monografia isabella roxo.pdf
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
FACULDADE DE DIREITO
ISABELLA ROXO DA SILVA
PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO
TRABALHISTA
Niterói
Março de 2016
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
ISABELLA ROXO DA SILVA
PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO TRABALHISTA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para a
obtenção do grau de Bacharel em Direito.
ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos
Niterói
Março de 2016
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direito
S586
Silva, Isabella Roxo da
Provas ilícitas: aplicabilidade no processo trabalhista/ Isabella Roxo da Silva
– Niterói, 2016.
59 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) –
Universidade Federal Fluminense, 2016.
1. Processo trabalhista. 2.Provas ilícitas. 3. Ponderação de interesses. 4.
Direitos fundamentais. 5. Princípio da proporcionalidade. I. Universidade
Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável II.
Título.
CDD 342. 68
ISABELLA ROXO DA SILVA
PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO
TRABALHISTA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau
de Bacharel em Direito.
Aprovada em Março de 2016.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Dra. Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos – Orientadora
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Profª. Ma. Jurema Schwind Pedroso Stussi
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Profª. Ma. Simone Cortes Belfort
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
RESUMO
O direito probatório exerce papel de extrema importância no ordenamento jurídico,
atendendo ao principal objetivo da jurisdição que é a resolução dos conflitos sociais, e
garantindo que os indivíduos possam exercer, de maneira efetiva, influência no julgamento
da lide. Contudo, o direito a prova encontra limites na própria Constituição Federal de 1988
que proíbe de forma expressa a utilização de provas obtidas por meio ilícito no processo.
Nesse contexto, surgem diversos debates a respeito do tema, de modo que se destacam três
principais correntes doutrinárias acerca da utilização as provas ilícitas: a primeira, que veda
absolutamente seu uso; a segunda, que o admite irrestritamente e uma terceira teoria, que por
sua vez, postula pela aplicação do princípio da proporcionalidade e da ponderação de
interesses para que o juiz, no caso concreto decida qual valor deverá prevalecer. Destarte,
este trabalho se propõe a analisar o instituto do direito probatório, principalmente na seara
processual trabalhista, e os princípios constitucionais que a ele se relacionam e, por fim,
apresentar um estudo acerca da admissibilidade das provas obtidas por meio ilícito bem
como as principais espécies de provas ilícitas que são apresentadas no processo trabalhista e
a posição de doutrinadores e da jurisprudência em relação à sua admissão no processo.
Palavras-chave: Provas ilícitas. Provas ilegítimas. Princípio da Proporcionalidade.
Ponderação de Interesses.
ABSTRACT
The right proof carries very important role in the legal system, taking into account the main
objective of the jurisdiction that is the resolution of social conflicts, and ensuring that
individuals can exercise effectively, influence on the trial of the dispute. However, the right
is proof in itself limits the Federal Constitution of 1988 that expressly prohibits the use of
evidence obtained by unlawful means in the process. In this context, were various debates on
the subject, so that three main doctrinal currents about using illegal evidence: the first, which
prohibits absolutely its use; the second, which admits implicitly and a third theory, which
posits that the principle of proportionality and of the weighting of interest for the judge in
the case to decide which value should prevail. Thus, this work intends to analyze the
Institute of evidentiary law, especially on labor, and the procedural field constitutional
principles that he relate and, finally, present a study about the admissibility of evidence
obtained by unlawful means as well as the main species of illegal evidence that are
presented in the labour process and the position of Jurists and jurisprudence in relation to
their acceptance in the process.
Keywords: Illegal Evidence. Illegitimate Evidence. Principle of Proportionality.
Consideration of interests.
LISTA DE ABREVIAÇÕES
Art. – Artigo.
Arts. – Artigos.
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil.
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.
CP – Código Penal.
CPC – Código de Processo Civil.
n. – Número.
p. – Página.
TRT – Tribunal Regional do Trabalho.
TST – Tribunal Superior do Trabalho.
Sumário
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 8
CAPÍTULO 1. A Prova como Direito Fundamental ................................................................... 10
1.1. A Importância do direito probatório à luz dos direitos e garantias fundamentais ............ 10
1.2. Matriz Principiológica ...................................................................................................... 11
1.3. Contraditório .................................................................................................................... 13
1.4. Ampla Defesa ................................................................................................................... 14
1.5. Devido Processo Legal ..................................................................................................... 16
CAPÍTULO 2. A Prova no Processo do Trabalho ...................................................................... 19
2.1. Conceito ........................................................................................................................... 19
2.2. Objeto ............................................................................................................................... 20
2.3. Finalidade ......................................................................................................................... 21
2.4. Princípios Regentes da Prova no Processo do Trabalho .................................................. 22
2.5. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ......................................................... 26
2.6. Ônus da prova .................................................................................................................. 28
2.7. Inversão do ônus da prova ................................................................................................ 30
2.8. Meios de prova ................................................................................................................. 32
2.9. Prova emprestada ............................................................................................................. 33
CAPÍTULO 3. As provas ilícitas e sua aplicabilidade no processo do trabalho ......................... 36
3.1. Conceito e diferenças entre prova ilícita e ilegítima ........................................................ 36
3.2. Correntes doutrinárias sobre a utilização de provas ilícitas ............................................. 37
3.2.2. Teoria Obstativa ........................................................................................................ 39
3.2.3. Teoria Intermediária .................................................................................................. 40
3.3. Princípio da Proporcionalidade e a Admissibilidade das Provas Ilícitas ......................... 42
3.4. Espécies de Provas Ilícitas no Processo Trabalhista ........................................................ 46
3.4.1. Gravações e interceptações clandestinas ................................................................... 46
3.4.2. Documento Furtivamente Obtido .............................................................................. 49
3.4.3. Revista Íntima de Empregados .................................................................................. 50
3.4.4. E-mail Corporativo .................................................................................................... 51
3.5. Prova Ilícita por Derivação .............................................................................................. 53
3.6. Assédio Moral e a Dificuldade Probatória ....................................................................... 54
CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 56
8
INTRODUÇÃO
O direito à prova constitui instrumento de fundamental importância para um
Estado Democrático de Direito ao contribuir para o alcance de uma ordem jurídica justa,
respeitando direitos fundamentais dos indivíduos e concretizando princípios
constitucionais aplicáveis ao processo. Embora não disposto de maneira expressa pelo
art. 5º da Constituição Federal de 1988, inegável o caráter de direito fundamental
atinente ao direito probatório, tendo em vista sua intrínseca ligação com os princípios
do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, como será demonstrado no
decorrer do presente trabalho.
Deste modo, o direito à prova possibilita que as partes possam, de maneira
efetiva, influir no convencimento do julgador e, em última análise, influenciar a
resolução da lide. Nesse sentido, a prova possui o condão de transladar a verdade real
dos fatos para o os autos do processo, possuindo ainda maior relevância no contexto do
processo trabalhista, devido à aplicação do princípio da busca da verdade real,
objetivando alcançar um dos escopos da jurisdição, que é pacificar os conflitos sociais
apresentados ao judiciário.
O direito à produção de provas encontra limites na proibição do inciso LVI do
art. 5º da Constituição no uso de provas obtidas por meio ilícito, o que constitui uma
garantia fundamental que assegura o respeito a direitos fundamentais como a dignidade
humana e a intimidade. Insta ressaltar que as ingerências indevidas do poder estatal na
esfera individual, durante o período da ditadura militar (1964-1985), contribuíram para
que o constituinte originário envidasse esforços para coibi-las no momento da
promulgação da Constituição de 1988.
No entanto, a inadmissibilidade absoluta de provas obtidas de forma ilícita
muitas vezes pode acarretar injustiça e desrespeito a direitos fundamentais de igual
relevância àqueles que se pretendia proteger com a proibição da ilicitude de provas no
ordenamento jurídico. Nesse sentido, surge doutrina que postula ser possível admitir,
em casos excepcionais, a utilização de provas obtidas de forma ilícita, à luz do princípio
da proporcionalidade pautado na ponderação de princípios de igual relevância a partir
de um caso concreto.
Assim, pretende-se com este trabalho analisar o instituto da prova, bem como os
princípios constitucionais a ela relacionados, e, por fim, dedicar-se ao estudo da
9
admissibilidade das provas ilícitas e das principais doutrinas que envolvem este tema,
bem como apresentar breve análise das provas ilícitas mais discutidas no âmbito
processual trabalhista e as possíveis consequências de sua inserção no processo no
tocante à busca por uma ordem jurídica justa e a efetividade da prestação jurisdicional.
Por sim, cabe destacar que o presente trabalho foi desenvolvido com base no
Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), diploma
processual vigente à época do trabalho, tendo em vista que o novo Código de Processo
Civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015) entrará em vigor em março de 2016.
10
CAPÍTULO 1. A Prova como Direito Fundamental
1.1. A Importância do direito probatório à luz dos direitos e garantias
fundamentais
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º elenca rol de direitos e garantias
fundamentais inerentes à pessoa humana, abarcados pelo nosso ordenamento jurídico
pátrio. Entretanto, conforme disposto no § 2º do art. 5º, os direitos fundamentais
consagrados neste dispositivo não excluem outros decorrentes dos princípios adotados
pela Constituição e de tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Neste diapasão,
embora não previsto expressamente pelo rol estabelecido pelo art. 5º, não se pode negar
a imprescindibilidade do direito probatório para o sistema processual, nem seu caráter
de direito fundamental, estando intrinsicamente relacionado aos princípios do
contraditório e da ampla defesa, assegurados constitucionalmente.
Além disso, ao se analisar a carga material que envolve o instituto do direito
probatório, ratifica-se a sua natureza de direito fundamental, dada a sua extrema
importância para o alcance da efetividade do processo, atendendo aos anseios da
sociedade como um todo na resolução do conflito de forma satisfatória, e,
principalmente, por garantir que o cidadão possa participar de forma efetiva no
processo.
Em relação ao âmbito individual, o direito a prova se constitui não apenas como
um garantia fundamental do processo, mas também como direito à cidadania e como
direito fundamental da pessoa humana, abarcando, também, o direito à liberdade, o
direito de acesso à justiça, ao contraditório e a ampla defesa, a democracia processual, e
em última análise, o direito a uma ordem jurídica justa.
Assim, imperioso reconhecer a essência de direito fundamental atinente ao
direito probatório, sendo um componente imprescindível do princípio do contraditório e
da ampla defesa, ambos previstos pelo art. 5º, LV da Constituição de 1988, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos
11
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes; [...]
1.2. Matriz Principiológica
O direito probatório tem fundamental importância na garantia da efetividade do
sistema processual, e possui natureza de direito fundamental ao criar uma barreira à
ocorrência de abusos e ingerências indevidas por parte do Estado no âmbito individual e
garantir a isonomia na resolução dos conflitos apresentados ao judiciário, concedendo,
portanto, igualdade de condições para que as partes possam apresentar sua defesa. Além
disso, no âmbito processual o instituto se relaciona com princípios constitucionais de
extrema importância, o que evidencia sua matriz principiológica reforçada pelo
neoconstitucionalismo. 1
Celso Antônio Bandeira de Melo assevera que:
Advirta-se, outrossim, que as regras, justamente por serem disposições
expressas, encontram-se à imediata disposição do intérprete e, bem
por isso, não encontram qualquer dificuldade em serem localizadas.
De extrema importância, isto sim, é desvendar os princípios acolhidos
no sistema; isto é, os que se encontram vazados nas diversas normas
administrativas, informando suas disposições, embora não se achem
formal ou categoricamente expressos. Estes, genericamente acolhidos
no sistema, presidem toda a sua organicidade e, obviamente, por ter
generalidade maior ou menor, aplicando-se, então à totalidade dos
institutos ou apenas a alguns deles. São estes princípios que compõem
1 O Neoconstitucionalismo é entendido como a constitucionalização do direito. Para Didier, as
principais marcas do constitucionalismo contemporâneo são: a) reconhecimento da força
normativa da constituição; b) reconhecimento da eficácia normativa dos princípios; c)
reconhecimento do caráter normativo e criativo da atividade jurisdicional que passou a ser
encarada como atividade essencial ao funcionamento do estado; e d) expansão dos direitos
fundamentais. Essas transformações caracterizam, segundo o autor, a nova fase do pensamento
jurídico, o neoconstitucionalismo, e assevera que: “Examinadas isoladamente, essas
características podem parecer não ser grande novidade: em países diversos, em momentos
históricos diversos, uma ou outra aparecia no pensamento jurídico e na pratica jurídica. Talvez o
que marque este momento histórico seja a conjunção de todas elas, que vem inspirando
doutrinadores em inúmeros países.” (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual
Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 14. Ed.
Salvador: editora juspodivm, 2012. P. 29.)
12
o equilíbrio do sistema e determinam a unicidade e racionalidade
interna do regime.2
Os princípios, portanto, conferem unicidade ao ordenamento jurídico e garantem
a estabilidade e coerência sistêmica às normas que o compõem, de modo que eventuais
alterações não acarretem desequilíbrio ao sistema. Por isso, a doutrina costuma afirmar
que a violação de um princípio seria uma ocorrência muito mais gravosa que a violação
de uma norma, pois estaria afetando todo um sistema integrado de normas jurídicas.
