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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO FACULDADE DE DIREITO ISABELLA ROXO DA SILVA PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO TRABALHISTA Niterói Março de 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

FACULDADE DE DIREITO

ISABELLA ROXO DA SILVA

PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO

TRABALHISTA

Niterói

Março de 2016

Page 2: Monografia Isabella Roxo.pdf

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO

ISABELLA ROXO DA SILVA

PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO TRABALHISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao Curso de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial para a

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos

Niterói

Março de 2016

Page 3: Monografia Isabella Roxo.pdf

Universidade Federal Fluminense

Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito

S586

Silva, Isabella Roxo da

Provas ilícitas: aplicabilidade no processo trabalhista/ Isabella Roxo da Silva

– Niterói, 2016.

59 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Graduação em Direito) –

Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Processo trabalhista. 2.Provas ilícitas. 3. Ponderação de interesses. 4.

Direitos fundamentais. 5. Princípio da proporcionalidade. I. Universidade

Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável II.

Título.

CDD 342. 68

Page 4: Monografia Isabella Roxo.pdf

ISABELLA ROXO DA SILVA

PROVAS ILÍCITAS: APLICABILIDADE NO PROCESSO

TRABALHISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

Faculdade de Direito da Universidade Federal

Fluminense como requisito parcial à obtenção do grau

de Bacharel em Direito.

Aprovada em Março de 2016.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Dra. Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos – Orientadora

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Profª. Ma. Jurema Schwind Pedroso Stussi

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Profª. Ma. Simone Cortes Belfort

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Page 5: Monografia Isabella Roxo.pdf

RESUMO

O direito probatório exerce papel de extrema importância no ordenamento jurídico,

atendendo ao principal objetivo da jurisdição que é a resolução dos conflitos sociais, e

garantindo que os indivíduos possam exercer, de maneira efetiva, influência no julgamento

da lide. Contudo, o direito a prova encontra limites na própria Constituição Federal de 1988

que proíbe de forma expressa a utilização de provas obtidas por meio ilícito no processo.

Nesse contexto, surgem diversos debates a respeito do tema, de modo que se destacam três

principais correntes doutrinárias acerca da utilização as provas ilícitas: a primeira, que veda

absolutamente seu uso; a segunda, que o admite irrestritamente e uma terceira teoria, que por

sua vez, postula pela aplicação do princípio da proporcionalidade e da ponderação de

interesses para que o juiz, no caso concreto decida qual valor deverá prevalecer. Destarte,

este trabalho se propõe a analisar o instituto do direito probatório, principalmente na seara

processual trabalhista, e os princípios constitucionais que a ele se relacionam e, por fim,

apresentar um estudo acerca da admissibilidade das provas obtidas por meio ilícito bem

como as principais espécies de provas ilícitas que são apresentadas no processo trabalhista e

a posição de doutrinadores e da jurisprudência em relação à sua admissão no processo.

Palavras-chave: Provas ilícitas. Provas ilegítimas. Princípio da Proporcionalidade.

Ponderação de Interesses.

Page 6: Monografia Isabella Roxo.pdf

ABSTRACT

The right proof carries very important role in the legal system, taking into account the main

objective of the jurisdiction that is the resolution of social conflicts, and ensuring that

individuals can exercise effectively, influence on the trial of the dispute. However, the right

is proof in itself limits the Federal Constitution of 1988 that expressly prohibits the use of

evidence obtained by unlawful means in the process. In this context, were various debates on

the subject, so that three main doctrinal currents about using illegal evidence: the first, which

prohibits absolutely its use; the second, which admits implicitly and a third theory, which

posits that the principle of proportionality and of the weighting of interest for the judge in

the case to decide which value should prevail. Thus, this work intends to analyze the

Institute of evidentiary law, especially on labor, and the procedural field constitutional

principles that he relate and, finally, present a study about the admissibility of evidence

obtained by unlawful means as well as the main species of illegal evidence that are

presented in the labour process and the position of Jurists and jurisprudence in relation to

their acceptance in the process.

Keywords: Illegal Evidence. Illegitimate Evidence. Principle of Proportionality.

Consideration of interests.

Page 7: Monografia Isabella Roxo.pdf

LISTA DE ABREVIAÇÕES

Art. – Artigo.

Arts. – Artigos.

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil.

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas.

CP – Código Penal.

CPC – Código de Processo Civil.

n. – Número.

p. – Página.

TRT – Tribunal Regional do Trabalho.

TST – Tribunal Superior do Trabalho.

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Sumário

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 8

CAPÍTULO 1. A Prova como Direito Fundamental ................................................................... 10

1.1. A Importância do direito probatório à luz dos direitos e garantias fundamentais ............ 10

1.2. Matriz Principiológica ...................................................................................................... 11

1.3. Contraditório .................................................................................................................... 13

1.4. Ampla Defesa ................................................................................................................... 14

1.5. Devido Processo Legal ..................................................................................................... 16

CAPÍTULO 2. A Prova no Processo do Trabalho ...................................................................... 19

2.1. Conceito ........................................................................................................................... 19

2.2. Objeto ............................................................................................................................... 20

2.3. Finalidade ......................................................................................................................... 21

2.4. Princípios Regentes da Prova no Processo do Trabalho .................................................. 22

2.5. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ......................................................... 26

2.6. Ônus da prova .................................................................................................................. 28

2.7. Inversão do ônus da prova ................................................................................................ 30

2.8. Meios de prova ................................................................................................................. 32

2.9. Prova emprestada ............................................................................................................. 33

CAPÍTULO 3. As provas ilícitas e sua aplicabilidade no processo do trabalho ......................... 36

3.1. Conceito e diferenças entre prova ilícita e ilegítima ........................................................ 36

3.2. Correntes doutrinárias sobre a utilização de provas ilícitas ............................................. 37

3.2.2. Teoria Obstativa ........................................................................................................ 39

3.2.3. Teoria Intermediária .................................................................................................. 40

3.3. Princípio da Proporcionalidade e a Admissibilidade das Provas Ilícitas ......................... 42

3.4. Espécies de Provas Ilícitas no Processo Trabalhista ........................................................ 46

3.4.1. Gravações e interceptações clandestinas ................................................................... 46

3.4.2. Documento Furtivamente Obtido .............................................................................. 49

3.4.3. Revista Íntima de Empregados .................................................................................. 50

3.4.4. E-mail Corporativo .................................................................................................... 51

3.5. Prova Ilícita por Derivação .............................................................................................. 53

3.6. Assédio Moral e a Dificuldade Probatória ....................................................................... 54

CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 56

Page 9: Monografia Isabella Roxo.pdf

8

INTRODUÇÃO

O direito à prova constitui instrumento de fundamental importância para um

Estado Democrático de Direito ao contribuir para o alcance de uma ordem jurídica justa,

respeitando direitos fundamentais dos indivíduos e concretizando princípios

constitucionais aplicáveis ao processo. Embora não disposto de maneira expressa pelo

art. 5º da Constituição Federal de 1988, inegável o caráter de direito fundamental

atinente ao direito probatório, tendo em vista sua intrínseca ligação com os princípios

do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, como será demonstrado no

decorrer do presente trabalho.

Deste modo, o direito à prova possibilita que as partes possam, de maneira

efetiva, influir no convencimento do julgador e, em última análise, influenciar a

resolução da lide. Nesse sentido, a prova possui o condão de transladar a verdade real

dos fatos para o os autos do processo, possuindo ainda maior relevância no contexto do

processo trabalhista, devido à aplicação do princípio da busca da verdade real,

objetivando alcançar um dos escopos da jurisdição, que é pacificar os conflitos sociais

apresentados ao judiciário.

O direito à produção de provas encontra limites na proibição do inciso LVI do

art. 5º da Constituição no uso de provas obtidas por meio ilícito, o que constitui uma

garantia fundamental que assegura o respeito a direitos fundamentais como a dignidade

humana e a intimidade. Insta ressaltar que as ingerências indevidas do poder estatal na

esfera individual, durante o período da ditadura militar (1964-1985), contribuíram para

que o constituinte originário envidasse esforços para coibi-las no momento da

promulgação da Constituição de 1988.

No entanto, a inadmissibilidade absoluta de provas obtidas de forma ilícita

muitas vezes pode acarretar injustiça e desrespeito a direitos fundamentais de igual

relevância àqueles que se pretendia proteger com a proibição da ilicitude de provas no

ordenamento jurídico. Nesse sentido, surge doutrina que postula ser possível admitir,

em casos excepcionais, a utilização de provas obtidas de forma ilícita, à luz do princípio

da proporcionalidade pautado na ponderação de princípios de igual relevância a partir

de um caso concreto.

Assim, pretende-se com este trabalho analisar o instituto da prova, bem como os

princípios constitucionais a ela relacionados, e, por fim, dedicar-se ao estudo da

Page 10: Monografia Isabella Roxo.pdf

9

admissibilidade das provas ilícitas e das principais doutrinas que envolvem este tema,

bem como apresentar breve análise das provas ilícitas mais discutidas no âmbito

processual trabalhista e as possíveis consequências de sua inserção no processo no

tocante à busca por uma ordem jurídica justa e a efetividade da prestação jurisdicional.

Por sim, cabe destacar que o presente trabalho foi desenvolvido com base no

Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973), diploma

processual vigente à época do trabalho, tendo em vista que o novo Código de Processo

Civil (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015) entrará em vigor em março de 2016.

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10

CAPÍTULO 1. A Prova como Direito Fundamental

1.1. A Importância do direito probatório à luz dos direitos e garantias

fundamentais

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º elenca rol de direitos e garantias

fundamentais inerentes à pessoa humana, abarcados pelo nosso ordenamento jurídico

pátrio. Entretanto, conforme disposto no § 2º do art. 5º, os direitos fundamentais

consagrados neste dispositivo não excluem outros decorrentes dos princípios adotados

pela Constituição e de tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Neste diapasão,

embora não previsto expressamente pelo rol estabelecido pelo art. 5º, não se pode negar

a imprescindibilidade do direito probatório para o sistema processual, nem seu caráter

de direito fundamental, estando intrinsicamente relacionado aos princípios do

contraditório e da ampla defesa, assegurados constitucionalmente.

Além disso, ao se analisar a carga material que envolve o instituto do direito

probatório, ratifica-se a sua natureza de direito fundamental, dada a sua extrema

importância para o alcance da efetividade do processo, atendendo aos anseios da

sociedade como um todo na resolução do conflito de forma satisfatória, e,

principalmente, por garantir que o cidadão possa participar de forma efetiva no

processo.

Em relação ao âmbito individual, o direito a prova se constitui não apenas como

um garantia fundamental do processo, mas também como direito à cidadania e como

direito fundamental da pessoa humana, abarcando, também, o direito à liberdade, o

direito de acesso à justiça, ao contraditório e a ampla defesa, a democracia processual, e

em última análise, o direito a uma ordem jurídica justa.

Assim, imperioso reconhecer a essência de direito fundamental atinente ao

direito probatório, sendo um componente imprescindível do princípio do contraditório e

da ampla defesa, ambos previstos pelo art. 5º, LV da Constituição de 1988, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos

Page 12: Monografia Isabella Roxo.pdf

11

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e

recursos a ela inerentes; [...]

1.2. Matriz Principiológica

O direito probatório tem fundamental importância na garantia da efetividade do

sistema processual, e possui natureza de direito fundamental ao criar uma barreira à

ocorrência de abusos e ingerências indevidas por parte do Estado no âmbito individual e

garantir a isonomia na resolução dos conflitos apresentados ao judiciário, concedendo,

portanto, igualdade de condições para que as partes possam apresentar sua defesa. Além

disso, no âmbito processual o instituto se relaciona com princípios constitucionais de

extrema importância, o que evidencia sua matriz principiológica reforçada pelo

neoconstitucionalismo. 1

Celso Antônio Bandeira de Melo assevera que:

Advirta-se, outrossim, que as regras, justamente por serem disposições

expressas, encontram-se à imediata disposição do intérprete e, bem

por isso, não encontram qualquer dificuldade em serem localizadas.

De extrema importância, isto sim, é desvendar os princípios acolhidos

no sistema; isto é, os que se encontram vazados nas diversas normas

administrativas, informando suas disposições, embora não se achem

formal ou categoricamente expressos. Estes, genericamente acolhidos

no sistema, presidem toda a sua organicidade e, obviamente, por ter

generalidade maior ou menor, aplicando-se, então à totalidade dos

institutos ou apenas a alguns deles. São estes princípios que compõem

1 O Neoconstitucionalismo é entendido como a constitucionalização do direito. Para Didier, as

principais marcas do constitucionalismo contemporâneo são: a) reconhecimento da força

normativa da constituição; b) reconhecimento da eficácia normativa dos princípios; c)

reconhecimento do caráter normativo e criativo da atividade jurisdicional que passou a ser

encarada como atividade essencial ao funcionamento do estado; e d) expansão dos direitos

fundamentais. Essas transformações caracterizam, segundo o autor, a nova fase do pensamento

jurídico, o neoconstitucionalismo, e assevera que: “Examinadas isoladamente, essas

características podem parecer não ser grande novidade: em países diversos, em momentos

históricos diversos, uma ou outra aparecia no pensamento jurídico e na pratica jurídica. Talvez o

que marque este momento histórico seja a conjunção de todas elas, que vem inspirando

doutrinadores em inúmeros países.” (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual

Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 14. Ed.

Salvador: editora juspodivm, 2012. P. 29.)

