monografia - márcio ribeiro borges
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MÁRCIO RIBEIRO BORGES
Trabalho de Iniciação Científica O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:
IMPORTÂNCIA PARA O COMÉRCIO MUNDIAL E ATUAÇÃO BRASILEIRA
ITAJAÍ 2009
MÁRCIO RIBEIRO BORGES
Trabalho de Iniciação Científica O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:
IMPORTÂNCIA PARA O COMÉRCIO MUNDIAL E ATUAÇÃO BRASILEIRA
Monografia desenvolvida para o Estágio Supervisionado do Curso de Comércio Exterior do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Gestão da Universidade do Vale do Itajaí
Orientadora: Profª. Drª. Joana Stelzer
ITAJAÍ 2009
Agradeço inicialmente a Deus, por guiar-me e conceder força para
enfrentar os desafios à minha frente. Em especial, agradeço minha família
pelo carinho e apoio que me deram não apenas nesses quatro anos,
mas em toda minha vida. Agradeço ainda à instituição, aos
amigos e aos professores, por todo o conhecimento que pude agregar no
período, com especial menção à minha orientadora Joana Stelzer
pelos sábios conselhos e orientações que me permitiram a
realização desse trabalho.
EQUIPE TÉCNICA
a) Nome do estagiário Márcio Ribeiro Borges b) Área de estágio Monografia c) Orientadora de conteúdo Profª. Drª. Joana Stelzer e) Responsável pelo Estágio Profª. Natali Nascimento
RESUMO
O órgão de solução de controvérsias é um mecanismo presente na estrutura da OMC e que tem como objetivo tentar resolver os litígios comerciais entre os membros da organização. O órgão é um dos pilares da organização e do sistema multilateral de comércio, com quase 400 disputas já tendo sido levadas à sua alçada em seus primeiros 15 anos de vigência. O objetivo do trabalho foi avaliar o órgão de solução de controvérsias e ele foi desenvolvido através de pesquisa qualitativa e bibliográfica, com dados retirados de livros, revistas, informações da internet, de modo a explicar de forma clara as informações expostas. Buscou-se apresentar o órgão, com todos os seus procedimentos e etapas, destacando também as opiniões e críticas feitas ao mesmo e em especial a relação do Brasil com ele, apresentando indicadores da atuação brasileira, as disputas em que o país se envolveu diretamente, além de uma avaliação específica também dessa atuação da diplomacia brasileira no órgão. Com o comércio mundial movimentando enorme quantidade de bens e recursos, o surgimento de controvérsias é algo natural. Nesse sentido, o estudo de um mecanismo que se propõe a solucionar disputas que envolvem por vezes nações e setores econômicos poderosos torna-se muito interessante para que as possibilidades que ele oferece possam ser aproveitadas de maneira eficiente, auxiliando os exportadores e importadores brasileiros em questões como acesso a mercados e competição justa. Palavras-chave: solução de controvérsias. OMC. comércio mundial.
7
LISTA DE SIGLAS
ACP – África, Caríbe e Pacífico
BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento
BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China
CBCC – Companhia Brasileira Carbureto de Cálcio
CIA – Central Intelligence Agency
EET – Equalizing Excise Tax
ESC – Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de
Controvérsias
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATS – Acordo Geral sobre Comércio e Serviços
GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
MSE – Mecanismo de Salvaguarda Especial
NCM – Nomenclatura Comum do MERCOSUL
NTN – Notas do Tesouro Nacional
OIC – Organização Internacional do Comércio
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONG – Organização não-governamental
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
OSC – Órgão de Solução de Controvérsias
OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte
PIB – Produto Interno Bruto
PROEX – Programa de Financiamento às Exportações
TRIMS – Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio
TRIPS – Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio
TRPM – Trade Review Policy Mechanism
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9 1.1 Objetivo geral ................................................................................................. 10
1.2 Objetivos específicos ...................................................................................... 10 1.3 Justificativa ..................................................................................................... 11 1.4 Abordagem geral do problema ....................................................................... 11 1.5 Questões específicas ..................................................................................... 12 1.6 Pressupostos .................................................................................................. 12
2 METODOLOGIA ................................................................................................ 14 2.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................ 14 2.2 Área de abrangência ...................................................................................... 15
2.3 Coleta e tratamento dos dados ....................................................................... 15 2.4 Apresentação e análise dos dados ................................................................. 15 3 AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS................................................................... 16 3.1 Comércio mundial e disputas comerciais contemporâneas ............................ 17
3.2 General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) .......................................... 19 3.2.1 As seis primeiras rodadas ........................................................................... 21
3.2.2 Rodada Tóquio ........................................................................................... 22 3.2.3 Rodada Uruguai .......................................................................................... 24 3.3 Organização Mundial do Comércio (OMC) ..................................................... 26
3.3.1 Funções e princípios ................................................................................... 27
3.3.2 Estrutura ..................................................................................................... 29 3.3.3 Conferências e rodada Doha ...................................................................... 33 4 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS .................................................................... 39
4.1 Solução de controvérsias no GATT ................................................................ 39 4.2 Discussões e Acordo na Rodada Uruguai ...................................................... 41
4.3 Solução de Controvérsias na OMC ................................................................ 43 4.3.1 Consultas .................................................................................................... 45
4.3.2 Painel .......................................................................................................... 47 4.3.3 Órgão de apelação...................................................................................... 52 4.3.4 Aplicação das decisões ............................................................................... 54
4.3.5 Avaliação e críticas ..................................................................................... 57
4.3.6 Revisão do ESC na rodada Doha ............................................................... 61 5 O BRASIL E A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ........................................... 66 5.1 Participação brasileira na solução de controvérsias da OMC ......................... 66
5.1.1 O Brasil e a construção do sistema............................................................. 68 5.1.2 Indicadores da participação brasileira ......................................................... 70 5.1.3 Contenciosos com participação direta do Brasil ......................................... 76 5.2 Contenciosos com o Canadá: O caso Embraer-Bombardier .......................... 85 5.3 Avaliação geral da participação brasileira no OSC ......................................... 91
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 94 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 96 ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS .................................................................... 100
9
1 INTRODUÇÃO
O comércio internacional possibilita uma grande quantidade de trocas de
produtos e serviços entre as nações do mundo, permitindo um intercâmbio não
apenas de bens, mas também de culturas. No entanto, nem sempre todos os países
estão de acordo com as práticas comerciais dos outros ou com eventuais déficits em
seus fluxos comerciais, gerando disputas que acabam comumente sendo um
entrave para a troca de mercadorias.
Por muito tempo não havia um organismo internacional com autoridade e
isenção para resolver essas controvérsias. Embora desde a década de 1940,
durante as discussões do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), já
houvesse a intenção de instituir este órgão que regularia o comércio mundial,
apenas na década de 90, através de acordo alcançado ao fim da Rodada Uruguai,
foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), com o objetivo de ser o centro
de discussões relativas ao comércio internacional. Dentro do âmbito da OMC, foi
criado o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), um instrumento considerado
uma das bases do sistema multilateral de comércio que a OMC implantou e que tem
por objetivo centralizar a solução das disputas comerciais entre os países membros.
Este trabalho é um estudo deste organismo, muito em voga por conta de sua
participação em casos envolvendo o Brasil, sua estrutura, atuação e reações a
algumas de suas decisões, procurando expor estes pontos de maneira clara e
objetiva.
O trabalho encontra-se estruturado da seguinte maneira: o capítulo 1 traz a
introdução, o objetivo geral e os específicos, justificativa, abordagem geral do
problema, questões específicas e pressupostos. No capítulo 2 é apresentada a
metodologia utilizada no trabalho, contendo tipo de pesquisa, área de abrangência,
coleta e tratamento de dados, além da apresentação e análise dos mesmos. No
capítulo 3 aborda-se, após breve ponderação sobre as relações e o comércio
internacionais, a OMC, instituição onde se assenta o OSC, apresentando suas
origens desde o acordo GATT, além de aspectos como sua estrutura, princípios e
funções, entre outros. O capítulo 4 trata especificamente do sistema de solução de
controvérsias. Após observações acerca do modelo existente no GATT, apresenta o
sistema da OMC, com suas etapas e procedimentos, além de comentar aspectos
10
das avaliações e críticas feitas ao OSC e das negociações para alterar o
mecanismo. O capítulo 5, por fim, traça um panorama da atuação brasileira junto ao
órgão, apresentando a colaboração do país desde as negociações para sua criação
até os indicadores da participação brasileira, passando pelos contenciosos que
tiveram o Brasil como parte diretamenta envolvida e finalizando com uma avaliação
geral da participação do país no sistema.
Uma nota importante é que as diversas citações retiradas do site oficial da
OMC, em sua maioria indiretas, são todas de tradução livre, baseando-se para tal
fim o autor nas versões em língua inglesa e espanhola. Também é de tradução livre
a citação que tem como fonte a página oficial da Central Intelligence Agency (CIA).
Diante deste contexto, o trabalho se desenvolveu através da utilização de
pesquisa bibliográfica e com textos explicando e estudando o órgão, com o uso de
uma linguagem de fácil compreensão, podendo auxiliar acadêmicos interessados em
conhecer melhor o OSC e também a universidade e outras instituições, públicas ou
privadas, que se proponham a estudar o potencial do órgão de resolver
controvérsias nas relações comerciais entre as nações.
1.1 Objetivo geral
Este trabalho tem como objetivo geral avaliar o Órgão de Solução de
Controvérsias da Organização Mundial do Comércio e sua importância no comércio
internacional
1.2 Objetivos específicos
São objetivos específicos:
Descrever a evolução do sistema multilateral de comércio.
Apresentar o OSC e sua estrutura.
11
Evidenciar a importância das decisões do OSC no comércio
internacional, inclusive em relação à participação brasileira.
1.3 Justificativa
O crescente comércio entre as nações torna natural o surgimento de conflitos
nesta área, já que cada país tenta melhorar a situação de seus produtos no mercado
internacional e tais atitudes muitas vezes chocam-se com interesses de outra parte.
Nesse sentido, ao desenvolver este trabalho, o acadêmico tem a
oportunidade de conhecer o órgão criado para ser um fórum de discussões
comerciais, um local onde as disputas econômicas possam ser alvo de negociação
dentro de um organismo internacional, que é a OMC. Além dessa contribuição, o
trabalho também será útil para a universidade, ao fornecer um panorama atualizado
sobre o OSC, possibilitando seu uso como referência por outros acadêmicos do
curso de comércio exterior.
Percebe-se a necessidade de conhecer o OSC, fazendo que um maior
número de pessoas entenda o funcionamento deste instrumento de negociações
comerciais ainda pouco debatido
1.4 Abordagem geral do problema
Dentro do comércio internacional, disputas envolvendo as relações comerciais
entre as nações são fatos corriqueiros. Por muito tempo, não havia um organismo
capaz de solucionar tais disputas de modo imparcial e eficaz, com as desavenças
entre os países travando negociações multilaterais para uma maior liberalização do
comércio mundial.
Nesse contexto, foi criado o OSC, um organismo dentro da OMC, com o
objetivo de ser um local no qual as controvérsias comerciais podem ser discutidas e
expostas a um julgamento imparcial, com amplo direito de apresentação de defesa.
12
Além disso, há a possibilidade de que as partes possam viabilizar um acordo em
qualquer momento do processo.
Portanto, pretende-se com esse trabalho apresentar o OSC, sua importância
na resolução de conflitos e sua influência no comércio internacional, inclusive em
relação ao Brasil.
1.5 Questões específicas
São questões específicas:
O que é o OSC?
Como funciona o sistema de solução de controvérsias do OSC?
Como tem sido vistas as decisões tomadas pelo OSC e como ele
influencia o comércio internacional?
1.6 Pressupostos
As respostas das questões específicas estão relacionadas nos pressupostos:
O OSC é um dos pilares do sistema multilateral de comércio. Trata-se
de um organismo dentro da OMC usado para tentar resolver eventuais
disputas entre os membros da organização, buscando inicialmente o
entendimento entre as partes conflitantes. Caso isso não ocorra há
uma série de procedimentos até uma decisão final, com o OSC
prezando sempre a obtenção de um acordo entre os envolvidos e se
isso não for posssível, o órgão julga os casos de maneira imparcial e
com base nas leis internacionais de comércio.
A primeira fase é a de consultas, que dura até 60 dias, na qual as
partes em disputa conversam para tentar resolver o caso entre si. Se
13
não houver acordo, o reclamante pode solicitar a criação de um painel,
formado por três a cinco especialistas de diferentes países, escolhidos
pelos contenciosos (ou pelo diretor-geral da OMC, caso não haja
acordo entre eles) a partir de uma lista permanente de candidatos.
Esses especialistas analisarão a situação e têm normalmente seis
meses para opinar sobre a questão. Dentro desse período, as partes
apresentam sua posição sobre o assunto, o que pode ocorrer mais de
uma vez, dado o fato de que os membros do painel realizam duas
reuniões e quando esses apresentam seu primeiro parecer, os
conflitantes podem pedir sua revisão, o que pode resultar em reuniões
deles com o painel. Após a publicação da decisão final, normalmente
uma orientação sobre quais medidas as partes podem tomar, ainda há
a possibilidade de apelações. Há uma preferência por evitar retaliações
que prejudiquem terceiros setores e uma busca para que a parte que
tenha sua atitude considerada errada altere tal procedimento. Só se
não houver acordo é autorizada a aplicação de sanções.
Em alguns casos, as decisões do OSC têm sido vistas com restrições
pela parte perdedora e por conta de pressões políticas a efetivação de
suas determinações vem sendo adiada, principalmente quando envolve
protecionismos de países desenvolvidos em áreas sensíveis. Mas, de
modo geral, o organismo tem sido visto como um fórum com
autoridade para resolver disputas comerciais e vem tendo uma
influência positiva no comércio internacional, ao trazer uma maior
segurança em relação à aplicação das normas que o regem e
possibilitar uma solução justa e relativamente rápida para eventuais
conflitos.
14
2 METODOLOGIA
Este capítulo demonstra a metodologia usada para a execução desta
monografia.
2.1 Tipo de pesquisa
O metódo utilizado neste trabalho foi o qualitativo, já que não se buscarão
resultados numéricos, mas sim uma compreensão do tema por meio das
informações apresentadas e seu estudo.
O método qualitativo, como Oliveira (2002, p.116) apresenta “[...] difere do
quantitativo pelo fato de não empregar dados estatísticos como centro do processo
de análise de um problema”.
O tipo de pesquisa realizada quanto aos meios é a bibliográfica, já que serão
pesquisadas fontes como livros, revistas, artigos e a internet.
Uma pesquisa bibliográfica pode visar o levantamento dos trabalhos realizados anteriormente sobre o mesmo tema estudado no momento, pode identificar e selecionar os métodos e técnicas a serem utilizados, além de fornecer subsídios para a redação da introdução e revisão de literatura do projeto ou trabalho. (RIBEIRO; CRUZ, 2003, p.12)
Em relação ao ponto de vista de seus objetivos, foi uma pesquisa
exploratória, modelo que para Gil (2002) “[...] tem como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o tema, com vistas a torná-lo mais explícito. Pode envolver
levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas experientes no problema
pesquisado. Geralmente, assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de
caso.”
15
2.2 Área de abrangência
Esse trabalho foi desenvolvido na área de Comércio Exterior, mais
especificamente na área de Relações Internacionais.
2.3 Coleta e tratamento dos dados
A coleta de informações foi feita através de pesquisa de dados em livros,
periódicos, revistas, artigos e meio eletrônico.
2.4 Apresentação e análise dos dados
O estudo é apresentado com textos explicativos relacionados às informações
obtidas na pesquisa e através de gráficos, tabelas e fluxogramas para melhor
compreensão do tema trabalhado.
16
3 AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As relações recíprocas entre Estados são uma parte importante no
entendimento da história da humanidade, com os diversos caminhos que trilharam
através do tempo sendo objeto de constantes estudos e debates.
Mas, não são só governos os agentes envolvidos. Como diz Strenger (1998,
p.16) “Relações Internacionais são tratativas tendo como protagonistas os Estados,
em cujos relacionamentos estão presentes seus súditos, como objeto principal do
alcance de equilíbrios de convivência”, pelo que é possível notar que por mais que
os interesses governamentais tenham grande força nas negociações, os
participantes não estatais também têm fundamental importância, já que seus
interesses estão quase sempre por detrás das posições e serão eles quem sentirão
diretamente os resultados dos debates.
Dentro desses interesses, nota-se que desde tempos remotos e de forma
crescente hoje em dia, as relações internacionais têm grande importância no
contexto mundial, devido em especial aos fatores econômicos, principais propulsores
dos projetos internacionais e muitas vezes causadores, quer direta ou indiretamente,
dos conflitos que eventualmente assolam o globo.
Outros fatores também têm forte influência no estudo da área de relações
internacionais, como os políticos e os geográficos, mas os econômicos, com a luta
pelo controle de matérias-primas, pela conquista de mercados, de opções
comerciais, entre outros objetivos, estão firmemente ligados às ações dos agentes
no campo das relações internacionais, com o interesse financeiro sendo um grande
motor para as negociações e disputas que sempre caracterizaram a área.
No cenário recente, um exemplo do pensamento acima exposto é a Rodada
de Doha, na qual foram as disputas comerciais o foco central das conversas, com
cada país buscando defender os objetivos de seus agentes econômicos, deixando
um pouco de lado possíveis rivalidades ideológicas e políticas.
Questões como a ação de diversos organismos, como a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a criação de blocos econômicos e
mercados comuns, além da existência da OMC deixam clara a força das relações
comerciais entre os Estados e demonstra que a interdependência entre eles é
econômica antes de política. (STRENGER, 1998).
17
Nota-se, então, que o comércio e os temas que dele derivam ou que com ele
tem forte ligação, como as disputas em relação aos subsídios concedidos no setor
agropecuário, têm uma grande importância nas relações internacionais e que são os
interesses econômicos que estimulam várias ações nesse campo, como a criação de
organismos internacionais como a OMC.
3.1 Comércio mundial e disputas comerciais contemporâneas
Um dos objetos de estudo das relações internacionais, o Comércio
Internacional é definido como um intercâmbio de bens e serviços entre as nações,
sendo resultado das especializações na divisão do trabalho e da exploração por
cada país de suas vantagens comparativas (MALUF, 2000)
Ainda amplamente utilizada na atualidade, a expressão „comércio
internacional‟ vem sendo questionada por uma série de estudiosos, que preferem o
termo „comércio mundial‟, já presente inclusive na denominação da OMC. A razão
está na etimologia do vocábulo „internacional‟, que origina-se da expressão „inter
nações‟, o que na opinião de pesquisadores que o criticam, exarceba a figura da
nação e indiretamente a do Estado, sendo que hoje o comércio é muito dinâmico e
em muitas situações a atuação estatal é meramente testimonial.
De qualquer modo, „este comércio‟, seja chamado de mundial ou conhecido
como internacional, ao contrário do exterior, que consiste nas normatizações com
que cada país administra suas relações comerciais com as demais, caracteriza-se
pelas trocas, no qual cada um busca oferecer aos outros aquilo que produz de forma
mais eficiente, seja conseguindo um custo mais baixo, uma qualidade superior ou
algum outro fator que torne seu produto mais atrativo.
Sua importância vai além da simples troca de objetos ou serviços, estando
também ligado ao intercâmbio de culturas, levando os costumes e valores de uma
região à outra através de produtos que a representem e que se tornam, por vezes,
também parte dos hábitos daqueles que os recebem. Os alimentos são exemplos
tradicionais, como as batatas, que, segundo Opperman (2004, p. 59) “[...] por volta
de 1500 eram cultivadas [...] pelos incas, aqui na América do Sul”, sendo depois
18
levadas a diversos cantos do mundo, tornando-se elemento chave na dieta de povos
como os irlandeses e hoje sua versão comercializada nas cadeias de fast food é um
dos símbolos dos Estados Unidos e do seu estilo de vida.
O comércio é, desde a antiguidade, uma das principias razões dos conflitos
que assolam a história da humanidade. Disputas por rotas comerciais, tanto
marítimas quanto terrestres, trouxeram várias guerras entre aqueles que
ambicionavam controlar este fluxo de mercadorias.
Um dos exemplos está nas três Guerras Púnicas entre Roma e Cartago na
antiguidade. De acordo com Gallo (2008, p.53), “os atritos entre as duas cidades
começaram por conta do interesse de ambas em assumir o controle do Mar
Mediterrâneo e, com isso, ganhar soberania nas relações comerciais.” Outro
exemplo, intimamente ligado aos primórdios da história brasileira, é o das Grandes
Navegações portuguesas, inspiradas pelo desejo de comercializar na Europa as
cobiçadas especiarias do Oriente, encontradas principalmente na Índia e cujo
comércio por via terrestre estava nas mãos dos muçulmanos.
Chegando ao século XX, nota-se que o período foi pródigo em disputas
comerciais. Os anos 30 foram caracterizados por um forte protecionismo, com
grandes barreiras às importações e às desvalorizações cambiais artificiais.
Os Estados Unidos, que saíram como grandes vencedores da Primeira
Guerra Mundial, foram um dos grandes propagadores deste protecionismo, em
especial após o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929, com o aumento de suas
tarifas aduaneiras através do Smooth-Hawley Act, que resultou na adoção de mais
restrições comerciais por parte dos parceiros americanos e gerou uma grande onda
de medidas que dificultavam o livre comércio.
Como notaram Krugman e Obstfeld (1994 apud Rêgo, 1996, p.4) “o
protecionismo norte-americano terminou acarretando um resultado exatamente
oposto ao esperado, pois reduziu seu comércio externo, ajudando a aprofundar a
depressão que se queria atenuar”.
Nesse contexto, após a Segunda Guerra, os americanos, conscientes dos
graves danos causados pelo protecionismo do período entre as duas guerras
mundias e sabendo que com negociações bilaterais não conseguiriam o impacto que
desejavam, tomaram à frente e passaram a liderar a liberalização do comércio
mundial, surgindo então um documento denominado Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (GATT).
19
3.2 General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)
O GATT foi inicialmente pensado basicamente por Inglaterra e Estados
Unidos, propondo regras multilaterais que evitassem o protecionismo da década
anterior, incorporando mais tarde sugestões de outras nações e tendo sido assinado
por 23 países, incluindo o Brasil, no ano de 1947, durante a Rodada de Genebra, a
primeira de uma série de rodadas de negociações comerciais.
Após a Segunda Guerra Mundial, a preocupação latente com a segurança e paz mundiais ensejou o fenômeno da colaboração entre os Estados, que no âmbito do direito internacional econômico resultou na criação das instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional-FMI; Banco Mundial-BIRD e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio-GATT) (BARRAL, 2002b, p.48)
Verifica-se, portanto, que o GATT foi criado num cenário de pós-guerra,
dentro da reconstrução da ordem econômica mundial e refletindo a preocupação de
seus criadores com um novo conflito internacional, que procuraram evitar através de
iniciativas como o próprio GATT e outras contemporâneas, como os citados Fundo
Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.
