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FACULDADE DOM BOSCO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTRATÉGIA EM SAÚDE DA FAMÍLIA COM ÊNFASE EM POLÍTICAS PÚBLICAS NIVEL DE ESPECIALIZAÇÃO “Lato Sensu” GABRIELA PEREIRA DI MURO SERVIÇO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO: UM ESTUDO NO CONTEXTO DO CREAS PELOTAS/RS PELOTAS 2012

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FACULDADE DOM BOSCO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTRATÉGIA EM SAÚDE DA FAMÍLIA COM

ÊNFASE EM POLÍTICAS PÚBLICAS NIVEL DE ESPECIALIZAÇÃO – “Lato Sensu”

GABRIELA PEREIRA DI MURO

SERVIÇO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO: UM ESTUDO NO CONTEXTO

DO CREAS – PELOTAS/RS

PELOTAS

2012

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GABRIELA PEREIRA DI MURO

SERVIÇO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO: UM ESTUDO NO CONTEXTO

DO CREAS – PELOTAS/RS

Monografia do curso de Pós-Graduação

apresentado à Faculdade Dom Bosco como

parte dos requisitos para a obtenção do título de

especialista em Estratégia em Saúde da Família

com ênfase em Políticas Públicas.

Orientadora: Profª. Msc. Maria Mirta Calhava

de Oliveira

PELOTAS

2012

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GABRIELA PEREIRA DI MURO

SERVIÇO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO: UM ESTUDO NO CONTEXTO

DO CREAS – PELOTAS/RS

Esta monografia apresentada à Faculdade Dom

Bosco foi julgada adequada e aprovada como

parte dos requisitos para obtenção do título de

especialista em Estratégia em Saúde da Família

com ênfase em Políticas Públicas.

Orientadora: Profª. Msc. Maria Mirta Calhava de

Oliveira

Pelotas, RS___/___/2012 ____________________________

Orientadora

___________________________

Siegmund Beppler Coordenador de Pós-Graduação

PELOTAS 2012

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À ti, mãe, onde estiveres. Pois, se cheguei até aqui, tu és a única responsável.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, porque Dele e por Ele, para Ele são todas as

coisas.

À minha mãe, pelo amor incondicional e por ter dedicado toda sua vida para me

tornar a pessoa que sou hoje. Sinto tua falta!

Ao meu pai, pela amizade, companheirismo e estímulo que sempre me ofereceu,

Te amo muito!

Aos meus queridos amigos que com carinho e dedicação contribuíram para a

realização deste trabalho.

À toda a equipe do CREAS, que muito me estimulou nesse processo de

formação profissional, através de um aprendizado construído coletivamente. Em

especial às colegas Maria de Lourdes Gomes da Silva e Aline Crochemore Hillal, não

somente pelos livros emprestados, mas também pelo colo e amizade.

À colega e amiga Luciéli dos Santos, sem a qual não seria possível a realização

desse trabalho.

À minha orientadora Maria Mirta Calhava de Oliveira, pela participação neste

processo e pelo importante auxílio na construção deste trabalho.

À todos aqueles que, direta ou indiretamente, colaboraram de uma forma ou de

outra para a construção desta história, pois, como diz Marx, “não há história sem

homens, como não há uma história para os homens, mas uma história de homens que,

feita por eles, também os faz”.

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“Paremos de trapacear, o sentido de nossa vida está em questão no futuro que nos

espera; não sabemos quem somos se ignorarmos quem seremos: aquele velho, aquela

velha, reconheçamo-nos neles. Isso é necessário se quisermos assumir em sua

totalidade nossa condição humana. Para começar, não aceitaremos mais com

indiferença a infelicidade da idade avançada, mas sentiremos que é algo que nos diz

respeito. Somos nós os interessados.”

(Simone Du Beauvoir sobre o tema do envelhecimento humano)

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SERVIÇO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO: UM ESTUDO NO CONTEXTO

DO CREAS – PELOTAS/RS

*Gabriela Pereira Di Muro

RESUMO

A elaboração deste trabalho tem por finalidade abordar algumas questões relevantes

sobre a temática de violência contra idosos. Desse modo, estabelece um debate sobre

as implicações do processo de envelhecimento na sociedade moderna, destacando as

políticas públicas de proteção ao idoso. Descreve também a trajetória da política de

assistência social no Brasil até a construção do SUAS. A partir dessa análise, apresenta

o perfil dos idosos atendidos no CREAS, na cidade de Pelotas/RS, bem como procura

refletir os desafios da prática interdisciplinar no contexto do CREAS.

Palavras-chave:

Envelhecimento – violência contra idosos – políticas sociais

* Graduada em Serviço Social pela Universidade Católica de Pelotas/RS

Email: [email protected]

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 9

1. PROCESSO DE ENVELHECIMENTO ........................................................... 11

1.1 Aspectos biopsicossociais da velhice ....................................................... 12

1.2 Envelhecimento da população brasileira: dados estatísticos ................... 17

1.3 A convivência entre os familiares e o idoso .............................................. 21

2. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR E MAUS TRATOS CONTRA O IDOSO ........ 25

2.1 Tipos de violência contra a pessoa idosa ................................................. 26

2.2 Proteção à pessoa idosa na legislação brasileira ..................................... 29

2.3 Como proceder nos casos de suspeita ou confirmação de violência ....... 36

3. VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO NO CONTEXTO DO CREAS .................... 38

3.1 Trajetória da política da assistência social no Brasil ................................ 38

3.2 Sistema Único de Assistência Social........................................................ 40

3.3 O Centro de Referência Especializado em Assistência Social ................. 41

3.4 Perfil dos idosos atendidos no CREAS – Pelotas/RS .............................. 46

3.5 Desafios da prática interdisciplinar no contexto do CREAS ..................... 54

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 57

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 59

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho, intitulado “Serviço Social e violência contra o idoso: um

estudo no contexto do CREAS – Pelotas/RS”, tem por finalidade atender a exigência do

Curso de Pós-Graduação em Estratégia em Saúde da Família com ênfase em Políticas

Públicas – Portal Faculdades – para obtenção do título de especialista.

Tem como proposta a compreensão ampliada da velhice juntamente com o

processo de envelhecimento da população, que traz consigo transformações e

exigências ao mundo moderno. É resultado de inúmeras reflexões acerca da temática

de violência contra idosos e políticas sociais, bem como do cotidiano profissional como

Assistente Social no contexto do Centro de Referência Especializado em Assistência

Social – CREAS – no município de Pelotas/RS.

O primeiro capítulo procura refletir os aspectos biológicos, psicológicos e sociais

do processo de envelhecimento, bem como a forma como se dá as relações familiares

e o idoso na sociedade moderna. Dentro dessa perspectiva, aborda considerações

sobre o envelhecimento da população brasileira através de ponderações e dados

estatísticos.

O segundo capítulo apresenta uma análise referente às políticas públicas e aos

direitos dos idosos observados no contexto brasileiro. Aborda algumas especificidades

no que tange ao marco legal de proteção ao idoso representado pela Constituição

Federal de 1988, Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso.

O terceiro e último capítulo tem como objetivo abordar a trajetória das políticas

de assistência social no Brasil, contextualizando e tecendo considerações sobre o

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Sistema Único de Assistência Social e a estrutura e funcionamento do CREAS. Por fim,

este capítulo é concluído com uma pesquisa que analisa o perfil dos idosos atendidos

no CREAS na cidade de Pelotas/RS e considerações sobre os desafios da prática

interdisciplinar do assistente social nesse contexto.

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1. PROCESSO DE ENVELHECIMENTO

Envelhecer, na atualidade, não é mais exceção, é regra. A parcela da população

que atinge a terceira idade está crescendo significativamente, caracterizando o rápido

envelhecimento da sociedade, sendo necessário, dessa forma, analisar essa

problemática de forma mais minuciosa.

Tomando como referência a linha de pensamento de Rodrigues et. al., destaca-

se que:

No momento atual, o envelhecimento da população é uma realidade que poucos ignoram, entretanto, o seu estudo precisa ser mais difundido para que possamos compreender as mudanças nas pessoas que envelhecem e na sociedade que se transforma. (RODRIGUES et. al, 2010, p. 14).

O homem durante o desenvolvimento da história não se preocupava com a

questão do envelhecimento, uma vez que as pessoas viviam menos. Morriam-se mais

por causa das precárias condições de vida, doenças, entre outros fatores. Porém, o

avanço da ciência e da tecnologia trouxe como consequência o crescimento

significativo da população idosa.

Assim, é importante ressaltar que:

Envelhecimento – é acaciano dizer que as pessoas estão vivendo cada vez mais. Isso se deve ao declínio da mortalidade, declínio da natalidade, vacinações sistemáticas, saneamento básico, domínio das doenças de massa e, principalmente, aos avanços da Medicina, desde a descoberta dos antibióticos até os transplantes de órgãos, cada vez mais comuns. (RODRIGUES et. al., 2010, p. 36).

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12

Dessa forma, este capítulo pretende analisar, primeiramente, os aspectos

biológicos, sociais e psicológicos da velhice. Posteriormente será descrito algumas

ponderações acerca do envelhecimento da população brasileira e, por fim, serão

realizadas algumas reflexões acerca das relações familiares e o idoso.

1.1 Aspectos biopsicossociais da velhice

O processo de envelhecimento pressupõe não só alterações físicas no indivíduo,

mas também psicológicas e sociais. Conforme Zimerman (2000), essas alterações

ocorrem de forma natural e gradativa, as quais podem se manifestar antes ou depois,

em maior ou menor grau, dependendo das características genéticas de cada um e

principalmente considerando o modo de vida de cada pessoa.