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12

o equilíbrio do sistema e determinam a unicidade e racionalidade

interna do regime.2

Os princípios, portanto, conferem unicidade ao ordenamento jurídico e garantem

a estabilidade e coerência sistêmica às normas que o compõem, de modo que eventuais

alterações não acarretem desequilíbrio ao sistema. Por isso, a doutrina costuma afirmar

que a violação de um princípio seria uma ocorrência muito mais gravosa que a violação

de uma norma, pois estaria afetando todo um sistema integrado de normas jurídicas.

Cintra, Grinover e Dinamarco, neste sentido, afirmam que:

Considerando os escopos sociais e políticos do processo e do direito em

geral, além do seu compromisso com a moral e a ética, atribui-se

extraordinária relevância a certos princípios que não se prendem à

técnica ou à dogmática jurídicas, trazendo em si seriíssimas conotações

éticas, sociais e políticas valendo como algo externo ao sistema

processual e servindo-lhe de sustentáculo legitimador.3

Além disso, com o advento do Estado Social que substituiu o Estado Liberal

Clássico durante o século XX, o direito processual, assim como todos os princípios

inerentes a esse ramo do sistema jurídico, passou pela chamada constitucionalização do

direito processual4 que instituiu a interpretação de todos os institutos e princípios do

processo de acordo com a Constituição, trazendo uma nova metodologia e sistemática

na análise processual. Assim, a própria constituição federal passa a disciplinar os

princípios basilares do direito processual, como ocorre com o direito à prova.

2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. rev. e atual.

São Paulo: Malheiros, 2010. p. 89. 3 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. 28ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012. p.59 4 Para Fredie Didier Júnior, a constitucionalização do direito processual é uma das

características do direito contemporâneo e possui duas dimensões: primeiramente, há a

incorporação de normas processuais aos textos constitucionais como direitos fundamentais, e,

por outro lado, a doutrina passa a examinar as normas infraconstitucionais processuais como

concretizadoras das disposições constitucionais, intensificando-se, cada vez mais, o diálogo

entre processualistas e constitucionalistas. (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito

Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol.

1. 14. Ed. Salvador: editora juspodivm, 2012. P. 32-33.)

Page 14: Monografia Isabella Roxo.pdf

13

1.3. Contraditório

De acordo com o que prescreve o inciso LV, do art. 5º da CRFB/88, o

contraditório e a ampla defesa, constituem-se em direitos fundamentais dos litigantes,

seja em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados em geral.5

O contraditório deriva do caráter bilateral do processo em que o autor propõe a

ação e o réu oferece a defesa em relação aos fatos que lhe foram imputados pela tese do

autor, o que deverá ser solucionado pelo magistrado no exercício do poder jurisdicional

do Estado a partir do caso concreto. A garantia constitucional do contraditório assegura

o direito de participação de todos os indivíduos que serão atingidos, de alguma forma,

pelo provimento jurisdicional e legitima a decisão que será produzida ao final da lide.

Este princípio deve ser analisado levando em consideração a necessidade das

partes litigantes serem informadas sobre a existência da ação e de todos os atos

processuais que nela ocorreram bem como a possibilidade de reação das mesmas de

forma paritária no decorrer do processo, conforme entendimento de Luiz Francisco

Torquato Avolio, reforçando a imprescindibilidade da paridade de condições entre as

partes litigantes: O contraditório, pois, pressupõe a paridade de partes: somente pode

ser eficaz se os contendentes possuem a mesma força, ou, ao menos, os mesmos

poderes6.

No mesmo sentido, Alexandre Câmara:

Em outras palavras, há que se assegurar não só o contraditório, mas um

contraditório que além de efetivo (ou seja, capaz de permitir resultados

adequados na formação do provimento jurisdicional), seja também

equilibrado, o que se assegura com a igualdade substancial de

tratamento deferida às partes.7

Desse modo, o princípio do contraditório possui um aspecto formal, que diz

respeito ao direito de participação dos litigantes nos processos que afetem seu interesse,

5 Artigo 5º, LV: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em

geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

(Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.) Brasília, DF: Senado Federal,

1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 02

set. de 2015. 6 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, Interceptações Telefônicas e Gravações

Clandestinas. 6ª ed. São Paulo: RT, 2015. p.35. 7 CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil. 24º. ed. rev. e atual. São Paulo:

Atlas, 2013. v. 1. p. 61.

Page 15: Monografia Isabella Roxo.pdf

14

seja judicial ou administrativamente, bem como possui um aspecto material, segundo o

qual a parte possui o poder de convencer o magistrado de suas alegações. Desse modo,

de nada adianta conferir a participação no processo às partes sem que lhes seja garantido

o poder de interferir no conteúdo da decisão proferida pelo magistrado através da prova.

Logo, pode-se inferir que o direito à prova está intimamente relacionado com

direito ao contraditório, tendo em vista que a prova se constitui em um recurso

indispensável pelo qual a parte pode satisfazer a dimensão material do mesmo, de modo

que, observar apenas o direito de participação no processo sem a garantia da

possibilidade de influir de maneira contundente na resolução da controvérsia infringe

não apenas o direito ao contraditório e à ampla defesa como, em última análise,

desrespeita princípios basilares como o da dignidade humana e da efetividade

processual.

1.4. Ampla Defesa

O princípio da ampla defesa é compreendido pela doutrina como um

componente do princípio do contraditório, caracterizando-se pelo direito do réu de

resistir às pretensões do autor utilizando-se de instrumentos de defesa que achar

necessários para provar suas alegações, dentre os meios previstos pela legislação

processual, conforme ensinamento de Fredie Didier Júnior:

Atualmente, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão

substancial do princípio do contraditório, pode-se dizer que eles se

fundiram, formando uma amálgama de um único direito fundamental.

A ampla defesa corresponde ao aspecto substancial do princípio do

contraditório.8

Nesse sentido, vale destacar as seguintes ementas:

LIMITAÇÃO DO NÚMERO DE TESTEMUNHAS. DISPENSA

DA OITIVA DE TESTEMUNHA QUE SE PRETENDE OUVIR –

PROTESTO NOS AUTOS – CERCEAMENTO DO DIREITO DE

DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL. Tratando-se de matéria fática

a ser provada, constitui-se cerceamento amplo ao direito de defesa,

consagrado na Constituição Federal, impedir o depoimento de

testemunha que a parte considera válida para comprovar suas alegações,

8 DIDIER JUNIOR, Fredie, op. cit., p. 61.

Page 16: Monografia Isabella Roxo.pdf

15

implicando em nulidade processual, por ofensa aos incisos XXXV e LV

do art. 5º da Constituição Federal que asseguram, respectivamente, o

direito à tutela jurisdicional e à ampla defesa. (TRT – 5ª Região).

Processo 0000781-12.2012.5.05.0010. RecOrd, Ac. Nº 162384/2013,

relª. Desª. Luíza Lomba, 2ª Turma, DJ 6.9.2013.”

CERCEAMENTO DE DEFESA. OITIVA DE TESTEMUNHA.

INDEFERIMENTO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, LIV E LV, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NULIDADE DA SENTENÇA.

PROVIMENTO.

Caso em que o juiz de 1º Grau indeferiu a oitiva da terceira testemunha

da reclamada e a condenou ao pagamento de verbas rescisórias, por não

ter a demandada comprovado sua alegação de que a rescisão do contrato

de trabalho teria se dado por iniciativa do próprio reclamante.

Fundamentou aquele julgador que as duas testemunhas ouvidas

anteriormente não contribuíram para o deslinde da controvérsia e que,

na Justiça do Trabalho, presume-se a continuidade da relação de

trabalho. Assim, em respeito ao princípio do devido processo legal,

constitucionalmente assegurado, não poderia aquele juízo indeferir a

produção de prova pretendida pela reclamada e, ainda assim, condená-la

com base em presunções, por sinal relativas, que poderiam ser

desconstituídas pela parte interessada, caso lhe fosse assegurado o

direito à ampla defesa. (TST). Processo 90600-11.2007.5.04.0382. RR.

Relº Desº Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma.

Desse modo, podemos considerar que, enquanto o contraditório traduz a garantia

que a parte possui de se defender das alegações que lhe forem imputadas, o princípio da

ampla defesa, por sua vez, se configura no usufruto desta garantia, tendo em vista que

de nada adiantaria a possibilidade de resistir às pretensões da parte adversária se não

fossem postos ao alcance do réu os instrumentos adequados e legalmente admitidos para

que se possa, com eficiência, influir no julgamento da lide.

A ampla defesa deve ser examinada sob seus diversos ângulos: o direito da parte

de ser cientificada de todos os atos processuais da lide; direito de poder se defender das

acusações formuladas pelo autor; de acompanhar toda a instrução processual; direito a

defesa por advogado, tendo em vista que a Constituição de 1988 o eleva à condição de

função essencial à administração da justiça (art. 133, CRFB 1988); e, também, o direito

de recorrer de decisão desfavorável em instâncias superiores, consagrando o princípio

de duplo grau de jurisdição.

Assim, a ampla defesa acopla uma gama de instrumentos processuais e

atividades asseguradas às partes para que possam, de maneira efetiva, defender suas

alegações e rebater as da parte contrária de maneira paritária, estando ciente de todos os

atos processuais, acompanhando as provas produzidas pela outra parte litigante e

Page 17: Monografia Isabella Roxo.pdf

16

apresentando as suas, e podendo, ao final, caso não concorde com a decisão do

magistrado em relação à valoração ou admissibilidade de provas, recorrer da decisão.

1.5. Devido Processo Legal

A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu art. 5º, inciso LIV que:

ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e no

inciso LV que: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a

ela inerentes.

O devido processo legal tem sido compreendido pela doutrina como um

princípio-base que abarca inúmeros outros como o contraditório, ampla defesa, juiz

natural, duração razoável do processo e isonomia, de modo a mitigar os riscos de uma

decisão parcial que infrinja bens juridicamente tutelados, e, em última análise, que

infrinja direitos e garantias fundamentais.

Segundo assevera Alexandre Câmara:

A garantia do devido processo legal surgiu como sendo de índole

exclusivamente processual, mas, depois, passou a ter também um

aspecto de direito material, o que levou a doutrina a considerar a

existência de um substantive processo of law ao lado de um procedural

due process of law. Assim é que o devido processo legal substancial (ou

material) deve ser entendido como uma garantia do trinômio “vida-

liberdade-propriedade”, através da qual se assegura que a sociedade só

seja submetida a leis razoáveis, as quais devem atender aos anseios da

sociedade, demonstrando assim sua finalidade social. Tal garantia

substancial do devido processo legal pode ser considerada como o

próprio princípio da razoabilidade das leis.9

Desse modo, tal princípio possui duas dimensões: uma formal, que significa o

respeito a um conjunto de garantias processuais mínimas que afastem a incidência de

decisões que maculem a efetividade processual; e uma dimensão material, por sua vez,

relacionada ao equilíbrio que se busca alcançar entre poder estatal e os direitos do

cidadão consagrados pela Magna Carta, o que impõe um controle sobre as decisões

9 CÂMARA, Alexandre. Op, cit., p. 43.

Page 18: Monografia Isabella Roxo.pdf

17

judiciais como forma de garantir que sejam pautadas pelos princípios da

proporcionalidade e razoabilidade.

Conforme asseveram Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegini Grinover e

Cândido Rangel Dinamarco:

Entende-se com essa fórmula, o conjunto de garantias constitucionais

que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e

poderes processuais e, de outro, são indispensáveis ao correto exercício

da jurisdição. Garantias que não servem apenas aos interesses das

partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades

processuais) destas, mas que configuram, antes de mais nada, a

salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como

fator legitimador do exercício da jurisdição.10

O princípio do devido processo legal, portanto, se constitui de uma gama de

ferramentas destinadas aos litigantes como forma de alcançar as vertentes formal e

substancial do princípio em comento, colocando à disposição dos litigantes garantias

processuais que concretizem a efetividade processual, mas também observem os direitos

fundamentais instituídos pela Constituição como forma de proteger os indivíduos de

decisões parciais que desrespeitem garantias mínimas como a de julgamento por meio

de um processo justo.

Importante salientar, nesse aspecto, que os dois princípios comentados

anteriormente, quais sejam: o contraditório e a ampla defesa; se sobressaem no que

tange a gama de subprincípios abrangidos pelo princípio do devido processo legal,

configurando-se nos maiores expoentes das garantias processuais que conferem ao

indivíduo a possibilidade de julgamento imparcial e efetivo na resolução da lide

apresentada ao judiciário. Desse modo, o direito à prova também está intimamente

relacionado a este princípio, tendo em vista que é considerado um direito fundamental

não só do processo, mas um direito fundamental da pessoa humana, possibilitando, além

disso, acesso à justiça e o exercício da cidadania, como podemos apreender do

ensinamento de Fredie Didier Júnior:

O principio do devido processo legal pode ser considerado um

subprincipio do princípio do Estado de Direito ou do principio de

proteção da dignidade da pessoa humana', pode, também, como visto,

10

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel, op. cit., p. 84.

Page 19: Monografia Isabella Roxo.pdf

18

ser considerado um sobreprincípio, quando se relaciona com os

princípios do contraditório ou da boa-fé processual.11

Assim, o princípio do devido processo legal, se constitui em meio legitimador da

atividade jurisdicional do Estado e deve ser compreendido levando-se em consideração

todos os subprincípios e elementos jurídicos que abrange, principalmente no que tange

ao princípio do contraditório e da ampla defesa, dado o papel de extrema importância

que exercem no Estado Democrático de Direito.

11

DIDIER JUNIOR, Fredie, op. cit., p. 35.