Havia também o objetivo de melhorar-se a qualidade de vida e obter-se
estabilidade social e econômica, já que as partes envolvidas, segundo Jesus (2002,
p.21) “reconheciam que suas relações no domínio comercial e econômico deviam
ser orientadas no sentido de elevar os padrões de vida, de assegurar o emprego
pleno e um alto e sempre crescente nível de rendimento real e de procura efetiva
[...]”.
O GATT, que envolvia desde concessões relativas a produtos individuais até
regras de política comercial, foi pensado como um acordo provisório, que teria
vigência até a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que
juntamente com instituições econômicas como o FMI e o Banco Mundial, sustentaria
a nova ordem econômica do pós-guerra.
Para instituição da OIC foi realizada, de novembro de 1947 a março de 1948,
na cidade homônima, a Conferência de Havana, que resultou num documento
chamado „Carta de Havana Instituindo a Organização Internacional do Comércio‟. A
versão final da carta foi assinada, ao fim da conferência, por 53 nações, entre elas o
Brasil.
20
A Carta enfrentou objeções no Congresso americano e foi ratificada apenas
por dois países, Libéria e Austrália, sendo que este último o fez de forma condicional
em relação a alguns pontos. Isso se deveu ao fato de que “para obter tal acordo, a
Carta da OIC incluía tantas exceções, lacunas e ambigüidades deliberadas que
mesmo seus partidários mostravam muito pouco entusiasmo por ela. (ALMEIDA,
1999, p.106)
Com a OIC não sendo instituída, o GATT acabou se tornando uma alternativa,
adotando muitos dos pontos acordados por ela e adquirindo gradativamente
atribuições de uma organização internacional, muito embora tenha se mantido como
um simples acordo, sem possuir personalidade jurídica, ao contrário de outros
organismos criados no mesmo período, como o Banco Mundial.
Para Corrêa (2001), as duas funções primordiais do GATT em sua origem
eram:
Reduzir a incerteza política que envolvia o comércio internacional
através de normas disciplinadoras das políticas comerciais dos
Estados. Tais normas, juntamente com reduções nas barreiras
tarifárias ao comércio, resultariam no incremento do investimento no
comércio em âmbito interno e externo.
Representar um fórum internacional para a solução de controvérsias e
negociações no sentido de se consolidar as normas e procedimentos
do GATT.
O príncipio mais importante do GATT era (e continua a ser) o do comércio
não-discriminatório, contido na cláusula de nação mais favorecida, segundo o qual
todos os países signatários comprometiam-se a oferecer um tratamento igual aos
demais signatários em relação às barreiras nas importações.
Com o GATT assumindo a função de principal acordo relativo ao comércio
internacional, procedeu-se a realização de rodadas de negociação, nas quais todos
os países contratantes se reuniam para debater especialmente concessões
tarifárias.
Muito embora o GATT contemplasse em seu texto básico basicamente essas
questões tarifárias, as ampliações e modificações trazidas por novos códigos e
acordos, interpretações, waivers, relatórios, painéis de discussão e decisões do
Conselho Geral fizeram o acordo incorporar cada vez mais medidas não-tarifárias,
21
cuja importância cresceu à medida que as tarifas eram reduzidas. (HOEKMAN E
KOSTECKI, 1995 apud RÊGO, 1996).
Após a rodada de Genebra, realizada em 1947, que resultou na criação do
GATT, foram realizadas mais sete rodadas sob sua coordenação: Rodada Annency
(1949), Rodada Torquay (1950/51), segunda Rodada Genebra (1955/56), Rodada
Dillon (1960/61), Rodada Kennedy (1963/67), Rodada Tóquio (1973/79) e Rodada
Uruguai (1986/93).
3.2.1 As seis primeiras rodadas
As quatro rodadas após a inicial trataram basicamente de promover reduções
tarifárias, com boa parte das discussões sendo concentrada entre os países
desenvolvidos.
Os demais países, especialmente os subdesenvolvidos, não mantiveram
participação ativa nas negociações, embora também se beneficiaram dos acordos
obtidos, devido à cláusula de nação mais favorecida (CORRÊA, 2001)
Nessas rodadas, foram discutidas somente tarifas de bens industriais (com a
notável exceção da indústria têxtil, cujos produtos foram excluídos de todos os
acordos obtidos, protegendo as empresas do Primeiro Mundo da concorrência de
bens fabricados nos países em desenvolvimento) e a política comercial do GATT,
questão que envolvia pontos como medidas compensatórias, aquelas que um país
adota quando se sente prejudicado pelas práticas comerciais de outros.
O comércio de produtos agrícolas, tema que traz grandes sensibilidades e
conflitos ainda hoje, foi muito pouco negociado nesse período, com os Estados
Unidos e a União Européia (UE), que à época da Rodada Dillon já iniciava a
implementação de uma política comum para o setor, bloqueando a volta do assunto
à mesa de negociação.
Essa questão esteve presente na sexta rodada do GATT, chamada de
Kennedy (1963/67) em homenagem ao recém-falecido presidente americano, mas
também sem muito progredir.
22
A rodada Kennedy, porém, trouxe um avanço importante, já que como diz
Barral (2002, p. 49) [...] “foi a primeira a ampliar a pauta de negociações para além
da discussão restrita às barreiras tarifárias ao comércio, abordando a questão das
medidas antidumping.”
Também dignas de nota são a inclusão de uma seção nas negociações
dedicada aos países em desenvolvimento, o que resultou em algumas disposições
reunidas na parte IV do acordo geral, e o forte crescimento do número de países
participantes, que passou de 26 na rodada Dillon (antes houve um pico de 38 em
Torquay) para 62, mostrando um maior interesse das nações para com o GATT.
Enquanto as anteriores tiveram como método a negociação bilateral, com
cada país discutindo inicialmente com seu principal fornecedor e depois aplicando o
que foi acertado aos demais parceiros comerciais (devido à cláusula de nação mais
favorecida), a rodada Kennedy adotou a redução linear de tarifas, com poucos
produtos excluídos. Houve um significativo crescimento nas concessões tarifárias,
que chegaram a 60 mil frente às 8700 alcançadas em Torquay e aos 4400 produtos
negociados na rodada Dillon. (JAKOBSEN, 2005)
Os efeitos da liberalização comercial fizeram-se sentir rapidamente: entre 1953 e 1963, o comércio mundial cresceu a uma taxa de 6,1% a.a. que saltou para 8,9% a.a. entre 1963 e 1973, reduzindo-se posteriormente. No entanto, este efeito dizia respeito basicamente aos países industrializados, que em 1960 eram responsáveis por 71% das exportações mundiais. (BHAGWATI, 1988 apud JAKOBSEN, 2005, p. 39 e 40)
Os números acima expostos mostram que, apesar de restritas basicamente a
reduções tarifárias envolvendo bens industriais, as rodadas iniciais do GATT tiveram
efeito positivo sobre o comércio internacional, estimulando a continuação desse
modelo de negociação.
3.2.2 Rodada Tóquio
A rodada Tóquio, realizada entre 1973 e 1979, sofreu os impactos da crise
econômica mundial que ocorria no mesmo período. A Guerra do Vietnã e as corridas
armamentista e espacial causaram um aumento na inflação e no déficit público dos
23
Estados Unidos, o que levou o presidente Richard Nixon a abandonar o tradicional
padrão ouro e adotar um sistema de flutuação cambial.
Outro fator que aprofundou os problemas da economia mundial foi a Crise do
Petróleo de 1973, quando a OPEP, cujos membros eram em sua maioria países
árabes, quadruplicou os preços da commodity em retaliação ao apoio do governo
americano a Israel na Guerra do Yom Kippur, trazendo forte pressão inflacionária a
todos os países que dependiam da importação do produto, onde se incluem tanto as
nações desenvolvidas como muitas em desenvolvimento.
Para essas, os efeitos da grande elevação nos preços do petróleo foi ainda
mais intenso, porque não apenas os preços desse como os de produtos
industrializados importados tiveram acentuado crescimento, enquanto os preços de
bens de sua base exportadora estagnaram, piorando a relação de troca.
(JAKOBSEN, 2005)
A crise fez crescer o protecionismo comercial, tanto através de medidas
tarifárias quanto de não-tarifárias, o que dificultou as negociações da rodada Tóquio,
embora esta tenha novamente alcançado reduções tarifárias em relação aos bens
industriais, que foram implementadas gradualmente num período de oito anos e
contavam com um princípio de harmonização, no qual quanto mais alta a tarifa
original maior deveria ser o corte.
A rodada, no entanto, fracassou em muitos aspectos, porque “não conseguiu
resolver os problemas básicos que afetavam o comércio de produtos agropecuários
nem alcançou um acordo sobre as salvaguardas (medidas de urgência contra
importações)” (OMC, 2007, p.16,)
Avanços surgiram na parte de barreiras não-tarifárias, mas muitos dos
acordos não foram aceitos por todos os 102 países que participavam das
discussões, não tendo o caráter multilateral desejado e ficando conhecidos como os
„códigos‟ da rodada Tóquio.
No total, foram consensuados nove códigos: Subsídios e Medidas
Compensatórias – interpretação dos acordos 6, 17 e 23 do GATT; Barreiras
Técnicas ao Comércio (por vezes denominado „Código de Normas‟); Procedimentos
para o trâmite de licenças de importação; Compras do Setor Público; Valoração
Aduaneira; Anti-Dumping – Interpretação do Artigo VI e substituição do Código sobre
o tema negociado na rodada Kennedy; Acordo sobre Carne Bovina; Acordo sobre
Produtos Lácteos; Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis.
24
3.2.3 Rodada Uruguai
Apesar de alguns sucessos pontuais, a Rodada Tóquio não conseguiu frear a
onda protecionista, fortalecida tanto pela crise do petróleo quanto pelo temor em
relação às nações conhecidas atualmente como emergentes. Segundo Jakobsen
(2005, p.51-52), “vários países em desenvolvimento, como Brasil, México, Coréia do
Sul e outros, haviam passado por uma fase bem-sucedida de substituição de
importações e já se apresentavam com competitividade no mercado internacional de
produtos manufaturados”.
Além dessa questão, havia a percepção geral de que o sistema multilateral
estava ultrapassado. Tendo sido projetado de acordo com o cenário dos anos 40, já
não atendia às necessidades do comércio internacional de quarenta anos depois. O
crescente comércio de serviços, por exemplo, impulsionado pela nascente
globalização e pelo aumento no fluxo de capitais, não estava presente nas regras do
GATT.
Outros pontos do acordo eram também alvo de críticas, como a falta de
consenso sobre as salvaguardas, a questão agrícola e até mesmo a organização
institucional do GATT e seu sistema de solução de controvérsias, entre outros
assuntos. Para Rêgo (1996, p.6) “tudo isso, aliado ao temor de que se repetissem as
guerras comerciais dos anos 30, levou à realização da mais ampla e ambiciosa
rodada de negociações de todo o pós-guerra – a Rodada Uruguai.”
As negociações para a instalação da rodada começaram em Genebra, na
reunião ministerial do GATT ocorrida no ano de 1982, mas várias divergências
surgiram nesse e em outros encontros, em especial quanto aos temas a serem
discutidos.
Enquanto os países desenvolvidos desejavam inserir assuntos como direitos
de propriedade intelectual e medidas de investimento relacionadas com o comércio,
as economias em desenvolvimento preferiam tratar da reestruturação do GATT,
abalado pela limitação dos acordos obtidos em Tóquio e pelo ressurgente
protecionismo, e pretendiam que a rodada fosse centrada em temas como a
agricultura e as salvaguardas (RÊGO, 1996)
Após quatro anos de estudos e discussões, o consenso foi atingido em
reunião realizada no balneário uruguaio de Punta Del Este, com uma agenda que
25
envolvia praticamente todos os temas pendentes no comércio internacional. Todos
os artigos do GATT também seriam revisados, nesta que foi organizada para ser a
maior e mais importante das rodadas comerciais, contando com a participação
recorde de 126 países.
Com duração inicialmente prevista de quatro anos, a rodada Uruguai
estendeu-se por outros três, mostrando a complexidade dos temas discutidos e a
dificuldade de alcançarem-se os resultados desejados.
Um ponto importante das negociações foi o acordo de Blair House, assinado
em Washington no ano de 1992 e no qual os Estados Unidos e a UE resolveram a
maioria de suas diferenças no âmbito da questão agropecuária, tema que
continuava controverso.
O “Acordo” [...] colocou fim à tática dos países em desenvolvimento de jogarem com as contradições dos países industrializados para alcançar um acordo adequado sobre a agricultura e ampliar suas exportações. A esta altura todas as cartas estavam sobre a mesa, pois os países em desenvolvimento já haviam revelado o que estavam dispostos a conceder. A convergência de interesses entre os Estados Unidos e a União Européia expressa neste “Acordo” definiu o resultado da fase final de negociações. [...] (JAKOBSEN, 2005, p. 55)
As negociações concluíram-se no ano de 1993, com o acordo final sendo
assinado em abril do ano seguinte. Assuntos delicados, que dilatariam ainda mais a
rodada, como o comércio de produtos audiovisuais e a abertura do setor financeiro,
ficaram de fora, com os firmantes comprometendo-se a continuar as discussões em
outro momento.
Os principais resultados da Rodada Uruguai foram:
Incorporação dos produtos agropecuários ao sistema multilateral de
comércio e redução de barreiras não-tarifárias.
Integração também dos produtos têxteis, com a eliminação progressiva
do acordo Multifibras.
O Acordo Geral sobre o Comércio e Serviços (GATS)
O Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (TRIPs)
O Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio
(TRIMs)
26
Criação da OMC
Instituição de um novo sistema de solução de controvérsias.
A despeito da importância dos acordos setoriais e outros avanços alcançados
durante a Rodada Uruguai, a criação da OMC, uma de suas conseqüências, tem
especial relevância para o comércio internacional.
3.3 Organização Mundial do Comércio (OMC)
A Rodada Uruguai teve como mais importante resultado a criação da OMC,
um organismo com personalidade jurídica própria e estrutura própria que
completaria, com quase 50 anos de atraso, o tripé de sustentação da ordem
econômica mundial imaginado em Bretton Woods, ao lado do FMI e do Banco
Mundial, criados já naquela época.
Essa institucionalização dos acordos internacionais de comércio foi um
grande avanço, visto que passou a existir uma estrutura fixa, dedicada
exclusivamente e permanentemente aos temas anteriormente discutidos apenas de
forma esporádica no âmbito do GATT, além do fato de a OMC ser um organismo
internacional, não um simples acordo, o que supõe uma maior autoridade e
credibilidade para decidir sobre assuntos de sua competência e para julgar disputas.
Uma diferença nesse sentido está no fato de que o GATT buscava
simplesmente a redução de tarifas, sem se preocupar em influir nas políticas de
regulação comercial dos signatários, enquanto hoje, por conta especialmente da
atribuição de solucionar conflitos que possui, “a OMC gere os acordos negociados e
aprovados pelos Estados e, simultaneamente, ao contrário do que acontecia no
GATT, controla esses acordos.” (FELIPE, 2006, p.28)
Os acordos do GATT, devidamente rediscutidos e modificados na rodada
Uruguai foram incorporados à nova instituição (assim como os outros ajustes
celebrados nesta rodada). Dessa forma, segundo Sena Júnior, (2003, p. 44) “o
GATT hoje recobrou sua natureza primitiva, ou seja, voltou a ser um simples acordo
27
sobre comércio internacional com aplicação no âmbito de uma organização
intergovernamental”.
Tal natureza primitiva era o objetivo inicial do GATT, que por conta das
dificuldades de institucionalização presentes à época de sua criação, acabou por
revestir-se de algumas das condições destinadas ao órgão que seria criado
conjuntamente, condições estas que lhe foram retiradas quando da efetiva entrada
em funcionamento da OMC, não devendo esse „retorno à natureza primitiva‟ ser
entendido como um retrocesso.
3.3.1 Funções e princípios
Instituição dotada de estrutura e corpo de funcionários permanente, a OMC
tem, naturalmente, algumas funções a desempenhar para com seus membros.
Segundo Corrêa (2001), as principais funções da organização são:
Administrar e implementar os acordos multilaterais e plurilaterais do
comércio que formam, conjuntamente, o próprio corpo normativo da
OMC;
Atuar como um fórum de negociações comerciais;
Administrar os acordos sobre solução de controvérsias;
Revisar as políticas comerciais nacionais; e,
Cooperar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com o Banco
Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), para
que se atinja um nível coerente quanto às políticas econômicas
mundiais.
Em relação ao primeiro ponto, vale notar que ao contrário do que ocorria no
GATT, quando muitos dos acordos eram de caráter plurilateral (modelo em que a
adesão é voluntária), não sendo assinados por todos os países participantes das
negociações, quase todos os acordos da OMC são multilaterais, o que exige que
sejam aceitos integralmente por todos os membros da organização.
28
Outra função a merecer maior destaque é a de revisão de políticas
comerciais, realizada com o objetivo de garantir maior transparência quanto ao
efetivo cumprimento das determinações da organização por parte de seus membros.
A OMC exerce essa função por dois meios. Um deles é a obrigação que os
governos nacionais têm de informar à instituição, por intermédio das chamadas
„notificações‟, de qualquer medida, política ou lei relacionada à sua política
comercial. O outro corresponde às revisões realizadas periodicamente pela própria
OMC, tendo como base uma declaração do próprio país analisado e um informe da
Secretaria do organismo.
Tal informe foca nas políticas e práticas comerciais dos membros, “mas
também leva em conta as necessidades mais amplas em questões econômicas e de
desenvolvimento, suas políticas e objetivos, e o ambiente econômico externo que
enfrentam” (OMC, 2007, p.53)
Após exame, conhecido como Trade Policy Review Mechanism (TPRM), tanto
a declaração do país estudado quanto o informe da Secretaria são publicados,
juntamente com a ata da reunião do órgão avaliador.
As revisões têm, na prática, dois resultados gerais, permitindo a um
observador externo o entendimento das políticas e circunstâncias de um país e
dando a cada membro da organização um feedback em relação à sua atuação no
marco do sistema multilateral de comércio (OMC, 2007)
Assim como o GATT, a OMC também surgiu num contexto em que se
combatia o fortalecimento do protecionismo nos anos anteriores, o que se refletiu
nas regras surgidas quando de sua formação. Para Rêgo (1996, p.11) “os objetivos
mais amplos das novas normas, além da maior previsibilidade das condições em
que operam o comércio internacional, são a garantia de acesso aos mercados e a
competição justa.”
Para que estes objetivos sejam postos em práticas, as normas da OMC estão
pautadas por dois princípios básicos: o da não-discriminação e o da reciprocidade. O
primeiro determina que um Estado deve tratar da mesma maneira todos os outros.
Portanto, se fizer alguma concessão a um Estado deve estendê-la a todos os
participantes do sistema multilateral de comércio. O príncipio da não-discriminação
está sistematizado dentro da OMC através de duas regras: A Cláusula da Nação
Mais Favorecida (não-discriminação de nações), já presente nos acordos do GATT,
e a Cláusula do Tratamento Nacional (não-discriminação de produtos), por vezes
29
conhecida como Princípio da Igualdade de Tratamento ou Princípio do Tratamento
Nacional.
Esta última cláusula, que também fazia parte do GATT, determina que os
produtos importados de um Estado-Membro da OMC devem receber em outro
Estado-Membro o mesmo tratamento destinado aos seus similares nacionais, tanto
em relação aos tributos quanto no que concerne a quaisquer outros encargos.
(CORRÊA, 2001).
O princípio da reciprocidade dita que as negociações envolvem trocas de
concessões, com todas as partes buscando contrapartidas para o que oferecem.
Para Rêgo (1996, p. 12) “é a reciprocidade que torna possível a realização de uma
liberalização comercial mais ampla e o estabelecimento de um código de conduta
multilateral. O equilíbrio resultante entre direitos e obrigações vai depender do poder
de barganha de cada país na negociação.” Esse princípio é usado para limitar a
atuação dos „caroneiros‟ (free riders), países que não participam ativamente das
negociações, mas utilizam-se da Cláusula da Nação Mais Favorecida para
beneficiar-se dos acordos obtidos.
3.3.2 Estrutura
A OMC conta hoje com 153 membros permanentes, entre países e „territórios
aduaneiros‟. Este corresponde a territórios com autonomia na aplicação de políticas
comerciais e é usado como forma de permitir a inclusão de regiões cuja
independência não é reconhecida pela totalidade dos membros. O caso mais notório
é o de Taiwan, que teve sua adesão bloqueada pela China até aceitar que seu
ingresso no organismo se daria com essa condição.
A maior parte dos membros era signatária do GATT, participando da Rodada
Uruguai e ingressando na OMC logo após sua criação.
Todos os membros aderiram ao sistema após negociações. Portanto, a adesão implica um equilíbrio entre direitos e obrigações. Desfrutam dos privilégios que os demais membros lhes outorgam e da segurança que as normas comerciais proporcionam. Em troca, tiveram que contrair
30
compromissos de abrir seus mercados e respeitar as normas, compromissos esses estabelecidos quando das negociações para adesão. Países que estão negociando seu ingresso já possuem a condição de „observadores‟. (OMC, 2007, p. 105)
Dentre os observadores, que atualmente são 30, encontram-se países como
Argélia, Irã, Líbia, Sérvia, entre outros, mas o maior destaque é a presença da
Rússia, cujo processo de adesão estende-se por mais de 10 anos. Atritos com vários
países vizinhos, como o conflito com a Geórgia em relação a duas regiões
separatistas, dificultam a entrada do país na organização. Mas esse não é o único
problema. Segundo Ninio (2008), “entre outras razões para o atraso em sua adesão
estão as regras que permitem monopólios como o da gigante estatal Gazprom,
tarifas de exportação e subsídios agrícolas.”
O processo de „ascensão‟ de um país a OMC tem normalmente quatro
etapas. Inicialmente, o interessado deve apresentar à organização um memorando
detalhando suas políticas comerciais e econômicas que de algum modo tenham
relação com os acordos da OMC. Esse documento será analisado por um grupo de
trabalho.
Quando a análise já tenha avançado em pontos como princípios e políticas,
começam a realizar-se conversas entre o aplicante e os membros da instituição
envolvendo temas como tarifas aduaneiras e acesso a mercados, que ocorrem de
forma bilateral, com as vantagens acordadas sendo também aplicadas aos demais
membros após a efetiva entrada do país na OMC, de acordo com as regras de não-
discriminação. (OMC, 2007)
Depois de concluídas as negociações e a avaliação do grupo de trabalho,
esse elabora um informe com as condições para a adesão do interessado. O
informe, um projeto de protocolo de adesão e as listas de concessões obtidas nas
conversas bilaterais são apresentados ao Conselho Geral ou à Conferência
Ministerial e posteriormente, a adesão do aplicante é levada à votação.
Ao contrário do que ocorre em outras instituições internacionais, o poder de
decisão dentro da OMC não é delegado a uma diretoria nem ao diretor-geral, com a
organização sendo dirigida pelos próprios países-membros.
