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JOSÉ PIRES GONÇALVES DA ASSOCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES E DO INSTITUTO PORTUGUÊS DE ARQUEOLOGIA, HISTÓRIA E ETNOGRAFIA         MONSARAZ VIDA, MORTE E RESSURREIÇÃO DE UMA VILA ALENTEJANA  CONFERÊNCIA PROFERIDA NA CASA DO ALENTEJO, A 21 DE ABRIL DE 1966.           EDIÇÃO DA CASA DO ALENTEJO LISBOA  1966 DE ACORDO COM O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

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JOSÉ PIRES GONÇALVES 

DA ASSOCIAÇÃO DOS ARQUEÓLOGOS PORTUGUESES 

E DO INSTITUTO PORTUGUÊS DE ARQUEOLOGIA, 

HISTÓRIA E ETNOGRAFIA 

 

 

 

 

 

 

 

 

MONSARAZ 

VIDA, MORTE E RESSURREIÇÃO 

DE UMA VILA ALENTEJANA 

 

CONFERÊNCIA PROFERIDA NA CASA DO ALENTEJO, A 21 DE ABRIL DE 1966. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EDIÇÃO DA CASA DO ALENTEJO 

LISBOA – 1966 

DE ACORDO COM O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO

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As minhas primeiras palavras serão, necessariamente, de saudação e agradecimento à Direção 

da Casa do Alentejo pela honra que me quis conceder, convidando‐me a colaborar nesta jornada 

preparatória da excursão que os alentejanos de Lisboa vão fazer a Monsaraz e facultando‐me 

esta gloriosa tribuna, tão rica de tradições culturais e tão enobrecida pela passagem dos mais 

destacados vultos da  intelectualidade alentejana, para eu aqui vir evocar, perante VV. Ex.as, a 

minha tão amada vila do Guadiana. 

Trairia os meus mais  íntimos  sentimentos  se não  afirmasse  a V.  Ex.a,  Senhor Presidente da 

Direção, a mais profunda gratidão por  tão amável  convite e  se não  confessasse  também, e 

importa bem acentuar esta nota de confissão, que ele me deixou confundido e até apreensivo 

pelo involuntário desapontamento que a minha participação nesta jornada cultural da Casa do 

Alentejo possa, porventura, causar ao auditório a quem vou ter a honra e o prazer de me dirigir. 

A V. Ex.a, Senhor Prof. Doutor Ramos e Costa, pelos  termos  tão gentis e, eu  ia dizer, quase 

ditirâmbicos com que entendeu assinalar a minha passagem por esta sala e apresentar‐me a tão 

distinto auditório, agradeço, também, vivamente sensibilizado, o fulgor e a benevolência das 

palavras com que recortou o perfil da minha obscura personalidade. 

E, já agora, consintam VV. Ex.as que, aproveitando a oportunidade da sua tão honrosa quanto 

consoladora  presença,  exprima  publicamente  os meus melhores  sentimentos  de  gratidão  e 

dirija uma particular saudação ao meu querido e eminente Amigo Prof. Doutor Silva Marques 

pelo valioso auxílio que, com o seu  imenso saber, tão generosamente me tem dispensado na 

exumação histórica de Monsaraz e na redenção desta tão típica vila alentejana ao serviço da 

Arte e da Cultura nacionais. 

Começamos  por  alertar VV.  Ex.as  contra  ideias preconcebidas  e  por dizermos que  nos  seria 

impossível,  e  aliás  também  profundamente  fatigante  para VV.  Ex.as,  traçarmos,  no  limitado 

espaço de tempo usual em falas desta natureza, o amplo e colorido quadro da análise biográfica 

de uma povoação como Monsaraz, com larga e importante projeção histórico‐artística na vida 

do nosso País. 

Por isso, com plena consciência das limitações pessoais e sem pretensões que só serviriam para 

nos ridicularizar no conceito do auditório de «elite» que nos honra com a sua generosa presença, 

tentaremos  esboçar  perante VV.  Ex.as,  em  curtos mas  precisos  quadros  de  teatro  histórico, 

alguns dos aspetos da vida de Monsaraz que mais atraentes nos pareceram e que  julgamos 

capazes de prenderem, embora fugidiamente, a atenção de todas as pessoas empenhadas no 

conhecimento do passado, das glórias e também das vicissitudes da nossa  imensa e hoje tão 

desesperada e mal compreendida terra do Alentejo. 

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Não nos propomos, portanto, tratar com pruridos de erudição a sedutora temática biográfica 

da  velha  povoação  de Monsaraz,  ainda  há  poucos  anos  quase  desconhecida  e  ignorada  da 

cultura  portuguesa  e  hoje,  mercê  de  unia  lufada  de  brisas  fecundas,  desvendada  e  bem 

conhecida do grande público, nos mais ínfimos detalhes da sua vida, da sua história, da sua arte, 

da sua estranha e inconfundível paisagística. 

Tentaremos,  assim,  traçar  apenas,  perante  VV.  Ex.as,  um  esboceto  histórico‐artístico  de 

Monsaraz e, para adoçarmos a bravia aridez da exposição e imprimirmos alguma vida e alguma 

cor aos mortiços vitrais que vamos focar, projetaremos também alguns diapositivos que serão, 

talvez, a única conquista espiritual válida que VV. Ex.as terão alcançado quando chegarmos ao 

fim desta despretensiosa e monótona fala. 

E com este leal e claro aviso peço a VV. Ex.as para virem comigo a Monsaraz. 

   

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A pouco mais de 40 quilómetros a nascente da cidade de Évora e junto da margem direita do 

grande  e  misterioso  rio  Guadiana,  no  cume  de  um  cerro  solitário,  ergue‐se,  como 

melancolicamente escreveu o poeta da terra. «a carcaça estranha de MONSARAZ». 

Povoação acastelada e enclausurada na sua bronzeada cerca de muralhas, dominando vastos 

horizontes e lembrando, no estranho perfil, uma enorme e desmantelada nau, Monsaraz, pelo 

seu evocativo poder anímico, pela transparente atmosfera de iluminura que a envolve, é hoje 

um arcaico mundo perdido na fronteira com a Espanha e oferece‐se, na terra do Alentejo, como 

um valor histórico, monumental e paisagístico da mais alta ressonância turística e possuidor das 

mais surpreendentes visões cenográficas para atrair e conquistar multidões. Para darmos a VV. 

Ex.as o clima do tema que vamos tratar começaremos por lhes mostrar alguns diapositivos. 

 

MONSARAZ: 

Quando ouvimos pronunciar esta palavra mágica ou quando tomamos o primeiro contacto com 

aquela espectral cenografia os nossos anseios emocionais levam‐nos, logo, a perguntar qual a 

origem deste nome. 

Passamos, pessoalmente, por esta  terrível prova e apesar de nos  faltar aquela extravagante 

curiosidade que Montesquieu atribuía aos parisienses do seu tempo podemos confessar a VV. 

Ex.as que o mistério  filológico de Monsaraz nos  torturou,  impiedosamente, durante muitos e 

longos anos. 

Não  sabemos  bem  porquê mas  o  que  é  certo  é  que  os  nossos  linguistas  têm,  até  agora, 

desdenhado debruçar‐se sobre as origens e a explicação do famoso topónimo alentejano. 

Apenas um deles, e dos mais notáveis e operosos, o Dr. José Pedro Machado, com a probidade 

intelectual que tanto distingue a sua rica e bela personalidade, teve a coragem de afirmar que 

não sabia explicar o topónimo Monsaraz. 

Monsaraz é hoje, para nós, uma palavra composta e híbrida dos étimos latino Mons, montis, a 

significar monte, outeiro, cerro e Xarez ou Xaraz, de etimologia desconhecida, talvez oriental ou 

ibérica,  depois  arabizada,  e  deriva  de Monte  Xarez  ou Monte  Xaraz,  corrompido  na  forma 

Montesaraz do foral afonsino e, finalmente, por aglutinação, no Monsaraz atual. 

O genitivo de qualidade Xarez ou Xaraz alude a terra povoada por densos matagais de esteva ou 

xara,  como  espécie  arbustiva  outrora  dominante  no  «maquis»  da  região  e,  ainda  hoje, 

florescente às portas de Monsaraz. 

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Xarez  ou  Xerez  é  topónimo  único  registado  em  Portugal  pelos  dicionaristas  e  designa, 

precisamente, uma herdade situada entre a margem direita do Guadiana e o sopé do outeiro 

coroado pela acastelada povoação de Monsaraz. 

A palavra Xarez ou Xerez equivalia, durante o domínio muçulmano na Península, à forma arábica 

Saris ou Sharish. 

Como VV. Ex.as sabem o equivalente castelhano do vocábulo português xara é Jara. 

Assim Xarez ou Xerez apresenta os equivalentes arcaicos castelhanos de Jaraez ou Jarás que 

conduziram, por corrupção, às formas atuais do Jerez castelhano e do Xarez portuguesa. 

Monsaraz parece significar, portanto, Monte Xarez (forma etiológica) ou Monte Xaraz (forma 

arcaica)  isto é, cerro erguido no coração de uma  terra à margem do Guadiana, antigamente 

povoada por um impenetrável brenhal de estevas ou xaras e que, pela excelência de condições 

estratégicas  –  posição  de  altura  com  cobertura  defensiva  de  um  grande  e  profundo  rio  – 

recomendava, naquele sítio inacessível, a fundação de um povoado. 

É este, pelo menos, o estado atual da nossa interpretação pessoal do topónimo Monsaraz. 