Cintra, Grinover e Dinamarco, neste sentido, afirmam que:
Considerando os escopos sociais e políticos do processo e do direito em
geral, além do seu compromisso com a moral e a ética, atribui-se
extraordinária relevância a certos princípios que não se prendem à
técnica ou à dogmática jurídicas, trazendo em si seriíssimas conotações
éticas, sociais e políticas valendo como algo externo ao sistema
processual e servindo-lhe de sustentáculo legitimador.3
Além disso, com o advento do Estado Social que substituiu o Estado Liberal
Clássico durante o século XX, o direito processual, assim como todos os princípios
inerentes a esse ramo do sistema jurídico, passou pela chamada constitucionalização do
direito processual4 que instituiu a interpretação de todos os institutos e princípios do
processo de acordo com a Constituição, trazendo uma nova metodologia e sistemática
na análise processual. Assim, a própria constituição federal passa a disciplinar os
princípios basilares do direito processual, como ocorre com o direito à prova.
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e atual.
São Paulo: Malheiros, 2010. p. 89. 3 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria geral do processo. 28ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p.59 4 Para Fredie Didier Júnior, a constitucionalização do direito processual é uma das
características do direito contemporâneo e possui duas dimensões: primeiramente, há a
incorporação de normas processuais aos textos constitucionais como direitos fundamentais, e,
por outro lado, a doutrina passa a examinar as normas infraconstitucionais processuais como
concretizadoras das disposições constitucionais, intensificando-se, cada vez mais, o diálogo
entre processualistas e constitucionalistas. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito
Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol.
1. 14. Ed. Salvador: editora juspodivm, 2012. P. 32-33.)
13
1.3. Contraditório
De acordo com o que prescreve o inciso LV, do art. 5º da CRFB/88, o
contraditório e a ampla defesa, constituem-se em direitos fundamentais dos litigantes,
seja em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados em geral.5
O contraditório deriva do caráter bilateral do processo em que o autor propõe a
ação e o réu oferece a defesa em relação aos fatos que lhe foram imputados pela tese do
autor, o que deverá ser solucionado pelo magistrado no exercício do poder jurisdicional
do Estado a partir do caso concreto. A garantia constitucional do contraditório assegura
o direito de participação de todos os indivíduos que serão atingidos, de alguma forma,
pelo provimento jurisdicional e legitima a decisão que será produzida ao final da lide.
Este princípio deve ser analisado levando em consideração a necessidade das
partes litigantes serem informadas sobre a existência da ação e de todos os atos
processuais que nela ocorreram bem como a possibilidade de reação das mesmas de
forma paritária no decorrer do processo, conforme entendimento de Luiz Francisco
Torquato Avolio, reforçando a imprescindibilidade da paridade de condições entre as
partes litigantes: O contraditório, pois, pressupõe a paridade de partes: somente pode
ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos
poderes6.
No mesmo sentido, Alexandre Câmara:
Em outras palavras, há que se assegurar não só o contraditório, mas um
contraditório que além de efetivo (ou seja, capaz de permitir resultados
adequados na formação do provimento jurisdicional), seja também
equilibrado, o que se assegura com a igualdade substancial de
tratamento deferida às partes.7
Desse modo, o princípio do contraditório possui um aspecto formal, que diz
respeito ao direito de participação dos litigantes nos processos que afetem seu interesse,
5 Artigo 5º, LV: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
(Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.) Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02
set. de 2015. 6 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, Interceptações Telefônicas e Gravações
Clandestinas. 6ª ed. São Paulo: RT, 2015. p.35. 7 CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. 24º. ed. rev. e atual. São Paulo:
Atlas, 2013. v. 1. p. 61.
14
seja judicial ou administrativamente, bem como possui um aspecto material, segundo o
qual a parte possui o poder de convencer o magistrado de suas alegações. Desse modo,
de nada adianta conferir a participação no processo às partes sem que lhes seja garantido
o poder de interferir no conteúdo da decisão proferida pelo magistrado através da prova.
Logo, pode-se inferir que o direito à prova está intimamente relacionado com
direito ao contraditório, tendo em vista que a prova se constitui em um recurso
indispensável pelo qual a parte pode satisfazer a dimensão material do mesmo, de modo
que, observar apenas o direito de participação no processo sem a garantia da
possibilidade de influir de maneira contundente na resolução da controvérsia infringe
não apenas o direito ao contraditório e à ampla defesa como, em última análise,
desrespeita princípios basilares como o da dignidade humana e da efetividade
processual.
1.4. Ampla Defesa
O princípio da ampla defesa é compreendido pela doutrina como um
componente do princípio do contraditório, caracterizando-se pelo direito do réu de
resistir às pretensões do autor utilizando-se de instrumentos de defesa que achar
necessários para provar suas alegações, dentre os meios previstos pela legislação
processual, conforme ensinamento de Fredie Didier Júnior:
Atualmente, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão
substancial do princípio do contraditório, pode-se dizer que eles se
fundiram, formando uma amálgama de um único direito fundamental.
A ampla defesa corresponde ao aspecto substancial do princípio do
contraditório.8
Nesse sentido, vale destacar as seguintes ementas:
LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE TESTEMUNHAS. DISPENSA
DA OITIVA DE TESTEMUNHA QUE SE PRETENDE OUVIR –
PROTESTO NOS AUTOS – CERCEAMENTO DO DIREITO DE
DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. Tratando-se de matéria fática
a ser provada, constitui-se cerceamento amplo ao direito de defesa,
consagrado na Constituição Federal, impedir o depoimento de
testemunha que a parte considera válida para comprovar suas alegações,
8 DIDIER JUNIOR, Fredie, op. cit., p. 61.
15
implicando em nulidade processual, por ofensa aos incisos XXXV e LV
do art. 5º da Constituição Federal que asseguram, respectivamente, o
direito à tutela jurisdicional e à ampla defesa. (TRT – 5ª Região).
Processo 0000781-12.2012.5.05.0010. RecOrd, Ac. Nº 162384/2013,
relª. Desª. Luíza Lomba, 2ª Turma, DJ 6.9.2013.”
CERCEAMENTO DE DEFESA. OITIVA DE TESTEMUNHA.
INDEFERIMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, LIV E LV, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE DA SENTENÇA.
PROVIMENTO.
Caso em que o juiz de 1º Grau indeferiu a oitiva da terceira testemunha
da reclamada e a condenou ao pagamento de verbas rescisórias, por não
ter a demandada comprovado sua alegação de que a rescisão do contrato
de trabalho teria se dado por iniciativa do próprio reclamante.
Fundamentou aquele julgador que as duas testemunhas ouvidas
anteriormente não contribuíram para o deslinde da controvérsia e que,
na Justiça do Trabalho, presume-se a continuidade da relação de
trabalho. Assim, em respeito ao princípio do devido processo legal,
constitucionalmente assegurado, não poderia aquele juízo indeferir a
produção de prova pretendida pela reclamada e, ainda assim, condená-la
com base em presunções, por sinal relativas, que poderiam ser
desconstituídas pela parte interessada, caso lhe fosse assegurado o
direito à ampla defesa. (TST). Processo 90600-11.2007.5.04.0382. RR.
Relº Desº Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma.
Desse modo, podemos considerar que, enquanto o contraditório traduz a garantia
que a parte possui de se defender das alegações que lhe forem imputadas, o princípio da
ampla defesa, por sua vez, se configura no usufruto desta garantia, tendo em vista que
de nada adiantaria a possibilidade de resistir às pretensões da parte adversária se não
fossem postos ao alcance do réu os instrumentos adequados e legalmente admitidos para
que se possa, com eficiência, influir no julgamento da lide.
A ampla defesa deve ser examinada sob seus diversos ângulos: o direito da parte
de ser cientificada de todos os atos processuais da lide; direito de poder se defender das
acusações formuladas pelo autor; de acompanhar toda a instrução processual; direito a
defesa por advogado, tendo em vista que a Constituição de 1988 o eleva à condição de
função essencial à administração da justiça (art. 133, CRFB 1988); e, também, o direito
de recorrer de decisão desfavorável em instâncias superiores, consagrando o princípio
de duplo grau de jurisdição.
Assim, a ampla defesa acopla uma gama de instrumentos processuais e
atividades asseguradas às partes para que possam, de maneira efetiva, defender suas
alegações e rebater as da parte contrária de maneira paritária, estando ciente de todos os
atos processuais, acompanhando as provas produzidas pela outra parte litigante e
16
apresentando as suas, e podendo, ao final, caso não concorde com a decisão do
magistrado em relação à valoração ou admissibilidade de provas, recorrer da decisão.
1.5. Devido Processo Legal
A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu art. 5º, inciso LIV que:
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e no
inciso LV que: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes.
O devido processo legal tem sido compreendido pela doutrina como um
princípio-base que abarca inúmeros outros como o contraditório, ampla defesa, juiz
natural, duração razoável do processo e isonomia, de modo a mitigar os riscos de uma
decisão parcial que infrinja bens juridicamente tutelados, e, em última análise, que
infrinja direitos e garantias fundamentais.
Segundo assevera Alexandre Câmara:
A garantia do devido processo legal surgiu como sendo de índole
exclusivamente processual, mas, depois, passou a ter também um
aspecto de direito material, o que levou a doutrina a considerar a
existência de um substantive processo of law ao lado de um procedural
due process of law. Assim é que o devido processo legal substancial (ou
material) deve ser entendido como uma garantia do trinômio “vida-
liberdade-propriedade”, através da qual se assegura que a sociedade só
seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da
sociedade, demonstrando assim sua finalidade social. Tal garantia
substancial do devido processo legal pode ser considerada como o
próprio princípio da razoabilidade das leis.9
Desse modo, tal princípio possui duas dimensões: uma formal, que significa o
respeito a um conjunto de garantias processuais mínimas que afastem a incidência de
decisões que maculem a efetividade processual; e uma dimensão material, por sua vez,
relacionada ao equilíbrio que se busca alcançar entre poder estatal e os direitos do
cidadão consagrados pela Magna Carta, o que impõe um controle sobre as decisões
9 CÂMARA, Alexandre. Op, cit., p. 43.
17
judiciais como forma de garantir que sejam pautadas pelos princípios da
proporcionalidade e razoabilidade.
Conforme asseveram Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco:
Entende-se com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais
que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e
poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício
da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das
partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades
processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a
salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como
fator legitimador do exercício da jurisdição.10
O princípio do devido processo legal, portanto, se constitui de uma gama de
ferramentas destinadas aos litigantes como forma de alcançar as vertentes formal e
substancial do princípio em comento, colocando à disposição dos litigantes garantias
processuais que concretizem a efetividade processual, mas também observem os direitos
fundamentais instituídos pela Constituição como forma de proteger os indivíduos de
decisões parciais que desrespeitem garantias mínimas como a de julgamento por meio
de um processo justo.
Importante salientar, nesse aspecto, que os dois princípios comentados
anteriormente, quais sejam: o contraditório e a ampla defesa; se sobressaem no que
tange a gama de subprincípios abrangidos pelo princípio do devido processo legal,
configurando-se nos maiores expoentes das garantias processuais que conferem ao
indivíduo a possibilidade de julgamento imparcial e efetivo na resolução da lide
apresentada ao judiciário. Desse modo, o direito à prova também está intimamente
relacionado a este princípio, tendo em vista que é considerado um direito fundamental
não só do processo, mas um direito fundamental da pessoa humana, possibilitando, além
disso, acesso à justiça e o exercício da cidadania, como podemos apreender do
ensinamento de Fredie Didier Júnior:
O principio do devido processo legal pode ser considerado um
subprincipio do princípio do Estado de Direito ou do principio de
proteção da dignidade da pessoa humana', pode, também, como visto,
10
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel, op. cit., p. 84.
18
ser considerado um sobreprincípio, quando se relaciona com os
princípios do contraditório ou da boa-fé processual.11
Assim, o princípio do devido processo legal, se constitui em meio legitimador da
atividade jurisdicional do Estado e deve ser compreendido levando-se em consideração
todos os subprincípios e elementos jurídicos que abrange, principalmente no que tange
ao princípio do contraditório e da ampla defesa, dado o papel de extrema importância
que exercem no Estado Democrático de Direito.
11
DIDIER JUNIOR, Fredie, op. cit., p. 35.
19
CAPÍTULO 2. A Prova no Processo do Trabalho
2.1. Conceito
O termo “prova” deriva do latim probatio, do verbo probare, traduzindo a ideia
de persuasão, demonstração, convencimento, ou seja, um instrumento idôneo para
demonstrar fatos em juízo e contribuir legitimamente para busca da verdade. Entretanto,
não há na doutrina um conceito unívoco a respeito do tema. Na visão de Carlos
Henrique Bezerra Leite:
Pode-se dizer, portanto, que prova, nos domínios do direito processual,
e o meio lícito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato
com a finalidade de convencer o juiz acerca da sua existência
inexistência.”12
No mesmo sentido, Mauro Schiavi
As provas, portanto, constituem-se em instrumentos admitidos pelo
nosso ordenamento jurídico que possibilitam às partes a demonstração
de um fato pretérito em juízo de modo a convencer o julgador e
influenciar na resolução da lide, em atenção aos princípios do
contraditório e da ampla defesa, debatidos anteriormente.13
A Consolidação das Leis Trabalhistas e o Código de Processo Civil não
estabelecem o conceito de prova, porém o art. 332 do CPC estabelece quais meios de
prova poderão ser admitidos pela lei, in verbis: Todos os meios legais, como os
moralmente legítimos ainda que não especificados neste código, são hábeis para
provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Importante destacar, que além dos meios de prova previstos pelo Código de
Processo Civil, outros poderão ser aceitos, ainda que não especificados expressamente
por este diploma, desde que sejam moralmente legítimos e não atentem contra a moral e
os bons costumes, o que dá margem a uma maior amplitude para o indivíduo provar
suas alegações em juízo e rebater as da parte contrária, consagrando o princípio basilar
do devido processo legal. Além disso, atualmente, os avanços tecnológicos se
12
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8 ed. São
Paulo: LTr, 2010. p. 544 13
SCHIAVI, Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr,
2014. p. 19
20
disseminam em uma velocidade e alcance extremamente significativos, e, assim, não
seria prudente engessar e limitar os meios de prova àqueles, exclusivamente, previstos
pela legislação processual, tendo em vista o relevante papel que o Direito exerce como
fato social, devendo acompanhar as mudanças sociais, garantindo a efetividade
processual e buscando alcançar, da melhor forma, os direitos fundamentais do cidadão.