31
Figura 1 – Organograma da OMC adaptado pelo autor Fonte: OMC, 2009a
Sendo assim, como demonstrado pela Figura 1, o órgão mais importante da
estrutura do organismo é a Conferência Ministerial, realizada ao menos uma vez a
cada dois anos com a participação de representantes de todos os países-membros e
que pode decidir sobre todas as questões que fazem parte dos acordos multilaterais,
se for solicitada alguma revisão.
As funções cotidianas são realizadas pelo Conselho Geral, que também se
reúne, quando necessário, para funcionar como Órgão de Solução de Controvérsias
ou Órgão de Exame das Políticas Comerciais.
32
No organograma da OMC constam ainda três conselhos (Comércio de Bens;
Comércio de Serviços e Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual) e diversos comitês para tratar de temas específicos.
Por fim, o Secretariado, formado por 629 pessoas de diversas nacionalidades,
dedica-se a tarefas como assistência técnicas a países em desenvolvimento, análise
do comércio mundial e organização das Conferências Ministeriais. Além disso, é por
meio do Secretariado que a OMC “anota os compromissos das partes contratantes
dos diversos acordos regidos por ela, administra a implementação das decisões
adotadas pelos países-membros e convoca grupos especiais de solução de
controvérsias (panels).” (Almeida, 1999, p. 230)
Em relação ao processo decisório, a OMC difere das outras instituições
resultantes de Bretton Woods ao adotar o sistema „um país, um voto‟. O acordo de
constituição da organização prevê votação em quatro situações específicas:
Adoção de uma interpretação para qualquer um dos acordos – maioria
de três quartos dos membros;
Isenção de uma obrigação – maioria de três quartos dos membros;
Emenda das disposições de um acordo – consenso ou maioria de dois
terços dos membros, segundo a natureza da disposição considerada;
Admissão de um novo membro – maioria de dois terços.
A principal vantagem deste modelo é que as decisões adotadas são mais
aceitáveis para todos e mesmo com as óbvias dificuldades notáveis acordos já foram
alcançados. (OMC, 2007)
As votações, porém, são normalmente postas como último recurso, sempre
com o objetivo de que as decisões sejam tomadas por consenso entre todos os
membros.
33
3.3.3 Conferências e rodada Doha
As conferências ministeriais da OMC, contando com a participação de
ministros de alto escalão dos países-membros da organização, são acontecimentos
de grande magnitude, atraindo os olhares da comunidade internacional durante sua
realização. Suas sessões, segundo Van den Bossche (2003, p.18), “são grandes
eventos para a mídia e, sendo assim, focam as mentes dos líderes políticos dos
membros da OMC nos desafios e no futuro do sistema de comércio multilateral.”
A primeira conferência ocorreu em Cingapura, em dezembro de 1996.
Durante o ano, o diretor-geral realizou consultas com o objetivo de definir a pauta de
discussões, o que não foi tarefa fácil, dadas as diferenças entre as agendas
propostas por alguns membros.
Por um lado, países desenvolvidos, reunidos no chamado „Quadrilátero‟ – ou
„Quad‟ (grupo formado por Estados Unidos, União Européia, Japão e Canadá),
defendiam que as negociações se concentrassem numa maior liberalização
comercial, enquanto outros, entre eles o Brasil, preferiam conversar sobre a
implementação dos acordos da Rodada Uruguai, especialmente em temas como
agricultura e medidas antidumping, com a agenda acabando por adotar aspectos
propostos por ambas as partes.
Ao final das negociações, reafirmaram-se os compromissos da Rodada
Uruguai e foi solicitado que comitês e grupos de trabalhos proseguissem com as
discussões em seus temas específicos, para que suas conclusões fossem expostas
nas conferências seguintes. No caso da agricultura, porém, o respectivo grupo de
trabalho mal se reunia e decidiu-se que as negociações sobre subsídios no setor
iniciariam-se apenas na terceira conferência, em 1999. (JAKOBSEN, 2005)
Outros destaques foram as discusões em relação a temas ambientais, vistos
em muitos casos pelos países em desenvolvimento como um protecionismo indireto,
a assinatura por mais de 70 países de um acordo plurilateral sobre tecnologia da
informação e a criação de grupos de trabalho para assuntos como compras
governamentais, investimentos e regras de concorrência, com esses e outros temas
que entravam na pauta pela primeira vez ganhando a alcunha de „Temas de
Cingapura‟.
34
A Conferência de Cingapura não avançou na implementação dos acordos anteriores e de interesse dos países em desenvolvimento e nem foi abrangente como pretendiam os países desenvolvidos, mas serviu muito bem para que eles começassem a montar a agenda para o futuro, em particular a partir da conferência a realizar-se em 1999. (JAKOBSEN, 2005, p. 75)
A segunda conferência, realizada em Genebra, no ano de 1998, além de
reafirmar compromissos e celebrar os 50 anos do GATT, apenas confirmou a
realização de um novo encontro no ano seguinte, na cidade americana de Seattle,
onde se pretendia iniciar uma nova rodada de negociações comerciais, já
previamente denominada „Rodada do Milênio‟, para tratar de temas cuja discussão
fora adiada para permitir a implantação da OMC.
Mas a Conferência de Seattle foi um grande fracasso dentro das negociações
multilaterais. Antes mesmo de seu início, já se encontrava abalada por questões
como a escolha do novo diretor-geral da OMC, que opôs um candidato dos países
desenvolvidos e outros das nações em desenvolvimento. Mesmo após acordo para
dividir o tempo de mandato entre ambos era notável que a disputa havia gerado
ressentimentos.
Entre outros pontos que contribuíram para o fiasco encontra-se o sentimento
que nutriam muitos pequenos países de estarem sendo excluídos das negociações,
que ocorriam normalmente entre grupos de alguns poucos países (Quad e
emergentes de maior peso, como Brasil, China e Índia), com as grandes potências
desejando que acordos obtidos de tal forma fossem aceitos por todos.
O cenário econômico mundial também não ajudou. Crises na Ásia, na Rússia
e no Brasil resultaram em tentações protecionistas. Diante de tal panorama,
Jakobsen (2005, p. 77) conclui que “o momento não era muito favorável à
negociação de acordos ambiciosos e muito menos para o lançamento de uma nova
rodada, quando muitos dos acordos da anterior sequer haviam entrado em vigor,
como era o caso da agricultura e do Acordo Multifibras.”
Para completar, a definição da pauta de discussões era muito difícil, não
havendo acordo nem mesmo entre os membros do Quad, como no caso do setor
agrícola, onde a UE estava inflexível e os Estados Unidos encontravam-se em
situação ambígua, já que aceitavam incluir o tema nas negociações, mas a força do
lobby protecionista levava o governo de Washington a ser cauteloso quanto às
concessões na área.
35
Quando da reunião propriamente dita, somaram-se aos problemas
previamente conhecidos fortes manifestações de organizações „antiglobalização‟,
anarquistas, entre outras, o que deixou a Conferência com um clima ainda mais
pesado.
Por fim, os trabalhos foram suspensos, com a definição de que uma nova
reunião seria marcada quando as discussões para criação da nova rodada
estivessem mais adiantadas.
As discussões continuaram dentro do Conselho Geral da OMC e uma nova
conferência, a ser realizada em Doha, foi marcada para 2001. O medo de que um
novo fracasso abalasse mais ainda a confiança no sistema multilateral de comércio
resultou em um maior ímpeto para que dessa vez fosse acertada a criação de uma
rodada de negociações comerciais.
Outra razão que aferiu grande importância à Conferência de Doha foi sua
realização logo após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. A
ameaça terrorista causou um clima de incerteza quanto aos rumos da economia
mundial, que poderia ser ainda maior se ocorrose um novo fracasso na OMC.
(FELIPE, 2006)
Nas negociações antes e durante a conferência acentuou-se um fenômeno já
presente desde o GATT e que ganharia destaque ainda maior nos anos
subsequentes, que é a formação de coalizões de países com interesses
convergentes, que desse modo ganham maior peso nas discussões. Além do
supracitado Quad, outra coalizão de destaque em Doha é o Grupo de Cairns.
Presente desde a Rodada Uruguai, o Grupo de Cairns é formado, entre
outros, por países como Brasil, Austrália, África do Sul, Argentina e Canadá, que
“caracterizados por sua grande competitividade agrícola, buscam uma real e efetiva
liberalização da agricultura no comércio mundial.” (THORSTENSEN e JANK, 2005,
p.55)
A Conferência de Doha alcançou um acordo importante em relação ao TRIPS,
envolvendo questões como a quebra de patentes de alguns medicamentos, mas seu
principal resultado foi a confirmação do lançamento de uma nova rodada de
negociações multilaterais, a primeira desde a implantação da OMC.
Apesar dos avanços, a resolução final da conferência era um tanto confusa,
principalmente no tocante aos prazos e a alguns assuntos da pauta, em especial os
Temas de Cingapura. Definiu-se que a próxima conferência decidiria se negociações
36
sobre estes temas seriam ou não abertas, caso houvesse consenso sobre as
„modalidades‟, que são as regras que orientam as listas de produtos ou as ofertas de
redução tarifária.
A quinta conferência ministerial da OMC realizou-se no ano de 2003, no
balneário mexicano de Cancún. Mesmo precedida por várias reuniões, a conferência
encerrou-se quase sem avanços, em especial sobre a discussão ou não dos Temas
de Cingapura, exigência dos Estados Unidos e da UE, e em relação à questão
agrícola, assunto mais reivindicado pelos países em desenvolvimento.
Data desse período a criação do G-20, grupo composto por vários
emergentes e outros países em desenvolvimento unidos principalmente em torno da
questão agrícola e que conseguiram evitar uma resolução final que prejudicasse
suas aspirações. Para Santos (2006, p. 121) “em síntese, a Reunião de Cancún
demonstrou que os países em desenvolvimento são capazes de expressar seus
interesses quando unidos em coalizões bem estruturadas.”
Apesar de pressionado por estratégias como a busca dos Estados Unidos por
acordos bilaterais ou regionais com alguns membros ou potenciais parceiros, o G-
20, a despeito de algumas defecções, consolidou-se como um bloco reconhecido
como parte central das negociações do sistema multilateral de comércio, status que
vem mantendo desde então.
A Rodada Cancún resultou também numa mudança de foco do Brasil em
relação à suas alianças, com o país passando a priorizar uma retórica „sul-sul‟, com
ênfase nos líderes regionais dos países em desenvolvimento, como África do Sul e
Índia, em detrimento de uma aliança de agroexportadores (como ocorria no Grupo
de Cairns, que contava com países desenvolvidos, tais como Austrália e Canadá).
Enfim, o Brasil deixou de lado uma aliança temática de super liberais agrícolas para
iniciar outra de caráter mais político com países em desenvolvimento (FELIPE, 2006)
Antes da sexta conferência ministerial, o Conselho Geral da OMC alcançou,
em julho de 2004, um importante acordo. Dentro deste, ficou acertada a exclusão
dos Temas de Cingapura da pauta de discussões da Rodada Doha, com exceção da
facilitação de negócios.
Outro ponto interessante desse acordo é que foi assumido o compromisso de
negociar o fim dos subsídios à exportação de produtos agrícolas, um dos
mecanismos que distorcem o mercado internacional. Para Jakobsen (2005, p. 87)
“embora não haja prazo para isto, apenas a menção a uma data crível (credible end
37
date), a boa notícia é que pela primeira vez se admitiu explicitamente eliminar os
subsídios [...].”
Este tema foi retomado durante os seis dias de negociação da Conferência de
Hong Kong, em dezembro de 2005, com o ano de 2013 sendo estabelecido como
prazo final para o fim desse tipo de subsídio. Deve notar-se, porém, que os
subsídios à exportação representam apenas uma pequena parte das vantagens
outorgadas pelos governos dos Estados Unidos e da UE a seus produtores, não
existindo avanço quanto a outros mecanismos aplicados concomitantemente.
Em relação aos bens não-agrícolas, houve pressão dos países desenvolvidos
para que as tarifas desses produtos sofressem reduções. Destaca-se no processo a
chamada „Fórmula Suíça‟, um método de calcular o percentual de diminuição de
cada tarifa que foi aceito durante as negociações, embora a declaração final da
conferência não tenha sido explícita, aceitando tal fórmula apenas como um
parâmetro.
Sobre o Brasil, os temas ofensivos de maior interesse para o país, como
fórmula de redução tarifária e tratamento de produtos sensíveis, não evoluíram como
desejado em Hong Kong. A definição de 2013 como data final para o fim dos
subsídios à exportação de produtos agrícolas é vista apenas como um avanço
pequeno e secundário dentro das prioridades brasileiras. (FELIPE, 2006)
A mais recente reunião da Rodada Doha (sem caráter de conferência)
aconteceu no ano de 2008, em Genebra, sede da OMC. Novamente houve um
fracasso nas negociações dos temas mais polêmicos.
Além de questões tradicionais, como os subsídios agrícolas e as tarifas de
bens industriais e serviços, outros assuntos travaram as discussões. Destaque para
o Mecanismo de Salvaguarda Especial (MSE), tema que causa controvérsias desde
reuniões anteriores. Considerado prioridade para os negociadores indianos, o MSE
“permitiria aos países em desenvolvimento aumentar as tarifas em até 15 pontos
percentuais no caso do aumento de 40% das importações de determinado produto
ou de um súbito aumento de preços em seus mercados internos” (G1, 2008)
Restrições da China a abrir mão de algumas práticas protecionistas na
agricultura também emperraram as conversas, além de questões como a de um
acordo para reduzir a taxa imposta pela UE sobre as bananas produzidas na
América Latina, outro tema histórico nas negociações multilaterais, e que causa
preocupação nos países do chamado bloco ACP (África-Caribe-Pacífico), que já
38
dispõem de isenção de taxas alfandegárias para vender este produto ao mercado
europeu.
A rodada Doha encontra-se atualmente em um limbo, com as dificuldades
para atingir-se um acordo final podendo crescer ainda mais com o corrente cenário
de crise econômica. A despeito dos problemas, declarações recentes como a do
ministro chinês do comércio, que disse que as negociações serão retomadas quando
da reunião de cúpula do G-8 com países em desenvolvimento, em julho, e do diretor-
geral da OMC, o francês Pascal Lamy, afirmando que é possível o acerto de um
acordo que conclua a Rodada até o fim de 2009, trazem a expectativa de que as
diferenças sejam resolvidas e um amplo acordo multilateral possa ser assinado.
39
4 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
Tema que intitula essa monografia, a solução de controvérsias no sistema
multilateral de comércio será abordada no corrente capítulo, com o estudo de seu
histórico, objetivos, funcionamento, entre outros assuntos. Trata-se de importante
mecanismo que auxilia no efetivo cumprimento das normas da OMC.
4.1 Solução de controvérsias no GATT
Não tendo sido criado como uma organização internacional, mas sim como
um acordo multilateral de comércio, o GATT, em seu texto inicial, trazia apenas dois
artigos referentes à solução de controvérsias, que previam, em resumo, consultas
bilaterais em caso de divergência sobre práticas comerciais e, caso não houvesse
consenso, consultas multilaterais envolvendo também outros signatários.
Esse procedimento, fortemente diplomático, sofreu alterações na década de
50, com a instituição dos painéis de peritos, especialistas no assunto em questão
que se reuniam para analisar a controvérsia e, ao final de suas discussões,
apresentavam um relatório ao Conselho de Representantes do GATT, órgão no qual
estavam presentes todos os países que firmaram o acordo.
Mas, o modelo era limitado e esteve longe de ser um fórum efetivo de solução
de disputas comerciais. Sua mais importante falha era que as principais decisões, as
que envolviam o estabelecimento de um painel, a adoção do relatório do painel e a
autorização de suspensão das concessões, eram tomadas por consenso positivo
(VAN DEN BOSSCHE, 2003).
Com o consenso entre todas as partes sendo elemento obrigatório, os países
demandandos podiam bloquear as decisões que lhe prejudicavam. Tal fato,
naturalmente, era de freqüente ocorrência e paralisava muitas das análises das
questões levadas ao âmbito do GATT.
Outro ponto importante para entender o sistema e sua fragilidade é a própria
constituição do GATT como um acordo multilateral de comércio, sem a
40
personalidade jurídica e mesmo a força política de uma organização internacional.
Nesse sentido, o sistema de solução de controvérsias do acordo era excessivamente
diplomático, instando as próprias partes a alcançarem um acordo e somente
autorizando sanções no caso de as circunstâncias do caso em disputa serem
consideradas „suficientemente sérias‟, expressão ambígua e que possibilitava
diversas interpretações quando aplicada aos casos.
Traduzidas na linguagem do GATT como „suspensão de concessões ou outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos‟, [...] as sanções eram entendidas como instrumentos para reestabelecer a harmonia das concessões recíprocas, rompida por uma conduta alheia. Em outros termos, a „anulação ou restrição‟ dos benefícios assegurados a uma parte impunha ao respectivo responsável a obrigação de retornar ao status quo ante para cessar a fonte de prejuízos. Em caso de inércia, a sanção surgia para permitir ao prejudicado a suspensão de suas próprias concessões ou outras obrigações, como forma de restaurar a igualdade de condições anteriormente existente. (ÁRABE NETO, 2008, p. 9)
Verifica-se, portanto, a preocupação do sistema, extensiva a outros modelos
de solução de controvérsias, de retomar o equilíbrio e a harmonia entre as partes em
disputa.
O sistema evoluiu com o decorrer dos anos, com diversos entendimentos em
relação aos procedimentos e decisões apresentados nos relatórios já publicados
sendo cada vez mais usados como uma espécie de jurisprudência, especialmente a
partir dos anos 80, quando o Secretariado do GATT criou um Escritório Jurídico, com
o objetivo de auxiliar os painéis a melhor fundamentar suas decisões, o que
aumentou a confiança no modelo de solução de disputas comerciais do acordo.
O sistema de solução de controvérsias do GATT evoluiu desde um modelo
com base no poder político e que resolvia os conflitos de maneira diplomática para
um sistema estabalecido sobre o poder da norma para a tomada de decisões por
meio de julgamento. (VAN DEN BOSSCHE, 2003)
Os números quanto à efetiva utilização são divergentes, mas o GATT
Analytical Index, aponta uma cifra de quase 200 conflitos levados ao sistema em
pouco menos de 50 anos, com os relatórios tendo um índice de aceitação de cerca
de 40%. (OMC, 2009b)
Tais números demonstram que, a despeito de seus defeitos, “[...] o sistema de
solução de controvérsias do GATT era admirado o bastante para que vários
interesses de política comercial fossem submetidos a ele” (JACKSON, 1997 apud
41
BARRAL, 2002a). O acordo ao qual era vinculado também era apreciado por vários
participantes das negociações multilaterais de comércio.
Apesar de todas as deficiências do GATT, sua notável capacidade de adaptação resultou em progressos salutares. A intensificação de seu viés jurídico (rule-oriented) e a gradual limitação da vertente política como força motriz de seu sistema de solução de controvérsias, permitiu ao GATT perdurar por quase meio século como o principal instrumento de regência do sistema multilateral de comércio. (ÁRABE NETO, 2008, p.11)
Assim, mesmo com suas visíveis limitações, o sistema de solução de
controvérsias, assim como o próprio GATT, era visto com bons olhos, e tal apreço
estimulou as discussões para que um modelo mais preciso e adequado ao cenário
internacional do fim do século XX estivesse incluso na organização que se pretendia
criar na Rodada Uruguai.
4.2 Discussões e Acordo na Rodada Uruguai
As limitações do modelo de solução de controvérsias do GATT ficaram mais
claras a partir dos anos 70, quando o sistema passou a receber casos de maior
importância e repercussão. Mesmo com as melhorias que recebeu durante sua
vigência, o sistema GATT se mostrou incapaz de resolver disputas de maior vulto,
muito em função da obrigatoriedade de consenso positivo.
Com tal incapacidade tornando-se cada vez mais latente, a criação de um
novo modelo para a solução de controvérsias no sistema multilateral de comércio foi
incluída na pauta de discussões da Rodada Uruguai, que, como supracitado, foi a
mais ampla rodada de negociações realizada no âmbito do GATT e buscava atingir
acordos em grande número de temas.
Importante para compreender o panorama ao redor do assunto à época é a
situação dos Estados Unidos frente ao tema, dado o peso que o país possui nas
negociações, além do fato de os americanos serem, já nesse período, alvo de
grande número de reclamações levadas ao sistema de solução de controvérsias.
O fortalecimento do modelo de solução de disputas comerciais pode ser visto
como meio-termo para equilibrar as reclamações dos próprios americanos, que
42
acreditavam que o sistema do GATT era insuficiente para proteger adequadamente
seus interesses e o desejo dos demais atores do sistema multilateral de domar o
unilateralismo da política comercial dos Estados Unidos (ÁRABE NETO, 2008)
Outro fator a instigar as partes participantes da Rodada Uruguai a alcançar
um acordo no tema era a própria complexidade das negociações realizadas.
A criação da OMC, com status jurídico definido no marco do Direito Internacional, [...] elevaria o foro comercial multilateral a um nível sem precedentes. Com a ampliação da liberdade comercial advinda por meio dos acordos, aumentariam também as divergências quanto à interpretação e implementação das regras. Sem um mecanismo eficiente para solucionar conflitos, um sistema baseado em regras ficaria enfraquecido, uma vez que as mesmas poderiam não ser cumpridas. (SCHIMANSKI, 2006, p. 75)
Com isso, apesar de entraves pontuais, aprovou-se, ao fim da Rodada, um
acordo para a criação de um novo modelo para mediar as disputas comerciais na
OMC. O „Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de
Controvérsias (ESC)‟ define em seus 27 artigos como deverá atuar a organização
quando diante de uma controvérsia entre seus membros.
Ao compará-lo com o sistema existente anteriormente, Barral (2002a, p. 33)
afirma que “a primeira observação a ser feita é que o novo mecanismo é fruto de
obrigação jurídica consubstanciada em um extenso tratado internacional, e não
resultado de prática reiterada, como no GATT, em que apenas dois artigos
sustentavam todo o procedimento”.
Em outras palavras, enquanto o modelo do GATT tinha uma base legal
extremamente restrita e foi sendo construído durante sua vigência por meio da
adoção de decisões anteriores como jurisprudência para casos futuros, o sistema
aprovado para a OMC estava claramente definido num grande acordo internacional
e pronto para ser posto em prática.
Dentre as mudanças trazidas pelo ESC, destaque para a inversão do criticado
consenso positivo. O entendimento pôs em vigência seu exato oposto, o conceito
conhecido como „consenso negativo‟, no qual qualquer procedimento do sistema só
pode ser bloqueado se todas as partes concordarem. Tal alteração visava,
naturalmente, evitar as interrupções características do modelo do GATT e assegurar
o andamento do processo.
Outra inovação a se ressaltar é a criação de um Órgão de Apelação, formado
por sete especialistas em assuntos como Comércio Internacional, Acordos
43
Comerciais e Direito Internacional, cujo mandato dura quatro anos e que recebe as
reclamações das partes envolvidas no litígio (terceiros não podem recorrer a ele)
quanto ao decidido pelo painel e emite um parecer sobre essa decisão, cuja
aceitação também está submetida ao „consenso negativo‟.