E tal era, antigamente, o domínio avassalador destes matagais de cistáceas na região marginal 

do Guadiana onde hoje se situam Monsaraz e Vila Nova del Fresno,  incluída em Espanha nas 

terras do bailiado  templário de Xerez de  los Caballeros que, ainda hoje, sob o patrocínio do 

mártir arlesiano S. Genésio, se registam nestas povoações, persistentemente, os topónimos de 

S. Gens do Xerez e S. Ginés de la Jara. 

Perdoem VV. Ex.as que, para urdir esta tentativa pessoal de interpretação filológica do vocábulo 

Monsaraz, os tenha, por tanto tempo, enredado nos densos meandros da toponímia e corrido 

o  risco de,  com  esta opaca nota de  abertura,  lhes  fazer perder o  fio da paciência para me 

escutarem. 

Monsaraz, permitam‐me a lapaliçade, é terra muito antiga e de história obscura até aos fins do 

século XII. 

Sabe‐se que, durante os tempos pré‐históricos, foi, pelo menos na parte agrária fértil do seu 

território,  região muito  povoada  e  essa  densidade  de  povoamento  ainda  hoje  se  encontra 

testemunhada pela abundância de monumentos arqueológicos existentes no seu termo atual. 

Na mancha fértil dos granitos, os arqueólogos alemães Leisner inventariaram e estudaram há 

anos, com o maior rigor científico, um núcleo de quase 150 dolmens entre os quais se encontra 

um  monumento  de  proporções  colossais  –  a  célebre  anta  do  olival  da  Pega  –  e,  ainda 

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recentemente, o nosso comprovinciano de Avis, Mário Sáa, trabalhando na pesquisa de marcos 

miliários  nas  vias  romanas  da  antiga  Lusitânia  teve  a  felicidade  de  descobrir,  no  termo  de 

Monsaraz, um enorme e famoso menir fálico. 

Este monumento megalítico, pela raridade e pelas gigantescas proporções de que se reveste – 

um bloco cilíndrico de granito trabalhado com quase 6 metros de comprimento, um diâmetro 

basilar de 1,50 m e um orifício uretral com 30 cm de diâmetro – constitui peça cultural e turística 

do mais alto interesse não só para Monsaraz como também para Portugal. 

Como VV. Ex.as sabem o significado bretão de «menhir» equivale, em francês, a «pierre longue». 

Pois o menir de Monsaraz, situado entre as duas aldeias do Outeiro e da Barrada, no termo da 

vila, ainda hoje é conhecido na linguagem popular local pela designação de Penedo comprido e 

o  culto  fálico,  muito  difundido  na  região  durante  os  tempos  pré‐históricos,  encontra‐se, 

também, materialmente documentado por amuletos de bronze com figurações e simbolismos 

sexuais. 

Outro monumento megalítico deste tipo, conhecido pela designação de Penedo Gordo, existiu, 

também, nas proximidades de Reguengos, junto da estrada que liga esta vila à cidade de Évora 

e foi, ingloriamente, destruído e sacrificado há anos para obra de cantaria. 

Íamos jurar que algumas das pessoas presentes nesta sala, bem familiarizadas com o passado 

da  terra de Monsaraz,  ainda  tiveram  a  sorte de  conhecer esse  celebrado menir do Penedo 

Gordo, erguido na grande lavra de vinhas que circunda Reguengos. 

Mas o passado pré‐histórico de Monsaraz não se afirma apenas, clamorosamente, através dos 

monumentos legados pela cultura megalítica. 

No arrabalde da vila adormecida no tempo, junto da antiga igreja moçárabe de S. Bartolomeu e 

da  cuba muçulmana  a  que  nos  iremos  referir  dentro  de  instantes,  a  nossa  curiosidade  é 

despertada  pela  presença  de  uma  vasta  necrópole  rupestre  pré‐romana,  de  sepulturas 

antropomórficas cavadas na rocha viva e a própria Monsaraz foi, na antiguidade, um povoado 

neolítico fortificado, um castro. 

Este castro montesarense, com o colo defensivo localizado no arrabalde de S. Bartolomeu, entre 

a porta da Vila e o outeiro onde hoje se ergue a ermida de S. Bento, foi, mais tarde, romanizado 

e depois, sucessivamente, ocupado por visigodos, árabes, moçárabes e judeus e, finalmente, a 

seguir à Reconquista, cristianizado. 

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A  romanização do  termo oferece  ricos e abundantes  testemunhos no agro montesarense e 

traduz o enleio virgiliano que esse povo consagrava às duras e movimentadas fainas do campo. 

Próximo de Reguengos, junto da elegíaca ribeira do Álamo, aponta‐se a famosa vila agrária da 

Azinheira, onde  têm  sido exumados  tesouros de  incalculável valor arqueológico para  toda a 

Península. Um deles, que mereceu honras de ser incluído, e como peça da maior importância, 

na  iconografia arqueológica da monumental obra do Prof. Garcia y Bellido sobre a escultura 

romana ibérica, exibe‐se, hoje, no museu Soares dos Reis, do Porto, como joia de inestimável 

valor para o estudo da romanização peninsular. 

Todos VV. Ex.as o conhecem dado tratar‐se de peça singular no recheio museológico do nosso 

País.  É  o  belo  e  precioso  sarcófago  de  mármore,  rica  e  finamente  esculturado,  que  o 

colecionador inglês Eduardo Allen, nos fins do século XIX, comprou a um antiquário de Évora e 

legou, por sua morte, à cidade do Porto. 

E ainda  recentemente o  arqueólogo Afonso do Paço,  com a nossa  colaboração, exumou na 

Azinheira  a  tampa,  também  esculturada,  de  outro  túmulo  romano  de  calcário  que,  neste 

momento,  temos  sujeito a  trabalhos de  reconstituição e  restauro para, depois, o podermos 

mostrar em Monsaraz. 

A presença visigótica, pelo contrário, escassos testemunhos materiais legou a Monsaraz. Afirma‐

se,  todavia, em alguns achados numismáticos –  trientes de  Leovigildo e Recesvinto – e nos 

capitéis de mármore encontrados nas velhas muralhas cristãs da Reconquista. 

A partir do século VIII Monsaraz, como VV. Ex.as sabem, cai sob o domínio do Islão. 

A povoação muçulmana que, nessa época e segundo julgamos, se designava pelo nome arábico 

de Saris (ou Sharish) pertenceu ao extenso reino de Badajoz e ao seu antigo alfoz se prendem, 

ainda hoje, os nomes de muitos muçulmanos notáveis em toda a Península, designadamente 

Azovel, Ramila, Baço, Auanco. 

Vale a pena determo‐nos alguns instantes sobre este problema para mostrarmos a VV. Ex.as a 

importância  que  devemos  atribuir  à  prospeção  toponímica  nos  levantamentos  históricos 

regionais e, sobretudo, a importância de que esse estudo se reveste para a reposição da herança 

muçulmana na terra e nas povoações do Alentejo. Os nomes de Azovel, Ramila, Baço e Auanco, 

que muitos de VV. Ex.as talvez acabem de ouvir pronunciar pela primeira vez, aludem a quatro 

mouros notáveis que nós tivemos a felicidade de prender à terra de Monsaraz e, de forma mais 

expressiva, à própria história do domínio muçulmano no sul de Portugal. 

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Os nossos mais autorizados historiadores, de uma maneira geral, falam muito vagamente de 

grandes  figuras  muçulmanas  relacionadas  com  a  nossa  própria  história  e  os  nomes  que 

acabamos de referir a VV. Ex.as encontravam‐se mergulhados no mundo das sombras e libertos 

da terra portuguesa – nós diríamos, com mais rigor, da nossa imensa e querida terra do Alentejo, 

tão povoada de vultos berberes e tão inundada de perfumes islâmicos. 

Azovel, que empresta o seu nome a um afluente do Guadiana servindo de limite aos concelhos 

de Reguengos de Monsaraz e Alandroal, foi um famoso caudilho cordovês almorávida que viveu 

na primeira metade do século XII e chegou a ter sob o seu comando um corpo de exército de 

1000 cavalos. 

Lugar‐tenente do célebre governador de Badajoz, Texufine, este Azovel, mestre da guerra de 

movimento em que os mouros eram  tão exímios, morreu na mata de Montiel, em  terras de 

Castela, no ano de 1143, às mãos do exército cristão comandado pelo notável cavaleiro espanhol 

Múnio Afonso, alcaide‐mor de Toledo. 

Todos nós julgamos possuir do perfil histórico do nosso Geraldo Sem Pavor um conhecimento 

que no‐lo inculca como tendo sido um dos primeiros vultos portugueses do século XII. 

Pois o nosso Geraldo, como chefe militar e comparado com Azovel no equivalente do comando 

de  tropas montadas,  talvez nunca  tivesse estado, em vida, à  frente de um exército com um 

efetivo de 300 cavalos, menos de um terço da cavalaria manobrada pelo almorávida. 

Para VV. Ex.as poderem avaliar da projeção deste Azovel no mundo muçulmano peninsular, basta 

dizer‐lhes que  Ibne Caldune, o maior historiador árabe de todos os tempos, não hesita em o 

classificar de «chefe almorávida de alta categoria». 

A prospeção toponímica da ribeira e da atalaia do Azovel, nos termos de Monsaraz e Terena, 

documenta a passagem do famoso caudilho cordovês pela terra alentejana do vale do Guadiana. 

Ramila, outro topónimo arábico do termo de Monsaraz, alude ao jurista e asceta cordovês Aboûl 

Abbâs Ahmad ibn Ramila que, no tempo do califado, percorreu o reino mouro de Badajoz e se 

celebrizou pela sua visão profética a propósito da decisão da batalha de Zalaca, em que Afonso 

VI, de Castela, sai derrotado por uma formidável coligação muçulmana comandada por aquele 

Iúçufe Ibn Texufine, o califa de quem Azovel foi lugar‐tenente, e em que participou, também, o 

lírico famoso da Saudação a Silves, o rei de Sevilha Mutâmide Ibn Abbad. 