Além disso, ressalta-se que os meios de prova servem para comprovar fatos que
mais se aproximem da realidade, não sendo possível reconstituir fielmente um fato
pretérito. Portanto, a prova vai atestar a existência ou não de um fato alegado como
verdadeiro pela parte, buscando transladar a verdade, da maneira mais fiel possível com
a realidade, para o processo, de modo a constituir a verdade formal que atuará no
convencimento do julgador, que, motivando seu convencimento, resolverá a lide com
base nas provas que julgar pertinentes, como observamos no ensinamento Cintra,
Grinover e Dinamarco: A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se
forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos
controvertidos no processo.14
2.2. Objeto
Segundo ensinamento de Fernando da Costa Tourinho filho, acerca do objeto da
prova:
Objeto da prova, diz Manzini, são todos os fatos, principais ou
secundários, que reclamem uma apreciação judicial e exijam
comprovação. Somente os fatos que possam dar lugar a dúvida, isto é,
que exijam uma comprovação é que constituem objeto de prova. Desse
modo, excluem-se os fatos notórios. Provar a notoriedade é tarefa de
louco, já se disse. Tanto a evidência como a notoriedade não podem ser
postas em dúvida. Ambas produzem no juiz o sentimento de certeza em
torno da existência do fato. Daí a máxima notoria vel manifesta non
egent probatione (o notório e o evidente não precisam de prova).15
Assim, podemos compreender que o objeto da prova são os fatos controvertidos
que reclamam apreciação judicial, e, indo além, o que deve ser provado são as alegações
14
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel, op. cit. p.385 15
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2013. p. 564.
21
das partes acerca de fatos pretéritos utilizados pelas mesmas para influir no julgamento
final. Importante observar que não são todos os fatos que estarão aptos para constituir
objeto de prova, mas apenas aqueles em que haja controvérsia e que sejam relevantes
para o julgamento da lide, ou seja, que possam influenciar na convicção do julgador.
Nesse sentido:
“A prova diz respeito aos fatos. Mas não a todos os fatos: não deve ser
admitida a prova dos fatos notórios (conhecidos de todos), dos fatos
causa), dos irrelevantes (que embora impertinentes (estranhos à
pertençam à causa, não influem na decisão), dos incontroversos
(confessados ou admitidos por ambas as partes), dos que sejam cobertos
por presunção legal de existência ou de veracidade (CPC, art. 334) ou
dos impossíveis (embora se admita a prova dos fatos improváveis)”16
Sobre a existência de controvérsia entende-se que fatos controvertidos são
aqueles alegados por uma parte e contestados pela parte contrária, de modo que, em
regra, os fatos sobre os quais não recaiam controvérsia não serão objeto de prova.
Porém, insta ressaltar que há casos em que mesmo não sendo controvertidos, ou seja,
mesmo que os fatos não sejam contestados pela parte contrária, poderão ser objeto de
análise probatória, como exemplo nos casos de fatos pouco prováveis ou pouco
verossímeis, tendo em vista que o juiz deve atuar no processo de modo a formar seu
convencimento da maneira mais segura possível, com liberdade para determinar as
provas a serem produzidas, de acordo com o art. 852-D da CLT.17
2.3. Finalidade
A prova se constitui em meio retórico admitido processualmente, para
convencimento do órgão julgador acerca dos fatos pertinentes e controvertidos
apresentados pelas partes por meio da peça inicial do autor, e da contestação do réu.
16
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel, op. cit., p. 386-387. 17
Artigo 852-D: “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem
produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que
considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial
valor às regras de experiência comum ou técnica. (Incluído pela Lei nº 9.957, de 2000)
(BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>
Acesso em 10 jan. 2016.
22
Segundo Mauro Schiavi, parte da doutrina entende que o juiz não é o único
destinatário da prova, mas esta é dirigida também às partes, e, em última análise, à
sociedade em geral. Nesse sentido, ao citar Cléber Lúcio de Almeida, reforça a
importância do controle jurisdicional da sociedade em relação a toda e qualquer
atividade estatal, in verbis:
O juiz não é, contudo, o único destinatário da prova. As partes também
são destinatárias da prova, na medida em que têm direito a uma decisão
fundamentada na prova constante dos autos. As provas têm entre seus
destinatários, ainda, a própria sociedade. É que no controle da atividade
estatal, inclusive jurisdicional, a sociedade tem o direito de conhecer os
motivos (provas, inclusive) pelos quais em seu nome foi proferida
determinada decisão (no Estado Democrático de Direito, todo poder é
exercido em nome do povo). A prova, portanto, tem função
endoprocessual (em relação ao juiz e às partes) e extraprocessual (em
relação à sociedade). A prova é uma garantia para o juiz, as partes e a
sociedade da decisão o mais próximo possível da realidade.18
Além disso, insta ressaltar que além do julgador da causa, das partes e da
sociedade, a prova também deve ser produzida levando-se em consideração todos os
órgãos julgadores, e não só o juiz que presidiu a instrução probatória em primeiro grau,
de modo que o juiz de primeira instância deve dirigir a instrução probatória envidando
esforços para elucidar todos os pontos controvertidos da matéria, ainda que já se ache
prematuramente convencido, tendo em vista que em grau de recurso, o Tribunal
competente pode querer ter acesso a outros elementos de prova para formar seu
convencimento e decidir da forma que mais se aproxime com a verdade dos fatos.
2.4. Princípios Regentes da Prova no Processo do Trabalho
Conforme debatido anteriormente, ao se tratar da matriz principiológica atinente
ao direito probatório, os princípios ocupam um lugar de suma importância no
ordenamento jurídico hodiernamente, de modo que a ofensa a um princípio acaba sendo
mais prejudicial do que a ofensa a uma norma, pois estaríamos afetando o alicerce de
todo um sistema de normas. Como assevera Sérgio Pinto Martins:
São, portanto, os princípios as básicas que fundamentam as ciências,
informando-as e orientando-as. São as proposições que se colocam na
18
ALMEIDA, Cléber Lúcio de, apud SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 26.
23
base da ciência, informando-a e orientando-a. Para o Direito, o princípio
é o seu fundamento, a base que irá informar e inspira as normas
jurídicas.19
Seguindo o rol de princípios atinentes à prova no processo trabalhista também
desenvolvido por Sérgio Pinto Martins20
, passa-se a análise destes princípios.
a) Necessidade da prova
Segundo este princípio, não basta que a parte faça alegações em juízo, é preciso
que essas alegações sejam comprovadas pelo meio probatório escolhido dentro das
possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico, de modo que o magistrado
somente poderá decidir com base na atividade probatória desenvolvida no processo, o
que atende ao princípio da segurança jurídica das partes ao garantir um julgamento justo
do processo.
b) Unicidade da prova
Por este princípio, a prova deve ser analisada pelo órgão julgador de maneira
una e global, e não isoladamente por meio de suas partes. Assim, ao analisar o
depoimento de uma testemunha, deve-se atentar para a análise da prova como um todo,
e não apenas às partes específicas para que se forme o convencimento.
c) Lealdade da prova
A produção de provas deve ser pautada na lealdade e ética entre as partes no
processo, cabendo ao juiz reprimir qualquer ato que atente contra a lealdade
processual.21
d) Contraditório
Conforme analisado anteriormente, o princípio do contraditório, assegurado
constitucionalmente pelo inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal deriva do caráter
bilateral do processo, em que a parte tem o direito de responder às alegações formuladas
19
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.
37 20
Ibidem, p. 315-316. 21
Artigo 14: “São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo:
I. expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II. Proceder com lealdade e boa fé;[...]” (BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.)
Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 02 set. 2015.
24
pela parte adversária em paridade de armas, de maneira que se possa influir
efetivamente no convencimento do julgador, e, consequentemente, na resolução da lide.
e) Igualdade de oportunidade de prova
Princípio segundo o qual todos possuem os mesmos direitos no tocante ao
momento da apreciação da prova.
f) Oportunidade da prova
A prova deverá ser produzida em momento oportuno e adequado para o fim a
que se destina, sendo permitida a produção antecipada excepcionalmente em casos em
que haja perigo de sua não realização.
g) Comunhão de prova
Também conhecido como princípio da aquisição processual, tal princípio
determina que uma vez produzida, a prova passa a fazer parte do processo como
instrumento do órgão julgador para resolução da lide. Assim, a prova, uma vez admitida
no processo, passa a integrá-lo, irradiando efeitos para todos os sujeitos processuais,
sendo vedado ao juiz interpretar uma prova de forma favorável a quem a produziu, pois
esta não mais pertence à parte que lhe deu origem, e sim, ao juízo.
h) Legalidade
A instrução probatória deverá ser produzida de acordo com os instrumentos
previstos em lei. Portanto, o contraditório e a ampla defesa, previstos
constitucionalmente, serão ofertados levando-se em consideração as provas previstas na
legislação processual vigente.
i) Imediação
Este princípio consagra a figura do juiz como detentor da produção de provas no
processo, diante do qual estas serão colhidas. O princípio da imediação tem importância
especial no processo do trabalho, pois este é norteado pelos princípios da oralidade e
concentração dos atos em audiência que garantem uma maior celeridade e efetividade
na prestação jurisdicional.
A CLT estabelece em seu art. 765 a liberdade que órgão julgador possui na
direção do processo, conferindo a possibilidade de requisitar diligências que julgar
necessárias para o rápido andamento da causa. Além disso, pelo art. 848 do mesmo
25
diploma, o juiz poderá interrogar as partes diretamente, de ofício, o que permite o
contato direto e imediato com a prova a ser colhida, sobretudo ao analisar pessoalmente
cada depoimento e o respectivo comportamento das partes ou das testemunhas, o que
influenciam sobremaneira a efetividade processual.22
Essa reflexão ganha ainda mais relevância no contexto contemporâneo em que
se discute a figura do juiz mais participativo no processo, que além de dirigir o
procedimento também fiscaliza os atos praticados pelas partes de maneira autônoma,
coibindo atos protelatórios e abusivos. Nesse sentido, importante destacar também o art.
852-D da CLT, in verbis:
Art. 852-D. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as
provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada
litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas,
impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial
valor às regras de experiência comum ou técnica. (Incluído pela Lei nº
9.957, de 2000)
j) Obrigatoriedade da prova
Esse princípio decorre do interesse não só das partes, mas do Estado e da
sociedade como um todo em obter uma solução justa para o litígio. Sendo assim, a
prova se configura em instrumento processual indispensável na busca da verdade e,
consequentemente na efetiva tutela jurisdicional.
k) Aptidão para a prova
Princípio segundo o qual a prova deve ser apresentada não por quem detenha o
ônus processual, mas pela parte que possua as melhores condições de produzi-la em
juízo, independentemente de se tratar de autor ou réu, seja porque a parte a detém ou por
ser inacessível a parte contrária. Insta ressaltar que tal princípio não estabelece uma
22
Artigo 765: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo
e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária
ao esclarecimento delas.” (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em 12 jan. 2016.
Artigo 848: “Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex
officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes. (Redação dada
pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995) § 1º - Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes
retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante. § 2º - Serão, a seguir, ouvidas as
testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver.” (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em 12 jan. 2016.
26
desigualdade de tratamento entre autor e réu, pois se dirige a qualquer um deles,
dependendo da situação discutida no lide. Além disso, a aptidão para prova está
intimamente relacionada com os princípios constitucionais do acesso à justiça, do
devido processo legal e do contraditório ao excepcionar a regra do ônus da prova
prevista pelo art. 818 da CLT para admitir casos em que a prova pode ser melhor
desenvolvida por quem não detenha o ônus processual.
l) Disponibilidade da prova
Este último princípio estabelece que a prova deverá ser produzida nos momentos
próprios estabelecidos em lei, ou no momento próprio para a instrução processual.
Importante também destacar, além do rol de princípios tratados anteriormente, o
princípio da proibição da prova obtida ilicitamente, que encontra respaldo no art. 5º,
LVI da Constituição Federal e que diz respeito às provas obtidas por meios ilícitos em
ofensa aos preceitos albergados pelo ordenamento jurídico pátrio e o princípio da
proporcionalidade, que se encontra intimamente relacionado com o primeiro, e, como
será analisado no decorrer deste trabalho, diz respeito a um exame do contexto em que
se encaixa a prova obtida ilicitamente, de modo a sopesar os princípios envolvidos e, a
partir daí, admitir ou não a utilização da prova inicialmente maculada pelo vício.