Podemos dizer que a fase do envelhecimento do homem está sujeita a transformações, a alguns ganhos e algumas perdas. A maneira de lidar com essas situações vai depender da forma como o homem viveu no decorrer da sua vida, de valores, crenças e atitudes assumidas ao longo da vida. Entretanto, nessa etapa da vida, as pessoas apresentam alguns problemas específicos que podem ser resolvidos ou diminuídos com a ajuda dos familiares e de outros que as cercam. (DIOGO, 1996, p. 15).

Cabe salientar que envelhecer é um processo universal, irreversível e individual.

É universal porque alcança todos os indivíduos, sem exceção. É Irreversível porque não

há como fugir da velhice, somente retardar seus efeitos através dos avanços da ciência

e da tecnologia: a velhice é inevitável para quem vive. E, finalmente, é individual porque

se manifesta em cada pessoa de forma intrínseca, conforme foi elucidado no parágrafo

anterior.

O envelhecimento é conceituado como um procedimento progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas que determinam perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte. (RODRIGUES et. al., 2010, p.36)

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De acordo com Netto (2002), o envelhecimento é um processo pessoal, natural,

indiscutível e inevitável em qualquer fase de evolução da vida. Sempre ocorrerão

mudanças biológicas, psicossociais, econômicas e políticas que compõe o cotidiano

das pessoas.

A seguir, estão pontuadas algumas das características mais marcantes do

envelhecimento. Cabe salientar que as questões trabalhadas aqui não esgotam a

temática, contudo, devem ser entendidas como aspectos importantes para uma melhor

compreensão dos idosos por parte das pessoas que convivem com eles.

1.1.1 Aspectos biológicos

De uma maneira geral, o organismo de uma pessoa idosa caracteriza-se por

mudanças nas estruturas e nas funções do corpo. Conforme Zimerman (2000), as

principais alterações do adulto jovem para o velho, do ponto de vista físico, são as

seguintes:

Modificações externas:

- as bochechas se enrugam e embolsam;

- aparecem manchas escuras na pele;

- a produção de células novas diminui, tornando a pele mais flácida;

- o nariz alarga-se;

- os olhos ficam mais úmidos;

- há um amento na quantidade de pelos das orelhas e nariz;

- os ombros ficam mais arredondados;

- ocorre encurvamento postural por consequência das modificações na coluna vertebral;

- diminuição da estatura devido ao desgaste das vértebras;

- começam a aparecer rugas e cabelos brancos;

- locomoção fica mais devagar devido ao endurecimento dos ossos.

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Modificações internas:

- os ossos endurecem;

- os órgãos internos atrofiam-se, reduzindo seu funcionamento;

- o cérebro perde neurônios e atrofia-se, tornando-se menos eficiente, ocasionando

redução dos reflexos;

- o metabolismo fica mais lento;

- a digestão é mais difícil;

- a insônia aumenta, assim como a fadiga durante o dia;

- a visão de perto piora devido à falta de flexibilidade do cristalino;

- as células responsáveis pela propagação dos sons no ouvido interno e pela

estimulação dos nervos auditivos degeneram-se, ocasionando perda de audição;

- o endurecimento das artérias e seu entupimento provocam arteriosclerose;

- o olfato e o paladar diminuem.

Com o passar dos anos, o desgaste físico é inevitável. Sabe-se que a velhice

não é doença, mas uma fase na qual o ser humano encontra-se mais vulnerável a

complicações de saúde. Atualmente com o avanço da medicina e da tecnologia, bem

como com uma boa qualidade de vida, é possível retardar bastante os efeitos físicos do

envelhecimento.

1.1.2 Aspectos sociais

Assim como ocorre o envelhecimento biológico, ocorre também o

envelhecimento social. Ao longo da vida desempenhamos papéis e, na velhice, estes

muitas vezes deixam de existir ou se modificam.

Todos esses papéis, tanto no ponto de vista pessoal como no profissional, dão um sentido à nossa vida porque assumimos responsabilidades, gozamos de certos direitos e cumprimos nossos deveres. Isso faz com que nos tornemos cidadãos, que exerçamos nossa cidadania, tanto no ambiente familiar como profissional e social, em função da sociedade em que estamos inseridos. Mas com o tempo, todos esses papéis vão desaparecendo, dando lugar

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a outros, que vão se reduzindo, cada vez mais, até chegarmos aos extremos: papel de avô e papel de aposentado. (RODRIGUES et. al., 2012, p. 37).

O envelhecimento social da população ocasiona uma modificação na forma

como a pessoa idosa interage consigo mesma e com outras pessoas as quais se

relaciona. Dentre os fatores sociais que são modificados com o envelhecimento, são

citados abaixo alguns que ocorrem mais comumente:

- Perda da posição social: esse fator é muito comum entre os idosos inativos.

Após a aposentadoria, sentem-se inúteis na sociedade, perdem espaço no lar, há maior

dificuldade no relacionamento, considerando as diversas perdas das interações sociais.

Há um sentimento de inutilidade que muitas vezes pode levar à depressão.

- Mudança de papéis: com a velhice e aposentadoria, os papéis sociais na

família, no trabalho e na sociedade são alterados, acarretando numa crise de

identidade social.

- Crise de identidade: ocasionada pela falta de papel social. Considerando que

as pessoas obtém a aposentadoria e ainda possuem muitos anos de vida, torna-se

necessário aos idosos se adaptarem a esta nova etapa de vida para não se sentirem

depressivos ou inúteis.

- Diminuição dos contatos sociais: ocasionada tendo em vista que muitas vezes

os idosos têm pouco contato com as pessoas, o que geralmente acarreta no sentimento

de solidão. Algumas causas que interferem nesse processo de isolamento social são a

dificuldade com transporte ou transporte inadequado, dificuldade financeira,

incapacidade física, falta de companhia decorrente do número reduzido de familiares ou

amigos.

- Dependência: tanto a dependência física como a psicossocial pode ser causa

de doenças, isolamento, depressão, dificuldades para desenvolver as atividades

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básicas como alimentação, banho, entre outras atividades necessárias para manter-se

uma vida digna.

- Pobreza: idosos que vivem apenas com um salário mínimo proveniente de

aposentadoria ou do Benefício de Prestação Continuada (BPC) possuem dificuldades

para garantir as condições mínimas para prover sua sobrevivência, como alimentação,

habitação adequada, medicação, entre outras necessidades. Também acarreta

dificuldades para o idoso em participar de eventos culturais e atividades de lazer.

Além dos fatores citados supracitados, outros fatores sociais de extrema

relevância são a progressiva perda do poder de decisão, alterações no processo de

comunicação e crescente importância do passado.

1.1.3 Aspectos psicológicos

Além das alterações físicas e de caráter social, o envelhecimento também

ocasiona uma série de mudanças no psicológico do ser humano, as quais são citadas

por Zimerman (2000, p. 25) como:

- dificuldade de se adaptar a novos papéis;

- falta de motivação e dificuldade de planejar o futuro;

- necessidade de trabalhar perdas orgânicas, afetivas e sociais;

- dificuldade de se adaptar às mudanças rápidas, que tem reflexos bastante dramáticos

nos velhos;

- alterações psíquicas que exigem tratamento;

- depressão, hipocondria, somatização;

- baixa estima.

Convém salientar que o aspecto espiritual, isto é, a crença religiosa, influi

diretamente no processo de como o idoso lida com as questões referentes ao

envelhecimento. “A crença religiosa, ou a fé, parece ajudar os idosos a enfrentar

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17

situações dolorosas, como a morte de um ente querido, ou até mesmo a aceitar

doenças que possam causar invalidez.” (DIOGO, 1996, p. 16).

1.2 Envelhecimento da população brasileira: dados estatísticos

Envelhecimento populacional é definido como a mudança na estrutura etária da

população. Esta mudança proporciona um aumento significativo das pessoas acima de

determinada idade, considerada como definidora do início da velhice.

O aumento da população idosa é um fato inquestionável. O Brasil está

envelhecendo, e esse é um dos grandes desafios do presente século. Concorda-se

com Zimerman quando afirma que:

Não é mais possível ignorar a necessidade de dar atenção à velhice no âmbito institucional, político, econômico ou da saúde. Em função da mudança do perfil demográfico mundial, é necessária uma reestruturação social, político e econômica. Os velhos têm necessidades próprias, características e peculiaridades que devem ser atendidas. (ZIMERMAN, 2000, p. 15).

Desde a década de 60 que o crescimento da população brasileira vem

apresentando expressivo declínio, o qual é intensificado pela queda nas taxas de

fecundidade: este fato demonstra o envelhecimento acelerado da população brasileira.

Segundo dados do IBGE, nas décadas de 1950 e 1960 a taxa de crescimento

populacional retrocedeu de 3,04% ao ano para 1,05% em 2008; já em 2050, esta taxa

cairá para -0,291%.

