monografia - márcio ribeiro borges

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MÁRCIO RIBEIRO BORGES Trabalho de Iniciação Científica O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC: IMPORTÂNCIA PARA O COMÉRCIO MUNDIAL E ATUAÇÃO BRASILEIRA ITAJAÍ 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ MÁRCIO RIBEIRO BORGES

Trabalho de Iniciação Científica O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:

IMPORTÂNCIA PARA O COMÉRCIO MUNDIAL E ATUAÇÃO BRASILEIRA

ITAJAÍ 2009

MÁRCIO RIBEIRO BORGES

Trabalho de Iniciação Científica O ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC:

IMPORTÂNCIA PARA O COMÉRCIO MUNDIAL E ATUAÇÃO BRASILEIRA

Monografia desenvolvida para o Estágio Supervisionado do Curso de Comércio Exterior do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - Gestão da Universidade do Vale do Itajaí

Orientadora: Profª. Drª. Joana Stelzer

ITAJAÍ 2009

Agradeço inicialmente a Deus, por guiar-me e conceder força para

enfrentar os desafios à minha frente. Em especial, agradeço minha família

pelo carinho e apoio que me deram não apenas nesses quatro anos,

mas em toda minha vida. Agradeço ainda à instituição, aos

amigos e aos professores, por todo o conhecimento que pude agregar no

período, com especial menção à minha orientadora Joana Stelzer

pelos sábios conselhos e orientações que me permitiram a

realização desse trabalho.

“Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa)

EQUIPE TÉCNICA

a) Nome do estagiário Márcio Ribeiro Borges b) Área de estágio Monografia c) Orientadora de conteúdo Profª. Drª. Joana Stelzer e) Responsável pelo Estágio Profª. Natali Nascimento

RESUMO

O órgão de solução de controvérsias é um mecanismo presente na estrutura da OMC e que tem como objetivo tentar resolver os litígios comerciais entre os membros da organização. O órgão é um dos pilares da organização e do sistema multilateral de comércio, com quase 400 disputas já tendo sido levadas à sua alçada em seus primeiros 15 anos de vigência. O objetivo do trabalho foi avaliar o órgão de solução de controvérsias e ele foi desenvolvido através de pesquisa qualitativa e bibliográfica, com dados retirados de livros, revistas, informações da internet, de modo a explicar de forma clara as informações expostas. Buscou-se apresentar o órgão, com todos os seus procedimentos e etapas, destacando também as opiniões e críticas feitas ao mesmo e em especial a relação do Brasil com ele, apresentando indicadores da atuação brasileira, as disputas em que o país se envolveu diretamente, além de uma avaliação específica também dessa atuação da diplomacia brasileira no órgão. Com o comércio mundial movimentando enorme quantidade de bens e recursos, o surgimento de controvérsias é algo natural. Nesse sentido, o estudo de um mecanismo que se propõe a solucionar disputas que envolvem por vezes nações e setores econômicos poderosos torna-se muito interessante para que as possibilidades que ele oferece possam ser aproveitadas de maneira eficiente, auxiliando os exportadores e importadores brasileiros em questões como acesso a mercados e competição justa. Palavras-chave: solução de controvérsias. OMC. comércio mundial.

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LISTA DE SIGLAS

ACP – África, Caríbe e Pacífico

BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento

BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China

CBCC – Companhia Brasileira Carbureto de Cálcio

CIA – Central Intelligence Agency

EET – Equalizing Excise Tax

ESC – Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de

Controvérsias

FMI – Fundo Monetário Internacional

GATS – Acordo Geral sobre Comércio e Serviços

GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

MERCOSUL – Mercado Comum do Sul

MSE – Mecanismo de Salvaguarda Especial

NCM – Nomenclatura Comum do MERCOSUL

NTN – Notas do Tesouro Nacional

OIC – Organização Internacional do Comércio

OMC – Organização Mundial do Comércio

ONG – Organização não-governamental

OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo

OSC – Órgão de Solução de Controvérsias

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PIB – Produto Interno Bruto

PROEX – Programa de Financiamento às Exportações

TRIMS – Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio

TRIPS – Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio

TRPM – Trade Review Policy Mechanism

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9 1.1 Objetivo geral ................................................................................................. 10

1.2 Objetivos específicos ...................................................................................... 10 1.3 Justificativa ..................................................................................................... 11 1.4 Abordagem geral do problema ....................................................................... 11 1.5 Questões específicas ..................................................................................... 12 1.6 Pressupostos .................................................................................................. 12

2 METODOLOGIA ................................................................................................ 14 2.1 Tipo de pesquisa ............................................................................................ 14 2.2 Área de abrangência ...................................................................................... 15

2.3 Coleta e tratamento dos dados ....................................................................... 15 2.4 Apresentação e análise dos dados ................................................................. 15 3 AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS................................................................... 16 3.1 Comércio mundial e disputas comerciais contemporâneas ............................ 17

3.2 General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) .......................................... 19 3.2.1 As seis primeiras rodadas ........................................................................... 21

3.2.2 Rodada Tóquio ........................................................................................... 22 3.2.3 Rodada Uruguai .......................................................................................... 24 3.3 Organização Mundial do Comércio (OMC) ..................................................... 26

3.3.1 Funções e princípios ................................................................................... 27

3.3.2 Estrutura ..................................................................................................... 29 3.3.3 Conferências e rodada Doha ...................................................................... 33 4 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS .................................................................... 39

4.1 Solução de controvérsias no GATT ................................................................ 39 4.2 Discussões e Acordo na Rodada Uruguai ...................................................... 41

4.3 Solução de Controvérsias na OMC ................................................................ 43 4.3.1 Consultas .................................................................................................... 45

4.3.2 Painel .......................................................................................................... 47 4.3.3 Órgão de apelação...................................................................................... 52 4.3.4 Aplicação das decisões ............................................................................... 54

4.3.5 Avaliação e críticas ..................................................................................... 57

4.3.6 Revisão do ESC na rodada Doha ............................................................... 61 5 O BRASIL E A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS ........................................... 66 5.1 Participação brasileira na solução de controvérsias da OMC ......................... 66

5.1.1 O Brasil e a construção do sistema............................................................. 68 5.1.2 Indicadores da participação brasileira ......................................................... 70 5.1.3 Contenciosos com participação direta do Brasil ......................................... 76 5.2 Contenciosos com o Canadá: O caso Embraer-Bombardier .......................... 85 5.3 Avaliação geral da participação brasileira no OSC ......................................... 91

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 94 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 96 ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS .................................................................... 100

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1 INTRODUÇÃO

O comércio internacional possibilita uma grande quantidade de trocas de

produtos e serviços entre as nações do mundo, permitindo um intercâmbio não

apenas de bens, mas também de culturas. No entanto, nem sempre todos os países

estão de acordo com as práticas comerciais dos outros ou com eventuais déficits em

seus fluxos comerciais, gerando disputas que acabam comumente sendo um

entrave para a troca de mercadorias.

Por muito tempo não havia um organismo internacional com autoridade e

isenção para resolver essas controvérsias. Embora desde a década de 1940,

durante as discussões do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), já

houvesse a intenção de instituir este órgão que regularia o comércio mundial,

apenas na década de 90, através de acordo alcançado ao fim da Rodada Uruguai,

foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC), com o objetivo de ser o centro

de discussões relativas ao comércio internacional. Dentro do âmbito da OMC, foi

criado o Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), um instrumento considerado

uma das bases do sistema multilateral de comércio que a OMC implantou e que tem

por objetivo centralizar a solução das disputas comerciais entre os países membros.

Este trabalho é um estudo deste organismo, muito em voga por conta de sua

participação em casos envolvendo o Brasil, sua estrutura, atuação e reações a

algumas de suas decisões, procurando expor estes pontos de maneira clara e

objetiva.

O trabalho encontra-se estruturado da seguinte maneira: o capítulo 1 traz a

introdução, o objetivo geral e os específicos, justificativa, abordagem geral do

problema, questões específicas e pressupostos. No capítulo 2 é apresentada a

metodologia utilizada no trabalho, contendo tipo de pesquisa, área de abrangência,

coleta e tratamento de dados, além da apresentação e análise dos mesmos. No

capítulo 3 aborda-se, após breve ponderação sobre as relações e o comércio

internacionais, a OMC, instituição onde se assenta o OSC, apresentando suas

origens desde o acordo GATT, além de aspectos como sua estrutura, princípios e

funções, entre outros. O capítulo 4 trata especificamente do sistema de solução de

controvérsias. Após observações acerca do modelo existente no GATT, apresenta o

sistema da OMC, com suas etapas e procedimentos, além de comentar aspectos

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das avaliações e críticas feitas ao OSC e das negociações para alterar o

mecanismo. O capítulo 5, por fim, traça um panorama da atuação brasileira junto ao

órgão, apresentando a colaboração do país desde as negociações para sua criação

até os indicadores da participação brasileira, passando pelos contenciosos que

tiveram o Brasil como parte diretamenta envolvida e finalizando com uma avaliação

geral da participação do país no sistema.

Uma nota importante é que as diversas citações retiradas do site oficial da

OMC, em sua maioria indiretas, são todas de tradução livre, baseando-se para tal

fim o autor nas versões em língua inglesa e espanhola. Também é de tradução livre

a citação que tem como fonte a página oficial da Central Intelligence Agency (CIA).

Diante deste contexto, o trabalho se desenvolveu através da utilização de

pesquisa bibliográfica e com textos explicando e estudando o órgão, com o uso de

uma linguagem de fácil compreensão, podendo auxiliar acadêmicos interessados em

conhecer melhor o OSC e também a universidade e outras instituições, públicas ou

privadas, que se proponham a estudar o potencial do órgão de resolver

controvérsias nas relações comerciais entre as nações.

1.1 Objetivo geral

Este trabalho tem como objetivo geral avaliar o Órgão de Solução de

Controvérsias da Organização Mundial do Comércio e sua importância no comércio

internacional

1.2 Objetivos específicos

São objetivos específicos:

Descrever a evolução do sistema multilateral de comércio.

Apresentar o OSC e sua estrutura.

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Evidenciar a importância das decisões do OSC no comércio

internacional, inclusive em relação à participação brasileira.

1.3 Justificativa

O crescente comércio entre as nações torna natural o surgimento de conflitos

nesta área, já que cada país tenta melhorar a situação de seus produtos no mercado

internacional e tais atitudes muitas vezes chocam-se com interesses de outra parte.

Nesse sentido, ao desenvolver este trabalho, o acadêmico tem a

oportunidade de conhecer o órgão criado para ser um fórum de discussões

comerciais, um local onde as disputas econômicas possam ser alvo de negociação

dentro de um organismo internacional, que é a OMC. Além dessa contribuição, o

trabalho também será útil para a universidade, ao fornecer um panorama atualizado

sobre o OSC, possibilitando seu uso como referência por outros acadêmicos do

curso de comércio exterior.

Percebe-se a necessidade de conhecer o OSC, fazendo que um maior

número de pessoas entenda o funcionamento deste instrumento de negociações

comerciais ainda pouco debatido

1.4 Abordagem geral do problema

Dentro do comércio internacional, disputas envolvendo as relações comerciais

entre as nações são fatos corriqueiros. Por muito tempo, não havia um organismo

capaz de solucionar tais disputas de modo imparcial e eficaz, com as desavenças

entre os países travando negociações multilaterais para uma maior liberalização do

comércio mundial.

Nesse contexto, foi criado o OSC, um organismo dentro da OMC, com o

objetivo de ser um local no qual as controvérsias comerciais podem ser discutidas e

expostas a um julgamento imparcial, com amplo direito de apresentação de defesa.

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Além disso, há a possibilidade de que as partes possam viabilizar um acordo em

qualquer momento do processo.

Portanto, pretende-se com esse trabalho apresentar o OSC, sua importância

na resolução de conflitos e sua influência no comércio internacional, inclusive em

relação ao Brasil.

1.5 Questões específicas

São questões específicas:

O que é o OSC?

Como funciona o sistema de solução de controvérsias do OSC?

Como tem sido vistas as decisões tomadas pelo OSC e como ele

influencia o comércio internacional?

1.6 Pressupostos

As respostas das questões específicas estão relacionadas nos pressupostos:

O OSC é um dos pilares do sistema multilateral de comércio. Trata-se

de um organismo dentro da OMC usado para tentar resolver eventuais

disputas entre os membros da organização, buscando inicialmente o

entendimento entre as partes conflitantes. Caso isso não ocorra há

uma série de procedimentos até uma decisão final, com o OSC

prezando sempre a obtenção de um acordo entre os envolvidos e se

isso não for posssível, o órgão julga os casos de maneira imparcial e

com base nas leis internacionais de comércio.

A primeira fase é a de consultas, que dura até 60 dias, na qual as

partes em disputa conversam para tentar resolver o caso entre si. Se

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não houver acordo, o reclamante pode solicitar a criação de um painel,

formado por três a cinco especialistas de diferentes países, escolhidos

pelos contenciosos (ou pelo diretor-geral da OMC, caso não haja

acordo entre eles) a partir de uma lista permanente de candidatos.

Esses especialistas analisarão a situação e têm normalmente seis

meses para opinar sobre a questão. Dentro desse período, as partes

apresentam sua posição sobre o assunto, o que pode ocorrer mais de

uma vez, dado o fato de que os membros do painel realizam duas

reuniões e quando esses apresentam seu primeiro parecer, os

conflitantes podem pedir sua revisão, o que pode resultar em reuniões

deles com o painel. Após a publicação da decisão final, normalmente

uma orientação sobre quais medidas as partes podem tomar, ainda há

a possibilidade de apelações. Há uma preferência por evitar retaliações

que prejudiquem terceiros setores e uma busca para que a parte que

tenha sua atitude considerada errada altere tal procedimento. Só se

não houver acordo é autorizada a aplicação de sanções.

Em alguns casos, as decisões do OSC têm sido vistas com restrições

pela parte perdedora e por conta de pressões políticas a efetivação de

suas determinações vem sendo adiada, principalmente quando envolve

protecionismos de países desenvolvidos em áreas sensíveis. Mas, de

modo geral, o organismo tem sido visto como um fórum com

autoridade para resolver disputas comerciais e vem tendo uma

influência positiva no comércio internacional, ao trazer uma maior

segurança em relação à aplicação das normas que o regem e

possibilitar uma solução justa e relativamente rápida para eventuais

conflitos.

14

2 METODOLOGIA

Este capítulo demonstra a metodologia usada para a execução desta

monografia.

2.1 Tipo de pesquisa

O metódo utilizado neste trabalho foi o qualitativo, já que não se buscarão

resultados numéricos, mas sim uma compreensão do tema por meio das

informações apresentadas e seu estudo.

O método qualitativo, como Oliveira (2002, p.116) apresenta “[...] difere do

quantitativo pelo fato de não empregar dados estatísticos como centro do processo

de análise de um problema”.

O tipo de pesquisa realizada quanto aos meios é a bibliográfica, já que serão

pesquisadas fontes como livros, revistas, artigos e a internet.

Uma pesquisa bibliográfica pode visar o levantamento dos trabalhos realizados anteriormente sobre o mesmo tema estudado no momento, pode identificar e selecionar os métodos e técnicas a serem utilizados, além de fornecer subsídios para a redação da introdução e revisão de literatura do projeto ou trabalho. (RIBEIRO; CRUZ, 2003, p.12)

Em relação ao ponto de vista de seus objetivos, foi uma pesquisa

exploratória, modelo que para Gil (2002) “[...] tem como objetivo proporcionar maior

familiaridade com o tema, com vistas a torná-lo mais explícito. Pode envolver

levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas experientes no problema

pesquisado. Geralmente, assume a forma de pesquisa bibliográfica e estudo de

caso.”

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2.2 Área de abrangência

Esse trabalho foi desenvolvido na área de Comércio Exterior, mais

especificamente na área de Relações Internacionais.

2.3 Coleta e tratamento dos dados

A coleta de informações foi feita através de pesquisa de dados em livros,

periódicos, revistas, artigos e meio eletrônico.

2.4 Apresentação e análise dos dados

O estudo é apresentado com textos explicativos relacionados às informações

obtidas na pesquisa e através de gráficos, tabelas e fluxogramas para melhor

compreensão do tema trabalhado.

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3 AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

As relações recíprocas entre Estados são uma parte importante no

entendimento da história da humanidade, com os diversos caminhos que trilharam

através do tempo sendo objeto de constantes estudos e debates.

Mas, não são só governos os agentes envolvidos. Como diz Strenger (1998,

p.16) “Relações Internacionais são tratativas tendo como protagonistas os Estados,

em cujos relacionamentos estão presentes seus súditos, como objeto principal do

alcance de equilíbrios de convivência”, pelo que é possível notar que por mais que

os interesses governamentais tenham grande força nas negociações, os

participantes não estatais também têm fundamental importância, já que seus

interesses estão quase sempre por detrás das posições e serão eles quem sentirão

diretamente os resultados dos debates.

Dentro desses interesses, nota-se que desde tempos remotos e de forma

crescente hoje em dia, as relações internacionais têm grande importância no

contexto mundial, devido em especial aos fatores econômicos, principais propulsores

dos projetos internacionais e muitas vezes causadores, quer direta ou indiretamente,

dos conflitos que eventualmente assolam o globo.

Outros fatores também têm forte influência no estudo da área de relações

internacionais, como os políticos e os geográficos, mas os econômicos, com a luta

pelo controle de matérias-primas, pela conquista de mercados, de opções

comerciais, entre outros objetivos, estão firmemente ligados às ações dos agentes

no campo das relações internacionais, com o interesse financeiro sendo um grande

motor para as negociações e disputas que sempre caracterizaram a área.

No cenário recente, um exemplo do pensamento acima exposto é a Rodada

de Doha, na qual foram as disputas comerciais o foco central das conversas, com

cada país buscando defender os objetivos de seus agentes econômicos, deixando

um pouco de lado possíveis rivalidades ideológicas e políticas.

Questões como a ação de diversos organismos, como a Organização dos

Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a criação de blocos econômicos e

mercados comuns, além da existência da OMC deixam clara a força das relações

comerciais entre os Estados e demonstra que a interdependência entre eles é

econômica antes de política. (STRENGER, 1998).

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Nota-se, então, que o comércio e os temas que dele derivam ou que com ele

tem forte ligação, como as disputas em relação aos subsídios concedidos no setor

agropecuário, têm uma grande importância nas relações internacionais e que são os

interesses econômicos que estimulam várias ações nesse campo, como a criação de

organismos internacionais como a OMC.

3.1 Comércio mundial e disputas comerciais contemporâneas

Um dos objetos de estudo das relações internacionais, o Comércio

Internacional é definido como um intercâmbio de bens e serviços entre as nações,

sendo resultado das especializações na divisão do trabalho e da exploração por

cada país de suas vantagens comparativas (MALUF, 2000)

Ainda amplamente utilizada na atualidade, a expressão „comércio

internacional‟ vem sendo questionada por uma série de estudiosos, que preferem o

termo „comércio mundial‟, já presente inclusive na denominação da OMC. A razão

está na etimologia do vocábulo „internacional‟, que origina-se da expressão „inter

nações‟, o que na opinião de pesquisadores que o criticam, exarceba a figura da

nação e indiretamente a do Estado, sendo que hoje o comércio é muito dinâmico e

em muitas situações a atuação estatal é meramente testimonial.

De qualquer modo, „este comércio‟, seja chamado de mundial ou conhecido

como internacional, ao contrário do exterior, que consiste nas normatizações com

que cada país administra suas relações comerciais com as demais, caracteriza-se

pelas trocas, no qual cada um busca oferecer aos outros aquilo que produz de forma

mais eficiente, seja conseguindo um custo mais baixo, uma qualidade superior ou

algum outro fator que torne seu produto mais atrativo.

Sua importância vai além da simples troca de objetos ou serviços, estando

também ligado ao intercâmbio de culturas, levando os costumes e valores de uma

região à outra através de produtos que a representem e que se tornam, por vezes,

também parte dos hábitos daqueles que os recebem. Os alimentos são exemplos

tradicionais, como as batatas, que, segundo Opperman (2004, p. 59) “[...] por volta

de 1500 eram cultivadas [...] pelos incas, aqui na América do Sul”, sendo depois

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levadas a diversos cantos do mundo, tornando-se elemento chave na dieta de povos

como os irlandeses e hoje sua versão comercializada nas cadeias de fast food é um

dos símbolos dos Estados Unidos e do seu estilo de vida.

O comércio é, desde a antiguidade, uma das principias razões dos conflitos

que assolam a história da humanidade. Disputas por rotas comerciais, tanto

marítimas quanto terrestres, trouxeram várias guerras entre aqueles que

ambicionavam controlar este fluxo de mercadorias.

Um dos exemplos está nas três Guerras Púnicas entre Roma e Cartago na

antiguidade. De acordo com Gallo (2008, p.53), “os atritos entre as duas cidades

começaram por conta do interesse de ambas em assumir o controle do Mar

Mediterrâneo e, com isso, ganhar soberania nas relações comerciais.” Outro

exemplo, intimamente ligado aos primórdios da história brasileira, é o das Grandes

Navegações portuguesas, inspiradas pelo desejo de comercializar na Europa as

cobiçadas especiarias do Oriente, encontradas principalmente na Índia e cujo

comércio por via terrestre estava nas mãos dos muçulmanos.

Chegando ao século XX, nota-se que o período foi pródigo em disputas

comerciais. Os anos 30 foram caracterizados por um forte protecionismo, com

grandes barreiras às importações e às desvalorizações cambiais artificiais.

Os Estados Unidos, que saíram como grandes vencedores da Primeira

Guerra Mundial, foram um dos grandes propagadores deste protecionismo, em

especial após o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929, com o aumento de suas

tarifas aduaneiras através do Smooth-Hawley Act, que resultou na adoção de mais

restrições comerciais por parte dos parceiros americanos e gerou uma grande onda

de medidas que dificultavam o livre comércio.

Como notaram Krugman e Obstfeld (1994 apud Rêgo, 1996, p.4) “o

protecionismo norte-americano terminou acarretando um resultado exatamente

oposto ao esperado, pois reduziu seu comércio externo, ajudando a aprofundar a

depressão que se queria atenuar”.