2.5. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil
A Consolidação das Leis Trabalhistas trata do tema provas do seu art. 818 até o
art. 830, entretanto, não o faz de maneira minuciosa e completa, de modo que há a
necessidade de se recorrer à legislação processual comum em casos de lacuna na lei
trabalhista. O art. 769 da CLT assegura a possibilidade de se utilizar da legislação
comum como fonte subsidiária do processo do trabalho, in verbis: Nos casos omissos, o
direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho,
exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Desse modo, observa-se que o supramencionado dispositivo legal traz dois
requisitos para a aplicação subsidiária da legislação comum: a omissão da lei trabalhista
e a compatibilidade da norma processual comum às regras e aos princípios que norteiam
27
o direito processual trabalhista. Importante destacar que no termo “direito processual
comum” está compreendida toda norma de natureza processual prevista em lei, como o
Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Código de Defesa do
Consumidor. Além disso, deve-se compreender com mais abrangência o termo “casos
omissos” para abarcar não apenas casos em que haja uma lacuna propriamente dita na
legislação processual, quando a CLT deixa de disciplinar uma determinada matéria, mas
também nos casos em que a norma processual trabalhista não discipline da maneira
mais efetiva possível, ou traga um resultado insatisfatório, tendo em vista a realidade
social. Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite:
A heterointegração pressupõe, portanto, a existência não somente das
tradicionais lacunas normativas, mas também das lacunas ontológicas e
axiológicas. Dito de outro modo, a heterointegração dos dois
subsistemas (processo civil e trabalhista) pressupõe a interpretação
evolutiva do art. 769 da CLT, para permitir a aplicação subsidiária do
CPC não somente na hipótese (tradicional) de lacuna normativa do
processo laboral, mas também quando a norma do processo trabalhista
apresentar manifesto envelhecimento que, na prática, impede ou
dificulta a prestação jurisdicional justa e efetiva deste processo
especializado.23
Um tema importante na seara processual trabalhista hodiernamente se refere à
discussão acerca da aplicação do direito processual comum, especialmente o CPC, ao
processo do trabalho e seus possíveis efeitos para a autonomia da lei trabalhista.
Entretanto, importante observar que a norma insculpida no art. 769 da CLT que
restringe a aplicação do CPC nos casos de omissão e compatibilidade, foi criada em um
cenário social e jurídico muito distinto do que possuímos atualmente. Quando criada
(em 1943) a norma tinha como função evitar a migração desenfreada de normas do CPC
para o processo trabalhista e assim, influenciar de maneira negativa o cumprimento de
princípios basilares da ciência processual do trabalho como a celeridade, simplicidade e
efetividade processual. Porém, desde a sua criação ocorreram mudanças não só no
Código de Processo Civil, com a edição do Código de 1973, as leis extravagantes e,
atualmente, com a edição do Novo Código de Processo Civil que entra em vigor em
março de 2016, mas também em todo o ordenamento jurídico com a Constituição de
1988 e, sobretudo, com a emenda 45/2004 que instituiu a garantia da razoável duração
do processo e que repercutiu em todo âmbito processual.
23
LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 99-100.
28
Desse modo, a aplicação das normas processuais comuns ao processo trabalhista
não acarreta desrespeito à autonomia deste nem configura retrocesso ao direito do
trabalho, mas sim, propicia uma evolução para todos os ramos da ciência processual,
uma vez que favorece o diálogo entre normas mais favoráveis quando aplicadas ao caso
concreto.
2.6. Ônus da prova
O vocábulo ônus tem origem do latim e significa peso, fardo ou encargo, e, no
direito processual, a expressão ônus probatório diz respeito ao encargo da parte em
provar as alegações que fizer no processo, em respeito ao princípio da necessidade da
prova, segundo o qual não basta que a parte faça alegações em juízo, sendo
imprescindível prová-las para que tais alegações tenham o condão de influir na decisão
do órgão julgador na resolução da lide. Nesse sentido:
A distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de
que, visando à vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz
e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu
espírito a convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar
secundum allegata et probata partium e não secundum propriam suam
conscientizam – e daí o encargo, que as partes têm no processo, não só
de alegar, como também de provar (encargo = ônus)24
A Consolidação das Leis do Trabalho disciplina o tema trazendo uma regra de
distribuição do ônus da prova em seu art. 818, que estabelece que a prova das alegações
incumbe à parte que as fizer.
Contudo, esse dispositivo contempla o tema de maneira simplória e, por isso,
muitas das vezes se torna necessário que se busque um complemento para a regra
insculpida na CLT de modo que se extraia a melhor interpretação e que se se garanta
aplicabilidade prática à norma. Assim, o art. 333 do CPC tem sido utilizado de forma
conjugada com ao art. 818 da CLT, e dispõe que:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
24
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel, op. cit., p.387.
29
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor.
Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o
ônus da prova quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Desse modo, no processo trabalhista, será do reclamante o ônus de comprovar os
fatos constitutivos (aqueles que deram origem ao processo) de seu direito, e, será do
reclamado o ônus de provar os fatos impeditivos (que trazem um fato de conteúdo
negativo, indicando ausência de alguma circunstância essencial para constituir o direito
alegado pelo autor), modificativos (fatos capazes de alterar a relação jurídica de que
trata lide) ou extintivos (aqueles que põem fim à relação jurídica discutida por meio do
processo) do direito do autor. O TST, inclusive, pacificou alguns entendimentos em
relação à distribuição do ônus da prova no processo trabalhista, como o fez em relação à
equiparação salarial por meio da Súmula n. 6, item VIII, do TST, que dispõe: É do
empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da
equiparação salarial.
Segundo Mauro Schiavi, o ônus da prova é acima de tudo uma regra de
julgamento, de modo que o juiz deve decidir a lide segundo a melhor prova,
independentemente da parte que a produziu (princípio da aquisição processual ou
princípio da comunhão das provas), somente se valendo da regra de distribuição do
ônus da prova na inexistência de provas suficientes nos autos ou seguindo o critério de
desempate.25
No mesmo sentido, Alexandre Câmara divide o ônus processual em ônus
subjetivo e ônus objetivo. Pelo primeiro, objetiva-se descobrir qual parte deverá provar
determinado fato, ou seja, de acordo com o art. 333 do CPC vigente, o autor deverá
provar fato constitutivo de seu direito e o réu, por sua vez, deverá provar fato
impeditivo modificativo ou impeditivo do direito do autor. Além disso, caberia também
ao réu o chamado “ônus da contraprova”, destinado a comprovar a inexistência de fato
constitutivo do direito do autor, o que se torna de grande valia nos casos em que o réu
não tem nenhuma prova relativa a fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, mas,
teria condições de apresentar prova que comprove a inexistência do direito alegado pelo
25
SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 87
30
autor na inicial. O ônus da prova objetivo, por sua vez, revela que as regras de
distribuição de ônus probatório são regras de julgamento, que deverão ser aplicadas pelo
juiz apenas no momento de julgar a causa, após todos os fatos restarem provados,
hipótese em que o julgador não necessitará utilizar tais regras, que, portanto, servirão
para que o julgador determine quem será prejudicado pela inexistência de prova, nos
casos em que os fatos não estariam integralmente provados.26
Importante salientar, em relação à prova do fato negativo, que a doutrina
hodiernamente admite que seja possível prova-lo, tendo em vista que não há nenhuma
norma que impeça que o fato negativo seja objeto de prova, mudando o entendimento
de outrora segundo o qual se dispensava a prova de tais fatos por se acreditar que
somente quem afirma um fato é que teria o ônus probatório de prova-lo. No entanto,
conforme entendimento de Bezerra Leite, o fato negativo contém, implicitamente uma
afirmação, pois ao se atribuir um predicado a um objeto se nega todos os demais
predicados que poderiam ser aplicados ao mesmo objeto, então, caso o empregador
alegue que não dispensou o empregado sem justa causa (negação), estará,
implicitamente alegando que ou o empregado se demitiu, ou abandonou o emprego. 27
2.7. Inversão do ônus da prova
A regra geral de distribuição do ônus da prova estabelece que incumbe ao autor
provar fato constitutivo de seu direito e ao réu fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor. Contudo, há casos em que o juiz pode alterar as regras de
distribuição do ônus da prova, invertendo o encargo probatório que seria de uma parte e
transferindo-o para a parte contrária.
O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, VIII prevê a aplicação da
inversão do ônus da prova em casos de verossimilhança da alegação ou de
hipossuficiência técnica, de informações ou econômica.28
Este dispositivo se aplica ao
26
CÂMARA, Alexandre, op. cit. p. 437. 27
LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 567. 28
Artigo 6º: São direitos básicos do consumidor: [...] VIII- a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
31
processo do trabalho por força do art. 769 da CLT que permite a aplicação subsidiária
de outras regras processuais em casos de lacuna na legislação trabalhista e
compatibilidade com os princípios que regem o processo do trabalho.
A inversão do ônus da prova está intimamente relacionada com o princípio da
aptidão para a prova, segundo o qual a prova incumbe a quem tem melhores condições
de produzi-la, ou seja, aquela que detém acesso à prova, ou, que possui melhores
condições técnicas e econômicas de demonstrar o fato controvertido. Assim, o juiz do
trabalho poderá inverter o ônus probatório e determinar que a parte, que a princípio não
teria o referido encargo, se incumba de apresentar a prova.
Em relação ao momento da inversão, José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva,
afirma que embora o juiz possa inverter o ônus da prova na sentença, deve, sempre que
possível, fazê-lo durante a audiência tendo em vista que, se a instrução não tiver sido
completa, ou seja, se houve indeferimento de provas o juiz não poderá inverter o
encargo probatório no momento da decisão e surpreender a parte que não teve
oportunidade de apresentar a prova que pretendia, pois restaria configurado
cerceamento de defesa e desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.29
Atualmente se tem defendido a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova,
segundo a qual as regras de distribuição do ônus probatório devem ser flexíveis, de
modo a permitir ao juiz, analisando o caso concreto, cometer o encargo probatório a
parte que possuir melhor aptidão para a prova. Segundo essa teoria, regras estáticas e
inflexíveis podem ocasionar injustiças em casos que a parte possui o ônus subjetivo,
mas não possui acesso à prova ou não possui condições materiais de perquiri-la.
Portanto, o juiz deve distribuir o ônus probatório à parte que detenha as melhores
condições de produzi-la em juízo, conforme ementa colacionada a seguir:
DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA.
PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. Hoje se encontra pacificado a
possibilidade de investigação probatória oficial sem se apegar à
necessidade do autor provar os fatos constitutivos e o réu, os extintivos,
modificativos e impeditivos, significando afirmar que pode o juiz, sem
que isso importe no desvirtuamento da regra do ônus da prova ou no
desequilíbrio entre as partes, determinar a produção de prova
ordinárias de experiências; (BRASIL, Lei 8078 de 11 de setembro de 1990.) Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm> Acesso em 28 jan. 2016. 29
SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira . O Ônus da Prova e sua Inversão no Processo
do Trabalho - Análise Crítica das Teorias Estática e Dinâmica. In: “Estudos Aprofundados
da Magistratura do Trabalho Volum, Salvador: JusPodium, 2014, v. II. p. 398.
32
necessária. A prova incumbe a quem tem melhores condições de
produzi-la de acordo com as circunstâncias dos autos.
(TRT-1 - RO: 00012373820125010053 RJ, Relator: Mario Sergio
Medeiros Pinheiro, Data de Julgamento: 28/04/2014, Primeira Turma,
Data de Publicação: 08/05/2014)
2.8. Meios de prova
Os meios de prova podem ser definidos como os instrumentos colocados à
disposição das partes para que possam demonstrar a veracidade dos fatos alegados por
elas, e, consequentemente, provar a existência do direito, no caso do autor, ou confirmar
a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, ou mesmo apresentar
contraprova ao direito alegado na peça inicial, no caso do réu. Desse modo, as partes
terão plenas condições de influir na resolução da lide, exercendo seu direito ao
contraditório e a ampla defesa, corolários do devido processo legal, e imprescindíveis
para que se tenha uma satisfatória prestação jurisdicional.
Importante destacar a diferença entre prova e fontes de prova, esta última se
referindo às pessoas ou coisas de onde emanam a prova que foi produzida, e aquelas,
aos instrumentos utilizados pelas partes para conferir ao órgão julgador subsídios que
formarão seu convencimento.
A Consolidação das Leis Trabalhistas trata do assunto em seus artigos 818 a
830, no entanto, não realiza uma análise sistemática dos meios de prova que poderão ser
utilizados no processo do trabalho, desse modo, faz-se necessário a aplicação
subsidiária do Código de Processo Civil no que tange às espécies de provas, respeitando
o disposto no art. 769 da CLT30
.
O Código de Processo Civil de 1973 disciplina as seguintes espécies probatórias:
depoimento pessoal (arts. 342 a 347); confissão (arts. 348 a 354); exibição de
documento ou coisa (arts. 355 a 363); prova documental (arts. 364 a 391); prova
testemunhal (arts. 400 a 419); prova pericial (arts. 420 a 439), e inspeção judicial (arts.
30
Artigo 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito
processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”
(BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do
Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >.
Acesso em: 15 jan. 2016.
33
440 a 443). Importante também destacar o art. 332 do CPC admite que possam ser
aceitos outros meios de prova além dos especificados no diploma legal, desde que se
tratem de meios legais ou moralmente legítimos.