Conforme está ilustrado no gráfico que segue, a projeção feita pelo Instituto

Brasileiro de Geografia Estatística é de que o Brasil apresentará um crescimento da

população até o ano de 2039, “quando se espera que a população atinja o chamado

‘crescimento zero’. A partir desse ano serão registradas/ taxas de crescimento

negativas, que correspondem à queda no número da população”. (Disponível em:

http://www.ibge.gov.br)

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18

Fonte :http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1272

Os avanços tecnológicos e da medicina repercutem diretamente na melhoria das

condições de vida das pessoas e, consequentemente, elevam a expectativa de vida da

população brasileira. É possível exemplificar essa afirmação considerando o salto da

expectativa de vida no Brasil: no ano de 1940, esta era de 45,5 anos; já em 2008,

passou a ser de 72,7 anos. Segundo projeção do IBGE, a vida média do brasileiro

chegará em 2050 ao patamar de 81 anos.

Diante isso, está ocorrendo uma inversão na pirâmide etária brasileira, levando o

país a caminhar rumo a um perfil demográfico cada vez mais envelhecido. Conforme o

site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2000, para cada pessoa com

65 anos ou mais de idade, aproximadamente 12 estavam na faixa etária chamada de

potencialmente ativa (15 a 64 anos). Já em 2050, para cada pessoa com 65 anos ou

mais de idade, pouco menos de 3 estarão na faixa etária potencialmente ativa. Os

gráficos abaixo ilustram essa afirmação:

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Fonte: http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/longevidade/censo-aponta-crescimento-da-

populacao-idosa-inspira-cuidados.html

Fonte: http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/longevidade/censo-aponta-crescimento-da-

populacao-idosa-inspira-cuidados.html

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Fonte: http://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/longevidade/censo-aponta-crescimento-da-

populacao-idosa-inspira-cuidados.html

O efeito combinado da redução dos níveis de fecundidade e mortalidade tem

produzido transformações no padrão etário da população, sobretudo a partir de meados

da década de 80. O formato triangular da pirâmide populacional, com base alargada,

está cedendo lugar a uma pirâmide com base mais estreita e vértice mais largo,

característico de uma sociedade em processo de envelhecimento, conforme é possível

verificar nos gráficos acima.

Conforme Berquó (1999), passou-se de uma pirâmide de base larga e forma

triangular para uma mais arredondada de base reduzida, característica de regimes de

grande redução da fecundidade.

Dessa forma, é possível afirmar que o Brasil assiste a um aumento significativo

da população idosa e, concomitantemente, a uma redução proporcional do número de

jovens. Essa nova demanda, em termos de políticas públicas, apresenta-se como

dilema para o governo e em problemática para quem envelhece.

É importante destacar, no entanto, as diferenças existentes em relação ao

processo de envelhecimento entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento.

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21

Enquanto nos primeiros ocorreu de forma lenta e associada à melhoria nas condições gerais de vida, no segundo, esse processo vem ocorrendo de forma rápida, sem que haja tempo de uma reorganização social e de saúde adequadas para atender às novas demandas emergentes. (BRASIL, 2010, p.12).

Dessa forma, tornam-se necessárias mudanças no contexto atual em direção à

produção de um ambiente social e cultural mais favorável à população idosa, além de

adequações das políticas sociais, particularmente daquelas voltadas para atender às

crescentes demandas nas áreas da saúde, previdência e assistência social.

1.3 A convivência entre os familiares e o idoso

Conforme já mencionado anteriormente, o mundo está envelhecendo em um

ritmo acelerado e este envelhecimento gera um impacto sobre a família, a qual também

sofre com as mudanças que ocorrem em função desse processo. Com o progressivo

envelhecimento da população, cuidar dos pais ou avós passa a ser uma atividade cada

vez mais frequente, modificando os sistemas familiares.

No passado a família era patriarcal, ou seja, todos viviam no bojo do patriarca o

qual tinha função de coordenar a estrutura familiar até o fim da sua vida, onde era

substituído pelo seu primogênito. Com o surgimento da família moderna, a família

nuclear, houve uma mudança nos papéis sociais dos seus membros: o velho passa a

ser excluído e a ter uma função subalterna.

Existem alguns fatores que favorecem ou dificultam o processo de exclusão do

idoso no contexto familiar, os quais constituem um desafio tanto para o idoso quanto

para sua família. Fatores como gênero, escolaridade, contexto social, história pessoal e

saúde física e mental são elencados por Bulla (2009) como alguns dos elementos que

podem facilitar ou dificultar o referido processo de exclusão do idoso.

A família tem um importante papel nesse processo uma vez que pode facilitar ou

dificultar as relações com os idosos, uma vez que há modificações dos papeis sociais e

Page 22: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

22

interações no contexto familiar, o que demonstra a necessidade de uma reestruturação

familiar.

Muitas vezes os problemas de relacionamento entre os velhos e suas famílias

acabam por tornar a convivência tão difícil que os familiares muitas vezes não

conseguem manejar a situação. “Os familiares frequentemente mostram-se invadidos

por sentimentos contraditórios de amor, raiva, cansaço e culpas e, não raramente, de

recíprocos de culpas e acusações” (ZIMERMAN, 2000, p. 65).

Alguns desses problemas de relacionamento encontram-se na dificuldade que a

família tem em colocar-se no lugar dos velhos. Conforme Zimerman (2000), não se

pode esperar que eles se adaptem sozinhos as novidades se ninguém lhes ensine

como funcionam e tomar providências para ajudá-los a memorizar essas novidades.

Outros elementos também são citados pelo autor como fatores que dificultam esse

relacionamento, tais como: falta de comunicação, problemas orgânicos como falta de

memória, visão, audição e locomoção e dificuldade de elaboração da morte.

Quando o idoso se transforma em avô, há uma modificação dos papéis a serem

desenvolvidos e ocorrem novas adaptações decorrentes dessa mudança. “Quando o

idoso se converte em avô, novas adaptações ocorrem em sua vida, pois novos papéis

devem ser desenvolvidos, havendo mudanças na sua identidade pessoal”. (BULLA,

2009, p.21)

Outro aspecto importante nas relações familiares é como os avós se relacionam

com seus filhos. Essa situação marca o relacionamento com os netos de maneiras

diversas, tanto positivas quanto negativas. Alguns problemas que dificultam essas

relações e que são trazidos por Bulla (2009) são a distorção de papéis quando os avós

residem com os filhos e netos, bem como a dependência ocasionada pelo fato dos avós

serem os mantenedores do lar.

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23

Salienta-se que a atenção aos idosos pode exigir ao grupo familiar desde tarefas

simples até dedicação integral, dependendo do grau de dependência destes. Essa

atenção muitas vezes é vista pela família como uma tarefa pesada, um fardo, e a

qualidade desse cuidado vai depender de como se deram as relações familiares num

período anterior.

Ao se pensar rapidamente no que seria conviver com um familiar idoso, esquece-se geralmente dos aspectos agradáveis do dia-a-dia e coloca-se uma lente de aumento nos problemas, nas dificuldades que se podem encontrar. Os familiares, ao ver o idoso passivo, fracassado, descuidado fisicamente, podem distanciar-se, procurando evitá-lo, talvez, porque essa experiência os faça entrar em contato com seus próprios limites, desenvolvendo fantasias de identificação (eu serei ele amanhã?) e com seu próprio fim. (BULLA, 2009, p.27).

É importante avaliar a presença de estresse entre os cuidadores, uma vez que

este elemento pode tornar-se um fator de risco para ocorrência de situações de

violência contra os idosos ou de adoecimento do mesmo

Assim, torna-se de extrema relevância criar mecanismos a fim de evitar que a

família adoeça diante da sobrecarga do cuidado com o idoso. É importante que outras

opções assistenciais sejam oferecidas às famílias com o objetivo de adequar as

necessidades emanadas pelos idosos.

Também é essencial que o cuidador tenha momentos de distração e conserve

suas amizades, assim como divida o cuidado do idoso com outros familiares e procure

ajuda profissional quando sentir necessidade. Os grupos de cuidadores podem ser uma

estratégia útil para esse fim.

Vale destacar que:

Estudos afirmam que a institucionalização da pessoa idosa é decorrente da inexistência de serviços suficientes capazes de assistir às necessidades tanto dos idosos quanto de seus membros familiares. A maioria das famílias assiste aos idosos pelo maior período de tempo e tão bem quanto possível, porém, quando a

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24

institucionalização é necessária, os cuidadores alegam terem chegado ao fim de suas capacidades assistenciais. O planejamento programado para a manutenção da saúde dos cuidadores e das famílias dos idosos necessitados tem sido frequentemente negligenciado. (BRASIL, 2006).

Muito se poderia refletir acerca das relações familiares e o idoso. As

transformações e exigências da modernidade afetam diretamente as famílias, exigindo

dessas e dos idosos adaptações constantes a estas transformações e, principalmente,

flexibilidade no trato da dinâmica familiar.

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25

2. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR E MAUS TRATOS CONTRA O IDOSO

O aumento da expectativa de vida e o consequentemente envelhecimento da

população brasileira trouxe à tona o aumento da violência contra a geração idosa.

Assim, o objetivo deste capítulo é analisar o fenômeno da violência enquanto questão

social, a fim de evitar que as variadas formas de violência sejam banalizadas na

sociedade.

Conforme explicita o Plano de Ação para o enfrentamento da violência contra a

pessoa idosa (BRASIL, 2005, p.10), “O fenômeno do envelhecimento no Brasil veio

para ficar, configurando, ao mesmo tempo, uma conquista da qualidade de vida do país

e um desafio que precisa ser enfrentado pelas famílias, pela sociedade e pelo Estado”.

É notório o não investimento, tanto político quanto social, na pessoa do idoso.

Existe um estereótipo de que este representa um peso social, considerando-o

descartável, sem “valor social”. Assim, o processo de não reconhecimento dos idosos

enquanto sujeito de direitos já se configura como violência social.