Nesse contexto, após a Segunda Guerra, os americanos, conscientes dos

graves danos causados pelo protecionismo do período entre as duas guerras

mundias e sabendo que com negociações bilaterais não conseguiriam o impacto que

desejavam, tomaram à frente e passaram a liderar a liberalização do comércio

mundial, surgindo então um documento denominado Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio (GATT).

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3.2 General Agreement on Tariffs and Trade (GATT)

O GATT foi inicialmente pensado basicamente por Inglaterra e Estados

Unidos, propondo regras multilaterais que evitassem o protecionismo da década

anterior, incorporando mais tarde sugestões de outras nações e tendo sido assinado

por 23 países, incluindo o Brasil, no ano de 1947, durante a Rodada de Genebra, a

primeira de uma série de rodadas de negociações comerciais.

Após a Segunda Guerra Mundial, a preocupação latente com a segurança e paz mundiais ensejou o fenômeno da colaboração entre os Estados, que no âmbito do direito internacional econômico resultou na criação das instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional-FMI; Banco Mundial-BIRD e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio-GATT) (BARRAL, 2002b, p.48)

Verifica-se, portanto, que o GATT foi criado num cenário de pós-guerra,

dentro da reconstrução da ordem econômica mundial e refletindo a preocupação de

seus criadores com um novo conflito internacional, que procuraram evitar através de

iniciativas como o próprio GATT e outras contemporâneas, como os citados Fundo

Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial.

Havia também o objetivo de melhorar-se a qualidade de vida e obter-se

estabilidade social e econômica, já que as partes envolvidas, segundo Jesus (2002,

p.21) “reconheciam que suas relações no domínio comercial e econômico deviam

ser orientadas no sentido de elevar os padrões de vida, de assegurar o emprego

pleno e um alto e sempre crescente nível de rendimento real e de procura efetiva

[...]”.

O GATT, que envolvia desde concessões relativas a produtos individuais até

regras de política comercial, foi pensado como um acordo provisório, que teria

vigência até a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que

juntamente com instituições econômicas como o FMI e o Banco Mundial, sustentaria

a nova ordem econômica do pós-guerra.

Para instituição da OIC foi realizada, de novembro de 1947 a março de 1948,

na cidade homônima, a Conferência de Havana, que resultou num documento

chamado „Carta de Havana Instituindo a Organização Internacional do Comércio‟. A

versão final da carta foi assinada, ao fim da conferência, por 53 nações, entre elas o

Brasil.

20

A Carta enfrentou objeções no Congresso americano e foi ratificada apenas

por dois países, Libéria e Austrália, sendo que este último o fez de forma condicional

em relação a alguns pontos. Isso se deveu ao fato de que “para obter tal acordo, a

Carta da OIC incluía tantas exceções, lacunas e ambigüidades deliberadas que

mesmo seus partidários mostravam muito pouco entusiasmo por ela. (ALMEIDA,

1999, p.106)

Com a OIC não sendo instituída, o GATT acabou se tornando uma alternativa,

adotando muitos dos pontos acordados por ela e adquirindo gradativamente

atribuições de uma organização internacional, muito embora tenha se mantido como

um simples acordo, sem possuir personalidade jurídica, ao contrário de outros

organismos criados no mesmo período, como o Banco Mundial.

Para Corrêa (2001), as duas funções primordiais do GATT em sua origem

eram:

Reduzir a incerteza política que envolvia o comércio internacional

através de normas disciplinadoras das políticas comerciais dos

Estados. Tais normas, juntamente com reduções nas barreiras

tarifárias ao comércio, resultariam no incremento do investimento no

comércio em âmbito interno e externo.

Representar um fórum internacional para a solução de controvérsias e

negociações no sentido de se consolidar as normas e procedimentos

do GATT.

O príncipio mais importante do GATT era (e continua a ser) o do comércio

não-discriminatório, contido na cláusula de nação mais favorecida, segundo o qual

todos os países signatários comprometiam-se a oferecer um tratamento igual aos

demais signatários em relação às barreiras nas importações.

Com o GATT assumindo a função de principal acordo relativo ao comércio

internacional, procedeu-se a realização de rodadas de negociação, nas quais todos

os países contratantes se reuniam para debater especialmente concessões

tarifárias.

Muito embora o GATT contemplasse em seu texto básico basicamente essas

questões tarifárias, as ampliações e modificações trazidas por novos códigos e

acordos, interpretações, waivers, relatórios, painéis de discussão e decisões do

Conselho Geral fizeram o acordo incorporar cada vez mais medidas não-tarifárias,

21

cuja importância cresceu à medida que as tarifas eram reduzidas. (HOEKMAN E

KOSTECKI, 1995 apud RÊGO, 1996).

Após a rodada de Genebra, realizada em 1947, que resultou na criação do

GATT, foram realizadas mais sete rodadas sob sua coordenação: Rodada Annency

(1949), Rodada Torquay (1950/51), segunda Rodada Genebra (1955/56), Rodada

Dillon (1960/61), Rodada Kennedy (1963/67), Rodada Tóquio (1973/79) e Rodada

Uruguai (1986/93).

3.2.1 As seis primeiras rodadas

As quatro rodadas após a inicial trataram basicamente de promover reduções

tarifárias, com boa parte das discussões sendo concentrada entre os países

desenvolvidos.

Os demais países, especialmente os subdesenvolvidos, não mantiveram

participação ativa nas negociações, embora também se beneficiaram dos acordos

obtidos, devido à cláusula de nação mais favorecida (CORRÊA, 2001)

Nessas rodadas, foram discutidas somente tarifas de bens industriais (com a

notável exceção da indústria têxtil, cujos produtos foram excluídos de todos os

acordos obtidos, protegendo as empresas do Primeiro Mundo da concorrência de

bens fabricados nos países em desenvolvimento) e a política comercial do GATT,

questão que envolvia pontos como medidas compensatórias, aquelas que um país

adota quando se sente prejudicado pelas práticas comerciais de outros.

O comércio de produtos agrícolas, tema que traz grandes sensibilidades e

conflitos ainda hoje, foi muito pouco negociado nesse período, com os Estados

Unidos e a União Européia (UE), que à época da Rodada Dillon já iniciava a

implementação de uma política comum para o setor, bloqueando a volta do assunto

à mesa de negociação.

Essa questão esteve presente na sexta rodada do GATT, chamada de

Kennedy (1963/67) em homenagem ao recém-falecido presidente americano, mas

também sem muito progredir.

22

A rodada Kennedy, porém, trouxe um avanço importante, já que como diz

Barral (2002, p. 49) [...] “foi a primeira a ampliar a pauta de negociações para além

da discussão restrita às barreiras tarifárias ao comércio, abordando a questão das

medidas antidumping.”

Também dignas de nota são a inclusão de uma seção nas negociações

dedicada aos países em desenvolvimento, o que resultou em algumas disposições

reunidas na parte IV do acordo geral, e o forte crescimento do número de países

participantes, que passou de 26 na rodada Dillon (antes houve um pico de 38 em

Torquay) para 62, mostrando um maior interesse das nações para com o GATT.

Enquanto as anteriores tiveram como método a negociação bilateral, com

cada país discutindo inicialmente com seu principal fornecedor e depois aplicando o

que foi acertado aos demais parceiros comerciais (devido à cláusula de nação mais

favorecida), a rodada Kennedy adotou a redução linear de tarifas, com poucos

produtos excluídos. Houve um significativo crescimento nas concessões tarifárias,

que chegaram a 60 mil frente às 8700 alcançadas em Torquay e aos 4400 produtos

negociados na rodada Dillon. (JAKOBSEN, 2005)

Os efeitos da liberalização comercial fizeram-se sentir rapidamente: entre 1953 e 1963, o comércio mundial cresceu a uma taxa de 6,1% a.a. que saltou para 8,9% a.a. entre 1963 e 1973, reduzindo-se posteriormente. No entanto, este efeito dizia respeito basicamente aos países industrializados, que em 1960 eram responsáveis por 71% das exportações mundiais. (BHAGWATI, 1988 apud JAKOBSEN, 2005, p. 39 e 40)

Os números acima expostos mostram que, apesar de restritas basicamente a

reduções tarifárias envolvendo bens industriais, as rodadas iniciais do GATT tiveram

efeito positivo sobre o comércio internacional, estimulando a continuação desse

modelo de negociação.

3.2.2 Rodada Tóquio

A rodada Tóquio, realizada entre 1973 e 1979, sofreu os impactos da crise

econômica mundial que ocorria no mesmo período. A Guerra do Vietnã e as corridas

armamentista e espacial causaram um aumento na inflação e no déficit público dos

23

Estados Unidos, o que levou o presidente Richard Nixon a abandonar o tradicional

padrão ouro e adotar um sistema de flutuação cambial.

Outro fator que aprofundou os problemas da economia mundial foi a Crise do

Petróleo de 1973, quando a OPEP, cujos membros eram em sua maioria países

árabes, quadruplicou os preços da commodity em retaliação ao apoio do governo

americano a Israel na Guerra do Yom Kippur, trazendo forte pressão inflacionária a

todos os países que dependiam da importação do produto, onde se incluem tanto as

nações desenvolvidas como muitas em desenvolvimento.

Para essas, os efeitos da grande elevação nos preços do petróleo foi ainda

mais intenso, porque não apenas os preços desse como os de produtos

industrializados importados tiveram acentuado crescimento, enquanto os preços de

bens de sua base exportadora estagnaram, piorando a relação de troca.

(JAKOBSEN, 2005)

A crise fez crescer o protecionismo comercial, tanto através de medidas

tarifárias quanto de não-tarifárias, o que dificultou as negociações da rodada Tóquio,

embora esta tenha novamente alcançado reduções tarifárias em relação aos bens

industriais, que foram implementadas gradualmente num período de oito anos e

contavam com um princípio de harmonização, no qual quanto mais alta a tarifa

original maior deveria ser o corte.

A rodada, no entanto, fracassou em muitos aspectos, porque “não conseguiu

resolver os problemas básicos que afetavam o comércio de produtos agropecuários

nem alcançou um acordo sobre as salvaguardas (medidas de urgência contra

importações)” (OMC, 2007, p.16,)

Avanços surgiram na parte de barreiras não-tarifárias, mas muitos dos

acordos não foram aceitos por todos os 102 países que participavam das

discussões, não tendo o caráter multilateral desejado e ficando conhecidos como os

„códigos‟ da rodada Tóquio.

No total, foram consensuados nove códigos: Subsídios e Medidas

Compensatórias – interpretação dos acordos 6, 17 e 23 do GATT; Barreiras

Técnicas ao Comércio (por vezes denominado „Código de Normas‟); Procedimentos

para o trâmite de licenças de importação; Compras do Setor Público; Valoração

Aduaneira; Anti-Dumping – Interpretação do Artigo VI e substituição do Código sobre

o tema negociado na rodada Kennedy; Acordo sobre Carne Bovina; Acordo sobre

Produtos Lácteos; Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis.

24

3.2.3 Rodada Uruguai

Apesar de alguns sucessos pontuais, a Rodada Tóquio não conseguiu frear a

onda protecionista, fortalecida tanto pela crise do petróleo quanto pelo temor em

relação às nações conhecidas atualmente como emergentes. Segundo Jakobsen

(2005, p.51-52), “vários países em desenvolvimento, como Brasil, México, Coréia do

Sul e outros, haviam passado por uma fase bem-sucedida de substituição de

importações e já se apresentavam com competitividade no mercado internacional de

produtos manufaturados”.

Além dessa questão, havia a percepção geral de que o sistema multilateral

estava ultrapassado. Tendo sido projetado de acordo com o cenário dos anos 40, já

não atendia às necessidades do comércio internacional de quarenta anos depois. O

crescente comércio de serviços, por exemplo, impulsionado pela nascente

globalização e pelo aumento no fluxo de capitais, não estava presente nas regras do

GATT.

Outros pontos do acordo eram também alvo de críticas, como a falta de

consenso sobre as salvaguardas, a questão agrícola e até mesmo a organização

institucional do GATT e seu sistema de solução de controvérsias, entre outros

assuntos. Para Rêgo (1996, p.6) “tudo isso, aliado ao temor de que se repetissem as

guerras comerciais dos anos 30, levou à realização da mais ampla e ambiciosa

rodada de negociações de todo o pós-guerra – a Rodada Uruguai.”

As negociações para a instalação da rodada começaram em Genebra, na

reunião ministerial do GATT ocorrida no ano de 1982, mas várias divergências

surgiram nesse e em outros encontros, em especial quanto aos temas a serem

discutidos.

Enquanto os países desenvolvidos desejavam inserir assuntos como direitos

de propriedade intelectual e medidas de investimento relacionadas com o comércio,

as economias em desenvolvimento preferiam tratar da reestruturação do GATT,

abalado pela limitação dos acordos obtidos em Tóquio e pelo ressurgente

protecionismo, e pretendiam que a rodada fosse centrada em temas como a

agricultura e as salvaguardas (RÊGO, 1996)

Após quatro anos de estudos e discussões, o consenso foi atingido em

reunião realizada no balneário uruguaio de Punta Del Este, com uma agenda que

25

envolvia praticamente todos os temas pendentes no comércio internacional. Todos

os artigos do GATT também seriam revisados, nesta que foi organizada para ser a

maior e mais importante das rodadas comerciais, contando com a participação

recorde de 126 países.

Com duração inicialmente prevista de quatro anos, a rodada Uruguai

estendeu-se por outros três, mostrando a complexidade dos temas discutidos e a

dificuldade de alcançarem-se os resultados desejados.

Um ponto importante das negociações foi o acordo de Blair House, assinado

em Washington no ano de 1992 e no qual os Estados Unidos e a UE resolveram a

maioria de suas diferenças no âmbito da questão agropecuária, tema que

continuava controverso.

O “Acordo” [...] colocou fim à tática dos países em desenvolvimento de jogarem com as contradições dos países industrializados para alcançar um acordo adequado sobre a agricultura e ampliar suas exportações. A esta altura todas as cartas estavam sobre a mesa, pois os países em desenvolvimento já haviam revelado o que estavam dispostos a conceder. A convergência de interesses entre os Estados Unidos e a União Européia expressa neste “Acordo” definiu o resultado da fase final de negociações. [...] (JAKOBSEN, 2005, p. 55)

As negociações concluíram-se no ano de 1993, com o acordo final sendo

assinado em abril do ano seguinte. Assuntos delicados, que dilatariam ainda mais a

rodada, como o comércio de produtos audiovisuais e a abertura do setor financeiro,

ficaram de fora, com os firmantes comprometendo-se a continuar as discussões em

outro momento.

Os principais resultados da Rodada Uruguai foram:

Incorporação dos produtos agropecuários ao sistema multilateral de

comércio e redução de barreiras não-tarifárias.

Integração também dos produtos têxteis, com a eliminação progressiva

do acordo Multifibras.

O Acordo Geral sobre o Comércio e Serviços (GATS)

O Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao

Comércio (TRIPs)

O Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao Comércio

(TRIMs)

26

Criação da OMC

Instituição de um novo sistema de solução de controvérsias.

A despeito da importância dos acordos setoriais e outros avanços alcançados

durante a Rodada Uruguai, a criação da OMC, uma de suas conseqüências, tem

especial relevância para o comércio internacional.

3.3 Organização Mundial do Comércio (OMC)

A Rodada Uruguai teve como mais importante resultado a criação da OMC,

um organismo com personalidade jurídica própria e estrutura própria que

completaria, com quase 50 anos de atraso, o tripé de sustentação da ordem

econômica mundial imaginado em Bretton Woods, ao lado do FMI e do Banco

Mundial, criados já naquela época.

Essa institucionalização dos acordos internacionais de comércio foi um

grande avanço, visto que passou a existir uma estrutura fixa, dedicada

exclusivamente e permanentemente aos temas anteriormente discutidos apenas de

forma esporádica no âmbito do GATT, além do fato de a OMC ser um organismo

internacional, não um simples acordo, o que supõe uma maior autoridade e

credibilidade para decidir sobre assuntos de sua competência e para julgar disputas.

Uma diferença nesse sentido está no fato de que o GATT buscava

simplesmente a redução de tarifas, sem se preocupar em influir nas políticas de

regulação comercial dos signatários, enquanto hoje, por conta especialmente da

atribuição de solucionar conflitos que possui, “a OMC gere os acordos negociados e

aprovados pelos Estados e, simultaneamente, ao contrário do que acontecia no

GATT, controla esses acordos.” (FELIPE, 2006, p.28)

Os acordos do GATT, devidamente rediscutidos e modificados na rodada

Uruguai foram incorporados à nova instituição (assim como os outros ajustes

celebrados nesta rodada). Dessa forma, segundo Sena Júnior, (2003, p. 44) “o

GATT hoje recobrou sua natureza primitiva, ou seja, voltou a ser um simples acordo

27

sobre comércio internacional com aplicação no âmbito de uma organização

intergovernamental”.

Tal natureza primitiva era o objetivo inicial do GATT, que por conta das

dificuldades de institucionalização presentes à época de sua criação, acabou por

revestir-se de algumas das condições destinadas ao órgão que seria criado

conjuntamente, condições estas que lhe foram retiradas quando da efetiva entrada

em funcionamento da OMC, não devendo esse „retorno à natureza primitiva‟ ser

entendido como um retrocesso.

3.3.1 Funções e princípios

Instituição dotada de estrutura e corpo de funcionários permanente, a OMC

tem, naturalmente, algumas funções a desempenhar para com seus membros.

Segundo Corrêa (2001), as principais funções da organização são:

Administrar e implementar os acordos multilaterais e plurilaterais do

comércio que formam, conjuntamente, o próprio corpo normativo da

OMC;

Atuar como um fórum de negociações comerciais;

Administrar os acordos sobre solução de controvérsias;

Revisar as políticas comerciais nacionais; e,

Cooperar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com o Banco

Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), para

que se atinja um nível coerente quanto às políticas econômicas

mundiais.

Em relação ao primeiro ponto, vale notar que ao contrário do que ocorria no

GATT, quando muitos dos acordos eram de caráter plurilateral (modelo em que a

adesão é voluntária), não sendo assinados por todos os países participantes das

negociações, quase todos os acordos da OMC são multilaterais, o que exige que

sejam aceitos integralmente por todos os membros da organização.

28

Outra função a merecer maior destaque é a de revisão de políticas

comerciais, realizada com o objetivo de garantir maior transparência quanto ao

efetivo cumprimento das determinações da organização por parte de seus membros.

A OMC exerce essa função por dois meios. Um deles é a obrigação que os

governos nacionais têm de informar à instituição, por intermédio das chamadas

„notificações‟, de qualquer medida, política ou lei relacionada à sua política

comercial. O outro corresponde às revisões realizadas periodicamente pela própria

OMC, tendo como base uma declaração do próprio país analisado e um informe da

Secretaria do organismo.

Tal informe foca nas políticas e práticas comerciais dos membros, “mas

também leva em conta as necessidades mais amplas em questões econômicas e de

desenvolvimento, suas políticas e objetivos, e o ambiente econômico externo que

enfrentam” (OMC, 2007, p.53)

Após exame, conhecido como Trade Policy Review Mechanism (TPRM), tanto

a declaração do país estudado quanto o informe da Secretaria são publicados,

juntamente com a ata da reunião do órgão avaliador.

As revisões têm, na prática, dois resultados gerais, permitindo a um

observador externo o entendimento das políticas e circunstâncias de um país e

dando a cada membro da organização um feedback em relação à sua atuação no

marco do sistema multilateral de comércio (OMC, 2007)

Assim como o GATT, a OMC também surgiu num contexto em que se

combatia o fortalecimento do protecionismo nos anos anteriores, o que se refletiu

nas regras surgidas quando de sua formação. Para Rêgo (1996, p.11) “os objetivos

mais amplos das novas normas, além da maior previsibilidade das condições em

que operam o comércio internacional, são a garantia de acesso aos mercados e a

competição justa.”

Para que estes objetivos sejam postos em práticas, as normas da OMC estão

pautadas por dois princípios básicos: o da não-discriminação e o da reciprocidade. O

primeiro determina que um Estado deve tratar da mesma maneira todos os outros.

Portanto, se fizer alguma concessão a um Estado deve estendê-la a todos os

participantes do sistema multilateral de comércio. O príncipio da não-discriminação

está sistematizado dentro da OMC através de duas regras: A Cláusula da Nação

Mais Favorecida (não-discriminação de nações), já presente nos acordos do GATT,

e a Cláusula do Tratamento Nacional (não-discriminação de produtos), por vezes

29

conhecida como Princípio da Igualdade de Tratamento ou Princípio do Tratamento

Nacional.

Esta última cláusula, que também fazia parte do GATT, determina que os

produtos importados de um Estado-Membro da OMC devem receber em outro

Estado-Membro o mesmo tratamento destinado aos seus similares nacionais, tanto

em relação aos tributos quanto no que concerne a quaisquer outros encargos.

(CORRÊA, 2001).

O princípio da reciprocidade dita que as negociações envolvem trocas de

concessões, com todas as partes buscando contrapartidas para o que oferecem.

Para Rêgo (1996, p. 12) “é a reciprocidade que torna possível a realização de uma

liberalização comercial mais ampla e o estabelecimento de um código de conduta

multilateral. O equilíbrio resultante entre direitos e obrigações vai depender do poder

de barganha de cada país na negociação.” Esse princípio é usado para limitar a

atuação dos „caroneiros‟ (free riders), países que não participam ativamente das

negociações, mas utilizam-se da Cláusula da Nação Mais Favorecida para

beneficiar-se dos acordos obtidos.

3.3.2 Estrutura

A OMC conta hoje com 153 membros permanentes, entre países e „territórios

aduaneiros‟. Este corresponde a territórios com autonomia na aplicação de políticas

comerciais e é usado como forma de permitir a inclusão de regiões cuja

independência não é reconhecida pela totalidade dos membros. O caso mais notório

é o de Taiwan, que teve sua adesão bloqueada pela China até aceitar que seu

ingresso no organismo se daria com essa condição.

A maior parte dos membros era signatária do GATT, participando da Rodada

Uruguai e ingressando na OMC logo após sua criação.