2.9. Prova emprestada
A chamada prova emprestada se caracteriza pelo aproveitamento de
instrumentos probatórios, realizados em processo diverso, no processo atual. Ou seja,
translada-se o material probatório, seja ele relativo à prova pericial, depoimentos
pessoais ou testemunhais, confissões, etc., para o processo em que se deseja utilizar de
tais espécies probantes, observados alguns requisitos.
A prova emprestada não está disciplinada na CLT nem no CPC como espécie de
prova, entretanto, como se trata de um meio moralmente legítimo, de acordo com o art.
332 do CPC, pode-se admitir sua utilização no processo trabalhista, principalmente
tendo em vista a sua compatibilidade com a seara laboral, na medida em que
proporciona a observância de princípios constitucionais como o contraditório e a ampla
defesa, bem como a efetividade do processo.
Impende observar que o fato de a prova não ter sido colhida diretamente pelo
juízo para o qual se deseja transladar o instrumento probatório, não caracteriza um óbice
à sua utilização, mesmo porque quando o Tribunal aprecia prova produzida em primeira
instância, não a colhe diretamente, o que não impede a validade de sua apreciação e
utilização na formação de sua convicção, como entende Sérgio Pinto Martins: A prova
emprestada será, porém, uma exceção à regra de que as provas devem ser produzidas
no mesmo juízo, como ocorre em relação à prova por carta precatória [...].31
Importante destacar que a prova emprestada pode ser requerida por qualquer
uma das partes ou determinada de ofício pelo juiz, observando-se o disposto no art. 765
31
MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit. p. 357.
34
da CLT32
, ou mesmo as partes, em conjunto, podem decidir pela sua aplicação no
processo.
Mauro Schiavi sustenta que a prova emprestada pode, inclusive, ter sido
produzida nas esferas cível e criminal, e ser utilizada no processo trabalhista, em razão
do princípio da unidade da jurisdição, segundo o qual a jurisdição é una, mas, para a
melhor eficácia da atividade jurisdicional ela se reparte em competências que traduzem
a medida e os limites que cabem a cada jurisdicionado.33
Sobre os requisitos para a aplicação da prova emprestada na seara trabalhista, o
autor supracitado assevera que basta que a prova tenha sido produzida de acordo com as
formalidades legais, observando-se o contraditório, e que o fato que se deseja provar
seja idêntico nos dois processos, para que a prova seja admitida como prova
emprestada. Não sendo necessário, portanto, que as partes sejam as mesmas ou que pelo
menos uma delas tenha figurado em um dos polos da lide anterior, de modo que o fato
de a prova ter sido colhida pelas mesmas partes ou por terceiros, figura como elemento
de valoração da prova, e não como elemento de admissibilidade da mesma.
Sérgio Pinto Martins possui entendimento contrário, ao afirmar que além de
observar as formalidades legais, o contraditório e a identidade fática do fato probando, é
necessário que as partes sejam as mesmas para que a prova seja admitida no processo,
pois, para ele, a prova produzida por terceiros tem pouco valor quando empregada como
instrumento probatório em um processo em que figuram partes diversas, sendo,
portanto, ideal que as partes sejam as mesmas, nesse caso. 34
A prova emprestada, requerida pelas partes ou pelo juiz, passará por um juízo de
admissibilidade realizado pelo órgão julgador, e, se admitida, as partes terão a
possibilidade de impugná-la, e, por fim, o juiz realizará a valoração a prova na formação
de seu convencimento. Importante destacar que o Novo Código de Processo Civil, que
entrará em vigor em março de 2016, disciplina a matéria em seu art. 372, que confirma
a possibilidade de utilização da prova colhida em outro processo, in verbis: O juiz
32
Artigo 765: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo
e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária
ao esclarecimento delas.”( BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a
Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >. Acesso em: 15 jan. 2016. 33
SCHIAVI, Mauro, op. cit. p. 76 34
MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit. p. 157.
35
poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o
valor que considerar adequado, observado o contraditório.
36
CAPÍTULO 3. As provas ilícitas e sua aplicabilidade no processo do trabalho
3.1. Conceito e diferenças entre prova ilícita e ilegítima
A Constituição da República de 1988 proíbe a utilização no processo de provas
obtidas ilicitamente em seu art. 5º, LVI, o que consiste em uma forma de assegurar o
cumprimento de direitos e garantias fundamentais, como também garantir a observância
de princípios constitucionais aplicáveis ao direito processual como o devido processo
legal, a igualdade e a efetividade do processo.
A doutrina costuma compreender que o termo “prova ilícita” se enquadra em
uma das espécies do gênero provas vedadas, que abrange as espécies provas ilícitas e
provas ilegítimas, sendo possível, portanto, distingui-las de forma objetiva.
Assim, as chamadas provas ilícitas se referem às provas obtidas por meio de
uma infração à norma ou princípio de direito material, ou seja, embora a prova colhida
trate de informações verídicas, o modo pelo qual ela foi obtida desrespeita alguma regra
direito material, como, por exemplo, no caso de interceptação telefônica sem
conhecimento do outro interlocutor e sem autorização judicial, infringindo, desse modo,
a garantia constitucional do sigilo das interceptações telefônicas disciplinado pela
CRFB/88 no art.5º, XII.
As provas ilegítimas, por sua vez, se referem a provas colhidas por meio de
infração à norma ou princípio de natureza processual. Ou seja, o meio pelo qual a prova
foi colhida é perfeitamente válido, porém, o seu conteúdo é ilegítimo e afronta regra de
direito processual, como, por exemplo, na hipótese de laudo pericial realizado por perito
não qualificado, que infringe regras atinentes ao processo trabalhista insculpidas na
CLT. A sanção para o descumprimento dessas normas se encontra na própria lei
processual que pode ser, inclusive, uma sanção de nulidade da prova. Luiz Francisco
Torquato Avolio, acerca da distinção entre o momento em que se dá a ilicitude nas
provas ilícitas e ilegítimas, afirma que:
Enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento da sua
produção no processo, a prova ilícita pressupõe uma violação no
37
momento da colheita da prova, anterior ou concomitantemente ao
processo, mas sempre externamente a este.35
Mauro Schiavi, em relação à distinção entre provas ilícitas e ilegítimas assevera
que:
No nosso sentir, a ilicitude da prova se dá quando a prova obtida viola
tanto norma de natureza processual como de direito material, nos
termos do caput do art. 157 do CPP, que se aplica ao processo do
trabalho por força do art. 769. 36
Desse modo, tanto as chamadas provas ilícitas quanto as provas ilegítimas
encontram-se maculadas pela ilicitude e devem ser desentranhadas do processo, de
acordo com o que dispõe o art. 157, caput do Código de Processo Penal.37
3.2. Correntes doutrinárias sobre a utilização de provas ilícitas
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a tratar do
tema provas ilícitas, sendo categórica ao afastar a sua aplicação de acordo com o art. 5º,
LVI, in verbis: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.
Desse modo, o poder constituinte originário, ao adotar essa postura, buscava atender aos
anseios de uma sociedade que acabara de vivenciar um longo período de regime militar
no qual frequentemente se noticiava casos de desrespeito a direitos e garantias
individuais dos cidadãos. Nesse sentido, a proibição das provas ilícitas se configurava
em um meio de proteger o indivíduo dos arbítrios do Estado, garantindo um processo
justo pautado no contraditório e na ampla defesa, bem como nos direitos fundamentais
assegurados constitucionalmente.
Porém, em que pese o dispositivo constitucional que vedou de forma categórica
a utilização processual de provas ilícitas, com o decorrer do tempo inúmeras questões
que circundam o tema se colocaram como pontos a serem sopesados e melhor
35
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. Cit. p. 50 36
SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 124. 37
Artigo 157: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.” (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 2008). (Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.) Institui o
Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3689Compilado.htm > Acesso em: 17 jan. 2016.
38
compreendidos para que se possa garantir a efetividade da prestação jurisdicional e
impedir o engessamento do ordenamento jurídico, tendo em vista as constantes
mudanças pelas quais a sociedade perpassa. Nesse sentido, vale destacar comentário de
José Carlos Barbosa Moreira acerca da difícil missão de se buscar um ponto de
equilíbrio em meio a diferentes opiniões sobre o tema:
O problema das provas ilícitas inclui-se entre os mais árduos que a
ciência processual e a política legislativa têm precisado enfrentar, dada
a singular relevância dos valores eventualmente em conflito. De um
lado, é natural que suscite escrúpulos sérios a possibilidade de que
alguém tire proveito de uma ação antijurídica e, em não poucos casos,
antiética; de outro, há o interesse público de assegurar ao processo um
resultado justo, o qual normalmente impõe que não se despreze
elemento algum capaz de contribuir para o descobrimento da verdade. É
sumamente difícil, quiçá impossível, descobrir o ponto de perfeito
equilíbrio entre as duas exigências contrapostas 38
Assim, formaram-se diferentes correntes no que tange à admissibilidade de
provas que, embora obtidas por meios ilícitos, mostram-se imprescindíveis para
demonstrar a existência ou inexistência de fatos cruciais para que o julgador decida a
lide. A este respeito ainda não existe uma posição uníssona que satisfaça todas as
dissidências que podem ser suscitadas a partir do tema, porém, podemos destacar três
principais correntes nesse sentido, que passarão a ser analisadas separadamente a seguir.
3.2.1. Teoria Permissiva
Esta corrente doutrinária se pautava no interesse coletivo pela busca da verdade
real para admitir que as provas obtidas ilicitamente adentrassem no processo. Assim, o
interesse da Justiça deve prevalecer no descobrimento da verdade em detrimento de
eventual ilicitude na formação do instrumento probatório desde que seu conteúdo seja
verdadeiro e que a lei processual não proíba expressamente sua utilização, conforme
entendimento de José Carlos Barbosa Moreira:
Para a primeira, deve prevalecer em qualquer caso o interesse da Justiça
no descobrimento da verdade, de sorte que a ilicitude da obtenção não
subtrai à prova o valor que possua como elemento útil para formar o
38
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista
Forense. Rio de Janeiro: Editora Forense, n° 337: 125-134, jan./fev./mar. 1997. p. 121.
39
convencimento do juiz; a prova será admissível sem prejuízo da sanção
a que fique sujeito o infrator39
Para os doutrinadores adeptos a essa teoria, a formalidade processual de ilicitude
do meio pelo qual foi colhida a prova não teria o condão de obstar a incidência de prova
essencial para o deslinde do caso e para a busca da verdade. Os fundamentos mais
utilizados por esta corrente eram a descoberta da verdade, a celeridade e efetividade
processual e a premissa de que a inadmissibilidade de um ato processual não se
relaciona com a ilicitude material de certa conduta e, portanto, defendiam que apenas
quando a prova fosse ilegítima, por transgredir alguma norma ou princípio de natureza
processual, ela seria inadmitida no processo. Desse modo, as provas ilícitas, ou seja,
aquelas que foram colhidas mediante infração a uma norma de direito material poderiam
ser utilizadas no processo, sem prejuízo da sanção cabível por transgressão à norma
material. Confirmando esse entendimento, Luiz Francisco Torquato Avolio:
Como vimos, embora partindo de pressupostos diversos, as teorias
englobadas sob a rubrica da admissibilidade das provas ilícitas postulam
a sua utilizabilidade no processo, reservando ao infrator as sanções
cabíveis. Inutilizáveis, no processo, seriam somente as provas que a
própria lei processual proscreve.40
Em suma, tal corrente postula pela admissibilidade das provas obtidas por meio
ilícito no processo tendo em vista o interesse coletivo pela busca da verdade, bem como
a efetividade e celeridade processual. Desse modo, as provas ilícitas estariam em plenas
condições de ingressar no processo, sem prejuízo das sanções cabíveis ao infrator no
plano do direito material, somente obstando a admissibilidade quando se tratar de
provas ilegítimas, aquelas inadmitidas pela norma processual.
3.2.2. Teoria Obstativa
Para esta corrente, diferentemente e radicalmente oposta à primeira, não se pode
admitir que a prova obtida por meio ilícito seja utilizada no processo, mesmo que
inexista proibição em norma processual quanto a sua admissibilidade, ou seja, mesmo
que não se trate de prova ilegítima, não se pode conceber que um comportamento
39
MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p.109. 40
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 46.
40
antijurídico seja admitido no processo e que o infrator da norma obtenha proveito da
ilicitude.
Ada Pellegrini Grinover, citada por Luiz Francisco Torquato Avolio, assevera
que:
Sendo inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas, no processo,
preconizando pura e simplesmente a punição do infrator pelo ilícito
material cometido; afastada, como o fizemos, a simples visão unitária
que pretende superar a distinção entre ilícito material e
inadmissibilidade processual em uma posição que se baseia na unidade
do ordenamento jurídico, a necessária correlação entre o ato ilícito,
material, da obtenção da prova e sua inadmissibilidade e ineficácia
processuais somente pode ser feita, como vimos, pela qualificação que
os institutos processuais recebem do direito constitucional41
Desse modo, os doutrinadores adeptos a essa corrente postulavam pela unicidade
do ordenamento jurídico, que não se encontraria fracionado em áreas estanques e
incomunicáveis, e, portanto, a admissibilidade de um comportamento antijurídico e
contrário a uma norma poderia afetar o ordenamento como um todo. Para eles, mesmo
que a norma processual não obste taxativamente a aplicação de uma prova obtida por
infração de uma regra de direito material, ela não deve, em nenhuma hipótese, ser
admitida no processo para formar o convencimento do órgão julgador, conforme
entendimento de José Carlos Barbosa Moreira:
[...] Já para a segunda tese, o direito não pode prestigiar comportamento
antijurídico, nem consentir que dele tire proveito quem haja
desrespeitado o preceito legal, com prejuízo alheio; por conseguinte, o
órgão judicial não reconhecerá eficácia à prova ilicitamente obtida42
3.2.3. Teoria Intermediária
Esta teoria se funda no princípio da proporcionalidade, também conhecido como
“lei da ponderação”, que preconiza a ponderação de princípios antagônicos para que se
alcance a solução mais justa, observando-se o devido processo legal e a efetividade do
processo. Desse modo, a teoria da proporcionalidade postula que os princípios
conflitantes sejam analisados pelo juiz no caso concreto, que realizará a escolha do
41
GRINOVER, Ada Pellegrini apud AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p.86. 42
MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 109.