Essa questão está intimamente relacionada à adoção quase automática do
relatório do painel causada pelo novo modelo decisório e demonstra a preocupação
dos membros com a qualidade desses relatórios. (VAN DEN BOSSCHE, 2003)
Por fim, outra modificação resultante do ESC a merecer maior ênfase é a
unificação dos procedimentos, através da criação de um modelo com normas e
prazos pré-definidos. Uma das críticas à solução de controvérsias no GATT era o
fato de que suas fases transcorriam em tempos diferentes dependendo do caso,
com ingerências políticas e protelações distorcendo a uniformidade temporal que
deveria ser regra.
Com a unificação, os firmantes do entendimento buscavam evitar esse
fenômeno e garantir maior agilidade ao processo de solução de disputas, que, em
tese, seriam resolvidas em um período pré-determinado.
4.3 Solução de Controvérsias na OMC
Um dos principais resultados da Rodada Uruguai, o sistema de solução de
controvérsias é apresentado pela organização como “a pedra angular do sistema
multilateral de comércio e uma contribuição excepcional da OMC à estabilidade da
economia mundial. [...] O sistema da OMC deixa claro o império da lei e traz maior
segurança e previsibilidade ao sistema de comércio”. (OMC, 2007, p. 55)
Para coordenar o processo, o ESC, em consonância com o Acordo Geral da
OMC, definiu que o Conselho Geral se reuniria para mediar as disputas,
administrando as normas dos acordos assinados no âmbito da organização e
aplicando o modelo de solução de controvérsias instituído. Tais reuniões não se
dariam do modo usual, mas através de regras e procedimentos próprios, com a
criação de um órgão dedicado exclusivamente a esse papel, o OSC.
44
O OSC é usualmente considerado uma „especialização funcional‟ do
Conselho Geral e dada a relevância que lhe foi atribuída como árbitro de disputas
comerciais internacionais, algumas de grande magnitude, é possível afirmar que
essa função é a mais importante do Conselho Geral da OMC.
Mantendo o viés conciliatório do GATT, o sistema de controvérsias estabelecido na OMC favorece a resolução amigável de disputas. Uma solução aceita entre as partes em disputa e que não contrarie nenhuma norma dos acordos firmados é preferida. Na ausência de uma solução desse tipo, o primeiro objetivo do sistema de controvérsias é garantir a remoção das medidas contrárias aos acordos. Compensações só deverão ser usadas quando a remoção imediata da medida é impossível. Elas devem ser usadas temporariamente, até que se removam as medidas em questão. (LIMA, 2004, p.48)
Como acima exposto, a resolução amigável das disputas é uma das maiores
preocupações do OSC, que busca prioritariamente um entendimento entre os
próprios litigantes, sem que haja a necessidade de aplicar-se inteiramente o
processo previsto pelo ESC, que demanda tempo e dinheiro aos envolvidos.
Nesse sentido, o procedimento pode ser interrompido a qualquer momento
por um acordo entre as partes, desde que esse, naturalmente, não contradiga o
disposto nos vários acordos que fazem parte da organização.
Parte da OMC, o OSC compartilha o caráter intergovernamental da
organização em que está assentado. Em seu caso, isso significa que apenas os
Estados membros (o que inclui os territórios aduaneiros que fazem parte da
instituição) podem apresentar queixas e requisitar a abertura de um processo,
caracterizando assim as disputas como um conflito de interesses nacionais e não
apenas de determinadas empresas ou grupos econômicos.
Uma exceção a essa natureza „estatal‟ do OSC encontra-se em decisões do
Órgão de Apelação, onde defende seu direito (extensivo ao painel) de aceitar e levar
em consideração os chamados „amicus curiae briefs (sumário dos amigos da corte)’,
documentos apresentados por indivíduos, companhias ou organizações. Tal
aceitação é alvo de fortes críticas da maioria dos membros da OMC. (VAN DEN
BOSSCHE, 2003)
Dotado de tais características e inovações, o OSC possui jurisdição
compulsória sobre todos os membros da organização. De acordo com Schimanski
(2006, p. 77) “a própria acessão à OMC constitui consentimento e aceitação à
45
jurisdição do sistema de solução de controvérsias da OMC. Ainda com relação à
jurisdição, vale ressaltar que o sistema tem somente jurisdição contenciosa e não
caráter consultivo”.
Esse último ponto reflete a existência de apenas um procedimento dentro de
todo o âmbito do OSC, com o órgão não podendo ser apenas consultado, ao
contrário de outros „tribunais internacionais‟, como a Corte Internacional de Justiça.
4.3.1 Consultas
Em harmonia com o espírito conciliatório idealizado por seus criadores, a
primeira etapa do „contencioso‟, termo jurídico usualmente empregado para designar
os processos do OSC, é a de consultas, na qual os envolvidos devem reunir-se para
tentar resolver a questão entre si.
O procedimento inicia-se quando o membro da organização que julga estar
sendo prejudicado por práticas desleais de outro membro envia a este um pedido de
consultas (informado, naturalmente, ao OSC e a outros comitês da OMC
eventualmente relacionados ao caso).
O demandado tem um prazo de 10 dias após o recebimento para responder à
solicitação e outro de 30 dias para efetivamente iniciar a etapa. Para esse último
caso, há a possibilidade de as partes, em acordo mútuo, estabelecerem um período
diferente.
Em relação a terceiros que possuam interesse na matéria em discussão, o
ESC, prevê expressamente a possibilidade de que outros membros participem das
conversas.
Membros que possuam interesse na matéria em consulta podem requerer aos
envolvidos e ao OSC, num prazo de 10 dias após o pedido inicial, sua inclusão nas
discussões. Para que isso ocorra, a parte demandada deve concordar e o ingresso
do terceiro notificado ao OSC. Se o pedido não for aceito, o membro pode pedir seu
próprio pedido de consultas. (OMC, 2009c)
Caso as consultas, que são confidenciais, não conseguirem solucionar a
disputa em 60 dias, a parte reclamente pode solicitar a abertura de um painel.
46
Em casos em que o OSC julgue que há urgência, como nos envolvendo bens
perecíveis, os prazos reduzem-se a 10 dias do recebimento do pedido para início
das consultas e a 20 para que o demandante adquira o direito de requerer a
instalação do painel.
Existe ainda a possibilidade de as partes recorrerem a alguns mecanismos
diplomáticos: os bons ofícios, que consistem em sugestões externas, normalmente
de Comitês da própria OMC, a mediação e a conciliação. O próprio diretor-geral da
organização, em situação prevista pelo ESC, pode, em caráter ex officio, atuar
nesses três instrumentos.
Os envolvidos podem utilizar esses procedimentos a qualquer momento,
desde que sua instituição seja de comum acordo. Podem utilizá-los inclusive durante
o painel, dependendo exclusivamente do que convencionarem as partes do
processo. (SCHIMANSKI, 2006)
Constata-se, portanto, que antes do OSC ser efetivamente chamado à ação,
existem duas etapas, uma obrigatória, outra facultativa, mostrando mais uma vez a
intenção de seus idealizadores de transformá-lo em um „facilitador‟ de acordos,
funcionando como tribunal apenas em casos onde as divergências são de tal
maneira fortes que não há solução entre os próprios litigantes.
Para Árabe Neto (2008, p. 17), “não obstante sua natureza compulsória, seu
sucesso fica condicionado à vontade dos contendores em transigir - o que nem
sempre ocorre, principalmente quando há grande discrepância de poder entre eles,
ou quando os interesses em debate são significativos.”
O sucesso das consultas pode ser melhor avaliado através da apresentação
dos números relativos à sua atuação. Dos 379 contenciosos abertos pelo OSC
desde sua criação até julho de 2009 e que já passaram por essa etapa (outros 16
ainda não saíram da primeira fase), as consultas solucionaram um total de 178, um
índice de aproximadamente 47%. (OMC, 2009d)
Conclui-se, portanto, que a etapa de consultas tem um efeito relativamente
positivo sobre o sistema de solução de controvérsias da OMC, já que apenas com
conversas entre os conflitantes quase metade dos casos levados ao OSC foram
solucionados, sem que houvesse necessidade de recorrer ao aparato do órgão.
47
4.3.2 Painel
Quando as consultas encerram-se sem conseguir resolver a divergência,
abre-se a possibilidade de a parte reclamante requerer a segunda etapa (não se
considerando os mecanismos facultativos), que se materializa com o pedido ao OSC
de abertura de um painel, pedido esse que deve, naturalmente, explicitar o que está
sendo contestado e a base legal da reclamação.
Os painéis (também conhecidos como „grupos especiais‟) estão sob a
chancela do consenso negativo e como, ao menos em teoria, o requerente não
bloqueará a continuidade do processo, sua instituição é um ato automático, sendo
responsabilidade do OSC tomar as medidas necessárias à sua criação.
Sobre a natureza dos painéis, Árabe Neto (2008, p.18) afirma que “ao
contrário da etapa de consultas, essa fase tem caráter predominantemente
jurisdicional, uma vez que retira a análise da controvérsia da esfera das partes,
encaminhando-a a um terceiro independente [...].”
Os painéis, como tal, limitam parcialmente a ingerência política, ao
concentrarem-se principalmente no exame das questões jurídicas relativas à disputa,
em especial nos pontos que remetem aos acordos que constituem a OMC. Ainda
que seja leviano afirmar que os fatores políticos não influenciam esse momento do
processo de solução de controvérsias, é notável que sua participação na etapa de
painéis é muito menor que na fase anterior e em outras posteriores.
Ainda sobre as características do painel, uma inovação interessada trazida
pelo modelo é a possibilidade de inclusão de terceiros. Diferentemente do sistema
anterior, países podem aderir a um painel já em andamento. Um agente pode
requerer a abertura do painel e em seguida vários outros países podem nele
ingressar. Se a estratégia é bem-sucedida, todos ganham, não apenas o requerente.
Com isso, conflitos antes insignificantes para países desenvolvidos, por
confrontarem-no com apenas uma nação em desenvolvimento, ganham relevância,
ao envolverem uma série de membros. (LIMA, 2004)
Esses „terceiros‟ devem notificar ao OSC seu interesse em participar do painel
e possuem o direito de serem ouvidos e de fazer representações por escrito. O que
for apresentado pelos terceiros deve ser entregue aos outros participantes e deve
ser levado em conta nas decisões do painel.
48
Schimanski (2006, p. 79) define que “a função do painel é avaliar
objetivamente os fatos do caso e a aplicabilidade dos acordos aos quais a demanda
for pertinente, observando se há conformidade entre eles e formulando conclusões a
respeito”.
Nota-se mais uma vez o viés jurídico dessa etapa, com a definição de sua
função dando ênfase aos acordos constituintes da OMC, que são a base legal para
os apontamentos realizados pelo painel.
Os painéis não são organismos permanentes, sendo criados especificamente
para cada caso (é comum o uso da expressão ad hoc, oriunda do Direito Romano,
para designar esse atributo). Com a conclusão desse, ocorre também o fim de sua
existência.
A composição dos painéis, via de regra, é de três indivíduos, selecionados a
partir de uma lista de especialistas em variados assuntos mantida pelo Secretariado
da OMC ou por sugestões dos interessados. Tais pessoas não devem ser nacionais
de qualquer uma das partes (salvo se todos concordarem com sua participação), o
que se estende a cidadãos de países-membros de mercados comuns (atualmente
apenas a União Européia), quando esses estiverem envolvidos no contencioso como
uma só parte, o que é comum no caso europeu.
Os componentes do painel, de acordo com Van Den Bossche (2003, p. 53-
54), “[...] são frequentemente diplomatas ou oficiais de governo que trabalham na
área de comércio, mas também acadêmicos e advogados praticantes servem
regularmente como painelistas”.
Em relação a isso, o ESC afirma de forma inequívoca que os painelistas
devem servir em seu próprio nome, e não como representantes de governos ou de
qualquer tipo de organização, com os membros da OMC não devendo tentar
influenciar os componentes do mecanismo, ainda que sejam seus próprios
funcionários.
A nomeação dos painelistas é feita pelo presidente do OSC e as partes
podem opor-se aos nomes apresentados, caso julguem que são inadequados. O
prazo determinado para a definição dos integrantes do painel é de 20 dias.
Se, após o prazo, não há acordo quanto ao tema, o Diretor-Geral da OMC,
após pedido de qualquer uma das partes e conversas com todos os contendores,
deve, em conjunto com os presidentes do OSC e dos comitês ou conselhos
relacionados à matéria, apontar os painelistas que considera mais apropriados em
49
função dos Acordos nos quais o contencioso está fundamentado. O presidente do
OSC deve, então, informar a composição do painel aos envolvidos em não mais de
10 dias após receber o pedido. (OMC, 2009c)
Outra questão prevista é que caso a controvérsia em discussão envolva um
país em desenvolvimento em oposição a um desenvolvido, o primeiro pode requerer
que ao menos um dos componentes seja cidadão de uma nação em
desenvolvimento.
Ainda sobre os painelistas, o ESC prevê que tanto as deliberações realizadas
conjuntamente quanto suas opiniões individuais são estritamente confindenciais,
assim como são fechadas as reuniões onde são redatados os relatórios.
Pode-se dizer que essa característica do processo apresenta dois aspectos contrapostos. Se por um lado há uma impressão de obscuridade no procedimento, pois não se sabe ao certo o que realmente foi levado em conta na elaboração do relatório; por outro lado se o posicionamento de cada integrante fosse conhecido, a cada novo painel, os litigantes o levariam em consideração, podendo causar um grande conflito por razões óbvias, no momento da instituição de um novo painel (SCHIMANSKI, 2006, p.80)
Assim, apesar dessa „impressão de obscuridade‟, a confindencialidade é um
atributo importante do painel (o que também ocorre em outras etapas do sistema de
solução de controvérsias), pois evita que os painelistas fiquem „marcados‟ ou
„estereotipados‟ por suas decisões anteriores, o que traria grandes dificuldades para
sua inclusão em painéis posteriores.
O procedimento determina que salvo se o painel determinar apresentação
simultânea, a parte reclamante deve ser a primeira a expor suas posições iniciais.
Os envolvidos devem estar presentes na primeira reunião substantiva entre as
partes e os painelistas, onde o reclamante será o primeiro a relatar suas alegações,
sendo seguido pelo demandado. Os terceiros, que podem estar presentes durante
toda a reunião, terão um espaço próprio para explicar suas opiniões.
Assim como as posições iniciais devem ser expostas antes da primeira
reunião, as réplicas formais devem ser entregues por escrito ao painel antes da
segunda reunião substantiva. Dessa vez, porém, troca-se a ordem de exposição das
opiniões das partes, com o demandado sendo o primeiro a fazer uso da palavra.
Durante suas deliberações, o painel tem liberdade para obter informações de
governos, pessoas e entidades, sempre que entenda que é necessário. É previsto
50
ainda que “se uma das partes levantar questões de caráter científico ou técnico, o
painel pode consultar especialistas ou designar um grupo consultivo de especialistas
para que prepare um informe a respeito” (OMC, 2007, p.57)
A nomeação dos membros e a atuação desses „grupos consultivos de
especialistas‟ são disciplinadas pelo ESC, em seu Apêndice 4, onde estabelece
algumas regras para a correta utilização dos préstimos desses especialistas.
Uma das preocupações do texto do acordo nesse ponto é especificar o
acesso das partes às informações usadas pelo grupo de especialistas, dispondo que
todo material não-confidencial é de livre consulta por parte dos litigantes, com o
repasse de dados considerados confidenciais dependendo da autorização de quem
os forneceu. O ESC também especifica essa questão no que diz respeito aos outros
procedimentos do painel.
Em prol da total transparência, as exposições, réplicas e declarações se
darão na presença das partes. No mesmo sentido, as comunicações por escrito,
onde se incluem comentários sobre a parte descritiva do relatório e respostas às
perguntas realizadas pelos painelistas, serão postas à disposição de todas as
partes. (OMC, 2009c)
O informe do painel tem uma apresentação escalonada, de modo a permitir
aos contendores a realização de observações e comentários. A primeira peça a ser
exibida aos interessados é a supracitada „parte descritiva do relatório‟, texto no qual
constam apenas os fatos e a argumentação dos painelistas. Os litigantes têm duas
semanas para manifestar alguma posição.
Segue-se então a publicação do relatório provisório, que conta agora com as
constatações e conclusões do painel. As partes podem pedir uma revisão, durante a
qual se abre a possibilidade de novas reuniões com os envolvidos.
Finda a revisão, o relatório definitivo, contendo a opinião final dos painelistas
é enviado aos interessados e após três semanas, aos demais membros do OSC.
Nesse documento, se o painel decide que a medida em questão é
incompatível com algum acordo ou obrigação da OMC, ele recomenda que tal
medida seja posta em conformidade com as regras que norteiam o sistema
multilateral de comércio, podendo inclusive sugerir o modo como isso pode ser feito.
(OMC, 2007)
Os procedimentos para atuação do painel acima expostos podem ser
alterados por seus integrantes, desde que o façam antes de seu início e após
51
consultas aos interessados. O que não pode ser objeto de modificação é o prazo
para conclusão, que é em geral de seis meses (três para casos urgentes), podendo
estender-se por no máximo nove meses, salvo se há uma suspensão nos trabalhos
do painel, que pode ocorrer unicamente por requisição da parte reclamante e por um
período de não mais de um ano.
A Tabela 1 traz os prazos previstos pelo ESC para a realização dos trabalhos
do painel.
Tabela 1 – Adaptação feita pelo autor do calendário previsto pelo ESC para a realização dos
trabalhos do painel
Etapa Prazo
Recebimento das comunicações iniciais:
- Parte Reclamante:
- Parte Demandada
3 a 6 semanas
2 a 3 semanas
Primeira Reunião Substantiva; sessão
dedicada aos terceiros
1 a 2 semanas
Recebimento das réplicas 2 a 3 semanas
Segunda Reunião Substantiva: 1 a 2 semanas
Entrega às partes da parte descritiva do
relatório
2 a 4 semanas
Recebimento de comentários das partes
sobre a parte descritiva do relatório
2 semanas
Entrega às partes do relatório provisório 2 a 4 semanas
Prazo para o pedido de reexame
Período de revisão, incluindo possível nova
reunião com as partes
1 semana
2 semanas
Entrega às partes do relatório definitivo 2 semanas
Distribuição do relatório aos demais
membros
3 semanas
Fonte: OMC, 2009c
Com o painel tendo completado suas atividades, resta ainda nessa segunda
etapa do sistema de solução de controvérsias a decisão sobre a adoção ou recusa
do relatório elaborado pelos painelistas.
Tal decisão deve ser tomada em uma reunião do OSC cuja realização deve
ocorrer entre 20 e 60 dias após a distribuição do relatório aos membros. Como
nessa questão é também adotado o consenso negativo, o procedimento é
basicamente um ato burocrático.
52
[...] o OSC tem uma função meramente administrativa nessa fase da resolução do litígio, visto que não emite qualquer espécie de opinião valorativa a respeito dos fatos e alegações das partes, antes de concluído o exame respectivo pelas duas instâncias de julgamento. Somente a parte demandante ou demandada pode iniciar os procedimentos de apelação. (SCHIMANSKI, 2006, p.80)
Como mencionado, somente os interessados podem entrar com um pedido de
apelação em referência ao relatório do painel, fato esse que implica a suspensão do
processo de adoção do mesmo até que se conclua o procedimento requisitado pela
parte apelante.
4.3.3 Órgão de apelação
O relatório do painel, ainda que produzido após uma série de discussões com
os envolvidos e passível de análises parciais e comentários das partes em vários
momentos, nem sempre é do agrado de todos os litigantes e pode, naturalmente,
conter pontos polêmicos, para os quais é interessante a realização de mais debates.
Além do mais, a aprovação do relatório é algo certo. Se o procedimento
terminasse nesse momento, a opinião dos painelistas teria um peso desproporcional
dentro de todo o sistema.
Dado esse cenário, o ESC prevê a possibilidade de que as partes recorram,
por intermédio de requerimento ao OSC, a algo como uma instância superior, o
Órgão Permanente de Apelação.
Como sugere sua denominação, esse órgão diferencia-se dos painéis por não
ser constituído exclusivamente para cada caso, sendo uma parte fixa da estrutura da
OMC. Para Árabe Neto, (2008, p. 19) “tal característica lhe permite consolidar
correntes de entendimento e interpretação acerca das questões versando sobre as
normas da entidade”.
Os membros do Órgão de Apelação são em número de sete, com mandatos
de quatro anos e é ainda possível uma renovação por igual período. A cada
contencioso levado à sua apreciação, três de seus integrantes são destacados para
atuarem na controvérsia em questão.
53
Seu presidente é atualmente o sul-africano David Unterhalter, com o cargo
tendo sido ocupado anteriormente pelo brasileiro Luiz Olavo Baptista. Os demais
seis membros são, em agosto de 2009, nacionais dos seguintes países: Filipinas,
Estados Unidos, Itália, Japão, México e China.
O Órgão de Apelação será integrado por pessoas de prestígio reconhecido,
com notório saber das leis, de comércio internacional e dos temas relativos aos
acordos em geral. Não podem estar vinculados a nenhum governo nem intervir em
questões que possam resultar em conflito de interesses e devem ainda estar
constantemente disponíveis a curto prazo e tem a obrigação de manterem-se
informados sobre as atividades de solução de controvérsias da OMC e outras
pertinentes à sua função. Os integrantes serão ainda, dentro do possível,
representantes da composição variada da organização. (OMC, 2009c)
Essa preocupação com a qualidade dos membros, especificada no texto do
ESC, tem sua razão de ser com a importância do órgão para o sistema de solução
de controvérsias, funiconando como uma „corte revisora‟ do processo. Quanto à
comentada preocupação com a representatividade das nações, dos atuais sete
membros quatro provêm de países em desenvolvimento, em especial dos chamados
„emergentes‟, como são os casos de China, México e África do Sul.
A participação do Órgão de Apelação pode ser requerida apenas pelos
próprios litigantes, mesmo que algum eventual terceiro tenha participado do
processo desde a etapa de consultas. Para esses, existe a possibilidade de
apresentarem suas opiniões por escrito ao Órgão, que pode ainda dar-lhes a
oportunidade de serem ouvidos.
Mas não são todos os pontos do relatório do painel que podem ser
contestados pelas partes. Como afirma Schimanski, (2006, p. 81) “as apelações são
limitadas às questões de direito ou interpretações legais cobertas no relatório do
painel”.
Em relação aos prazos, o período entre o pedido formal de apelação e a
entrega do relatório aos conflitantes será, via de regra, de 60 dias, podendo
estender-se por no máximo 90 dias. Vale ressaltar que, ao contrário do que ocorre
no caso dos painéis, esse relatório não é apresentado de forma paulatina, mas
exposto inteiramente quando do fim da atuação do Órgão de Apelação no caso em
questão.