É possível afirmar que a primeira violência que ocorre contra a geração idosa se

manifesta na maneira de tratar e representar a velhice, sendo que esta discriminação

ocorre através de diversos focos de expressão e reprodução.

Segundo a Rede Internacional para a prevenção dos maus-tratos contra o idoso:

“O maltrato ao idoso é um ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou

aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”.

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26

Segundo Minayo (2005), as violências contra idosos se manifestam de forma

estrutural, interpessoal e institucional. Estrutural é aquela que ocorre pela desigualdade

social e é manifestada pelas relações de pobreza e discriminação. Interpessoal é a

violência que se dá na interação do cotidiano e, por fim, institucional, devido à omissão

de políticas sociais que visem à proteção ao idoso.

A violência intrafamiliar, importante representação da violência interpessoal, “é

toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a

liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família” (BRASIL,

2006, p. 44). É toda aquela que acontece dentro da família, nas relações entre os

membros familiares, sejam estes de vínculos sanguíneos (pai, mãe, filhos, irmãos) ou

civil (marido/esposa, nora/genros ou outros) ou por relações de afinidade ou

afetividade.

A violência contra os mais velhos se expressa nas mais diferentes formas e em

todos os níveis sociais. Dessa forma, todos estão vulneráveis aos maus-tratos, que

podem ocorrer de várias formas: sexual, físico, emocional e financeiro.

É importante salientar que existem condições que aumentam ou propiciam o

risco de ocorrência de violência intrafamiliar: a pessoa idosa torna-se mais vulnerável à

violência na medida em que apresenta maior dependência física ou mental. O convívio

familiar estressante e cuidadores despreparados ou sobrecarregados tendem a agravar

essa situação (BRASIL, 2006).

2.1 Tipos de violência contra a pessoa idosa

De acordo com a literatura, foram estabelecidas algumas categorias com a

finalidade de designar as variadas formas de violência contra a pessoa idosa, as quais

encontram-se a seguir.

Page 27: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

27

- Violência física, abuso físico ou maus tratos físicos: são expressões que se

referem ao uso da força física para compelir os idosos a fazerem o que não desejam,

para feri-los, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.

Esse tipo de violência pode ser manifestada de várias formas: tapas, empurrões,

socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou

objetos, obrigar a tomar medicações ou outras substâncias (álcool ou drogas)

desnecessárias ou inadequadas, tirar de casa à força, amarrar, arrastar, arrancar a

roupa, abandonar em lugares desconhecidos.

- Violência psicológica, abuso psicológico ou maus tratos psicológicos:

correspondem a agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os idosos,

humilhá-los, restringir sua liberdade ou isolá-los do convívio social. Como exemplos:

humilhação, chantagem, provocar raiva ou choro, insulto, desvalorização, dentre outros.

- Violência sexual, abuso sexual: são termos que se referem ao ato ou jogo

sexual de caráter homo ou hetero-relacional, utilizando pessoas idosas. Esses abusos

visam a obter excitação, relação sexual ou práticas eróticas por meio de aliciamento,

violência física ou ameaças.

Inclui, entre outras: carícias não desejadas, penetração oral, anal ou vaginal,

com pênis ou objetos de forma forçada, exibicionismo e masturbação forçada, uso de

linguagem erotizada em situação inadequada, ser forçado a ter ou presenciar relações

sexuais com outras pessoas além do casal e impedimento do uso de preservativo.

- Abandono: é uma forma de violência que se manifesta pela ausência ou

deserção dos responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem

socorro a uma pessoa idosa que necessite de proteção.

- Negligência: refere-se à recusa ou à omissão de cuidados devidos e

necessários aos idosos, por parte dos responsáveis familiares ou institucionais. A

Page 28: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

28

negligência é uma das formas de violência contra os idosos mais presente no país. Ela

se manifesta, frequentemente, associada a outros abusos que geram lesões e traumas

físicos, emocionais e sociais, em particular, para os que se encontram em situação de

múltipla dependência ou incapacidade.

A negligência é entendida por Faleiros (2007) como uma relação de poder que

resulta em abandono, ou seja, em descuido, desresponsabilização e descompromisso

do cuidado e do afeto; medicação e vestimenta descuidadas; assistência de saúde

incompleta; descuido na comida e deixar de lado os contatos sociais.

No geral, se caracteriza como a etapa inicial de um processo de violência, além

de configurar o abandono. Exemplo: não provimento de alimentos adequados, roupas

limpas, moradia segura, descuido com a saúde, a segurança e a higiene pessoal;

administração de medicamentos de forma indevida por familiares, cuidadores e/ou

profissionais.

- Abuso financeiro ou econômico: consiste na exploração imprópria ou ilegal dos

idosos ou ao uso não consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais.

Esse tipo de violência ocorre, sobretudo, no âmbito familiar, podendo também

acontecer em instituições de longa permanência.

Também é entendido como uma relação de poder que resulta em pressão sobre

o outro para ceder dinheiro com base em chantagens e abuso de confiança, pressão

para vender a casa ou bens, pressão para fazer testamentos ou doações, retenção de

cartão bancário, dentre outras (FALEIROS, 2007). Inclui: roubo, destruição de bens

pessoais (roupas, objetos, documentos, animais de estimação) ou de bens da

sociedade conjugal (residência, móveis, utensílios domésticos, terras), recusa a

participar nos gastos básicos para a sobrevivência do núcleo familiar, uso de recursos

econômicos da pessoa idosa, tutelada ou incapaz, destituindo-a de gerir seus próprios

recursos e deixando-a sem provimentos e cuidados.

Page 29: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

29

- Auto-negligência: diz respeito à conduta do idoso que ameaça sua própria

saúde ou segurança pela recusa de prover cuidados necessários a si próprio, mesmo

tendo condições de fazê-lo (não tomar banho, não se alimentar, não se movimentar).

- Conflito familiar: ocorre violência em virtude de um conflito familiar quando, por

exemplo, os filhos brigam e um deles não permite entrada do outro na casa para visitar

o idoso.

2.2 Proteção à pessoa idosa na legislação brasileira

O aumento da expectativa da população brasileira representa um importante

desafio não somente para os governos, mas também para a sociedade civil. A

necessidade de implementação de políticas públicas a fim de assegurar os direitos

sociais da pessoa idosa torna-se imprescindível no sentido de promover um

envelhecimento saudável e com dignidade.

Para a legislação brasileira, idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60

anos. No entanto, cabe salientar que a pessoa idosa nem sempre foi prioridade, tanto

legalmente quanto em termos de elaboração e execução de políticas públicas. Salienta-

se que, até o ano de 1994, não havia nenhuma política de âmbito nacional destinada a

pessoas idosas.

O que existia, na verdade, eram ações pontuais e exercidas pela iniciativa

privada. No ano de 1975, o então presidente General Ernesto Geisel instituiu a Renda

Mensal Vitalícia, a qual destinava-se a pagar 50% do salário mínimo à pessoas com 70

anos ou mais, que não recebessem pensão ou aposentadoria e não tivessem nenhuma

fonte de renda. No ano de 1976 surgiu um Programa de Atenção ao Idoso (PAI) no

então INPS – Instituto Nacional de Previdência Social, o qual consistia em atender

grupos de idosos na sala de espera do Instituto (RODRIGUES et. al., 2010).

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30

Esse cenário começou a se transformar a partir da Assembleia Mundial sobre o

Envelhecimento, organizada pela ONU em 1982. Nesta assembleia foi estabelecido o

Plano de Ação para o envelhecimento, publicado posteriormente em 1983. O Plano de

Ação tinha como objetivo sensibilizar os governos e sociedade civil acerca da

necessidade de estabelecer princípios e direcionar políticas públicas para idosos

(Conforme RODRIGUES et. al., 2010).

Um marco crucial para o reconhecimento legal dos idosos no Brasil foi a

aprovação da Constituição Federal de 1988, a primeira a versar sobre a proteção

jurídica ao idoso. A referida Constituição contemplou a pessoa idosa em 6 artigos,

sendo os artigos 229 e 230 os mais importantes:

Art. 229 –... os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais, na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230 – A família, a Sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo-lhes direito à vida. (BRASIL, 2011)

Os direitos do segmento da população idosa assegurados na Constituição

Federal foram regulamentados através da Lei Orgânica da Assistência Social – lei nº

8.742 – sancionada em 7 de dezembro de 1993. Estabelece a assistência social como

política de seguridade social não contributiva e com finalidade de prover os mínimos

sociais para quem dela necessitar.

A LOAS será objeto de estudo mais detalhado no capítulo posterior, porém torna-

se importante ressaltar que, dentre os benefícios mais importantes proporcionados pela

mesma no que se refere aos idosos, pode-se citar o Benefício de Prestação Continuada

– BPC – regulamentado através do Art. 20:

O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

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31

De forma cronológica, as legislações que regulam especificadamente sobre a

população idosa são as seguintes:

- 1994: é sancionada pelo Presidente Itamar Franco a lei nº 8.842, de 04 de

janeiro, a qual dispões sobre a Política Nacional do Idoso – PNI.

- 1996: Decreto nº 1.948 de 3 de julho, assinado pelo Presidente Fernando

Henrique Cardoso, que regulamenta a lei anterior.

- 1999: em 07 de abril, a Portaria Interministerial nº 5.163, assinada pelo então

Ministro da Previdência e Assistência Social Waldeck Ornellas e o então Ministro José

Serra, que instituiu o Programa Nacional de Cuidadores de Idosos. Em 10 de dezembro

foi assinada pelo Ministro José Serra a Portaria 1.395, que dispõe sobre a Política

Nacional de Saúde do Idoso.