41
caminho mais justo para que se chegue a um equilíbrio, desde que se trate de uma
excepcionalidade. Barbosa Moreira, nesse sentido:
Alude-se, a tal propósito, ao chamado princípio da proporcionalidade.
Há que verificar se a transgressão se explicava por autêntica
necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte,
e se esta se manteve nos limites por aquela determinados; ou, se ao
contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios
regulares, e a infração gerou dano superior ao benefício trazido à
instrução do processo. Em suma, averiguar se, dos dois males, se terá
escolhido realmente o menor43
Carlos Henrique Bezerra Leite, especificamente na seara processual trabalhista,
assevera:
O princípio da proibição da prova ilícita vem sendo mitigado, em casos
concretos, com base nos princípios da proporcionalidade (ou
razoabilidade), segundo o qual não se deve chegar ao extremo de negar
validade a toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, como, por
exemplo, uma gravação sub-reptícia utilizada por empregada que deseja
fazer prova de que fora vítima de assédio sexual pelo seu empregador
ou superior hierárquico, sem o conhecimento deste. 44
Assim, o juiz deve averiguar em cada caso concreto todas as circunstâncias que
envolvem a obtenção e aplicação da prova ilícita. Primeiramente, deve-se analisar se
existia outro meio probatório apto para provar o fato alegado, caso em que a prova
ilícita deva ser inadmitida pela falta de necessidade em seu emprego. O magistrado, por
fim, deve sopesar os interesses envolvidos para escolher a melhor solução, analisando
se o direito de maior relevância foi violado com a obtenção da prova ilícita, ou se o
direito alegado pela parte possui maior importância a ponto de afastar a ilicitude da
colheita da prova e admitir a sua entrada no processo.
A teoria intermediária ou teoria da proporcionalidade foi desenvolvida como um
ponto de equilíbrio entre as duas correntes anteriores e propõe que o magistrado possa
valorar a prova trazida ao processo, e, seguindo critérios axiológicos, decida qual o
princípio deverá prevalecer e qual será sacrificado em prol da busca pela verdade e da
efetividade do provimento jurisdicional. Para esta corrente, que tenta conciliar
princípios antagônicos, nenhuma regra constitucional é absoluta de modo que possa
restringir sumariamente a aplicação de um direito fundamental, mesmo porque as regras
constitucionais coexistem com outras regras e princípios também constitucionais. Desse
modo, a proibição da prova ilícita se configura em um princípio relativo, que pode ser
43
BARBOSA, José Carlos Moreira, op. cit., p. 110. 44
LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 548.
42
afastado quando em confronto com interesse de maior relevância ou com outro direito
fundamental constitucionalmente garantido.
3.3. Princípio da Proporcionalidade e a Admissibilidade das Provas Ilícitas
O princípio da proporcionalidade, também conhecido como princípio da
razoabilidade ou da preponderância dos interesses, foi desenvolvido pelo direito alemão
como forma de atender aos anseios sociais advindos de um Estado pós-guerra45
que
instituiu o princípio da “proibição do excesso” como regra aplicável a todo o
ordenamento jurídico.
Este princípio, atualmente, vem ganhando importância no cenário jurídico de
diversos países, principalmente porque o direito constitucional contemporâneo ressalta a
importância da força normativa dos princípios para todo o sistema jurídico no que tange
a sua unidade e coerência. Luiz Francisco Torquato Avolio assevera que este princípio
possui primordialmente um sentido de limitar os poderes do Estado em prol da garantia
de direitos fundamentais dos indivíduos que lhe estão sub-rogados.46
Constitui, pois, o princípio da proporcionalidade, um sistema de ponderação de
valores, princípios e normas que se colocam em posição antagônica, sendo
imprescindível que o aplicador do direito, forme seu convencimento valendo-se de
critérios axiológicos, e escolha qual valor deverá se sobrepor por contemplar da melhor
forma todos os interesses envolvidos.
Traduzindo esta ideia, importante destacar o entendimento do ilustre jurista José
Carlos Barbosa Moreira acerca do referido princípio:
Daí a conveniência de deixar ao aplicador da norma restritiva
determinada margem de flexibilidade no respectivo manejo. Só a atenta
45
Pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “É a partir do fim da Segunda Guerra, com a nova
Constituição Alemã, a Lei Fundamental de 23 de maio de 1949, que a noção de dignidade da
pessoa humana se cristaliza e, assim, a tutela dos direitos fundamentais se torna mais efetiva,
criando as condições para o aclareamento e solidificação do entendimento do princípio da
proporcionalidade como hoje o conhecemos.” BENACCHIO Marcelo; BAEZ, Narciso Leandro
Xavier. XXIV Congresso Nacional do CONPEDI – UFMG/FUMEC/DOM HELDER
CÂMARA. Direito Civil Constitucional. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 21. 46
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 64.
43
ponderação comparativa de interesses em jogo no caso concreto
afigura-se capaz de permitir que se chegue a solução conforme à
Justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da
proporcionalidade.47
No que tange à utilização do recurso da ponderação de interesses na
admissibilidade de provas ilícitas, importa destacar, primeiramente, que os princípios
constitucionais não são absolutos, coexistindo com outros princípios constitucionais de
igual relevância, alçados à categoria de direitos fundamentais. Esta primeira premissa é
de suma importância principalmente na ocorrência de situações em que dois valores,
igualmente importantes, se mostram em oposição no caso concreto, como ocorre em
processo judicial quando a parte apresenta uma prova obtida por meio ilícito, ou seja,
violando alguma regra ou princípio de direito material, o que exige que o juiz faça uma
escolha entre admitir a prova ilícita como meio probatório prestigiando o direito que a
parte deseja provar, ou, impedir a entrada da prova ilícita no processo, tendo em vista a
ocorrência da ilicitude a uma norma jurídica.
No Brasil, a Constituição de 1988 optou por uma solução radical, proibindo, de
maneira categórica, a utilização de provas ilícitas em seu art. 5º, LVI. Isto se deve, em
grande parte, pelo contexto histórico em que o país se encontrava, após longos anos de
ditadura militar, onde eram frequentes abusos do poder estatal e desrespeito a direitos
fundamentais dos cidadãos, como a prática de tortura e violação da intimidade para
persecução de interesses do Estado ditatorial. O poder constituinte originário, portanto,
objetivando repelir tais práticas optou por excluir de maneira taxativa o uso de provas
colhidas que desrespeitassem alguma regra jurídica.
No entanto, a vedação total da prova ilícita muitas vezes se mostrava insuficiente
para salvaguardar todos os interesses envolvidos, o que acarretava resultados
indesejáveis, tendo em vista os ideais de justiça e a efetividade do provimento
jurisdicional. Assim, muitos doutrinadores passaram a desenvolver teses pautadas no
princípio da proporcionalidade para admitir casos em que a utilização da prova ilícita
seria necessária para assegurar o respeito a um bem jurídico de maior relevância,
conforme o caso apresentado. Conforme assevera José Carlos Barbosa Moreira:
Seja como for, o essencial aqui é por em realce o caráter relativo que
por força se tem de atribuir ao princípio constitucional atinente à
inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Visto que, ainda
entre os juristas mais comprometidos com a tese da proibição, se acaba
47
MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 114.
44
por admitir que ela não se aplica de modo automático e indiscriminado
sob quaisquer circunstâncias, fica aberta a possibilidade de uma
construção jurisprudencial que tome na devida conta as variáveis
necessidades sociais.48
No mesmo sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio:
[...] A teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também
denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos
interesses, consiste, pois, exatamente numa construção doutrinária e
jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da
prova obtida ilicitamente, permitindo em face de uma vedação
probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os
valores constitucionalmente relevantes postos em confronto.49
Cabe acrescentar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, se divide em três
subprincípios, a saber: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Pela necessidade se entende que o sacrifício de um direito fundamental deve ser
imprescindível para salvaguardar bem jurídico de igual ou maior importância, ou seja, a
escolha entre um direito em detrimento de outro se fez necessária como único modo
para se alcançar a solução mais justa.
Já em relação à adequação, se entende que a escolha adotada pelo magistrado
deva ser a mais adequada para solucionar o conflito em questão e alcançar a finalidade
social do processo.
A proporcionalidade em sentido estrito, por sua vez, se refere à própria
ponderação de valores realizada pelo magistrado no caso concreto, de modo que escolha
dentre os direitos fundamentais ou princípios que se oponham, aquele que se mostre de
maior relevância e que permita alcançar o fim do processo e da atividade jurisdicional,
em última análise.
Algumas críticas se insurgiram à aplicação do princípio da proporcionalidade no
que tange às provas ilícitas, exprimindo uma preocupação em relação ao subjetivismo
intrínseco à atividade devido à impossibilidade de se determinar os interesses e valores
envolvidos de maneira objetiva, o que teria que ser construído através da jurisprudência
em cada caso concreto. Nesse sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio:
Sem dúvida, existe o perigo, percebido nos precedentes jurisprudenciais
colacionados, de que os juízes, na definição da fattispecie singular,
venham a orientar-se somente com base nas circunstâncias particulares
48
MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 113. 49
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 67.
45
do caso concreto e percam de vista as dimensões do fenômeno no plano
geral.50
O autor, citando Trocker, afirma que há uma necessidade de se definir melhor os
critérios para a aplicação do referido princípio, através da determinação dos valores em
jogo, da ordem normativa e do cânone da proporcionalidade entre o meio empregado e
o fim a ser obtido, advertindo que os maiores receios derivam da errônea
individualização dos valores em jogo.51
Por fim, vale destacar ementa colacionada do TRT/SP-10ª Turma, acerca da
aplicação do princípio da proporcionalidade na admissão de provas ilícitas no processo:
PROVA ILÍCITA. Valoração. Prova obtida a partir da gravação
clandestina de conversa telefônica. É certo que o ordenamento
constitucional brasileiro, em princípio, repudia a aceitação das provas
obtidas ilicitamente (art. 5o, LVI da Constituição Federal). Não menos
certo é que doutrina e jurisprudência não se mostram convergentes
quanto à invalidade e imprestabilidade da prova ilícita e procuram
mitigar o rigor dessa inadmissibilidade absoluta, encampando uma tese
intermediária fundada nos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade. Assim, hodiernarmente, propugna-se a idéia de que, em
caso extremamente graves e excepcionais, quando estiverem em risco
valores fundamentais, também assegurados constitucionalmente, cabe
ao julgador admitir e valorar a prova tida por ilícita. Significa dizer que,
no caso concreto, deve haver uma análise de proporcionalidade dos
bens jurídicos protegidos e quando ocorrer uma lesão a um direito
fundamental de maior relevância, a prova deve ser validamente
admitida. In casu, cotejando os princípios das garantias constitucionais
à inviolabilidade da intimidade e da privacidade (art. 5o, X da
Constituição Federal), com os princípios da dignidade da pessoa
humana, do valor social do trabalho, do acesso à informação inerente ao
exercício profissional e da ampla defesa (art. 1o, incisos III e IV e art.
5o, incisos XIV e LV da Constituição Federal), resta irrefutável a
prevalência da prova obtida a partir da gravação clandestina de conversa
telefônica efetivada sem o conhecimento de um dos interlocutores do
diálogo, reproduzida em laudo de degravação por perito judicial,
mormente se considerada a primazia da realidade dos fatos. Reputo,
portanto, válida a prova produzida." (TRT/SP - 01559200506102009 -
RO - Ac. 10aT 20090633282 - Rel. Lilian Gonçalves - DOE
01/09/2009).
50
Ibidem, p. 72. 51
Idem.
46
3.4. Espécies de Provas Ilícitas no Processo Trabalhista
Conforme exposto, embora a legislação trabalhista não tenha disciplinado de
forma sistemática as espécies de prova admitidas no processo trabalhista, por força do
art. 769 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que permite a aplicação subsidiária de
outros diplomas processuais quando houver omissão na CLT, o Código de Processo
Civil é utilizado como fonte subsidiária de direito processual. Como se sabe, o Código
de Processo Civil não apresenta rol taxativo de espécies probatórias, tendo em vista o
art. 332 que admite emprego de outras provas moralmente legítimas.