Baço, que emprestou o seu nome a um pequeno curso de água no termo de Monsaraz – notem 

VV. Ex.as como a maioria destes topónimos arábicos se encontram vinculados a linhas de água: 

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Azovel,  Almançor,  Ardila,  Alcarrache,  Alcorvisca,  Goudelim,  Aldrogos,  Baço,  etc.,  –  era  um 

famoso mestre pedreiro ao serviço daquele califa almóada Abu Iacub Iúçufe, que veio a morrer 

dos ferimentos recebidos na algara de Santarém, em Julho de 1184. 

A  este  Ahmed  Ibn  Baço  se  atribuem,  entre muitas  outras  obras  importantes,  a  direção  da 

construção da alcáçova e da cerca almóada de Badajoz e ainda, para maior espanto de VV. Ex.as, 

o plano  inicial da edificação do  famoso alminar da mesquita de Sevilha que, mergulhado no 

perfume subtil das laranjeiras andaluzas, todos conhecemos e admiramos pelo nome de Giralda. 

Auanco,  finalmente,  que  deixou  o  seu  nome  preso  ao  primeiro  malhão  da  demarcação 

ducentista entre os termos de Monsaraz e Portel, foi o celebrado Ibne Vazir, que chegou a deter 

nas suas mãos as chaves dos reinos mouros de Silves, Beja e Badajoz, com inclusão de todo o 

território pertencente à cidade de Évora. 

Mas, vencida esta jornada de curtas notas pelo mundo das grandes figuras muçulmanas ligadas 

ao campo e às águas do Alentejo, tornemos, placidamente, a Monsaraz... 

Em 1167, depois da tomadia da cidade de Évora, a medina montesarense foi conquistada aos 

mouros pelo  famoso fronteiro e capitão de salteadores Geraldo Sem Pavor, numa expedição 

que, tudo leva a crer, deve ter partido da capital do Alentejo ou, então, de Juromenha. 

A  testemunhar este novo  feito de armas do  conquistador de Évora ainda hoje  subsiste nos 

arredores de Monsaraz a prova toponímica da Geralda ou serra do Geraldo, designando uma 

linha de colinas erguidas no sopé da velha povoação acastelada do Guadiana, donde ele devia 

ter desferido o golpe de mão noturno contra a alcáçova árabe montesarense. 

Depois,  em  1178,  encerrado  o  episódio  da  derrota  de D.  Afonso Henriques  em  Badajoz,  o 

aventureiro português, como mercenário, foi acolher‐se à corte do califa Abu Iacub Iúcufe I, em 

Sevilha, e Monsaraz tornou a cair em poder dos almóadas. 

Só mais tarde, talvez em 1232, nas operações conduzidas ao longo do áspero e escalvado vale 

do Guadiana pelo rei D. Sancho II, auxiliado por templários, calatravos e espatários, Monsaraz 

volta  de  novo,  e  desta  vez  definitivamente,  à  posse  dos  cristãos.  A  sua  guarda  foi,  então, 

confiada à Ordem do Templo. 

Esta reconquista levada a cabo pela cristandade não implicou necessariamente, como VV. Ex.as 

bem sabem, o total abandono e deserção da terra por parte dos mouros. 

Muitos deles, em quem o amoroso amanho do campo e da horta apagara de vez os sentimentos 

de belicismo religioso, sujeitaram‐se ao pagamento das páreas tributárias exigidas pelos cristãos 

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e  continuaram a  lavra nas  suas alcarias, a pastorícia no prado e nas  cabanas alentejanas, a 

atividade artesanal da olaria, dos chocalhos e dos cobres martelados, da coirama, das mantas e, 

no rescaldo da guerra, submeteram‐se com o resignado espírito dos vencidos. 

Mas o repovoamento cristão de Monsaraz e do seu termo, como válido facto histórico, só vem 

a ocorrer no tempo de D. Afonso III e é obra do cavaleiro Martim Anes, alcunhado de Sangalho. 

Este povoador Martim Anes parece ter sido, também, o primeiro alcaide cristão da fortaleza de 

Monsaraz. 

Em 1263 Monsaraz é já uma importante povoação fortificada na fronteira de Castela e também 

sede de concelho perfeito e dotado com os mais amplos privilégios jurídicos. 

Nesta data possui já, com toda a certeza, a sua primeira carta de foral expedida por D. Afonso 

III e  logo a  seguir, em 1270, comunicada a Vila Viçosa e em 1276, para prevenir diferendos 

territoriais com os concelhos vizinhos e, sobretudo, com o potentado senhorial do concelho de 

Portel,  D.  João  de  Aboim,  o  rei manda  reexpedir  a  carta  anteriormente  outorgada  e  fixa, 

rigorosamente, a demarcação do primitivo termo montesarense. 

O  termo de Monsaraz, em 1276, era muito mais vasto do que é atualmente e alongava‐se, 

morfologicamente, num grande esporão digital que alcançava o outeiro onde hoje se ergue a 

vila do Redondo que, como VV. Ex.as sabem, é de fundação dionisiana e não existia, portanto, 

nesta data. 

Na posse do diploma foralengo a regular a sua vida pública o concelho de Monsaraz detém um 

quadro  administrativo  e  judicial  completo,  com  alcaide,  dois  alvazis,  tabeliães,  mordomo, 

almotacé e, pelo menos, um sesmeiro e vive, pode dizer‐se, o seu tempo áureo. 

A partilha das terras pelos moradores, então povoadas por densos e impenetráveis matagais de 

cistáceas e infestadas por feras e bandos de ladrões, foi dirigida, em nome do rei, por Martim 

Anes e orientada pelo sesmeiro Domingos Pires, que julgamos oriundo de Avis. 

A superfície abrangida pelas terras comunais baldias, pertencentes ao concelho, e pelas terras 

reguengas, patrimoniais da coroa, tanto quanto nos é possível reconstituí‐las historicamente e 

com exatidão, era, mesmo num contexto agrário medieval, impressionante. 

Essas terras comunais – talvez 70 % do território concelhio – retalhadas no agro esquelético e 

maninho de Monsaraz, ocupavam as manchas geológicas do silúrico superior e do pré‐câmbrico 

e arcaico desdobradas na zona seca e árida das margens da ribeira do Azovel e no enclave sul 

que alastrava entre as fragas dos rios Guadiana e Degebe. Esta escassa distribuição ducentista 

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da terra de Monsaraz pelos povoadores explica, na sua fenomenologia histórica, a vastidão dos 

baldios possuídos pelo concelho durante séculos e parece ter desempenhado, também, decisivo 

papel nas periódicas e graves crises de despovoamento com que, na ronda do tempo, o termo 

montesarense se viu a braços. 

A maioria  desses  baldios medievais  só  veio  a  ser  parcelada,  e mesmo  assim  em  grandes 

herdades, já no século XIX, sob a égide da reforma agrária concebida e realizada por esse homem 

a quem o penetrante espírito de Mário de Castro atribuiu, em justo comentário, o génio do bom 

senso: o juiz de fora de Marvão, Mouzinho da Silveira. 

No período inaugural da ocupação cristã, nessa época de vida local febril, o «pobrador» Martim 

Anes – suspeitamos que este cavaleiro tivesse sido o conhecido Martim Anes do Vinhal mas não 

reunimos ainda prova bastante consistente para o podermos afirmar com segurança – começou 

logo a  levantar a nova alcáçova e os cavaleiros das ordens militares e o clero secular deram, 

também, início à construção dos templos primitivos de Santa Maria da Lagoa – a igreja Matriz 

da vila – e Santiago, da ermida de Santa Catarina no arrabalde, do hospital do Santo Espírito e 

da  Albergaria,  esta  destinada  a  acolher  os  romeiros  que,  vindos  da margem  esquerda  do 

Guadiana, em busca do famoso santuário mariano de Terena, atravessavam o rio na barca de 

passagem e faziam caminho por Monsaraz, onde pernoitavam. 

Um peregrino  ilustre, Afonso X, o Sábio, vindo da Andaluzia, a caminho de Terena, deve  ter 

passado nesta época por Monsaraz. Extramuros da fortaleza medieval e como presença material 

da  civilização  muçulmana,  talvez  desde  os  fins  do  século  XI,  persistiam  na  Monsaraz 

contemporânea do povoamento cristão, um templo moçárabe consagrado a S. Bartolomeu e a 

cuba islâmica erguida no cemitério do arrabalde. 

Este  monumento  muçulmano  que  acabamos  de  mostrar  a  VV.  Ex.as,  nas  suas  limitadas 

dimensões  e  sob  o  orago  de  S.  João  Baptista,  padroeiro  dos  hospitalários,  foi  poupado  e 

adaptado a ermida e batistério cristão. 

A economia de Monsaraz, no século XIII, seguia o modelo da época nas terras do sul de Portugal 

acabadas de reconquistar ao mouro e era, fundamentalmente, agrícola e pastoril. 

Ao  lado  desta  economia  agro‐pastoril  de  base  e  na  continuidade  das  tradições  romana  e 

muçulmana  temos  como  certo  um  apreciável  desenvolvimento  das  pequenas  indústrias  da 

olaria tosca – ainda hoje persistente e florescente em Aldeia do Mato – dos cobres martelados 

e  dos  chocalhos  e  também  o  artesanato  grosseiro  dos  tecidos  de  lã  e  linho  –  saragoças, 

estamenhas, buréis, mantas regionais. 

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O núcleo demográfico inicial, sabem‐no VV. Ex.as tão bem como nós, era constituído por cristãos, 

moçárabes, mouros e judeus. A comunidade hebraica, quase sempre segregada para a periferia 

arrabaldina  das  povoações,  instalou  aqui  em  Monsaraz,  excecionalmente,  a  sua  judiaria 

intramuros da vila, na azinhaga da porta de Évora. 

