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MONITORAMENTO DA GESTÃO DE QUALIDADE EM UMA UNIDADE DE
ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NA CIDADE DE PONTA GROSSA – PARANÁ
Mary Helen Ribeiro dos Santos (UTFPR – Campus Ponta Grossa) e-mail: [email protected]
Adriana Rute Cordeiro (UTFPR – Campus Ponta Grossa) e-mail: [email protected]
Resumo: Levando-se em consideração o crescente índice de desperdício de alimentos apresentados no Brasil,
um país onde mais de 30 milhões de pessoas estão abaixo da linha da pobreza, este estudo teve por objetivo
monitorar a gestão da qualidade de uma Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) da cidade de Ponta Grossa –
Paraná, do ponto de vista do desperdício de alimentos e apontar possíveis soluções, pois desperdiçar é acima de
tudo antiético e um desrespeito à cidadania. O estudo foi desenvolvido durante o mês de julho de 2009 em uma
UAN de uma empresa de grande porte do setor de alimentos da cidade. Foram coletados dados, além de avaliar a
quantidade de alimento desperdiçado durante o tempo do estudo. Os resultados demonstram que o desperdício se
mostra cada vez maior nesse tipo de empresa e que uma possível solução é investir em treinamento de
colaboradores e educação dos comensais.
Palavras-chave: Desperdício, UAN, educação.
1. Introdução
A saúde é um direito de todo cidadão, tal como está expresso na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, promulgada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Mas,
para que haja saúde, é fundamental que os alimentos sejam produzidos em quantidade e com
qualidade apropriada (GERMANO e GERMANO, 2001; OLIVEIRA et al., 2008).
Os alimentos são essenciais à vida, eles têm o objetivo de fornecer ao organismo combustível
e material de construção e reparo dos tecidos, além de regular as funções orgânicas. Convém
distinguir alimentação e nutrição. A alimentação é o fornecimento ao organismo de todas as
substâncias necessárias para seu crescimento, manutenção e reprodução. A nutrição ocorre na
intimidade do organismo, constituindo-se na transformação, assimilação, aproveitamento ou
rejeição dos alimentos ingeridos (RIEDEL, 1992).
A sobrevivência do homem depende de sua alimentação. Desde que o homem passou a
plantar para conseguir sua subsistência, preocupa-se com a produtividade dos alimentos, com
os aspectos relacionados a perdas como a maior resistência às pragas, à variação climática, às
perdas na manipulação até chegar às prateleiras. Porém, durante todo o processo em que os
produtos passam até chegar ao consumidor final, gera-se desperdício (VASCONCELOS,
2008). Sabe-se que o desperdício de alimentos nesse país é resultado de falhas deixadas pelo
processo de desenvolvimento. É evidente, ainda, que o problema do desperdício de alimentos
é um fenômeno que faz parte de um quadro maior, que compreende todas as conseqüências do
complexo mundo moderno em que vivemos (GOULART, 2008).
A cultura do desperdício se incorporou de tal forma à vida brasileira que nada de concreto é
feito para reverter os números absurdos do que se perde, que fizeram do País o campeão
mundial de desperdício. Segundo dados da Organização das Nações Unidas, o Brasil manda
para o lixo 30% de tudo que produz, isto é, 160 bilhões de dólares por ano, que poderiam
aliviar a fome de mais de oito milhões de famílias. Num país onde mais de 30 milhões de
pessoas estão abaixo da linha da pobreza, desperdiçar é acima de tudo antiético e um
desrespeito à cidadania (INSTITUTO ETHOS, 2010).
O setor de Alimentação Coletiva vem se tornando um mercado representativo na economia
mundial. O ritmo de vida moderno contribui significativamente para a conquista deste espaço.
O mercado da alimentação é dividido em: alimentação comercial e alimentação coletiva;
sendo que os estabelecimentos que trabalham com produção e distribuição de alimentação
para coletividades, atualmente recebem o nome de Unidade de Alimentação e Nutrição
(UAN) (Proença, 2000). Em uma UAN (Unidade de Alimentação e Nutrição), o desperdício é
proveniente da sobra de alimentos (alimentos preparados e não distribuídos) e restos
(alimentos distribuídos e não consumidos) (BRADACZ, 2003).