No entanto, há casos em que provas obtidas de forma ilícita são admitidas no
processo pautadas no princípio da proporcionalidade, quando o juiz, valendo-se de
critérios axiológicos e de acordo com as peculiaridades de cada caso, escolhe qual
direito material possui maior relevância: o direito postulado pela parte que deseja
utilizar a prova ilícita como instrumento capaz de influir no julgamento da lide, ou o
direito que foi desrespeitado na colheita da prova ilícita. A seguir, apresenta-se breve
análise de principais provas obtidas de forma ilícita e suas consequências em relação à
admissão no processo trabalhista.
3.4.1. Gravações e interceptações clandestinas
Inicialmente, insta estabelecer a diferença entre gravações e interceptações
clandestinas. As interceptações telefônicas em sentido estrito caracterizam-se pela
captação de conversa telefônica por um terceiro estranho ao diálogo através de
grampeamento da linha telefônica, e sem o consentimento dos interlocutores, ou com
consentimento de apenas um deles. Quando a interceptação é feita por um terceiro que
se encontra no mesmo ambiente onde acontece a conversação, através da instalação de
gravador no recinto, com o desconhecimento dos interlocutores, dá-se o nome de
interceptação ambiental ou interceptação entre presentes, e, quando há o conhecimento
de algum dos interlocutores a interceptação ambiental passa a se chamar escuta
ambiental.
47
As chamadas gravações clandestinas são realizadas pelo próprio interlocutor,
sem a interferência de terceiro, não são, portanto, enquadradas no conceito de
interceptação. A gravação consiste no registro de conversa telefônica (gravação
clandestina propriamente dita) ou de conversa entre pessoas (gravações ambientais) por
um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.
O art. 5º, XII da Constituição Federal estabelece o sigilo de dados e das
comunicações telefônica, trazendo como única exceção hipótese de autorização judicial,
na forma da lei e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A Lei
9.296/96 regulamenta este dispositivo constitucional e em seu art. 2º, II proíbe a
admissão da interceptação telefônica quando o fato puder ser provado por outros
meios52
, além disso, o art. 10 estabelece que incorre na prática de crime aquele que se
utilizar de interceptação telefônica sem autorização judicial.53
Desse modo, infere-se que a autorização judicial se constitui em requisito
essencial para a admissão da interceptação telefônica como meio probatório. Na seara
trabalhista, a jurisprudência é unânime em negar a admissão de interceptação telefônica
sem autorização judicial, porém, a discussão gira em torno da possibilidade de
utilização da interceptação por autorização judicial do juiz do trabalho. Nesse sentido,
alguns juízes asseveram não ser possível a aplicação do referido inciso XII do art. 5º da
Constituição Federal fora do processo penal, sendo, portanto, inadmissível no processo
do trabalho. Outros magistrados e doutrinadores, por sua vez, entendem que seja
perfeitamente possível e válida a utilização da interceptação telefônica como prova no
processo do trabalho quando autorizada por decisão judicial e pautada no princípio da
proporcionalidade e na premissa de que nenhuma garantia constitucional tem valor
absoluto. Nesse sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio: É que nada impede a
aplicação do princípio da proporcionalidade no processo civil ou de qualquer outra
52
Artigo 2º: “Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer
qualquer das seguintes hipóteses:[...] II - a prova puder ser feita por outros meios
disponíveis;[...].” (BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.) Regulamenta o inciso XII,
parte final, do art. 5° da Constituição Federal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm >. Acesso em: 25 jan. 2016. 53
Artigo 10: “Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de
informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com
objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão de dois a quatro anos e multa.” (BRASIL. Lei
nº 9.296, de 24 de julho de 1996.) Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da
Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm
>. Acesso em: 25 jan. 2016.
48
natureza, desde que exista, no plano concreto, a contraposição de dois interesses
juridicamente relevantes [...]54
No que tange às gravações clandestinas, aquelas realizadas pelo próprio
interlocutor sem a interferência de terceiro e sem o conhecimento do outro interlocutor,
destaca-se também a existência de divergências doutrinárias acerca de sua licitude.
Alguns magistrados entendem como ilícita a gravação clandestina por ofender o direito
à intimidade e por se constituir em meio probatório moral ilegítimo, razões pelas quais
não deve ser admitida no processo trabalhista, conforme ementa colacionada a seguir:
PROVA ILÍCITA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
CARACTERIZADA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA
TELEFÔNICA CLANDESTINA. A interceptação de conversa
telefônica de empregado, sob a supervisão de "autoridade policial civil",
justificada como medida de prevenção de possíveis desvios de
comportamentos e estribada na equivocada premissa de seu uso como
instrumento de controle e gestão das atividades empresariais, constitui
grave violação aos direitos inerentes ao sigilo das comunicações, à
liberdade de manifestação do pensamento, à privacidade e intimidade,
que a Constituição Federal cuidou de resguardar, no âmbito dos Direitos
e Garantias Fundamentais (art. 5o., incisos IV, X e XII). A escuta
telefônica clandestina, realizada sem o consentimento do trabalhador e
autorização judicial, não tem amparo legal e o seu indeferimento não
caracteriza cerceamento ao direito de defesa (CF/88, art. 5o., inciso LVI
e CPC, art. 332).(TRT-3 - RO: 1813405 00739-2005-091-03-00-0,
Relator: Convocado Antonio G. de Vasconcelos, Segunda Turma, Data
de Publicação: 03/05/2006 DJMG . Página 16. Boletim: Sim.)
Outros magistrados, porém, postulam pela possibilidade de sua admissão no
processo do trabalho fundamentando-se na licitude da prova, tendo em vista que o
inciso XII do art. 5º da Constituição Federal apenas veda a utilização da interceptação
como meio probatório, não abrangendo as gravações clandestinas, sejam elas telefônicas
ou ambientais. Nesse sentido, destaca-se a seguinte ementa do TST:
GRAVAÇÃO UNILATERAL DE DIÁLOGO ENTRE PESSOAS,
EFETIVADA POR UM DOS PARTICIPANTES. MEIO LÍCITO
DE PROVA. NÃO ENQUADRAMENTO NO CONCEITO
CENSURADO DE ‘INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. Não existe
ilicitude na gravação unilateral de diálogo entre pessoas, mesmo pela
via telefônica ou congênere, desde que realizada a gravação por um dos
interlocutores, ainda que sem conhecimento do (s) outro (s), e desde que
não haja causa legal específica de reserva ou de sigilo. Tal meio de
prova pode, sim, ser utilizado em Juízo pelo autor da gravação. Essa
conduta e tal meio probatório não se confunde com a interceptação
telefônica, nem fere o sigilo telefônico, ambos regulados
pela Constituição (art. 5.º, X,XII e LVI, CF/88). Recurso de revista não
conhecido." (RR - 20100-06.2007.5.03.0136, Relator: Ministro
54
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 122.
49
Mauricio Godinho Delgado, Ac. 3.ª Turma, publicado no DEJT
7/6/2013.)
3.4.2. Documento Furtivamente Obtido
O uso de documentos sigilosos é frequente na justiça trabalhista, notadamente
pelo empregado, que, através de uma ação furtiva, obtêm documentos que comprovam o
direito alegado, como, por exemplo, no caso de cartão de ponto para a comprovação de
horas extras ou trabalho noturno, documentos que comprovem direito à adicional de
insalubridade ou algum recibo que comprove a relação de emprego. O reclamante,
receoso que o reclamado negue a existência do documento que comprova o seu direito,
se apropria indevidamente do documento e o apresenta ao juízo requerendo sua juntada
aos autos do processo.
O empregado deve respeitar o sigilo profissional da empresa em que presta
trabalho, sendo este dever inerente à sua atividade e passível de justa causa quando
desrespeitado, de acordo com o art. 482, alínea g da CLT, além disso, a divulgação de
documentos particulares sem autorização também é tipificada pelo Código Penal como
crime sujeito a pena de detenção e multa.55
No entanto, esta matéria ainda não se encontra pacificada nos tribunais, tendo em
vista que muitos doutrinadores e operadores do direito têm defendido a possibilidade de
se admitir o documento obtido furtivamente como meio probatório na justiça
trabalhista, pautando-se no princípio da proporcionalidade, e, portanto, caberia ao juiz
em face da situação concreta a ele apresentada, e desde que se trate de situação
55
Artigo 153: “Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de
correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa
produzir dano a outrem: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...]” (BRASIL.
Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.) Código Penal. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm >. Acesso em: 25 jan. 2016.
Artigo 154: ”Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função,
ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena - detenção,
de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante
representação.”( BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.) Código Penal.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>
Acesso em 25 jan. 2016.
50
excepcional e que não haja outro meio apto para provar o mesmo fato, decidir sobre o
acolhimento ou não da prova, conforme Avolio:
Esse estado de necessidade processual pode ser eventualmente
legitimado à luz do princípio da proporcionalidade, que admite
a denominada prova ilícita pro reo, visto que o direito de defesa
se sobrepõe ao da intimidade ou da inviolabilidade do domicílio
do titular desses direitos.56
3.4.3. Revista Íntima de Empregados
O art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece a definição de
empregador como aquele que assume os riscos da atividade econômica e dirige a
prestação de serviços. Assim, este conceito abrange a prerrogativa do empregador de
controlar as atividades realizadas pelo obreiro, de determinar a organização e estrutura
do espaço interno em que será realizada a prestação de serviços, além de conferir o
poder de fiscalização, tendo em vista o direito de propriedade do empregador que
poderia eventualmente ser violado ou subtraído pelo empregado.
No entanto, o exercício do poder diretivo do empregador, principalmente no que
tange a prerrogativa de fiscalização, se exercido com abuso, viola a intimidade do
obreiro e pode lhe trazer danos de ordem moral. O abuso se dá quando o direito de
fiscalização é exercido em excesso, trazendo constrangimentos ao empregado e
violando sua intimidade, como ocorre nas revistas realizadas na frente de outros
funcionários da empresa. A jurisprudência tem admitido a revista íntima de empregados
quando não exercida além dos limites impostos pela razoabilidade, conforme ementa
colacionada a seguir:
REVISTA ÍNTIMA DE EMPREGADO E SEUS PERTENCES.
OBSERVAÇÃO AOS LIMITES IMPOSTOS PELA
RAZOABILIDADE, COMO FORMA DE ASSEGURAR A
LICITUDE DA CONDUTA PATRONAL. Ofende a incolumidade
subjetiva do empregado a utilização de procedimento de revista quando
não efetuado em caráter geral que observe critérios objetivos. Ilicitude
agravada por sua realização em local inapropriado, por se tratar de
acesso comum às demais pessoas. Condenação à reparação por danos
morais que se mantém.(TRT-1 - RO: 12527320115010204 RJ, Relator:
56
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 260-261.
51
Nelson Tomaz Braga, Data de Julgamento: 04/07/2012, Sexta Turma,
Data de Publicação: 2012-07-13)
Importante destacar que o art. 373-A da CLT veda a revista íntima em mulheres,
no entanto, em razão do princípio da isonomia, tem-se entendido que este dispositivo
legal também se aplicaria aos homens. Nesse sentido, o enunciado n. 15 da 1ª Jornada
de Direito Material e Processual do Trabalho estabelece que o referido artigo da CLT se
aplicaria a ambos os sexos, in verbis:
REVISTA DE EMPREGADO. I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e
qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus
prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por
ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do
trabalhador. II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS
SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas
íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da
igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da
República.
Assim, a revista íntima realizada tanto em empregados quanto em empregadas se
configura em prática ilegal e não poderia, portanto, ser utilizada como prova em ação
trabalhista. No entanto, com a análise das particularidades trazidas por cada caso
concreto e desde que seja uma situação excepcional e que não haja outro meio
probatório apto, o juiz, à luz do princípio da proporcionalidade e utilizando-se de
critérios axiológicos, poderá admitir tal prova para comprovar algum ato de
improbidade praticado pelo empregado, por exemplo.
3.4.4. E-mail Corporativo
Com o avanço da tecnologia e da rede mundial de computadores, novas formas de
comunicação foram sendo introduzidas no dia a dia das empresas, uma delas,
proporcionada pelo crescimento exponencial da Internet, foi o correio eletrônico, mais
conhecido como e-mail, popularizado pela facilidade e rapidez na troca de dados entre
pessoas. Não há, ainda, na legislação brasileira, nenhuma lei que regulamente o correio
eletrônico, no entanto, entende-se que está abrangido pelo sigilo de correspondência
52
previsto no art. 5º, XII da Constituição Federal. Portanto, a violação e divulgação de
conteúdo de e-mail pessoal configura ato ilícito tendo em vista a violação da intimidade,
também de alçada constitucional.
Nesse sentido, geralmente as empresas fornecem senhas de acesso a endereços
eletrônicos para seus empregados como forma de aumentar a produtividade, no entanto,
muitas vezes os obreiros utilizam-se desta ferramenta para fins exclusivamente pessoais,
desvirtuando os fins anteriormente fixados pela empresa com o uso deste meio de
comunicação. Assim, esta prática tem ensejado a adoção de práticas fiscalizatórias de
correio eletrônico pelos empregadores como forma de controlar o uso do e-mail pelos
empregados e garantir que seja utilizado de maneira correta.
Contudo, a fiscalização de dados eletrônicos pelo empregador suscita muitas
discussões acerca de sua licitude, tendo em vista a violação da intimidade do
empregado. É de se destacar que o endereço eletrônico pessoal do obreiro não pode, de
forma alguma, ser objeto de fiscalização pelo empregador, somente se admitindo a
discussão na hipótese de endereço de e-mail fornecido pelo próprio empregador como
instrumento de trabalho.