Page 20: Monografia Isabella Roxo.pdf

19

CAPÍTULO 2. A Prova no Processo do Trabalho

2.1. Conceito

O termo “prova” deriva do latim probatio, do verbo probare, traduzindo a ideia

de persuasão, demonstração, convencimento, ou seja, um instrumento idôneo para

demonstrar fatos em juízo e contribuir legitimamente para busca da verdade. Entretanto,

não há na doutrina um conceito unívoco a respeito do tema. Na visão de Carlos

Henrique Bezerra Leite:

Pode-se dizer, portanto, que prova, nos domínios do direito processual,

e o meio lícito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato

com a finalidade de convencer o juiz acerca da sua existência

inexistência.”12

No mesmo sentido, Mauro Schiavi

As provas, portanto, constituem-se em instrumentos admitidos pelo

nosso ordenamento jurídico que possibilitam às partes a demonstração

de um fato pretérito em juízo de modo a convencer o julgador e

influenciar na resolução da lide, em atenção aos princípios do

contraditório e da ampla defesa, debatidos anteriormente.13

A Consolidação das Leis Trabalhistas e o Código de Processo Civil não

estabelecem o conceito de prova, porém o art. 332 do CPC estabelece quais meios de

prova poderão ser admitidos pela lei, in verbis: Todos os meios legais, como os

moralmente legítimos ainda que não especificados neste código, são hábeis para

provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Importante destacar, que além dos meios de prova previstos pelo Código de

Processo Civil, outros poderão ser aceitos, ainda que não especificados expressamente

por este diploma, desde que sejam moralmente legítimos e não atentem contra a moral e

os bons costumes, o que dá margem a uma maior amplitude para o indivíduo provar

suas alegações em juízo e rebater as da parte contrária, consagrando o princípio basilar

do devido processo legal. Além disso, atualmente, os avanços tecnológicos se

12

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8 ed. São

Paulo: LTr, 2010. p. 544 13

SCHIAVI, Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 4.ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr,

2014. p. 19

Page 21: Monografia Isabella Roxo.pdf

20

disseminam em uma velocidade e alcance extremamente significativos, e, assim, não

seria prudente engessar e limitar os meios de prova àqueles, exclusivamente, previstos

pela legislação processual, tendo em vista o relevante papel que o Direito exerce como

fato social, devendo acompanhar as mudanças sociais, garantindo a efetividade

processual e buscando alcançar, da melhor forma, os direitos fundamentais do cidadão.

Além disso, ressalta-se que os meios de prova servem para comprovar fatos que

mais se aproximem da realidade, não sendo possível reconstituir fielmente um fato

pretérito. Portanto, a prova vai atestar a existência ou não de um fato alegado como

verdadeiro pela parte, buscando transladar a verdade, da maneira mais fiel possível com

a realidade, para o processo, de modo a constituir a verdade formal que atuará no

convencimento do julgador, que, motivando seu convencimento, resolverá a lide com

base nas provas que julgar pertinentes, como observamos no ensinamento Cintra,

Grinover e Dinamarco: A prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se

forma a convicção do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos

controvertidos no processo.14

2.2. Objeto

Segundo ensinamento de Fernando da Costa Tourinho filho, acerca do objeto da

prova:

Objeto da prova, diz Manzini, são todos os fatos, principais ou

secundários, que reclamem uma apreciação judicial e exijam

comprovação. Somente os fatos que possam dar lugar a dúvida, isto é,

que exijam uma comprovação é que constituem objeto de prova. Desse

modo, excluem-se os fatos notórios. Provar a notoriedade é tarefa de

louco, já se disse. Tanto a evidência como a notoriedade não podem ser

postas em dúvida. Ambas produzem no juiz o sentimento de certeza em

torno da existência do fato. Daí a máxima notoria vel manifesta non

egent probatione (o notório e o evidente não precisam de prova).15

Assim, podemos compreender que o objeto da prova são os fatos controvertidos

que reclamam apreciação judicial, e, indo além, o que deve ser provado são as alegações

14

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel, op. cit. p.385 15

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo:

Saraiva, 2013. p. 564.

Page 22: Monografia Isabella Roxo.pdf

21

das partes acerca de fatos pretéritos utilizados pelas mesmas para influir no julgamento

final. Importante observar que não são todos os fatos que estarão aptos para constituir

objeto de prova, mas apenas aqueles em que haja controvérsia e que sejam relevantes

para o julgamento da lide, ou seja, que possam influenciar na convicção do julgador.

Nesse sentido:

“A prova diz respeito aos fatos. Mas não a todos os fatos: não deve ser

admitida a prova dos fatos notórios (conhecidos de todos), dos fatos

causa), dos irrelevantes (que embora impertinentes (estranhos à

pertençam à causa, não influem na decisão), dos incontroversos

(confessados ou admitidos por ambas as partes), dos que sejam cobertos

por presunção legal de existência ou de veracidade (CPC, art. 334) ou

dos impossíveis (embora se admita a prova dos fatos improváveis)”16

Sobre a existência de controvérsia entende-se que fatos controvertidos são

aqueles alegados por uma parte e contestados pela parte contrária, de modo que, em

regra, os fatos sobre os quais não recaiam controvérsia não serão objeto de prova.

Porém, insta ressaltar que há casos em que mesmo não sendo controvertidos, ou seja,

mesmo que os fatos não sejam contestados pela parte contrária, poderão ser objeto de

análise probatória, como exemplo nos casos de fatos pouco prováveis ou pouco

verossímeis, tendo em vista que o juiz deve atuar no processo de modo a formar seu

convencimento da maneira mais segura possível, com liberdade para determinar as

provas a serem produzidas, de acordo com o art. 852-D da CLT.17

2.3. Finalidade

A prova se constitui em meio retórico admitido processualmente, para

convencimento do órgão julgador acerca dos fatos pertinentes e controvertidos

apresentados pelas partes por meio da peça inicial do autor, e da contestação do réu.

16

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel, op. cit., p. 386-387. 17

Artigo 852-D: “O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem

produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que

considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial

valor às regras de experiência comum ou técnica. (Incluído pela Lei nº 9.957, de 2000)

(BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do

Trabalho. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>

Acesso em 10 jan. 2016.

Page 23: Monografia Isabella Roxo.pdf

22

Segundo Mauro Schiavi, parte da doutrina entende que o juiz não é o único

destinatário da prova, mas esta é dirigida também às partes, e, em última análise, à

sociedade em geral. Nesse sentido, ao citar Cléber Lúcio de Almeida, reforça a

importância do controle jurisdicional da sociedade em relação a toda e qualquer

atividade estatal, in verbis:

O juiz não é, contudo, o único destinatário da prova. As partes também

são destinatárias da prova, na medida em que têm direito a uma decisão

fundamentada na prova constante dos autos. As provas têm entre seus

destinatários, ainda, a própria sociedade. É que no controle da atividade

estatal, inclusive jurisdicional, a sociedade tem o direito de conhecer os

motivos (provas, inclusive) pelos quais em seu nome foi proferida

determinada decisão (no Estado Democrático de Direito, todo poder é

exercido em nome do povo). A prova, portanto, tem função

endoprocessual (em relação ao juiz e às partes) e extraprocessual (em

relação à sociedade). A prova é uma garantia para o juiz, as partes e a

sociedade da decisão o mais próximo possível da realidade.18

Além disso, insta ressaltar que além do julgador da causa, das partes e da

sociedade, a prova também deve ser produzida levando-se em consideração todos os

órgãos julgadores, e não só o juiz que presidiu a instrução probatória em primeiro grau,

de modo que o juiz de primeira instância deve dirigir a instrução probatória envidando

esforços para elucidar todos os pontos controvertidos da matéria, ainda que já se ache

prematuramente convencido, tendo em vista que em grau de recurso, o Tribunal

competente pode querer ter acesso a outros elementos de prova para formar seu

convencimento e decidir da forma que mais se aproxime com a verdade dos fatos.

2.4. Princípios Regentes da Prova no Processo do Trabalho

Conforme debatido anteriormente, ao se tratar da matriz principiológica atinente

ao direito probatório, os princípios ocupam um lugar de suma importância no

ordenamento jurídico hodiernamente, de modo que a ofensa a um princípio acaba sendo

mais prejudicial do que a ofensa a uma norma, pois estaríamos afetando o alicerce de

todo um sistema de normas. Como assevera Sérgio Pinto Martins:

São, portanto, os princípios as básicas que fundamentam as ciências,

informando-as e orientando-as. São as proposições que se colocam na

18

ALMEIDA, Cléber Lúcio de, apud SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 26.

Page 24: Monografia Isabella Roxo.pdf

23

base da ciência, informando-a e orientando-a. Para o Direito, o princípio

é o seu fundamento, a base que irá informar e inspira as normas

jurídicas.19

Seguindo o rol de princípios atinentes à prova no processo trabalhista também

desenvolvido por Sérgio Pinto Martins20

, passa-se a análise destes princípios.

a) Necessidade da prova

Segundo este princípio, não basta que a parte faça alegações em juízo, é preciso

que essas alegações sejam comprovadas pelo meio probatório escolhido dentro das

possibilidades oferecidas pelo ordenamento jurídico, de modo que o magistrado

somente poderá decidir com base na atividade probatória desenvolvida no processo, o

que atende ao princípio da segurança jurídica das partes ao garantir um julgamento justo

do processo.

b) Unicidade da prova

Por este princípio, a prova deve ser analisada pelo órgão julgador de maneira

una e global, e não isoladamente por meio de suas partes. Assim, ao analisar o

depoimento de uma testemunha, deve-se atentar para a análise da prova como um todo,

e não apenas às partes específicas para que se forme o convencimento.

c) Lealdade da prova

A produção de provas deve ser pautada na lealdade e ética entre as partes no

processo, cabendo ao juiz reprimir qualquer ato que atente contra a lealdade

processual.21

d) Contraditório

Conforme analisado anteriormente, o princípio do contraditório, assegurado

constitucionalmente pelo inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal deriva do caráter

bilateral do processo, em que a parte tem o direito de responder às alegações formuladas

19

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.

37 20

Ibidem, p. 315-316. 21

Artigo 14: “São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do

processo:

I. expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II. Proceder com lealdade e boa fé;[...]” (BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.)

Institui o Código de Processo Civil. Disponível em:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 02 set. 2015.

Page 25: Monografia Isabella Roxo.pdf

24

pela parte adversária em paridade de armas, de maneira que se possa influir

efetivamente no convencimento do julgador, e, consequentemente, na resolução da lide.

e) Igualdade de oportunidade de prova

Princípio segundo o qual todos possuem os mesmos direitos no tocante ao

momento da apreciação da prova.

f) Oportunidade da prova

A prova deverá ser produzida em momento oportuno e adequado para o fim a

que se destina, sendo permitida a produção antecipada excepcionalmente em casos em

que haja perigo de sua não realização.

g) Comunhão de prova

Também conhecido como princípio da aquisição processual, tal princípio

determina que uma vez produzida, a prova passa a fazer parte do processo como

instrumento do órgão julgador para resolução da lide. Assim, a prova, uma vez admitida

no processo, passa a integrá-lo, irradiando efeitos para todos os sujeitos processuais,

sendo vedado ao juiz interpretar uma prova de forma favorável a quem a produziu, pois

esta não mais pertence à parte que lhe deu origem, e sim, ao juízo.

h) Legalidade

A instrução probatória deverá ser produzida de acordo com os instrumentos

previstos em lei. Portanto, o contraditório e a ampla defesa, previstos

constitucionalmente, serão ofertados levando-se em consideração as provas previstas na

legislação processual vigente.

i) Imediação

Este princípio consagra a figura do juiz como detentor da produção de provas no

processo, diante do qual estas serão colhidas. O princípio da imediação tem importância

especial no processo do trabalho, pois este é norteado pelos princípios da oralidade e

concentração dos atos em audiência que garantem uma maior celeridade e efetividade

na prestação jurisdicional.

A CLT estabelece em seu art. 765 a liberdade que órgão julgador possui na

direção do processo, conferindo a possibilidade de requisitar diligências que julgar

necessárias para o rápido andamento da causa. Além disso, pelo art. 848 do mesmo

Page 26: Monografia Isabella Roxo.pdf

25

diploma, o juiz poderá interrogar as partes diretamente, de ofício, o que permite o

contato direto e imediato com a prova a ser colhida, sobretudo ao analisar pessoalmente

cada depoimento e o respectivo comportamento das partes ou das testemunhas, o que

influenciam sobremaneira a efetividade processual.22

Essa reflexão ganha ainda mais relevância no contexto contemporâneo em que

se discute a figura do juiz mais participativo no processo, que além de dirigir o

procedimento também fiscaliza os atos praticados pelas partes de maneira autônoma,

coibindo atos protelatórios e abusivos. Nesse sentido, importante destacar também o art.

852-D da CLT, in verbis:

Art. 852-D. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as

provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada

litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas,

impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial

valor às regras de experiência comum ou técnica. (Incluído pela Lei nº

9.957, de 2000)

j) Obrigatoriedade da prova

Esse princípio decorre do interesse não só das partes, mas do Estado e da

sociedade como um todo em obter uma solução justa para o litígio. Sendo assim, a

prova se configura em instrumento processual indispensável na busca da verdade e,

consequentemente na efetiva tutela jurisdicional.

k) Aptidão para a prova

Princípio segundo o qual a prova deve ser apresentada não por quem detenha o

ônus processual, mas pela parte que possua as melhores condições de produzi-la em

juízo, independentemente de se tratar de autor ou réu, seja porque a parte a detém ou por

ser inacessível a parte contrária. Insta ressaltar que tal princípio não estabelece uma

22

Artigo 765: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo

e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária

ao esclarecimento delas.” (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em 12 jan. 2016.