Na base da tolerância religiosa pelo judeu e pelo mouro encontrava‐se, fundamentalmente, o 

problema  do  repovoamento  das  terras  acabadas  de  reconquistar  pelo  cristão,  tantas  vezes 

sujeitas  a  regímen  de  penúria  demográfica  incompatível  com  o  seu  ulterior  progresso 

económico e social. 

Nesta política de repovoamento, como tão lucidamente opinou Vallecillo Ávila no belo estudo 

publicado  a propósito dos  judeus de Castela, «os  cristãos, poucos  em número  e pobres de 

recursos, aceitavam a colaboração de quantos a isso se prestavam». 

Os judeus de Monsaraz, principalmente devotados às operações da banca e aos complicados e 

equívocos tratos da mercadoria, não devem, contudo, ter sido apenas financeiros e mercadores. 

Foram, também, com certeza, lavradores e coureleiros, dado que a toponímia montesarense do 

século XIII regista parcelas agrárias que pertenceram ao famoso bispo eborense da Reconquista 

D. Durando Pais e que se encontravam, precisamente, localizadas em sítio já conhecido, nessa 

época, pelo Vale do Judeu. 

Ao lado da população pobre e humilde, historicamente condenada ao anonimato, a Monsaraz 

do  século XIII,  toda ela povoada por «música de asas» como diria,  simbolicamente, o poeta 

bogotano José Asunción Silva, contou também, entre os seus moradores, algumas das figuras 

mais gradas da sociedade portuguesa do tempo e, mais ainda, algumas figuras que, pela sua 

projeção europeia, não podemos incluir apenas numa modesta escala de valores locais. 

Uma dessas figuras foi a do grande bispo eborense da Reconquista D. Durando Pais que, como 

VV. Ex.as bem sabem, teve papel preponderante na edificação de um dos mais grandiosos, senão 

o mais grandioso monumento do Alentejo: a Sé de Évora. 

D. Durando não possuiu apenas em Monsaraz as suas casas de pousada e muitas propriedades 

rústicas como se veio mesmo a finar nesta vila alentejana, na primavera de 1283. 

Pode apontar‐se, ainda, como um dos pioneiros da cultura da vinha e do olival no antigo termo 

de Monsaraz e ali deixou o nome  ligado a uma das ruas da povoação – a rua do Bispo – e o 

espumoso rasto das suas cepas episcopais. 

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Estas  vinhas  de  bispo,  nesses  remotos  tempos  em  que  as  cortes  eram  itinerantes  e 

deambulavam  permanentemente pelas nações,  correndo‐as de ponta  a  ponta,  constituíam, 

então, um dos grandes trunfos de que a Igreja se servia para fixar a heráldica cota da simpatia 

real. Os monarcas da época possuíam, de facto, uma noção muito exata dos mosteiros e das 

pousadas do alto clero que melhor sabiam condimentar e regar as suas mesas com uma boa e 

espirituosa pinga. 

E D. Durando, como conselheiro do monarca e homem da corte, parece não ter fugido, também, 

a esta nobre, amorosa e delicada tradição episcopal. 

Mas no tempo do bispo D. Durando – um dos maiores economistas portugueses da Idade Média, 

mestre da Sorbona, íntimo de Pedro Hispano e de S. Tomás de Aquino, cavaleiro de Santiago, 

embaixador da igreja portuguesa no concílio de Lyon, viajadíssimo – podem apontar‐se como 

moradores em Monsaraz, entre muitos outros destacados vultos, o famoso cavaleiro templário 

D. João Lourenço, o mercador, Martim Silvestre, conhecido magnate e tão fabulosamente rico 

que  chegou  a  comprar,  em  praça  pública,  todo  o  concelho  de Mourão,  Rui  Pais  Bugalho, 

aparentado com um dos maiores mestres da caça de falcoaria na Península Ibérica, o célebre 

Gomes Pais Bugalho, Aparício Anes,  irmão do povoador de Monsaraz e dono e  fundador da 

«aldeia» com o seu nome, – onde hoje se situa o latifúndio do Roncão d'El‐Rei – e grande amigo 

e íntimo do famoso mestre de Santiago, D. Paio Peres Correia. 

João Lourenço, cavaleiro do Templo, teve tamanha projeção social no seu tempo que foi ele, 

até, um dos  embaixadores que D. Dinis mandou  a Roma  para negociar  na  cidade  eterna  a 

fundação da Ordem de Cristo em Portugal, da qual chegou a ser Grão Mestre. 

D. João de Aboim, o fundador de Portel, mordomo‐mor e conselheiro de D. Afonso III, a quem 

acompanhara na corte  francesa de Branca de Castela e do  rei S. Luís  foi  também vizinho de 

Monsaraz a partir de 1267. 

Era, no seu  tempo, um homem sensível e privilegiado,  trovador com honras de cancioneiro, 

senhor de pendão e caldeira que, como diria Sofia de Melo Breyner, «com o suor dos outros 

ganhava o seu pão» e,………… diremos nós, as suas terras. 

A Monsaraz perturbou ele os  limites geográficos naturais com o seu  termo de Portel e, não 

contente  com  esta  desembaraçada  e  fidalga  conquista,  ainda  lhe  arrancou mais  uma  fatia 

territorial  para  a  anexar  ao  grande  herdamento  do  Esporão  por  ele  comprado  a  Soeiro 

Rodrigues, juiz ordinário de Évora. 

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Também o bando português que apoiou em Badajoz a rebelião de Sancho IV contra seu pai o rei 

Afonso X, o Sábio,  tinha  fortes raízes humanas cravadas na  terra de Monsaraz. Desse bando 

faziam parte Estevão Pires Godinho e outros montesarenses com os apelidos de Rocha e Anes, 

que os anais históricos da velha povoação registam com insistência. 

Tem estranho e delicado sabor a evocação destes factos ocorridos há 700 anos e, talvez por isso, 

nos seja permitido glosar para Monsaraz o que Maurice Barrés escreveu a propósito do famoso 

santuário francês do Puy e dizer que a velha vila do Alentejo é, «para o nosso gosto pessoal, a 

vila mais sedutora, a mais estranha e, também, a mais rara de Portugal». 

Em 1319, acabada de fundar em Portugal a Ordem de Cristo, Monsaraz é logo erigida comenda 

desta milícia e fica na dependência de Castro Marim. 

Sensivelmente nesta época, de certeza posteriormente a 1317, ergue‐se em Monsaraz o edifício 

gótico do primitivo Tribunal, decorado a fresco com o famoso painel alegórico da Justiça terrena. 

A torre de menagem de cinco quinas que, nas noites quentes e enluaradas do verão alentejano, 

recorta naquela atmosfera subtil o seu perfil altaneiro e projeta no casario da vila adormecida 

as suas sombras fantasmagóricas, é do mesmo tempo e julgamo‐la, também, obra dionisiana. 

Entre 1325 e 1342, segundo o itinerário real dado por Armando de Castro na sua notável obra a 

propósito da Evolução Económica de Portugal, D. Afonso  IV, o nosso mais  intrépido monarca 

caçador, esteve em Monsaraz, pelo menos uma vez; e em 1340, provavelmente sob o comando 

do filho do rico mercador Martim Silvestre, o cavaleiro e mestre de falcoaria Gomes Martins, 

reúne‐se em Monsaraz e no seu termo uma pequena hoste de cavaleiros e peonagem que dali 

parte a juntar‐se às forças concentradas em Évora pelo rei D. Afonso IV e que, sob o signo da 

Vera Cruz do Marmelar,  sai da  capital do Alentejo a derramar  sangue e  suor na batalha do 

Salado. 

Depois, já no tempo do rei D. Fernando, os senhores absentistas do termo de Monsaraz sofrem, 

alarmados, o traumatismo social da Lei das Sesmarias e, logo no início da crise da Independência, 

a  vila é  saqueada nos haveres e na honra pela  canalha dos arqueiros  ingleses do  conde de 

Cambridge, Eduardo, e os montesarenses,  com armas na mão,  respondem  corajosamente a 

estas bárbaras e sensuais manifestações da tão declamada aliança britânica, matando «muitos 

deles escusamente». 

Com a evolução desta crise histórica nacional a vila fronteiriça do Guadiana abraça o partido da 

rainha de Castela, D. Beatriz, a  filha de Leonor Teles e, pela voz do seu alcaide‐mor Gonçalo 

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Rodrigues de Sousa, bisneto do sensível fidalgo fundador de Portel, o rapace D. João de Aboim, 

apoia a absorção castelhana de Portugal. 

Esta  atitude  consciente,  refletidamente  interessada  e,  no  fundo,  defensiva  de  arcaicas 

prerrogativas de casta por parte de numerosa e qualificada  fação da nobreza portuguesa do 

tempo não encontra, como sabemos, acolhimento no cérebro do moço Nun'Álvares. 

O  fronteiro  do  Alentejo,  que  escolhera  Évora  para  quartel‐general  das  campanhas  na  sua 

frontaria, escoltado por uma pequena hoste de escudeiros decididos, sai uma madrugada desta 

cidade, toma Monsaraz por ardil estratégico e manda içar no eirado da torre de menagem, com 

clamoroso gáudio da burguesia popular, o pendão do mestre de Avis. 

Aos primeiros clarões da aurora, aquele a quem os castelhanos chamavam, com tanto despeito, 

o Nuno «Madruga», manhosamente, solta um pequeno fato de vacas a pastar no vale do Limpo, 

no sopé de Monsaraz, e  tenta o alcaide a  ir arrebanhá‐las para as encerrar no castelo. Este, 

ingenuamente, cai na armadilha e, como o «rouxinol» de Cachemira, deixa abertas as portas da 

fortaleza por onde  vão entrar os homens de Nun'Álvares, emboscados nos penhascos  e no 

matagal de estevas que circundam a alcáçova. 