- 2002: neste ano o Ministério da Saúde cria as Redes Estaduais de Assistência

à Saúde do Idoso, constituídas por Hospitais Gerais de Centros de Referência (Rio de

Janeiro, São Paulo e Porto Alegre).

- 2003: em 1º de outubro é sancionada a lei nº 10.741, que dispõe sobre o

Estatuto do Idoso.

- 2004: o Decreto nº 5.109, de 17 de junho, que dispõe sobre a composição,

estruturação, competência e funcionamento do Conselho dos Direitos do Idoso e dá

outras providências.

2.2.1 Lei nº 8.842/94: dispõe sobre a Política Nacional do Idoso

Esta lei teve como base o documento intitulado “Políticas para a terceira idade

nos anos 90”, sendo elaborado pela Associação Nacional de Gerontologia através da

Page 32: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

32

realização de seminários. Estes tinham o objetivo de problematizar as questões

referentes à terceira idade no Brasil.

O documento resultou num projeto de lei que, após aprovado, resultou na lei

8.842 que “dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do

Idoso e dá outras providências”. A referida lei tem por finalidade “assegurar os direitos

sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e

participação efetiva na sociedade”. Considera idoso, em seu artigo 2º, pessoas com

idade superior a 60 anos. Essa política está norteada por cinco princípios:

- É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao idoso todos os direitos da

cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade,

bem-estar e o direito à vida;

- O processo de envelhecimento deve ser objeto de conhecimento e informação da

sociedade em geral;

- Não deve o idoso ser objeto de discriminação de qualquer natureza;

- O idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações indicadas por

essa política;

- Cabe ao poder público e à sociedade em geral assegurar a aplicação dessa lei,

considerando as diferenças econômicas, sociais e regionais.

As nove diretrizes constituídas na política nacional do idoso estão estabelecidas

no texto do Art. 4º, conforme descrito a seguir:

- Viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso que

proporcionem sua integração às demais gerações;

Page 33: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

33

- Participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação,

implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem

desenvolvidos;

- Priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento

do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam

sua própria sobrevivência;

- Descentralização político-administrativa;

- Capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia

e na prestação de serviços;

- Implementação de sistema de informações que permita a divulgação da política, dos

serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível de governo;

- Estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de

caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento;

- Priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de

serviços, quando desabrigados e sem família;

- Apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento.

A análise dos princípios e diretrizes expostos acima permite afirmar que a lei

compreende a concepção de assistência social como política de direito, a qual implica

não só na garantia de renda, mas também da garantia de vínculos relacionais e de

pertencimento que venham a assegurar o mínimo de proteção social.

Page 34: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

34

A lei também prevê a criação dos Conselhos nacional, estadual e municipal do

idoso, assim como ações relativas à assistência social, saúde, educação, previdência

social, habitação, cultura e lazer, entre outros. Foi regulamentada posteriormente pelo

decreto 1.948/96, publicado 3 de junho de 1996, o qual explicitava a forma de

implementação da lei e estabelecia as competências dos órgãos e entidades públicas

envolvidas no processo.

O decreto prevê o atendimento ao idoso “nas modalidades de asilar e não asilar

e as especifica, prevendo cinco tipos de atendimento não asilar: Centro de Convivência,

Centro de cuidados diurno, Casa-lar, Oficina abrigada de trabalho e atendimento

domiciliar” (RODRIGUES et. al., 2011, p. 38).

Importante ressaltar aqui que, para o alcance dessas metas, foi elaborado um

Plano Integrado de Ação Governamental para o desenvolvimento da Política Nacional

do Idoso.

2.2.2 Lei 10.741/2003: dispõe sobre o Estatuto do Idoso

O Estatuto do Idoso forma a base das políticas públicas brasileiras referentes à

pessoa idosa, “explicita para a sociedade um conjunto de diretrizes e regulações a

serem observadas por várias instituições e pelos cidadãos em suas relações com os

idosos” (RODRIGUES et. al., 2010, p. 9)

É mais abrangente que a Política Nacional do Idoso e traz algumas inovações,

dentre elas o estabelecimento de penas severas para quem desrespeitar ou abandonar

a pessoa idosa. Veio assegurar, de forma mais explícita, o que a Constituição Federal já

trazia em seu bojo e, de forma mais abrangente, o que previa a Política Nacional do

Idoso. Em termos de estrutura, o Estatuto do Idoso é composto por 118 artigos

dispostos em 23 capítulos e 7 títulos, sendo estes:

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35

Título I – Disposições preliminares: define quem é idoso, reafirma o seus status

de cidadão, estabelece as condições de prioridade de seus direitos civis e também as

competências para seu atendimento.

Título II – Dos direitos fundamentais: à vida; à liberdade, ao respeito e à

dignidade; à alimentação, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer; à

profissionalização e ao trabalho; à previdência social; à habitação e ao transporte.

Título III – Das medidas de proteção: definem quando e por quem devem ser

aplicadas.

Título IV – Da política de atendimento ao idoso: determina a corresponsabilidade

das instâncias públicas e privadas no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal

e dos Municípios; estabelece linhas de ação e regula a ação das entidades de

atendimento, por meio de normas e sanções.

Título V – Do acesso à justiça: reafirma a prioridade de atendimento aos idosos e

dispõe sobre as competências do Ministério Público para atendê-los.

Titulo VI – Dos crimes: identifica os tipos de crimes contra o idoso, classifica-os

como de ação penal pública incondicionada e estabelece sanções.

Título VII – Disposições finais e transitórias: descreve inclusões no Código Penal

relativas aos idosos; estabelece as fontes de recursos públicos para o atendimento aos

programas e ações voltadas aos idosos; prescreve a inclusão de dados sobre os idosos

nos censos demográficos do país; condiciona a concessão do Benefício de Prestação

Continuada, previsto na LOAS, ao nível de desenvolvimento socioeconômico do País.

O Estatuto do Idoso representa uma grande conquista e, apesar de considerar

que muito ainda falta para sua efetivação, foi um grande passo no sentido de projetar

melhores condições para a população idosa. A partir dele os idosos tornaram-se mais

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36

respeitados e tratados com maior dignidade. Para garantir sua efetivação, é necessário

que a sociedade tome novas atitudes frente à velhice, visando reivindicar medidas que

possam beneficiar os idosos desse país.

2.3 Como proceder nos casos de suspeita ou confirmação de violência

Pesquisas científicas revelam que, quanto mais velho e mais dependente for o

idoso, maior seu risco de ser vítima de violência. De forma geral, o idoso tem

dificuldade de denunciar a violência a que está sendo submetido por inúmeros

aspectos, tais como: vergonha, medo, incapacidade de se comunicar ou por ter algum

tipo de vínculo afetivo com o vitimizador.

O Estatuto do Idoso, no que diz respeito aos casos de suspeita ou confirmação

de violência praticada contra idosos, deixa explícito em seu artigo 19 que serão objeto

de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade

sanitária, bem como serão obrigatoriamente comunicados por eles a quaisquer dos

seguintes órgãos:

a) Autoridade policial;

b) Ministério Público;

c) Conselho Municipal do Idoso;

d) Conselho Estadual do Idoso;

e) Conselho Nacional do Idoso

Salienta-se que, para os efeitos dessa lei, “considera-se violência contra o idoso

qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte,

dano ou sofrimento físico ou psicológico.” (BRASIL, 2003).

No entanto, cabe considerar que há vários aspectos, tanto legais quanto éticos,

envolvidos nesse processo. Cabe aos profissionais que atuam diretamente com os

idosos dar o suporte necessário para que consigam romper com esse ciclo de violência.

Page 37: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

37

É preciso analisar cada situação individualmente, fornecendo os devidos

encaminhamentos e orientações de forma particular a cada caso.

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38

3. VIOLÊNCIA CONTRA O IDOSO NO CONTEXTO DO CREAS

Neste capítulo será analisado o perfil dos idosos com direitos violados atendidos

no Centro de Referência Especializado em Assistência Social no município de

Pelotas/RS. Para tanto, num primeiro momento será explanado um breve histórico da

trajetória das políticas sociais no Brasil até o surgimento do Sistema Único de

Assistência Social, apontando algumas considerações deste.

Posteriormente será analisado o CREAS, sua função dentro do SUAS,

surgimento na cidade de Pelotas e os serviços ofertados a fim de, num segundo

momento, analisar os dados da pesquisa realizada no local com dados referentes ao

período de junho de 2011 a junho de 2012 e análise do perfil.

Por fim, far-se-á algumas ponderações acerca do trabalho interdisciplinar do

assistente social no contexto do CREAS.

3.1 Trajetória da política da assistência social no Brasil

Antes de analisar a trajetória das políticas de assistência social no Brasil, é

importante considerar o conceito de política social. Para Behring e Boschetti (2011),

política social consiste em um termo empregado para se referir a todas políticas que os

governos desenvolvem voltadas para o bem estar e a proteção social.

Para Pereira (2008) política social é política pública e direito de cidadania, ou

seja, é um gênero de política pública e não sinônimo de política estatal.