Em que pese opiniões acerca da ilicitude da prática fiscalizatória do e-mail
corporativo, a jurisprudência57
e doutrina têm entendido pela sua admissão, desde que
pautada na razoabilidade e utilizando-se de critérios objetivos previamente divulgados
aos empregados. Nesse sentindo, Mauro Schiavi aponta alguns cuidados que devem ser
tomados pelo empregador na prática fiscalizatória de e-mail eletrônico corporativo:
57
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - E-MAIL CORPORATIVO
- ACESSO PELO EMPREGADOR SEM A ANUÊNCIA DO EMPREGADO - PROVA
ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, o e-
mail corporativo ostenta a natureza jurídica de ferramenta de trabalho, fornecida pelo
empregador ao seu empregado, motivo pelo qual deve o obreiro utilizá-lo de maneira adequada,
visando à obtenção da maior eficiência nos serviços que desempenha. Dessa forma, não viola os
arts. 5º, X e XII, da Carta Magna a utilização, pelo empregador, do conteúdo do mencionado
instrumento de trabalho, uma vez que cabe àquele que suporta os riscos da atividade produtiva
zelar pelo correto uso dos meios que proporciona aos seus subordinados para o desempenho de
suas funções. Não se há de cogitar, pois, em ofensa ao direito de intimidade do reclamante.
Agravo de instrumento desprovido . AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA - CONVERSA - GRAVAÇÃO FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES -
PROVA ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. O Supremo Tribunal Federal já firmou
entendimento no sentido de que a gravação de conversa por um dos interlocutores, a fim de
repelir conduta ilícita do outro, não se enquadra na vedação prevista no art. 5º. LVI, da Carta
Magna, constituindo-se, pois, exercício regular de direito. Agravo de instrumento desprovido.
(TST - AIRR: 1640408620035010051 164040-86.2003.5.01.0051, Relator: Luiz Philippe Vieira
de Mello Filho, Data de Julgamento: 15/10/2008, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ
24/10/2008.)
53
a) Fundada suspeita de utilização indevida do e-mail pelo empregado;
b) Indícios suficientes de que o empregado está desvirtuando a
utilização do e-mail;
c) Que seja extremamente necessário, não havendo possibilidade de se
provar o fato por outros meios;
d) Razoabilidade e boa-fé por parte do empregador.58
Desta forma, eventual prova colhida através de monitoração do e-mail corporativo
disponibilizado ao obreiro pode ser admitida no processo, seguindo critérios de
ponderação de interesses avaliada no caso concreto.
3.5. Prova Ilícita por Derivação
Tema relevante no tocante às provas ilícitas e sua admissibilidade no processo é
em relação à chamada prova ilícita por derivação, que se refere à prova que, embora
obtida de forma lícita, emana de uma prova obtida por meio ilícito. Ou seja, trata-se de
uma prova obtida de acordo com o ordenamento jurídico e que por si só estaria apta a
produzir efeitos no processo judicial, porém, seu conhecimento foi proporcionado pelo
conteúdo de uma prova ilícita.
A jurisprudência norte-americana foi pioneira no desenvolvimento do tema com
a criação da teoria dos frutos da árvore envenenada segundo o qual o vício da árvore
tem o condão de contaminar todos os frutos, ou seja, as provas que decorrem de uma
prova obtida ilicitamente estariam viciadas, embora se tratem de meios probatórios
formalmente admissíveis. Desse modo, caso uma confissão obtida mediante prática de
tortura dê margem ao descobrimento de algum documento importante para o deslinde da
causa, este não poderá ser admitido como meio probatório no processo, tendo em vista
que seu conhecimento se deu através de uma confissão por prática de tortura, vedada
pelo ordenamento jurídico.
Impende observar que o art. 157 do nosso Código de Processo Penal consagra a
referida teoria ao inadmitir provas decorrentes de provas ilícitas, exceto quando não se
configurar nexo de causalidade entre elas ou quando puderem ser obtidas por meio de
outra fonte. Assim, embora a prova seja formalmente lícita, se houver nexo de
58
SCHIAVI, Mauro, op. cit. p. 132.
54
causalidade com uma prova obtida ilicitamente ela não poderá ser admitida no
processo.59
3.6. Assédio Moral e a Dificuldade Probatória
O assédio moral, no que tange a seara laboral, se caracteriza pela prática
reiterada de condutas abusivas que exponham o empregado a situações vexatórias e
humilhantes capazes de ofender a sua personalidade, integridade e dignidade durante a
jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
A ocorrência deste tipo de violência moral costuma ser frequente no ambiente de
trabalho tendo em vista a subordinação do obreiro em relação ao empregador ou outro
funcionário de superior hierarquia. Importante destacar que a prática do assédio moral
geralmente se dá de forma silenciosa e cautelosa, como forma de impedir a ciência de
terceiros, o que acarreta inúmeras dificuldades à vítima em relação à prova do assédio.
Desse modo, tendo em vista a complexidade que envolve obtenção de provas por
parte do empregado capazes de influir no julgamento da lide e a extrema relevância dos
bens jurídicos violados com a prática do assédio, ganha espaço a discussão acerca da
admissibilidade de provas obtidas por meios, a princípio ilícitos, mas que se configuram
como único meio capaz de comprovar a violência alegada, como, por exemplo, o uso de
gravações clandestinas, fotografias ou filmagens sem o conhecimento do agressor.
Este entendimento, pautado no princípio da proporcionalidade e da premissa
segunda a qual não existem direitos absolutos, tem sido defendido juízes trabalhistas de
forma a garantir a efetividade e a justiça na prestação jurisdicional, conforme
59
Artigo 157: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,
assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais § 1o São também
inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de
causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras. [...]”(BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941.)
Institui o Código de Processo Penal. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 28 jan.
2016.
55
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho colacionada a seguir em que se admite
gravação clandestina para comprovar assédio moral:
"ASSEDIO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. GRAVAÇÃO
AMBIENTAL. PROVA. LICITUDE. MONTANTE. 1. Na esteira do
entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do
Trabalho, é válida a gravação ambiental por parte de um dos
interlocutores como meio de prova. 2. O Tribunal Regional deixa patente
que a gravação realizada pela empregada demonstra a sugestão do
empregador de ajuizamento de lide simulada como condição para
satisfação dos créditos rescisórios da trabalhadora, restando demonstrado
o assédio moral. 3. Segundo a jurisprudência dessa Corte, a imissão, por
meio de pretensão posta em recurso de revista, no montante em que se
fixa a reparação de danos morais se limita aos casos de desrespeito aos
limites superiores ou inferiores da razoabilidade, o que no caso não se
configura. Não conhecido"(RR-201500-22.2008.5.07.0001, Relator
Ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT 17/08/2012).
56
CONCLUSÃO
A análise do instituto do direito probatório é de extrema importância para o
direito processual e para o acesso a uma ordem jurisdicional justa e efetiva tendo em
vista a essencialidade do papel exercido pela prova na busca da verdade substancial dos
fatos, principalmente no tocante ao direito processual trabalhista pela aplicação do
princípio da busca da verdade real.
Como visto, a prova possui o condão de transladar a verdade real para o
processo e confere às partes o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla
defesa, pela possibilidade de influir na decisão do órgão julgador. Além disso, notório o
caráter de direito fundamental atribuído ao direito probatório, tendo em vista sua ligação
com os dois princípios supracitados assegurados constitucionalmente.
Em que pese proibição expressa da Constituição Federal em seu art.5º, LVI
acerca da utilização das provas obtidas por meios ilícitos, muito se tem discutido,
hodiernamente, a respeito das consequências de sua admissão como meio probatório
capaz de produzir regular efeito no processo judicial. Neste sentido, conforme estudo
das teorias que circundam o tema, três principais correntes se insurgiram: duas
pugnavam por extremos opostos, ou seja, a absoluta vedação e a admissibilidade
irrestrita das provas; e a última, conhecida como teoria intermediária, postulava pela
aplicação do princípio da proporcionalidade para a resolução do impasse.
Esta última teoria tem sido aceita por boa parte da doutrina que também
demonstrou os riscos de se adotar posições extremas no tocante ao tema, tendo em vista
o caráter fundamental dos direitos e princípios que podem estar envolvidos. Nesse
diapasão, a teoria intermediária assevera que o juiz, fazendo o uso de seu poder
discricionário, deve sopesar os valores envolvidos em cada caso concreto e escolher
qual trará o menor dos males, ou seja, aquele valor, direito ou princípio que vai melhor
satisfazer o impasse formado.
Insta destacar que a doutrina desenvolveu uma importante distinção entre as
provas ilícitas, que comportariam as provas ilegítimas, ou seja, aquelas que contrariam
normas ou princípio de direito processual; e as provas ilícitas, que, por sua vez, se
referem às provas colhidas em discordância com alguma regra ou princípio de natureza
material.
57
Além disso, verificou-se que os princípios e as garantias constitucionais não são
absolutos, de forma que, no caso concreto, podem colidir com outros de igual
importância e, portanto, caberá ao juiz decidir qual deve prevalecer por ostentar maior
relevância no conflito apresentado ao judiciário.
Destarte, a partir do estudo apresentado, verifica-se a notória importância e
conveniência na aplicação do princípio da proporcionalidade no que tange às provas
obtidas por meios ilícitos, objetivando-se conciliar princípios antagônicos e decidir,
segundo critérios axiológicos, qual princípio ostenta maior relevância no caso concreto
e possui o condão de se sobrepor ao outro de igual relevância, de modo a afastar sua
aplicação.
Por fim, importante destacar o papel do Direito como fato social, de modo que a
ciência jurídica não deve ser compreendida de forma apartada da sociedade, mas sim, de
forma que possa acompanhar as mudanças sociais que se insurgem com o passar dos
anos. Assim, imperioso se faz a compreensão de que a proibição constitucional do
emprego de provas ilícitas reflete o contexto social vivenciado pelo país na época,
porém, a adoção de posturas extremas pode acarretar a ocorrência de decisões injustas,
que poderiam ser resolvidas com a adoção de uma ponderação de princípios que consiga
melhor responder aos conflitos atuais que são levados ao poder judiciário como forma
de alcançar o principal escopo da jurisdição que é a pacificação social.
58
BIBLIOGRAFIA
AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, Interceptações Telefônicas e
Gravações Clandestinas. 6. ed. São Paulo: RT, 2015.
BERTELLI, Sandra Miguel Abou Assali, A importância da prova como garantia de
efetividade no processo do trabalho. Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp099274.pdf> Acesso em 02
out. 2015
BRASIL. (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>
Acesso em: 10 set. 2015.
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das
Leis do Trabalho. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/DecretoLei/Del5452.htm >. Acesso em 10 set.
2015.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm> . Acesso em: 03
out. 2015.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Novo Código de Processo
Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 03 out. 2015
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito
Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 14. Ed. Salvador: editora
juspodivm, 2012.
DUTRA, Samuel Lumertz. A prova ilícita no processo do trabalho. (Monografia em
Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2010. Disponível em
<
http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_1/sa
muel_dutra.pdf > Acesso em 05 set. 2015.
CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. 24. ed. rev. e atual. São
Paulo: Atlas, 2013, v. 1.
CARVALHO, Michele Aurélio. Flexibilização da inadmissibilidade das provas
ilícitas. Disponível em
<http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista06/Discente/07.pdf> Acesso em 18
out. 2015.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 28ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros,
2012.
59
FAGUNDES, Amanda. Diferença entre prova ilícita e prova ilegítima. Disponível
em <http://estudojustrabalhista.blogspot.com.br/2012/12/diferenca-entre-prova-ilicita-
e.html> Acesso em 06 out. 2015.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São
Paulo: LTr, 2010.
LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Assédio moral no trabalho e a dificuldade de prova.
Disponível em <http://jus.com.br/artigos/23517/assedio-moral-no-trabalho-e-a-
dificuldade-da-prova/2> Acesso em 10 dez. 2015.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32. ed. São Paulo: Atlas,
2011
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 2010.
MIESSA, Élisson.; CORREIA, Henrique. (Org.). Estudos Aprofundados
Magistratura do Trabalho. 1 ed. Salvador: Jus Podivm, 2014, v. 2.
MOLLA, Pedro de. Provas ilícitas constitucionais. 2011. 190f. Tese (Mestrado em
Direito Constitucional). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
2011. Disponível em <
http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=12665>. Acesso em
05 set. 2015.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. In:
Temas de Direito Processual – 6ª série. São Paulo: Saraiva, 1997.
RAMOS, Vitor de Paula, Direito fundamental à prova. Disponível em
<http://www.academia.edu/4713505/Direito_Fundamental_%C3%A0_Prova> Acesso
em 05 set. 2015.
RESENDE, Tiago Pereira, A admissibilidade da prova ilícita no processo do
trabalho. (Monografia em Direito) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia
2011. Disponível em < http://pt.slideshare.net/tg20resen/a-admissibilidade-da-prova-
ilcita-no-processo-do-trabalho > 15 out. 2015.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr,
2009.
SCHIAVI, Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo:
LTr, 2014.
SILVERIO, José David Pinheiro, O direito à prova em face do princípio do
contraditório na perspectiva dos direitos fundamentais. Disponível em
<http://jus.com.br/artigos/18339/o-direito-a-prova-em-face-do-principio-do-
contraditorio-na-perspectiva-dos-direitos-fundamentais> Acesso em 05 set. 2015.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16. Ed. São
Paulo: Saraiva, 2013.
60