Gonçalo Rodrigues, o alcaide‐mor, é logo destituído na alcaidaria e a 24 de Setembro de 1384, 

Mem Rodrigues de Vasconcelos, o comandante famoso da Ala dos Namorados em Aljubarrota, 

assume as funções de alcaide‐mor de Monsaraz. 

Os bens possuídos por Gonçalo Rodrigues no termo de Monsaraz, entre os quais se contava o 

latifúndio do Esporão, que, nos fins do século XIII, andava nas mãos do seu bisavô D. João de 

Aboim, foram, então, doados a Mem Rodrigues, avô de Álvaro Mendes de Vasconcelos que veio 

a  ser, mais  tarde,  já no  século XV, o construtor do  solar amuralhado do Esporão e primeiro 

morgado deste título. 

As  Crónicas  e  os  biógrafos  de  Nun'Álvares  que  lhes  aproveitaram  as  informações  para 

recortarem o perfil do Condestável  são unânimes  em  atribuírem  a Monsaraz  a  importância 

qualificativa  de  um  dos  mais  fortes  e  leais  baluartes  fronteiriços  na  luta  contra  Castela. 

Nun'Álvares  converteu a  fortaleza de Monsaraz, nessa época, em base  logística e  centro de 

irradiação estratégica e desta vila partiu ele, numa ardente manhã de verão, acompanhado por 

uma pequena hoste – 80 lanças e uns 150 homens de pé e besteiros, refere a Crónica – a resgatar 

um roubo que os castelhanos haviam feito nas ricas pradarias da Vidigueira e a castigar o vizinho 

«pueblo» de Vila Nova del Fresno onde o inimigo, triunfante, se havia acoitado. 

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Nesta  operação  partida  de Monsaraz  parece  que  Nun'Álvares,  como  era  seu  costume,  ia 

montado  numa mula  e  quando  tentava  transpor  uma  porta  rasgada  na  base  da  torre  de 

menagem de Vila Nova, os castelhanos, que o espreitavam do alto da torre, alvejaram‐no com 

um enorme pedregulho que o atingiu numa coxa,  lhe esfarrapou uma espenda da sela e por 

pouco não o mata da mesma maneira como seu irmão mais novo, Fernão Pereira, fora morto 

junto da porta da torre do castelo de Vila Viçosa. 

A tradição condestabrina montesarense é muito absorvente e não se traduz apenas na memória 

dos episódios militares mas alarga‐se ainda à tão apregoada devoção de Nun'Álvares à Virgem 

e à  fundação, no arrabalde de Monsaraz, da pequena ermida da Orada que, mais  tarde, em 

1670, veio a ser incluída e absorvida pela fundação do convento de agostinhos descalços que 

hoje ali se ergue, em confrangedora e melancólica ruína. 

Povoação de fronteira, pouco tempo antes assolada e devastada por graves surtos epidémicos 

da peste negra e, agora, tragicamente sujeita às terríveis inclemências da guerra com Castela, 

Monsaraz encontra‐se, nos fins do século XIV, quase despovoada. E como se as pragas da peste 

e da  guerra não bastassem para  fazer dela uma  terra morta e mergulhada  em  sombras de 

tristeza e desolação, sofre novo trauma social com a criação, no tempo de D. João I, de um couto 

de homiziados destinado a atrair moradores e a tentar a sua expansão demográfica à custa de 

criminosos foragidos à Justiça e recrutados na escória humana do país. 

Em  1422,  por  doação  do  Condestável  a  seu  neto  D.  Fernando, Monsaraz  é  integrada  na 

Sereníssima Casa de Bragança e passa, em matéria de tributação fiscal, a constituir um dos mais 

preciosos e fartos vínculos da grande casa ducal portuguesa. 

Nesta época, alcançada a paz com Castela depois da gloriosa jornada de Aljubarrota, pacificada 

a fronteira donde sempre se  levantara o «soão» da remata avoenga castelhana, o campo de 

Monsaraz anima‐se e povoa‐se da vida que lhe empresta uma densidade populacional que orça 

pelos 5000 vizinhos, tidos em velhos documentos por «boas gentes». 

Mas, pouco tempo depois, por a vila ser «fragosa e de má serventia», torna a cair em nova crise 

de despovoamento. 

E tão grave se manifestou esta nova crise demográfica que, em cortes celebradas no tempo de 

D. Afonso V, o procurador do concelho de Monsaraz, Diogo Lourenço, apela para o rei e solicita 

para os moradores da vila e do seu termo, como medida repovoadora, a isenção dos tributos a 

que  se encontravam obrigados, alegando ainda,  com  clarividência política, que essa  isenção 

devia ser extensiva «aos judeus e mouros que ali fossem morar». 

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O rei, com a exata noção da  importância estratégica de Monsaraz como povoação fronteiriça 

fortificada, que ele bem conhecia por ali ter pousado pelo menos uma vez, não só atende as 

reclamações formuladas por Diogo Lourenço em matérias administrativa e fiscal como também, 

para facilitar o acesso dos moradores à vila, manda pavimentar as congostas que, pelos flancos 

do outeiro, ascendem às portas da muralha e alarga a sua generosidade até à concessão do 

grande  privilégio  urbanístico  do  calcetamento  das  ruas  no  interior  da  povoação.  Esse 

calcetamento foi executado com o material lítico pobre de xisto regional e, para maior segurança 

ambulatória  das  cavalgaduras  e dos  próprios homens movendo‐se  em  ruelas de  acentuado 

desnível, a técnica adotada foi a da calçada em cutelo, com os toscos blocos de laje implantados 

de gume no leito da pavimentação, como ainda hoje lá se pode observar nos troços mais antigos 

do empedramento. 

Outro  fenómeno  curioso  e  atraente  na  vida  campestre  da Monsaraz  quatrocentista  foi  o 

fenómeno da transumância pastoril. 

Pela linear evocação que temos vindo a fazer já VV. Ex.as concluíram, certamente, que as crises 

demográficas envolvem um fenómeno periódico e repetido, com carácter fatalista, na história 

de Monsaraz. 

Na orla do termo, desde os velhos tempos da reconquista ao mouro, o concelho de Monsaraz 

possuía  vastas  terras  comunais  baldias,  maninhas  e  revestidas  por  altos  e  impenetráveis 

matagais ou então por baixos e raquíticos matinheiros – ou matineiros como, por corruptela, 

ainda hoje dizem em Reguengos. 

Estas terras, está bem de ver, andavam alobadadas e, nas zonas sulcadas pelas grandes linhas 

de água do Guadiana e do Degebe e povoadas por aqueles densos matagais de cistáceas que, 

no século XVIII, tanta impressão fizeram ainda ao botânico alemão Link, encontravam‐se todas 

as espécies de caça de montaria, veações, porcos monteses e até o próprio urso. 

E  este  aspeto,  quanto  o  julgamos  saber,  foi  normal  na  edénica  paisagem  do  campo 

montesarense, pelo menos até ao fim do século XV. 

A periferia do termo de Monsaraz, a norte e a sul da vila acastelada, não era lavrada e cultivada 

e destinavam‐na os oficiais da câmara à pastoreação dos gados e ao aproveitamento de lenhas 

para gasto dos moradores do termo. 

Como VV. Ex.as sabem as condições climatológicas da Península impuseram à vida pastoril, desde 

o  tempo dos  celtas, uma  técnica especial de apascentamento do gado ovino –  sobretudo o 

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clássico merino espanhol – que implicava, periodicamente, as pequenas ou grandes migrações 

dos rebanhos em regímen de transumância. 

Monsaraz, no século XV, sobretudo as terras do termo confinantes com a bacia hidrográfica do 

Guadiana,  sofreu  também  as  agruras  do  famoso  e  privilegiado  regímen  da  transumância 

espanhola, dirigido e economicamente explorado pelo grande potentado senhorial da Mesta 

castelhana. 

Basta poisar fugidiamente os olhos nas densas páginas da monumental obra do americano Julio 

Klein sobre este tema, para podermos captar, sem esforço, a exata noção dos graves problemas 

sociais e económicos suscitados pela  transumância pastoril ao  longo dos extensos  itinerários 

percorridos por esses rebanhos verdadeiramente tentaculares. 

A transumância praticava anualmente um ritual migratório clássico e hoje muito divulgado e 

bem conhecido do grande público. 

Pelos  prados  do  Alentejo,  quando  os  nossos  vales  ainda  eram  verdes,  transitavam, 

habitualmente,  os  rebanhos  merinos  pertencentes  às  canadas  soriana  e  salmantina  da 

transumância castelhana. 

Os rebanhos, conduzidos por um autêntico estado‐maior de pastores, partiam ou regressavam 

a Castela em datas rituais e antes de fazerem a sua entrada em Portugal os contratadores da 

Mesta vinham ajustar a compra e assegurar a posse de algumas pastagens... nem todas as que, 

depois, comiam. 

A caminho das nossas férteis planícies do campo de Ourique passaram pelo termo de Monsaraz, 

no século XV,  rebanhos de 50 e 60 000 cabeças merinas, a maioria delas oriunda do campo 

glacial da cidade de Sória. 

A presença de sorianos e salmantinos no campo montesarense desta época ainda hoje sobrevive 

na toponímia do termo: um dos pegos do rio Guadiana, na grande defesa do Roncão, a jusante 

do moinho do Boi, intitula‐se, explicitamente, «Pego dos sorianos» e um dos mais vastos baldios 

do antigo termo de Monsaraz, com as suas ásperas e degradadas colinas desdobradas ao longo 

do fraguil do Degebe, em memória dos pastores salmantinos do século XV, tomou o nome de 

defesa dos Salamanquiz ou Salamanquinos. 

Depois,  com o  rodar do  tempo, a  tentação do Magrebe, a aliciante e  rendosa empresa das 

descobertas e as miragens da especiaria, do ouro, do marfim e dos escravos negros afastam as 

gentes das patriarcais fainas da lavoura e muitos montesarenses dessa época fabulosa alistam‐

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se nas tripulações das caravelas e partem, também, a semear a fé de Cristo e, principalmente, a 

cultivar o ideário mais positivo de traficar no continente negro as mais estranhas e desvairadas 

mercadorias. 