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39

A assistência social sempre foi considerada no contexto brasileiro como

secundária e marginal no conjunto de políticas públicas (COUTO, YASBEK e

RAICHELIS, 2011). Marcada pela matriz do favor, do clientelismo e do apadrinhamento,

sempre apresentou pouca efetividade social. Era incapaz de interferir no perfil de

desigualdade e pobreza da população, sempre subordinada aos interesses econômicos

da classe dominante.

Só era objeto de ações governamentais, conforme Simões (2007), a clientela

considerada carente e os chamados “descamisados”, que não eram considerados

cidadãos. Salienta-se que a maioria dessas ações eram ligadas à caridade religiosa.

A Constituição Federal de 1988 configura-se como marco legal da garantia da

assistência social enquanto direito social, concebendo-a como política de seguridade

social, aliada ao tripé assistência, saúde e previdência social, de responsabilidade do

Estado e direito do cidadão.

A partir da Constituição Federal as funções da política pública da assistência

social na proteção social brasileira passaram a ser, dentre outras: romper as práticas

assistencialistas e clientelistas, garantir o atendimento das necessidades básicas e

oportunizar a emancipação e o protagonismo dos sujeitos sociais, que são os

usuários/beneficiários.

A assistência social é regulamentada através da lei nº 8.743 de 07/12/1993 – Lei

Orgânica da Assistência Social (LOAS) e posteriores alterações.

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (Art. 1º LOAS)

Esta sistematizou e institucionalizou, como permanentes, os serviços de

assistência a famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, a fim de garantir

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40

mínimos sociais e promover a universalização dos direitos sociais. Rompendo, assim,

no campo jurídico, com a assistência enquanto benemerência social. “Através da LOAS,

a assistência tornou-se parte da estrutura política do Estado. Os excluídos deixam de

ser assistidos ou favorecidos para se tornarem usuários e beneficiários”. (SIMÕES,

2007, p. 87)

Com a finalidade de sistematizar a trajetória da política de assistência social

desde a homologação da Constituição Federal, elaborou-se uma linha do tempo da

política de assistência social que encontra-se abaixo:

3.2 Sistema Único de Assistência Social

O Sistema Único de Assistência Social – SUAS – é o sistema que organiza, de

forma descentralizada, os serviços socioassistenciais no Brasil. Com um modelo de

gestão participativa, ele articula os esforços e recursos dos três níveis de governo para

a execução e o financiamento da Política Nacional de Assistência Social (PNAS),

envolvendo diretamente as estruturas e marcos regulatórios nacionais, estaduais,

municipais e do Distrito Federal (MDS, 2012).

Coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

(MDS), o Sistema é composto pelo poder público e sociedade civil, que participam

diretamente do processo de gestão compartilhada.

O SUAS organiza as ações da assistência social em dois tipos de proteção

social. A primeira é a Proteção Social Básica, destinada à prevenção de riscos sociais e

pessoais, por meio da oferta de programas, projetos, serviços e benefícios a indivíduos

e famílias em situação de vulnerabilidade social. A segunda é a Proteção Social

Especial, destinada a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco e

que tiveram seus direitos violados por ocorrência de abandono, maus-tratos, abuso

sexual, uso de drogas, entre outros aspectos.

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41

A Proteção Social Especial é dividida em Média Complexidade, quando há

violação de direitos no entanto ainda persistem os laços familiares e comunitários e Alta

Complexidade, quando ocorre o rompimento dos vínculos familiares.

O SUAS engloba também a oferta de Benefícios Assistenciais, prestados a

públicos específicos de forma articulada aos serviços, contribuindo para a superação de

situações de vulnerabilidade. Também gerencia a vinculação de entidades e

organizações de assistência social ao Sistema, mantendo atualizado o Cadastro

Nacional de Entidades e Organizações de Assistência Social e concedendo certificação

a entidades beneficentes, quando for o caso.

A gestão das ações e a aplicação de recursos do SUAS são negociadas e

pactuadas nas Comissões Intergestores Bipartite (CIBs) e na Comissão Intergestores

Tripartite (CIT). Esses procedimentos são acompanhados e aprovados pelo Conselho

Nacional de Assistência Social (CNAS) e seus pares locais, que desempenham um

importante trabalho de controle social. As transações financeiras e gerenciais do SUAS

contam, ainda, com o suporte da Rede SUAS, sistema que auxilia na gestão, no

monitoramento e na avaliação das atividades.

Criado a partir das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência

Social e previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, o SUAS teve suas bases de

implantação consolidadas em 2005, por meio da sua Norma Operacional Básica do

SUAS (NOB/SUAS), que apresenta claramente as competências de cada órgão

federado e os eixos de implementação e consolidação da iniciativa.

3.3 O Centro de Referência Especializado em Assistência Social - CREAS

Sabe-se que atualmente os idosos e as crianças estão entre as principais vítimas

de violência doméstica. Os maus tratos não são de exclusividade de pessoas pobres,

tornando-se uma preocupação em todas as sociedades.

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42

A violência contra o idoso está disseminada na sociedade, expressando-se nas

relações entre as gerações, na família e nas instituições, sejam elas públicas ou

privadas.

Como já mencionamos anteriormente, envelhecer não é exceção – é regra e não

obstante, o fenômeno do envelhecimento e a violência contra os idosos vem sendo

motivo de grande preocupação pelas implicações que podem trazer no atendimento às

necessidades básicas desta população.

Com isto, implica-se cada vez mais o desenvolvimento de políticas públicas de

ação específica sobre idosos, no intuito da promoção do bem estar físico, social,

econômico e psicológico deste segmento etário.

Neste contexto, em maio de 2011, no município de Pelotas, foi inaugurado o

Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, que constitui-se de

uma unidade pública estatal, de prestação de serviços especializados e continuados a

indivíduos e famílias com seus direitos violados mas que ainda não tiveram rompimento

de vínculos, promovendo a integração de esforços, recursos e meios para enfrentar a

dispersão dos serviços e potencializar a ação para seus usuários, envolvendo um

conjunto de profissionais e processos de trabalho que devem ofertar apoio e

acompanhamento individualizado e especializado.

Os Serviços oferecidos no CREAS são:

- Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI;

- Serviço Especializado em Abordagem Social;

- Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida – LA e de Prestação de Serviços a Comunidade

– PSC;

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43

- Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos e suas

Famílias.

3.3.1 Usuários dos serviços:

Famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos por ocorrência de:

- Violência física, psicológica e negligência;

- Afastamento do convívio familiar devido à aplicação de medida socioeducativa ou

medida de proteção;

- Situação de rua e mendicância;

- Abandono;

- Vivência de trabalho infantil;

- Discriminação em decorrência da orientação sexual e/ou raça/etnia;

- Outras formas de violação de direitos decorrentes de discriminações/submissões a

situações que provocam danos e agravos a sua condição de vida e os impedem de

usufruir autonomia e bem estar;

- Descumprimento de condicionalidades do Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil (PETI) em decorrência de violação de direitos.

3.3.2 Formas de acesso aos serviços

- Por identificação e encaminhamento dos serviços de proteção e Vigilância Social;

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44

- Por encaminhamento de outros Serviços Socioassistenciais, das demais políticas

públicas setoriais;

- Dos demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e do Sistema de Segurança

Pública;

- Demanda Espontânea.

Diante dos Serviços mencionados anteriormente, o foco desse trabalho foi de

traçar o perfil dos idosos vítimas de violência atendidos no CREAS, no Serviço de

Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI,

especificamente no que diz respeito a casos de violência contra a pessoa idosa.

Conforme a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (2009), o PAEFI

oferta atendimento especializado de apoio, orientação e acompanhamento das famílias

com um ou mais de seus membros em situação de risco pessoal e social e/ou violação

de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas para promoção de

direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais

e para o fortalecimento da função protetiva da família diante do conjunto de condições

que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e social.

3.3.3 Objetivos do serviço

- Contribuir para o fortalecimento das famílias, no desempenho de sua função protetiva;

- Processar a inclusão das famílias no Sistema de Proteção Social e nos serviços

públicos conforme a necessidade;

- Contribuir para restaurar e preservar a integridade e as condições de autonomia dos

usuários;

Page 45: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

45

- Contribuir para romper com padrões violadores de direitos no interior da família;

- Contribuir para reparação de danos e da incidência de violação de direitos;

- Prevenir a reincidência de violação de direitos.

3.3.4 Plano de ação essencial ao serviço

- Acolhimento da Denúncia recebida;

- Apropriação da situação denunciada;

- Visita domiciliar: Informar a família do recebimento da situação e agendar atendimento

no CREAS, bem como ter conhecimento da dinâmica atual da família, cruzando os

dados obtidos na denúncia. Também é realizada para acompanhamento da família e

para busca ativa quando necessário;

- Acolhimento Individual: para identificação do histórico familiar e situações de

vulnerabilidades, orientações e encaminhamentos, preenchimento da ficha sócio

econômica, elaboração do Plano de Atendimento Familiar;

- Estudo de Caso: para acompanhamento e evolução do caso, através de discussão

interdisciplinar;

- Atendimento Individual: acompanhamento e orientações e cumprimento do Plano

Individual de Atendimento – PIA;

- Articulação com a rede de Políticas Públicas Setoriais e Sistema de Garantia de

direitos;

Page 46: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

46

- Busca Ativa: para retorno e frequência regular ao Serviço, através de visita domiciliar,

contatos telefônicos e encaminhamentos por escrito;

- Relatório de atendimento referência/contra referência: dar retorno para o Órgão ou

Instituição que encaminhou a denúncia;

- Relatório para Promotoria: nos casos que não houver adesão da família aos

atendimentos ou quando solicitado pela mesma;

- Reunião da Equipe Técnica: para estudo de caso e atualização;

- Reunião com órgão notificador: para atualização das condições da família no

cumprimento das orientações, através de estudo de caso e avaliação interdisciplinar no

sentido de reforçar o cumprimento das orientações;

- Solicitação de intervenção do Ministério Público e Delegacias para responsabilização

dos agressores;

O atendimento fundamenta-se no respeito à heterogeneidade, potencialidades,

valores, crenças e identidades das famílias. Deve garantir atendimento imediato e

providências necessárias para a inclusão da família e seus membros em serviços

socioassistenciais, de forma a qualificar a intervenção e restaurar o direito.