Todos os membros aderiram ao sistema após negociações. Portanto, a adesão implica um equilíbrio entre direitos e obrigações. Desfrutam dos privilégios que os demais membros lhes outorgam e da segurança que as normas comerciais proporcionam. Em troca, tiveram que contrair

30

compromissos de abrir seus mercados e respeitar as normas, compromissos esses estabelecidos quando das negociações para adesão. Países que estão negociando seu ingresso já possuem a condição de „observadores‟. (OMC, 2007, p. 105)

Dentre os observadores, que atualmente são 30, encontram-se países como

Argélia, Irã, Líbia, Sérvia, entre outros, mas o maior destaque é a presença da

Rússia, cujo processo de adesão estende-se por mais de 10 anos. Atritos com vários

países vizinhos, como o conflito com a Geórgia em relação a duas regiões

separatistas, dificultam a entrada do país na organização. Mas esse não é o único

problema. Segundo Ninio (2008), “entre outras razões para o atraso em sua adesão

estão as regras que permitem monopólios como o da gigante estatal Gazprom,

tarifas de exportação e subsídios agrícolas.”

O processo de „ascensão‟ de um país a OMC tem normalmente quatro

etapas. Inicialmente, o interessado deve apresentar à organização um memorando

detalhando suas políticas comerciais e econômicas que de algum modo tenham

relação com os acordos da OMC. Esse documento será analisado por um grupo de

trabalho.

Quando a análise já tenha avançado em pontos como princípios e políticas,

começam a realizar-se conversas entre o aplicante e os membros da instituição

envolvendo temas como tarifas aduaneiras e acesso a mercados, que ocorrem de

forma bilateral, com as vantagens acordadas sendo também aplicadas aos demais

membros após a efetiva entrada do país na OMC, de acordo com as regras de não-

discriminação. (OMC, 2007)

Depois de concluídas as negociações e a avaliação do grupo de trabalho,

esse elabora um informe com as condições para a adesão do interessado. O

informe, um projeto de protocolo de adesão e as listas de concessões obtidas nas

conversas bilaterais são apresentados ao Conselho Geral ou à Conferência

Ministerial e posteriormente, a adesão do aplicante é levada à votação.

Ao contrário do que ocorre em outras instituições internacionais, o poder de

decisão dentro da OMC não é delegado a uma diretoria nem ao diretor-geral, com a

organização sendo dirigida pelos próprios países-membros.

31

Figura 1 – Organograma da OMC adaptado pelo autor Fonte: OMC, 2009a

Sendo assim, como demonstrado pela Figura 1, o órgão mais importante da

estrutura do organismo é a Conferência Ministerial, realizada ao menos uma vez a

cada dois anos com a participação de representantes de todos os países-membros e

que pode decidir sobre todas as questões que fazem parte dos acordos multilaterais,

se for solicitada alguma revisão.

As funções cotidianas são realizadas pelo Conselho Geral, que também se

reúne, quando necessário, para funcionar como Órgão de Solução de Controvérsias

ou Órgão de Exame das Políticas Comerciais.

32

No organograma da OMC constam ainda três conselhos (Comércio de Bens;

Comércio de Serviços e Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade

Intelectual) e diversos comitês para tratar de temas específicos.

Por fim, o Secretariado, formado por 629 pessoas de diversas nacionalidades,

dedica-se a tarefas como assistência técnicas a países em desenvolvimento, análise

do comércio mundial e organização das Conferências Ministeriais. Além disso, é por

meio do Secretariado que a OMC “anota os compromissos das partes contratantes

dos diversos acordos regidos por ela, administra a implementação das decisões

adotadas pelos países-membros e convoca grupos especiais de solução de

controvérsias (panels).” (Almeida, 1999, p. 230)

Em relação ao processo decisório, a OMC difere das outras instituições

resultantes de Bretton Woods ao adotar o sistema „um país, um voto‟. O acordo de

constituição da organização prevê votação em quatro situações específicas:

Adoção de uma interpretação para qualquer um dos acordos – maioria

de três quartos dos membros;

Isenção de uma obrigação – maioria de três quartos dos membros;

Emenda das disposições de um acordo – consenso ou maioria de dois

terços dos membros, segundo a natureza da disposição considerada;

Admissão de um novo membro – maioria de dois terços.

A principal vantagem deste modelo é que as decisões adotadas são mais

aceitáveis para todos e mesmo com as óbvias dificuldades notáveis acordos já foram

alcançados. (OMC, 2007)

As votações, porém, são normalmente postas como último recurso, sempre

com o objetivo de que as decisões sejam tomadas por consenso entre todos os

membros.

33

3.3.3 Conferências e rodada Doha

As conferências ministeriais da OMC, contando com a participação de

ministros de alto escalão dos países-membros da organização, são acontecimentos

de grande magnitude, atraindo os olhares da comunidade internacional durante sua

realização. Suas sessões, segundo Van den Bossche (2003, p.18), “são grandes

eventos para a mídia e, sendo assim, focam as mentes dos líderes políticos dos

membros da OMC nos desafios e no futuro do sistema de comércio multilateral.”

A primeira conferência ocorreu em Cingapura, em dezembro de 1996.

Durante o ano, o diretor-geral realizou consultas com o objetivo de definir a pauta de

discussões, o que não foi tarefa fácil, dadas as diferenças entre as agendas

propostas por alguns membros.

Por um lado, países desenvolvidos, reunidos no chamado „Quadrilátero‟ – ou

„Quad‟ (grupo formado por Estados Unidos, União Européia, Japão e Canadá),

defendiam que as negociações se concentrassem numa maior liberalização

comercial, enquanto outros, entre eles o Brasil, preferiam conversar sobre a

implementação dos acordos da Rodada Uruguai, especialmente em temas como

agricultura e medidas antidumping, com a agenda acabando por adotar aspectos

propostos por ambas as partes.

Ao final das negociações, reafirmaram-se os compromissos da Rodada

Uruguai e foi solicitado que comitês e grupos de trabalhos proseguissem com as

discussões em seus temas específicos, para que suas conclusões fossem expostas

nas conferências seguintes. No caso da agricultura, porém, o respectivo grupo de

trabalho mal se reunia e decidiu-se que as negociações sobre subsídios no setor

iniciariam-se apenas na terceira conferência, em 1999. (JAKOBSEN, 2005)

Outros destaques foram as discusões em relação a temas ambientais, vistos

em muitos casos pelos países em desenvolvimento como um protecionismo indireto,

a assinatura por mais de 70 países de um acordo plurilateral sobre tecnologia da

informação e a criação de grupos de trabalho para assuntos como compras

governamentais, investimentos e regras de concorrência, com esses e outros temas

que entravam na pauta pela primeira vez ganhando a alcunha de „Temas de

Cingapura‟.

34

A Conferência de Cingapura não avançou na implementação dos acordos anteriores e de interesse dos países em desenvolvimento e nem foi abrangente como pretendiam os países desenvolvidos, mas serviu muito bem para que eles começassem a montar a agenda para o futuro, em particular a partir da conferência a realizar-se em 1999. (JAKOBSEN, 2005, p. 75)

A segunda conferência, realizada em Genebra, no ano de 1998, além de

reafirmar compromissos e celebrar os 50 anos do GATT, apenas confirmou a

realização de um novo encontro no ano seguinte, na cidade americana de Seattle,

onde se pretendia iniciar uma nova rodada de negociações comerciais, já

previamente denominada „Rodada do Milênio‟, para tratar de temas cuja discussão

fora adiada para permitir a implantação da OMC.

Mas a Conferência de Seattle foi um grande fracasso dentro das negociações

multilaterais. Antes mesmo de seu início, já se encontrava abalada por questões

como a escolha do novo diretor-geral da OMC, que opôs um candidato dos países

desenvolvidos e outros das nações em desenvolvimento. Mesmo após acordo para

dividir o tempo de mandato entre ambos era notável que a disputa havia gerado

ressentimentos.

Entre outros pontos que contribuíram para o fiasco encontra-se o sentimento

que nutriam muitos pequenos países de estarem sendo excluídos das negociações,

que ocorriam normalmente entre grupos de alguns poucos países (Quad e

emergentes de maior peso, como Brasil, China e Índia), com as grandes potências

desejando que acordos obtidos de tal forma fossem aceitos por todos.

O cenário econômico mundial também não ajudou. Crises na Ásia, na Rússia

e no Brasil resultaram em tentações protecionistas. Diante de tal panorama,

Jakobsen (2005, p. 77) conclui que “o momento não era muito favorável à

negociação de acordos ambiciosos e muito menos para o lançamento de uma nova

rodada, quando muitos dos acordos da anterior sequer haviam entrado em vigor,

como era o caso da agricultura e do Acordo Multifibras.”

Para completar, a definição da pauta de discussões era muito difícil, não

havendo acordo nem mesmo entre os membros do Quad, como no caso do setor

agrícola, onde a UE estava inflexível e os Estados Unidos encontravam-se em

situação ambígua, já que aceitavam incluir o tema nas negociações, mas a força do

lobby protecionista levava o governo de Washington a ser cauteloso quanto às

concessões na área.

35

Quando da reunião propriamente dita, somaram-se aos problemas

previamente conhecidos fortes manifestações de organizações „antiglobalização‟,

anarquistas, entre outras, o que deixou a Conferência com um clima ainda mais

pesado.

Por fim, os trabalhos foram suspensos, com a definição de que uma nova

reunião seria marcada quando as discussões para criação da nova rodada

estivessem mais adiantadas.

As discussões continuaram dentro do Conselho Geral da OMC e uma nova

conferência, a ser realizada em Doha, foi marcada para 2001. O medo de que um

novo fracasso abalasse mais ainda a confiança no sistema multilateral de comércio

resultou em um maior ímpeto para que dessa vez fosse acertada a criação de uma

rodada de negociações comerciais.

Outra razão que aferiu grande importância à Conferência de Doha foi sua

realização logo após os atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos. A

ameaça terrorista causou um clima de incerteza quanto aos rumos da economia

mundial, que poderia ser ainda maior se ocorrose um novo fracasso na OMC.

(FELIPE, 2006)

Nas negociações antes e durante a conferência acentuou-se um fenômeno já

presente desde o GATT e que ganharia destaque ainda maior nos anos

subsequentes, que é a formação de coalizões de países com interesses

convergentes, que desse modo ganham maior peso nas discussões. Além do

supracitado Quad, outra coalizão de destaque em Doha é o Grupo de Cairns.

Presente desde a Rodada Uruguai, o Grupo de Cairns é formado, entre

outros, por países como Brasil, Austrália, África do Sul, Argentina e Canadá, que

“caracterizados por sua grande competitividade agrícola, buscam uma real e efetiva

liberalização da agricultura no comércio mundial.” (THORSTENSEN e JANK, 2005,

p.55)

A Conferência de Doha alcançou um acordo importante em relação ao TRIPS,

envolvendo questões como a quebra de patentes de alguns medicamentos, mas seu

principal resultado foi a confirmação do lançamento de uma nova rodada de

negociações multilaterais, a primeira desde a implantação da OMC.

Apesar dos avanços, a resolução final da conferência era um tanto confusa,

principalmente no tocante aos prazos e a alguns assuntos da pauta, em especial os

Temas de Cingapura. Definiu-se que a próxima conferência decidiria se negociações

36

sobre estes temas seriam ou não abertas, caso houvesse consenso sobre as

„modalidades‟, que são as regras que orientam as listas de produtos ou as ofertas de

redução tarifária.

A quinta conferência ministerial da OMC realizou-se no ano de 2003, no

balneário mexicano de Cancún. Mesmo precedida por várias reuniões, a conferência

encerrou-se quase sem avanços, em especial sobre a discussão ou não dos Temas

de Cingapura, exigência dos Estados Unidos e da UE, e em relação à questão

agrícola, assunto mais reivindicado pelos países em desenvolvimento.

Data desse período a criação do G-20, grupo composto por vários

emergentes e outros países em desenvolvimento unidos principalmente em torno da

questão agrícola e que conseguiram evitar uma resolução final que prejudicasse

suas aspirações. Para Santos (2006, p. 121) “em síntese, a Reunião de Cancún

demonstrou que os países em desenvolvimento são capazes de expressar seus

interesses quando unidos em coalizões bem estruturadas.”

Apesar de pressionado por estratégias como a busca dos Estados Unidos por

acordos bilaterais ou regionais com alguns membros ou potenciais parceiros, o G-

20, a despeito de algumas defecções, consolidou-se como um bloco reconhecido

como parte central das negociações do sistema multilateral de comércio, status que

vem mantendo desde então.

A Rodada Cancún resultou também numa mudança de foco do Brasil em

relação à suas alianças, com o país passando a priorizar uma retórica „sul-sul‟, com

ênfase nos líderes regionais dos países em desenvolvimento, como África do Sul e

Índia, em detrimento de uma aliança de agroexportadores (como ocorria no Grupo

de Cairns, que contava com países desenvolvidos, tais como Austrália e Canadá).

Enfim, o Brasil deixou de lado uma aliança temática de super liberais agrícolas para

iniciar outra de caráter mais político com países em desenvolvimento (FELIPE, 2006)

Antes da sexta conferência ministerial, o Conselho Geral da OMC alcançou,

em julho de 2004, um importante acordo. Dentro deste, ficou acertada a exclusão

dos Temas de Cingapura da pauta de discussões da Rodada Doha, com exceção da

facilitação de negócios.

Outro ponto interessante desse acordo é que foi assumido o compromisso de

negociar o fim dos subsídios à exportação de produtos agrícolas, um dos

mecanismos que distorcem o mercado internacional. Para Jakobsen (2005, p. 87)

“embora não haja prazo para isto, apenas a menção a uma data crível (credible end

37

date), a boa notícia é que pela primeira vez se admitiu explicitamente eliminar os

subsídios [...].”

Este tema foi retomado durante os seis dias de negociação da Conferência de

Hong Kong, em dezembro de 2005, com o ano de 2013 sendo estabelecido como

prazo final para o fim desse tipo de subsídio. Deve notar-se, porém, que os

subsídios à exportação representam apenas uma pequena parte das vantagens

outorgadas pelos governos dos Estados Unidos e da UE a seus produtores, não

existindo avanço quanto a outros mecanismos aplicados concomitantemente.

Em relação aos bens não-agrícolas, houve pressão dos países desenvolvidos

para que as tarifas desses produtos sofressem reduções. Destaca-se no processo a

chamada „Fórmula Suíça‟, um método de calcular o percentual de diminuição de

cada tarifa que foi aceito durante as negociações, embora a declaração final da

conferência não tenha sido explícita, aceitando tal fórmula apenas como um

parâmetro.

Sobre o Brasil, os temas ofensivos de maior interesse para o país, como

fórmula de redução tarifária e tratamento de produtos sensíveis, não evoluíram como

desejado em Hong Kong. A definição de 2013 como data final para o fim dos

subsídios à exportação de produtos agrícolas é vista apenas como um avanço

pequeno e secundário dentro das prioridades brasileiras. (FELIPE, 2006)

A mais recente reunião da Rodada Doha (sem caráter de conferência)

aconteceu no ano de 2008, em Genebra, sede da OMC. Novamente houve um

fracasso nas negociações dos temas mais polêmicos.

Além de questões tradicionais, como os subsídios agrícolas e as tarifas de

bens industriais e serviços, outros assuntos travaram as discussões. Destaque para

o Mecanismo de Salvaguarda Especial (MSE), tema que causa controvérsias desde

reuniões anteriores. Considerado prioridade para os negociadores indianos, o MSE

“permitiria aos países em desenvolvimento aumentar as tarifas em até 15 pontos

percentuais no caso do aumento de 40% das importações de determinado produto

ou de um súbito aumento de preços em seus mercados internos” (G1, 2008)

Restrições da China a abrir mão de algumas práticas protecionistas na

agricultura também emperraram as conversas, além de questões como a de um

acordo para reduzir a taxa imposta pela UE sobre as bananas produzidas na

América Latina, outro tema histórico nas negociações multilaterais, e que causa

preocupação nos países do chamado bloco ACP (África-Caribe-Pacífico), que já

38

dispõem de isenção de taxas alfandegárias para vender este produto ao mercado

europeu.

A rodada Doha encontra-se atualmente em um limbo, com as dificuldades

para atingir-se um acordo final podendo crescer ainda mais com o corrente cenário

de crise econômica. A despeito dos problemas, declarações recentes como a do

ministro chinês do comércio, que disse que as negociações serão retomadas quando

da reunião de cúpula do G-8 com países em desenvolvimento, em julho, e do diretor-

geral da OMC, o francês Pascal Lamy, afirmando que é possível o acerto de um

acordo que conclua a Rodada até o fim de 2009, trazem a expectativa de que as

diferenças sejam resolvidas e um amplo acordo multilateral possa ser assinado.

39

4 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Tema que intitula essa monografia, a solução de controvérsias no sistema

multilateral de comércio será abordada no corrente capítulo, com o estudo de seu

histórico, objetivos, funcionamento, entre outros assuntos. Trata-se de importante

mecanismo que auxilia no efetivo cumprimento das normas da OMC.

4.1 Solução de controvérsias no GATT

Não tendo sido criado como uma organização internacional, mas sim como

um acordo multilateral de comércio, o GATT, em seu texto inicial, trazia apenas dois

artigos referentes à solução de controvérsias, que previam, em resumo, consultas

bilaterais em caso de divergência sobre práticas comerciais e, caso não houvesse

consenso, consultas multilaterais envolvendo também outros signatários.

Esse procedimento, fortemente diplomático, sofreu alterações na década de

50, com a instituição dos painéis de peritos, especialistas no assunto em questão

que se reuniam para analisar a controvérsia e, ao final de suas discussões,

apresentavam um relatório ao Conselho de Representantes do GATT, órgão no qual

estavam presentes todos os países que firmaram o acordo.

Mas, o modelo era limitado e esteve longe de ser um fórum efetivo de solução

de disputas comerciais. Sua mais importante falha era que as principais decisões, as

que envolviam o estabelecimento de um painel, a adoção do relatório do painel e a

autorização de suspensão das concessões, eram tomadas por consenso positivo

(VAN DEN BOSSCHE, 2003).

Com o consenso entre todas as partes sendo elemento obrigatório, os países

demandandos podiam bloquear as decisões que lhe prejudicavam. Tal fato,

naturalmente, era de freqüente ocorrência e paralisava muitas das análises das

questões levadas ao âmbito do GATT.

Outro ponto importante para entender o sistema e sua fragilidade é a própria

constituição do GATT como um acordo multilateral de comércio, sem a

40

personalidade jurídica e mesmo a força política de uma organização internacional.

Nesse sentido, o sistema de solução de controvérsias do acordo era excessivamente

diplomático, instando as próprias partes a alcançarem um acordo e somente

autorizando sanções no caso de as circunstâncias do caso em disputa serem

consideradas „suficientemente sérias‟, expressão ambígua e que possibilitava

diversas interpretações quando aplicada aos casos.

Traduzidas na linguagem do GATT como „suspensão de concessões ou outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos‟, [...] as sanções eram entendidas como instrumentos para reestabelecer a harmonia das concessões recíprocas, rompida por uma conduta alheia. Em outros termos, a „anulação ou restrição‟ dos benefícios assegurados a uma parte impunha ao respectivo responsável a obrigação de retornar ao status quo ante para cessar a fonte de prejuízos. Em caso de inércia, a sanção surgia para permitir ao prejudicado a suspensão de suas próprias concessões ou outras obrigações, como forma de restaurar a igualdade de condições anteriormente existente. (ÁRABE NETO, 2008, p. 9)

Verifica-se, portanto, a preocupação do sistema, extensiva a outros modelos

de solução de controvérsias, de retomar o equilíbrio e a harmonia entre as partes em

disputa.

O sistema evoluiu com o decorrer dos anos, com diversos entendimentos em

relação aos procedimentos e decisões apresentados nos relatórios já publicados

sendo cada vez mais usados como uma espécie de jurisprudência, especialmente a

partir dos anos 80, quando o Secretariado do GATT criou um Escritório Jurídico, com

o objetivo de auxiliar os painéis a melhor fundamentar suas decisões, o que

aumentou a confiança no modelo de solução de disputas comerciais do acordo.

O sistema de solução de controvérsias do GATT evoluiu desde um modelo

com base no poder político e que resolvia os conflitos de maneira diplomática para

um sistema estabalecido sobre o poder da norma para a tomada de decisões por

meio de julgamento. (VAN DEN BOSSCHE, 2003)

Os números quanto à efetiva utilização são divergentes, mas o GATT

Analytical Index, aponta uma cifra de quase 200 conflitos levados ao sistema em

pouco menos de 50 anos, com os relatórios tendo um índice de aceitação de cerca

de 40%. (OMC, 2009b)

Tais números demonstram que, a despeito de seus defeitos, “[...] o sistema de

solução de controvérsias do GATT era admirado o bastante para que vários

interesses de política comercial fossem submetidos a ele” (JACKSON, 1997 apud

41

BARRAL, 2002a). O acordo ao qual era vinculado também era apreciado por vários

participantes das negociações multilaterais de comércio.

Apesar de todas as deficiências do GATT, sua notável capacidade de adaptação resultou em progressos salutares. A intensificação de seu viés jurídico (rule-oriented) e a gradual limitação da vertente política como força motriz de seu sistema de solução de controvérsias, permitiu ao GATT perdurar por quase meio século como o principal instrumento de regência do sistema multilateral de comércio. (ÁRABE NETO, 2008, p.11)

Assim, mesmo com suas visíveis limitações, o sistema de solução de

controvérsias, assim como o próprio GATT, era visto com bons olhos, e tal apreço

estimulou as discussões para que um modelo mais preciso e adequado ao cenário

internacional do fim do século XX estivesse incluso na organização que se pretendia

criar na Rodada Uruguai.

4.2 Discussões e Acordo na Rodada Uruguai

As limitações do modelo de solução de controvérsias do GATT ficaram mais

claras a partir dos anos 70, quando o sistema passou a receber casos de maior

importância e repercussão. Mesmo com as melhorias que recebeu durante sua

vigência, o sistema GATT se mostrou incapaz de resolver disputas de maior vulto,

muito em função da obrigatoriedade de consenso positivo.

Com tal incapacidade tornando-se cada vez mais latente, a criação de um

novo modelo para a solução de controvérsias no sistema multilateral de comércio foi

incluída na pauta de discussões da Rodada Uruguai, que, como supracitado, foi a

mais ampla rodada de negociações realizada no âmbito do GATT e buscava atingir

acordos em grande número de temas.

