obra

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  • 7/25/2019 MORAIS-Frederico-Artes-Plasticas-A-Crise-Da-Hora-Atual - Ver Cap. o Corpo o Motor Da Obra

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    (Publicado originalmente com o ttulo Contra a arte afluentepela revista Vozes,janeiro-fevereiro !"#$ %ntegra a obra &rtes pl'sticas, a crise da ora atual$ )io dejaneiro, Paz e *erra, !"+, p-.$/

    0 artista, oje, 1 uma esp1cie de guerrileiro$ & arte uma emboscada$ &tuando,imprevistamente, onde e 2uando 1 menos esperado, de maneira inusitada (poistudo pode transformar-se, oje, em arma ou instrumento de guerra ou de arte/ oartista cria um estado permanente de tens3o, uma e4pectativa constante$ *udopode transformar-se em arte, mesmo o mais banal evento cotidiano$ Vtimaconstante da guerrila artstica, o espectador v5-se obrigado a agu6ar e ativar seussentidos (o olo, o ouvido, o tato, o olfato, agora tamb1m mobilizados pelos artistaspl'sticos/, sobretudo, necessita tomar iniciativas$ & tarefa do artista-guerrileiro 1criar para o espectador (2ue pode ser 2ual2uer um e n3o a2uele 2ue fre27entae4posi68es/ situa68es nebulosas, incomuns, indefinidas, provocando nele, mais 2ue

    estranamento ou repulsa, o medo$ 9 s: diante do medo, 2uando todos os sentidoss3o mobilizados, ' iniciativa, isto 1, cria63o$

    ;a guerra convencional da arte, os participantes tinam posi68es bem definidas$94istiam artistas, crticos e espectadores$ 0 crtico, por e4emplo, julgava, ditavanormas de bom comportamento, dizendo 2ue isto era bom, a2uilo ruim, isto 1v'lido a2uilo n3o, limitando 'reas de atua63o, defendendo categorias e g5nerosartsticos, os camados valores pl'sticos e os especficos$ Para tanto estabeleciasan68es e regras est1ticas (1ticas/$ ;a guerrila artstica por1m, todos s3oguerrileiros e tomam iniciativas$ 0 artista, o p

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    guerrileira, onde n3o e4istem categorias, modos ou meios de e4press3o, estilos e,dentro de algum tempo, autores$

    9sta contra-ist:ria pode ser contada em v'rios captulos$ *odos eles teriam omesmo nomeA a arte acabou$ 0s futuristas, ao imaginar uma reconstru63o futurista

    do universo, desejaram incendiar todos os museus e escolas de belas artes, 2ueinundavam a %t'lia, como se esta fosse um vasto cemit1rio$ )ussolo propuna umaarte de rudos, sons e odores$ Barinetti 2ueria realizar congressos futuristas noespa6o$ 0s adas foram os primeiros a propor uma antiarte$ Barcel ucamp, na9uropa, acrescentou debocados bigodes D Bona =isa e, nos 9stados Enidos, ondecegou em !+, ainda no aeroporto, afirmouAa arte acabou, 2uem faz melor esta1liceF$ 0s construtivistas russos, de sua parte, afirmavam em !., na revista =ef,criada por BaiaGovsGiA & arte est' morta$Cessemos nossa atividade especulativa(pintar 2uadros/ e retornemos Ds bases s3s da arte a cor, a lina, a mat1ria e aforma no domnio da realidade 2ue 1 a constru63o pr'tica$ 9 9l =issitsGi gritava

    2ue o 2uadro, um cone para burgueses, morreu$ 0 artista, de reprodutor,transformou-se em construtor de um novo universo de objetos$ 9m manifesta63orealizada na Hauaus, em !, apareceu um cartaz com a inscri63oA & artemorreu$ Viva a arte nova da m'2uina segundo *atlin$ & ist:ria recente da arte devanguarda no Hrasil incluiria os mesmos captulos$ >1lio 0iticica, depois de buscara forma pela forma (sua posi63o esteticista anteriorA perodo neo-concreto/, depoisde enroscar-se nos conceitos de beleza e pureza, verdadeiros labirintos, e de tatearno escuro D procura do belo, concluiu dramaticamente 2ue & pureza n3o e4iste,na cabina 2ue realizou e apresentou no Buseu de &rte Boderna, durante a mostra;ova 0bjetividade Hrasileira em !I", e 2ue, premonitoriamente recebeu o nomede*ropic'lia$ Bondrian, 2ue entendia a arte como produto de substitui63o em uma1poca 2ue carecia beleza, dizia 2ue 2uando a vida encontrasse mais e2uilbrio,2uando o tr'gico desaparecesse, tudo seria arte, e n3o teramos mais necessidadede pinturas e esculturas$ 9le tamb1m previa a morte da arte$ >1lio 0iticica precisoudeclarar, entre abismado e alegre, depois de uma luta dolorosa, 2ue a pureza n3oe4istia, para 2ue alcan6asse a pureza$ & arte para ele dei4ou de ser coisa superpostaD vida, tudo passou D condi63o de arte e, como um primitivo 2ue se encontra emestado permanente de descoberta e encantamento, n3o teve mais o pudor deapropriar-se de tudo o 2ue via tratava-se, ent3o, como dizia, de acar$ ata da