3.4 Perfil dos idosos atendidos no CREAS – Pelotas/RS

O presente estudo teve por objetivo traçar o perfil dos idosos atendidos no

CREAS, podendo assim, discutir a questão da violência contra o idoso na perspectiva

de compreender a posição da família em relação à proteção social do idoso.

Page 47: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

47

Sabe-se que atualmente com o fenômeno do envelhecimento populacional, a

violência contra a pessoa idosa tornou-se um tema amplamente discutido, pois aparece

cada vez mais de forma significativa nas relações familiares.

Sendo assim, será apresentado no presente trabalho o perfil dos idosos vítimas

de violência, atendidos no CREAS, no que se refere à idade, sexo, raça, renda, bem

como o tipo de violência sofrida pelo idoso. Para efeito de análise, os dados referentes

à escolaridade não serão contabilizados, devido à insuficiência de informações obtidas

nos prontuários desses idosos.

A coleta de dados foi feita a partir dos casos de denúncia contra pessoa idosa

recebidos no CREAS no período de junho de 2011 a junho de 2012. Durante este

período foram recebidos um total de 207 denúncias.

Dentre os 207 casos analisados e coletados os dados para traçar este perfil, 52

casos não foram contabilizados devido à insuficiência de informações obtidas nos

prontuários da equipe técnica. Os referidos casos não foram acompanhados, devido às

seguintes situações: 9 casos só foram realizadas orientações através de contato

telefônico, 6 casos onde o idoso veio a óbito antes que a equipe pudesse acompanhar,

2 por não pertencerem a região de Pelotas, 15 onde ainda não havia sido realizada

visita domiciliar, 4 casos onde nunca se encontrou alguém em casa, 2 onde não foi

permitido o acompanhamento pelo CREAS, 6 pelo fato do endereço ser inexistente, 5

casos onde a situação já havia sido solucionada antes do acompanhamento pelo

CREAS, 2 por mudança de endereço e somente 1 caso onde a denúncia não procedia.

Importa destacar que, das denúncias computadas nesta pesquisa, 59 foram

realizadas por familiares ou vizinhos através de busca espontânea ao CREAS,

seguidas de 31 através de serviços de saúde, 18 através do Disque Denúncia, 7

através do Ministério Público, 9 através de serviços socioassistenciais, 20 denúncias

anônimas e 11 de outros órgãos notificadores.

Page 48: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

48

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

50

FEMININO MASCULINO

60/64 ANOS

65/69 ANOS

70/74 ANOS

75/79 ANOS

80 ANOS OU MAIS

3.4.1 Sexo e faixa etária

Em relação ao sexo e faixa etária dos idosos atendidos naquele período, do total

de idosos a maioria pertencia ao sexo feminino, 108, para 47 do sexo masculino,

conforme demonstra o gráfico abaixo:

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

Pode-se constatar que este predomínio de mulheres vêm ao encontro do

panorama de feminilização do envelhecimento, que pode ser explicado pelo fato das

mulheres terem uma maior atenção ao aparecimento de problemas de saúde, melhor

conhecimento destes e maior utilização dos serviços de saúde, por exemplo.

(BERQUÓ, 1998).

Ainda em relação ao sexo feminino, 5 casos se referem à faixa etária dos 60/64

anos; 9 casos na faixa dos 65/69 anos; 18 casos na faixa dos 70/74 anos; 26 casos na

faixa dos 75/79 anos e 50 casos na faixa etária dos 80 anos ou mais.

Page 49: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

49

Em relação ao sexo masculino, foram 4 casos na faixa etária dos 60/64 anos; na

faixa etária dos 65/69 e dos 70/74 anos, ambos tiveram 9 casos; na faixa dos 75/79

anos foram 6 casos e na faixa etária dos 80 anos ou mais 15 casos.

Percebeu-se que a proporção de casos na faixa etária de 80 anos ou mais

referente ao sexo feminino é de 50 casos para apenas 15 do sexo masculino. Portanto,

é possível identificar que a população atendida do sexo feminino atingiu uma proporção

maior em relação ao sexo masculino, principalmente nesta faixa etária

3.4.2 Raça

Conforme gráfico que segue, quanto à raça dos idosos atendidos, temos o

predomínio da raça branca em 86,46% dos casos, ou seja, do total de 155 casos

computados, 134 eram de raça branca, 14 da raça negra e 04 da raça parda. Salienta-

se que a raça não constava no prontuário de 3 casos atendidos.

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

86,46%

9,03%

2,58% 1,93%

BRANCA

NEGRA

PARDA

SEM INFORMAÇÃO

Page 50: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

50

Este perfil pode sugerir que possivelmente as famílias afrodescendentes, talvez

por uma questão cultural, tenham um maior cuidado e zelo pelo seu familiar idoso, onde

a questão da afetividade e respeito pelos mais velhos torna-se evidente. Logo, entende-

se ser este um dado interessante para tema de estudos posteriores.

3.4.3 Condições de moradia e renda

No que se refere às condições de moradia dos idosos atendidos, constata-se que

dos 155 casos computados, 35 moravam sozinhos em casa própria; 15 moravam com

esposo (a) em casa própria; 6 em casa alugada e sozinhos; 2 em casa alugada com

familiares; 3 em casa cedida e sozinho; 9 em casa cedida com familiares; 16 residiam

com algum familiar; 61 moravam em casa própria com familiares (genro, nora, netos,

irmãos, sobrinhos, etc.); 4 residiam na casa de vizinhos e 4 em Instituições de Longa

Permanência.

Pode-se perceber que em relação à moradia dos idosos atendidos 39,35%

residem em casa própria com familiares, conforme gráfico a seguir:

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

22,58%

9,68%

39,35%

3,87%

1,29%

1,94%

5,81%

2,58% 10,32%

2,58%

PRÓPRIA/SOZINHO

PRÓPRIA COM ESPOSO(A)

PRÓPRIA COM FAMILIARES

ALUGADA/SOZINHO

ALUGADA/FAMILIARES

CEDIDA/SOZINHO

CEDIDA/FAMILIARES

ILPS

NA CASA DE FAMILIARES

OUTROS

Page 51: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

51

O gráfico acima demonstra que é notória a proporção de idosos que residem

com familiares. Havia situações em que os idosos residiam apenas com os filhos. Em

outras situações residiam com mais de um familiar ao mesmo tempo como: genro, nora

e netos. Em outras com irmãos, outras com primos e sobrinhos, sendo que o

proprietário da residência era na maioria das vezes o próprio idoso.

Pode-se identificar também um expressivo número de idosos residindo sozinhos,

22,58%. Logo, a co-residência de idosos com filhos, netos, irmãos, familiares em geral

são as que se sobressaem em relação às demais condições de moradia.

De acordo com Minayo (2005), dois terços dos agressores são filhos e cônjuges.

A partir dessa afirmação, torna-se possível supor que esta situação de co-residência

tem grande relação com as ocorrências de violência intrafamiliar contra os idosos

atendidos no CREAS.

Em relação à renda dos idosos, identifica-se que a grande maioria recebe em

torno de 01 a 02 salários mínimos, perfazendo um total de 77,43%, conforme

demonstra o gráfico abaixo:

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

77,43%

3,22%

3,22%

3,22%

3,87%

9,03%

1 a 2 SM

2 a 3 SM

3 a 4 SM

4 a 5 SM

SEM RENDA

SEM INFORMAÇÃO

Page 52: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

52

3.4.4 Vulnerabilidade social e tipo de violência vivenciada

Os gráficos a seguir mostram as vulnerabilidades dos idosos atendidos, bem

como o tipo de violência identificada.

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

Dentre os casos analisados, 69 apresentavam conflitos familiares; 12 situação de

abandono; 27 vítimas de violência, 5 inexistência do grupo familiar; 4 isolamento social;

2 apresentavam problemas com álcool 11 fragilidade de vínculos e 25 apresentavam

algum problema de saúde e dependência do cuidador.

No gráfico a seguir, será apresentado o levantamento de dados em relação a

situação de violência contra idosos atendidos no CREAS.

44,52%

7,74%

17,42%

3,23%

2,58%

1,29%

7,09%

16,13%

CONFLITOS FAMILIARES

ABANDONO

VÍTIMA DE VIOLÊNCIA

INEXISTÊNCIA DO GRUPOFAMILIAR

ISOLAMENTO SOCIAL

ALCOOLISMO/DROGADIÇÃO

FRAGILIDADE DE VÍNCULOS

DEPENDÊNCIA DO CUIDADOR

Page 53: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

53

Fonte: CREAS Pelotas/RS, referente ao período de junho de 2011 a junho de 2012

Analisando os gráficos acima, percebe-se que em 90,32% dos casos de

denúncia, estas foram por ocorrência de violência intrafamiliar. Estes dados vão de

encontro com Faleiros (2007) que diz que as denúncias de violência contra idosos em

relação a violência intrafamiliar apresenta-se nas situações de violência física,

psicológica, financeira, sexual, negligência e abandono.