Importante para compreender o panorama ao redor do assunto à época é a

situação dos Estados Unidos frente ao tema, dado o peso que o país possui nas

negociações, além do fato de os americanos serem, já nesse período, alvo de

grande número de reclamações levadas ao sistema de solução de controvérsias.

O fortalecimento do modelo de solução de disputas comerciais pode ser visto

como meio-termo para equilibrar as reclamações dos próprios americanos, que

42

acreditavam que o sistema do GATT era insuficiente para proteger adequadamente

seus interesses e o desejo dos demais atores do sistema multilateral de domar o

unilateralismo da política comercial dos Estados Unidos (ÁRABE NETO, 2008)

Outro fator a instigar as partes participantes da Rodada Uruguai a alcançar

um acordo no tema era a própria complexidade das negociações realizadas.

A criação da OMC, com status jurídico definido no marco do Direito Internacional, [...] elevaria o foro comercial multilateral a um nível sem precedentes. Com a ampliação da liberdade comercial advinda por meio dos acordos, aumentariam também as divergências quanto à interpretação e implementação das regras. Sem um mecanismo eficiente para solucionar conflitos, um sistema baseado em regras ficaria enfraquecido, uma vez que as mesmas poderiam não ser cumpridas. (SCHIMANSKI, 2006, p. 75)

Com isso, apesar de entraves pontuais, aprovou-se, ao fim da Rodada, um

acordo para a criação de um novo modelo para mediar as disputas comerciais na

OMC. O „Entendimento relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de

Controvérsias (ESC)‟ define em seus 27 artigos como deverá atuar a organização

quando diante de uma controvérsia entre seus membros.

Ao compará-lo com o sistema existente anteriormente, Barral (2002a, p. 33)

afirma que “a primeira observação a ser feita é que o novo mecanismo é fruto de

obrigação jurídica consubstanciada em um extenso tratado internacional, e não

resultado de prática reiterada, como no GATT, em que apenas dois artigos

sustentavam todo o procedimento”.

Em outras palavras, enquanto o modelo do GATT tinha uma base legal

extremamente restrita e foi sendo construído durante sua vigência por meio da

adoção de decisões anteriores como jurisprudência para casos futuros, o sistema

aprovado para a OMC estava claramente definido num grande acordo internacional

e pronto para ser posto em prática.

Dentre as mudanças trazidas pelo ESC, destaque para a inversão do criticado

consenso positivo. O entendimento pôs em vigência seu exato oposto, o conceito

conhecido como „consenso negativo‟, no qual qualquer procedimento do sistema só

pode ser bloqueado se todas as partes concordarem. Tal alteração visava,

naturalmente, evitar as interrupções características do modelo do GATT e assegurar

o andamento do processo.

Outra inovação a se ressaltar é a criação de um Órgão de Apelação, formado

por sete especialistas em assuntos como Comércio Internacional, Acordos

43

Comerciais e Direito Internacional, cujo mandato dura quatro anos e que recebe as

reclamações das partes envolvidas no litígio (terceiros não podem recorrer a ele)

quanto ao decidido pelo painel e emite um parecer sobre essa decisão, cuja

aceitação também está submetida ao „consenso negativo‟.

Essa questão está intimamente relacionada à adoção quase automática do

relatório do painel causada pelo novo modelo decisório e demonstra a preocupação

dos membros com a qualidade desses relatórios. (VAN DEN BOSSCHE, 2003)

Por fim, outra modificação resultante do ESC a merecer maior ênfase é a

unificação dos procedimentos, através da criação de um modelo com normas e

prazos pré-definidos. Uma das críticas à solução de controvérsias no GATT era o

fato de que suas fases transcorriam em tempos diferentes dependendo do caso,

com ingerências políticas e protelações distorcendo a uniformidade temporal que

deveria ser regra.

Com a unificação, os firmantes do entendimento buscavam evitar esse

fenômeno e garantir maior agilidade ao processo de solução de disputas, que, em

tese, seriam resolvidas em um período pré-determinado.

4.3 Solução de Controvérsias na OMC

Um dos principais resultados da Rodada Uruguai, o sistema de solução de

controvérsias é apresentado pela organização como “a pedra angular do sistema

multilateral de comércio e uma contribuição excepcional da OMC à estabilidade da

economia mundial. [...] O sistema da OMC deixa claro o império da lei e traz maior

segurança e previsibilidade ao sistema de comércio”. (OMC, 2007, p. 55)

Para coordenar o processo, o ESC, em consonância com o Acordo Geral da

OMC, definiu que o Conselho Geral se reuniria para mediar as disputas,

administrando as normas dos acordos assinados no âmbito da organização e

aplicando o modelo de solução de controvérsias instituído. Tais reuniões não se

dariam do modo usual, mas através de regras e procedimentos próprios, com a

criação de um órgão dedicado exclusivamente a esse papel, o OSC.

44

O OSC é usualmente considerado uma „especialização funcional‟ do

Conselho Geral e dada a relevância que lhe foi atribuída como árbitro de disputas

comerciais internacionais, algumas de grande magnitude, é possível afirmar que

essa função é a mais importante do Conselho Geral da OMC.

Mantendo o viés conciliatório do GATT, o sistema de controvérsias estabelecido na OMC favorece a resolução amigável de disputas. Uma solução aceita entre as partes em disputa e que não contrarie nenhuma norma dos acordos firmados é preferida. Na ausência de uma solução desse tipo, o primeiro objetivo do sistema de controvérsias é garantir a remoção das medidas contrárias aos acordos. Compensações só deverão ser usadas quando a remoção imediata da medida é impossível. Elas devem ser usadas temporariamente, até que se removam as medidas em questão. (LIMA, 2004, p.48)

Como acima exposto, a resolução amigável das disputas é uma das maiores

preocupações do OSC, que busca prioritariamente um entendimento entre os

próprios litigantes, sem que haja a necessidade de aplicar-se inteiramente o

processo previsto pelo ESC, que demanda tempo e dinheiro aos envolvidos.

Nesse sentido, o procedimento pode ser interrompido a qualquer momento

por um acordo entre as partes, desde que esse, naturalmente, não contradiga o

disposto nos vários acordos que fazem parte da organização.

Parte da OMC, o OSC compartilha o caráter intergovernamental da

organização em que está assentado. Em seu caso, isso significa que apenas os

Estados membros (o que inclui os territórios aduaneiros que fazem parte da

instituição) podem apresentar queixas e requisitar a abertura de um processo,

caracterizando assim as disputas como um conflito de interesses nacionais e não

apenas de determinadas empresas ou grupos econômicos.

Uma exceção a essa natureza „estatal‟ do OSC encontra-se em decisões do

Órgão de Apelação, onde defende seu direito (extensivo ao painel) de aceitar e levar

em consideração os chamados „amicus curiae briefs (sumário dos amigos da corte)’,

documentos apresentados por indivíduos, companhias ou organizações. Tal

aceitação é alvo de fortes críticas da maioria dos membros da OMC. (VAN DEN

BOSSCHE, 2003)

Dotado de tais características e inovações, o OSC possui jurisdição

compulsória sobre todos os membros da organização. De acordo com Schimanski

(2006, p. 77) “a própria acessão à OMC constitui consentimento e aceitação à

45

jurisdição do sistema de solução de controvérsias da OMC. Ainda com relação à

jurisdição, vale ressaltar que o sistema tem somente jurisdição contenciosa e não

caráter consultivo”.

Esse último ponto reflete a existência de apenas um procedimento dentro de

todo o âmbito do OSC, com o órgão não podendo ser apenas consultado, ao

contrário de outros „tribunais internacionais‟, como a Corte Internacional de Justiça.

4.3.1 Consultas

Em harmonia com o espírito conciliatório idealizado por seus criadores, a

primeira etapa do „contencioso‟, termo jurídico usualmente empregado para designar

os processos do OSC, é a de consultas, na qual os envolvidos devem reunir-se para

tentar resolver a questão entre si.

O procedimento inicia-se quando o membro da organização que julga estar

sendo prejudicado por práticas desleais de outro membro envia a este um pedido de

consultas (informado, naturalmente, ao OSC e a outros comitês da OMC

eventualmente relacionados ao caso).

O demandado tem um prazo de 10 dias após o recebimento para responder à

solicitação e outro de 30 dias para efetivamente iniciar a etapa. Para esse último

caso, há a possibilidade de as partes, em acordo mútuo, estabelecerem um período

diferente.

Em relação a terceiros que possuam interesse na matéria em discussão, o

ESC, prevê expressamente a possibilidade de que outros membros participem das

conversas.

Membros que possuam interesse na matéria em consulta podem requerer aos

envolvidos e ao OSC, num prazo de 10 dias após o pedido inicial, sua inclusão nas

discussões. Para que isso ocorra, a parte demandada deve concordar e o ingresso

do terceiro notificado ao OSC. Se o pedido não for aceito, o membro pode pedir seu

próprio pedido de consultas. (OMC, 2009c)

Caso as consultas, que são confidenciais, não conseguirem solucionar a

disputa em 60 dias, a parte reclamente pode solicitar a abertura de um painel.

46

Em casos em que o OSC julgue que há urgência, como nos envolvendo bens

perecíveis, os prazos reduzem-se a 10 dias do recebimento do pedido para início

das consultas e a 20 para que o demandante adquira o direito de requerer a

instalação do painel.

Existe ainda a possibilidade de as partes recorrerem a alguns mecanismos

diplomáticos: os bons ofícios, que consistem em sugestões externas, normalmente

de Comitês da própria OMC, a mediação e a conciliação. O próprio diretor-geral da

organização, em situação prevista pelo ESC, pode, em caráter ex officio, atuar

nesses três instrumentos.

Os envolvidos podem utilizar esses procedimentos a qualquer momento,

desde que sua instituição seja de comum acordo. Podem utilizá-los inclusive durante

o painel, dependendo exclusivamente do que convencionarem as partes do

processo. (SCHIMANSKI, 2006)

Constata-se, portanto, que antes do OSC ser efetivamente chamado à ação,

existem duas etapas, uma obrigatória, outra facultativa, mostrando mais uma vez a

intenção de seus idealizadores de transformá-lo em um „facilitador‟ de acordos,

funcionando como tribunal apenas em casos onde as divergências são de tal

maneira fortes que não há solução entre os próprios litigantes.

Para Árabe Neto (2008, p. 17), “não obstante sua natureza compulsória, seu

sucesso fica condicionado à vontade dos contendores em transigir - o que nem

sempre ocorre, principalmente quando há grande discrepância de poder entre eles,

ou quando os interesses em debate são significativos.”

O sucesso das consultas pode ser melhor avaliado através da apresentação

dos números relativos à sua atuação. Dos 379 contenciosos abertos pelo OSC

desde sua criação até julho de 2009 e que já passaram por essa etapa (outros 16

ainda não saíram da primeira fase), as consultas solucionaram um total de 178, um

índice de aproximadamente 47%. (OMC, 2009d)

Conclui-se, portanto, que a etapa de consultas tem um efeito relativamente

positivo sobre o sistema de solução de controvérsias da OMC, já que apenas com

conversas entre os conflitantes quase metade dos casos levados ao OSC foram

solucionados, sem que houvesse necessidade de recorrer ao aparato do órgão.

47

4.3.2 Painel

Quando as consultas encerram-se sem conseguir resolver a divergência,

abre-se a possibilidade de a parte reclamante requerer a segunda etapa (não se

considerando os mecanismos facultativos), que se materializa com o pedido ao OSC

de abertura de um painel, pedido esse que deve, naturalmente, explicitar o que está

sendo contestado e a base legal da reclamação.

Os painéis (também conhecidos como „grupos especiais‟) estão sob a

chancela do consenso negativo e como, ao menos em teoria, o requerente não

bloqueará a continuidade do processo, sua instituição é um ato automático, sendo

responsabilidade do OSC tomar as medidas necessárias à sua criação.

Sobre a natureza dos painéis, Árabe Neto (2008, p.18) afirma que “ao

contrário da etapa de consultas, essa fase tem caráter predominantemente

jurisdicional, uma vez que retira a análise da controvérsia da esfera das partes,

encaminhando-a a um terceiro independente [...].”

Os painéis, como tal, limitam parcialmente a ingerência política, ao

concentrarem-se principalmente no exame das questões jurídicas relativas à disputa,

em especial nos pontos que remetem aos acordos que constituem a OMC. Ainda

que seja leviano afirmar que os fatores políticos não influenciam esse momento do

processo de solução de controvérsias, é notável que sua participação na etapa de

painéis é muito menor que na fase anterior e em outras posteriores.

Ainda sobre as características do painel, uma inovação interessada trazida

pelo modelo é a possibilidade de inclusão de terceiros. Diferentemente do sistema

anterior, países podem aderir a um painel já em andamento. Um agente pode

requerer a abertura do painel e em seguida vários outros países podem nele

ingressar. Se a estratégia é bem-sucedida, todos ganham, não apenas o requerente.

Com isso, conflitos antes insignificantes para países desenvolvidos, por

confrontarem-no com apenas uma nação em desenvolvimento, ganham relevância,

ao envolverem uma série de membros. (LIMA, 2004)

Esses „terceiros‟ devem notificar ao OSC seu interesse em participar do painel

e possuem o direito de serem ouvidos e de fazer representações por escrito. O que

for apresentado pelos terceiros deve ser entregue aos outros participantes e deve

ser levado em conta nas decisões do painel.

48

Schimanski (2006, p. 79) define que “a função do painel é avaliar

objetivamente os fatos do caso e a aplicabilidade dos acordos aos quais a demanda

for pertinente, observando se há conformidade entre eles e formulando conclusões a

respeito”.

Nota-se mais uma vez o viés jurídico dessa etapa, com a definição de sua

função dando ênfase aos acordos constituintes da OMC, que são a base legal para

os apontamentos realizados pelo painel.

Os painéis não são organismos permanentes, sendo criados especificamente

para cada caso (é comum o uso da expressão ad hoc, oriunda do Direito Romano,

para designar esse atributo). Com a conclusão desse, ocorre também o fim de sua

existência.

A composição dos painéis, via de regra, é de três indivíduos, selecionados a

partir de uma lista de especialistas em variados assuntos mantida pelo Secretariado

da OMC ou por sugestões dos interessados. Tais pessoas não devem ser nacionais

de qualquer uma das partes (salvo se todos concordarem com sua participação), o

que se estende a cidadãos de países-membros de mercados comuns (atualmente

apenas a União Européia), quando esses estiverem envolvidos no contencioso como

uma só parte, o que é comum no caso europeu.

Os componentes do painel, de acordo com Van Den Bossche (2003, p. 53-

54), “[...] são frequentemente diplomatas ou oficiais de governo que trabalham na

área de comércio, mas também acadêmicos e advogados praticantes servem

regularmente como painelistas”.

Em relação a isso, o ESC afirma de forma inequívoca que os painelistas

devem servir em seu próprio nome, e não como representantes de governos ou de

qualquer tipo de organização, com os membros da OMC não devendo tentar

influenciar os componentes do mecanismo, ainda que sejam seus próprios

funcionários.

A nomeação dos painelistas é feita pelo presidente do OSC e as partes

podem opor-se aos nomes apresentados, caso julguem que são inadequados. O

prazo determinado para a definição dos integrantes do painel é de 20 dias.

Se, após o prazo, não há acordo quanto ao tema, o Diretor-Geral da OMC,

após pedido de qualquer uma das partes e conversas com todos os contendores,

deve, em conjunto com os presidentes do OSC e dos comitês ou conselhos

relacionados à matéria, apontar os painelistas que considera mais apropriados em

49

função dos Acordos nos quais o contencioso está fundamentado. O presidente do

OSC deve, então, informar a composição do painel aos envolvidos em não mais de

10 dias após receber o pedido. (OMC, 2009c)

Outra questão prevista é que caso a controvérsia em discussão envolva um

país em desenvolvimento em oposição a um desenvolvido, o primeiro pode requerer

que ao menos um dos componentes seja cidadão de uma nação em

desenvolvimento.

Ainda sobre os painelistas, o ESC prevê que tanto as deliberações realizadas

conjuntamente quanto suas opiniões individuais são estritamente confindenciais,

assim como são fechadas as reuniões onde são redatados os relatórios.

Pode-se dizer que essa característica do processo apresenta dois aspectos contrapostos. Se por um lado há uma impressão de obscuridade no procedimento, pois não se sabe ao certo o que realmente foi levado em conta na elaboração do relatório; por outro lado se o posicionamento de cada integrante fosse conhecido, a cada novo painel, os litigantes o levariam em consideração, podendo causar um grande conflito por razões óbvias, no momento da instituição de um novo painel (SCHIMANSKI, 2006, p.80)

Assim, apesar dessa „impressão de obscuridade‟, a confindencialidade é um

atributo importante do painel (o que também ocorre em outras etapas do sistema de

solução de controvérsias), pois evita que os painelistas fiquem „marcados‟ ou

„estereotipados‟ por suas decisões anteriores, o que traria grandes dificuldades para

sua inclusão em painéis posteriores.

O procedimento determina que salvo se o painel determinar apresentação

simultânea, a parte reclamante deve ser a primeira a expor suas posições iniciais.

Os envolvidos devem estar presentes na primeira reunião substantiva entre as

partes e os painelistas, onde o reclamante será o primeiro a relatar suas alegações,

sendo seguido pelo demandado. Os terceiros, que podem estar presentes durante

toda a reunião, terão um espaço próprio para explicar suas opiniões.

Assim como as posições iniciais devem ser expostas antes da primeira

reunião, as réplicas formais devem ser entregues por escrito ao painel antes da

segunda reunião substantiva. Dessa vez, porém, troca-se a ordem de exposição das

opiniões das partes, com o demandado sendo o primeiro a fazer uso da palavra.

Durante suas deliberações, o painel tem liberdade para obter informações de

governos, pessoas e entidades, sempre que entenda que é necessário. É previsto

50

ainda que “se uma das partes levantar questões de caráter científico ou técnico, o

painel pode consultar especialistas ou designar um grupo consultivo de especialistas

para que prepare um informe a respeito” (OMC, 2007, p.57)

A nomeação dos membros e a atuação desses „grupos consultivos de

especialistas‟ são disciplinadas pelo ESC, em seu Apêndice 4, onde estabelece

algumas regras para a correta utilização dos préstimos desses especialistas.

Uma das preocupações do texto do acordo nesse ponto é especificar o

acesso das partes às informações usadas pelo grupo de especialistas, dispondo que

todo material não-confidencial é de livre consulta por parte dos litigantes, com o

repasse de dados considerados confidenciais dependendo da autorização de quem

os forneceu. O ESC também especifica essa questão no que diz respeito aos outros

procedimentos do painel.

Em prol da total transparência, as exposições, réplicas e declarações se

darão na presença das partes. No mesmo sentido, as comunicações por escrito,

onde se incluem comentários sobre a parte descritiva do relatório e respostas às

perguntas realizadas pelos painelistas, serão postas à disposição de todas as

partes. (OMC, 2009c)

O informe do painel tem uma apresentação escalonada, de modo a permitir

aos contendores a realização de observações e comentários. A primeira peça a ser

exibida aos interessados é a supracitada „parte descritiva do relatório‟, texto no qual

constam apenas os fatos e a argumentação dos painelistas. Os litigantes têm duas

semanas para manifestar alguma posição.

Segue-se então a publicação do relatório provisório, que conta agora com as

constatações e conclusões do painel. As partes podem pedir uma revisão, durante a

qual se abre a possibilidade de novas reuniões com os envolvidos.

Finda a revisão, o relatório definitivo, contendo a opinião final dos painelistas

é enviado aos interessados e após três semanas, aos demais membros do OSC.

Nesse documento, se o painel decide que a medida em questão é

incompatível com algum acordo ou obrigação da OMC, ele recomenda que tal

medida seja posta em conformidade com as regras que norteiam o sistema

multilateral de comércio, podendo inclusive sugerir o modo como isso pode ser feito.

(OMC, 2007)

Os procedimentos para atuação do painel acima expostos podem ser

alterados por seus integrantes, desde que o façam antes de seu início e após

51

consultas aos interessados. O que não pode ser objeto de modificação é o prazo

para conclusão, que é em geral de seis meses (três para casos urgentes), podendo

estender-se por no máximo nove meses, salvo se há uma suspensão nos trabalhos

do painel, que pode ocorrer unicamente por requisição da parte reclamante e por um

período de não mais de um ano.

A Tabela 1 traz os prazos previstos pelo ESC para a realização dos trabalhos

do painel.

Tabela 1 – Adaptação feita pelo autor do calendário previsto pelo ESC para a realização dos

trabalhos do painel

Etapa Prazo

Recebimento das comunicações iniciais:

- Parte Reclamante:

- Parte Demandada

3 a 6 semanas

2 a 3 semanas

Primeira Reunião Substantiva; sessão

dedicada aos terceiros

1 a 2 semanas

Recebimento das réplicas 2 a 3 semanas

Segunda Reunião Substantiva: 1 a 2 semanas

Entrega às partes da parte descritiva do

relatório

2 a 4 semanas

Recebimento de comentários das partes

sobre a parte descritiva do relatório

2 semanas

Entrega às partes do relatório provisório 2 a 4 semanas

Prazo para o pedido de reexame

Período de revisão, incluindo possível nova

reunião com as partes

1 semana

2 semanas

Entrega às partes do relatório definitivo 2 semanas

Distribuição do relatório aos demais

membros

3 semanas

Fonte: OMC, 2009c

Com o painel tendo completado suas atividades, resta ainda nessa segunda

etapa do sistema de solução de controvérsias a decisão sobre a adoção ou recusa

do relatório elaborado pelos painelistas.

Tal decisão deve ser tomada em uma reunião do OSC cuja realização deve

ocorrer entre 20 e 60 dias após a distribuição do relatório aos membros. Como

nessa questão é também adotado o consenso negativo, o procedimento é

basicamente um ato burocrático.

52

[...] o OSC tem uma função meramente administrativa nessa fase da resolução do litígio, visto que não emite qualquer espécie de opinião valorativa a respeito dos fatos e alegações das partes, antes de concluído o exame respectivo pelas duas instâncias de julgamento. Somente a parte demandante ou demandada pode iniciar os procedimentos de apelação. (SCHIMANSKI, 2006, p.80)

Como mencionado, somente os interessados podem entrar com um pedido de

apelação em referência ao relatório do painel, fato esse que implica a suspensão do

processo de adoção do mesmo até que se conclua o procedimento requisitado pela

parte apelante.