Artigo 848: “Terminada a defesa, seguir-se-á a instrução do processo, podendo o presidente, ex

officio ou a requerimento de qualquer juiz temporário, interrogar os litigantes. (Redação dada

pela Lei nº 9.022, de 5.4.1995) § 1º - Findo o interrogatório, poderá qualquer dos litigantes

retirar-se, prosseguindo a instrução com o seu representante. § 2º - Serão, a seguir, ouvidas as

testemunhas, os peritos e os técnicos, se houver.” (BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de

maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em 12 jan. 2016.

Page 27: Monografia Isabella Roxo.pdf

26

desigualdade de tratamento entre autor e réu, pois se dirige a qualquer um deles,

dependendo da situação discutida no lide. Além disso, a aptidão para prova está

intimamente relacionada com os princípios constitucionais do acesso à justiça, do

devido processo legal e do contraditório ao excepcionar a regra do ônus da prova

prevista pelo art. 818 da CLT para admitir casos em que a prova pode ser melhor

desenvolvida por quem não detenha o ônus processual.

l) Disponibilidade da prova

Este último princípio estabelece que a prova deverá ser produzida nos momentos

próprios estabelecidos em lei, ou no momento próprio para a instrução processual.

Importante também destacar, além do rol de princípios tratados anteriormente, o

princípio da proibição da prova obtida ilicitamente, que encontra respaldo no art. 5º,

LVI da Constituição Federal e que diz respeito às provas obtidas por meios ilícitos em

ofensa aos preceitos albergados pelo ordenamento jurídico pátrio e o princípio da

proporcionalidade, que se encontra intimamente relacionado com o primeiro, e, como

será analisado no decorrer deste trabalho, diz respeito a um exame do contexto em que

se encaixa a prova obtida ilicitamente, de modo a sopesar os princípios envolvidos e, a

partir daí, admitir ou não a utilização da prova inicialmente maculada pelo vício.

2.5. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil

A Consolidação das Leis Trabalhistas trata do tema provas do seu art. 818 até o

art. 830, entretanto, não o faz de maneira minuciosa e completa, de modo que há a

necessidade de se recorrer à legislação processual comum em casos de lacuna na lei

trabalhista. O art. 769 da CLT assegura a possibilidade de se utilizar da legislação

comum como fonte subsidiária do processo do trabalho, in verbis: Nos casos omissos, o

direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho,

exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

Desse modo, observa-se que o supramencionado dispositivo legal traz dois

requisitos para a aplicação subsidiária da legislação comum: a omissão da lei trabalhista

e a compatibilidade da norma processual comum às regras e aos princípios que norteiam

Page 28: Monografia Isabella Roxo.pdf

27

o direito processual trabalhista. Importante destacar que no termo “direito processual

comum” está compreendida toda norma de natureza processual prevista em lei, como o

Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Código de Defesa do

Consumidor. Além disso, deve-se compreender com mais abrangência o termo “casos

omissos” para abarcar não apenas casos em que haja uma lacuna propriamente dita na

legislação processual, quando a CLT deixa de disciplinar uma determinada matéria, mas

também nos casos em que a norma processual trabalhista não discipline da maneira

mais efetiva possível, ou traga um resultado insatisfatório, tendo em vista a realidade

social. Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite:

A heterointegração pressupõe, portanto, a existência não somente das

tradicionais lacunas normativas, mas também das lacunas ontológicas e

axiológicas. Dito de outro modo, a heterointegração dos dois

subsistemas (processo civil e trabalhista) pressupõe a interpretação

evolutiva do art. 769 da CLT, para permitir a aplicação subsidiária do

CPC não somente na hipótese (tradicional) de lacuna normativa do

processo laboral, mas também quando a norma do processo trabalhista

apresentar manifesto envelhecimento que, na prática, impede ou

dificulta a prestação jurisdicional justa e efetiva deste processo

especializado.23

Um tema importante na seara processual trabalhista hodiernamente se refere à

discussão acerca da aplicação do direito processual comum, especialmente o CPC, ao

processo do trabalho e seus possíveis efeitos para a autonomia da lei trabalhista.

Entretanto, importante observar que a norma insculpida no art. 769 da CLT que

restringe a aplicação do CPC nos casos de omissão e compatibilidade, foi criada em um

cenário social e jurídico muito distinto do que possuímos atualmente. Quando criada

(em 1943) a norma tinha como função evitar a migração desenfreada de normas do CPC

para o processo trabalhista e assim, influenciar de maneira negativa o cumprimento de

princípios basilares da ciência processual do trabalho como a celeridade, simplicidade e

efetividade processual. Porém, desde a sua criação ocorreram mudanças não só no

Código de Processo Civil, com a edição do Código de 1973, as leis extravagantes e,

atualmente, com a edição do Novo Código de Processo Civil que entra em vigor em

março de 2016, mas também em todo o ordenamento jurídico com a Constituição de

1988 e, sobretudo, com a emenda 45/2004 que instituiu a garantia da razoável duração

do processo e que repercutiu em todo âmbito processual.

23

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 99-100.

Page 29: Monografia Isabella Roxo.pdf

28

Desse modo, a aplicação das normas processuais comuns ao processo trabalhista

não acarreta desrespeito à autonomia deste nem configura retrocesso ao direito do

trabalho, mas sim, propicia uma evolução para todos os ramos da ciência processual,

uma vez que favorece o diálogo entre normas mais favoráveis quando aplicadas ao caso

concreto.

2.6. Ônus da prova

O vocábulo ônus tem origem do latim e significa peso, fardo ou encargo, e, no

direito processual, a expressão ônus probatório diz respeito ao encargo da parte em

provar as alegações que fizer no processo, em respeito ao princípio da necessidade da

prova, segundo o qual não basta que a parte faça alegações em juízo, sendo

imprescindível prová-las para que tais alegações tenham o condão de influir na decisão

do órgão julgador na resolução da lide. Nesse sentido:

A distribuição do ônus da prova repousa principalmente na premissa de

que, visando à vitória na causa, cabe à parte desenvolver perante o juiz

e ao longo do procedimento uma atividade capaz de criar em seu

espírito a convicção de julgar favoravelmente. O juiz deve julgar

secundum allegata et probata partium e não secundum propriam suam

conscientizam – e daí o encargo, que as partes têm no processo, não só

de alegar, como também de provar (encargo = ônus)24

A Consolidação das Leis do Trabalho disciplina o tema trazendo uma regra de

distribuição do ônus da prova em seu art. 818, que estabelece que a prova das alegações

incumbe à parte que as fizer.

Contudo, esse dispositivo contempla o tema de maneira simplória e, por isso,

muitas das vezes se torna necessário que se busque um complemento para a regra

insculpida na CLT de modo que se extraia a melhor interpretação e que se se garanta

aplicabilidade prática à norma. Assim, o art. 333 do CPC tem sido utilizado de forma

conjugada com ao art. 818 da CLT, e dispõe que:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

24

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel, op. cit., p.387.

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29

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o

ônus da prova quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Desse modo, no processo trabalhista, será do reclamante o ônus de comprovar os

fatos constitutivos (aqueles que deram origem ao processo) de seu direito, e, será do

reclamado o ônus de provar os fatos impeditivos (que trazem um fato de conteúdo

negativo, indicando ausência de alguma circunstância essencial para constituir o direito

alegado pelo autor), modificativos (fatos capazes de alterar a relação jurídica de que

trata lide) ou extintivos (aqueles que põem fim à relação jurídica discutida por meio do

processo) do direito do autor. O TST, inclusive, pacificou alguns entendimentos em

relação à distribuição do ônus da prova no processo trabalhista, como o fez em relação à

equiparação salarial por meio da Súmula n. 6, item VIII, do TST, que dispõe: É do

empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da

equiparação salarial.

Segundo Mauro Schiavi, o ônus da prova é acima de tudo uma regra de

julgamento, de modo que o juiz deve decidir a lide segundo a melhor prova,

independentemente da parte que a produziu (princípio da aquisição processual ou

princípio da comunhão das provas), somente se valendo da regra de distribuição do

ônus da prova na inexistência de provas suficientes nos autos ou seguindo o critério de

desempate.25

No mesmo sentido, Alexandre Câmara divide o ônus processual em ônus

subjetivo e ônus objetivo. Pelo primeiro, objetiva-se descobrir qual parte deverá provar

determinado fato, ou seja, de acordo com o art. 333 do CPC vigente, o autor deverá

provar fato constitutivo de seu direito e o réu, por sua vez, deverá provar fato

impeditivo modificativo ou impeditivo do direito do autor. Além disso, caberia também

ao réu o chamado “ônus da contraprova”, destinado a comprovar a inexistência de fato

constitutivo do direito do autor, o que se torna de grande valia nos casos em que o réu

não tem nenhuma prova relativa a fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, mas,

teria condições de apresentar prova que comprove a inexistência do direito alegado pelo

25

SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 87

Page 31: Monografia Isabella Roxo.pdf

30

autor na inicial. O ônus da prova objetivo, por sua vez, revela que as regras de

distribuição de ônus probatório são regras de julgamento, que deverão ser aplicadas pelo

juiz apenas no momento de julgar a causa, após todos os fatos restarem provados,

hipótese em que o julgador não necessitará utilizar tais regras, que, portanto, servirão

para que o julgador determine quem será prejudicado pela inexistência de prova, nos

casos em que os fatos não estariam integralmente provados.26

Importante salientar, em relação à prova do fato negativo, que a doutrina

hodiernamente admite que seja possível prova-lo, tendo em vista que não há nenhuma

norma que impeça que o fato negativo seja objeto de prova, mudando o entendimento

de outrora segundo o qual se dispensava a prova de tais fatos por se acreditar que

somente quem afirma um fato é que teria o ônus probatório de prova-lo. No entanto,

conforme entendimento de Bezerra Leite, o fato negativo contém, implicitamente uma

afirmação, pois ao se atribuir um predicado a um objeto se nega todos os demais

predicados que poderiam ser aplicados ao mesmo objeto, então, caso o empregador

alegue que não dispensou o empregado sem justa causa (negação), estará,

implicitamente alegando que ou o empregado se demitiu, ou abandonou o emprego. 27

2.7. Inversão do ônus da prova

A regra geral de distribuição do ônus da prova estabelece que incumbe ao autor

provar fato constitutivo de seu direito e ao réu fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do autor. Contudo, há casos em que o juiz pode alterar as regras de

distribuição do ônus da prova, invertendo o encargo probatório que seria de uma parte e

transferindo-o para a parte contrária.

O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 6º, VIII prevê a aplicação da

inversão do ônus da prova em casos de verossimilhança da alegação ou de

hipossuficiência técnica, de informações ou econômica.28

Este dispositivo se aplica ao

26

CÂMARA, Alexandre, op. cit. p. 437. 27

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 567. 28

Artigo 6º: São direitos básicos do consumidor: [...] VIII- a facilitação da defesa de seus

direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a

critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras

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31

processo do trabalho por força do art. 769 da CLT que permite a aplicação subsidiária

de outras regras processuais em casos de lacuna na legislação trabalhista e

compatibilidade com os princípios que regem o processo do trabalho.

A inversão do ônus da prova está intimamente relacionada com o princípio da

aptidão para a prova, segundo o qual a prova incumbe a quem tem melhores condições

de produzi-la, ou seja, aquela que detém acesso à prova, ou, que possui melhores

condições técnicas e econômicas de demonstrar o fato controvertido. Assim, o juiz do

trabalho poderá inverter o ônus probatório e determinar que a parte, que a princípio não

teria o referido encargo, se incumba de apresentar a prova.

Em relação ao momento da inversão, José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva,

afirma que embora o juiz possa inverter o ônus da prova na sentença, deve, sempre que

possível, fazê-lo durante a audiência tendo em vista que, se a instrução não tiver sido

completa, ou seja, se houve indeferimento de provas o juiz não poderá inverter o

encargo probatório no momento da decisão e surpreender a parte que não teve

oportunidade de apresentar a prova que pretendia, pois restaria configurado

cerceamento de defesa e desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.29

Atualmente se tem defendido a aplicação da teoria dinâmica do ônus da prova,

segundo a qual as regras de distribuição do ônus probatório devem ser flexíveis, de

modo a permitir ao juiz, analisando o caso concreto, cometer o encargo probatório a

parte que possuir melhor aptidão para a prova. Segundo essa teoria, regras estáticas e

inflexíveis podem ocasionar injustiças em casos que a parte possui o ônus subjetivo,

mas não possui acesso à prova ou não possui condições materiais de perquiri-la.

Portanto, o juiz deve distribuir o ônus probatório à parte que detenha as melhores

condições de produzi-la em juízo, conforme ementa colacionada a seguir:

DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA.

PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. Hoje se encontra pacificado a

possibilidade de investigação probatória oficial sem se apegar à

necessidade do autor provar os fatos constitutivos e o réu, os extintivos,

modificativos e impeditivos, significando afirmar que pode o juiz, sem

que isso importe no desvirtuamento da regra do ônus da prova ou no

desequilíbrio entre as partes, determinar a produção de prova

ordinárias de experiências; (BRASIL, Lei 8078 de 11 de setembro de 1990.) Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm> Acesso em 28 jan. 2016. 29

SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira . O Ônus da Prova e sua Inversão no Processo

do Trabalho - Análise Crítica das Teorias Estática e Dinâmica. In: “Estudos Aprofundados

da Magistratura do Trabalho Volum, Salvador: JusPodium, 2014, v. II. p. 398.

Page 33: Monografia Isabella Roxo.pdf

32

necessária. A prova incumbe a quem tem melhores condições de

produzi-la de acordo com as circunstâncias dos autos.