54
Apesar das diferenças, algumas características repetem-se no painel e no
Órgão de Apelação. Exemplos são a confidencialidade das opiniões individuais dos
membros e dos próprios procedimentos, com o relatório sendo mais uma vez
redatado apenas pelos integrantes do grupo, sem a presença das partes e outros
envolvidos.
Dotado de todos esses elementos, o Órgão de Apelação deve revisar o
relatório apresentado pelo painel e decidir se mantêm, modifica ou reverte as
constatações e conclusões em matéria de direito dos painelistas.
Seu relatório é também sujeito à decisão do OSC, que deve decidir por sua
adoção ou rejeição em um prazo de 30 dias após sua publicação aos demais
membros da organização.
A exigência da chancela [...] pelo OSC, todavia, é temperada pela automaticidade do procedimento da OMC, e pela existência do direito de adoção do relatório, assegurado aos seus membros por intermédio da regra de consenso negativo. Assim, mesmo sem ignorar a necessidade dessa aprovação formal pelo OSC, a virtual certeza de sua ocorrência faz com que a vinculação das partes ao conteúdo do relatório seja uma questão de tempo (ÁRABE NETO, 2008, p.20)
Com isso, como é raro que a opinião do Órgão de Apelação consiga
contrariar a todos, o foco após a apresentação de seu relatório é a discussão do
modo como serão aplicadas as resoluções expressas no informe.
4.3.4 Aplicação das decisões
Concluído o procedimento em si, resta a polêmica etapa de aplicação das
decisões contidas no relatório final, seja ele oriundo do painel ou do Orgão de
Apelação.
Seu objetivo, de acordo com Árabe Neto (2008, p. 21) “é a modificação da
conduta considerada inconsistente com as normas da OMC. Após percorrer todo o
intrincado trajeto previsto para a solução de controvérsias, chega-se ao clímax do
procedimento, no qual as violações detectadas deverão ser corrigidas a fim de
colocar fim ao conflito.”
55
Vale destacar que o relatório não é de maneira alguma algo automático, que
deve ser obrigatoriamente obedecido pelas partes. A OMC não possui poderes para
intervir em matérias de política comercial de seus membros, que são soberanos para
determinar de que modo atuarão nessa área, servindo tão somente como
interlocutor e mediador confiável na busca do fim do conflito, não como órgão
executor das resoluções que publica.
Em consonância com o espírito conciliador de todo o processo, no primeiro
momento a parte demandada pode cumprir de modo espontâneo as decisões do
OSC, adequando sua política comercial ao relatório final. Deve, para isso, na
primeira reunião do OSC após a adoção do relatório (que ocorrerá em no máximo 30
dias), manifestar sua intenção de implementar suas recomendações.
Caso essa implementação seja imediata, o caso encerra-se aqui. Mas muitas
vezes, por conta de dispositivos legais que contrariem as medidas recomendadas ou
outros impedimentos, o país pode não ter condições de adotá-las prontamente,
sendo necessário o estabelecimento de um período de tempo para isso, o chamado
„prazo razoável‟.
Tal prazo poderá ser proposto pelo próprio demandado, desde que autorizado
pelo OSC, ou combinado entre as partes em no máximo 45 dias após a aceitação do
relatório final ou ainda, em caso de ambas as alternativas não puderem ser
aplicadas, a questão será decidida por arbitragem, com tal decisão devendo ser
tomada em 90 dias, também contados da data de adoção do relatório.
(SCHIMANSKI, 2006)
Embora haja liberdade para definição do prazo razoável, de acordo com as
peculiaridades de cada caso, há uma orientação do ESC para que não se estenda
por mais de 15 meses, que corresponde ao período máximo de realização dos
procedimentos anteriores do sistema de solução de controvérsias.
Findo o prazo, se não observar a decisão, a parte demandada ainda tem a
opção de negociar com os outros envolvidos, em 20 dias, a aplicação de medidas
compensatórias. Caso não seja possível um acordo, os reclamantes têm o direito de
requerer ao OSC a adoção de suspensão de concessões, sobre a qual o órgão
decidirá em não mais de 30 dias após o fim do prazo razoável.
Pode ocorrer, porém, de a observância da decisão ter sua veracidade
contestada pela outra parte. Nessa hipótese, é previsto que essa nova controvérsia
seja mediada, sempre que possível, pelo mesmo painel que atuou no contencioso.
56
Nesse caso, os painelistas terão um prazo de 90 dias, passível de extensão, para
distribuir seu relatório sobre a questão.
De acordo com Árabe Neto (2008, p. 22) “restando comprovado o
descumprimento ou reconhecendo o reclamado, de maneira expressa ou tácita, que
não adequou seu comportamento [...], o reclamante se reveste da prerrogativa de,
em ultima ratio, retaliar o membro sucumbente como forma de lhe impelir o
adimplemento.”
Estas retaliações, designadas no ESC como „suspensão de concessões ou
obrigações‟, são tidas como o derradeiro recurso (ultima ratio), a última opção a que
deve recorrer a parte.
Nesse sentido, há uma grande preocupação com o modo com o qual a parte
reclamante aplicará seu direito de retaliação. Além da óbvia busca pela equivalência
entre o dano causado pela medida que causou a controvérsia, o ESC estabelece
que se alguns dos acordos da OMC que abrange a questão proibir esse tipo de
medida, o OSC não pode autorizar qualquer retaliação. São previstas ainda uma
série de diretrizes em relação aos setores a serem atingidos.
O princípio geral é que a suspensão se dê nos setores em que ficou
constatada a infração. Na hipótese da parte autorizada considerar tais medidas
ineficazes ou impraticáveis, ela pode propor retaliações em outros setores, mas
ainda dentro do mesmo acordo. Se ainda assim o reclamante julgar que as
retaliações não são suficientes, ele pode levá-las para outros acordos, desde que as
circunstâncias sejam graves o suficiente. (OMC, 2009c)
Todo o processo é acompanhado pelo OSC, que além de autorizar a
aplicação da sanção proposta, supervisiona a maneira como ela é adotada,
mantendo-se atento aos trâmites da questão até que esta seja encerrada.
Em relação a isso, nota-se que embora sem poderes para intervir em
decisões soberanas dos países, como já comentado, a OMC tem legimitidade
internacional para autorizar sanções comerciais contra qualquer membro. A
soberania nacional reside, nesse ponto, na decisão do país autorizado de adotar ou
não tais medidas.
Ressalte-se que qualquer sanção perde sua validade se a parte demandada
seguir as recomendações do relatório do painel ou do Órgão de Apelação,
adequando sua política às determinações ali presentes. Isso se deve ao fato de as
57
sanções serem consideradas medidas temporárias, com o objetivo de pressionar
pela revisão das medidas incompatíveis com as regras da OMC.
Decisões de adotar as resoluções elaboradas durante o procedimento de
solução de controvérsias devem, de acordo com Schimanski (2006, p. 82) “[...] ser
preferíveis ao uso de práticas retaliatórias, mesmo que autorizadas, uma vez que
ainda consiste num sistema imperfeito, que ao invés de induzir à obediência, leva a
punição da parte saudável da corrente de comércio.”
Esse ponto remete ao posicionamento das retaliações como última opção do
sistema, justamente por conta de seu caráter potencialmente injusto, ao atingir
setores cuja relação com a controvérsia é pequena ou mesmo nula.
4.3.5 Avaliação e críticas
O sistema de solução de controvérsias da OMC, especialmente quando
estudado em conjunto com seu antecessor, é considerado um grande avanço. De
um modelo facilmente bloqueável passou-se a outro praticamente automático, com
etapas e prazos explicitamente definidos.
Com esse fortalecimento, a própria organização ganhou mais projeção, pois
agora existem possibilidades reais de solução de problemas cuja dimensão tornava
ineficaz o modelo do GATT, com a OMC podendo inclusive punir aqueles que
infringirem seus acordos.
Tal fortalecimento tem sua importância claramante relacionada à efetividade
da organização, pois essa prerrogativa de aplicar punições pelo descumprimento de
suas regras objetiva evitar que as normas e princípios pelos quais se guia a entidade
não sejam mera retórica. Essa é uma característica um tanto particular para uma
organização internacional, dado que esse tipo de procedimento não é usual no
âmbito das relações entre as nações, por conta do conceito de soberania nacional
existente desde o Tratado de Westfalia, que é comumente recordado pelos Estados
para limitar ações de tal natureza. (SCHIMANSKI, 2006)
Essa questão de uma OMC mais robusta por conta de um sistema de solução
de controvérsias muito mais sólido e respeitado, ponto citado como motivação
58
quando da exposição dos motivos da criação desse modelo, está no centro das
avaliações realizadas sobre o mecanismo.
Nesse sentido, o sistema de solução de controvérsias é apontado como uma
das bases da organização e de sua evolução frente ao acordo internacional que a
antecedia como principal foro de discussões multilaterais de comércio, sendo de uso
comum a expressão „GATT com dentes‟ para referir-se à OMC, alcunha que remete,
naturalmente, à possibilidade de adoção de sanções.
A evolução frente ao GATT não supôs uma ruptura com o antigo
procedimento, como podem alguns erroneamente concluir. Tal fato é comprovado
pelo próprio ESC, que prevê explicitamente a adesão de seus firmantes aos
princípios e procedimentos do sistema anterior, com decisões suas sendo usadas
como jurisprudência em contenciosos do sistema atual.
Por conta da representatividade que possui dentro da organização, o sistema
e seu aparto institucional representado pelo OSC são, naturalmente, alvo de várias
controvérsias.
Ao comentar os protestos contra a OMC na Conferência Ministerial de Seattle
em 1999 e depois de listar hipóteses sobre o rumo que esses manifestantes
gostariam de dar ao sistema, Amaral Júnior (2002, p. 264) afirma que “[...] a
característica da OMC que desperta tantas paixões, conscientes ou insconscientes,
é esse poder, derivado do mecanismo de solução de controvérsias, de muitas vezes
levar países a retirarem ou desistirem de medidas governamentais que causam
prejuízos a seus parceiros, sejam eles grandes potências ou pequenas nações.”
Ainda que a afirmação soe exagerada em seu tramo final, e em certa medida
o é, o OSC traz exemplos de retirada de medidas polêmicas por parte de nações
desenvolvidas em casos onde o outro litigante era um pequeno país em
desenvolvimento. Ou seja, apesar de seus vários defeitos, o sistema traz
oportunidades reais de resolução de conflitos independemente de quem sejam os
litigantes
Ao examinar-se o mecanismo previsto pelo ESC, três características
destacam-se como base de sua eficácia: abrangência, automaticidade e
exeqüibilidade. (AMARAL JÚNIOR, 2002)
A abrangência significa que todos os acordos que constituem a OMC são
cobertos por um único sistema de solução de controvérsias, ainda que alguns, como
os plurilaterais, possuam especificidades, o que está presente no ESC. A existência
59
de apenas um mecanismo traz maior relevância para o mesmo e evita questões
como o conflito de competências entre diferentes cortes e todas as complicações
que problemas como esse poderiam causar ao sistema.
Em relação à automaticidade, esse elemento foi o que permitiu a substituição
de um sistema baseado no poder político por outro sustentado pelo Direito, uma das
principais características do sistema da OMC. A exeqüibilidade refere-se ao
supracitado poder de impor sanções a quem infringir os acordos da organização.
Os estudos sobre o sistema, porém, não apontam apenas os pontos positivos.
Vários problemas já foram detectados e com eles surgem críticas ao modelo de
solução de controvérsias da OMC.
Uma delas reside no fato de que mesmo dotado de um espírito conciliador e
idealizado para atuar apenas em último caso, quando não há possibilidade de
acordo entre as próprias partes, na prática não é isso que ocorre.
[...] a própria existência de um mecanismo como o da OMC exerce uma pressão a favor de soluções capazes de evitar o recurso à via contenciosa. [...] o mecanismo se tornou muito mais legalista do que esperado pelos negociadores e, de certo modo – paradoxalmente – estimula alguns países desenvolvidos a litigarem em torno de questões que poderiam ser resolvidas pela via diplomática. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p.266-267)
Esse excesso de legalismo traz uma série de dificuldades, com um exemplo
estando nas muitas críticas feitas à importância concedida às questões técnicas,
com o „formalismo‟ excessivo dos relatórios sendo objeto de divergências.
A linguagem é cheia de expressões jurídicas e interpretações que tão
somente são compreendidas por aqueles familiarizados com as normas de comércio
internacional e com o jargão do GATT/OMC. Além disso, as discussões são
usualmente pautadas por um modelo de „julgamento‟ próximo à tradição anglo-saxã
da common law, com grande ênfase nos antecedentes e nas argumentações.
(AMARAL JÚNIOR, 2002)
Essa utilização da corrente anglo-saxã como base traz uma série de
dificuldades para os países com tradição legal oriunda do Direito Romano, com as
características e formalidades do modelo adotado pela OMC constituindo-se numa
barreira para sua atuação dentro do OSC.
Com as limitações de conhecimento técnico-jurídico enfrentadas pelos países em desenvolvimento, não se pode deixar de concluir que são esses
60
os mais prejudicados, em virtude da excessiva importância de questões procedimentais, em que a essência do conflito muitas vezes nem chega a ser avaliada pelo descumprimento de uma formalidade exigida. (BARRAL, 2002a, p. 43)
Com isso, os países em desenvolvimento, em especial os menores,
enfrentam grandes dificuldades com questões de procedimentos legais que
deveriam ser simples e meramente burocráticas.
Uma solução para esse problema poderia estar na assistência jurídica que é
disponibilizada pela própria organização. Com ela, o país poderia melhor identificar
violações que possam ser levadas ao mecanismo e, principalmente, fortalecer a
base legal de suas argumentações iniciais. Essa assessoria, porém, só pode ser
utilizada quando o contencioso já está aberto, com os países pobres, na prática, só
recebendo-a quando medidas suas são contestadas.
Sem auxílio externo, torna-se complicado que nações em desenvolvimento
possam recorrer ao sistema, já que além das dificuldades legais, enfrentam ainda
outro grande impedimento.
Litigar na OMC tornou-se uma tarefa de incrível complexidade, que requer muito mais do que habilidade diplomática: é necessário um embasamento jurídico específico, extremamente custoso e dificilmente encontrável em países em desenvolvimento, não raramente desprovidos dos recursos humanos e materiais necessários à apresentação de reclameações e a interposição de defesas. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p.267)
Tais limitações econômicas e mesmo humanas constituem mais um entrave
ao acesso e ao efetivo uso do sistema de solução de controvérsias por parte das
nações em desenvolvimentos. Outro obstáculo conexo e, portanto, merecedor de
citação em conjunto com os outros dois é o do custo político. As implicações
resultantes de entrar com um processo contra uma nação muito mais poderosa
levam os pequenos a hesitarem mesmo quando prejudicados por uma medida
notadamente contrária aos dispositivos da OMC.
Esses são alguns exemplos dos problemas enfrentados pelo modelo. Podem-
se adicionar a limitação de recursos ao Órgão de Apelação a questões jurídicas, as
dificuldades notadas em contenciosos mais complicados para atingir-se um
consenso sobre os painelistas, entre outros. O item subseqüente tratará ainda de
outros pontos discutidos.
61
Como determina Lima (2004, p. 50) “mesmo com esses problemas, o sistema
de solução de controvérsias tem-se mostrado bastante eficiente como meio de fazer
os países removerem medidas contrárias aos acordos firmados sob o arcabouço
institucional da OMC.”
Barral (2002, p. 45) demonstra concordância e complementa o pensamento
ao afirmar que “[...] há de se reconhecer o mérito do sistema, fundamentalmente em
sua contribuição para reduzir medidas econômicas unilaterais e para criar um
espaço de negociação entre os Estados em litígio”.
Conclui-se, portanto, em resumo, que a solução de controvérsias da OMC é
uma criação que decorreu em resultados positivos para o sistema multilateral de
comércio. Ao mesmo tempo, é indiscutível que são necessárias uma série de
melhorias, que atenuem os problemas que afronta e tornem-a melhor e mais justa.
4.3.6 Revisão do ESC na rodada Doha
Assim como os outros acordos constituintes da OMC, o ESC e por
conseqüência o sistema de solução de controvérsias são objetos de revisão por
parte da organização.
Com sua entrada em vigor tendo ocorrido no ano de 1995, acordou-se que a
primeira revisão entendimento ocorreria em quatro anos. Por conta do impasse
quanto às alterações propostas, tal prazo foi extendido até a metade de 1999.
Com todas as dificuldades enfrentadas na Conferência Ministerial de Seatlle,
nesse mesmo ano, o tema só voltou a efetivas discussões quando da conferência
seguinte, realizada em Doha dois anos após a anterior, onde se instituiu a rodada de
negociações homônima. Na declaração final da reunião, a questão foi levemente
citada, ao reafirmar-se o interesse dos membros em negociar melhorias no sistema.
Ao menos um ponto, embora indireto, foi determinado.
A Declaração de Doha, além de definir negociações, aponta que o tema não
será parte do single undertaking, ou seja, que o resultado final das negociações
sobre o assunto não está atrelado ao sucesso das discussões como um todo. (OMC,
2009e)
62
Esse pode ser considerado um avanço, dado que o tema não suscita tantas
divergências quanto os assuntos mais polêmicos que usualmente travam as
negociações, como a agricultura, e poderia, portanto, ser debatido de maneira
individualizada, relativamente independente das discussões gerais da rodada.
Nos anos seguintes, as conversas focaram-se na definição de quais pontos,
dentre a gama de assuntos propostos, deveriam ter os correspondentes pedidos de
alteração analisados. Por vezes de maneira informal, alguns começaram a destacar-
se: seqüenciamento, transparência, direito de terceiros, direito de reenvio, pós-
retaliação, entre outros.
Vale notar que essas discussões, formais ou informais, cujo prazo proposto
pela Declaração de Doha fora adiado, concentraram-se entre alguns países
desenvolvidos e grandes emergentes. Um exemplo é o chamado G-7, único grupo a
propriamente reunir-se para tentar elaborar propostas para o assunto. Seus
membros eram: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Índia, México e Nova Zelândia.
Nesse sentido, “inúmeras reuniões foram realizadas em Genebra para ouvir
os comentários dos demais membros, sobretudo dos EUA e da Comunidade
Européia. Entretanto, seja em virtude do momento negociador, seja pela existência
de interesses muito divergentes, não foi possível obter consenso no prazo fixado
para 31 de maio de 2004.” (THORSTENSEN e JANK, 2005, p. 386)
Tal impasse continuou no ano seguinte, com a declaração final da
Conferência de Hong Kong apenas reconhecendo os poucos progressos atingidos
até ali e instando o grupo negociador incumbido de organizar as conversas a
continuar trabalhando por uma rápida conclusão das negociações.
Desde então, a exemplo da rodada como um todo, as discussões perderam
força, embora relatório publicado de reunião do grupo negociador em julho de 2008
indique que há ao menos um texto organizado pelo chefe do grupo, o costariquenho
Ronald Saborio, para servir de base para as conversas.
Alguns dos temas destacaram-se dentro das negociações e como tal,
merecem maior destaque e explicação de suas características, identificação de seus
defensores, entre outras questões.
Um deles está na questão do seqüenciamento (por vezes aludido, mesmo em
publicações em língua portuguesa, por meio de seu correlato anglófono,
sequencing), na qual são discutidos pontos como os prazos para as ações previstas
63
durante o proceso de solução de controvérsias, sua sequência e outras questões
relacionadas.
Os principais problemas do modelo atual são os seguintes:
a) Incompatilibade temporal entre os 30 dias após o prazo razoável que o
OSC possui para autorizar a retaliação e os três meses que recebe o
painel, quando reconvocado para analisar a veracidade da observância da
decisão;
b) Ainda sobre essa reconvocação do painel, o ESC não menciona sua
obrigatoriedade antes do pedido de compensações/retaliações;
c) O prazo para discussões entre as partes sobre compensações (20 dias) é
muito curto;
d) A autorização para retaliar deve coincidir com o fim do prazo razoável;
e) O ESC é omisso quanto aos procedimentos para acompanhamento de
implementação da decisão. (THORSTENSEN e JANK, 2005)
Tais problemas, quando de sua incidência nos contenciosos, têm sido
resolvidos por meio de acordos entre os próprios envolvidos. Dentre as posições
individuais, destaque para a Austrália, que propõe que apenas pontos incoerentes
sejam retirados do entendimento, com as omissões do ESC continuando a ser
resolvidas por meio de acordos entre as partes. A UE e o Japão, por outro lado,
preferem investir na segurança jurídica e preencher as lacunas do entendimento
com procedimentos definidos.
Outra questão discutida pelo grupo negociador é a transparência dos
processos da OMC, com o acesso externo aos documentos e reuniões do OSC.
Essa diminuição da confidencialidade dos procedimentos da solução de
controvérsias é um dos pontos mais polêmicos das negociações para revisão do
ESC.
Esse elemento do sistema tem por objetivo, como explica Amaral Júnior,
(2002, p. 270) “assegurar a possibilidade de que, a qualquer momento do processo,
se possa negociar uma solução que atenda aos interesses gerais dos Membros em
litígio, nem sempre coincidentes com interesses setoriais ou particulares.”
Ou seja, teme-se que uma abertura acentuada das informações leve a que
grupos de pressão de variados interesses tentem impor suas posições aos litigantes,
dificultando ainda mais a obtenção de acordos que encerrem a questão sem que
seja preciso ir até o fim do processo.
64
Tal abertura, ao menos em tese, beneficiaria os poderosos lobbies setoriais
dos países desenvolvidos, embora se deva notar que também poderia ser usada a
favor das nações em desenvolvimento, por conta da repercussão midiática que se
conseguiria obter com o auxílio de Organizações Não Governamentais (ONGs).
Propostas nesse sentido já foram estabelecidas, com destaque para a
canadense, na qual em meio a sugestões sobre o assunto destinadas a diversos
setores da organização, também comenta o caso do sistema de solução de
controvérsias.
A parte central da proposta consiste na restrição da exigência de
confindencialidade dos documentos da OMC. A proposta, todavia, deixa explícito o
apoio ao caráter intergovernamental da organização e afirma que o aumento na
publicidade não deve implicar no acesso direto de particulares, ONGs e outros.
(BARRAL, 2002a)
Isso remete à questão do acesso externo parcial aos procedimentos,
fortemente relacionada com a transparência. Críticas às restrições à participação
direta de atores não-estatais provêm especialmente de empresas privadas e ONGs.
No modelo atual, tais organizações, segundo Barral (2002a, p. 41-42)
“precisam passar pelo que se convencionou chamar „filtro governamental‟. [...] há
casos em que, mesmo havendo violação de norma da OMC, determinado governo
pode não considerar politicamente conveniente recorrer contra outro membro. [...]”
Uma „privatização‟ do direito de recorrer ao OSC é praticamente impossível,
com as discussões concentrando-se no nível de acesso que esses terceiros teriam
dentro o sistema, ou seja, questões como sua participação nas consultas e
apresentação de documentos ao painel e ao Órgão de Apelação.