4.3.3 Órgão de apelação

O relatório do painel, ainda que produzido após uma série de discussões com

os envolvidos e passível de análises parciais e comentários das partes em vários

momentos, nem sempre é do agrado de todos os litigantes e pode, naturalmente,

conter pontos polêmicos, para os quais é interessante a realização de mais debates.

Além do mais, a aprovação do relatório é algo certo. Se o procedimento

terminasse nesse momento, a opinião dos painelistas teria um peso desproporcional

dentro de todo o sistema.

Dado esse cenário, o ESC prevê a possibilidade de que as partes recorram,

por intermédio de requerimento ao OSC, a algo como uma instância superior, o

Órgão Permanente de Apelação.

Como sugere sua denominação, esse órgão diferencia-se dos painéis por não

ser constituído exclusivamente para cada caso, sendo uma parte fixa da estrutura da

OMC. Para Árabe Neto, (2008, p. 19) “tal característica lhe permite consolidar

correntes de entendimento e interpretação acerca das questões versando sobre as

normas da entidade”.

Os membros do Órgão de Apelação são em número de sete, com mandatos

de quatro anos e é ainda possível uma renovação por igual período. A cada

contencioso levado à sua apreciação, três de seus integrantes são destacados para

atuarem na controvérsia em questão.

53

Seu presidente é atualmente o sul-africano David Unterhalter, com o cargo

tendo sido ocupado anteriormente pelo brasileiro Luiz Olavo Baptista. Os demais

seis membros são, em agosto de 2009, nacionais dos seguintes países: Filipinas,

Estados Unidos, Itália, Japão, México e China.

O Órgão de Apelação será integrado por pessoas de prestígio reconhecido,

com notório saber das leis, de comércio internacional e dos temas relativos aos

acordos em geral. Não podem estar vinculados a nenhum governo nem intervir em

questões que possam resultar em conflito de interesses e devem ainda estar

constantemente disponíveis a curto prazo e tem a obrigação de manterem-se

informados sobre as atividades de solução de controvérsias da OMC e outras

pertinentes à sua função. Os integrantes serão ainda, dentro do possível,

representantes da composição variada da organização. (OMC, 2009c)

Essa preocupação com a qualidade dos membros, especificada no texto do

ESC, tem sua razão de ser com a importância do órgão para o sistema de solução

de controvérsias, funiconando como uma „corte revisora‟ do processo. Quanto à

comentada preocupação com a representatividade das nações, dos atuais sete

membros quatro provêm de países em desenvolvimento, em especial dos chamados

„emergentes‟, como são os casos de China, México e África do Sul.

A participação do Órgão de Apelação pode ser requerida apenas pelos

próprios litigantes, mesmo que algum eventual terceiro tenha participado do

processo desde a etapa de consultas. Para esses, existe a possibilidade de

apresentarem suas opiniões por escrito ao Órgão, que pode ainda dar-lhes a

oportunidade de serem ouvidos.

Mas não são todos os pontos do relatório do painel que podem ser

contestados pelas partes. Como afirma Schimanski, (2006, p. 81) “as apelações são

limitadas às questões de direito ou interpretações legais cobertas no relatório do

painel”.

Em relação aos prazos, o período entre o pedido formal de apelação e a

entrega do relatório aos conflitantes será, via de regra, de 60 dias, podendo

estender-se por no máximo 90 dias. Vale ressaltar que, ao contrário do que ocorre

no caso dos painéis, esse relatório não é apresentado de forma paulatina, mas

exposto inteiramente quando do fim da atuação do Órgão de Apelação no caso em

questão.

54

Apesar das diferenças, algumas características repetem-se no painel e no

Órgão de Apelação. Exemplos são a confidencialidade das opiniões individuais dos

membros e dos próprios procedimentos, com o relatório sendo mais uma vez

redatado apenas pelos integrantes do grupo, sem a presença das partes e outros

envolvidos.

Dotado de todos esses elementos, o Órgão de Apelação deve revisar o

relatório apresentado pelo painel e decidir se mantêm, modifica ou reverte as

constatações e conclusões em matéria de direito dos painelistas.

Seu relatório é também sujeito à decisão do OSC, que deve decidir por sua

adoção ou rejeição em um prazo de 30 dias após sua publicação aos demais

membros da organização.

A exigência da chancela [...] pelo OSC, todavia, é temperada pela automaticidade do procedimento da OMC, e pela existência do direito de adoção do relatório, assegurado aos seus membros por intermédio da regra de consenso negativo. Assim, mesmo sem ignorar a necessidade dessa aprovação formal pelo OSC, a virtual certeza de sua ocorrência faz com que a vinculação das partes ao conteúdo do relatório seja uma questão de tempo (ÁRABE NETO, 2008, p.20)

Com isso, como é raro que a opinião do Órgão de Apelação consiga

contrariar a todos, o foco após a apresentação de seu relatório é a discussão do

modo como serão aplicadas as resoluções expressas no informe.

4.3.4 Aplicação das decisões

Concluído o procedimento em si, resta a polêmica etapa de aplicação das

decisões contidas no relatório final, seja ele oriundo do painel ou do Orgão de

Apelação.

Seu objetivo, de acordo com Árabe Neto (2008, p. 21) “é a modificação da

conduta considerada inconsistente com as normas da OMC. Após percorrer todo o

intrincado trajeto previsto para a solução de controvérsias, chega-se ao clímax do

procedimento, no qual as violações detectadas deverão ser corrigidas a fim de

colocar fim ao conflito.”

55

Vale destacar que o relatório não é de maneira alguma algo automático, que

deve ser obrigatoriamente obedecido pelas partes. A OMC não possui poderes para

intervir em matérias de política comercial de seus membros, que são soberanos para

determinar de que modo atuarão nessa área, servindo tão somente como

interlocutor e mediador confiável na busca do fim do conflito, não como órgão

executor das resoluções que publica.

Em consonância com o espírito conciliador de todo o processo, no primeiro

momento a parte demandada pode cumprir de modo espontâneo as decisões do

OSC, adequando sua política comercial ao relatório final. Deve, para isso, na

primeira reunião do OSC após a adoção do relatório (que ocorrerá em no máximo 30

dias), manifestar sua intenção de implementar suas recomendações.

Caso essa implementação seja imediata, o caso encerra-se aqui. Mas muitas

vezes, por conta de dispositivos legais que contrariem as medidas recomendadas ou

outros impedimentos, o país pode não ter condições de adotá-las prontamente,

sendo necessário o estabelecimento de um período de tempo para isso, o chamado

„prazo razoável‟.

Tal prazo poderá ser proposto pelo próprio demandado, desde que autorizado

pelo OSC, ou combinado entre as partes em no máximo 45 dias após a aceitação do

relatório final ou ainda, em caso de ambas as alternativas não puderem ser

aplicadas, a questão será decidida por arbitragem, com tal decisão devendo ser

tomada em 90 dias, também contados da data de adoção do relatório.

(SCHIMANSKI, 2006)

Embora haja liberdade para definição do prazo razoável, de acordo com as

peculiaridades de cada caso, há uma orientação do ESC para que não se estenda

por mais de 15 meses, que corresponde ao período máximo de realização dos

procedimentos anteriores do sistema de solução de controvérsias.

Findo o prazo, se não observar a decisão, a parte demandada ainda tem a

opção de negociar com os outros envolvidos, em 20 dias, a aplicação de medidas

compensatórias. Caso não seja possível um acordo, os reclamantes têm o direito de

requerer ao OSC a adoção de suspensão de concessões, sobre a qual o órgão

decidirá em não mais de 30 dias após o fim do prazo razoável.

Pode ocorrer, porém, de a observância da decisão ter sua veracidade

contestada pela outra parte. Nessa hipótese, é previsto que essa nova controvérsia

seja mediada, sempre que possível, pelo mesmo painel que atuou no contencioso.

56

Nesse caso, os painelistas terão um prazo de 90 dias, passível de extensão, para

distribuir seu relatório sobre a questão.

De acordo com Árabe Neto (2008, p. 22) “restando comprovado o

descumprimento ou reconhecendo o reclamado, de maneira expressa ou tácita, que

não adequou seu comportamento [...], o reclamante se reveste da prerrogativa de,

em ultima ratio, retaliar o membro sucumbente como forma de lhe impelir o

adimplemento.”

Estas retaliações, designadas no ESC como „suspensão de concessões ou

obrigações‟, são tidas como o derradeiro recurso (ultima ratio), a última opção a que

deve recorrer a parte.

Nesse sentido, há uma grande preocupação com o modo com o qual a parte

reclamante aplicará seu direito de retaliação. Além da óbvia busca pela equivalência

entre o dano causado pela medida que causou a controvérsia, o ESC estabelece

que se alguns dos acordos da OMC que abrange a questão proibir esse tipo de

medida, o OSC não pode autorizar qualquer retaliação. São previstas ainda uma

série de diretrizes em relação aos setores a serem atingidos.

O princípio geral é que a suspensão se dê nos setores em que ficou

constatada a infração. Na hipótese da parte autorizada considerar tais medidas

ineficazes ou impraticáveis, ela pode propor retaliações em outros setores, mas

ainda dentro do mesmo acordo. Se ainda assim o reclamante julgar que as

retaliações não são suficientes, ele pode levá-las para outros acordos, desde que as

circunstâncias sejam graves o suficiente. (OMC, 2009c)

Todo o processo é acompanhado pelo OSC, que além de autorizar a

aplicação da sanção proposta, supervisiona a maneira como ela é adotada,

mantendo-se atento aos trâmites da questão até que esta seja encerrada.

Em relação a isso, nota-se que embora sem poderes para intervir em

decisões soberanas dos países, como já comentado, a OMC tem legimitidade

internacional para autorizar sanções comerciais contra qualquer membro. A

soberania nacional reside, nesse ponto, na decisão do país autorizado de adotar ou

não tais medidas.

Ressalte-se que qualquer sanção perde sua validade se a parte demandada

seguir as recomendações do relatório do painel ou do Órgão de Apelação,

adequando sua política às determinações ali presentes. Isso se deve ao fato de as

57

sanções serem consideradas medidas temporárias, com o objetivo de pressionar

pela revisão das medidas incompatíveis com as regras da OMC.

Decisões de adotar as resoluções elaboradas durante o procedimento de

solução de controvérsias devem, de acordo com Schimanski (2006, p. 82) “[...] ser

preferíveis ao uso de práticas retaliatórias, mesmo que autorizadas, uma vez que

ainda consiste num sistema imperfeito, que ao invés de induzir à obediência, leva a

punição da parte saudável da corrente de comércio.”

Esse ponto remete ao posicionamento das retaliações como última opção do

sistema, justamente por conta de seu caráter potencialmente injusto, ao atingir

setores cuja relação com a controvérsia é pequena ou mesmo nula.

4.3.5 Avaliação e críticas

O sistema de solução de controvérsias da OMC, especialmente quando

estudado em conjunto com seu antecessor, é considerado um grande avanço. De

um modelo facilmente bloqueável passou-se a outro praticamente automático, com

etapas e prazos explicitamente definidos.

Com esse fortalecimento, a própria organização ganhou mais projeção, pois

agora existem possibilidades reais de solução de problemas cuja dimensão tornava

ineficaz o modelo do GATT, com a OMC podendo inclusive punir aqueles que

infringirem seus acordos.

Tal fortalecimento tem sua importância claramante relacionada à efetividade

da organização, pois essa prerrogativa de aplicar punições pelo descumprimento de

suas regras objetiva evitar que as normas e princípios pelos quais se guia a entidade

não sejam mera retórica. Essa é uma característica um tanto particular para uma

organização internacional, dado que esse tipo de procedimento não é usual no

âmbito das relações entre as nações, por conta do conceito de soberania nacional

existente desde o Tratado de Westfalia, que é comumente recordado pelos Estados

para limitar ações de tal natureza. (SCHIMANSKI, 2006)

Essa questão de uma OMC mais robusta por conta de um sistema de solução

de controvérsias muito mais sólido e respeitado, ponto citado como motivação

58

quando da exposição dos motivos da criação desse modelo, está no centro das

avaliações realizadas sobre o mecanismo.

Nesse sentido, o sistema de solução de controvérsias é apontado como uma

das bases da organização e de sua evolução frente ao acordo internacional que a

antecedia como principal foro de discussões multilaterais de comércio, sendo de uso

comum a expressão „GATT com dentes‟ para referir-se à OMC, alcunha que remete,

naturalmente, à possibilidade de adoção de sanções.

A evolução frente ao GATT não supôs uma ruptura com o antigo

procedimento, como podem alguns erroneamente concluir. Tal fato é comprovado

pelo próprio ESC, que prevê explicitamente a adesão de seus firmantes aos

princípios e procedimentos do sistema anterior, com decisões suas sendo usadas

como jurisprudência em contenciosos do sistema atual.

Por conta da representatividade que possui dentro da organização, o sistema

e seu aparto institucional representado pelo OSC são, naturalmente, alvo de várias

controvérsias.

Ao comentar os protestos contra a OMC na Conferência Ministerial de Seattle

em 1999 e depois de listar hipóteses sobre o rumo que esses manifestantes

gostariam de dar ao sistema, Amaral Júnior (2002, p. 264) afirma que “[...] a

característica da OMC que desperta tantas paixões, conscientes ou insconscientes,

é esse poder, derivado do mecanismo de solução de controvérsias, de muitas vezes

levar países a retirarem ou desistirem de medidas governamentais que causam

prejuízos a seus parceiros, sejam eles grandes potências ou pequenas nações.”

Ainda que a afirmação soe exagerada em seu tramo final, e em certa medida

o é, o OSC traz exemplos de retirada de medidas polêmicas por parte de nações

desenvolvidas em casos onde o outro litigante era um pequeno país em

desenvolvimento. Ou seja, apesar de seus vários defeitos, o sistema traz

oportunidades reais de resolução de conflitos independemente de quem sejam os

litigantes

Ao examinar-se o mecanismo previsto pelo ESC, três características

destacam-se como base de sua eficácia: abrangência, automaticidade e

exeqüibilidade. (AMARAL JÚNIOR, 2002)

A abrangência significa que todos os acordos que constituem a OMC são

cobertos por um único sistema de solução de controvérsias, ainda que alguns, como

os plurilaterais, possuam especificidades, o que está presente no ESC. A existência

59

de apenas um mecanismo traz maior relevância para o mesmo e evita questões

como o conflito de competências entre diferentes cortes e todas as complicações

que problemas como esse poderiam causar ao sistema.

Em relação à automaticidade, esse elemento foi o que permitiu a substituição

de um sistema baseado no poder político por outro sustentado pelo Direito, uma das

principais características do sistema da OMC. A exeqüibilidade refere-se ao

supracitado poder de impor sanções a quem infringir os acordos da organização.

Os estudos sobre o sistema, porém, não apontam apenas os pontos positivos.

Vários problemas já foram detectados e com eles surgem críticas ao modelo de

solução de controvérsias da OMC.

Uma delas reside no fato de que mesmo dotado de um espírito conciliador e

idealizado para atuar apenas em último caso, quando não há possibilidade de

acordo entre as próprias partes, na prática não é isso que ocorre.

[...] a própria existência de um mecanismo como o da OMC exerce uma pressão a favor de soluções capazes de evitar o recurso à via contenciosa. [...] o mecanismo se tornou muito mais legalista do que esperado pelos negociadores e, de certo modo – paradoxalmente – estimula alguns países desenvolvidos a litigarem em torno de questões que poderiam ser resolvidas pela via diplomática. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p.266-267)

Esse excesso de legalismo traz uma série de dificuldades, com um exemplo

estando nas muitas críticas feitas à importância concedida às questões técnicas,

com o „formalismo‟ excessivo dos relatórios sendo objeto de divergências.

A linguagem é cheia de expressões jurídicas e interpretações que tão

somente são compreendidas por aqueles familiarizados com as normas de comércio

internacional e com o jargão do GATT/OMC. Além disso, as discussões são

usualmente pautadas por um modelo de „julgamento‟ próximo à tradição anglo-saxã

da common law, com grande ênfase nos antecedentes e nas argumentações.

(AMARAL JÚNIOR, 2002)

Essa utilização da corrente anglo-saxã como base traz uma série de

dificuldades para os países com tradição legal oriunda do Direito Romano, com as

características e formalidades do modelo adotado pela OMC constituindo-se numa

barreira para sua atuação dentro do OSC.

Com as limitações de conhecimento técnico-jurídico enfrentadas pelos países em desenvolvimento, não se pode deixar de concluir que são esses

60

os mais prejudicados, em virtude da excessiva importância de questões procedimentais, em que a essência do conflito muitas vezes nem chega a ser avaliada pelo descumprimento de uma formalidade exigida. (BARRAL, 2002a, p. 43)

Com isso, os países em desenvolvimento, em especial os menores,

enfrentam grandes dificuldades com questões de procedimentos legais que

deveriam ser simples e meramente burocráticas.

Uma solução para esse problema poderia estar na assistência jurídica que é

disponibilizada pela própria organização. Com ela, o país poderia melhor identificar

violações que possam ser levadas ao mecanismo e, principalmente, fortalecer a

base legal de suas argumentações iniciais. Essa assessoria, porém, só pode ser

utilizada quando o contencioso já está aberto, com os países pobres, na prática, só

recebendo-a quando medidas suas são contestadas.

Sem auxílio externo, torna-se complicado que nações em desenvolvimento

possam recorrer ao sistema, já que além das dificuldades legais, enfrentam ainda

outro grande impedimento.

Litigar na OMC tornou-se uma tarefa de incrível complexidade, que requer muito mais do que habilidade diplomática: é necessário um embasamento jurídico específico, extremamente custoso e dificilmente encontrável em países em desenvolvimento, não raramente desprovidos dos recursos humanos e materiais necessários à apresentação de reclameações e a interposição de defesas. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p.267)

Tais limitações econômicas e mesmo humanas constituem mais um entrave

ao acesso e ao efetivo uso do sistema de solução de controvérsias por parte das

nações em desenvolvimentos. Outro obstáculo conexo e, portanto, merecedor de

citação em conjunto com os outros dois é o do custo político. As implicações

resultantes de entrar com um processo contra uma nação muito mais poderosa

levam os pequenos a hesitarem mesmo quando prejudicados por uma medida

notadamente contrária aos dispositivos da OMC.

Esses são alguns exemplos dos problemas enfrentados pelo modelo. Podem-

se adicionar a limitação de recursos ao Órgão de Apelação a questões jurídicas, as

dificuldades notadas em contenciosos mais complicados para atingir-se um

consenso sobre os painelistas, entre outros. O item subseqüente tratará ainda de

outros pontos discutidos.

61

Como determina Lima (2004, p. 50) “mesmo com esses problemas, o sistema

de solução de controvérsias tem-se mostrado bastante eficiente como meio de fazer

os países removerem medidas contrárias aos acordos firmados sob o arcabouço

institucional da OMC.”

Barral (2002, p. 45) demonstra concordância e complementa o pensamento

ao afirmar que “[...] há de se reconhecer o mérito do sistema, fundamentalmente em

sua contribuição para reduzir medidas econômicas unilaterais e para criar um

espaço de negociação entre os Estados em litígio”.

Conclui-se, portanto, em resumo, que a solução de controvérsias da OMC é

uma criação que decorreu em resultados positivos para o sistema multilateral de

comércio. Ao mesmo tempo, é indiscutível que são necessárias uma série de

melhorias, que atenuem os problemas que afronta e tornem-a melhor e mais justa.

4.3.6 Revisão do ESC na rodada Doha

Assim como os outros acordos constituintes da OMC, o ESC e por

conseqüência o sistema de solução de controvérsias são objetos de revisão por

parte da organização.

Com sua entrada em vigor tendo ocorrido no ano de 1995, acordou-se que a

primeira revisão entendimento ocorreria em quatro anos. Por conta do impasse

quanto às alterações propostas, tal prazo foi extendido até a metade de 1999.

Com todas as dificuldades enfrentadas na Conferência Ministerial de Seatlle,

nesse mesmo ano, o tema só voltou a efetivas discussões quando da conferência

seguinte, realizada em Doha dois anos após a anterior, onde se instituiu a rodada de

negociações homônima. Na declaração final da reunião, a questão foi levemente

citada, ao reafirmar-se o interesse dos membros em negociar melhorias no sistema.

Ao menos um ponto, embora indireto, foi determinado.

A Declaração de Doha, além de definir negociações, aponta que o tema não

será parte do single undertaking, ou seja, que o resultado final das negociações

sobre o assunto não está atrelado ao sucesso das discussões como um todo. (OMC,

2009e)

62

Esse pode ser considerado um avanço, dado que o tema não suscita tantas

divergências quanto os assuntos mais polêmicos que usualmente travam as

negociações, como a agricultura, e poderia, portanto, ser debatido de maneira

individualizada, relativamente independente das discussões gerais da rodada.

Nos anos seguintes, as conversas focaram-se na definição de quais pontos,

dentre a gama de assuntos propostos, deveriam ter os correspondentes pedidos de

alteração analisados. Por vezes de maneira informal, alguns começaram a destacar-

se: seqüenciamento, transparência, direito de terceiros, direito de reenvio, pós-

retaliação, entre outros.

Vale notar que essas discussões, formais ou informais, cujo prazo proposto

pela Declaração de Doha fora adiado, concentraram-se entre alguns países

desenvolvidos e grandes emergentes. Um exemplo é o chamado G-7, único grupo a

propriamente reunir-se para tentar elaborar propostas para o assunto. Seus

membros eram: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Índia, México e Nova Zelândia.

Nesse sentido, “inúmeras reuniões foram realizadas em Genebra para ouvir

os comentários dos demais membros, sobretudo dos EUA e da Comunidade

Européia. Entretanto, seja em virtude do momento negociador, seja pela existência

de interesses muito divergentes, não foi possível obter consenso no prazo fixado

para 31 de maio de 2004.” (THORSTENSEN e JANK, 2005, p. 386)

Tal impasse continuou no ano seguinte, com a declaração final da

Conferência de Hong Kong apenas reconhecendo os poucos progressos atingidos

até ali e instando o grupo negociador incumbido de organizar as conversas a

continuar trabalhando por uma rápida conclusão das negociações.