Quanto ao tipo de violência sofrida, a negligência é disparadamente o maior

índice de ocorrências com 42,58%, seguida de auto-negligência, violência física,

psicológica, violência financeira e abandono. Nos casos atendidos não apareceram

denúncias relativas a violência sexual.

Outro dado importante foi que, dentre os casos analisados, 44,52%

apresentaram conflitos familiares, conforme gráfico anterior referente às

vulnerabilidades. Podendo concluir, dessa forma, que a grande maioria dos casos

geradores de violência partiram da existência de conflitos na família.

7,10%

42,58%

14,19%

7,74%

9,68%

9,03%

4,52% 5,16%

ABANDONO

NEGLIGÊNCIA

AUTO NEGLIGÊNCIA

ABUSO FINANCEIRO

VIOLÊNCIA FÍSICA

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

VIOLÊNCIA EXTRAFAMILIAR

NÃO FOI VERIFICADA VIOLÊNCIA

Page 54: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

54

3.4.5 Motivo de arquivamento dos casos atendidos

Dos 155 casos de denúncias recebidas no CREAS, 90 foram arquivados no

decorrer do período analisado, sendo que os motivos foram os seguintes: 47 casos

tiveram os problemas sanados em atendimento da equipe técnica do CREAS, uma vez

que obteve-se êxito no acompanhamento, tendo uma superação no quadro de violência

ou maus tratos ao idoso; 13 casos arquivados pelo fato de terem sido encaminhados

aos órgãos competentes, dentre eles Ministério Público, delegacias da área ou rede de

atendimento em geral; 17 casos de óbito e em apenas 13 dos casos recebidos a

denúncia não procedia.

3.5 Desafios da prática interdisciplinar no contexto do CREAS

A atuação do Assistente social neste contexto, não deve ter uma postura isolada,

deve aliar-se com os demais profissionais que se incluem nas atividades institucionais,

a fim de questionar os programas, os projetos e a forma de atendimento à população

para que os serviços possam ser utilizados por ela da melhor maneira possível.

Com as reformas e transformações que vêm ocorrendo nas áreas de atuação em

específico nas políticas públicas, o profissional de serviço social tem ampliado e

diversificado sua atuação, desempenhando suas funções além das específicas de sua

profissão. Enquanto uma prática profissional engajada na divisão sócio técnica do

trabalho, deve reconhecer a importância do compromisso com a cidadania do usuário.

Deve estar sempre desafiando e se desafiando, pois mesmo reconhecendo as

limitações da prática, o Assistente Social deve colocar-se ao lado do usuário, partindo

da busca de soluções de seus problemas e na luta por uma sociedade de iguais.

Pode-se dizer que um dos desafios para que isto aconteça é a exigência de uma

postura pluralista, ou seja, há uma necessidade de permanente diálogo com as demais

profissões, privilegiando o trabalho em equipes interdisciplinares, por exemplo. Assim,

Page 55: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

55

espaços de trabalho mais democráticos vão sendo resgatados o que vai beneficiar

quem neles trabalha e quem a eles recorre.

Neste sentido, a prática interdisciplinar é uma prática que vem sendo cada vez

mais vivenciada, mais precisamente a partir da década de 80 quando os profissionais

começaram a perceber que trocas e correlações de experiências entre as áreas do

saber traziam benefícios em futuras intervenções.

O Assistente Social já é por excelência um profissional interdisciplinar, pois sua

prática requer múltiplos saberes para poder intervir. No que tange as políticas públicas,

é preciso pensar o indivíduo no seu todo, tornando-se indispensável esta prática

interdisciplinar.

Nesse contexto, como já mencionamos anteriormente, o trabalho no CREAS

segue os pressupostos do SUAS, com isto o trabalho em equipe realizado no CREAS é

caracterizado por uma horizontalidade das relações de saber entre os campos

envolvidos. Existe uma reciprocidade, uma cooperação e enriquecimento mútuo entre

os membros da equipe, pois estes profissionais apresentam um consenso a respeito

dos elementos necessários à um trabalho em equipe que se resume em troca, respeito,

objetivos únicos, complementaridade, horizontalidade, cooperação e comunicação.

Esta prática permite a construção de um atendimento diferenciado que ao

privilegiar a abordagem interdisciplinar, contribui para uma assistência de qualidade ao

usuário do CREAS. Torna-se importante também considerar que a proposta de

intervenção em equipe dá a oportunidade de construir-se um projeto profissional que

não coloca nenhum saber no centro do poder, ao contrário, esta lógica de organização

do trabalho favorece a presença de todas as áreas atuantes no processo de avaliação e

definição das necessidades dos usuários que procuram o serviço.

Page 56: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

56

Quanto ao Assistente Social pode-se dizer que devido a sua visão crítica da

realidade, garante ao usuário um espaço para o exercício de sua cidadania, tornando-o

sujeito social com direitos e deveres e capaz de transformar a realidade em que vive.

Os profissionais que compõe a equipe técnica não são os “donos da verdade”,

de um saber específico. Isso percebe-se principalmente na interação da equipe com os

demais profissionais da rede de atendimento. O trabalho no CREAS é desenvolvido

sem hierarquia nas relações profissionais. Tudo que se resolve é decidido em equipe,

respeitando-se a posição de todos os colegas.

Os profissionais que atuam no CREAS percebem a questão do sofrimento

humano como fruto de uma complexidade de fatores (desemprego, problemas de

relacionamento, desatrelamento familiar, etc.), e portanto não é possível trabalhar

sozinho, ou melhor, com apenas uma visão a respeito do problema do usuário, pois

cada profissional com sua especificidade, com sua visão, contribui de forma diferente

no alcance de um mesmo objetivo que é o bem-estar do usuário e de sua família.

Conforme Fazenda apud Sá, “a interdisciplinaridade não se ensina, nem se

aprende, simplesmente vive-se, exerce-se e por isto exige uma nova pedagogia, a da

comunicação” (2000, p. 82)

A partir da citação acima é possível concluir que a prática interdisciplinar é um

processo que deve ser aperfeiçoado, vivenciado a cada dia. É um trabalho que requer

um “saber lidar” com os conflitos, com as divergências de ideias e de opiniões,

respeitando o espaço as ideias e opiniões da equipe, para que assim se efetive de fato

ações interventivas com o propósito de promoção e manutenção de uma melhor

qualidade de vida dos usuários atendidos.

Page 57: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

57

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões relativas ao envelhecimento sempre fizeram parte da existência da

humanidade, no entanto o processo acelerado de envelhecimento da população é um

fenômeno novo, especialmente aos países em desenvolvimento como o Brasil. Assim

sendo, torna-se necessário ter consciência do que ocorre com o organismo, a mente e

o ambiente das pessoas enquanto envelhecem.

Devido às transformações e exigências do mundo moderno e ao já citado

processo acelerado de envelhecimento, é possível afirmar que as famílias não se

encontram preparadas para receber e lidar com os seus idosos, o que muitas vezes

gera uma sobrecarga nos familiares e possivelmente situações que gerem violência,

conforme foi revelado no decorrer do trabalho.

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto do Idoso constituem-se marcos

legais por meio dos quais a sociedade dá um passo decisivo no reconhecimento da

cidadania desse grupo social. Assim, concorda-se com Minayo (2005) quando afirma

que o nosso país deu passos importantes para que venham a se estabelecer novas

práticas e nova mentalidade nas famílias, nas instituições e na sociedade em geral. Aos

idosos brasileiros são assegurados respeito, liberdade e dignidade, como pessoa

humana e sujeito de direitos.

A questão da violência contra o idoso é uma demanda relevante que requer

atenção não somente do poder público, mas da sociedade em geral, visto que impõe

obstáculos ao envelhecimento seguro e digno. No bojo da Política de Assistência

Social, o trabalho do CREAS revela-se de extrema importância, uma vez que visa o

Page 58: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

58

fortalecimento dos vínculos familiares visando a superação das situações violadoras de

direitos e a garantia de medidas de proteção aos idosos.

Conforme revelou a pesquisa realizada no CREAS de Pelotas/RS, pôde-se

perceber o alto índice de denúncias recebidas no período que a pesquisa foi realizada,

revelando a inquestionável importância dos serviços voltados para atendimento aos

idosos, haja vista que o número de instituições para este fim ainda se encontra

reduzido. Como exemplo, pode-se citar que no município de Pelotas ainda não existe

uma Delegacia Especializada conforme prevê no Estatuto do Idoso.

O exercício profissional do assistente social no trabalho com idosos no CREAS

deve ser norteado pelo projeto ético-político profissional e pelo Código de Ética, através

do compromisso com a classe trabalhadora e pela busca da ampliação e consolidação

dos direitos sociais.

Para tanto, é necessário ser um profissional crítico, propositivo, não apenas

executor das políticas sociais. Ter a capacidade de compreender o movimento da

realidade social, elaborando respostas mais qualificadas às demandas apresentadas no

dia a dia profissional, procurando sempre desenvolver uma atuação interdisciplinar, a

fim de fortalecer a democracia e o controle social.

É nesse sentido que, juntamente com Iamamoto (2006 p. 75), acredita-se que “o

desafio é re-descobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no

cenário atual; traçar horizontes para a formulação de propostas que façam frente à

questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam.”

Page 59: Monografia Gabriela Pereira Di Muro.pdf

59

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