    a arrancada da sua arte, fortemente tropical, pobre, verdadeira restaura63o de umanova cultura brasileira$ =Jgia ClarG, 2ue com seuCaminando negou, como elamesma afirmou todo conceito de arte 2ue at1 ent3o tina, dizia em maio deIKA &ntes o omem tina uma descoberta, uma linguagem$ Podia us'-la a vidainteira e mesmo assim sentir-se vivo$ >oje, se a gente se cristaliza numa linguagem,a gente para, ine4oravelmente$ Para totalmente de e4pressar$ L preciso estarsempre captando$ ;3o deve mais e4istir estilo$ &ntes a e4press3o era otranscendente, o plano, a forma, apontavam para a realidade 2ue les era e4terior$>oje, na arte, as coisas valem pelo 2ue s3o em si mesmas$ & 94press3o 1 imanente$&s coisas n3o s3o eternas, mas prec'rias$ ;elas est' a realidade$ ;o meu trabalo,

    se o espectador n3o se prop8e a fazer a e4peri5ncia, a obra n3o e4iste$ Em dos

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    consumo do 2ue com a produ63o, disse em seu livro %nforma63o, =inguagem,Comunica63oA Ma arte 1 um preconceito cultural das classes privilegiadas$ Vivemosa agonia final da arteA a arte entrou em estado de coma, pois seu sistema deprodu63o 1 tpico e n3o prototpico, n3o se ajustando ao consumo em larga escala$ 9n3o ' por2ue corar o glorioso cad'ver, pois de suas cinzas est' nascendo algo

    mais amplo e comple4o, algo 2ue vai reduzindo a dist@ncia entre a produ63o e oconsumo e para o 2ual ainda n3o ' nomeA poder' inclusive continuar levando onome do defunto, como omenagem p:stumaA arte$ *odos estes captulos,entretanto, constituem a pr:pria vida da arte$ *rata-se, portanto, de uma morte-vida$ Nempre 2ue um artista proclama a morte da arte, novo salto 1 dado, e a arteacumula for6as para nova etapa$ 9 citei apenas os captulos referentes D 1poca atual$Em levantamento mais amplo desta ist:ria guerrileira mostraria 2ue os s1culosimediatamente posteriores D invas3o dos b'rbaros e D dissolu63o do mundocl'ssico, constituram um desses captulos da morte da arte$ 0s istoriadorespresos ao conceito de realismo ideal definem esta fase b'rbara como a crise daarte antiga en2uanto ?orringer prefere ver uma vontade de forma$ 0Baneirismo, cuja revis3o s: foi possvel depois do ada, 1 a crise da )enascen6a,como 2uer >auser, ou interpreta63o nossa, 1 a meta-arte do )enascimento$ Ooi semdegel falara da morte do objeto, dizendo 2ue restaria apenas a vontade deum planejamento est1tico$

    Barcel ucamp, numa das muitas entrevistas 2ue deu em vida, disseA & arte n3ome interessa$ &penas os artistas$ Como o definiu certa vez o crtico B'rio Pedrosa,pode ser camado de v'rias maneirasA &rte Vivencial (o 2ue vale 1 a viv5ncia decada um, pois a obra, como j' foi dito, n3o e4iste sem a participa63o do

    espectador/U &rte conceitual (a obra 1 eliminada, permanece apenas o conceito, aid1ia, ou um di'logo direto, sem intermedi'rios, entre o artista e o p