Desde então, a exemplo da rodada como um todo, as discussões perderam

força, embora relatório publicado de reunião do grupo negociador em julho de 2008

indique que há ao menos um texto organizado pelo chefe do grupo, o costariquenho

Ronald Saborio, para servir de base para as conversas.

Alguns dos temas destacaram-se dentro das negociações e como tal,

merecem maior destaque e explicação de suas características, identificação de seus

defensores, entre outras questões.

Um deles está na questão do seqüenciamento (por vezes aludido, mesmo em

publicações em língua portuguesa, por meio de seu correlato anglófono,

sequencing), na qual são discutidos pontos como os prazos para as ações previstas

63

durante o proceso de solução de controvérsias, sua sequência e outras questões

relacionadas.

Os principais problemas do modelo atual são os seguintes:

a) Incompatilibade temporal entre os 30 dias após o prazo razoável que o

OSC possui para autorizar a retaliação e os três meses que recebe o

painel, quando reconvocado para analisar a veracidade da observância da

decisão;

b) Ainda sobre essa reconvocação do painel, o ESC não menciona sua

obrigatoriedade antes do pedido de compensações/retaliações;

c) O prazo para discussões entre as partes sobre compensações (20 dias) é

muito curto;

d) A autorização para retaliar deve coincidir com o fim do prazo razoável;

e) O ESC é omisso quanto aos procedimentos para acompanhamento de

implementação da decisão. (THORSTENSEN e JANK, 2005)

Tais problemas, quando de sua incidência nos contenciosos, têm sido

resolvidos por meio de acordos entre os próprios envolvidos. Dentre as posições

individuais, destaque para a Austrália, que propõe que apenas pontos incoerentes

sejam retirados do entendimento, com as omissões do ESC continuando a ser

resolvidas por meio de acordos entre as partes. A UE e o Japão, por outro lado,

preferem investir na segurança jurídica e preencher as lacunas do entendimento

com procedimentos definidos.

Outra questão discutida pelo grupo negociador é a transparência dos

processos da OMC, com o acesso externo aos documentos e reuniões do OSC.

Essa diminuição da confidencialidade dos procedimentos da solução de

controvérsias é um dos pontos mais polêmicos das negociações para revisão do

ESC.

Esse elemento do sistema tem por objetivo, como explica Amaral Júnior,

(2002, p. 270) “assegurar a possibilidade de que, a qualquer momento do processo,

se possa negociar uma solução que atenda aos interesses gerais dos Membros em

litígio, nem sempre coincidentes com interesses setoriais ou particulares.”

Ou seja, teme-se que uma abertura acentuada das informações leve a que

grupos de pressão de variados interesses tentem impor suas posições aos litigantes,

dificultando ainda mais a obtenção de acordos que encerrem a questão sem que

seja preciso ir até o fim do processo.

64

Tal abertura, ao menos em tese, beneficiaria os poderosos lobbies setoriais

dos países desenvolvidos, embora se deva notar que também poderia ser usada a

favor das nações em desenvolvimento, por conta da repercussão midiática que se

conseguiria obter com o auxílio de Organizações Não Governamentais (ONGs).

Propostas nesse sentido já foram estabelecidas, com destaque para a

canadense, na qual em meio a sugestões sobre o assunto destinadas a diversos

setores da organização, também comenta o caso do sistema de solução de

controvérsias.

A parte central da proposta consiste na restrição da exigência de

confindencialidade dos documentos da OMC. A proposta, todavia, deixa explícito o

apoio ao caráter intergovernamental da organização e afirma que o aumento na

publicidade não deve implicar no acesso direto de particulares, ONGs e outros.

(BARRAL, 2002a)

Isso remete à questão do acesso externo parcial aos procedimentos,

fortemente relacionada com a transparência. Críticas às restrições à participação

direta de atores não-estatais provêm especialmente de empresas privadas e ONGs.

No modelo atual, tais organizações, segundo Barral (2002a, p. 41-42)

“precisam passar pelo que se convencionou chamar „filtro governamental‟. [...] há

casos em que, mesmo havendo violação de norma da OMC, determinado governo

pode não considerar politicamente conveniente recorrer contra outro membro. [...]”

Uma „privatização‟ do direito de recorrer ao OSC é praticamente impossível,

com as discussões concentrando-se no nível de acesso que esses terceiros teriam

dentro o sistema, ou seja, questões como sua participação nas consultas e

apresentação de documentos ao painel e ao Órgão de Apelação.

Essa última questão, da apresentação de documentos formulados por

agentes externos, conhecida como amicus curiae briefs, é também alvo de

discussões. Como o ESC é omisso em relação a esse ponto, a decisão sobre a

aceitação ou não de tais documentos tem sido feita caso a caso pelos respectivos

painéis e pelo Órgão de Apelação, com este tendo inclusive, por conta de um caso

específico, divulgado critérios para submissão dos sumários.

O tema causa polêmica, pois por um lado pode resultar em pressões de

interesses econômicos, mas por outro pode ser um auxílio importante para a correta

redação do relatório. Um exemplo é o contencioso envolvendo medidas dos EUA

65

contra importação de camarões, no qual um estudo apresentado por uma ONG foi

levado em conta pelo Órgão de Apelação.

Assim sendo, entende-se que a situação pode ser deixada da maneira como

está atualmente. Com o ESC não se pronunciando, o painel e o Órgão de Apelação

devem decidir individualmente se o documento apresentado deve ou não ser aceito.

(THORSTENSEN e JANK, 2005)

A questão da „pós-retaliação‟ também suscita polêmica. Os negociadores

buscam definir dúvidas causadas pela omissão do ESC nessa parte final da solução

de controvérsias.

São dúvidas como o modo com o qual o retaliado deve provar que cumpriu a

resolução do relatório, quem confirmará isso e de que modo, se a retaliação deve

continuar durante esse período de confirmação e como ela deve acabar.

(THORSTENSEN e JANK, 2005)

A União Européia defende que após a alegação do retaliado de que cumpriu

a decisão, a retaliação seja extinta, salvo se a outra parte discordar, com o caso

sendo analisado da mesma maneira que o da veracidade de adoção que ocorre

antes do início das discussões para retaliação, ou seja, através do painel original do

caso.

Por fim, destaca-se a questão da possibilidade de remand, o reenvio do caso

ao painel por parte do Órgão de Apelação. Como este pode apenas julgar matérias

de direito, muitas vezes o objetivo principal, a solução da controvérsia, é deixada de

lado e o caso não tem uma resolução satisfatória.

Limitações à aplicação desse conceito, de acordo com Thorstensen e Jank

(2005, p. 391), são as discussões sobre “se o remand suspende ou não a

implementação, e quem deve acionar o remand, se as partes ou o Órgão de

Apelação.”

Nesse sentido, o reenvio se junta aos outros temas antes comentados no rol

de possíveis alterações do sistema de solução de controvérsias da OMC que

continuam a figurar apenas no campo das possibilidades.

66

5 O BRASIL E A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

O presente capítulo abordará a atuação do Brasil no sistema de solução de

controvérsias da OMC, com a apresentação de números relativos à participação do

país no mecanismo, dos contenciosos que contaram com presença brasileira, entre

outros pontos, de modo a verificar a relação entre o Brasil e o sistema.

5.1 Participação brasileira na solução de controvérsias da OMC

Desde sua criação, em 1995, o sistema de solução de controvérsias, assim

como a própria instituição em que se assenta, tem adquirido crescente relevância

como parte política e das ações diplomáticas do Brasil.

Essa eleição do sistema como pilar importante da ação brasileira na área

comercial é coerente com a tradição do país de privilegiar a solução pacífica de

controvérsias e o multilateralismo (COZENDEY, 2007)

Tais paradigmas da diplomacia brasileira remontam à resolução de conflitos

de maneira pacífica há mais de um século, como a questão do Acre em relação à

Bolívia e do Contestado com a Argentina, demonstrando um recorrente viés

conciliatório da política externa nacional, que, não devendo ser entendido como uma

busca por evitar-se conflitos de qualquer maneira, pode ser apontado como uma das

causas para a importância que tem o sistema nas ações do Itamaraty na área

comercial.

A esse ponto unem-se, como esperado em todas as questões que se referem

à política comercial, os fatores econômicos, que também impelem os diplomatas e

demais formuladores da política externa do país a focarem no sistema suas

iniciativas na área, com o modelo econômico que o Brasil adota nos dias correntes

sendo mais uma razão a ser levada em conta por aqueles que objetivam entender a

relevância que tem o órgão na diplomacia brasileira.

A importância do sistema de solução de controvérsias da OMC para o Brasil está também relacionada com a superação do modelo de substituição

67

de importações. Com o crescimento da relevância do comércio exterior, tanto no que diz respeito ao crescimento das exportações e aumento de sua participação no PIB, quanto no que se refere à maior exposição da produção nacional às importações, o sistema multilateral de comércio torna-se estratégico. Nessa nova realidade, é natural a ampliação da utilização do sistema de solução de controvérsias para combater restrições comerciais de outros membros da OMC. (COZENDEY, 2007, p. 10)

Como apontado, o modelo de abertura comercial verificado no país desde os

anos 90, com o resultante aumento na importância do comércio internacional para a

economia brasileira, justifica também a questão abordada até o momento no

presente item.

Vale comentar ainda a situação internacional do Brasil como „potência

emergente‟, parte de um grupo de países conhecido como BRIC (Brasil, Rússia,

Índia e China), que ainda que em desenvolvimento, são considerados por diversos

analistas como futuras potências, por conta de suas grandes populações,

disponibilidade de recursos naturais e economias relativamente diversificadas e

organizadas, entre outros fatores.

As dificuldades de acesso ao sistema encontradas por países em

desenvolvimento não afetam da mesma maneira essas nações, que podem melhor

beneficiar-se das possibilidades trazidas pelo mecanismo.

Países do BRIC (com a notável exceção da Rússia, que não faz parte da

OMC), de acordo com Schimanski (2006, p. 104), “podem ter baixa renda per capita,

mas buscam defender seus interesses nos litígios (pelo menos de forma mais efetiva

do que os outros) por causa da escala de suas economias. Eles possuem maior

participação comercial que os permite mobilizar os recursos necessários para dispor

do sistema legal”.

Verifica-se, portanto, que a significativa pujança da economia brasileira

proporciona os recursos necessários para defender adequadamente seus interesses

comerciais no OSC, tendo o país capacidade para resistir aos custos e pressões que

são usualmente entraves a participação das nações em desenvolvimento. Em

conjunto com a questão do modelo econômico comentada acima, conclui-se que o

Brasil tem os meios e os motivos para participar ativamente do sistema de solução

de controvérsias.

Ainda no campo internacional, outro estímulo a contar-se dentro das razões

que concorrem para a relevância do assunto para o Brasil é o próprio fortalecimento

do multilateralismo e dos meios pacíficos de negociação, fenômeno que pode ser

68

verificado desde o fim da Segunda Guerra Mundial (como no caso do GATT) e que

se tornou ainda mais presente após o fim da Guerra Fria, com a criação da OMC.

Nesse cenário, nota-se uma institucionalização dos conflitos, caracterizada

pela obediência a procedimentos pré-determinados quando do surgimento de

alguma controvérsia e que busca impedir a imposição da parte mais forte sobre a

mais fraca. Consequentemente há uma maior previsibilidade no direito internacional,

o que é indispensável num mundo interdependente. Potências médias, como o

Brasil, tendem a beneficiar-se com a existência e o cumprimento de regras que

tenham por objeto a solução pacífica de conflitos internacionais. (THORSTENSEN e

JANK, 2005)

Com isso, o foco no multilateralismo, característica intrínseca à diplomacia

brasileira, enquadra-se no cenário contemporâneo de fortalecimento de instituições

internacionais e solução de conflitos por meio de tais organismos.

5.1.1 O Brasil e a construção do sistema

A criação do sistema de solução de controvérsias da OMC e de seu aparato

organizacional quando da Rodada Uruguai, assunto abordado em item específico no

capítulo anterior, contou também com a participação brasileira.

Quando do início das negociações da rodada, ainda nos anos 80 e mesmo

durante as mesmas, a posição brasileira esteve dividida em relação a duas

diferentes linhas de atuação para a reforma do sistema do GATT, vigente até o

momento. O mesmo debate ocorria também em outras nações em desenvolvimento.

A primeira tomava como ponto de partida o fato de que o sistema é, em última instância, garantido pelo instituto de retaliação („retirada de concessões equivalentes‟). Haveria, em decorrência, uma assimetria intrínseca no sistema em decorrência do poder retaliatório muito superior das grandes potenciais comerciais. Dessa forma, maiores automatismos e jurisdicionalização do sistema criariam constrangimentos poderosos a eventuais descumprimentos das normas por parte de países de menor peso comercial, enquanto os países maiores pouco teriam a temer. (COZENDEY, 2007, p. 8-9)

69

Essa linha de pensamento pregava, em outras palavras, que um sistema de

viés jurídico e com seguimento automático de fases seria prejudicial às nações mais

pobres.

O motivo estava no mecanismo de retaliação. Para os defensores de tais

idéias, a capacidade retaliatória das maiores nações pressionaria as menores a

cumprirem as regras da organização, ao passo que seu pequeno poder para impor

represálias levaria as grandes nações a desrespeitar as normas internacionais sem

muito temer as consequências.

Uma segunda visão afirmava que justamente por conta de seu poder

retaliatório díspar, as grandes potências seriam as grandes beneficiadas com um

sistema de solução de controvérsias fraco. Para os defensores dessa teoria,

fortalecer o sistema multilateral serviria para conter o ímpeto das maiores nações,

que, contidas pelas amarras da lei internacional, não agiriam constantemente de

maneira unilateral. (COZENDEY, 2007)

A despeito de algumas oscilações durante os anos de negociações, essa

segunda visão acabou por prevalecer, guiando os diplomatas brasileiras em sua

participação na construção do sistema. O principal motivo, como já comentado no

capítulo anterior, está no desejo de evitar o unilaterismo da política comercial dos

Estados Unidos.

Tal temor era alimentado pela existência da chamada „Seção 301‟, parte do

Trade Act de 1974, ato legal que trazia diretrizes para as negociações comerciais do

país. Essa seção, de acordo com Valls (1997, p. 9), “[...] permite que o Executivo

norte-americano implemente medidas de retaliação contra parceiros que dificultem a

entrada de produtos, serviços ou investimentos oriundos dos Estados Unidos em

seus mercados.”

Ou seja, a Seção 301 possibilitava à época uma rápida ação retaliatória por

conta do governo americano, sem ter de enfrentar discussões no poderoso

congresso do país. Com tão polêmica medida estando em vigor durante a Rodada

Uruguai, o Brasil, assim como outros negociadores, passou a defender um sistema

forte, capaz de bloquear a imposição de ações unilaterais, o que marcou sua

participação nas discussões.

70

5.1.2 Indicadores da participação brasileira

Após abordar diversos fatos, conceitos e procedimentos, o presente trabalho

tratará no subitem a seguir de apresentar indicadores, números da atuação brasileira

junto ao sistema de solução de controvérsias, de modo a aprofundar o estudo

realizado até o momento.

O OSC, e por conseqüência os indicadores que dele derivam, acaba por ser

“[...] um termômetro que revela o comportamento de cada ator perante o regime

internacional de comércio criado pela OMC. (LUCENA, 2006, p. 121)

Dito isso, serão apresentados a seguir cifras e dados referentes à

participação do Brasil no OSC, com os quais objetiva-se estudar aspectos dessa

atuação do país frente ao órgão, como a representatividade da nação do sistema,

quem são os interpelantes do Brasil e quem é por ele interpelado, entre outros

pontos.

Em relação ao total de casos que contaram com participação brasileira de

forma direta, contam-se até agosto de 2009 um total de 38 contenciosos nos quais o

país marcou presença, sendo em 24 deles demandante. Em outros 14, o Brasil

esteve na condição de demandado. (OMC, 2009f)

Frente aos 397 casos registrados até o momento pelo OSC, a atuação

brasileira atinge um percentual de quase 10%, bem superior aos valores de

aproximadamente 1% que marcam a participação brasileira na corrente de comércio

internacional.

Índice ainda mais expressivo é o referente aos contenciosos em que o Brasil

atuou como terceiro, juntando-se às discussões após seu início. Até o momento,

contam-se 49 disputas em que o país esteve em tal condição, perfazendo um total

de 87 contenciosos com envolvimento brasileiro. (OMC, 2009f)

Essa última cifra, que representa mais de 20% do conjunto de litígios levados

ao âmbito da OMC, é um primeiro indicativo numérico da atenção que as disputas na

organização recebem por parte do governo brasileiro, sendo muito superior a

qualquer indicador geral da participação brasileira no comércio e na economia

internacional.

71

Como é natural supor, a despeito de sua representatividade no número total

de casos, o Brasil não é o país (ou bloco) líder no que se refere à quantidade de

contenciosos disputados, sendo, porém, superado por apenas três outros membros.

Superam o Brasil na contagem total de contenciosos com participação direta

até agosto de 2009 o Canadá, com 47 (sendo 32 como demandante e 15 como

demandado), os Estados Unidos, com a marca de 199 casos (sendo 93 propostos

pelos americanos e 106 requisitados contra medidas adotadas por eles) e a União

Européia, que como bloco envolveu-se em 146 contenciosos (na razão de 81 como

reclamante e 65 como reclamado). (OMC, 2009g)

Os números revelam uma „onipresença‟ de americanos e europeus nas

disputas dentro do OSC. Levando-se em conta os 50 litígios estabelecidos entre

ambos, as duas maiores economias do mundo participaram de 295 contenciosos,

excluindo-se desse cálculo os momentos onde atuaram apenas como terceiro.

Com isso, verifica-se que ao menos um dos dois esteve presente em

praticamente três quartos dos quase 400 casos que conta até o momento o sistema

de solução de controvérsias da OMC.

Uma razão óbvia para essa maciça participação de americanos e europeus

no OSC está na própria pujança de suas economias. Somadas ambas alcançam, em

números de 2008, cerca de US$ 32 bilhões, o que representa pouco mais da metade

do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. (CIA, 2009)

Com tais números, é fato notório que quaisquer medidas adotadas pelos

Estados Unidos e pelo bloco europeu têm repercussão em escala global, e por conta

disso, são naturalmente mais passíveis de contestações.

Outro ponto relacionado está nas possibilidades de acesso ao OSC. Como

comentado em item anterior quando da apresentação inicial da importância do

sistema para o Brasil, há uma série de entraves para a participação de países em

desenvolvimento, o que não se verifica no caso das nações desenvolvidas,

especialmente no que diz respeito às maiores.

Tais países, como recorda Schimanski, (2006, p. 103) “[...] são muito bem

equipados com recursos humanos, são bem amparados com informações de setores

privados e possuem uma rede mundial de representações comerciais e diplomáticas

que alimentam seus sistemas com informações relevantes.”

Com isso, os Estados Unidos e a União Européia têm uma capacidade muito

superior de identificar possíveis violações de acordos da OMC que contrariem seus

72

interesses, o que somado com seu poderio econômico e técnico, possibilita a

abertura e manutenção simultânea de uma série de contenciosos, algo impossível às

menores nações. Verifica-se ainda, em determinados casos, um certo desinteresse

de ambos pela fase de consultas, de modo a forçar países que não possuem as

condições necessárias para atuarem de modo adequado frente ao painel a

aceitarem acordos não muito vantajosos e encerrarem ali a questão.

Retornando aos números, a Figura 2 apresenta a participação de algumas

das maiores economias em desenvolvimento, de modo a permitir a comparação de

suas atuações no sistema com a brasileira.

Figura 2 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os contenciosos de uma seleção de países até agosto de 2009.

Fonte: www.wto.org

Nota-se que os números são quase semelhantes, com a Índia, por exemplo,

tendo o mesmo número de contenciosos que o Brasil. Uma diferença a se verificar é

o fato de o Brasil estar à frente dos demais (com exceção do México) no que se

refere à razão entre casos como demandante e demandado. A Índia, com igual cifra

de litígios, teve que se defender em seis ocasiões a mais que o Brasil.

Caso aparte é o da China. Sua inferioridade no indicador deve-se

especialmente à entrada tardia na organização, mas desde que ingressou na OMC

vem se tornando um dos mais ativos participantes, devendo ser destacada a

73

expressiva diferença a favor do número de casos em que esteve citado como

demandado frente aos que foi o demandante.

Conclui-se com o gráfico que o Brasil mantém-se a par com outras

importações nações emergentes, que também vem utilizando o sistema de solução

de controvérsias da OMC de forma constante.

Voltando a restringir o estudo apenas à participação brasileira, a Figura 3

mostra quem foram os adversários que se opuseram ao Brasil nos 38 contenciosos

em que o País se envolveu.

Figura 3 - Gráfico desenvolvido pelo autor apontando as partes contrárias dos contenciosos

brasileiros Fonte: www.wto.org

Como era de se esperar, tanto pela onipresença americana e européia no

OSC exposta anteriormente quanto pelo fato de serem ambos os principais

aplicantes e mantenedores de medidas comerciais contrárias aos interesses

brasileiros, verifica-se com o gráfico que as duas maiores economias do mundo

estão presentes na grande maioria dos litígios do país.

Até o momento, os 24 contenciosos que dividem europeus e americanos (16

com o Brasil como reclamante) perfazem um percentual de mais de 60% do total

disputado pelo Brasil, cifra inferior à sua participação global dentro do sistema, mas

igualmente expressiva.

74

Em relação ao Canadá, seus quatro casos estão relacionados à disputa sobre

o setor aeronáutico, que será abordada em item próprio. Os contenciosos com a

Argentina referem-se a medidas antidumping e salvaguardas comuns nos

recorrentes conflitos comerciais entre ambos dentro do Mercado Comum do Sul

(MERCOSUL).

Seguindo com a apresentação dos indicadores da participação brasileira, a

Figura 4 mostra quais foram os aspectos comerciais presentes nos contenciosos

propostos pelo Brasil, ou seja, em quais temas estão as controvérsias que levaram a

diplomacia brasileira a recorrer ao sistema

Figura 4 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os aspectos comerciais contestados pelo Brasil nos contenciosos em que atuou como interpelante.