(TRT-1 - RO: 00012373820125010053 RJ, Relator: Mario Sergio

Medeiros Pinheiro, Data de Julgamento: 28/04/2014, Primeira Turma,

Data de Publicação: 08/05/2014)

2.8. Meios de prova

Os meios de prova podem ser definidos como os instrumentos colocados à

disposição das partes para que possam demonstrar a veracidade dos fatos alegados por

elas, e, consequentemente, provar a existência do direito, no caso do autor, ou confirmar

a ocorrência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, ou mesmo apresentar

contraprova ao direito alegado na peça inicial, no caso do réu. Desse modo, as partes

terão plenas condições de influir na resolução da lide, exercendo seu direito ao

contraditório e a ampla defesa, corolários do devido processo legal, e imprescindíveis

para que se tenha uma satisfatória prestação jurisdicional.

Importante destacar a diferença entre prova e fontes de prova, esta última se

referindo às pessoas ou coisas de onde emanam a prova que foi produzida, e aquelas,

aos instrumentos utilizados pelas partes para conferir ao órgão julgador subsídios que

formarão seu convencimento.

A Consolidação das Leis Trabalhistas trata do assunto em seus artigos 818 a

830, no entanto, não realiza uma análise sistemática dos meios de prova que poderão ser

utilizados no processo do trabalho, desse modo, faz-se necessário a aplicação

subsidiária do Código de Processo Civil no que tange às espécies de provas, respeitando

o disposto no art. 769 da CLT30

.

O Código de Processo Civil de 1973 disciplina as seguintes espécies probatórias:

depoimento pessoal (arts. 342 a 347); confissão (arts. 348 a 354); exibição de

documento ou coisa (arts. 355 a 363); prova documental (arts. 364 a 391); prova

testemunhal (arts. 400 a 419); prova pericial (arts. 420 a 439), e inspeção judicial (arts.

30

Artigo 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito

processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.”

(BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a Consolidação das Leis do

Trabalho. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >.

Acesso em: 15 jan. 2016.

Page 34: Monografia Isabella Roxo.pdf

33

440 a 443). Importante também destacar o art. 332 do CPC admite que possam ser

aceitos outros meios de prova além dos especificados no diploma legal, desde que se

tratem de meios legais ou moralmente legítimos.

2.9. Prova emprestada

A chamada prova emprestada se caracteriza pelo aproveitamento de

instrumentos probatórios, realizados em processo diverso, no processo atual. Ou seja,

translada-se o material probatório, seja ele relativo à prova pericial, depoimentos

pessoais ou testemunhais, confissões, etc., para o processo em que se deseja utilizar de

tais espécies probantes, observados alguns requisitos.

A prova emprestada não está disciplinada na CLT nem no CPC como espécie de

prova, entretanto, como se trata de um meio moralmente legítimo, de acordo com o art.

332 do CPC, pode-se admitir sua utilização no processo trabalhista, principalmente

tendo em vista a sua compatibilidade com a seara laboral, na medida em que

proporciona a observância de princípios constitucionais como o contraditório e a ampla

defesa, bem como a efetividade do processo.

Impende observar que o fato de a prova não ter sido colhida diretamente pelo

juízo para o qual se deseja transladar o instrumento probatório, não caracteriza um óbice

à sua utilização, mesmo porque quando o Tribunal aprecia prova produzida em primeira

instância, não a colhe diretamente, o que não impede a validade de sua apreciação e

utilização na formação de sua convicção, como entende Sérgio Pinto Martins: A prova

emprestada será, porém, uma exceção à regra de que as provas devem ser produzidas

no mesmo juízo, como ocorre em relação à prova por carta precatória [...].31

Importante destacar que a prova emprestada pode ser requerida por qualquer

uma das partes ou determinada de ofício pelo juiz, observando-se o disposto no art. 765

31

MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit. p. 357.

Page 35: Monografia Isabella Roxo.pdf

34

da CLT32

, ou mesmo as partes, em conjunto, podem decidir pela sua aplicação no

processo.

Mauro Schiavi sustenta que a prova emprestada pode, inclusive, ter sido

produzida nas esferas cível e criminal, e ser utilizada no processo trabalhista, em razão

do princípio da unidade da jurisdição, segundo o qual a jurisdição é una, mas, para a

melhor eficácia da atividade jurisdicional ela se reparte em competências que traduzem

a medida e os limites que cabem a cada jurisdicionado.33

Sobre os requisitos para a aplicação da prova emprestada na seara trabalhista, o

autor supracitado assevera que basta que a prova tenha sido produzida de acordo com as

formalidades legais, observando-se o contraditório, e que o fato que se deseja provar

seja idêntico nos dois processos, para que a prova seja admitida como prova

emprestada. Não sendo necessário, portanto, que as partes sejam as mesmas ou que pelo

menos uma delas tenha figurado em um dos polos da lide anterior, de modo que o fato

de a prova ter sido colhida pelas mesmas partes ou por terceiros, figura como elemento

de valoração da prova, e não como elemento de admissibilidade da mesma.

Sérgio Pinto Martins possui entendimento contrário, ao afirmar que além de

observar as formalidades legais, o contraditório e a identidade fática do fato probando, é

necessário que as partes sejam as mesmas para que a prova seja admitida no processo,

pois, para ele, a prova produzida por terceiros tem pouco valor quando empregada como

instrumento probatório em um processo em que figuram partes diversas, sendo,

portanto, ideal que as partes sejam as mesmas, nesse caso. 34

A prova emprestada, requerida pelas partes ou pelo juiz, passará por um juízo de

admissibilidade realizado pelo órgão julgador, e, se admitida, as partes terão a

possibilidade de impugná-la, e, por fim, o juiz realizará a valoração a prova na formação

de seu convencimento. Importante destacar que o Novo Código de Processo Civil, que

entrará em vigor em março de 2016, disciplina a matéria em seu art. 372, que confirma

a possibilidade de utilização da prova colhida em outro processo, in verbis: O juiz

32

Artigo 765: “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo

e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária

ao esclarecimento delas.”( BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.) Aprova a

Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm >. Acesso em: 15 jan. 2016. 33

SCHIAVI, Mauro, op. cit. p. 76 34

MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit. p. 157.

Page 36: Monografia Isabella Roxo.pdf

35

poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o

valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Page 37: Monografia Isabella Roxo.pdf

36

CAPÍTULO 3. As provas ilícitas e sua aplicabilidade no processo do trabalho

3.1. Conceito e diferenças entre prova ilícita e ilegítima

A Constituição da República de 1988 proíbe a utilização no processo de provas

obtidas ilicitamente em seu art. 5º, LVI, o que consiste em uma forma de assegurar o

cumprimento de direitos e garantias fundamentais, como também garantir a observância

de princípios constitucionais aplicáveis ao direito processual como o devido processo

legal, a igualdade e a efetividade do processo.

A doutrina costuma compreender que o termo “prova ilícita” se enquadra em

uma das espécies do gênero provas vedadas, que abrange as espécies provas ilícitas e

provas ilegítimas, sendo possível, portanto, distingui-las de forma objetiva.

Assim, as chamadas provas ilícitas se referem às provas obtidas por meio de

uma infração à norma ou princípio de direito material, ou seja, embora a prova colhida

trate de informações verídicas, o modo pelo qual ela foi obtida desrespeita alguma regra

direito material, como, por exemplo, no caso de interceptação telefônica sem

conhecimento do outro interlocutor e sem autorização judicial, infringindo, desse modo,

a garantia constitucional do sigilo das interceptações telefônicas disciplinado pela

CRFB/88 no art.5º, XII.

As provas ilegítimas, por sua vez, se referem a provas colhidas por meio de

infração à norma ou princípio de natureza processual. Ou seja, o meio pelo qual a prova

foi colhida é perfeitamente válido, porém, o seu conteúdo é ilegítimo e afronta regra de

direito processual, como, por exemplo, na hipótese de laudo pericial realizado por perito

não qualificado, que infringe regras atinentes ao processo trabalhista insculpidas na

CLT. A sanção para o descumprimento dessas normas se encontra na própria lei

processual que pode ser, inclusive, uma sanção de nulidade da prova. Luiz Francisco

Torquato Avolio, acerca da distinção entre o momento em que se dá a ilicitude nas

provas ilícitas e ilegítimas, afirma que:

Enquanto na prova ilegítima a ilegalidade ocorre no momento da sua

produção no processo, a prova ilícita pressupõe uma violação no

Page 38: Monografia Isabella Roxo.pdf

37

momento da colheita da prova, anterior ou concomitantemente ao

processo, mas sempre externamente a este.35

Mauro Schiavi, em relação à distinção entre provas ilícitas e ilegítimas assevera

que:

No nosso sentir, a ilicitude da prova se dá quando a prova obtida viola

tanto norma de natureza processual como de direito material, nos

termos do caput do art. 157 do CPP, que se aplica ao processo do

trabalho por força do art. 769. 36

Desse modo, tanto as chamadas provas ilícitas quanto as provas ilegítimas

encontram-se maculadas pela ilicitude e devem ser desentranhadas do processo, de

acordo com o que dispõe o art. 157, caput do Código de Processo Penal.37

3.2. Correntes doutrinárias sobre a utilização de provas ilícitas

A Constituição Federal de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a tratar do

tema provas ilícitas, sendo categórica ao afastar a sua aplicação de acordo com o art. 5º,

LVI, in verbis: são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Desse modo, o poder constituinte originário, ao adotar essa postura, buscava atender aos

anseios de uma sociedade que acabara de vivenciar um longo período de regime militar

no qual frequentemente se noticiava casos de desrespeito a direitos e garantias

individuais dos cidadãos. Nesse sentido, a proibição das provas ilícitas se configurava

em um meio de proteger o indivíduo dos arbítrios do Estado, garantindo um processo

justo pautado no contraditório e na ampla defesa, bem como nos direitos fundamentais

assegurados constitucionalmente.

Porém, em que pese o dispositivo constitucional que vedou de forma categórica

a utilização processual de provas ilícitas, com o decorrer do tempo inúmeras questões

que circundam o tema se colocaram como pontos a serem sopesados e melhor

35

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. Cit. p. 50 36

SCHIAVI, Mauro, op. cit., p. 124. 37

Artigo 157: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,

assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.” (Redação dada

pela Lei nº 11.690, de 2008). (Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.) Institui o

Código de Processo Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del3689Compilado.htm > Acesso em: 17 jan. 2016.

Page 39: Monografia Isabella Roxo.pdf

38

compreendidos para que se possa garantir a efetividade da prestação jurisdicional e

impedir o engessamento do ordenamento jurídico, tendo em vista as constantes

mudanças pelas quais a sociedade perpassa. Nesse sentido, vale destacar comentário de

José Carlos Barbosa Moreira acerca da difícil missão de se buscar um ponto de

equilíbrio em meio a diferentes opiniões sobre o tema:

O problema das provas ilícitas inclui-se entre os mais árduos que a

ciência processual e a política legislativa têm precisado enfrentar, dada

a singular relevância dos valores eventualmente em conflito. De um

lado, é natural que suscite escrúpulos sérios a possibilidade de que

alguém tire proveito de uma ação antijurídica e, em não poucos casos,

antiética; de outro, há o interesse público de assegurar ao processo um

resultado justo, o qual normalmente impõe que não se despreze

elemento algum capaz de contribuir para o descobrimento da verdade. É

sumamente difícil, quiçá impossível, descobrir o ponto de perfeito

equilíbrio entre as duas exigências contrapostas 38

Assim, formaram-se diferentes correntes no que tange à admissibilidade de

provas que, embora obtidas por meios ilícitos, mostram-se imprescindíveis para

demonstrar a existência ou inexistência de fatos cruciais para que o julgador decida a

lide. A este respeito ainda não existe uma posição uníssona que satisfaça todas as

dissidências que podem ser suscitadas a partir do tema, porém, podemos destacar três

principais correntes nesse sentido, que passarão a ser analisadas separadamente a seguir.

3.2.1. Teoria Permissiva

Esta corrente doutrinária se pautava no interesse coletivo pela busca da verdade

real para admitir que as provas obtidas ilicitamente adentrassem no processo. Assim, o

interesse da Justiça deve prevalecer no descobrimento da verdade em detrimento de

eventual ilicitude na formação do instrumento probatório desde que seu conteúdo seja

verdadeiro e que a lei processual não proíba expressamente sua utilização, conforme

entendimento de José Carlos Barbosa Moreira:

Para a primeira, deve prevalecer em qualquer caso o interesse da Justiça

no descobrimento da verdade, de sorte que a ilicitude da obtenção não

subtrai à prova o valor que possua como elemento útil para formar o

38

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. Revista

Forense. Rio de Janeiro: Editora Forense, n° 337: 125-134, jan./fev./mar. 1997. p. 121.

Page 40: Monografia Isabella Roxo.pdf

39

convencimento do juiz; a prova será admissível sem prejuízo da sanção

a que fique sujeito o infrator39

Para os doutrinadores adeptos a essa teoria, a formalidade processual de ilicitude

do meio pelo qual foi colhida a prova não teria o condão de obstar a incidência de prova

essencial para o deslinde do caso e para a busca da verdade. Os fundamentos mais

utilizados por esta corrente eram a descoberta da verdade, a celeridade e efetividade

processual e a premissa de que a inadmissibilidade de um ato processual não se

relaciona com a ilicitude material de certa conduta e, portanto, defendiam que apenas

quando a prova fosse ilegítima, por transgredir alguma norma ou princípio de natureza

processual, ela seria inadmitida no processo. Desse modo, as provas ilícitas, ou seja,

aquelas que foram colhidas mediante infração a uma norma de direito material poderiam

ser utilizadas no processo, sem prejuízo da sanção cabível por transgressão à norma

material. Confirmando esse entendimento, Luiz Francisco Torquato Avolio:

Como vimos, embora partindo de pressupostos diversos, as teorias

englobadas sob a rubrica da admissibilidade das provas ilícitas postulam

a sua utilizabilidade no processo, reservando ao infrator as sanções

cabíveis. Inutilizáveis, no processo, seriam somente as provas que a

própria lei processual proscreve.40

Em suma, tal corrente postula pela admissibilidade das provas obtidas por meio

ilícito no processo tendo em vista o interesse coletivo pela busca da verdade, bem como

a efetividade e celeridade processual. Desse modo, as provas ilícitas estariam em plenas

condições de ingressar no processo, sem prejuízo das sanções cabíveis ao infrator no

plano do direito material, somente obstando a admissibilidade quando se tratar de

provas ilegítimas, aquelas inadmitidas pela norma processual.