Essa última questão, da apresentação de documentos formulados por
agentes externos, conhecida como amicus curiae briefs, é também alvo de
discussões. Como o ESC é omisso em relação a esse ponto, a decisão sobre a
aceitação ou não de tais documentos tem sido feita caso a caso pelos respectivos
painéis e pelo Órgão de Apelação, com este tendo inclusive, por conta de um caso
específico, divulgado critérios para submissão dos sumários.
O tema causa polêmica, pois por um lado pode resultar em pressões de
interesses econômicos, mas por outro pode ser um auxílio importante para a correta
redação do relatório. Um exemplo é o contencioso envolvendo medidas dos EUA
65
contra importação de camarões, no qual um estudo apresentado por uma ONG foi
levado em conta pelo Órgão de Apelação.
Assim sendo, entende-se que a situação pode ser deixada da maneira como
está atualmente. Com o ESC não se pronunciando, o painel e o Órgão de Apelação
devem decidir individualmente se o documento apresentado deve ou não ser aceito.
(THORSTENSEN e JANK, 2005)
A questão da „pós-retaliação‟ também suscita polêmica. Os negociadores
buscam definir dúvidas causadas pela omissão do ESC nessa parte final da solução
de controvérsias.
São dúvidas como o modo com o qual o retaliado deve provar que cumpriu a
resolução do relatório, quem confirmará isso e de que modo, se a retaliação deve
continuar durante esse período de confirmação e como ela deve acabar.
(THORSTENSEN e JANK, 2005)
A União Européia defende que após a alegação do retaliado de que cumpriu
a decisão, a retaliação seja extinta, salvo se a outra parte discordar, com o caso
sendo analisado da mesma maneira que o da veracidade de adoção que ocorre
antes do início das discussões para retaliação, ou seja, através do painel original do
caso.
Por fim, destaca-se a questão da possibilidade de remand, o reenvio do caso
ao painel por parte do Órgão de Apelação. Como este pode apenas julgar matérias
de direito, muitas vezes o objetivo principal, a solução da controvérsia, é deixada de
lado e o caso não tem uma resolução satisfatória.
Limitações à aplicação desse conceito, de acordo com Thorstensen e Jank
(2005, p. 391), são as discussões sobre “se o remand suspende ou não a
implementação, e quem deve acionar o remand, se as partes ou o Órgão de
Apelação.”
Nesse sentido, o reenvio se junta aos outros temas antes comentados no rol
de possíveis alterações do sistema de solução de controvérsias da OMC que
continuam a figurar apenas no campo das possibilidades.
66
5 O BRASIL E A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
O presente capítulo abordará a atuação do Brasil no sistema de solução de
controvérsias da OMC, com a apresentação de números relativos à participação do
país no mecanismo, dos contenciosos que contaram com presença brasileira, entre
outros pontos, de modo a verificar a relação entre o Brasil e o sistema.
5.1 Participação brasileira na solução de controvérsias da OMC
Desde sua criação, em 1995, o sistema de solução de controvérsias, assim
como a própria instituição em que se assenta, tem adquirido crescente relevância
como parte política e das ações diplomáticas do Brasil.
Essa eleição do sistema como pilar importante da ação brasileira na área
comercial é coerente com a tradição do país de privilegiar a solução pacífica de
controvérsias e o multilateralismo (COZENDEY, 2007)
Tais paradigmas da diplomacia brasileira remontam à resolução de conflitos
de maneira pacífica há mais de um século, como a questão do Acre em relação à
Bolívia e do Contestado com a Argentina, demonstrando um recorrente viés
conciliatório da política externa nacional, que, não devendo ser entendido como uma
busca por evitar-se conflitos de qualquer maneira, pode ser apontado como uma das
causas para a importância que tem o sistema nas ações do Itamaraty na área
comercial.
A esse ponto unem-se, como esperado em todas as questões que se referem
à política comercial, os fatores econômicos, que também impelem os diplomatas e
demais formuladores da política externa do país a focarem no sistema suas
iniciativas na área, com o modelo econômico que o Brasil adota nos dias correntes
sendo mais uma razão a ser levada em conta por aqueles que objetivam entender a
relevância que tem o órgão na diplomacia brasileira.
A importância do sistema de solução de controvérsias da OMC para o Brasil está também relacionada com a superação do modelo de substituição
67
de importações. Com o crescimento da relevância do comércio exterior, tanto no que diz respeito ao crescimento das exportações e aumento de sua participação no PIB, quanto no que se refere à maior exposição da produção nacional às importações, o sistema multilateral de comércio torna-se estratégico. Nessa nova realidade, é natural a ampliação da utilização do sistema de solução de controvérsias para combater restrições comerciais de outros membros da OMC. (COZENDEY, 2007, p. 10)
Como apontado, o modelo de abertura comercial verificado no país desde os
anos 90, com o resultante aumento na importância do comércio internacional para a
economia brasileira, justifica também a questão abordada até o momento no
presente item.
Vale comentar ainda a situação internacional do Brasil como „potência
emergente‟, parte de um grupo de países conhecido como BRIC (Brasil, Rússia,
Índia e China), que ainda que em desenvolvimento, são considerados por diversos
analistas como futuras potências, por conta de suas grandes populações,
disponibilidade de recursos naturais e economias relativamente diversificadas e
organizadas, entre outros fatores.
As dificuldades de acesso ao sistema encontradas por países em
desenvolvimento não afetam da mesma maneira essas nações, que podem melhor
beneficiar-se das possibilidades trazidas pelo mecanismo.
Países do BRIC (com a notável exceção da Rússia, que não faz parte da
OMC), de acordo com Schimanski (2006, p. 104), “podem ter baixa renda per capita,
mas buscam defender seus interesses nos litígios (pelo menos de forma mais efetiva
do que os outros) por causa da escala de suas economias. Eles possuem maior
participação comercial que os permite mobilizar os recursos necessários para dispor
do sistema legal”.
Verifica-se, portanto, que a significativa pujança da economia brasileira
proporciona os recursos necessários para defender adequadamente seus interesses
comerciais no OSC, tendo o país capacidade para resistir aos custos e pressões que
são usualmente entraves a participação das nações em desenvolvimento. Em
conjunto com a questão do modelo econômico comentada acima, conclui-se que o
Brasil tem os meios e os motivos para participar ativamente do sistema de solução
de controvérsias.
Ainda no campo internacional, outro estímulo a contar-se dentro das razões
que concorrem para a relevância do assunto para o Brasil é o próprio fortalecimento
do multilateralismo e dos meios pacíficos de negociação, fenômeno que pode ser
68
verificado desde o fim da Segunda Guerra Mundial (como no caso do GATT) e que
se tornou ainda mais presente após o fim da Guerra Fria, com a criação da OMC.
Nesse cenário, nota-se uma institucionalização dos conflitos, caracterizada
pela obediência a procedimentos pré-determinados quando do surgimento de
alguma controvérsia e que busca impedir a imposição da parte mais forte sobre a
mais fraca. Consequentemente há uma maior previsibilidade no direito internacional,
o que é indispensável num mundo interdependente. Potências médias, como o
Brasil, tendem a beneficiar-se com a existência e o cumprimento de regras que
tenham por objeto a solução pacífica de conflitos internacionais. (THORSTENSEN e
JANK, 2005)
Com isso, o foco no multilateralismo, característica intrínseca à diplomacia
brasileira, enquadra-se no cenário contemporâneo de fortalecimento de instituições
internacionais e solução de conflitos por meio de tais organismos.
5.1.1 O Brasil e a construção do sistema
A criação do sistema de solução de controvérsias da OMC e de seu aparato
organizacional quando da Rodada Uruguai, assunto abordado em item específico no
capítulo anterior, contou também com a participação brasileira.
Quando do início das negociações da rodada, ainda nos anos 80 e mesmo
durante as mesmas, a posição brasileira esteve dividida em relação a duas
diferentes linhas de atuação para a reforma do sistema do GATT, vigente até o
momento. O mesmo debate ocorria também em outras nações em desenvolvimento.
A primeira tomava como ponto de partida o fato de que o sistema é, em última instância, garantido pelo instituto de retaliação („retirada de concessões equivalentes‟). Haveria, em decorrência, uma assimetria intrínseca no sistema em decorrência do poder retaliatório muito superior das grandes potenciais comerciais. Dessa forma, maiores automatismos e jurisdicionalização do sistema criariam constrangimentos poderosos a eventuais descumprimentos das normas por parte de países de menor peso comercial, enquanto os países maiores pouco teriam a temer. (COZENDEY, 2007, p. 8-9)
69
Essa linha de pensamento pregava, em outras palavras, que um sistema de
viés jurídico e com seguimento automático de fases seria prejudicial às nações mais
pobres.
O motivo estava no mecanismo de retaliação. Para os defensores de tais
idéias, a capacidade retaliatória das maiores nações pressionaria as menores a
cumprirem as regras da organização, ao passo que seu pequeno poder para impor
represálias levaria as grandes nações a desrespeitar as normas internacionais sem
muito temer as consequências.
Uma segunda visão afirmava que justamente por conta de seu poder
retaliatório díspar, as grandes potências seriam as grandes beneficiadas com um
sistema de solução de controvérsias fraco. Para os defensores dessa teoria,
fortalecer o sistema multilateral serviria para conter o ímpeto das maiores nações,
que, contidas pelas amarras da lei internacional, não agiriam constantemente de
maneira unilateral. (COZENDEY, 2007)
A despeito de algumas oscilações durante os anos de negociações, essa
segunda visão acabou por prevalecer, guiando os diplomatas brasileiras em sua
participação na construção do sistema. O principal motivo, como já comentado no
capítulo anterior, está no desejo de evitar o unilaterismo da política comercial dos
Estados Unidos.
Tal temor era alimentado pela existência da chamada „Seção 301‟, parte do
Trade Act de 1974, ato legal que trazia diretrizes para as negociações comerciais do
país. Essa seção, de acordo com Valls (1997, p. 9), “[...] permite que o Executivo
norte-americano implemente medidas de retaliação contra parceiros que dificultem a
entrada de produtos, serviços ou investimentos oriundos dos Estados Unidos em
seus mercados.”
Ou seja, a Seção 301 possibilitava à época uma rápida ação retaliatória por
conta do governo americano, sem ter de enfrentar discussões no poderoso
congresso do país. Com tão polêmica medida estando em vigor durante a Rodada
Uruguai, o Brasil, assim como outros negociadores, passou a defender um sistema
forte, capaz de bloquear a imposição de ações unilaterais, o que marcou sua
participação nas discussões.
70
5.1.2 Indicadores da participação brasileira
Após abordar diversos fatos, conceitos e procedimentos, o presente trabalho
tratará no subitem a seguir de apresentar indicadores, números da atuação brasileira
junto ao sistema de solução de controvérsias, de modo a aprofundar o estudo
realizado até o momento.
O OSC, e por conseqüência os indicadores que dele derivam, acaba por ser
“[...] um termômetro que revela o comportamento de cada ator perante o regime
internacional de comércio criado pela OMC. (LUCENA, 2006, p. 121)
Dito isso, serão apresentados a seguir cifras e dados referentes à
participação do Brasil no OSC, com os quais objetiva-se estudar aspectos dessa
atuação do país frente ao órgão, como a representatividade da nação do sistema,
quem são os interpelantes do Brasil e quem é por ele interpelado, entre outros
pontos.
Em relação ao total de casos que contaram com participação brasileira de
forma direta, contam-se até agosto de 2009 um total de 38 contenciosos nos quais o
país marcou presença, sendo em 24 deles demandante. Em outros 14, o Brasil
esteve na condição de demandado. (OMC, 2009f)
Frente aos 397 casos registrados até o momento pelo OSC, a atuação
brasileira atinge um percentual de quase 10%, bem superior aos valores de
aproximadamente 1% que marcam a participação brasileira na corrente de comércio
internacional.
Índice ainda mais expressivo é o referente aos contenciosos em que o Brasil
atuou como terceiro, juntando-se às discussões após seu início. Até o momento,
contam-se 49 disputas em que o país esteve em tal condição, perfazendo um total
de 87 contenciosos com envolvimento brasileiro. (OMC, 2009f)
Essa última cifra, que representa mais de 20% do conjunto de litígios levados
ao âmbito da OMC, é um primeiro indicativo numérico da atenção que as disputas na
organização recebem por parte do governo brasileiro, sendo muito superior a
qualquer indicador geral da participação brasileira no comércio e na economia
internacional.
71
Como é natural supor, a despeito de sua representatividade no número total
de casos, o Brasil não é o país (ou bloco) líder no que se refere à quantidade de
contenciosos disputados, sendo, porém, superado por apenas três outros membros.
Superam o Brasil na contagem total de contenciosos com participação direta
até agosto de 2009 o Canadá, com 47 (sendo 32 como demandante e 15 como
demandado), os Estados Unidos, com a marca de 199 casos (sendo 93 propostos
pelos americanos e 106 requisitados contra medidas adotadas por eles) e a União
Européia, que como bloco envolveu-se em 146 contenciosos (na razão de 81 como
reclamante e 65 como reclamado). (OMC, 2009g)
Os números revelam uma „onipresença‟ de americanos e europeus nas
disputas dentro do OSC. Levando-se em conta os 50 litígios estabelecidos entre
ambos, as duas maiores economias do mundo participaram de 295 contenciosos,
excluindo-se desse cálculo os momentos onde atuaram apenas como terceiro.
Com isso, verifica-se que ao menos um dos dois esteve presente em
praticamente três quartos dos quase 400 casos que conta até o momento o sistema
de solução de controvérsias da OMC.
Uma razão óbvia para essa maciça participação de americanos e europeus
no OSC está na própria pujança de suas economias. Somadas ambas alcançam, em
números de 2008, cerca de US$ 32 bilhões, o que representa pouco mais da metade
do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. (CIA, 2009)
Com tais números, é fato notório que quaisquer medidas adotadas pelos
Estados Unidos e pelo bloco europeu têm repercussão em escala global, e por conta
disso, são naturalmente mais passíveis de contestações.
Outro ponto relacionado está nas possibilidades de acesso ao OSC. Como
comentado em item anterior quando da apresentação inicial da importância do
sistema para o Brasil, há uma série de entraves para a participação de países em
desenvolvimento, o que não se verifica no caso das nações desenvolvidas,
especialmente no que diz respeito às maiores.
Tais países, como recorda Schimanski, (2006, p. 103) “[...] são muito bem
equipados com recursos humanos, são bem amparados com informações de setores
privados e possuem uma rede mundial de representações comerciais e diplomáticas
que alimentam seus sistemas com informações relevantes.”
Com isso, os Estados Unidos e a União Européia têm uma capacidade muito
superior de identificar possíveis violações de acordos da OMC que contrariem seus
72
interesses, o que somado com seu poderio econômico e técnico, possibilita a
abertura e manutenção simultânea de uma série de contenciosos, algo impossível às
menores nações. Verifica-se ainda, em determinados casos, um certo desinteresse
de ambos pela fase de consultas, de modo a forçar países que não possuem as
condições necessárias para atuarem de modo adequado frente ao painel a
aceitarem acordos não muito vantajosos e encerrarem ali a questão.
Retornando aos números, a Figura 2 apresenta a participação de algumas
das maiores economias em desenvolvimento, de modo a permitir a comparação de
suas atuações no sistema com a brasileira.
Figura 2 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os contenciosos de uma seleção de países até agosto de 2009.
Fonte: www.wto.org
Nota-se que os números são quase semelhantes, com a Índia, por exemplo,
tendo o mesmo número de contenciosos que o Brasil. Uma diferença a se verificar é
o fato de o Brasil estar à frente dos demais (com exceção do México) no que se
refere à razão entre casos como demandante e demandado. A Índia, com igual cifra
de litígios, teve que se defender em seis ocasiões a mais que o Brasil.
Caso aparte é o da China. Sua inferioridade no indicador deve-se
especialmente à entrada tardia na organização, mas desde que ingressou na OMC
vem se tornando um dos mais ativos participantes, devendo ser destacada a
73
expressiva diferença a favor do número de casos em que esteve citado como
demandado frente aos que foi o demandante.
Conclui-se com o gráfico que o Brasil mantém-se a par com outras
importações nações emergentes, que também vem utilizando o sistema de solução
de controvérsias da OMC de forma constante.
Voltando a restringir o estudo apenas à participação brasileira, a Figura 3
mostra quem foram os adversários que se opuseram ao Brasil nos 38 contenciosos
em que o País se envolveu.
Figura 3 - Gráfico desenvolvido pelo autor apontando as partes contrárias dos contenciosos
brasileiros Fonte: www.wto.org
Como era de se esperar, tanto pela onipresença americana e européia no
OSC exposta anteriormente quanto pelo fato de serem ambos os principais
aplicantes e mantenedores de medidas comerciais contrárias aos interesses
brasileiros, verifica-se com o gráfico que as duas maiores economias do mundo
estão presentes na grande maioria dos litígios do país.
Até o momento, os 24 contenciosos que dividem europeus e americanos (16
com o Brasil como reclamante) perfazem um percentual de mais de 60% do total
disputado pelo Brasil, cifra inferior à sua participação global dentro do sistema, mas
igualmente expressiva.
74
Em relação ao Canadá, seus quatro casos estão relacionados à disputa sobre
o setor aeronáutico, que será abordada em item próprio. Os contenciosos com a
Argentina referem-se a medidas antidumping e salvaguardas comuns nos
recorrentes conflitos comerciais entre ambos dentro do Mercado Comum do Sul
(MERCOSUL).
Seguindo com a apresentação dos indicadores da participação brasileira, a
Figura 4 mostra quais foram os aspectos comerciais presentes nos contenciosos
propostos pelo Brasil, ou seja, em quais temas estão as controvérsias que levaram a
diplomacia brasileira a recorrer ao sistema
Figura 4 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os aspectos comerciais contestados pelo Brasil nos contenciosos em que atuou como interpelante.
Fonte: www.wto.org
Apesar da diversidade de temas tratados pelo país em seus contenciosos, o
gráfico demonstra a importância de dois deles dentro da estratégia comercial
brasileira. Ações contra medidas antidumping e subsídios representam a metade dos
24 litígios disputados pelo Brasil na condição de interpelante.
75
Tal fato está em consonância com os objetivos do país nas discussões
multilaterais de comércio, nas quais a redução e o controle sobre essas práticas
comerciais estão no cerne da atuação brasileira.
Destaque ainda para outras duas medidas. A ação de emergência sobre a
importação de determinados produtos e o tratamento nacional sobre taxação interna
e regulamentação foram objeto de um quarto dos contenciosos disputados pelo
Brasil, sendo mais uma clara evidência da importância outorgada pela diplomacia ao
acesso a mercados por parte dos produtos brasileiros.
Finalmente, a Figura 5 apresenta o cenário contrário, trazendo os aspectos da
política comercial brasileira que são contestados por outros membros da OMC no
sistema de solução de controvérsias.
Figura 5 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os aspectos comerciais contestados pelos demais membros da OMC nos contenciosos em que o Brasil atuou como interpelado.
Fonte: www.wto.org
Ao contrário do que foi demonstrado no gráfico anterior, no que se refere aos
aspectos da política comercial brasileira contestados no âmbito do OSC, a questão
dominante é o tratamento nacional sobre taxação interna e regulamentação, que
embora também relacionado ao acesso a mercados, remete-se mais a políticas
76
internas do país, como a regulamentação interna de determinados setores e os
tradicionais tributos elevados cobrados dentro do país.
Os subsídios e medidas antidumping, temas dominantes entre os
questionados pelo Brasil têm participação significamnte menor nesse caso, sendo
mais relacionados a questões pontuais do que a alguma política comercial que
utilize tais mecanismos de forma deliberada e constante.
Os números acima expostos permitem traçar um panorama da ação brasileira
no OSC e serão, em conjunto com outros dados presentes no corrente capítulo,
abordados quando das conclusões sobre a relação entre o país e o órgão.
5.1.3 Contenciosos com participação direta do Brasil
Com exceção dos contenciosos com o Canadá, que serão abordados
separadamente, o corrente subitem discorrerá sobre as disputas no sistema de
solução de controvérsias da OMC onde o Brasil participou, tanto na condição de
demandante como na de demandado, apresentando-os e trazendo algumas
informações acerca dos mesmos.
Iniciando as ponderações, vale notar que, como afirma Cozendey (2007, p. 9),
“uma vez concluída a negociação e modificado o sistema com a entrada em vigor do
Acordo sobre a OMC, em 1995, o Brasil passou a utilizar-se decididamente de seus
instrumentos”.
Tal constatação pode ser comprovada com o fato de que a primeira
participação brasileira ocorreu apenas quatro meses após o início das atividades do
OSC, com o país apresentando queixa contra os Estados Unidos em relação a
medidas ambientais americanas referentes à gasolina.
Esse contencioso, que foi apenas o quarto da história da organização, foi
unificado com uma demanda semelhante realizada pela Venezuela e resultou em
ganho de causa para o Brasil, com os americanos adequando sua legislação de
acordo com relatório do Órgão de Apelação.
77
Seguiram-se dois casos (numerados de acordo com a ordem cronológica
adotada pela organização como DS22 e DS30), nos quais o Brasil foi interpelado
por, respectivamente, Filipinas e Sri Lanka.
No primeiro, onde os filipinos contestaram direitos compensatórios aplicados
pelo Brasil a importações de coco ralado com origem no país asiático, após
intervenção do painel e do Órgão de Apelação, a argumentação brasileira foi aceita
e as medidas aceitas. No segundo, onde os cingaleses apresentaram demanda
sobre o mesmo assunto, nem houve formação de painel, com o reclamante
desistindo do processo logo na fase de consultas.
Em 1996, numa questão que resultou em quatro contenciosos (DS51, 52, 65
e 81), um grupo de países desenvolvidos questionou “sob o Acordo sobre Medidas
de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMs), dispositivos do regime
estabelecido pelo Governo brasileiro para estimular o estabelecimento de
montadoras de automóveis no país”. (MRE, 2008, p. 24)
Os quatro litígios acabaram por resolver-se sem necessidade de abertura de
painéis, com as consultas definindo quotas tarifárias que encerraram as disputas
naquele momento.
O ano de 1997 marcou a primeira de uma série de disputas entre o Brasil e as
nações desenvolvidas (notadamente Estados Unidos e União Européia)
relacionados a barreiras impostas contra produtos agropecuários que afetaram
sobremaneira os interesses brasileiros.
O caso em questão (DS69) tinha como objeto de controvérsia a
administração de quotas tarifárias européias em relação à carne de frango
congelada e exigências feitas aos produtores do setor para obterem licenças
necessárias ao ingresso no mercado comunitário.
O painel, em decisão confirmada pelo Órgão de Apelação, deu ganho de
causa parcial a ambas as partes. Por um lado, concordou com os europeus na
distribuição da quota entre diferentes países e na questão das licenças. Por outro,
aceitou a argumentação brasileira no que se refere ao „preço de referência‟ adotado
pelo bloco para o cálculo da sobretaxa às importações do produto. (MRE, 2008)
As negociações para adequação do expediente à resolução do OSC foram
bem-sucedidas e o caso terminou nesse momento, sendo apenas o início das
disputas relativas ao setor agropecuário.