A dimensão e a importância do setor na economia nacional podem ser medidas a partir dos
números gerados pelo segmento no ano 2.002, o mercado de refeições coletivas como um
todo fornece 4,9 milhões de refeições/dia, movimenta uma cifra superior a 4 bilhões de reais
por ano, oferece 150 mil empregos diretos, consome diariamente um volume de 2,5 mil
toneladas de alimentos e representa para os governos uma receita de 1 bilhão de reais anuais
entre impostos e contribuições. Calcula-se que o potencial das refeições coletivas no Brasil é
superior a 40 milhões de unidades diariamente, o que demonstra que o segmento ainda tem
muito que crescer. (ABRASEL, 2002).
A unidade de alimentação e nutrição (UAN) é considerada como uma unidade de trabalho ou
órgão de uma empresa, que desempenha atividades relacionadas à alimentação e nutrição,
independente da situação que ocupa na escala hierárquica da entidade (TEIXEIRA et al,
2006). É a área de produção de refeições que tem a finalidade de comprar, receber, armazenar
e processar alimentos, para posterior distribuição de refeições(NONINO-BORGES, 2006).
No Brasil, as UAN´s iniciaram no governo de Getúlio Vargas, que em 1939 decretou a lei
número 1238 obrigando as empresas com mais de 500 funcionários a instalar refeitórios para
os mesmos no local onde se concentrava a força de trabalho. Desse momento em diante, os
processos relacionados à preparação de alimentos evoluíram e surgiram as primeiras empresas
prestadoras de serviços na área de alimentação industrial (MÜLLER, 2008).
Cada alimento perdido em virtude de erros em processos, planejamento ou por consumo
inadequado dos clientes, torna-se um grande vilão no controle de custos de matéria-prima. Por
isso, a utilização de ferramentas que evidenciem as perdas existentes, bem como a
mensuração das mesmas e posteriores intervenções, são fundamentais e imprescindíveis para
a lucratividade da empresa e satisfação do cliente atendido (RIBEIRO, 2002). Evitar o
desperdício também significa aumentar a rentabilidade da UAN, pois os restos alimentares
trazem em si uma parcela dos custos de cada etapa da produção: custos de matéria-prima,
tempo e energia, da mão-de-obra e dos equipamentos envolvidos (CORRÊA et al, 2006).
O objetivo desse estudo foi monitorar o sistema de gestão da Unidade de Alimentação e
Nutrição (UAN) quantificando o desperdício de alimentos e apontando possíveis soluções.
2. Metodologia
O estudo foi realizado em uma UAN na cidade de Ponta Grossa – Paraná, durante o mês de
julho de 2009, em uma empresa de grande porte do setor alimentício. Os dados coletados
foram: perfil do comensal, número de refeições/dia servidas, quantidade de alimento
desperdiçado e o custo médio de cada refeição.
O perfil do comensal, o número de refeições/dia servidas e o custo médio da refeição, foram
obtido através de dados coletados juntamente com a empresa. O desperdício de alimentos
(Kg) foi obtido através da pesagem das sobras descartadas pelos comensais. O peso do
desperdício foi convertido em número de refeições para se obter dados os mais reais
possíveis. Após essa conversão foi também calculado o custo desses alimentos desperdiçados.
3. Resultados e Discussão
A UAN servia em média 1200 refeições em quatro diferentes setores da empresa. Essas
refeições eram distribuídas entre almoço, jantar e ceia. O perfil dos comensais e o número de
refeições servidas diariamente estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 – Número de refeições/dia servidas por setor
Setor Número de refeições
Produção 730
Manutenção 200
Administrativo 120
Terceiros 150
Fonte: autor
O peso médio de cada refeição servida era de aproximadamente 500g, independente do perfil
do comensal. A refeição era composta de arroz, feijão, guarnição, duas opções de carne, três
opções de saladas e sobremesa. A UAN em estudo tratava-se de uma empresa terceirizada,
que presta serviços a uma indústria do ramo alimentício de grande porte da cidade, o valor
fixado em contrato para cada refeição era de R$ 3,93.
Durante o mês foram coletados e pesados todo o alimento descartado pelos comensais e
realizada uma média semanal desse desperdício. A Tabela 2 apresenta o valor médio do
desperdício para cada semana do mês.