3.2.2. Teoria Obstativa

Para esta corrente, diferentemente e radicalmente oposta à primeira, não se pode

admitir que a prova obtida por meio ilícito seja utilizada no processo, mesmo que

inexista proibição em norma processual quanto a sua admissibilidade, ou seja, mesmo

que não se trate de prova ilegítima, não se pode conceber que um comportamento

39

MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p.109. 40

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 46.

Page 41: Monografia Isabella Roxo.pdf

40

antijurídico seja admitido no processo e que o infrator da norma obtenha proveito da

ilicitude.

Ada Pellegrini Grinover, citada por Luiz Francisco Torquato Avolio, assevera

que:

Sendo inaceitável a corrente que admite as provas ilícitas, no processo,

preconizando pura e simplesmente a punição do infrator pelo ilícito

material cometido; afastada, como o fizemos, a simples visão unitária

que pretende superar a distinção entre ilícito material e

inadmissibilidade processual em uma posição que se baseia na unidade

do ordenamento jurídico, a necessária correlação entre o ato ilícito,

material, da obtenção da prova e sua inadmissibilidade e ineficácia

processuais somente pode ser feita, como vimos, pela qualificação que

os institutos processuais recebem do direito constitucional41

Desse modo, os doutrinadores adeptos a essa corrente postulavam pela unicidade

do ordenamento jurídico, que não se encontraria fracionado em áreas estanques e

incomunicáveis, e, portanto, a admissibilidade de um comportamento antijurídico e

contrário a uma norma poderia afetar o ordenamento como um todo. Para eles, mesmo

que a norma processual não obste taxativamente a aplicação de uma prova obtida por

infração de uma regra de direito material, ela não deve, em nenhuma hipótese, ser

admitida no processo para formar o convencimento do órgão julgador, conforme

entendimento de José Carlos Barbosa Moreira:

[...] Já para a segunda tese, o direito não pode prestigiar comportamento

antijurídico, nem consentir que dele tire proveito quem haja

desrespeitado o preceito legal, com prejuízo alheio; por conseguinte, o

órgão judicial não reconhecerá eficácia à prova ilicitamente obtida42

3.2.3. Teoria Intermediária

Esta teoria se funda no princípio da proporcionalidade, também conhecido como

“lei da ponderação”, que preconiza a ponderação de princípios antagônicos para que se

alcance a solução mais justa, observando-se o devido processo legal e a efetividade do

processo. Desse modo, a teoria da proporcionalidade postula que os princípios

conflitantes sejam analisados pelo juiz no caso concreto, que realizará a escolha do

41

GRINOVER, Ada Pellegrini apud AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p.86. 42

MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 109.

Page 42: Monografia Isabella Roxo.pdf

41

caminho mais justo para que se chegue a um equilíbrio, desde que se trate de uma

excepcionalidade. Barbosa Moreira, nesse sentido:

Alude-se, a tal propósito, ao chamado princípio da proporcionalidade.

Há que verificar se a transgressão se explicava por autêntica

necessidade, suficiente para tornar escusável o comportamento da parte,

e se esta se manteve nos limites por aquela determinados; ou, se ao

contrário, existia a possibilidade de provar a alegação por meios

regulares, e a infração gerou dano superior ao benefício trazido à

instrução do processo. Em suma, averiguar se, dos dois males, se terá

escolhido realmente o menor43

Carlos Henrique Bezerra Leite, especificamente na seara processual trabalhista,

assevera:

O princípio da proibição da prova ilícita vem sendo mitigado, em casos

concretos, com base nos princípios da proporcionalidade (ou

razoabilidade), segundo o qual não se deve chegar ao extremo de negar

validade a toda e qualquer prova obtida por meios ilícitos, como, por

exemplo, uma gravação sub-reptícia utilizada por empregada que deseja

fazer prova de que fora vítima de assédio sexual pelo seu empregador

ou superior hierárquico, sem o conhecimento deste. 44

Assim, o juiz deve averiguar em cada caso concreto todas as circunstâncias que

envolvem a obtenção e aplicação da prova ilícita. Primeiramente, deve-se analisar se

existia outro meio probatório apto para provar o fato alegado, caso em que a prova

ilícita deva ser inadmitida pela falta de necessidade em seu emprego. O magistrado, por

fim, deve sopesar os interesses envolvidos para escolher a melhor solução, analisando

se o direito de maior relevância foi violado com a obtenção da prova ilícita, ou se o

direito alegado pela parte possui maior importância a ponto de afastar a ilicitude da

colheita da prova e admitir a sua entrada no processo.

A teoria intermediária ou teoria da proporcionalidade foi desenvolvida como um

ponto de equilíbrio entre as duas correntes anteriores e propõe que o magistrado possa

valorar a prova trazida ao processo, e, seguindo critérios axiológicos, decida qual o

princípio deverá prevalecer e qual será sacrificado em prol da busca pela verdade e da

efetividade do provimento jurisdicional. Para esta corrente, que tenta conciliar

princípios antagônicos, nenhuma regra constitucional é absoluta de modo que possa

restringir sumariamente a aplicação de um direito fundamental, mesmo porque as regras

constitucionais coexistem com outras regras e princípios também constitucionais. Desse

modo, a proibição da prova ilícita se configura em um princípio relativo, que pode ser

43

BARBOSA, José Carlos Moreira, op. cit., p. 110. 44

LEITE, Carlos Henrique Bezerra, op. cit., p. 548.

Page 43: Monografia Isabella Roxo.pdf

42

afastado quando em confronto com interesse de maior relevância ou com outro direito

fundamental constitucionalmente garantido.

3.3. Princípio da Proporcionalidade e a Admissibilidade das Provas Ilícitas

O princípio da proporcionalidade, também conhecido como princípio da

razoabilidade ou da preponderância dos interesses, foi desenvolvido pelo direito alemão

como forma de atender aos anseios sociais advindos de um Estado pós-guerra45

que

instituiu o princípio da “proibição do excesso” como regra aplicável a todo o

ordenamento jurídico.

Este princípio, atualmente, vem ganhando importância no cenário jurídico de

diversos países, principalmente porque o direito constitucional contemporâneo ressalta a

importância da força normativa dos princípios para todo o sistema jurídico no que tange

a sua unidade e coerência. Luiz Francisco Torquato Avolio assevera que este princípio

possui primordialmente um sentido de limitar os poderes do Estado em prol da garantia

de direitos fundamentais dos indivíduos que lhe estão sub-rogados.46

Constitui, pois, o princípio da proporcionalidade, um sistema de ponderação de

valores, princípios e normas que se colocam em posição antagônica, sendo

imprescindível que o aplicador do direito, forme seu convencimento valendo-se de

critérios axiológicos, e escolha qual valor deverá se sobrepor por contemplar da melhor

forma todos os interesses envolvidos.

Traduzindo esta ideia, importante destacar o entendimento do ilustre jurista José

Carlos Barbosa Moreira acerca do referido princípio:

Daí a conveniência de deixar ao aplicador da norma restritiva

determinada margem de flexibilidade no respectivo manejo. Só a atenta

45

Pós Segunda Guerra Mundial (1939-1945). “É a partir do fim da Segunda Guerra, com a nova

Constituição Alemã, a Lei Fundamental de 23 de maio de 1949, que a noção de dignidade da

pessoa humana se cristaliza e, assim, a tutela dos direitos fundamentais se torna mais efetiva,

criando as condições para o aclareamento e solidificação do entendimento do princípio da

proporcionalidade como hoje o conhecemos.” BENACCHIO Marcelo; BAEZ, Narciso Leandro

Xavier. XXIV Congresso Nacional do CONPEDI – UFMG/FUMEC/DOM HELDER

CÂMARA. Direito Civil Constitucional. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 21. 46

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 64.

Page 44: Monografia Isabella Roxo.pdf

43

ponderação comparativa de interesses em jogo no caso concreto

afigura-se capaz de permitir que se chegue a solução conforme à

Justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da

proporcionalidade.47

No que tange à utilização do recurso da ponderação de interesses na

admissibilidade de provas ilícitas, importa destacar, primeiramente, que os princípios

constitucionais não são absolutos, coexistindo com outros princípios constitucionais de

igual relevância, alçados à categoria de direitos fundamentais. Esta primeira premissa é

de suma importância principalmente na ocorrência de situações em que dois valores,

igualmente importantes, se mostram em oposição no caso concreto, como ocorre em

processo judicial quando a parte apresenta uma prova obtida por meio ilícito, ou seja,

violando alguma regra ou princípio de direito material, o que exige que o juiz faça uma

escolha entre admitir a prova ilícita como meio probatório prestigiando o direito que a

parte deseja provar, ou, impedir a entrada da prova ilícita no processo, tendo em vista a

ocorrência da ilicitude a uma norma jurídica.

No Brasil, a Constituição de 1988 optou por uma solução radical, proibindo, de

maneira categórica, a utilização de provas ilícitas em seu art. 5º, LVI. Isto se deve, em

grande parte, pelo contexto histórico em que o país se encontrava, após longos anos de

ditadura militar, onde eram frequentes abusos do poder estatal e desrespeito a direitos

fundamentais dos cidadãos, como a prática de tortura e violação da intimidade para

persecução de interesses do Estado ditatorial. O poder constituinte originário, portanto,

objetivando repelir tais práticas optou por excluir de maneira taxativa o uso de provas

colhidas que desrespeitassem alguma regra jurídica.

No entanto, a vedação total da prova ilícita muitas vezes se mostrava insuficiente

para salvaguardar todos os interesses envolvidos, o que acarretava resultados

indesejáveis, tendo em vista os ideais de justiça e a efetividade do provimento

jurisdicional. Assim, muitos doutrinadores passaram a desenvolver teses pautadas no

princípio da proporcionalidade para admitir casos em que a utilização da prova ilícita

seria necessária para assegurar o respeito a um bem jurídico de maior relevância,

conforme o caso apresentado. Conforme assevera José Carlos Barbosa Moreira:

Seja como for, o essencial aqui é por em realce o caráter relativo que

por força se tem de atribuir ao princípio constitucional atinente à

inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Visto que, ainda

entre os juristas mais comprometidos com a tese da proibição, se acaba

47

MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 114.

Page 45: Monografia Isabella Roxo.pdf

44

por admitir que ela não se aplica de modo automático e indiscriminado

sob quaisquer circunstâncias, fica aberta a possibilidade de uma

construção jurisprudencial que tome na devida conta as variáveis

necessidades sociais.48

No mesmo sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio:

[...] A teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também

denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos

interesses, consiste, pois, exatamente numa construção doutrinária e

jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da

prova obtida ilicitamente, permitindo em face de uma vedação

probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os

valores constitucionalmente relevantes postos em confronto.49

Cabe acrescentar, ainda, que o princípio da proporcionalidade, se divide em três

subprincípios, a saber: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Pela necessidade se entende que o sacrifício de um direito fundamental deve ser

imprescindível para salvaguardar bem jurídico de igual ou maior importância, ou seja, a

escolha entre um direito em detrimento de outro se fez necessária como único modo

para se alcançar a solução mais justa.

Já em relação à adequação, se entende que a escolha adotada pelo magistrado

deva ser a mais adequada para solucionar o conflito em questão e alcançar a finalidade

social do processo.

A proporcionalidade em sentido estrito, por sua vez, se refere à própria

ponderação de valores realizada pelo magistrado no caso concreto, de modo que escolha

dentre os direitos fundamentais ou princípios que se oponham, aquele que se mostre de

maior relevância e que permita alcançar o fim do processo e da atividade jurisdicional,

em última análise.

Algumas críticas se insurgiram à aplicação do princípio da proporcionalidade no

que tange às provas ilícitas, exprimindo uma preocupação em relação ao subjetivismo

intrínseco à atividade devido à impossibilidade de se determinar os interesses e valores

envolvidos de maneira objetiva, o que teria que ser construído através da jurisprudência

em cada caso concreto. Nesse sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio:

Sem dúvida, existe o perigo, percebido nos precedentes jurisprudenciais

colacionados, de que os juízes, na definição da fattispecie singular,

venham a orientar-se somente com base nas circunstâncias particulares

48

MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 113. 49

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 67.