Fonte: www.wto.org

Apesar da diversidade de temas tratados pelo país em seus contenciosos, o

gráfico demonstra a importância de dois deles dentro da estratégia comercial

brasileira. Ações contra medidas antidumping e subsídios representam a metade dos

24 litígios disputados pelo Brasil na condição de interpelante.

75

Tal fato está em consonância com os objetivos do país nas discussões

multilaterais de comércio, nas quais a redução e o controle sobre essas práticas

comerciais estão no cerne da atuação brasileira.

Destaque ainda para outras duas medidas. A ação de emergência sobre a

importação de determinados produtos e o tratamento nacional sobre taxação interna

e regulamentação foram objeto de um quarto dos contenciosos disputados pelo

Brasil, sendo mais uma clara evidência da importância outorgada pela diplomacia ao

acesso a mercados por parte dos produtos brasileiros.

Finalmente, a Figura 5 apresenta o cenário contrário, trazendo os aspectos da

política comercial brasileira que são contestados por outros membros da OMC no

sistema de solução de controvérsias.

Figura 5 – Gráfico desenvolvido pelo autor com os aspectos comerciais contestados pelos demais membros da OMC nos contenciosos em que o Brasil atuou como interpelado.

Fonte: www.wto.org

Ao contrário do que foi demonstrado no gráfico anterior, no que se refere aos

aspectos da política comercial brasileira contestados no âmbito do OSC, a questão

dominante é o tratamento nacional sobre taxação interna e regulamentação, que

embora também relacionado ao acesso a mercados, remete-se mais a políticas

76

internas do país, como a regulamentação interna de determinados setores e os

tradicionais tributos elevados cobrados dentro do país.

Os subsídios e medidas antidumping, temas dominantes entre os

questionados pelo Brasil têm participação significamnte menor nesse caso, sendo

mais relacionados a questões pontuais do que a alguma política comercial que

utilize tais mecanismos de forma deliberada e constante.

Os números acima expostos permitem traçar um panorama da ação brasileira

no OSC e serão, em conjunto com outros dados presentes no corrente capítulo,

abordados quando das conclusões sobre a relação entre o país e o órgão.

5.1.3 Contenciosos com participação direta do Brasil

Com exceção dos contenciosos com o Canadá, que serão abordados

separadamente, o corrente subitem discorrerá sobre as disputas no sistema de

solução de controvérsias da OMC onde o Brasil participou, tanto na condição de

demandante como na de demandado, apresentando-os e trazendo algumas

informações acerca dos mesmos.

Iniciando as ponderações, vale notar que, como afirma Cozendey (2007, p. 9),

“uma vez concluída a negociação e modificado o sistema com a entrada em vigor do

Acordo sobre a OMC, em 1995, o Brasil passou a utilizar-se decididamente de seus

instrumentos”.

Tal constatação pode ser comprovada com o fato de que a primeira

participação brasileira ocorreu apenas quatro meses após o início das atividades do

OSC, com o país apresentando queixa contra os Estados Unidos em relação a

medidas ambientais americanas referentes à gasolina.

Esse contencioso, que foi apenas o quarto da história da organização, foi

unificado com uma demanda semelhante realizada pela Venezuela e resultou em

ganho de causa para o Brasil, com os americanos adequando sua legislação de

acordo com relatório do Órgão de Apelação.

77

Seguiram-se dois casos (numerados de acordo com a ordem cronológica

adotada pela organização como DS22 e DS30), nos quais o Brasil foi interpelado

por, respectivamente, Filipinas e Sri Lanka.

No primeiro, onde os filipinos contestaram direitos compensatórios aplicados

pelo Brasil a importações de coco ralado com origem no país asiático, após

intervenção do painel e do Órgão de Apelação, a argumentação brasileira foi aceita

e as medidas aceitas. No segundo, onde os cingaleses apresentaram demanda

sobre o mesmo assunto, nem houve formação de painel, com o reclamante

desistindo do processo logo na fase de consultas.

Em 1996, numa questão que resultou em quatro contenciosos (DS51, 52, 65

e 81), um grupo de países desenvolvidos questionou “sob o Acordo sobre Medidas

de Investimento Relacionadas ao Comércio (TRIMs), dispositivos do regime

estabelecido pelo Governo brasileiro para estimular o estabelecimento de

montadoras de automóveis no país”. (MRE, 2008, p. 24)

Os quatro litígios acabaram por resolver-se sem necessidade de abertura de

painéis, com as consultas definindo quotas tarifárias que encerraram as disputas

naquele momento.

O ano de 1997 marcou a primeira de uma série de disputas entre o Brasil e as

nações desenvolvidas (notadamente Estados Unidos e União Européia)

relacionados a barreiras impostas contra produtos agropecuários que afetaram

sobremaneira os interesses brasileiros.

O caso em questão (DS69) tinha como objeto de controvérsia a

administração de quotas tarifárias européias em relação à carne de frango

congelada e exigências feitas aos produtores do setor para obterem licenças

necessárias ao ingresso no mercado comunitário.

O painel, em decisão confirmada pelo Órgão de Apelação, deu ganho de

causa parcial a ambas as partes. Por um lado, concordou com os europeus na

distribuição da quota entre diferentes países e na questão das licenças. Por outro,

aceitou a argumentação brasileira no que se refere ao „preço de referência‟ adotado

pelo bloco para o cálculo da sobretaxa às importações do produto. (MRE, 2008)

As negociações para adequação do expediente à resolução do OSC foram

bem-sucedidas e o caso terminou nesse momento, sendo apenas o início das

disputas relativas ao setor agropecuário.

78

Nesse sentido, após uma breve disputa (DS112) resolvida na fase de

consultas em que o Brasil questionou o modo como o Peru investigava possíveis

subsídios brasileiros às exportações de ônibus, surgiu um contencioso (DS154), ao

qual outro no mesmo sentido (DS 209) posteriormente unificou-se ao primeiro.

A razão de ambos os litígios residia no fato de que medidas „antidrogas‟ da

União Européia estavam afetando às exportações de café brasileiras, privilegiando a

produção de países onde se buscava substituir a cultura de narcóticos. O painel

chegou a ser aberto, mas um acordo entre as partes, através de mecanismos que

permitiram ao produto brasileiro recuperar o mercado que possuía anteriormente,

encerraram a disputa antes que os painelistas publicassem suas resoluções.

Retornando aos casos em que o Brasil esteve na condição de demandado, os

anos de 1998 e 1999 trouxeram dois rápidos litígios com a União Européia

referentes, respectivamente, a medidas adotadas pelo Brasil para contratação de

câmbio na exportação (DS116) e questões referentes a licenças de importação e

procedimentos de valoração aduaneira brasileiros (DS183). Em ambos, os europeus

declinaram da possibilidade de requerer a abertura de painel.

O ano 2000 marcou o primeiro contencioso (DS 190) com seu principal sócio

no MERCOSUL, a Argentina. A controvérsia tinha origem na aplicação de

salvaguardas transitórias aplicadas pelo país vizinho sobre exportações brasileiras

de têxteis. Após recomendações de um organismo setorial e de decisão semelhante

de mecanismos do bloco econômico de que ambos são membros, a Argentina

acabou por retirar as medidas antes da efetiva criação do painel.

No ano seguinte, o Brasil contestou direitos antidumping aplicados pelos

argentinos sobre a importação de carne de aves. O país entendeu que tais direitos,

assim como a investigação que resultou em sua adoção, poderiam ser incorretos e

baseados em procedimentos errôneos, incompatíveis com as obrigações da

Argentina em relação a vários artigos do acordo correspondente. (OMC, 2009h)

O caso (DS 241) se desenrolou por dois anos, por conta de suspensão dos

trabalhos do OSC para que as partes voltassem a discutir a possibilidade de acordo,

o que não se materializou. Por fim, o painel decidiu a favor do Brasil.

Após dois breves contenciosos com Turquia (DS208) e México (DS 216),

ambos sobre medidas antidumping e com resolução logo na fase de consultas, um

litígio de notável importância (DS217), com vários „co-demandantes‟ e contando

ainda com a participação de outros membros na condição de terceiros, opôs o Brasil

79

aos Estados Unidos em relação a uma medida de compensação por dumping e

subsídios adotada pelos americanos no ano 2000, a chamada Emenda Byrd.

Esse polêmico ato legal previa, à época, “[...] que recursos decorrentes da

aplicação de direitos compensatórios e de antidumping sejam distribuídos às

empresas que tenham peticionado a abertura de investigações contra concorrentes

estrangeiros (antes da aprovação da Emenda, os recursos recolhidos iam para a

conta do Tesouro dos EUA). (MRE, 2008, p. 12-13)

Ou seja, os produtores americanos, além de contarem em seu próprio

mercado com a proteção das medidas aplicadas contra os produtos estrangeiros,

ainda receberiam os recursos das mesmas, o que os beneficiaria tanto em seu país

quanto em eventuais exportações.

Contencioso de longa duração, o DS217 envolveu praticamente todos os

procedimentos previstos pelo ESC, com vários dos co-demandantes (incluindo o

Brasil) requisitando autorização para retaliações, diante da manutenção da medida

por parte dos americanos mesmo após resolução do Órgão de Apelação contra a

Emenda.

Alguns dos reclamantes efetivamente adotaram medidas retaliatórias, atitude

não compartilhada pelo Brasil. Em 2006, por fim, o governo americano concordou

em revogar a medida, com o ato que personificou tal decisão tendo efeitos a partir

de setembro do ano seguinte.

No ínterim entre o primeiro litígio com a Argentina e a breve disputa com a

Turquia, o Brasil foi demandado por duas vezes pelos Estados Unidos e outra pela

União Européia (o já comentado DS 183), em três contenciosos de curta duração

cuja resolução se deu logo na fase de consultas.

O primeiro desses dois pleitos com os americanos (DS 197) versava “sobre

supostos procedimentos de licenciamento não-automático e de valoração aduaneira

adotados pelo Brasil. Na prática, as consultas circunscreveram-se à valoração

aduaneira.” (MRE, 2008, p.23)

Satisfeitos com as respostas brasileiras durante a etapa de consultas, o

governo americano preferiu encerrar o caso, o que não ocorreu no segundo caso

(DS199), ocorrido também em 2000, e relacionado a medidas referentes à proteção

patentária, matéria que se enquadra nos supracitados „Temas de Cingapura‟, que

opõem, entre outros, brasileiros e americanos nas negociações da Rodada Doha,

iniciadas no ano seguinte ao contencioso.

80

No caso em questão, os americanos constestavam o conceito brasileiro de

„exploração local‟, que era um requisito para a concessão de direitos exclusivos de

patente. Para eles, tal termo era inaplicável a produtos importados. Nesse sentido,

notaram que esse requisito estipulava que era necessária uma licença compulsória

se o produto não fosse fabricado em território nacional, o que, de acordo com sua

argumentação, violava artigos do TRIPS. (OMC, 2009i)

Vale notar que à mesma época o Brasil ingressou com pedido de consultas

(DS224) contra os americanos contra aspectos do Código de Patentes dos Estados

Unidos que considerava discriminatórios.

Esse segundo litígio foi encerrado em 2001 durante negociações bilaterais

que trataram de ambos os casos. Em relação ao DS199, “concordou-se com a

retirada do painel em troca do compromisso de que eventuais casos de licença

compulsória afetando empresas norte-americanas seriam previamente notificados

pelo Brasil [...].” (MRE, 2008, p. 23)

O ano 2000 trouxe ainda mais dois contenciosos com o Brasil como

reclamante. O DS218, em relação a medidas compensatórias produtos siderúrgicos

aplicadas pelos EUA acabou por durar pouco, com o país desistindo de continuar

com a disputa.

Já o DS219, que envolveu medidas antidumping estabelecidas pela União

Européia contra a empresa catarinense Fundação Tupy passou por todo o

procedimento do OSC, mas os resultados finais não foram muito animadores, com

apenas uma pequena redução na margem de dumping cobrada à empresa em

questão.

Em 2001, ademais do supracitado DS241 com a Argentina, surgiram mais

dois litígios, um com o Brasil como demandado (DS229), outro como demandante

(DS239).

O primeiro, requisitado pela Índia por conta de direitos antidumping aplicados

contra sacos de juta oriundos daquele país acabou rapidamente, logo na fase de

consultas, com a Índia aceitando a argumentação brasileira.

O segundo assemelha-se com o DS219, desta feita com os Estados Unidos

como parte oposta. Nesse caso, o que foi questionadom pelo Brasil foram aspectos

de medidas antidumping aplicadas contra a Companhia Brasileira Carbureto de

Cálcio (CBCC).

81

Após realizadas as consultas, a empresa decidiu proceder de forma própria,

através de contatos diretos com parceiros e autoridades comerciais americanas,

tendo, em 2003, informado que os objetivos que possuía na questão haviam sido

atingidos. (MRE, 2008)

Período pródigo para a participação brasileira no OSC foi 2002. Nada menos

do que cinco contenciosos foram requisitados pelo Brasil entre março e outubro

desse ano. Ou seja, apenas nesses sete meses registraram-se pouco menos de um

quarto de todos os litígios que tiveram o Brasil como demandante nos quase 15

anos de existência do sistema de solução de controvérsias da OMC. Outro fator que

deve ser considerado é a repercussão e importância que atingiram alguns desses

casos.

Um exemplo pode ser encontrado logo na primeira disputa. O DS250 opôs

Brasil e Estados Unidos em relação à Equalizing Excise Tax – EET (em tradução

livre, taxa de exceção para equalização), imposto cobrado pelo governo estadual da

Flórida sobre derivados de laranja importados.

A EET equivaleria à Florida Box Tax, aplicada sobre as laranjas produzidas no estado, e teria o objetivo de eliminar qualquer vantagem que o produto estrangeiro poderia usufruir por não estar sujeito à taxa local. A cobrança do EET, [...] constituía violação de dispositivos do GATT 1994, notadamente no que diz respeito ao princípio do tratamento nacional (Artigo III), uma vez que a renda auferida era utilizada para promoção exclusiva do suco de laranja da Flórida. (MRE, 2008, p.17)

Considerando-se prejudicado pela EET, já que o suco de laranja é um dos

principais produtos da pauta de exportação do país para os EUA, o governo

brasileiro ingressou com o pedido de consultas, ao qual se seguiu requerimento para

abertura de painel.

Esforços bilaterais, no entanto, encerraram a questão antes da publicação do

relatório do painel. O Legislativo da Flórida aprovou emenda que tornava obrigatório

o pagamento de apenas um terço da EET e permitindo ainda aos exportadores que

objetem a possibilidade de que os recursos recolhidos sejam usados para os fins

anteriormente verificados. (MRE, 2008)

O DS259 envolveu por mais uma vez o setor siderúrgico, desta vez com o

questionamento de salvaguardas aplicadas pelos americanos. O painel requisitado

pelo Brasil acabou por ser unificado com os pedidos por outros sete membros. Com

82

o ganho de causa outorgado aos oito co-demadantes sendo ratificado pelo Órgão de

Apelação, os Estados Unidos retiraram as medidas contestadas.

O terceiro dos contenciosos de 2002 foi o DS266, contra subsídios à

exportação de açúcar aplicados pela União Européia. A ação brasileira não

procurava abrir o mercado europeu ao açúcar produzido no país, demandando o

cumprimento das obrigações estabelecidas para o setor na Rodada Uruguai e a

redução do impacto das políticas do bloco no mercado internacional. Tais políticas

distorcem o mercado, tanto por diminuírem artificialmente os preços quanto por

deslocarem as exportações de terceiros países. (MRE, 2008)

Caso também de grande repercussão, o DS266 contou com a participação de

25 outros membros da OMC na qualidade de terceiros, com dois deles (Tailândia e

Austrália) apresentando demandas semelhantes contra a União Européia.

O bloco concordou, por fim, em reformar suas políticas de acordo com as

recomendações trazidas pelo painel e pelo Órgão de Apelação, com os três

demandantes mantendo desde então reuniões periódicas para monitorar a real

aplicação das resoluções.

O penúltimo litígio do ano, iniciado em setembro de 2002, ocupa posição

especial dentro do rol de 38 casos que compõem a participação brasileira no OSC.

O contencioso contra os Estados Unidos em relação a subsídios aos produtores de

algodão daquele país se desenrola ainda hoje, com sua importância mantendo-se

alta desde esse momento, por motivos que vão desde a força do setor no mundo em

desenvolvimento até o arraigamento da produção algodoeira na cultura de algumas

regiões americanas, notadamente o sul do país.

A instauração do processo foi solicitada junto à OMC pelo governo brasileiro, que questionou a compatibilidade dos vários subsídios norte-americanos à produção, comercialização e exportação de algodão com as normas da organização que versam sobre a utilização dos subsídios agrícolas. O Brasil alegava que tais práticas estavam prejudicando sua participação (e de outros países produtores) no cenário internacional (Schimanski, 2006, p.21)

Processo com diversas polêmicas e discussões que exigiriam, para seu

correto estudo, uma apresentação bem maior do que a esse trabalho se propõe a

realizar, o caso continua até os dias atuais, com o OSC definindo, em 31 de agosto

do corrente ano os valores para que o Brasil imponha sua retaliação aos Estados

Unidos.

83

Encerrando os contenciosos abertos em 2002, o DS269 é mais um litígio

envolvendo produtos agropecuários, nesse caso frango congelado. Tendo a União

Européia como demandante, a disputa tem como razão a reclassificação aduaneira

por parte dos europeus de alguns cortes da carne de frango.

É importante levar em conta que “a mudança na classificação tarifária

significou alteração no direito aduaneiro cobrado das importações do produto de

15,4% „ad valorem’ para 1024 Euros/tonelada, cerca de 70% ‘ad valorem’.” (MRE,

2008, p.10)

Esse brutal aumento das tarifas de importação, causado por um simples ato

burocrático de reclassificação no equivalente europeu da Nomenclatura Comum do

MERCOSUL (NCM) resultou, naturalmente, prejuízos e revolta entre os produtores e

o governo brasileiro.

Quanto aos prejuízos, entidades setoriais apontam que por força da medida

as exportações brasileiras do produto diminuíram em cerca de 80%, com perdas de

US$ 125 milhões já no primeiro semestre de 2003. Anualmente, as exportações não

realizadas poderiam atingir a marca de US$ 350 milhões. (MRE, 2008)

Após o Brasil e a Tailândia (que apresentou demanda similar) receberem

ganho de causa no painel e no Órgão de Apelação, a União Européia, no último dia

do prazo que tinha para adotar as recomendações, retomou à antiga classificação

aduaneira dos cortes de frango em questão, objetivo do Brasil no caso.

Após um ano tão ativo seria natural supor que nos seguintes a diplomacia

brasileira dedicou-se mais a administrar os contenciosos já existentes do que a

propor novos. E foi efetivamente isso o que ocorreu, com o próximo litígio criado por

iniciativa brasileira surgindo apenas em 2007.

Nesse intervalo, o país foi por duas vezes interpelado, uma pela União

Européia (DS332), outra pela Argentina (DS355). As controvérsias tiveram por

objeto, respectivamente, restrições brasileiras à importação de pneus reformados e

medidas antidumping referentes a alguns tipos de resinas.

O contencioso com os europeus, que se iniciou em 2005, esteve fortemente

ligado aos fatores ambientais, com o Brasil alegando como razão de suas medidas

que “a importação de pneus reformados acelera a geração de resíduos no país

importador, uma vez que pneus já submetidos a um processo de reforma não podem

ser reformados uma segunda vez” (MRE, 2009a, p. 3)

84

O país alegava que pelo fato de tais resíduos serem perigosos ao meio

ambiente e à saúde dos brasileiros, a medida era justificada e não feria acordos do

GATT. No aspecto legal, além da restrição em si, os europeus contestavam o fato de

ela não se aplicar ao produto oriundo de países do MERCOSUL.

O caso passou pelo painel e contou com a participação do Órgão de

Apelação, que divergiu de vários aspectos do relatório dos painelistas, que não

havia sido favorável ao Brasil. Esse último relatório não melhorou a situação do país.

Apesar de considerar justificada a questão ambiental alegada pelo Brasil, o

informe dos membros do órgão concluiu que a restrição foi arbitrária, já que havia

sido aplicada por meio de liminares e a exceção aos países do MERCOSUL

constituía ação discriminatória.

O Brasil decidiu adotar o relatório do Órgão de Apelação, sendo definido para

tal, por meio de um árbitro neutro, um prazo razoável de 12 meses. Pouco após o

fim desse prazo, as partes notificaram o OSC de que haviam atingido um acordo

sobre os procedimentos para implementação das decisões.

A disputa com os argentinos, que consideravam inconsistentes com acordos

do GATT tanto as medidas anidumping aplicadas quanto à investigação que resultou

em sua adoção, e que chegou a contar com a participação de um painel, foi

suspensa pelo governo portenho antes da primeira reunião com os membros desse

grupo, por conta de um acerto entre os países.

Deve notar-se que “a decisão argentina foi possível graças a acordo realizado

em consultas com as empresas envolvidas de ambos os países, o que permitiu a

suspensão dos direitos antidumping aplicados pelo Brasil em decorrência da

alteração das condições de mercado no âmbito do MERCOSUL.” (MRE, 2008, p. 21)

Esse acordo, que também suspendeu ações argentinas contra a resina

brasileira, marcou o fim desse que foi o último contencioso iniciado contra o país até

o presente momento.

Retornando aos litígios que têm o Brasil como demandante, os dois últimos

contenciosos a serem abordados nesse subitem tiveram como parte demandada os

Estados Unidos e envolveram produtos agropecuários, fato que conforme já

verificado, é comum nas disputas entre as duas nações no OSC.

O DS365, iniciado em 2007, está relacionado com subsídios domésticos

concedidos pelo governo americano à produção agrícola de seu país nos anos

anteriores.

85

O Brasil afirma que tais subsídios superam o limite de US$ 19 bilhões previsto

nos compromissos firmados pelos Estados Unidos no Acordo sobre Agricultura da

OMC, violando artigos desse documento. A iniciativa brasileira secundou demanda

semelhante apresentada pelo Canadá. (MRE, 2009b)

Com as consultas mostrando-se infrutíferas, os co-demandantes requisitaram

o estabelecimento de um painel, com o OSC criando um único grupo para ambos os

contenciosos. O caso continua em andamento, sem publicação de qualquer relatório

até agosto de 2009.