Tabela 2 – Valor médio do desperdício de alimentos
Semanas Valor médio resto-
ingesta (g) individual
Valor médio resto-
ingesta (kg) coletivo
1º semana (5 dias) 36 216,0 2º semana (7 dias) 42 352,8 3º semana (7 dias) 39 327,6 4º semana (7 dias) 54 453,6 5º semana (5 dias) 46 276,0
Total no mês 217 1626,0 Fonte: autor
De posse desses dados, pode-se observar que durante um mês a UAN tem um desperdício
equivalente a 1626 Kg, somente de resto-ingesta. Esse desperdício seria suficiente para servir
mais 3252 refeições, o que significa que seriam quase 3 dias de refeições. Já esses valores
transformados em R$, geram um prejuízo em torno de R$ 6390,18, sendo que casa refeição
custa R$ 3,93.
Em um estudo realizado por Augustini et al. (2008) em uma UAN de uma empresa
metalúrgica em Piracicaba – SP os autores analisaram o índice de resto- ingesta o qual visa
avaliar as quantidades desperdiçadas por motivos como aceitação no cardápio e
porcionamento inadequado por parte do comensal, em relação à quantidade de alimentos
produzida. Os autores verificaram que o desperdício de alimentos era o suficiente para
alimentar 11442 pessoas, relataram ainda que quanto maior o valor deste índice, menor a
satisfação do consumidor. Num outro estudo feito por Nonino-Borges et al (2006) na UAN da
unidade de Emergência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
da Universidade de São Paulo os autores constataram que existe uma quantidade excessiva de
restos alimentares, considerando em média 33% da quantidade de alimentos oferecidas.
Pedro e Claro (2010) em um estudo de caso de um restaurante popular localizado no
município de São Vicente – Estado de São Paulo, observaram um elevado desperdício de
alimentos e concluíram que atingir melhorias é fundamental para a sobrevivência desses
modelos de restaurante e para isso é necessário o envolvimento de toda a equipe, em todos os
processos operacionais.
Muller (2008) avaliou o desperdício de alimentos na distribuição do almoço servido para os
funcionários de um hospital público de Porto Alegre – RS e concluiu que normalmente o
desperdício de resto ingesta está relacionado com a qualidade da refeição servida e que
mudanças no cardápio diminuiriam esse desperdício.
Augustini et al. (2008), avaliaram o índice de resto-ingesta e sobras em uma Unidade de
Alimentação e Nutrição (UAN) de uma empresa metalúrgica na cidade de Piracicaba/SP e
perceberam que com relação ao índice de resto-ingesta os valores encontrados são abaixo de
10%, com exceção do 14º dia no período do jantar, quando o percentual foi de 11,15%. Com
o desperdício de alimentos gerados na UAN poderiam alimentar cerca de 11442 pessoas.
Através dos resultados obtidos concluiram que é necessário um processo de treinamento dos
colaboradores e conscientização dos comensais, por meio de campanhas de combate ao
desperdício, para que haja diminuição destes índices.
Rosa et al. (2008) avaliaram o desperdício através do índice de resto-ingesta e sobras gerados
em uma U.A.N. do município de Pelotas/RS, durante 5 dias do mês de julho de 2008 durante
a distribuição do almoço, onde a unidade fornecia diariamente neste turno cerca de 260
refeições, exceto refeições transportadas. Através dos resultados obtidos concluíram que
embora os valores de índice de resto-ingesta estivessem dentro do recomendado pela
literatura, o percentual de sobras encontrava-se muito elevado, o que sinalizava a necessidade
de um maior controle no processo produtivo para minimizar o desperdício de alimentos.
Santos et al. (2005) em estudo avaliaram o desperdício de alimentos no Restaurante
Universitário (RU) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e os resultados mostraram
significativo desperdício de alimentos e materiais descartáveis e propuseram campanhas de
concientização com os comensais.
4. Conclusão
De posse dos resultados apresentados, e após a discussão sobre o diagnóstico da realidade, foi
possível concluir que a quantidade de resto-ingesta está diretamente ligada à qualidade do
cardápio, pois quando o cardápio agradava os comensais, observou-se que o desperdício era
menor.
Foi possível também concluir que tanto a capacitação dos colaboradores quanto a
concientização dos comensais é essencial para resultados eficientes. Para tanto, sugere-se a
padronização de processos e serviços, por meio da elaboração de rotinas e procedimentos
técnicos operacionais, treinamento da equipe e monitoramento das atividades. Além de
investimentos em educação dos comensais, pois a literatura indica que já foram obtidos
excelentes resultados com esse tipo de campanhas.
Os resultados obtidos na realização deste trabalho vêm ao encontro com o preconizado
no mundo: o desperdício é cada vez maior e a educação é o melhor investimento em uma
sociedade, trazendo indicativos que investimento na educação traz em curto prazo resultados
positivos.
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