Page 46: Monografia Isabella Roxo.pdf

45

do caso concreto e percam de vista as dimensões do fenômeno no plano

geral.50

O autor, citando Trocker, afirma que há uma necessidade de se definir melhor os

critérios para a aplicação do referido princípio, através da determinação dos valores em

jogo, da ordem normativa e do cânone da proporcionalidade entre o meio empregado e

o fim a ser obtido, advertindo que os maiores receios derivam da errônea

individualização dos valores em jogo.51

Por fim, vale destacar ementa colacionada do TRT/SP-10ª Turma, acerca da

aplicação do princípio da proporcionalidade na admissão de provas ilícitas no processo:

PROVA ILÍCITA. Valoração. Prova obtida a partir da gravação

clandestina de conversa telefônica. É certo que o ordenamento

constitucional brasileiro, em princípio, repudia a aceitação das provas

obtidas ilicitamente (art. 5o, LVI da Constituição Federal). Não menos

certo é que doutrina e jurisprudência não se mostram convergentes

quanto à invalidade e imprestabilidade da prova ilícita e procuram

mitigar o rigor dessa inadmissibilidade absoluta, encampando uma tese

intermediária fundada nos princípios da proporcionalidade e da

razoabilidade. Assim, hodiernarmente, propugna-se a idéia de que, em

caso extremamente graves e excepcionais, quando estiverem em risco

valores fundamentais, também assegurados constitucionalmente, cabe

ao julgador admitir e valorar a prova tida por ilícita. Significa dizer que,

no caso concreto, deve haver uma análise de proporcionalidade dos

bens jurídicos protegidos e quando ocorrer uma lesão a um direito

fundamental de maior relevância, a prova deve ser validamente

admitida. In casu, cotejando os princípios das garantias constitucionais

à inviolabilidade da intimidade e da privacidade (art. 5o, X da

Constituição Federal), com os princípios da dignidade da pessoa

humana, do valor social do trabalho, do acesso à informação inerente ao

exercício profissional e da ampla defesa (art. 1o, incisos III e IV e art.

5o, incisos XIV e LV da Constituição Federal), resta irrefutável a

prevalência da prova obtida a partir da gravação clandestina de conversa

telefônica efetivada sem o conhecimento de um dos interlocutores do

diálogo, reproduzida em laudo de degravação por perito judicial,

mormente se considerada a primazia da realidade dos fatos. Reputo,

portanto, válida a prova produzida." (TRT/SP - 01559200506102009 -

RO - Ac. 10aT 20090633282 - Rel. Lilian Gonçalves - DOE

01/09/2009).

50

Ibidem, p. 72. 51

Idem.

Page 47: Monografia Isabella Roxo.pdf

46

3.4. Espécies de Provas Ilícitas no Processo Trabalhista

Conforme exposto, embora a legislação trabalhista não tenha disciplinado de

forma sistemática as espécies de prova admitidas no processo trabalhista, por força do

art. 769 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que permite a aplicação subsidiária de

outros diplomas processuais quando houver omissão na CLT, o Código de Processo

Civil é utilizado como fonte subsidiária de direito processual. Como se sabe, o Código

de Processo Civil não apresenta rol taxativo de espécies probatórias, tendo em vista o

art. 332 que admite emprego de outras provas moralmente legítimas.

No entanto, há casos em que provas obtidas de forma ilícita são admitidas no

processo pautadas no princípio da proporcionalidade, quando o juiz, valendo-se de

critérios axiológicos e de acordo com as peculiaridades de cada caso, escolhe qual

direito material possui maior relevância: o direito postulado pela parte que deseja

utilizar a prova ilícita como instrumento capaz de influir no julgamento da lide, ou o

direito que foi desrespeitado na colheita da prova ilícita. A seguir, apresenta-se breve

análise de principais provas obtidas de forma ilícita e suas consequências em relação à

admissão no processo trabalhista.

3.4.1. Gravações e interceptações clandestinas

Inicialmente, insta estabelecer a diferença entre gravações e interceptações

clandestinas. As interceptações telefônicas em sentido estrito caracterizam-se pela

captação de conversa telefônica por um terceiro estranho ao diálogo através de

grampeamento da linha telefônica, e sem o consentimento dos interlocutores, ou com

consentimento de apenas um deles. Quando a interceptação é feita por um terceiro que

se encontra no mesmo ambiente onde acontece a conversação, através da instalação de

gravador no recinto, com o desconhecimento dos interlocutores, dá-se o nome de

interceptação ambiental ou interceptação entre presentes, e, quando há o conhecimento

de algum dos interlocutores a interceptação ambiental passa a se chamar escuta

ambiental.

Page 48: Monografia Isabella Roxo.pdf

47

As chamadas gravações clandestinas são realizadas pelo próprio interlocutor,

sem a interferência de terceiro, não são, portanto, enquadradas no conceito de

interceptação. A gravação consiste no registro de conversa telefônica (gravação

clandestina propriamente dita) ou de conversa entre pessoas (gravações ambientais) por

um dos interlocutores sem o conhecimento do outro.

O art. 5º, XII da Constituição Federal estabelece o sigilo de dados e das

comunicações telefônica, trazendo como única exceção hipótese de autorização judicial,

na forma da lei e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A Lei

9.296/96 regulamenta este dispositivo constitucional e em seu art. 2º, II proíbe a

admissão da interceptação telefônica quando o fato puder ser provado por outros

meios52

, além disso, o art. 10 estabelece que incorre na prática de crime aquele que se

utilizar de interceptação telefônica sem autorização judicial.53

Desse modo, infere-se que a autorização judicial se constitui em requisito

essencial para a admissão da interceptação telefônica como meio probatório. Na seara

trabalhista, a jurisprudência é unânime em negar a admissão de interceptação telefônica

sem autorização judicial, porém, a discussão gira em torno da possibilidade de

utilização da interceptação por autorização judicial do juiz do trabalho. Nesse sentido,

alguns juízes asseveram não ser possível a aplicação do referido inciso XII do art. 5º da

Constituição Federal fora do processo penal, sendo, portanto, inadmissível no processo

do trabalho. Outros magistrados e doutrinadores, por sua vez, entendem que seja

perfeitamente possível e válida a utilização da interceptação telefônica como prova no

processo do trabalho quando autorizada por decisão judicial e pautada no princípio da

proporcionalidade e na premissa de que nenhuma garantia constitucional tem valor

absoluto. Nesse sentido, Luiz Francisco Torquato Avolio: É que nada impede a

aplicação do princípio da proporcionalidade no processo civil ou de qualquer outra

52

Artigo 2º: “Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer

qualquer das seguintes hipóteses:[...] II - a prova puder ser feita por outros meios

disponíveis;[...].” (BRASIL. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996.) Regulamenta o inciso XII,

parte final, do art. 5° da Constituição Federal. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm >. Acesso em: 25 jan. 2016. 53

Artigo 10: “Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de

informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com

objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão de dois a quatro anos e multa.” (BRASIL. Lei

nº 9.296, de 24 de julho de 1996.) Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5° da

Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9296.htm

>. Acesso em: 25 jan. 2016.

Page 49: Monografia Isabella Roxo.pdf

48

natureza, desde que exista, no plano concreto, a contraposição de dois interesses

juridicamente relevantes [...]54

No que tange às gravações clandestinas, aquelas realizadas pelo próprio

interlocutor sem a interferência de terceiro e sem o conhecimento do outro interlocutor,

destaca-se também a existência de divergências doutrinárias acerca de sua licitude.

Alguns magistrados entendem como ilícita a gravação clandestina por ofender o direito

à intimidade e por se constituir em meio probatório moral ilegítimo, razões pelas quais

não deve ser admitida no processo trabalhista, conforme ementa colacionada a seguir:

PROVA ILÍCITA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO

CARACTERIZADA. GRAVAÇÃO DE CONVERSA

TELEFÔNICA CLANDESTINA. A interceptação de conversa

telefônica de empregado, sob a supervisão de "autoridade policial civil",

justificada como medida de prevenção de possíveis desvios de

comportamentos e estribada na equivocada premissa de seu uso como

instrumento de controle e gestão das atividades empresariais, constitui

grave violação aos direitos inerentes ao sigilo das comunicações, à

liberdade de manifestação do pensamento, à privacidade e intimidade,

que a Constituição Federal cuidou de resguardar, no âmbito dos Direitos

e Garantias Fundamentais (art. 5o., incisos IV, X e XII). A escuta

telefônica clandestina, realizada sem o consentimento do trabalhador e

autorização judicial, não tem amparo legal e o seu indeferimento não

caracteriza cerceamento ao direito de defesa (CF/88, art. 5o., inciso LVI

e CPC, art. 332).(TRT-3 - RO: 1813405 00739-2005-091-03-00-0,

Relator: Convocado Antonio G. de Vasconcelos, Segunda Turma, Data

de Publicação: 03/05/2006 DJMG . Página 16. Boletim: Sim.)

Outros magistrados, porém, postulam pela possibilidade de sua admissão no

processo do trabalho fundamentando-se na licitude da prova, tendo em vista que o

inciso XII do art. 5º da Constituição Federal apenas veda a utilização da interceptação

como meio probatório, não abrangendo as gravações clandestinas, sejam elas telefônicas

ou ambientais. Nesse sentido, destaca-se a seguinte ementa do TST:

GRAVAÇÃO UNILATERAL DE DIÁLOGO ENTRE PESSOAS,

EFETIVADA POR UM DOS PARTICIPANTES. MEIO LÍCITO

DE PROVA. NÃO ENQUADRAMENTO NO CONCEITO

CENSURADO DE ‘INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. Não existe

ilicitude na gravação unilateral de diálogo entre pessoas, mesmo pela

via telefônica ou congênere, desde que realizada a gravação por um dos

interlocutores, ainda que sem conhecimento do (s) outro (s), e desde que

não haja causa legal específica de reserva ou de sigilo. Tal meio de

prova pode, sim, ser utilizado em Juízo pelo autor da gravação. Essa

conduta e tal meio probatório não se confunde com a interceptação

telefônica, nem fere o sigilo telefônico, ambos regulados

pela Constituição (art. 5.º, X,XII e LVI, CF/88). Recurso de revista não

conhecido." (RR - 20100-06.2007.5.03.0136, Relator: Ministro

54

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 122.

Page 50: Monografia Isabella Roxo.pdf

49

Mauricio Godinho Delgado, Ac. 3.ª Turma, publicado no DEJT

7/6/2013.)

3.4.2. Documento Furtivamente Obtido

O uso de documentos sigilosos é frequente na justiça trabalhista, notadamente

pelo empregado, que, através de uma ação furtiva, obtêm documentos que comprovam o

direito alegado, como, por exemplo, no caso de cartão de ponto para a comprovação de

horas extras ou trabalho noturno, documentos que comprovem direito à adicional de

insalubridade ou algum recibo que comprove a relação de emprego. O reclamante,

receoso que o reclamado negue a existência do documento que comprova o seu direito,

se apropria indevidamente do documento e o apresenta ao juízo requerendo sua juntada

aos autos do processo.

O empregado deve respeitar o sigilo profissional da empresa em que presta

trabalho, sendo este dever inerente à sua atividade e passível de justa causa quando

desrespeitado, de acordo com o art. 482, alínea g da CLT, além disso, a divulgação de

documentos particulares sem autorização também é tipificada pelo Código Penal como

crime sujeito a pena de detenção e multa.55

No entanto, esta matéria ainda não se encontra pacificada nos tribunais, tendo em

vista que muitos doutrinadores e operadores do direito têm defendido a possibilidade de

se admitir o documento obtido furtivamente como meio probatório na justiça

trabalhista, pautando-se no princípio da proporcionalidade, e, portanto, caberia ao juiz

em face da situação concreta a ele apresentada, e desde que se trate de situação

55

Artigo 153: “Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de

correspondência confidencial, de que é destinatário ou detentor, e cuja divulgação possa

produzir dano a outrem: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. [...]” (BRASIL.

Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.) Código Penal. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm >. Acesso em: 25 jan. 2016.

Artigo 154: ”Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função,

ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena - detenção,

de três meses a um ano, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante

representação.”( BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940.) Código Penal.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>

Acesso em 25 jan. 2016.

Page 51: Monografia Isabella Roxo.pdf

50

excepcional e que não haja outro meio apto para provar o mesmo fato, decidir sobre o

acolhimento ou não da prova, conforme Avolio:

Esse estado de necessidade processual pode ser eventualmente

legitimado à luz do princípio da proporcionalidade, que admite

a denominada prova ilícita pro reo, visto que o direito de defesa

se sobrepõe ao da intimidade ou da inviolabilidade do domicílio

do titular desses direitos.56

3.4.3. Revista Íntima de Empregados

O art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas estabelece a definição de

empregador como aquele que assume os riscos da atividade econômica e dirige a

prestação de serviços. Assim, este conceito abrange a prerrogativa do empregador de

controlar as atividades realizadas pelo obreiro, de determinar a organização e estrutura

do espaço interno em que será realizada a prestação de serviços, além de conferir o

poder de fiscalização, tendo em vista o direito de propriedade do empregador que

poderia eventualmente ser violado ou subtraído pelo empregado.

No entanto, o exercício do poder diretivo do empregador, principalmente no que

tange a prerrogativa de fiscalização, se exercido com abuso, viola a intimidade do

obreiro e pode lhe trazer danos de ordem moral. O abuso se dá quando o direito de

fiscalização é exercido em excesso, trazendo constrangimentos ao empregado e

violando sua intimidade, como ocorre nas revistas realizadas na frente de outros

funcionários da empresa. A jurisprudência tem admitido a revista íntima de empregados

quando não exercida além dos limites impostos pela razoabilidade, conforme ementa

colacionada a seguir:

REVISTA ÍNTIMA DE EMPREGADO E SEUS PERTENCES.

OBSERVAÇÃO AOS LIMITES IMPOSTOS PELA

RAZOABILIDADE, COMO FORMA DE ASSEGURAR A

LICITUDE DA CONDUTA PATRONAL. Ofende a incolumidade

subjetiva do empregado a utilização de procedimento de revista quando

não efetuado em caráter geral que observe critérios objetivos. Ilicitude

agravada por sua realização em local inapropriado, por se tratar de

acesso comum às demais pessoas. Condenação à reparação por danos

morais que se mantém.(TRT-1 - RO: 12527320115010204 RJ, Relator:

56

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., p. 260-261.