78
Nesse sentido, após uma breve disputa (DS112) resolvida na fase de
consultas em que o Brasil questionou o modo como o Peru investigava possíveis
subsídios brasileiros às exportações de ônibus, surgiu um contencioso (DS154), ao
qual outro no mesmo sentido (DS 209) posteriormente unificou-se ao primeiro.
A razão de ambos os litígios residia no fato de que medidas „antidrogas‟ da
União Européia estavam afetando às exportações de café brasileiras, privilegiando a
produção de países onde se buscava substituir a cultura de narcóticos. O painel
chegou a ser aberto, mas um acordo entre as partes, através de mecanismos que
permitiram ao produto brasileiro recuperar o mercado que possuía anteriormente,
encerraram a disputa antes que os painelistas publicassem suas resoluções.
Retornando aos casos em que o Brasil esteve na condição de demandado, os
anos de 1998 e 1999 trouxeram dois rápidos litígios com a União Européia
referentes, respectivamente, a medidas adotadas pelo Brasil para contratação de
câmbio na exportação (DS116) e questões referentes a licenças de importação e
procedimentos de valoração aduaneira brasileiros (DS183). Em ambos, os europeus
declinaram da possibilidade de requerer a abertura de painel.
O ano 2000 marcou o primeiro contencioso (DS 190) com seu principal sócio
no MERCOSUL, a Argentina. A controvérsia tinha origem na aplicação de
salvaguardas transitórias aplicadas pelo país vizinho sobre exportações brasileiras
de têxteis. Após recomendações de um organismo setorial e de decisão semelhante
de mecanismos do bloco econômico de que ambos são membros, a Argentina
acabou por retirar as medidas antes da efetiva criação do painel.
No ano seguinte, o Brasil contestou direitos antidumping aplicados pelos
argentinos sobre a importação de carne de aves. O país entendeu que tais direitos,
assim como a investigação que resultou em sua adoção, poderiam ser incorretos e
baseados em procedimentos errôneos, incompatíveis com as obrigações da
Argentina em relação a vários artigos do acordo correspondente. (OMC, 2009h)
O caso (DS 241) se desenrolou por dois anos, por conta de suspensão dos
trabalhos do OSC para que as partes voltassem a discutir a possibilidade de acordo,
o que não se materializou. Por fim, o painel decidiu a favor do Brasil.
Após dois breves contenciosos com Turquia (DS208) e México (DS 216),
ambos sobre medidas antidumping e com resolução logo na fase de consultas, um
litígio de notável importância (DS217), com vários „co-demandantes‟ e contando
ainda com a participação de outros membros na condição de terceiros, opôs o Brasil
79
aos Estados Unidos em relação a uma medida de compensação por dumping e
subsídios adotada pelos americanos no ano 2000, a chamada Emenda Byrd.
Esse polêmico ato legal previa, à época, “[...] que recursos decorrentes da
aplicação de direitos compensatórios e de antidumping sejam distribuídos às
empresas que tenham peticionado a abertura de investigações contra concorrentes
estrangeiros (antes da aprovação da Emenda, os recursos recolhidos iam para a
conta do Tesouro dos EUA). (MRE, 2008, p. 12-13)
Ou seja, os produtores americanos, além de contarem em seu próprio
mercado com a proteção das medidas aplicadas contra os produtos estrangeiros,
ainda receberiam os recursos das mesmas, o que os beneficiaria tanto em seu país
quanto em eventuais exportações.
Contencioso de longa duração, o DS217 envolveu praticamente todos os
procedimentos previstos pelo ESC, com vários dos co-demandantes (incluindo o
Brasil) requisitando autorização para retaliações, diante da manutenção da medida
por parte dos americanos mesmo após resolução do Órgão de Apelação contra a
Emenda.
Alguns dos reclamantes efetivamente adotaram medidas retaliatórias, atitude
não compartilhada pelo Brasil. Em 2006, por fim, o governo americano concordou
em revogar a medida, com o ato que personificou tal decisão tendo efeitos a partir
de setembro do ano seguinte.
No ínterim entre o primeiro litígio com a Argentina e a breve disputa com a
Turquia, o Brasil foi demandado por duas vezes pelos Estados Unidos e outra pela
União Européia (o já comentado DS 183), em três contenciosos de curta duração
cuja resolução se deu logo na fase de consultas.
O primeiro desses dois pleitos com os americanos (DS 197) versava “sobre
supostos procedimentos de licenciamento não-automático e de valoração aduaneira
adotados pelo Brasil. Na prática, as consultas circunscreveram-se à valoração
aduaneira.” (MRE, 2008, p.23)
Satisfeitos com as respostas brasileiras durante a etapa de consultas, o
governo americano preferiu encerrar o caso, o que não ocorreu no segundo caso
(DS199), ocorrido também em 2000, e relacionado a medidas referentes à proteção
patentária, matéria que se enquadra nos supracitados „Temas de Cingapura‟, que
opõem, entre outros, brasileiros e americanos nas negociações da Rodada Doha,
iniciadas no ano seguinte ao contencioso.
80
No caso em questão, os americanos constestavam o conceito brasileiro de
„exploração local‟, que era um requisito para a concessão de direitos exclusivos de
patente. Para eles, tal termo era inaplicável a produtos importados. Nesse sentido,
notaram que esse requisito estipulava que era necessária uma licença compulsória
se o produto não fosse fabricado em território nacional, o que, de acordo com sua
argumentação, violava artigos do TRIPS. (OMC, 2009i)
Vale notar que à mesma época o Brasil ingressou com pedido de consultas
(DS224) contra os americanos contra aspectos do Código de Patentes dos Estados
Unidos que considerava discriminatórios.
Esse segundo litígio foi encerrado em 2001 durante negociações bilaterais
que trataram de ambos os casos. Em relação ao DS199, “concordou-se com a
retirada do painel em troca do compromisso de que eventuais casos de licença
compulsória afetando empresas norte-americanas seriam previamente notificados
pelo Brasil [...].” (MRE, 2008, p. 23)
O ano 2000 trouxe ainda mais dois contenciosos com o Brasil como
reclamante. O DS218, em relação a medidas compensatórias produtos siderúrgicos
aplicadas pelos EUA acabou por durar pouco, com o país desistindo de continuar
com a disputa.
Já o DS219, que envolveu medidas antidumping estabelecidas pela União
Européia contra a empresa catarinense Fundação Tupy passou por todo o
procedimento do OSC, mas os resultados finais não foram muito animadores, com
apenas uma pequena redução na margem de dumping cobrada à empresa em
questão.
Em 2001, ademais do supracitado DS241 com a Argentina, surgiram mais
dois litígios, um com o Brasil como demandado (DS229), outro como demandante
(DS239).
O primeiro, requisitado pela Índia por conta de direitos antidumping aplicados
contra sacos de juta oriundos daquele país acabou rapidamente, logo na fase de
consultas, com a Índia aceitando a argumentação brasileira.
O segundo assemelha-se com o DS219, desta feita com os Estados Unidos
como parte oposta. Nesse caso, o que foi questionadom pelo Brasil foram aspectos
de medidas antidumping aplicadas contra a Companhia Brasileira Carbureto de
Cálcio (CBCC).
81
Após realizadas as consultas, a empresa decidiu proceder de forma própria,
através de contatos diretos com parceiros e autoridades comerciais americanas,
tendo, em 2003, informado que os objetivos que possuía na questão haviam sido
atingidos. (MRE, 2008)
Período pródigo para a participação brasileira no OSC foi 2002. Nada menos
do que cinco contenciosos foram requisitados pelo Brasil entre março e outubro
desse ano. Ou seja, apenas nesses sete meses registraram-se pouco menos de um
quarto de todos os litígios que tiveram o Brasil como demandante nos quase 15
anos de existência do sistema de solução de controvérsias da OMC. Outro fator que
deve ser considerado é a repercussão e importância que atingiram alguns desses
casos.
Um exemplo pode ser encontrado logo na primeira disputa. O DS250 opôs
Brasil e Estados Unidos em relação à Equalizing Excise Tax – EET (em tradução
livre, taxa de exceção para equalização), imposto cobrado pelo governo estadual da
Flórida sobre derivados de laranja importados.
A EET equivaleria à Florida Box Tax, aplicada sobre as laranjas produzidas no estado, e teria o objetivo de eliminar qualquer vantagem que o produto estrangeiro poderia usufruir por não estar sujeito à taxa local. A cobrança do EET, [...] constituía violação de dispositivos do GATT 1994, notadamente no que diz respeito ao princípio do tratamento nacional (Artigo III), uma vez que a renda auferida era utilizada para promoção exclusiva do suco de laranja da Flórida. (MRE, 2008, p.17)
Considerando-se prejudicado pela EET, já que o suco de laranja é um dos
principais produtos da pauta de exportação do país para os EUA, o governo
brasileiro ingressou com o pedido de consultas, ao qual se seguiu requerimento para
abertura de painel.
Esforços bilaterais, no entanto, encerraram a questão antes da publicação do
relatório do painel. O Legislativo da Flórida aprovou emenda que tornava obrigatório
o pagamento de apenas um terço da EET e permitindo ainda aos exportadores que
objetem a possibilidade de que os recursos recolhidos sejam usados para os fins
anteriormente verificados. (MRE, 2008)
O DS259 envolveu por mais uma vez o setor siderúrgico, desta vez com o
questionamento de salvaguardas aplicadas pelos americanos. O painel requisitado
pelo Brasil acabou por ser unificado com os pedidos por outros sete membros. Com
82
o ganho de causa outorgado aos oito co-demadantes sendo ratificado pelo Órgão de
Apelação, os Estados Unidos retiraram as medidas contestadas.
O terceiro dos contenciosos de 2002 foi o DS266, contra subsídios à
exportação de açúcar aplicados pela União Européia. A ação brasileira não
procurava abrir o mercado europeu ao açúcar produzido no país, demandando o
cumprimento das obrigações estabelecidas para o setor na Rodada Uruguai e a
redução do impacto das políticas do bloco no mercado internacional. Tais políticas
distorcem o mercado, tanto por diminuírem artificialmente os preços quanto por
deslocarem as exportações de terceiros países. (MRE, 2008)
Caso também de grande repercussão, o DS266 contou com a participação de
25 outros membros da OMC na qualidade de terceiros, com dois deles (Tailândia e
Austrália) apresentando demandas semelhantes contra a União Européia.
O bloco concordou, por fim, em reformar suas políticas de acordo com as
recomendações trazidas pelo painel e pelo Órgão de Apelação, com os três
demandantes mantendo desde então reuniões periódicas para monitorar a real
aplicação das resoluções.
O penúltimo litígio do ano, iniciado em setembro de 2002, ocupa posição
especial dentro do rol de 38 casos que compõem a participação brasileira no OSC.
O contencioso contra os Estados Unidos em relação a subsídios aos produtores de
algodão daquele país se desenrola ainda hoje, com sua importância mantendo-se
alta desde esse momento, por motivos que vão desde a força do setor no mundo em
desenvolvimento até o arraigamento da produção algodoeira na cultura de algumas
regiões americanas, notadamente o sul do país.
A instauração do processo foi solicitada junto à OMC pelo governo brasileiro, que questionou a compatibilidade dos vários subsídios norte-americanos à produção, comercialização e exportação de algodão com as normas da organização que versam sobre a utilização dos subsídios agrícolas. O Brasil alegava que tais práticas estavam prejudicando sua participação (e de outros países produtores) no cenário internacional (Schimanski, 2006, p.21)
Processo com diversas polêmicas e discussões que exigiriam, para seu
correto estudo, uma apresentação bem maior do que a esse trabalho se propõe a
realizar, o caso continua até os dias atuais, com o OSC definindo, em 31 de agosto
do corrente ano os valores para que o Brasil imponha sua retaliação aos Estados
Unidos.
83
Encerrando os contenciosos abertos em 2002, o DS269 é mais um litígio
envolvendo produtos agropecuários, nesse caso frango congelado. Tendo a União
Européia como demandante, a disputa tem como razão a reclassificação aduaneira
por parte dos europeus de alguns cortes da carne de frango.
É importante levar em conta que “a mudança na classificação tarifária
significou alteração no direito aduaneiro cobrado das importações do produto de
15,4% „ad valorem’ para 1024 Euros/tonelada, cerca de 70% ‘ad valorem’.” (MRE,
2008, p.10)
Esse brutal aumento das tarifas de importação, causado por um simples ato
burocrático de reclassificação no equivalente europeu da Nomenclatura Comum do
MERCOSUL (NCM) resultou, naturalmente, prejuízos e revolta entre os produtores e
o governo brasileiro.
Quanto aos prejuízos, entidades setoriais apontam que por força da medida
as exportações brasileiras do produto diminuíram em cerca de 80%, com perdas de
US$ 125 milhões já no primeiro semestre de 2003. Anualmente, as exportações não
realizadas poderiam atingir a marca de US$ 350 milhões. (MRE, 2008)
Após o Brasil e a Tailândia (que apresentou demanda similar) receberem
ganho de causa no painel e no Órgão de Apelação, a União Européia, no último dia
do prazo que tinha para adotar as recomendações, retomou à antiga classificação
aduaneira dos cortes de frango em questão, objetivo do Brasil no caso.
Após um ano tão ativo seria natural supor que nos seguintes a diplomacia
brasileira dedicou-se mais a administrar os contenciosos já existentes do que a
propor novos. E foi efetivamente isso o que ocorreu, com o próximo litígio criado por
iniciativa brasileira surgindo apenas em 2007.
Nesse intervalo, o país foi por duas vezes interpelado, uma pela União
Européia (DS332), outra pela Argentina (DS355). As controvérsias tiveram por
objeto, respectivamente, restrições brasileiras à importação de pneus reformados e
medidas antidumping referentes a alguns tipos de resinas.
O contencioso com os europeus, que se iniciou em 2005, esteve fortemente
ligado aos fatores ambientais, com o Brasil alegando como razão de suas medidas
que “a importação de pneus reformados acelera a geração de resíduos no país
importador, uma vez que pneus já submetidos a um processo de reforma não podem
ser reformados uma segunda vez” (MRE, 2009a, p. 3)
84
O país alegava que pelo fato de tais resíduos serem perigosos ao meio
ambiente e à saúde dos brasileiros, a medida era justificada e não feria acordos do
GATT. No aspecto legal, além da restrição em si, os europeus contestavam o fato de
ela não se aplicar ao produto oriundo de países do MERCOSUL.
O caso passou pelo painel e contou com a participação do Órgão de
Apelação, que divergiu de vários aspectos do relatório dos painelistas, que não
havia sido favorável ao Brasil. Esse último relatório não melhorou a situação do país.
Apesar de considerar justificada a questão ambiental alegada pelo Brasil, o
informe dos membros do órgão concluiu que a restrição foi arbitrária, já que havia
sido aplicada por meio de liminares e a exceção aos países do MERCOSUL
constituía ação discriminatória.
O Brasil decidiu adotar o relatório do Órgão de Apelação, sendo definido para
tal, por meio de um árbitro neutro, um prazo razoável de 12 meses. Pouco após o
fim desse prazo, as partes notificaram o OSC de que haviam atingido um acordo
sobre os procedimentos para implementação das decisões.
A disputa com os argentinos, que consideravam inconsistentes com acordos
do GATT tanto as medidas anidumping aplicadas quanto à investigação que resultou
em sua adoção, e que chegou a contar com a participação de um painel, foi
suspensa pelo governo portenho antes da primeira reunião com os membros desse
grupo, por conta de um acerto entre os países.
Deve notar-se que “a decisão argentina foi possível graças a acordo realizado
em consultas com as empresas envolvidas de ambos os países, o que permitiu a
suspensão dos direitos antidumping aplicados pelo Brasil em decorrência da
alteração das condições de mercado no âmbito do MERCOSUL.” (MRE, 2008, p. 21)
Esse acordo, que também suspendeu ações argentinas contra a resina
brasileira, marcou o fim desse que foi o último contencioso iniciado contra o país até
o presente momento.
Retornando aos litígios que têm o Brasil como demandante, os dois últimos
contenciosos a serem abordados nesse subitem tiveram como parte demandada os
Estados Unidos e envolveram produtos agropecuários, fato que conforme já
verificado, é comum nas disputas entre as duas nações no OSC.
O DS365, iniciado em 2007, está relacionado com subsídios domésticos
concedidos pelo governo americano à produção agrícola de seu país nos anos
anteriores.
85
O Brasil afirma que tais subsídios superam o limite de US$ 19 bilhões previsto
nos compromissos firmados pelos Estados Unidos no Acordo sobre Agricultura da
OMC, violando artigos desse documento. A iniciativa brasileira secundou demanda
semelhante apresentada pelo Canadá. (MRE, 2009b)
Com as consultas mostrando-se infrutíferas, os co-demandantes requisitaram
o estabelecimento de um painel, com o OSC criando um único grupo para ambos os
contenciosos. O caso continua em andamento, sem publicação de qualquer relatório
até agosto de 2009.
O mais recente contencioso proposto pelo Brasil é o DS382, cujo pedido de
consultas ocorreu em novembro de 2008 e, assim como o DS250, refere-se a
restrições impostas pelos Estados Unidos à importação de suco de laranja de
produção brasileira.
Nesse caso, a disputa não é contra uma medida adotada por um governo
estadual, tendo por objeto ações antidumping adotadas pelo Departamento de
Comércio do país. O Brasil contesta os métodos utilizados para calcular a sobretaxa
cobrada do produto brasileiro sob tal justificativa, que estariam inflando
artificialmente o valor a ser pago pelos exportadores brasileiros.
As consultas terminaram no dia 18 de junho de 2009 sem obtenção de acordo
entre as partes. Até o momento o Brasil não requisitou ao OSC a abertura de um
painel.
5.2 Contenciosos com o Canadá: O caso Embraer-Bombardier
Alguns contenciosos atingem um grau de interesse e uma repercussão que
por vezes extrapola os limites da disputa comercial em questão, chegando mesmo a
estremecer o todo das relações bilaterais dos litigantes.
Um exemplo disso está nos contenciosos entre Brasil e Canadá, que serão a
seguir apresentados, nos quais controvérsias referentes ao apoio concedido por
ambos os países a empresas do setor aeronáutico resultaram, em seu ápice, num
conflito diplomático entre os governos brasileiro e canadense.
86
Uma explicação inicial para a importância dos três litígios e do ímpeto
demonstrado pelos adversários na defesa de suas posições está no setor envolvido
nas disputas. Como afirma Amaral Júnior (2002, p.227) “[...] a produção de
aeronaves agrega valor de conteúdo tecnológico elevado e, como tal, ganha
conotação de atividade de interesse estratégico para o desenvolvimento”.
Esse caráter de atividade estratégica do qual se reveste o setor aeronáutico
tem sua origem não apenas no valor agregado à produção nacional pela alta
tecnologia aplicada, derivando também de alguns outros fatores.
Um desses fatores é a relação do setor com a questão da segurança
nacional, por conta da forte ligação da indústria aeronáutica civil com a militar. Outro
motivo é que a forte presença de alta tecnologia estimula o progresso técnico em
atividades complementares ou de alguma forma relacionadas. (PETRY, 2006)
Aos fatores acima podem ser somados outros, como os ganhos em geração
de empregos, muitos deles de alta qualificação e o incremento na arrecadação de
impostos. Além disso, o fato de tal indústria contar com produtos cujos preços
calculam-se na casa dos milhões limita o rol de possíveis clientes, o que, como
verificado no caso da Embraer, outorga ao setor uma forte natureza exportadora.
E é justamente essa questão das exportações, em conjunto com a
supracitada definição da produção aeronáutica como atividade estratégica pelos
governos que resultou nos contenciosos entre Brasil e Canadá no sistema de
solução de controvérsias.
Tal conjunto resultou na adoção de estímulos ao setor, contestados
posteriormente pela parte adversária. No caso brasileiro, a Embraer, recém-
privatizada, tinha à disposição o Programa de Financiamento às Exportações
(Proex), instrumento de apoio às exportações que, em sua modalidade „equalização‟,
se encaixava muito bem a seus interesses.
No caso de aeronaves, por se tratar de produto de alto valor unitário e cujo comércio internacional sempre foi amparado em financiamentos de longo prazo, o Proex operava em condições especiais. De posse de uma „carta de compromisso‟ do Banco do Brasil [...], a Embraer assinava o contrato de venda com a empresa compradora. Como é praxe nesses contratos, a companhia aérea encomendava determinado número de aparelhos [...] e se reservava o direito de encomendar um número adicional [...]. As entregas se estendiam por vários anos. Para realizar a aquisição, a companhia aérea compradora levantava os recursos necessários junto a uma instituição financeira e os juros cobrados por esta última eram em parte cobertos pelo Proex (3,8 pontos percentuais). (AMARAL JÚNIOR, 2002, P. 276)
87
Tal pagamento, feito às instituições internacionais que emprestaram dinheiro
aos clientes da Embraer, era realizado por meio de Notas do Tesouro Nacional
(NTNs) e considerado subsídio pelos canadenses, que não concordavam com a
posição brasileira de que o benefício destinava-se a „equalizar‟ a capacidade
competitiva internacional de sua empresa, dadas as taxas de juros registradas
quando o financiamento envolvia companhias brasileiras, usualmente superiores ao
que se verificava no caso de empresas de países desenvolvidos.
O Proex foi contestado pelo Canadá no primeiro contencioso (DS46) entre as
partes. Como motivação para o início do litígio, vale notar o crescimento da Embraer
em fatias de mercado outrora quase que monopolizadas pela canadense
Bombardier, em especial no caso dos chamados „jatos regionais‟, no qual a empresa
brasileira vencera recentemente uma concorrência com sua rival.
O processo iniciou-se em 1996, com o período de consultas durando mais do
que o previsto pelo sistema, por conta das várias negociações bilaterais na busca
por um acordo que encerrasse a controvérsia logo em seu início.
No primeiro ano, o Brasil adotou um perfil contemporizador, buscando evitar a
continuidade do contencioso, mas ao mesmo tempo, naturalmente, defendendo seu
programa e os interesses de sua empresa. Nessas conversas o país passa também
a por em pauta os incentivos concedidos pelo Estado canadense à Bombardier, com
o governo de Ottawa recusando-se a esclarecer seus programas.
A situação de impasse começou a tornar-se prejudicial aos interesses do
Brasil, já que era voz corrente que a Bombardier disseminava entre potenciais
compradores boatos de que a qualquer momento o Proex receberia veredito
condenatório, o que inviabilizaria a situação da Embraer no mercado. (AMARAL
JÚNIOR, 2002)
Com isso, o Brasil decidiu também requisitar junto ao OSC consultas com o
Canadá (DS70 e DS71) sobre os programas de apoio ao setor aeronáutico da nação
norte-americana. Vale notar, como afirma Morais (2009, p. 24) em uma reflexão
sobre o caso, que “[...] o Brasil batalhou tendo pela frente a expertise do Canadá
para discutir o programa brasileiro e ao mesmo tempo aplicar incentivos através de
organizações de fomento.”