Diogo da Azambuja, cavaleiro professo da Ordem de Cristo que,  logo a seguir à execução do 

duque de Bragança D. Fernando II, no patíbulo da Praça do Geraldo, em Évora, viria a ser alcaide‐

mor de Monsaraz, recrutou gente no Alentejo e, encarregado por D. João II, largou, em 1481, a 

fundar  a  primeira  feitoria  portuguesa  na  África  e  a  levantar,  com  cantaria  previamente 

aparelhada em Portugal, o famoso castelo de S. Jorge da Mina. 

Quem sabe se muitas dessas vetustas e morenas pedras do celebrado baluarte português de S. 

Jorge da Mina, que as nossas cartas náuticas do  século XVI  figuram  sob os mais  românticos 

exotismos arquitetónicos orientais, não foram arrancadas aos imensos barrotais graníticos do 

termo de Monsaraz e amorosamente afeiçoadas naquele campo legendário pelas hábeis e rijas 

mãos dos pedreiros montesarenses de quinhentos? 

Quem sabe, ainda, se aquelas famosas mantas de sorrobeco matizadas, por arcaicas influências 

da  temática  decorativa  berbere,  a  faixas  verdes,  vermelhas,  azuis  e  brancas,  os  clássicos 

«lambens» – «debaixo dos quais o frio não sabe onde estamos» como, tão consoladamente, 

clamava o friorento poeta muçulmano de Santarém, Ben‐Sara – que constituíam a base da troca 

comercial portuguesa com o ouro da Mina trazido do interior do sertão pelo indígena negro, não 

foram, também, tecidas pelas delicadas e preciosas mãos dos artífices montesarenses, mestres 

notáveis na confeção das mais belas peças do tradicional artesanato laneiro do Alentejo? 

Com a execução do duque de Bragança, em Évora, a gente grada de Monsaraz, tão opulenta e 

privilegiada à sombra da frondosa árvore feudal da Sereníssima Casa, sente passar pela terra o 

frémito glacial da justiça temível e do maquiavelismo coroado de D. João II. Fernão Rodrigues 

Pereira, alcaide‐mor de Monsaraz, a quem chamavam o «Pássaro», acolhe na vila os filhos do 

justiçado e, atravessando o Guadiana, refugia‐se com eles em Castela. 

Um dos órfãos que a duquesa viúva confiou à guarda do alcaide‐mor de Monsaraz era o moço 

D. Jaime que, mais tarde, o próprio rei D. Manuel reporia no ducado de Bragança e que tanto se 

viria a celebrizar na conquista da praça de Azamor e no assassinato da própria mulher, uma filha 

dos duques de Medira Sidonia, acusada de amores ilícitos com o pajem António Alcoforado na 

corte ducal de Vila Viçosa. 

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Época dramática esta em que as ambições dos homens, os ancestrais e opacos privilégios da 

nobreza, o supremo poder jurídico da coroa e, por vezes, a honra ofendida dos grandes senhores 

da Terra fizeram correr, no áspero e seco campo do Alentejo, caudalosos rios de sangue. 

Monsaraz viveu também, nesta época, um destes terríveis dramas sanguinários, em tudo digno 

do memorável e trágico desagravo daquela D. Maria a Brava, tão celebrada nos anais da história 

de Salamanca. 

O episódio sangrento, pelo seu intenso conteúdo emocional, vale a pena ser contado a traços 

largos.  Revela,  nitidamente,  a  costumagem  violenta  da  época  e  talvez,  em  matéria  de 

desagravos pessoais, a semente doutrinária lançada à terra portuguesa pelo monarca reinante. 

Álvaro Mendes  de  Vasconcelos,  neto  do  heroico  comandante  da  Ala  dos  Namorados  em 

Aljubarrota, o famoso Mem Rodrigues, foi primeiro morgado do Esporão e residia, no tempo de 

D. João II, no solar acastelado que ele próprio mandara edificar nas redondezas da atual vila de 

Reguengos. 

Este fidalgo tinha dois filhos, João e Diogo Mendes de Vasconcelos. 

O primeiro  filho sucedeu ao pai no morgadio e o segundo, casado com uma  filha de Fernão 

Soares de Albergaria, foi primeiro morgado das Vidigueiras, onde teve o seu solar, mais tarde a 

residência de campo da família do conde de Monsaraz e que o grande poeta alentejano, com 

telúrico poder de evocação, cantou naquele poema imortal da Sesta, que todos VV. Ex.as bem 

conhecem: 

 

«Nogueiras, altas nogueiras 

Da Quinta das Vidigueiras» 

 

Álvaro Mendes, o velho morgado do Esporão, «fidalgo dos mais ilustres de Évora» no dizer do 

padre Fialho, foi um dia insultado naquela cidade por Diogo Gil Magro, cavaleiro da casa do rei. 

Diogo Gil era homem de tanta confiança de D. João II que foi ele, até, de parceria com seu irmão 

Rui Gil e com os quatro irmãos Palhas, o encarregado pelo monarca de assassinar o alcaide‐mor 

de Moura, Lopo Vaz de Castelo Branco. 

Este crime, como é bem sabido, foi praticado nos matos do termo de Moura, no decorrer de 

uma montaria. 

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A ofensa pública dirigida por Diogo Gil ao fidalgo do Esporão não consentiu a este, alquebrado 

pelos anos, tirar pronto desforço pessoal. Álvaro Mendes apressou‐se a dar conhecimento do 

agravo  sofrido aos dois  filhos que, moços ainda,  se encontravam em África, na  frontaria de 

Tânger. 

Ao receberem a notícia do pai João e Diogo Mendes de Vasconcelos não tardaram em regressar 

a Portugal. 

Vieram  encontrar‐se  com  o  velho  fidalgo  ao  solar  amuralhado  do  Esporão,  no  termo  de 

Monsaraz, e aqui souberam que o matador do alcaide de Moura e blasfemador da honra do pai, 

apavorado perante a eminência do desforço que os filhos do ofendido não deixariam cair em 

cesto roto, se havia refugiado no castelo de Arraiolos e ali fora pedir proteção e asilo ao alcaide 

e senhor da vila, Pedro Zuzarte. 

Os dois irmãos do Esporão, auxiliados pelo seu parente Diogo Lobo da Silveira, barão de Alvito, 

por Diogo da Azambuja, Diogo de Mendonça e outros fidalgos eborenses, armaram gente nos 

seus domínios senhoriais e, em bando, dirigiram‐se a Arraiolos. 

Nesta vila, rebentando a porta à machadada, assaltaram a casa onde Diogo Gil se encontrava 

escondido e fizeram‐lhe o mesmo que D. João II, na presença de Diogo da Azambuja, havia feito 

ao seu cunhado duque de Viseu: mataram‐no à punhalada. 

Executada a vingança cortaram a cabeça da vítima e, no regresso a Évora, então um formigueiro 

cosmopolita de gente, passearam‐na, ostensivamente espetada na ponta de uma  lança, pelo 

local da ofensa e pelas ruas da cidade, em solene e sinistra manifestação de desagravo público 

pela honra paterna. 

Sobre  o  cadáver  do matador  do  alcaide  de Moura  cuspiram  os Mendes  de  Vasconcelos  a 

maldição apocalíptica do «quem a ferro mata, a ferro morre». 

As viris e fidalgas erupções desta natureza pagavam‐se muito caras nos tempos de D. João II e, 

em regra, acabavam com os seus autores amarrados ao baraço da forca ou ao aderno do cepo, 

mesmo que eles tivessem as linhagens cravadas nos pergaminhos da primeira nobreza do reino. 

Mas, por vezes a inflexível justiça dos grandes homens também oscila, caprichosa e fragilmente, 

entre a rigidez dos princípios éticos e a terna doçura das amizades. E, a este propósito, contam 

os cronistas do tempo, o genro de Diogo da Azambuja, Francisco de Miranda, amigo íntimo do 

rei, intercedeu na corte em favor dos filhos do venerando morgado do Esporão levando o seu 

patrocínio ao extremo de interpelar D. João II nestes termos irreverentes: 

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«E se a Vossa Majestade lhe fizessem o mesmo que a eles fizeram, que faria Vossa Majestade?» 

O  rei,  atónito,  rendido  à  intencional  brutalidade  da  argumentação  do  amigo,  parece  ter 

respondido fria e laconicamente: 

«Faria o mesmo que eles fizeram e, por isso, me haverei com eles temperadamente». 

A resposta do monarca, a ser autêntica, mostra claramente que, nesse tempo, a honra era ainda 

uma força  irresistível que não só acordava a clemência na alma de um cardo como triunfava, 

até, da própria morte dada a um sicário. 

João Mendes de Vasconcelos que, como filho primogénito do morgado do Esporão, havia sido o 

autor material do desacato, para se furtar ao castigo, homiziou‐se em Castela, onde viveu até à 

morte de D. João II, ocorrida pouco tempo depois. 

Regressou, então, a Portugal e D. Manuel nomeou‐o, mais tarde, nosso embaixador na corte de 

Carlos V. 

No termo de Monsaraz este braço fidalgo dos Mendes de Vasconcelos recorda‐se não só através 

dos dois solares rurais do Esporão e das Vidigueiras como, também, nos «montes» dos Mendes 

e do Morgado, erguidos nos arredores de Reguengos. 

No  princípio  do  século  XVI Monsaraz,  já  colorida  pela  cosmopolita  nota  demográfica  das 

escravas negras e dos mulatos gerados nas suas fecundas entranhas, recebe a visita do escudeiro 

de D. Manuel, Duarte Darmas,  encarregado pelo monarca da missão de desenhar  as  vistas 

panorâmicas e as plantas das fortalezas fronteiriças do reino. 