O mais recente contencioso proposto pelo Brasil é o DS382, cujo pedido de

consultas ocorreu em novembro de 2008 e, assim como o DS250, refere-se a

restrições impostas pelos Estados Unidos à importação de suco de laranja de

produção brasileira.

Nesse caso, a disputa não é contra uma medida adotada por um governo

estadual, tendo por objeto ações antidumping adotadas pelo Departamento de

Comércio do país. O Brasil contesta os métodos utilizados para calcular a sobretaxa

cobrada do produto brasileiro sob tal justificativa, que estariam inflando

artificialmente o valor a ser pago pelos exportadores brasileiros.

As consultas terminaram no dia 18 de junho de 2009 sem obtenção de acordo

entre as partes. Até o momento o Brasil não requisitou ao OSC a abertura de um

painel.

5.2 Contenciosos com o Canadá: O caso Embraer-Bombardier

Alguns contenciosos atingem um grau de interesse e uma repercussão que

por vezes extrapola os limites da disputa comercial em questão, chegando mesmo a

estremecer o todo das relações bilaterais dos litigantes.

Um exemplo disso está nos contenciosos entre Brasil e Canadá, que serão a

seguir apresentados, nos quais controvérsias referentes ao apoio concedido por

ambos os países a empresas do setor aeronáutico resultaram, em seu ápice, num

conflito diplomático entre os governos brasileiro e canadense.

86

Uma explicação inicial para a importância dos três litígios e do ímpeto

demonstrado pelos adversários na defesa de suas posições está no setor envolvido

nas disputas. Como afirma Amaral Júnior (2002, p.227) “[...] a produção de

aeronaves agrega valor de conteúdo tecnológico elevado e, como tal, ganha

conotação de atividade de interesse estratégico para o desenvolvimento”.

Esse caráter de atividade estratégica do qual se reveste o setor aeronáutico

tem sua origem não apenas no valor agregado à produção nacional pela alta

tecnologia aplicada, derivando também de alguns outros fatores.

Um desses fatores é a relação do setor com a questão da segurança

nacional, por conta da forte ligação da indústria aeronáutica civil com a militar. Outro

motivo é que a forte presença de alta tecnologia estimula o progresso técnico em

atividades complementares ou de alguma forma relacionadas. (PETRY, 2006)

Aos fatores acima podem ser somados outros, como os ganhos em geração

de empregos, muitos deles de alta qualificação e o incremento na arrecadação de

impostos. Além disso, o fato de tal indústria contar com produtos cujos preços

calculam-se na casa dos milhões limita o rol de possíveis clientes, o que, como

verificado no caso da Embraer, outorga ao setor uma forte natureza exportadora.

E é justamente essa questão das exportações, em conjunto com a

supracitada definição da produção aeronáutica como atividade estratégica pelos

governos que resultou nos contenciosos entre Brasil e Canadá no sistema de

solução de controvérsias.

Tal conjunto resultou na adoção de estímulos ao setor, contestados

posteriormente pela parte adversária. No caso brasileiro, a Embraer, recém-

privatizada, tinha à disposição o Programa de Financiamento às Exportações

(Proex), instrumento de apoio às exportações que, em sua modalidade „equalização‟,

se encaixava muito bem a seus interesses.

No caso de aeronaves, por se tratar de produto de alto valor unitário e cujo comércio internacional sempre foi amparado em financiamentos de longo prazo, o Proex operava em condições especiais. De posse de uma „carta de compromisso‟ do Banco do Brasil [...], a Embraer assinava o contrato de venda com a empresa compradora. Como é praxe nesses contratos, a companhia aérea encomendava determinado número de aparelhos [...] e se reservava o direito de encomendar um número adicional [...]. As entregas se estendiam por vários anos. Para realizar a aquisição, a companhia aérea compradora levantava os recursos necessários junto a uma instituição financeira e os juros cobrados por esta última eram em parte cobertos pelo Proex (3,8 pontos percentuais). (AMARAL JÚNIOR, 2002, P. 276)

87

Tal pagamento, feito às instituições internacionais que emprestaram dinheiro

aos clientes da Embraer, era realizado por meio de Notas do Tesouro Nacional

(NTNs) e considerado subsídio pelos canadenses, que não concordavam com a

posição brasileira de que o benefício destinava-se a „equalizar‟ a capacidade

competitiva internacional de sua empresa, dadas as taxas de juros registradas

quando o financiamento envolvia companhias brasileiras, usualmente superiores ao

que se verificava no caso de empresas de países desenvolvidos.

O Proex foi contestado pelo Canadá no primeiro contencioso (DS46) entre as

partes. Como motivação para o início do litígio, vale notar o crescimento da Embraer

em fatias de mercado outrora quase que monopolizadas pela canadense

Bombardier, em especial no caso dos chamados „jatos regionais‟, no qual a empresa

brasileira vencera recentemente uma concorrência com sua rival.

O processo iniciou-se em 1996, com o período de consultas durando mais do

que o previsto pelo sistema, por conta das várias negociações bilaterais na busca

por um acordo que encerrasse a controvérsia logo em seu início.

No primeiro ano, o Brasil adotou um perfil contemporizador, buscando evitar a

continuidade do contencioso, mas ao mesmo tempo, naturalmente, defendendo seu

programa e os interesses de sua empresa. Nessas conversas o país passa também

a por em pauta os incentivos concedidos pelo Estado canadense à Bombardier, com

o governo de Ottawa recusando-se a esclarecer seus programas.

A situação de impasse começou a tornar-se prejudicial aos interesses do

Brasil, já que era voz corrente que a Bombardier disseminava entre potenciais

compradores boatos de que a qualquer momento o Proex receberia veredito

condenatório, o que inviabilizaria a situação da Embraer no mercado. (AMARAL

JÚNIOR, 2002)

Com isso, o Brasil decidiu também requisitar junto ao OSC consultas com o

Canadá (DS70 e DS71) sobre os programas de apoio ao setor aeronáutico da nação

norte-americana. Vale notar, como afirma Morais (2009, p. 24) em uma reflexão

sobre o caso, que “[...] o Brasil batalhou tendo pela frente a expertise do Canadá

para discutir o programa brasileiro e ao mesmo tempo aplicar incentivos através de

organizações de fomento.”

Essa expertise residia no fato de seus programas serem muito mais sutis do

que o brasileiro, sendo necessário ao governo brasileiro intensa dedicação ao

estudo do caso, o que, por outro lado, aumentou o interesse e conhecimento do

88

Itamaraty em relação ao sistema de solução de controvérsias, algo que foi muito útil

em contenciosos subseqüentes.

Ainda em 1997, ano em que o Brasil iniciou seus primeiros contenciosos com

os canadenses, a vitória da Embraer em uma nova concorrência com a Bombardier

resulta em novos atritos entre as empresas, com a canadense afastando a brasileira

de um contrato referente à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que

estava sob sua coordenação.

Essa decisão esfriou ainda mais as relações entre os países, com o Brasil

informando, quando da visita do primeiro-ministro canadense, que estava

paralisando as conversas em relação a um acordo comercial entre o Canadá e o

MERCOSUL.

Foram designados então, numa última tentativa de resolver o caso sem a

interferência da OMC, dois mediadores, um de cada país, mas essa iniciativa não

atinge resultados e, em julho de 1998, o OSC acolheu pedidos de criação de painéis

de ambas as partes. No caso do Brasil, recorde-se que o contencioso que foi

mantido é o DS70, com o DS71, quase semelhante, tendo sido encerrado.

Um dos pontos destacados da argumentação brasileira é que o país não

discutia a natureza do Proex como subsídio, afirmando, porém, que o benefício não

poderia ser considerado como proibido, sendo compatível com o acordo da OMC

referente ao tema.

Nessa linha de raciocínio, o Brasil enfatizou que o Proex era um pagamento efetuado pelo governo para cubrir os custos que os exportadores ou instituições financeiras tinham na captação de crédito no exterior. De acordo com o Brasil, os pagamentos do Proex, [...] seriam proibidos apenas se fossem usados para assegurar vantagem material no campo de crédito à exportação. (LUCENA, 2006, P. 147-148)

Em outras palavras, o Brasil afirmava que o Proex tinha como propósito

apenas „nivelar‟ as condições de concorrência de suas empresas, prejudicadas pelos

juros maiores que financiamentos que as envolviam eram alvo no mercado

financeiro internacional e, portanto, não caracterizava „vantagem substancial‟.

Outro ponto defendido pelo Brasil era que, de qualquer modo, o artigo 27.4 do

Acordo de Subsídios permitia aos países em desenvolvimento manterem subsídios

anteriormente existentes por até oito anos após sua assinatura. Para beneficiar-se

de tal isenção, o Brasil tinha de comprovar que o volume total de subsídios à

89

exportação não havia aumentado desde a entrada em vigor do acordo. (AMARAL

JÚNIOR, 2002)

Uma terceira parte da argumentação era a questão de quando efetivamente

ocorria a prática de subsídio, se no momento da emissão da chamada „carta de

compromisso‟ ou após a entrega da aeronave, quando o Banco do Brasil emitia

NTNs para pagar as instituições internacionais que financiaram a operação.

As implicações práticas dessa questão eram gigantescas: uma vez associada a concessão do subsídio ao momento da carta de compromisso, como desejava o Brasil, uma eventual suspensão do programa significaria que nenhuma nova carta seria emitida, mas que isso em nada afetaria a emissão de NTN-Is para todas as aeronaves ainda por serem entregues, amparadas em contratos anteriores. Caso, entretanto, fosse o momento da emissão das Notas do Tesouro que caracterizasse a concessão do subsídio, a suspensão atingiria todas as entregas futuras, já que se fazia a emissão das Notas sempre pós-embarque. (AMARAL JÚNIOR, 2002, p. 286)

O relatório final dos contenciosos, após larga discussão envolvendo painel e

Órgão de Apelação acabou por ser desfavorável ao Brasil, com duas das teses

acima expostas sendo refutadas. A exceção foi a questão de quando o subsídio

efetivamente ocorria, com o Órgão de Apelação discordando do relatório do painel

ao aceitar a argumentação brasileira.

No DS70 o país obteve uma pequena vitória, com um dos programas

canadenses sendo também enquadrado como subsídio proibido, embora a

importância desse para a Bombardier fosse muito inferior à do Proex para a

Embraer.

Ambos os países realizaram mudanças pontuais em seus programas, que

não satisfizeram nenhuma das partes e devolveu o caso ao OSC, onde se seguiram

mais discussões, pedidos de retaliação e inclusive a abertura de um novo

contencioso por iniciativa brasileira sob basicamente o mesmo assunto, que resultou

também em autorização para retaliação (nenhuma das partes aplicou seu direito de

retaliar).

Esse trabalho não se propõe a abordar em detalhes o prosseguimento do

caso, que a rigor, não teve um final claro, com as empresas mantendo uma

rivalidade e forte concorrência no mercado internacional até os dias de hoje.

E é justamente esse fato a base da principal conclusão trazida quando da

análise dessa disputa. A manutenção e mesmo fortalecimento da posição de

90

destaque que a Embraer vinha adquirindo em seu segmento foi a maior conquista do

governo brasileiro.

A Embraer é hoje líder no segmento de jatos regionais comerciais, tendo

produzido e entregue, desde 1996, um número superior a 1000 aviões da linha ERJ

a mais de 37 companhias de 24 países (EMBRAER, 2009)

Esse resultado positivo, que auxiliou sobremaneira a Embraer a estar hoje

entre as maiores fabricantes de aeronaves do mundo demonstra muito do quão

importante para o país era a questão.

Para o Brasil não bastava obter sucesso nas negociações nem realizar

mudanças aceitas pelo OSC, era preciso garantir que a Embraer não perdesse

mercado para sua concorrente. Por isso o financiamento às exportações era

indispensável, pois através do Proex os preços da gigante brasileira podiam ser

reduzidos e sua competitivade aumentada. (LUCENA, 2006)

Conforme pode se notar no parágrafo acima e, de modo geral, no que foi

escrito nesse trabalho sobre o caso, a disputa Brasil-Canadá não deve ser entendida

no mesmo sentido de vários outros contenciosos da OMC, como um litígio entre um

país desenvolvido que subsidia suas indústrias e outro em desenvolvimento, que,

possuindo um produto naturalmente mais competitivo, é vítima de práticas desleiais

que distorcem o mercado a favor da nação mais poderosa.

No caso em questão, ambos os países subsidiaram fortemente suas

empresas (com o Canadá, talvez por conta de sua „experiência‟ na matéria, agindo

de maneira bem mais sutil) e, devido ao caráter estratégico do setor, as duas nações

efetivamente encamparam os interesses de suas empresas e transformaram uma

disputa privada em um conflito diplomático.

Outro fator que contribuiu para aumentar a importância do litígio foi que “a

disputa entre as duas empresas trouxe notoriedade ao caso, e a população

brasileira em geral passou a acompanhar o caso de perto.” (PETRY, 2006, p.112)

Tal fenômeno ocorreu especialmente quando do chamado „caso da vaca

louca‟, quando o Canadá impôs embargo à carne bovina brasileira, em um episódio

claramente relacionado à disputa no setor aeronáutico e causou grande indignação

no país em relação à nação norte-americana.

Por fim, o caso foi ainda o primeiro „grande contencioso‟ disputado pelo País

no sistema de solução de controvérsias da OMC, com sua repercussão podendo ser

91

considerada um estímulo e também um aprendizado para o Brasil em outros casos

vultosos disputados posteriormente.

5.3 Avaliação geral da participação brasileira no OSC

O primeiro item do presente capítulo abordou inicialmente a participação

brasileira junto ao sistema de solução de controvérsias da OMC, concedendo

especial ênfase à questão da importância que o mecanismo adquiriu para a

diplomacia brasileira.

De forma complementar, vale notar, como afirma Cozendey (2007, p.10), que

“ao longo da história da OMC, o Brasil tem mantido constante confiança no

mecanismo de solução de controvérsias e tem procurado valorizá-lo, certo de que se

trata de peça chave do sistema multilateral de comércio”.

Essa confiança é confirmada pelos indicadores, já apresentados e estudados

no presente trabalho, com o Brasil sendo o quarto membro com maior número de

contenciosos, somente atrás de gigantes econômicos como os Estados Unidos e a

União Européia e de outro país desenvolvido, o Canadá, com o qual, como visto

anteriormente, o país manteve ferrenhas disputas.

Esse caráter aguerrido é uma peça importante para o entendimento da

participação brasileira, notado principalmente após o pulso com os canadenses. Ao

ano de 2001, que pode ser considerado o ápice do conflito diplomático com o

governo de Ottawa por conta do „caso da vaca louca‟ e suas conseqüências, seguiu-

se uma frenética atividade nos 12 meses seguintes, com o Brasil requisitando a

abertura de cinco novos contenciosos, o que demonstra explicitamente como foi

nessa época que o sistema estabeleceu-se de forma clara entre as prioridades da

diplomacia brasileira.

Desde as resoluções referentes àquele conflito, o governo brasileiro esteve

certo de que o comércio internacional é uma arena em que cada país,

independentemente do grau de desenvolvimento de sua economia, tinha que

defender seus próprios interesses. (LUCENA, 2006)

92

Nesse sentido, a defesa dos interesses comerciais do País e de suas

empresas esteve no centro da atuação do Itamaraty junto ao sistema de solução de

controvérsias, suplantando outros fatores que poderiam ter recebido maior ênfase

por parte da diplomacia brasileira, como a questão política, tema de usual

importância no campo das relações internacionais.

Ainda que a participação no sistema seja também um ato de política

diplomática e seus desdobramentos e consequências tenham que ser estudados

também perante esse referencial, os principais elementos levados em conta pelo

Brasil na decisão de iniciar um contencioso têm sido o tamanho dos prejuízos

comerciais e a avaliação do caso em questão à luz das regras da OMC.

(COZENDEY, 2007)

Ou seja, ainda que seja precipitado desconsiderar os fatores políticos quando

são estudadas as intervenções brasileiras no OSC, o maior motivador da

participação do País no órgão tem sido, conforme trazido pelo autor, a defesa dos

interesses econômicos no cenário internacional.

Quanto a esse cenário internacional, vale notar a influência positiva que a

atuação brasileira junto ao sistema de solução de controvérsias da OMC traz à

imagem do País frente às demais nações.

O perfil ativo do Brasil no sistema trouxe, além dos ganhos comerciais concretos, elementos de prestígio que se traduzem em maior poder de barganha no contexto da OMC e em ganhos políticos importantes. O Brasil tornou-se respeitado por sua capacidade de acionar com sucesso o sistema de solução de controvérsias e, dessa forma, participação da conformação jurisprudencial do sistema multilateral de comércio. O Brasil passa assim a ser reconhecido como capaz de articular seus interesses e traduzi-los em formulações jurídicas, com impacto inegável sobre sua influência na negociação de novas regras. (COZENDEY, 2007, p. 14)

Mesmo que o autor seja um tanto quanto exagerado em sua análise e que a

imagem do país no mundo é um fator praticamente intangível, é fato que a

participação do país no OSC resultou num maior respeito ao país por parte da

comunidade internacional, principalmente no que se refere a questões comerciais.

Retornando ao estudo da participação brasileira em si, vale recordar que

ainda que o ímpeto de criação de novos contenciosos tenha arrefecido desde o

intenso ano de 2002, a importância do órgão junto aos formuladores da política

externa brasileira continua forte, até por conta das dimensões da economia do Brasil

93

e de sua pauta exportadora diversificada, cenário que torna controvérsias comerciais

algo natural.

Tal pensamento é complementado por Morais (2009, p. 29), que assevera

que “o tamanho da economia do Brasil o coloca entre as dez maiores do planeta;

isso determina que quanto mais acelerado e bem sucedido seja seu

desenvolvimento, maiores desafios comerciais deverá enfrentar [...].”

Ou seja, a atuação do Brasil no sistema de solução de controvérsias continua

e tende a ser cada vez mais complexa, com esse instrumento, a despeito de suas

debilidades, mantendo-se como uma ferramenta importante para a defesa dos

interesses comerciais brasileiros frente aos demais participantes do comércio

mundial.

94

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sendo o comércio mundial um negócio que movimenta todos os anos

vultosas quantias e envolve uma série de aspectos e detalhes, é natural que

ocorram desentendimentos, disputas entre os que dele participam. Nesse sentido, a

OMC tem em sua estrutura um órgão destinado especificamente a tentar resolver os

litígios comerciais que por ventura surjam entre seus membros, o Órgão de Solução

de Controvérsias.

Avaliar esse órgão e sua importância dentro do cenário comercial

internacional foi o objetivo geral pensado quando da pesquisa e desenvolvimento do

presente trabalho.

No trabalho realizado, foi possível identificar a intenção dos criadores do OSC

em instituir um sistema que fosse imparcial, respeitado e visto pelos participantes do

comércio mundial como capaz de propor soluções para as disputas recorrentes que

marcam a atividade.

Justamente nesse ponto se chega à comparação com o primeiro pressuposto

desse trabalho. Além da já supracitada questão da intenção do organismo em

resolver as controvérsias comerciais entre os membros da OMC, outros pontos

foram abordados. O pressuposto afirma que o sistema busca inicialmente o

entendimento entre as partes, com o trabalho demonstrando que a possibilidade de

um acordo entre os litigantes está aberta durante todo o processo e é estimulada

pelo próprio órgão.

Outro ponto a se comentar é a questão do „julgamento‟. É importante voltar a

citar aqui um dos pontos mais importantes para se entender corretamente o sistema,

que é a inexistência de um aparato executor das medidas propostas, com o OSC

não tendo poderes para intervir na soberania de seus membros, que são livres para

definir suas políticas comerciais.

Ainda no que se refere ao primeiro pressuposto, o trabalho abordou também

a instituição na qual se encontra o organismo alvo do estudo, de forma a possibilitar

o conhecimento do meio no qual se assenta o OSC, que é o sistema multilateral de

comércio, tratando de apresentar as origens da OMC, o acordo anterior e aspectos

da organização, de modo a fazer uma introdução à apresentação do órgão em si.

95

Quanto ao segundo pressuposto, o trabalho trouxe uma detalhada exposição

do funcionamento do órgão. Após comentar o modelo do GATT, importante para

entender a evolução do mecanismo de solução de controvérsias, versou sobre cada

uma das etapas previstas pelo acordo da OMC que trata do tema, o ESC,

destacando os procedimentos e prazos de cada uma delas, aprofundando

sobremaneira o breve resumo contido no pressuposto. Vale ressaltar a

apresentação dos dispositivos usados para conseguir a implementação das

resoluções do órgão, em especial a questão das retaliações e todo o processo

imposto para torná-las o último recurso a que o sistema recorrerá.

No que se refere ao terceiro pressuposto, o trabalho dedicou espaço às

avaliações realizadas a respeito do sistema, trazendo pontos positivos, como, por

exemplo, a real possibilidade de sanções aos países que desrespeitarem as regras

internacionais, o que é importante para manter a força de tais normas, sem deixar de

abordar as críticas feitas ao órgão.

No mesmo sentido, o trabalho, ao apresentar os contenciosos que contaram

com participação brasileira, abordou também a importância da aplicação dos

procedimentos do OSC em casos específicos, trazendo, consequentemente, a

repercussão para o país dos resultados de tais disputas.

Com tudo o que foi exposto no trabalho, pode concluir-se, que a despeito de

suas limitações e da necessidade de aperfeiçoar uma série de seus aspectos, o

Órgão de Solução de Controvérsias é uma ferramenta importante para garantir a

aplicação das regras da OMC e que mesmo com sua relativamente breve existência,

já é peça consolidada dentro do sistema multilateral de comércio.

Como forma de aprofundar o que foi abordado no presente trabalho, sugere-

se o estudo detalhado de um contencioso específico, identificando-se o desenrolar

das etapas previstas pelo ESC e a repercussão e implementação das resoluções

publicadas pelo órgão.

96

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ASSINATURA DOS RESPONSÁVEIS

Nome do estagiário Márcio Ribeiro Borges

Orientador de conteúdo Profª Drª Joana Stelzer

Responsável pelo Estágio Profª. Natalí Nascimento