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    antiarte 1 a arte de nossa 1poca$ Contudo, en2uanto obra, a arte sempre foi aconsci5ncia 2ue cada 1poca tina de si mesma ()ead/ tendo sido at1 a2ui a coisasensvel por e4cel5ncia, uma esp1cie de relais n3o apenas da cultura, mas detodos os demais fatos da vida social$ Bas a obra desapareceu e a arte dei4ou deintegrar o universo contestat:rio$ *er' ainda o artista a mesma capacidade de

    contesta63o de um RoJa ou de um aumierF ;3o mais a arte, mas os estudantes, osprovos, os ippies, os guerrileiros urbanos 2ue prop8em em 2uest3o a sociedadeatual$ & arte parece estar ficando para tr's$ Propugnadores das anticomodidadesdos anticonfortos, os ippies est3o entre os principais contestadores da sociedadeafluente e tecnol:gica, mesmo se considerarmos 2ue seu protesto tamb1m est'sendo consumido em termos afluentes$ %sto 1, o sistema est' massificando suarebeli3o (roupas, 'bitos, etc$/$ Curiosamente, com os ippies, est' ocorrendo oinverso do 2ue ocorreu com os artistas$ Ne estes, como vimos, conseguiram trazerarte D vida, ao despoj'-la de todo artificialismo, os ippies, em sentido contr'rio,est3o partindo do nada, do zero, e ritualizando a vida, feticizando os atos vitais doomem$

    0s leitores 2ue n3o bus2uem a2ui alguma coer5ncia$ %mpossvel dei4ar de sercontradit:rio nesta 1poca de perspectivas cruzadas$ T' dizia Picabia, o artistacanibal do ada, 2ue o difcil 1 sustentar as pr:prias contradi68es$ L possvelcorrigir, portanto, o te4to no momento mesmo em 2ue 1 escrito$ Ne a arte, ao negaro especfico e o suporte, misturou-se com o dia-a-dia, ela pode igualmenteconfundir-se com movimentos de contesta63o, seja uma passeata estudantil ou umarebeli3o num gueto negro dos 9stados Enidos, seja um assalto a banco$ BartaBinujin, criadora de appenings, dizia 2ue o melor environment era a rua, comsua simultaneidade de acontecimentos e a68es$ &rte e contesta63o desenvolvem-seno mesmo planoA a68es r'pidas, imprevistas, ambas semelantes D guerrila$entro e fora dos museus e sal8es o artista de vanguarda 1 um guerrileiro$ &vant-garde, ali's, 1 um termo de guerra (se bem 2ue de guerra convencional/$ Hreton,te:rico do Nurrealismo, ativista do PC e membro da resist5ncia francesa, em artigopremonit:rio, escrito em !.I, Crise de lobjet mostrou 2ue a fun63o da arte 1desarrumar o 2uotidiano, colocando em circula63o objetos ins:litos, enigm'ticos,aterrorizantes$ & arte teria, ent3o, como meta, 2uebrar a l:gica do sistema deobjetos, tumultuando o 2uotidiano com a fabrica63o e o lan6amento em

    circula63o de objetos aparecidos em sono$ Contra a racionaliza63o, n3o fazendodistin68es entre o real e o imagin'rio, o Nurrealismo propuna uma a63orevolucion'ria com a miss3o deretificar contnua e vivamente a lei, 2uer dizer, aordem$ ;o lugar da rotina, o ins:lito, o imprevisto$ esarrumar o arrumado,destrabalar o trabalado, destruir o construdo$ Em dos veculos de divulga63o doNurrealismo camava-se )evolution Nurrealiste$ ;3o se tratava, portanto, paraHreton de colocar a arte a servi6o da revolu63o, mas de fazer uma revolu63o na arte$

    & arte pobre, 2ue cresce na 9uropa e nos 9stados Enidos com a mesma for6a dosmovimentos de contesta63o, e 2ue tem no Hrasil alguns de seus mais importantes

    participantes (=Jgia ClarG e >1lio 0iticica s3o$ %ndiscutivelmente, dois pioneirosinternacionais/ 1 um esfor6o semelante, no plano artstico, ao dos ippies e

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    guerrileiros$ 9la op8e-se ao binSmio arteWtecnologia, tal como os ippies lutamcontra o conforto, a igiene, contra o meio tecnol:gico e, por e4tens3o, contra ocar'ter repressivo da tecnologia atual$ & arte tecnol:gica rep8e o tabu dos materiaisnobres, 2ue s3o agora o acrlico, o alumnio, o PVC e, tamb1m, o preconceito daobra bem feita, igi5nica, resistente e dur'vel$ Nobretudo a minimal art e o ard-

    edge$ 9n2uanto nas selvas do Vietnam, os vietcongs derrubam a flecadas osavi8es O-, colocando em 2uest3o, por processos prim'rios, a tecnologia maisavan6ada e e4:tica do mundo, a arte pobre, tropical, subdesenvolvida, brasileira,mostra 2ue o pl' est' na id1ia e n3o nos materiais ou na sua realiza63o$