Num dos desenhos à pena dessa preciosa reportagem gráfica quinhentista  lá se podem ver a 

janela já mutilada da torre de menagem dionisiana com a sua robusta grade quadriculada em 

vergalhões de ferro, o perfil do outeiro de S. Gens ainda sem a coroa da atalaia seiscentista de 

Nicolau  de  Langres  e,  no  arrabalde,  a  igreja  de  S.  Bartolomeu  com  o  seu  humilde  frontão 

sobrepujado por tosca sineira e as duas cruzes moçárabes de braços iguais. 

Em 1512 D. Manuel manda reformar o velho foral de Monsaraz e regula a vida pública da vila e 

do seu termo por novo, mais amplo e atualizado diploma jurídico. 

Um dos moradores que assina, em Câmara, o termo de recebimento deste foral manuelino é, 

precisamente,  o  alcaide  pequeno  de Monsaraz, Martim  Botelho,  o mesmo  a  quem Duarte 

Darmas, expressamente, alude numa das legendas das suas belas vistas panorâmicas. 

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E também nesse diploma, perpetuando a densa tradição montesarense do Condestável, se faz 

referência a uma «Horta do Conde» que, muito provavelmente, pertenceu ao glorioso conde de 

Arraiolos. 

Depois, em 1520, encontrando‐se na vila o bacharel João Álvares ouvidor do duque de Bragança 

D.  Jaime,  os moradores  de Monsaraz  suplicam  humildemente  a  fundação  da  confraria  da 

Misericórdia,  na  qual  se  incorporariam  a  albergaria  e  o  hospital  pobre  do  Espírito  Santo 

primitivos, do século XIII – os nossos hospitais parecem ter sido, na ronda dos séculos, sempre 

iluminados por franciscana pobreza e, com os escassos bens que, para tratarem os indigentes, 

abnegadamente  lhes  têm  sido  legados pelos doadores particulares, mais pobres  têm  ficado 

quando, sob o signo do social, os seus provedores, generosa, caridosa e desprevenidamente, se 

têm inclinado a colaborar com os opulentos e demiúrgicos serviços burocráticos dos modernos 

potentados financeiros da assistência – petição que foi logo deferida no dia 1 de Novembro do 

ano seguinte, 1521. 

Mas  a  confraria  da Misericórdia,  depois  da  reunião  das  forças  vivas  de Monsaraz,  à  qual 

assistiram, entre muitos outros, o fidalgo e alcaide‐mor António Lobo, os vigários das quatro 

igrejas da vila e ainda aquele Martim Botelho a que há instantes nos referimos, só vem a ficar 

definitivamente instituída na matriz de Santa Maria da Lagoa em 27 de Julho de 1522. 

O primeiro provedor da Misericórdia de Monsaraz, com a sua insígnia da vara preta de muitos 

anéis de latão amarelo, foi, segundo as boas normas da sociedade burguesa da época, o fidalgo 

e cavaleiro Grizante Nunes, morador na vila. 

Em 1527, a avaliar pelos dados  fornecidos pelo cadastro da população do reino, Monsaraz e 

todo o seu termo regista 647 fogos que expressos em modernos índices demográficos, talvez se 

possam computar, aproximadamente, nuns escassos 1700 habitantes. 

Esta nova crise demográfica deve imputar‐se à peste que continuava a grassar com alarme em 

Portugal,  a  provocar  grande  mortandade  e  a  levantar,  nessa  época,  complexos  e  graves 

problemas na vida dos povos. 

Um desses problemas resultava da precária e superficial inumação dos mortos no interior dos 

próprios templos que, por vezes e como o afirma o cronista espanhol de quinhentos Juan Daza, 

por falta de espaço e com a fartura dos enterramentos causava «tão grande fedor nas igrejas 

que não havia homem que nelas entrasse». 

E  foi  talvez por  causa deste problema  sanitário do mau  cheiro exalado pela putrefação dos 

cadáveres superficialmente enterrados na igreja de Santa Maria da Lagoa ou, então, por voto 

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dos moradores  formulado  à  Virgem  para  alcançarem  a  graça  da  extinção  da  peste,  que  a 

primitiva Matriz  gótica  do  século  XIII  foi mandada  demolir  e  que,  em  sua  substituição,  se 

construiu o templo quinhentista que domina, atualmente, o casario de Monsaraz. 

A  edificação  deste  templo,  extraordinariamente  grandioso  para  a modéstia  urbanística  da 

povoação, teve começo em 1560 e deve‐se, como o ensinou oportunamente o Prof. Reinaldo 

dos Santos, a mestre Pero Gomes, da escola de Afonso Álvares. 

Concluída a monumental obra da nova Matriz de Santa Maria da Lagoa – uma  igreja feita de 

novo no século XVI mas que uma certa cultura nacional, obstinada e  falsamente, continua a 

atribuir  à  devoção  mariana  do  Condestável  –  a  lavoura  de  Monsaraz,  periodicamente 

«crucificada nos braços negros da fome» como diria o poeta Manuel Alegre, atravessou uma 

grave  crise  e  o  trigo  produzido  no  agro montesarense  não  bastava  para  o  «entretien»  das 

sementeiras e também não chegava para a alimentação dos moradores pobres. 

E por tal forma que, na primavera de 1581, D. João III se viu obrigado a proibir a saída do trigo 

de Monsaraz e do seu termo, notificando expressamente os  lavradores a venderem na vila o 

cereal das suas produções, desde que  lho pagassem no prazo de 30 dias a contar da data da 

entrega. 

Em  1588  a  crise  do  trigo  continuava  ainda  viva  e  o  rei,  em  busca  de  solução  ocasional  e 

comprometida, manda arrotear e lavrar o baldio da Machoa. 

Este baldio constituído, segundo referem velhos papéis, por «maninhos que se não aproveitam 

nem lavram e que, se forem aproveitados e lavrados, podem dar pão» foi, em 1608, arrendado 

a Manuel Moreno de Chaves pelo largo prazo de 10 anos, obrigando‐se este lavrador a arroteá‐

lo e semeá‐lo ao serviço dos interesses económicos do concelho de Monsaraz e da extinção da 

fome na área do termo. 

Como prudente norma jurídica, por razões de profilaxia moral dependentes do barro humano, 

consideravam‐se  expressamente  excluídos  destes  contratos  de  arrendamento  das  terras 

comunais dos concelhos, os oficiais da Câmara, os  juízes ordinários e dos órfãos, os alcaides‐

mores e os tabeliães. 

Esta nuvem negra da crise do pão que, nos fins do século XVI, pairava sobre Monsaraz, adensou‐

se ainda com o luto da pesada e inglória derrota de 1578, em Alcácer Quibir. 

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As sombras crepusculares dessa terrível derrota desceram também sobre Monsaraz, que se sabe 

ter dado em homens e em sangue uma contribuição substancial à nossa tão trágica aventura da 

África. 

António Lobo, alcaide‐mor de Monsaraz, tomba ao lado do rei na terra ardente do Magrebe e 

sob o espanto dos seus próprios olhos, no campo poeirento da batalha, vê morrer o próprio filho 

que era o enleio da sua vida. 

Portugal,  agrilhoado  às  funestas  consequências políticas da  aventura desencadeada por um 

jovem psicopata coroado de lisonjas, perde a independência e, como simples colónia, cai sob o 

domínio da Espanha. 

Monsaraz, vinculada desde 1422 à donatária Casa de Bragança, continua,  todavia, durante a 

ocupação espanhola, sob tutela administrativa e judicial da Sereníssima Casa. 

Sobre a murmurante brisa dos Braganças soprou apenas uma forte rajada de vento espanhol 

mas, no fundo social da vida dos povos, tudo continuou idêntico ao arcaico figurino do passado. 

E assim, a 29 de Agosto de 1598, por ordem do duque de Bragança e como medida de fixação 

demográfica  local, esboça‐se em Monsaraz uma modesta reforma agrária que se traduziu no 

parcelamento das terras comunais concelhias situadas à roda da vila e na sua distribuição pelos 

moradores pobres e sem uma nesga de ferregial para arrotearem. 

O espírito da partilha dos ferregiais de Monsaraz, informado por balbuciante e comprometido 

princípio de justiça agrária, contemplava, apenas, os moradores sem posse de terras e, ao longo 

dos séculos, sujeitos à degradante escravidão das trevas. 

Todavia, alguns privilegiados da terra, procurando iludir a ordem ducal e o transparente espírito 

da justiça social do tempo, logo começaram, com jurídico e baixo oportunismo, a alienar, por 

título  de  compra,  as  courelas  distribuídas  pelos  pobres  ao  abrigo  dessa  reforma  agrária  de 

compromisso e intenção demográfica. 

A paisagem de minifúndio que hoje podemos contemplar nos flancos do cerro montesarense, 

onde a terra se mostra retalhada em pequenos ferregiais  isolados uns dos outros por baixos 

muros de pedra  solta e  cenográficos  renques de piteiras mexicanas,  resultou desta partilha 

quinhentista do agro comunal à roda de Monsaraz. 

Mas a Monsaraz dos  fins do  século XVI e princípio do  século  seguinte não  vive apenas dos 

episódios históricos ligados à sua medieva tradição agro‐pastoril. 

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Participa,  também,  no  processo  evolutivo  da  vida  espiritual  do  país  e,  em  1606, Monsaraz 

contribui já com uma verba de 40 000 réis para a manutenção das bolsas de estudo atribuídas 

aos estudantes pobres que frequentam, na Universidade de Coimbra, os cursos de Medicina e 

Farmácia e  impulsiona a  formação de médicos e boticários ao serviço da diluída e  retalhada 

assistência portuguesa. 