Essa expertise residia no fato de seus programas serem muito mais sutis do
que o brasileiro, sendo necessário ao governo brasileiro intensa dedicação ao
estudo do caso, o que, por outro lado, aumentou o interesse e conhecimento do
88
Itamaraty em relação ao sistema de solução de controvérsias, algo que foi muito útil
em contenciosos subseqüentes.
Ainda em 1997, ano em que o Brasil iniciou seus primeiros contenciosos com
os canadenses, a vitória da Embraer em uma nova concorrência com a Bombardier
resulta em novos atritos entre as empresas, com a canadense afastando a brasileira
de um contrato referente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que
estava sob sua coordenação.
Essa decisão esfriou ainda mais as relações entre os países, com o Brasil
informando, quando da visita do primeiro-ministro canadense, que estava
paralisando as conversas em relação a um acordo comercial entre o Canadá e o
MERCOSUL.
Foram designados então, numa última tentativa de resolver o caso sem a
interferência da OMC, dois mediadores, um de cada país, mas essa iniciativa não
atinge resultados e, em julho de 1998, o OSC acolheu pedidos de criação de painéis
de ambas as partes. No caso do Brasil, recorde-se que o contencioso que foi
mantido é o DS70, com o DS71, quase semelhante, tendo sido encerrado.
Um dos pontos destacados da argumentação brasileira é que o país não
discutia a natureza do Proex como subsídio, afirmando, porém, que o benefício não
poderia ser considerado como proibido, sendo compatível com o acordo da OMC
referente ao tema.
Nessa linha de raciocínio, o Brasil enfatizou que o Proex era um pagamento efetuado pelo governo para cubrir os custos que os exportadores ou instituições financeiras tinham na captação de crédito no exterior. De acordo com o Brasil, os pagamentos do Proex, [...] seriam proibidos apenas se fossem usados para assegurar vantagem material no campo de crédito à exportação. (LUCENA, 2006, P. 147-148)
Em outras palavras, o Brasil afirmava que o Proex tinha como propósito
apenas „nivelar‟ as condições de concorrência de suas empresas, prejudicadas pelos
juros maiores que financiamentos que as envolviam eram alvo no mercado
financeiro internacional e, portanto, não caracterizava „vantagem substancial‟.
Outro ponto defendido pelo Brasil era que, de qualquer modo, o artigo 27.4 do
Acordo de Subsídios permitia aos países em desenvolvimento manterem subsídios
anteriormente existentes por até oito anos após sua assinatura. Para beneficiar-se
de tal isenção, o Brasil tinha de comprovar que o volume total de subsídios à
89
exportação não havia aumentado desde a entrada em vigor do acordo. (AMARAL
JÚNIOR, 2002)
Uma terceira parte da argumentação era a questão de quando efetivamente
ocorria a prática de subsídio, se no momento da emissão da chamada „carta de
compromisso‟ ou após a entrega da aeronave, quando o Banco do Brasil emitia
NTNs para pagar as instituições internacionais que financiaram a operação.
As implicações práticas dessa questão eram gigantescas: uma vez associada a concessão do subsídio ao momento da carta de compromisso, como desejava o Brasil, uma eventual suspensão do programa significaria que nenhuma nova carta seria emitida, mas que isso em nada afetaria a emissão de NTN-Is para todas as aeronaves ainda por serem entregues, amparadas em contratos anteriores. Caso, entretanto, fosse o momento da emissão das Notas do Tesouro que caracterizasse a concessão do subsídio, a suspensão atingiria todas as entregas futuras, já que se fazia a emissão das Notas sempre pós-embarque. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p. 286)
O relatório final dos contenciosos, após larga discussão envolvendo painel e
Órgão de Apelação acabou por ser desfavorável ao Brasil, com duas das teses
acima expostas sendo refutadas. A exceção foi a questão de quando o subsídio
efetivamente ocorria, com o Órgão de Apelação discordando do relatório do painel
ao aceitar a argumentação brasileira.
No DS70 o país obteve uma pequena vitória, com um dos programas
canadenses sendo também enquadrado como subsídio proibido, embora a
importância desse para a Bombardier fosse muito inferior à do Proex para a
Embraer.
Ambos os países realizaram mudanças pontuais em seus programas, que
não satisfizeram nenhuma das partes e devolveu o caso ao OSC, onde se seguiram
mais discussões, pedidos de retaliação e inclusive a abertura de um novo
contencioso por iniciativa brasileira sob basicamente o mesmo assunto, que resultou
também em autorização para retaliação (nenhuma das partes aplicou seu direito de
retaliar).
Esse trabalho não se propõe a abordar em detalhes o prosseguimento do
caso, que a rigor, não teve um final claro, com as empresas mantendo uma
rivalidade e forte concorrência no mercado internacional até os dias de hoje.
E é justamente esse fato a base da principal conclusão trazida quando da
análise dessa disputa. A manutenção e mesmo fortalecimento da posição de
90
destaque que a Embraer vinha adquirindo em seu segmento foi a maior conquista do
governo brasileiro.
A Embraer é hoje líder no segmento de jatos regionais comerciais, tendo
produzido e entregue, desde 1996, um número superior a 1000 aviões da linha ERJ
a mais de 37 companhias de 24 países (EMBRAER, 2009)
Esse resultado positivo, que auxiliou sobremaneira a Embraer a estar hoje
entre as maiores fabricantes de aeronaves do mundo demonstra muito do quão
importante para o país era a questão.
Para o Brasil não bastava obter sucesso nas negociações nem realizar
mudanças aceitas pelo OSC, era preciso garantir que a Embraer não perdesse
mercado para sua concorrente. Por isso o financiamento às exportações era
indispensável, pois através do Proex os preços da gigante brasileira podiam ser
reduzidos e sua competitivade aumentada. (LUCENA, 2006)
Conforme pode se notar no parágrafo acima e, de modo geral, no que foi
escrito nesse trabalho sobre o caso, a disputa Brasil-Canadá não deve ser entendida
no mesmo sentido de vários outros contenciosos da OMC, como um litígio entre um
país desenvolvido que subsidia suas indústrias e outro em desenvolvimento, que,
possuindo um produto naturalmente mais competitivo, é vítima de práticas desleiais
que distorcem o mercado a favor da nação mais poderosa.
No caso em questão, ambos os países subsidiaram fortemente suas
empresas (com o Canadá, talvez por conta de sua „experiência‟ na matéria, agindo
de maneira bem mais sutil) e, devido ao caráter estratégico do setor, as duas nações
efetivamente encamparam os interesses de suas empresas e transformaram uma
disputa privada em um conflito diplomático.
Outro fator que contribuiu para aumentar a importância do litígio foi que “a
disputa entre as duas empresas trouxe notoriedade ao caso, e a população
brasileira em geral passou a acompanhar o caso de perto.” (PETRY, 2006, p.112)
Tal fenômeno ocorreu especialmente quando do chamado „caso da vaca
louca‟, quando o Canadá impôs embargo à carne bovina brasileira, em um episódio
claramente relacionado à disputa no setor aeronáutico e causou grande indignação
no país em relação à nação norte-americana.
Por fim, o caso foi ainda o primeiro „grande contencioso‟ disputado pelo País
no sistema de solução de controvérsias da OMC, com sua repercussão podendo ser
91
considerada um estímulo e também um aprendizado para o Brasil em outros casos
vultosos disputados posteriormente.
5.3 Avaliação geral da participação brasileira no OSC
O primeiro item do presente capítulo abordou inicialmente a participação
brasileira junto ao sistema de solução de controvérsias da OMC, concedendo
especial ênfase à questão da importância que o mecanismo adquiriu para a
diplomacia brasileira.
De forma complementar, vale notar, como afirma Cozendey (2007, p.10), que
“ao longo da história da OMC, o Brasil tem mantido constante confiança no
mecanismo de solução de controvérsias e tem procurado valorizá-lo, certo de que se
trata de peça chave do sistema multilateral de comércio”.
Essa confiança é confirmada pelos indicadores, já apresentados e estudados
no presente trabalho, com o Brasil sendo o quarto membro com maior número de
contenciosos, somente atrás de gigantes econômicos como os Estados Unidos e a
União Européia e de outro país desenvolvido, o Canadá, com o qual, como visto
anteriormente, o país manteve ferrenhas disputas.
Esse caráter aguerrido é uma peça importante para o entendimento da
participação brasileira, notado principalmente após o pulso com os canadenses. Ao
ano de 2001, que pode ser considerado o ápice do conflito diplomático com o
governo de Ottawa por conta do „caso da vaca louca‟ e suas conseqüências, seguiu-
se uma frenética atividade nos 12 meses seguintes, com o Brasil requisitando a
abertura de cinco novos contenciosos, o que demonstra explicitamente como foi
nessa época que o sistema estabeleceu-se de forma clara entre as prioridades da
diplomacia brasileira.
Desde as resoluções referentes àquele conflito, o governo brasileiro esteve
certo de que o comércio internacional é uma arena em que cada país,
independentemente do grau de desenvolvimento de sua economia, tinha que
defender seus próprios interesses. (LUCENA, 2006)
92
Nesse sentido, a defesa dos interesses comerciais do País e de suas
empresas esteve no centro da atuação do Itamaraty junto ao sistema de solução de
controvérsias, suplantando outros fatores que poderiam ter recebido maior ênfase
por parte da diplomacia brasileira, como a questão política, tema de usual
importância no campo das relações internacionais.
Ainda que a participação no sistema seja também um ato de política
diplomática e seus desdobramentos e consequências tenham que ser estudados
também perante esse referencial, os principais elementos levados em conta pelo
Brasil na decisão de iniciar um contencioso têm sido o tamanho dos prejuízos
comerciais e a avaliação do caso em questão à luz das regras da OMC.
(COZENDEY, 2007)
Ou seja, ainda que seja precipitado desconsiderar os fatores políticos quando
são estudadas as intervenções brasileiras no OSC, o maior motivador da
participação do País no órgão tem sido, conforme trazido pelo autor, a defesa dos
interesses econômicos no cenário internacional.
Quanto a esse cenário internacional, vale notar a influência positiva que a
atuação brasileira junto ao sistema de solução de controvérsias da OMC traz à
imagem do País frente às demais nações.
O perfil ativo do Brasil no sistema trouxe, além dos ganhos comerciais concretos, elementos de prestígio que se traduzem em maior poder de barganha no contexto da OMC e em ganhos políticos importantes. O Brasil tornou-se respeitado por sua capacidade de acionar com sucesso o sistema de solução de controvérsias e, dessa forma, participação da conformação jurisprudencial do sistema multilateral de comércio. O Brasil passa assim a ser reconhecido como capaz de articular seus interesses e traduzi-los em formulações jurídicas, com impacto inegável sobre sua influência na negociação de novas regras. (COZENDEY, 2007, p. 14)
Mesmo que o autor seja um tanto quanto exagerado em sua análise e que a
imagem do país no mundo é um fator praticamente intangível, é fato que a
participação do país no OSC resultou num maior respeito ao país por parte da
comunidade internacional, principalmente no que se refere a questões comerciais.
Retornando ao estudo da participação brasileira em si, vale recordar que
ainda que o ímpeto de criação de novos contenciosos tenha arrefecido desde o
intenso ano de 2002, a importância do órgão junto aos formuladores da política
externa brasileira continua forte, até por conta das dimensões da economia do Brasil
93
e de sua pauta exportadora diversificada, cenário que torna controvérsias comerciais
algo natural.
Tal pensamento é complementado por Morais (2009, p. 29), que assevera
que “o tamanho da economia do Brasil o coloca entre as dez maiores do planeta;
isso determina que quanto mais acelerado e bem sucedido seja seu
desenvolvimento, maiores desafios comerciais deverá enfrentar [...].”
Ou seja, a atuação do Brasil no sistema de solução de controvérsias continua
e tende a ser cada vez mais complexa, com esse instrumento, a despeito de suas
debilidades, mantendo-se como uma ferramenta importante para a defesa dos
interesses comerciais brasileiros frente aos demais participantes do comércio
mundial.
94
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo o comércio mundial um negócio que movimenta todos os anos
vultosas quantias e envolve uma série de aspectos e detalhes, é natural que
ocorram desentendimentos, disputas entre os que dele participam. Nesse sentido, a
OMC tem em sua estrutura um órgão destinado especificamente a tentar resolver os
litígios comerciais que por ventura surjam entre seus membros, o Órgão de Solução
de Controvérsias.
Avaliar esse órgão e sua importância dentro do cenário comercial
internacional foi o objetivo geral pensado quando da pesquisa e desenvolvimento do
presente trabalho.
No trabalho realizado, foi possível identificar a intenção dos criadores do OSC
em instituir um sistema que fosse imparcial, respeitado e visto pelos participantes do
comércio mundial como capaz de propor soluções para as disputas recorrentes que
marcam a atividade.
Justamente nesse ponto se chega à comparação com o primeiro pressuposto
desse trabalho. Além da já supracitada questão da intenção do organismo em
resolver as controvérsias comerciais entre os membros da OMC, outros pontos
foram abordados. O pressuposto afirma que o sistema busca inicialmente o
entendimento entre as partes, com o trabalho demonstrando que a possibilidade de
um acordo entre os litigantes está aberta durante todo o processo e é estimulada
pelo próprio órgão.
Outro ponto a se comentar é a questão do „julgamento‟. É importante voltar a
citar aqui um dos pontos mais importantes para se entender corretamente o sistema,
que é a inexistência de um aparato executor das medidas propostas, com o OSC
não tendo poderes para intervir na soberania de seus membros, que são livres para
definir suas políticas comerciais.
Ainda no que se refere ao primeiro pressuposto, o trabalho abordou também
a instituição na qual se encontra o organismo alvo do estudo, de forma a possibilitar
o conhecimento do meio no qual se assenta o OSC, que é o sistema multilateral de
comércio, tratando de apresentar as origens da OMC, o acordo anterior e aspectos
da organização, de modo a fazer uma introdução à apresentação do órgão em si.
95
Quanto ao segundo pressuposto, o trabalho trouxe uma detalhada exposição
do funcionamento do órgão. Após comentar o modelo do GATT, importante para
entender a evolução do mecanismo de solução de controvérsias, versou sobre cada
uma das etapas previstas pelo acordo da OMC que trata do tema, o ESC,
destacando os procedimentos e prazos de cada uma delas, aprofundando
sobremaneira o breve resumo contido no pressuposto. Vale ressaltar a
apresentação dos dispositivos usados para conseguir a implementação das
resoluções do órgão, em especial a questão das retaliações e todo o processo
imposto para torná-las o último recurso a que o sistema recorrerá.
No que se refere ao terceiro pressuposto, o trabalho dedicou espaço às
avaliações realizadas a respeito do sistema, trazendo pontos positivos, como, por
exemplo, a real possibilidade de sanções aos países que desrespeitarem as regras
internacionais, o que é importante para manter a força de tais normas, sem deixar de
abordar as críticas feitas ao órgão.
No mesmo sentido, o trabalho, ao apresentar os contenciosos que contaram
com participação brasileira, abordou também a importância da aplicação dos
procedimentos do OSC em casos específicos, trazendo, consequentemente, a
repercussão para o país dos resultados de tais disputas.
Com tudo o que foi exposto no trabalho, pode concluir-se, que a despeito de
suas limitações e da necessidade de aperfeiçoar uma série de seus aspectos, o
Órgão de Solução de Controvérsias é uma ferramenta importante para garantir a
aplicação das regras da OMC e que mesmo com sua relativamente breve existência,
já é peça consolidada dentro do sistema multilateral de comércio.
Como forma de aprofundar o que foi abordado no presente trabalho, sugere-
se o estudo detalhado de um contencioso específico, identificando-se o desenrolar
das etapas previstas pelo ESC e a repercussão e implementação das resoluções
publicadas pelo órgão.
96
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Roberto de. O Brasil e o multilateralismo econômico. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
AMARAL JÚNIOR, Alberto do. OMC e o Comércio Internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002.
ÁRABE NETO, Abrão Miguel. Cumprimento das decisões do sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio: análise das medidas de indução e das propostas para seu aprimoramento sob a perspectiva dos países em desenvolvimento. São Paulo, 2008. Disponível em: <http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=8181> Acesso em 18 de outubro 2009
BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002a.
BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e o Protecionismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002b.
CORRÊA, Luis Fernando Nigro. O MERCOSUL e a OMC: Regionalismo e Multilateralismo. São Paulo: Ltr, 2001.
CIA – Central Intelligence Agency. CIA World Factbook. 2009. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/2195.html?countryName=World&countryCode=xx®ionCode=oc#xx> Acesso em 18 de outubro 2009
COZENDEY, Carlos Márcio Bicalho. O Sistema de Solução de Controvérsias da OMC: para além dos contenciosos, a política externa. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/Artigo_Contenciosos_OMC_Diretor_DEC.pdf> Acesso em 18 de outubro 2009
EMBRAER. Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. Disponível em: <www.embraer.com.br> Acesso em 18 de outubro 2009
FELIPE, Ana Paula Soares. A Política Agrícola Brasileira: As Negociações na OMC. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1217>. Acesso em 18 de outubro 2009
GALLO, Rodrigo. Imperius Rex. Leituras da História, São Paulo, n. 5, p.50-59, 2008.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002
JAKOBSEN, Kjeld. Comércio Internacional e Desenvolvimento: Do Gatt à OMC: discurso e prática. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
97
JESUS, Avelino de. Relações Comerciais Internacionais. São Paulo: Aduaneiras, 1992.
LIMA, Tatiana Macedo Nogueira. GATT/OMC: Uma análise institucional. São Paulo, 2004. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12140/tde-27122004-141602/ Acesso em 18 de outubro 2009
LUCENA, Andréa Freire de. Cooperar ou não Cooperar, eis a Questão: A Organização Mundial do Comércio, o Brasil e o contencioso Embraer-Bombardier. Brasília, 2006. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1401> Acesso em 18 de outubro 2009
MALUF, Sâmia Nagib. Administrando o Comércio Exterior no Brasil. São Paulo: Aduaneiras, 2000. MORAIS, Marielle de Melo. O Direito Internacional Econômico face a Controvérsia Embraer-Bombardier na Organização Mundial do Comércio. Revista Eletrônica do Centro de Direito Internacional, Belo Horizonte, v. 4, 2009. Disponível em: <http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume4/arquivos_pdf/sumario/art_v4_VIII.pdf> Acesso em 18 de outubro 2009 MRE – Ministério das Relações Exteriores. Contenciosos Encerrados ou Suspensos. 2008. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/brasil%20hist%C3%B3rico-junho2008%202.pdf> Acesso em 18 de outubro 2009 MRE – Ministério das Relações Exteriores. DS 332 – Atualização. 2009a. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1907> Acesso em 18 de outubro 2009 MRE – Ministério das Relações Exteriores. DS 365 – Atualização. 2009b. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/cgc/DS365_FarmSubsidies_atualiz_jul09.pdf> Acesso em 18 de outubro 2009 NINIO, Marcelo. Crise complica adesão russa à OMC. Folha de São Paulo, 28 jun. 2008. Disponível em: <http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.asp?ID_RESENHA=487755>. Acesso em: 18 de outubro 2009 OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Tratado de Metodologia Científica. São Paulo: Pioneura Thomson Learning, 2002.
OMC – Organização Mundial do Comércio. Entender la OMC. Genebra: Divisão de Informação e Relações com os Meios de Comunicação da OMC, 2007. Disponível em: <http://www.wto.org/spanish/thewto_s/whatis_s/whatis_s.htm>. Acesso em 18 de outubro 2009
98
OMC – Organização Mundial do Comércio. Organograma da OMC. 2009a. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/organigram_e.pdf > Acesso em 18 de outubro 2009
OMC – Organização Mundial do Comércio. Gatt Analytical Index. 2009b. Disponível em:< http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/gatt_ai_e/gatt_ai_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC – Organização Mundial do Comércio. Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC). 2009c. Disponível em: <http://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/28-dsu.pdf > Acesso em 18 de outubro 2009
OMC – Organização Mundial do Comércio. Lista cronológica de contenciosos. 2009d. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_status_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC – Organização Mundial do Comércio. Declaração da Rodada Doha – Explicação não-oficial. 2009e. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dda_e/dohaexplained_e.htm#dispute> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC - Organização Mundial do Comércio. Página do Brasil no site da OMC. 2009f. Disponível em: <http://www.wto.org/english/thewto_e/countries_e/brazil_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC - Organização Mundial do Comércio. Lista de contenciosos por membro da organização. 2009g. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_by_country_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC - Organização Mundial do Comércio. DS 241. 2009h. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds241_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OMC - Organização Mundial do Comércio. DS 199. 2009i. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds199_e.htm> Acesso em 18 de outubro 2009
OPPERMAN, Álvaro. Táticas Vegetais. Superinteressante, São Paulo, n. 206, p.56-60, nov. 2004. PETRY, Mariana Simões. A política de comércio exterior brasileira de 1995 a 1998: a política comercial estratégica e o caso Embraer. Porto Alegre, 2006. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8287/000572675.pdf?sequence=1 Acesso em 18 de outubro 2009
99
RACHA entre emergentes complica negociações na OMC. G1, São Paulo, 27 jul. 2008. Economia e Negócios. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL702559-9356,00-RACHA+ENTRE+EMERGENTES+COMPLICA+NEGOCIACOES+NA+OMC.html>. Acesso em 18 de outubro 2009 RÊGO, Elba Cristina Lima. Do Gatt à OMC: O que Mudou, como Funciona e para onde Caminha o Sistema Multilateral de Comércio. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.6, n.3, 1996. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/conhecimento/publicacoes/catalogo/rev_6a10.asp>. Acesso em: 18 de outubro 2009
RIBEIRO, U.; CRUZ, C. Metodologia Científica Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Axcel Books, 2003
SANTOS, Suelma Rosa dos. Estudo comparado acerca da atuação do Brasil e da Índia na Organização Mundial do Comércio de Seattle a Cancún. Disponível em: <http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1217>. Acesso em 18 de outubro 2009
SCHIMANSKI, Silvana. O contencioso sobre os subsídios ao algodão entre Brasil e Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (2002 a 2005). Porto Alegre, 2006. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/8448/000575961.pdf?sequence=1 Acesso em 18 de outubro 2009
SENA JÚNIOR, Roberto Di. Comércio Internacional & Globalização: A Cláusula Social na OMC. Curitiba: Juruá, 2003.
STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: Ltr, 1998.
THORSTENSEN, Vera; JANK, Marcos S. O Brasil e os Grandes Temas do Comércio Internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005.
TORRES, Igor G. Comércio Internacional no século XXI. São Paulo: Aduaneiras, 2000.
VALLS, Lia. Histórico da Rodada Uruguai do GATT. Estudos em Comércio Exterior, Rio de Janeiro, v.1, n.3, 1997. Disponível em: <http://www.ie.ufrj.br/ecex/pdfs/historico_da_rodada_uruguai_do_gatt.pdf> Acesso em 18 de outubro 2009
VAN DEN BOSSCHE, Peter. Solução de Controvérsias. Disponível em: <http://www.unctad.org/pt/docs/edmmisc232add11_pt.pdf>. Acesso em: 18 de outubro 2009.