Page 52: Monografia Isabella Roxo.pdf

51

Nelson Tomaz Braga, Data de Julgamento: 04/07/2012, Sexta Turma,

Data de Publicação: 2012-07-13)

Importante destacar que o art. 373-A da CLT veda a revista íntima em mulheres,

no entanto, em razão do princípio da isonomia, tem-se entendido que este dispositivo

legal também se aplicaria aos homens. Nesse sentido, o enunciado n. 15 da 1ª Jornada

de Direito Material e Processual do Trabalho estabelece que o referido artigo da CLT se

aplicaria a ambos os sexos, in verbis:

REVISTA DE EMPREGADO. I – REVISTA – ILICITUDE. Toda e

qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus

prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por

ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do

trabalhador. II – REVISTA ÍNTIMA – VEDAÇÃO A AMBOS OS

SEXOS. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas

íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da

igualdade entre os sexos inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição da

República.

Assim, a revista íntima realizada tanto em empregados quanto em empregadas se

configura em prática ilegal e não poderia, portanto, ser utilizada como prova em ação

trabalhista. No entanto, com a análise das particularidades trazidas por cada caso

concreto e desde que seja uma situação excepcional e que não haja outro meio

probatório apto, o juiz, à luz do princípio da proporcionalidade e utilizando-se de

critérios axiológicos, poderá admitir tal prova para comprovar algum ato de

improbidade praticado pelo empregado, por exemplo.

3.4.4. E-mail Corporativo

Com o avanço da tecnologia e da rede mundial de computadores, novas formas de

comunicação foram sendo introduzidas no dia a dia das empresas, uma delas,

proporcionada pelo crescimento exponencial da Internet, foi o correio eletrônico, mais

conhecido como e-mail, popularizado pela facilidade e rapidez na troca de dados entre

pessoas. Não há, ainda, na legislação brasileira, nenhuma lei que regulamente o correio

eletrônico, no entanto, entende-se que está abrangido pelo sigilo de correspondência

Page 53: Monografia Isabella Roxo.pdf

52

previsto no art. 5º, XII da Constituição Federal. Portanto, a violação e divulgação de

conteúdo de e-mail pessoal configura ato ilícito tendo em vista a violação da intimidade,

também de alçada constitucional.

Nesse sentido, geralmente as empresas fornecem senhas de acesso a endereços

eletrônicos para seus empregados como forma de aumentar a produtividade, no entanto,

muitas vezes os obreiros utilizam-se desta ferramenta para fins exclusivamente pessoais,

desvirtuando os fins anteriormente fixados pela empresa com o uso deste meio de

comunicação. Assim, esta prática tem ensejado a adoção de práticas fiscalizatórias de

correio eletrônico pelos empregadores como forma de controlar o uso do e-mail pelos

empregados e garantir que seja utilizado de maneira correta.

Contudo, a fiscalização de dados eletrônicos pelo empregador suscita muitas

discussões acerca de sua licitude, tendo em vista a violação da intimidade do

empregado. É de se destacar que o endereço eletrônico pessoal do obreiro não pode, de

forma alguma, ser objeto de fiscalização pelo empregador, somente se admitindo a

discussão na hipótese de endereço de e-mail fornecido pelo próprio empregador como

instrumento de trabalho.

Em que pese opiniões acerca da ilicitude da prática fiscalizatória do e-mail

corporativo, a jurisprudência57

e doutrina têm entendido pela sua admissão, desde que

pautada na razoabilidade e utilizando-se de critérios objetivos previamente divulgados

aos empregados. Nesse sentindo, Mauro Schiavi aponta alguns cuidados que devem ser

tomados pelo empregador na prática fiscalizatória de e-mail eletrônico corporativo:

57

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - E-MAIL CORPORATIVO

- ACESSO PELO EMPREGADOR SEM A ANUÊNCIA DO EMPREGADO - PROVA

ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, o e-

mail corporativo ostenta a natureza jurídica de ferramenta de trabalho, fornecida pelo

empregador ao seu empregado, motivo pelo qual deve o obreiro utilizá-lo de maneira adequada,

visando à obtenção da maior eficiência nos serviços que desempenha. Dessa forma, não viola os

arts. 5º, X e XII, da Carta Magna a utilização, pelo empregador, do conteúdo do mencionado

instrumento de trabalho, uma vez que cabe àquele que suporta os riscos da atividade produtiva

zelar pelo correto uso dos meios que proporciona aos seus subordinados para o desempenho de

suas funções. Não se há de cogitar, pois, em ofensa ao direito de intimidade do reclamante.

Agravo de instrumento desprovido . AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE

REVISTA - CONVERSA - GRAVAÇÃO FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES -

PROVA ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. O Supremo Tribunal Federal já firmou

entendimento no sentido de que a gravação de conversa por um dos interlocutores, a fim de

repelir conduta ilícita do outro, não se enquadra na vedação prevista no art. 5º. LVI, da Carta

Magna, constituindo-se, pois, exercício regular de direito. Agravo de instrumento desprovido.

(TST - AIRR: 1640408620035010051 164040-86.2003.5.01.0051, Relator: Luiz Philippe Vieira

de Mello Filho, Data de Julgamento: 15/10/2008, 1ª Turma,, Data de Publicação: DJ

24/10/2008.)

Page 54: Monografia Isabella Roxo.pdf

53

a) Fundada suspeita de utilização indevida do e-mail pelo empregado;

b) Indícios suficientes de que o empregado está desvirtuando a

utilização do e-mail;

c) Que seja extremamente necessário, não havendo possibilidade de se

provar o fato por outros meios;

d) Razoabilidade e boa-fé por parte do empregador.58

Desta forma, eventual prova colhida através de monitoração do e-mail corporativo

disponibilizado ao obreiro pode ser admitida no processo, seguindo critérios de

ponderação de interesses avaliada no caso concreto.

3.5. Prova Ilícita por Derivação

Tema relevante no tocante às provas ilícitas e sua admissibilidade no processo é

em relação à chamada prova ilícita por derivação, que se refere à prova que, embora

obtida de forma lícita, emana de uma prova obtida por meio ilícito. Ou seja, trata-se de

uma prova obtida de acordo com o ordenamento jurídico e que por si só estaria apta a

produzir efeitos no processo judicial, porém, seu conhecimento foi proporcionado pelo

conteúdo de uma prova ilícita.

A jurisprudência norte-americana foi pioneira no desenvolvimento do tema com

a criação da teoria dos frutos da árvore envenenada segundo o qual o vício da árvore

tem o condão de contaminar todos os frutos, ou seja, as provas que decorrem de uma

prova obtida ilicitamente estariam viciadas, embora se tratem de meios probatórios

formalmente admissíveis. Desse modo, caso uma confissão obtida mediante prática de

tortura dê margem ao descobrimento de algum documento importante para o deslinde da

causa, este não poderá ser admitido como meio probatório no processo, tendo em vista

que seu conhecimento se deu através de uma confissão por prática de tortura, vedada

pelo ordenamento jurídico.

Impende observar que o art. 157 do nosso Código de Processo Penal consagra a

referida teoria ao inadmitir provas decorrentes de provas ilícitas, exceto quando não se

configurar nexo de causalidade entre elas ou quando puderem ser obtidas por meio de

outra fonte. Assim, embora a prova seja formalmente lícita, se houver nexo de

58

SCHIAVI, Mauro, op. cit. p. 132.

Page 55: Monografia Isabella Roxo.pdf

54

causalidade com uma prova obtida ilicitamente ela não poderá ser admitida no

processo.59

3.6. Assédio Moral e a Dificuldade Probatória

O assédio moral, no que tange a seara laboral, se caracteriza pela prática

reiterada de condutas abusivas que exponham o empregado a situações vexatórias e

humilhantes capazes de ofender a sua personalidade, integridade e dignidade durante a

jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

A ocorrência deste tipo de violência moral costuma ser frequente no ambiente de

trabalho tendo em vista a subordinação do obreiro em relação ao empregador ou outro

funcionário de superior hierarquia. Importante destacar que a prática do assédio moral

geralmente se dá de forma silenciosa e cautelosa, como forma de impedir a ciência de

terceiros, o que acarreta inúmeras dificuldades à vítima em relação à prova do assédio.

Desse modo, tendo em vista a complexidade que envolve obtenção de provas por

parte do empregado capazes de influir no julgamento da lide e a extrema relevância dos

bens jurídicos violados com a prática do assédio, ganha espaço a discussão acerca da

admissibilidade de provas obtidas por meios, a princípio ilícitos, mas que se configuram

como único meio capaz de comprovar a violência alegada, como, por exemplo, o uso de

gravações clandestinas, fotografias ou filmagens sem o conhecimento do agressor.

Este entendimento, pautado no princípio da proporcionalidade e da premissa

segunda a qual não existem direitos absolutos, tem sido defendido juízes trabalhistas de

forma a garantir a efetividade e a justiça na prestação jurisdicional, conforme

59

Artigo 157: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas,

assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais § 1o São também

inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de

causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte

independente das primeiras. [...]”(BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941.)

Institui o Código de Processo Penal. Disponível em:

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm> Acesso em: 28 jan.

2016.

Page 56: Monografia Isabella Roxo.pdf

55

jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho colacionada a seguir em que se admite

gravação clandestina para comprovar assédio moral:

"ASSEDIO MORAL. CARACTERIZAÇÃO. GRAVAÇÃO

AMBIENTAL. PROVA. LICITUDE. MONTANTE. 1. Na esteira do

entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do

Trabalho, é válida a gravação ambiental por parte de um dos

interlocutores como meio de prova. 2. O Tribunal Regional deixa patente

que a gravação realizada pela empregada demonstra a sugestão do

empregador de ajuizamento de lide simulada como condição para

satisfação dos créditos rescisórios da trabalhadora, restando demonstrado

o assédio moral. 3. Segundo a jurisprudência dessa Corte, a imissão, por

meio de pretensão posta em recurso de revista, no montante em que se

fixa a reparação de danos morais se limita aos casos de desrespeito aos

limites superiores ou inferiores da razoabilidade, o que no caso não se

configura. Não conhecido"(RR-201500-22.2008.5.07.0001, Relator

Ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT 17/08/2012).

Page 57: Monografia Isabella Roxo.pdf

56

CONCLUSÃO

A análise do instituto do direito probatório é de extrema importância para o

direito processual e para o acesso a uma ordem jurisdicional justa e efetiva tendo em

vista a essencialidade do papel exercido pela prova na busca da verdade substancial dos

fatos, principalmente no tocante ao direito processual trabalhista pela aplicação do

princípio da busca da verdade real.

Como visto, a prova possui o condão de transladar a verdade real para o

processo e confere às partes o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla

defesa, pela possibilidade de influir na decisão do órgão julgador. Além disso, notório o

caráter de direito fundamental atribuído ao direito probatório, tendo em vista sua ligação

com os dois princípios supracitados assegurados constitucionalmente.

Em que pese proibição expressa da Constituição Federal em seu art.5º, LVI

acerca da utilização das provas obtidas por meios ilícitos, muito se tem discutido,

hodiernamente, a respeito das consequências de sua admissão como meio probatório

capaz de produzir regular efeito no processo judicial. Neste sentido, conforme estudo

das teorias que circundam o tema, três principais correntes se insurgiram: duas

pugnavam por extremos opostos, ou seja, a absoluta vedação e a admissibilidade

irrestrita das provas; e a última, conhecida como teoria intermediária, postulava pela

aplicação do princípio da proporcionalidade para a resolução do impasse.

Esta última teoria tem sido aceita por boa parte da doutrina que também

demonstrou os riscos de se adotar posições extremas no tocante ao tema, tendo em vista

o caráter fundamental dos direitos e princípios que podem estar envolvidos. Nesse

diapasão, a teoria intermediária assevera que o juiz, fazendo o uso de seu poder

discricionário, deve sopesar os valores envolvidos em cada caso concreto e escolher

qual trará o menor dos males, ou seja, aquele valor, direito ou princípio que vai melhor

satisfazer o impasse formado.

Insta destacar que a doutrina desenvolveu uma importante distinção entre as

provas ilícitas, que comportariam as provas ilegítimas, ou seja, aquelas que contrariam

normas ou princípio de direito processual; e as provas ilícitas, que, por sua vez, se

referem às provas colhidas em discordância com alguma regra ou princípio de natureza

material.

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Além disso, verificou-se que os princípios e as garantias constitucionais não são

absolutos, de forma que, no caso concreto, podem colidir com outros de igual

importância e, portanto, caberá ao juiz decidir qual deve prevalecer por ostentar maior

relevância no conflito apresentado ao judiciário.

Destarte, a partir do estudo apresentado, verifica-se a notória importância e

conveniência na aplicação do princípio da proporcionalidade no que tange às provas

obtidas por meios ilícitos, objetivando-se conciliar princípios antagônicos e decidir,

segundo critérios axiológicos, qual princípio ostenta maior relevância no caso concreto

e possui o condão de se sobrepor ao outro de igual relevância, de modo a afastar sua

aplicação.

Por fim, importante destacar o papel do Direito como fato social, de modo que a

ciência jurídica não deve ser compreendida de forma apartada da sociedade, mas sim, de

forma que possa acompanhar as mudanças sociais que se insurgem com o passar dos

anos. Assim, imperioso se faz a compreensão de que a proibição constitucional do

emprego de provas ilícitas reflete o contexto social vivenciado pelo país na época,

porém, a adoção de posturas extremas pode acarretar a ocorrência de decisões injustas,

que poderiam ser resolvidas com a adoção de uma ponderação de princípios que consiga

melhor responder aos conflitos atuais que são levados ao poder judiciário como forma

de alcançar o principal escopo da jurisdição que é a pacificação social.

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