Esta verba paga pela vila de Monsaraz em prol da cultura universitária portuguesa conta‐se, até, 

como sendo uma das mais altas entre todas as que eram concedidas pelas restantes terras do 

Alentejo. 

Entretanto começa, surdamente, a estruturar‐se em Portugal a conspiração contra a opressão 

espanhola. O patriótico movimento da Restauração conta no Alentejo com grandes vultos da 

conjura e logo a 2 de Dezembro de 1640, vindo de Vila Viçosa, chega a Monsaraz um correio a 

cavalo com a «alegre nova» de se ter levantado rei de Portugal, o duque de Bragança D. João. 

O portador da notícia é recebido em Monsaraz pelo alcaide‐mor Fernão Rodrigues de Brito e a 

população da vila fronteiriça que, durante os 60 anos da perda da independência nacional, não 

conseguira  esquecer  que,  dos  lados  da  Espanha,  nunca  vieram  bons  ventos,  nem  bons 

casamentos, acolheu‐a em delírio. 

Segundo rezam velhos e amarelecidos papéis festejou‐se a libertação com «dois dias de missa 

de pontifical  e procissão  com  toda  a  solenidade de música  e  de  instrumentos  costumados, 

fazendo‐se descamisada com toda a nobreza da vila e do seu termo e acendendo‐se luminárias, 

por toda a parte». 

D. João IV foi aclamado em altas vozes na praça e nas ruas de Monsaraz pelos três braços do 

povo, da nobreza e do clero, os sinos das igrejas repicaram festivamente e estralejaram foguetes 

no céu. 

Portugal está, mais uma vez, para não fugir ao seu histórico destino, em guerra aberta com a 

Espanha. 

As  velhas  fortificações  de Monsaraz,  as  suas  torres  e  a  sua  cinta  de muralhas medievais, 

encontram‐se ultrapassadas pelas novas tácitas da guerra seiscentista. 

Havia, assim, que reformar os velhos muros da Idade Média e guarnecê‐los por uma nova rede 

de fortificações à Vauban, adaptada às técnicas da guerra com artilharia. 

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Nicolau  de  Langres,  famoso mercenário  francês  a  soldo  de  Portugal,  vem  a Monsaraz  para 

reconhecer toda a linha do Guadiana, localizar a rede das atalaias defensivas e desenhar o novo 

plano das fortificações a construir na vila fronteiriça. 

O apagado clima pacifista da vila medieval assume vivos e inquietos ritmos belicistas e logo a 21 

de  Março  de  1643,  em  missão  militar  e  acompanhado  pelos  peritos  estrangeiros  João 

Cosmander, jesuíta flamengo, e João Gilot, francês, o tenente‐general da artilharia do reino Rui 

Correia  Lucas  apresenta‐se  em  Monsaraz  e  é  recebido  na  Câmara,  onde  são  tomadas 

importantes deliberações estratégicas. 

Por outro  lado o  campo de Monsaraz, dotado de  rica  e  farta disposição de pastos,  vota‐se 

febrilmente  à  criação dos  cavalos necessários  ao  abastecimento da  cavalaria e povoa‐se de 

grandes manadas de éguas. 

Os maiores centros da criação equina dessa época  localizam‐se na grande defesa do Roncão, 

marginando os ermos do rio Guadiana e nos prados ubérrimos do manuelino Reguengo do Mon 

Real, este situado no anel agrário onde se ergue a atual vila de Reguengos de Monsaraz. 

E, de vez em quando, na Natureza selvática e bravia do  termo, como medida de proteção e 

fomento equino, juntavam‐se os povos e faziam‐se grandes montarias aos lobos, como praga 

depredadora dos rebanhos e das manadas. 

Pela vastidão do terreno devassado pelos batedores e pela imensidão das portas dispostas na 

zona monteada deu brado no Alentejo a montaria que, no inverno de 1644, precisamente na 

véspera do dia de Natal, se realizou no termo de Monsaraz. 

Em 1670, para alojar uma comunidade de frades agostinhos descalços, funda‐se no arrabalde 

de Monsaraz, junto da ermida mandada edificar no século XIV pelo condestável D. Nuno Álvares 

Pereira, o convento da Orada. 

A fábrica do mosteiro, em materiais toscos e pobres da região, teve início em 1700 e resultou 

pesada, fria e perfeitamente identificada com a paisagem desolada e agreste das margens da 

ribeira do Azovel, povoadas por impenetráveis matagais de esteva e tojo gatum e recortadas em 

ciclópicos e plúmbeos alcantis de xisto. 

Este convento da Orada possuía cerca anexa onde os monges, à arcaica maneira muçulmana, 

amanhavam  a  sua pequena horta  e  recolhiam  e  apascentavam  a  futilidade de um  rebanho 

constituído  à  custa  das  cabeças  dadas  de  esmola  pelos  «fiéis  cristãos»  da  lavoura  local,  a 

pretexto das festas pascais. 

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Entre a comunidade monástica e o povo de Monsaraz suscitaram‐se, por vezes, graves conflitos 

com fundamento no modo de vida dos frades e nos abusos cometidos pelo rebanho conventual 

na fruição dos pastos comunais da Coutada. 

E como o cenário ecológico de Monsaraz foi, remotamente, dominado pela cultura do trigo e a 

grande  força humana do  trabalho  se  concentrava,  tradicionalmente, no amoroso amanho e 

granjeio da terra e, por outro lado, a maioria da população rural montesarense vivia dobrada 

aquela miséria da argila com semente no coração, como diria o poeta Mohammad Iqbal, a grave 

crise cerealífera que ocorreu no  termo de Monsaraz em 1685  levou, para  justa e equitativa 

distribuição do pão entre os moradores humildes, à criação do celeiro comum. 

Este situava‐se no início da Rua Direita, quase em frente da casa que, segundo a tradição, teria 

sido a pousada do juiz de fora e nela, se observava o regimento do celeiro de Évora que, como 

VV. Ex.as sabem, foi o primeiro a ser criado em Portugal, no ano de 1576. 

O problema do trigo em Monsaraz teve sempre tal acuidade que sensivelmente nesta época, a 

Câmara  da  vila,  dominada  pela  alarmante  noção  do  dano  que  a  passarada  causava  às 

sementeiras e às searas chegou a aprovar e a executar uma postura de guerra aos pardais na 

qual fixava um prémio pecuniário a atribuir e a pagar a todos os moradores que apresentassem, 

nos Paços do Concelho,  as  cabeças dos pássaros desta espécie que  se provasse  terem  sido 

mortos na área do termo. 

Nesta época, sem graves riscos de morte, não se podia ser pardal em Monsaraz e o prolóquio 

alentejano do «todo o pássaro come trigo mas quem paga é o pardal» encontrava‐se, a avaliar 

pela letra da postura municipal, em voga triunfante e ameaçadora no termo montesarense. 

Agora os pardais abandonaram a calma e mansa atmosfera do campo e voaram para o cósmico 

bulício das grandes urbes e, no Alentejo, esta fúria destruidora das espécies e criadora dos mais 

graves e  insuspeitados desequilíbrios biológicos da Natureza, ateada pelas nobres confrarias 

venatórias, deslocou‐se contra os chamados nocivos da caça. 

Mas nós, resignadamente, teremos de nos penitenciar destas impulsivas suspeições produzidas 

perante  VV.  Ex.as  onde,  certamente,  se  encontrarão muitos  e  estrénuos  devotos  de  Santo 

Huberto que não nos perdoarão a irreverência terrível. 

Minhas Senhoras e Meus Senhores: para felicidade de VV. Ex.as, Monsaraz começa já a entrar 

em agonia. 

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A sua posição de vila medieval acastelada, erguida no alto de um cerro agreste e alcantilado, o 

impetuoso progresso das aldeias dos Reguengos, situadas numa planície de fácil e suave acesso 

e enriquecidas pelo viril esforço dos seus moradores posto ao serviço de um surto ardente do 

artesanato laneiro e das cintilações económicas da grande lavra de vinhas – com castas de uvas 

que destilam e entoam cantos de sereia e acordam sonhos paradisíacos nas libações dos homens 

– e ainda a fidalga e tradicional fidelidade do ideário montesarense aos princípios políticos da 

monarquia absoluta,  tudo  isto contribuiu para a agonia e decadência de Monsaraz e para a 

transferência da sede do concelho, em 1840, para a jovem vila dos Reguengos, arvorada, «pelos 

serviços dispensados pelos seus habitantes à causa da Liberdade», segundo reza expressamente 

o texto da sua primeira carta de foral concedido por D. Maria II, em cérebro da vida pública do 

termo. 

A morte de Monsaraz  traduz, assim, não  só o  reflexo do explosivo progresso económico de 

Reguengos como, também, o colorido ideológico do enciclopedismo voltaireano que, a partir da 

segunda metade do século XIX, tanto tem inquietado os filhos da terra a que a gente fidalga e 

absolutista de Monsaraz, tão irónica e depreciativamente, chamava a «terra dos cardadores de 

lã». 

A sonâmbula e misteriosa alma da Monsaraz atual foi admiravelmente evocada pela estranha 

sensibilidade da poetisa Beatriz Rodrigues Barbosa, de Reguengos, e encontra‐se bem expressa 

nos versos que vamos dizer: 

 

Adrede 

ali parou o tempo! 

O vidro da ampulheta 

contra as velhas muralhas 

O mesmo sol o mesmo vento 

A mesma cor por dentro, 

nas fachadas, 

As mesmas casas frescas, 

Os fantasmas 

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presentes 

dos ausentes, 

a poesia 

o alaúde 

a pedra, 

Mensagem conservada. 

 

Mensagem conservada, diremos nós, numa nobre e generosa dádiva de abandono ao equívoco 

snobismo esteticista do homem moderno e num maravilhoso, autêntico e prodigioso milagre de 

ressurreição da vila morta alentejana. 

 

21 de Abril de 1966.